SUB-MÓDULO INOVAÇÃO E TECNOLOGIA - A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DA METRÓPOLE NA NOVA DIVISÃO INTER-REGIONAL DO TRABALHO EQUIPE: PESQUISADORES: FABIANA SANTOS MAURO BORGES LEMOS ÍNDICE 1. A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DAS METRÓPOLES ............................................................................................................................ 39 2. POTENCIALIDADES E VANTAGENS LOCACIONAIS DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE.............................................................................................................. 42 3. SISTEMA LOCAL DE INOVAÇÃO E A VOCAÇÃO DA METRÓPOLE........................... 45 3.1 POTENCIAL CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA RMBH BELO HORIZONTE - O LADO DA OFERTA................................................................................................................. 47 3.2 POTENCIAL CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA RMBH E ESTRUTURA PRODUTIVA – O LADO DA DEMANDA............................................................................. 55 3.3 ÁREAS DE EXCELÊNCIA CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS DA RMBH................ 61 4. O PROJETO DO PARQUE TECNOLÓGICO DE BH ........................................................... 62 5. CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 66 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... 67 38 INOVAÇÃO E TECNOLOGIA - A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DA METRÓPOLE NA NOVA DIVISÃO INTER-REGIONAL DO TRABALHO 1. A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E A REDEFINIÇÃO DO PAPEL DAS METRÓPOLES As várias transformações pelas quais a economia mundial vem passando nas últimas décadas, com a consolidação de um novo paradigma técnico-econômico, baseado no conhecimento e na globalização das atividades produtivas, têm levado a uma redefinição do papel econômico das metrópoles na nova divisão inter-regional do trabalho e, por extensão, de suas vantagens competitivas. De um lado, observa-se o esvaziamento das metrópoles, com respeito àquelas atividades de maiores custos urbanos, de menor valor agregado, com significativas externalidades negativas (por exemplo, poluição atmosférica, sonora, hídrica) e mais intensivas em trabalho pouco qualificado, associadas ao paradigma tecnológico anterior. De outro, no novo paradigma, a vantagem competitiva das nações e regiões, seu sucesso econômico e desenvolvimento social dependem, fundamentalmente, da geração e aplicação do conhecimento - isto é, de sua base de conhecimento – no desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos. A manutenção da vitalidade e competitividade das metrópoles (como de resto do país ou região) passa, assim, a estar relacionada com a sua capacidade de aprendizado e inovação, determinada, em grande medida, pelos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e na viabilidade de sua aplicação empresarial. Essa mudança na natureza do desenvolvimento das metrópoles está intrinsecamente ligada às novas condições e requisitos institucionais, sociais e culturais necessários à reprodução da base de conhecimento. De fato, a geração e a aquisição de “conhecimento” envolvem, acima de tudo, processos de aprendizagem – “aprender fazendo”, “aprender usando”; “aprender interagindo” e “aprender a aprender” - que são socialmente construídos e localizados. Isto porque dependem, sobretudo, de relações interpessoais, inter-firmas (untraded interdependencies, na terminologia de STORPER, 1995) e de insumo-produto (traded interdependencies, também STORPER, 1995), que só se realizam plenamente e dão origem a processos de aprendizagem coletiva e de difusão do conhecimento tácito e codificado quando há proximidade física e cognitiva. Vale dizer, o ambiente local deve atuar como facilitador e estimulador das “interações 39 coletivas” e da ligação entre um sistema de produção e uma cultura tecnológica particular (SANTOS et al., 2002). Nesse sentido, como apontam COFFEY e BAILLY (1996), o ambiente local é um “espaço criado, que é tanto o resultado como a pré-condição para a aprendizagem – um recurso ativo mais do que uma superfície passiva”. Assim, a metrópole deve ser redesenhada, buscando consolidar um “ambiente inovador” (milieu inovateur), por meio da montagem de um sistema local de inovação. Este, por sua vez requer: a presença de capital social básico mínimo, interações entre firmas, escolas, universidades, centros de treinamento; redes formais e informais entre fornecedores e compradores para troca de informações e conhecimento tácito; sinergias, ou “excedente” inovativo, de cultura compartilhada; existência capacitações gerenciais estratégicas em áreas tais como educação, inovação e suporte empresarial (ASHEIM E COOKE, 1997). Exige também uma série de condições estritamente vinculadas à escala urbana local. Em primeiro lugar, o centro urbano deve possuir densidade urbana mínima de serviços complexos modernos que seja capaz de alimentar e sustentar os retornos crescentes da aglomeração local e contribuir para a constituição de uma rede de colaboradores externos (consultores especializados, serviços tecnológicos modernos, etc.) às empresas inovadoras, durante os diferentes estágios de desenvolvimento da inovação. Em segundo lugar, a sua área de mercado deve ser ampla e densa o suficiente para permitir o aumento das economias de escala localizadas, especialmente as externas. Em terceiro lugar, o centro urbano deve concentrar parcela da elite política e de negócios que tomam decisões relativamente aos investimentos públicos e privados, de forma a reduzir a incerteza financeira1. Em quarto lugar, a base produtiva e de consumo do centro urbano deve ser suficientemente desenvolvida e diversificada, de forma a ser capaz de criar demandas para as empresas inovadoras. Em quinto lugar, o centro urbano deve ser relativamente internacionalizado, de modo a facilitar o acesso não somente a novos conhecimentos e novas tecnologias desenvolvidos na fronteira tecnológica, mas, também, a uma demanda mais sofisticada e exigente em termos do conteúdo técnico e de serviços incorporados aos produtos (design, marketing, serviços pós-venda, etc.), tornando possível a diversificação da base exportadora local (SIMMIE, 2002). 1 Como a incerteza financeira é um dos principais problemas enfrentados pelos inovadores, a capacidade de resolver, localmente, problemas financeiros, combinada com a disponibilidade de alguns tipos de conhecimento necessários para a tomada de tais decisões, são importantes recursos para os inovadores. 40 Por estas razões, a montagem de verdadeiros ambientes inovadores, por meio da consolidação de sistemas locais de inovação, integradores da ciência e tecnologia, é crucial para o futuro econômico das metrópoles, pois coloca em uso, explora e aprofunda os conhecimentos já existentes e suas aplicações e cria novos conhecimentos. Além disso, esses sistemas atuam como núcleo dinamizador de crescimento, através da indução do desenvolvimento de economias de localização e urbanização. Tais economias resultam em vantagens pecuniárias e tecnológicas, advindas de menores custos de implantação de novos empreendimentos e expansão de atividades existentes, a partir de uma significativa concentração espacial de atividades de P&D e de serviços modernos. De um lado, seu papel indutor possibilita a constituição de um mercado de trabalho local altamente especializado, cooperação científica e tecnológica por meio de atividades cruzadas de P&D e aprendizado, via troca de conhecimento tácito e informações. De outro, promove o adensamento e diversificação do setor serviços, particularmente de seus segmentos mais especializados e sofisticados, a modernização e o incremento de sua produtividade, necessários à sustentação de atividades de elevado conteúdo tecnológico e à atração e fixação de força de trabalho altamente qualificada. A presença de universidades e instituições de pesquisas potencializa significativamente os efeitos multiplicadores da concentração de atividades de P&D no local. É importante ressaltar, entretanto, que a relevância destes sistemas, como mecanismo de indução aos encadeamentos estritamente produtivos, depende da estrutura industrial da região em que se localiza. Regiões que possuem estrutura industrial caracterizada por forte integração produtiva e relativa sofisticação tecnológica tendem a ter mais oportunidades de exploração dos encadeamentos interindustriais, a partir da concentração de atividades de P&D no local. Os impactos potenciais seriam a localização de atividades industriais que poderiam se beneficiar de encadeamentos a montante com as empresas de P&D, com efeito posterior de indução à localização de serviços modernos ligados à produção. Um impacto locacional particular seria aquele intra-firma de encadeamento a jusante sobre a localização do complemento manufatureiro e outras funções de negócios de empresas com atividades de P&D já ali estabelecidas. Com base nas considerações acima, pode-se dizer que Belo Horizonte e seu entorno (a RMBH) possuem as condições mínimas necessárias à implantação de um verdadeiro ambiente inovador. De fato, em Belo Horizonte, existem oportunidades para a exploração de economias de urbanização, ao mesmo tempo em que a cidade possui um piso de escala de aglomeração e 41 densidade urbanas (infra-estrutura física e de conhecimento) para a geração de retornos externos crescentes de escala, não correndo o risco de se criar um pólo isolado, ou enclave de alta tecnologia, sem nenhum impacto sobre a economia local ou regional. A seguir, discutimos em maior detalhe este ponto, buscando mostrar que Belo Horizonte apresenta as condições necessárias para a consolidação de um verdadeiro sistema local de inovação. Através dele, a cidade poderá redefinir o seu papel econômico e se posicionar competitivamente na nova divisão inter-regional do trabalho. 2. POTENCIALIDADES E VANTAGENS LOCACIONAIS DA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE Em termos regionais, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) constitui importante e expressivo pólo econômico nacional, estendendo sua influência direta para a área central do estado de Minas Gerais. Em termos estritos, esta mesorregião constitui o núcleo primeiro e principal da economia do estado, configurando uma região plenamente integrada e dinâmica, a qual responde por mais de 50% do PIB de Minas Gerais. A proximidade das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, que chegou a constituir uma desvantagem locacional em passado mais remoto, transformou-se em vantagem para a RMBH, na atual etapa do desenvolvimento brasileiro. A dimensão populacional, a oferta de serviços modernos, a diversificação industrial, a complementaridade entre as estruturas industriais da região central de Minas Gerais e da indústria paulista, a duplicação da rodovia Fernão Dias, o crescimento do corredor industrial entre a região central e o sul de Minas Gerais, a proximidade dos grandes mercados nacionais transformaram a RMBH em uma importante alternativa locacional para investimentos industriais e de serviços. Ademais, não possui, por um lado, as desvantagens decorrentes das deseconomias de aglomeração das metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo e possui, por outro lado, importantes economias de aglomeração, propiciadas pela escala demográfica e econômica já alcançada, bem como pela base da infra-estrutura física, especialmente do sistema de transportes, e da infra-estrutura social, refletida pelo mercado de trabalho profissional, pela base acadêmicouniversitária e pela oferta de serviços urbanos modernos. Entre as vantagens de Belo Horizonte, destacam-se algumas. Uma dessas vantagens é o compartilhamento de serviços mais sofisticados com São Paulo e Rio de Janeiro nos dois 42 sentidos, vale dizer, como consumidores desses serviços e como produtores para um mercado mais amplo. Uma segunda vantagem é o compartilhamento das relações interindustriais do complexo industrial paulista, viabilizando a expansão industrial mais diversificada nestas duas regiões. Terceiro, a possibilidade de intensificação da venda sistemática de serviços produtivos normais (projetos de engenharia civil, consultorias diversas e outros), tendo como base o menor custo das remunerações, real e nominal, prevalecente em Belo Horizonte. Quarto, as indústrias relativamente exigentes em escala e custo de transporte podem optar, em função do menor custo urbano, pela localização na RMBH, decidindo pelo abastecimento, a partir daqui, para Rio e São Paulo. Quinto, a infra-estrutura criada pelas bases exportadoras mineral e metal-mecânica ajuda na viabilização da região. Sexto, tem-se a centralidade de Belo Horizonte como ponto de passagem para parte do Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Neste sentido, localizações industriais, comerciais ou mesmo de alguns serviços que combinem escala relevante com custo de transporte mediano, o que configuraria uma área de mercado ideal para regiões centrais, poderiam optar por Belo Horizonte, ao invés de se fixarem conservadoramente no Rio e São Paulo ou mesmo avançarem para macropólos geograficamente mais distantes. Sétimo, e mais importante, a atuação de fatores desaglomerativos no Rio e São Paulo – que propiciam aumento do custo urbano, com conseqüências tanto no custo de vida quanto na qualidade de vida comparativamente a Belo Horizonte, acabam por gerar um fator locacional negativo para aquelas duas metrópoles, especialmente ao se combinarem todos os fatores acima assinalados. Por último, como conseqüência e fator cumulativo de todos estes pontos, à medida que esta região metropolitana cresce, vão-se desenvolvendo economias externas, isto é, ganhos de aglomeração, os quais fazem aumentar, em muito, suas possibilidades locacionais. No entanto, as vantagens locacionais e a base produtiva local são condições necessárias, mas não suficientes, para mensurar o potencial de Belo Horizonte na construção de um ambiente de inovação. Os fatores de oferta científica e tecnológica – refletidos na capacitação científica local, na capacidade de absorção de conhecimento científico aplicado e na capacidade de inovação tecnológica - são decisivos para a sua viabilidade. Como mostra a literatura internacional, as âncoras da capacitação científica são universidades de grande porte, capazes de estabelecer sinergias de conhecimento com outras instituições locais de pesquisa e criar ambiente favorável para interação com empresas de P&D. Sem dúvida, a UFMG preenche estes requisitos de instituição científica âncora, dada sua tradição 43 de pesquisa e de formação em pós-graduação, que a qualifica no Brasil como uma universidade voltada para a pesquisa. Como é conhecido, a UFMG está classificada entre as cinco maiores universidades públicas do país por qualquer critério de capacitação e formação científica, quer seja através de indicadores de produção científica, de infra-estrutura de pesquisa e de formação em pós-graduação. Além disso, a capital e seu entorno contam com uma rede de instituições científicas e de ensino (por exemplo, PUC Minas, UFOP, UEMG, CEFET, CETEC, René Rachou/Fiocruz, Funed, Embrapa, Epamig); de incubadoras de base tecnológica consolidadas (Biominas, Insoft, Inova, Itebe e Nascente); e de instituições de apoio e fomento (FAPEMIG), capazes de sustentar um rede de transferência de conhecimento e informações. Em termos de sua capacidade de absorção de conhecimento científico aplicado – medida pela participação do pessoal ocupado em atividades ligadas às áreas de formação tecnológica2 local no total de pessoal ocupado dessas áreas no país - a RMBH fica em terceiro lugar no Brasil, abaixo de São Paulo e Rio, mas acima das duas metrópoles regionais consideradas suas concorrentes diretas, Porto Alegre e Curitiba (TAB. 1). TABELA 1 DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DO EMPREGO LIGADO ÀS ÁREAS DE FORMAÇÃO TECNOLÓGICA* ENTRE AS RMs BRASILEIRAS, 1992 - 1999 RM 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 São Paulo 45,93 38,63 42,71 38,77 44,21 40,96 40,88 Média Dec. 90 41,73 Belo Horizonte 5,99 8,90 7,15 7,03 6,71 6,62 7,15 7,08 Curitiba 4,90 4,60 4,69 5,14 5,34 5,46 6,34 5,21 Porto Alegre 6,15 6,17 6,30 6,97 5,75 5,92 7,12 6,34 Demais RMs 37,03 41,71 39,15 42,10 37,99 41,05 38,51 39,65 Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: CAMPOS (2002), dados FIBGE – PNAD: 1992-93, 1995-99 * Compõem esta categoria pesquisadores, engenheiros, químicos, matemáticos e assemelhados Por fim, a capacidade de introduzir inovações tecnológicas indica o quão inovadora é a localidade e sua cultura de inovação, ou seja, mede o potencial da localidade de desenvolver verdadeiro ambiente de inovação. Apesar de suas limitações, o número de patentes é o indicador mais usado pela literatura para medir tal capacitação tecnológica. Para isto, utiliza-se o número 2 Foram selecionadas as seguintes ocupações: engenheiros, arquitetos e especialistas assemelhados; ocupações auxiliares da engenharia e arquitetura; químicos, farmacêuticos, físicos e especialistas assemelhados; ocupações auxiliares da química, farmácia e física; agrônomos, biólogos, veterinários e especialistas assemelhados; matemáticos, estatísticos e analistas de sistemas; outras ocupações técnicas, científicas e assemelhadas. 44 de patentes registradas junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Os resultados deste indicador para as regiões metropolitanas brasileiras colocam Belo Horizonte também na quarta posição, alternando com Porto Alegre a cada ano, mesmo que muito distante de São Paulo (TAB. 2). TABELA 2 TOTAL DE PATENTES INDEXADAS NO INPI POR REGIÕES METROPOLITANAS E MICRORREGIÕES SELECIONADAS ENTRE 1990 E 2000 Região São Paulo Rio de Janeiro Porto Alegre Belo Horizonte Curitiba Salvador Outras RMs Sub Total Resto Do Brasil Total Patentes % Das Regiões 3219 48,28 843 12,64 443 6,64 368 5,52 322 4,83 63 0,94 1410 21.15 6668 100,00 1573 8241 - % Do Brasil 39,06 10,23 5,38 4,47 3,91 0,76 17,11 80,91 19,09 100,00 Fonte: ALBUQUERQUE et al. (2003), dados do INPI, 2002 A reunião destes três fatores mostra que a cidade possui condições relativas favoráveis para transformar-se em pólo urbano com escala científica e tecnológica suficiente para sustentar seu crescimento de longo prazo. 3. SISTEMA LOCAL DE INOVAÇÃO E A VOCAÇÃO DA METRÓPOLE A montagem de um sistema local de inovação deve partir do reconhecimento da importância da UFMG e demais instituições de P&D da área de comutação diária de Belo Horizonte (além da RMBH inclui Ouro Preto e Sete Lagoas)3 de forma a possibilitar sua diversificação produtiva – por meio de empresas inovadoras, serviços tecnológicos e atividades de P&D - em direção a atividades intensivas em conhecimento, baseadas na relação universidade-empresa. 3 A área de comutação diária de Belo Horizonte é definida por um raio de 100 km a partir do centro de Belo Horizonte. As pessoas podem, diariamente, trabalhar, estudar ou desfrutar de amenidades oferecidas pelas diversas localidades situadas dentro do raio, sem ser necessário morar nelas. 45 O sistema local de inovação deve ser abrangente o suficiente para estimular diversas áreas do conhecimento que já se encontram estabelecidas ou em consolidação no local, e simultaneamente focalizar sua atuação em algumas áreas de excelência, de forma a potencializar os seus resultados no curto/médio prazo. Essa é a alternativa mais favorável para o desenvolvimento de um sistema local de inovação, pois possibilita, de um lado, rápido crescimento, maior flexibilidade e efeitos multiplicadores de mais curto prazo e evita, de outro, a ocorrência de “efeitos de trancamento” em determinadas trajetórias tecnológicas locais. A dimensão “generalista” do sistema local de inovação se impõe: (1) pela própria incerteza que cerca o desenvolvimento de inovações; (2) pela interdependência entre os sistemas de conhecimentos técnico-científicos e os sistemas de produção/comercialização na geração de progresso tecnológico4; e (3) pela imprevisibilidade da trajetória tecnológica, devido ao fato de que as interações entre ofertantes e demandantes de conhecimento podem abrir “janelas de oportunidade” inesperadas e que as oportunidades tecnológicas podem surgir de efeitos de transbordamento de uma aglomeração inicial de empresas tecnológicas estabelecidas na região, por exemplo, biotecnologia, tecnologia da informação, etc. (LEMOS e DINIZ, 2001). Igualmente importante deve ser o apoio do sistema local de inovação às áreas de excelência já consolidadas na cidade. Isto porque (1) a proximidade física entre empresas de um mesmo setor gera vantagens de aglomeração, referentes à qualificação da força de trabalho, de transbordamento de conhecimentos tácitos e codificados e de compartilhamento de infraestrutura física e de pesquisa semelhantes, economizando no custo de desenvolvimento e produção; (2) facilita o desenvolvimento de políticas e instrumentos de financiamento e apoio tanto pelo núcleo gestor do parque como pelas agências de fomento governamentais e nãogovernamentais – que estejam em consonância com as necessidades de cada setor; e (3) contribui para a construção da imagem da cidade como centro de referência em determinadas tecnologias, o que é crucial para captação de investimentos e capital. Em suma, das considerações anteriores pode-se concluir que será esse processo, resultante entre a oferta de conhecimento potencial do sistema científico/tecnológico local, da 4 Esta interdependência entre os dois sistemas deve-se, em grande medida, ao fato de que as inovações requerem um processo efetivo de compartilhamento do conhecimento, que deve envolver todos os principais agentes, i.e., geradores de inovação (universidades, centros de pesquisa, etc.), fornecedores/difusores e usuários finais. Estas interações, recorrentes entre os sistemas na geração de inovações, são representadas por um modelo interativo (em oposição ao linear). 46 demanda efetiva por determinadas tecnologias (empresas/sistema de produção/utilização) e as capacitações e especializações tecnológicas regionais já consolidadas, que irão determinar as trajetórias tecnológicas predominantes no futuro de Belo Horizonte. 3.1 POTENCIAL CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA RMBH BELO HORIZONTE5 - O LADO DA OFERTA Para analisar a produção de ciência e tecnologia em qualquer região, são necessários indicadores pertinentes. Usualmente, utilizam-se como variáveis substitutas da produção científica o número de artigos científicos publicados, número de pesquisadores, etc. Para a produção tecnológica, utilizam-se as patentes depositadas ou concedidas pelos escritórios de propriedade industrial ou intelectual. Para a identificação da oferta científica da RMBH, os dados sobre artigos científicos foram retirados do Institute for Scientific Information6 (ISI) e foram classificados por áreas de conhecimento ou disciplinas conforme critérios do Science Citation Expanded (SCI). Os dados de pesquisadores foram obtidos através de consultas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesquisa (CNPq), de acordo com os grupos de pesquisa. No caso da oferta tecnológica, os dados sobre patentes depositadas foram retirados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e classificados de acordo com a classe tecnológica da patente. Uma primeira característica que salta aos olhos a partir da análise dos dados referentes às produções científicas e tecnológicas é disparidade entre elas no Brasil: enquanto o país produziu, em 2001, 1,4% da ciência mundial (artigos científicos indexados no ISI), gerou apenas 0,1% da tecnologia mundial (patentes depositadas no USPTO). Sem dúvida, essa disparidade denota a fragilidade do sistema nacional de inovação no que tange à interação entre ciência e tecnologia: de um lado, o setor produtivo não utiliza devidamente os conhecimentos gerados pela infra- 5 Esta seção baseia-se em estudo encomendado pela Comissão Executora do Projeto ao Prof. Eduardo da Mota e Albuquerque sobre a oferta tecnológica da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Esse estudo alicerçou-se em três bases de dados, referentes a patentes, artigos científicos e serviços tecnológicos prestados pela UFMG a empresas. 6 Apesar do ISI não incluir artigos publicados em revistas brasileiras não indexadas como o Scientific Electronic Library On-line - SciELO (o que pode gerar certa subestimação da produção científica), optou-se pela utilização do ISI pela indisponibilidade de informações semelhantes pelo SCIELO. 47 estrutura científica; de outro, as próprias instituições de pesquisa têm dificuldade em comercializar os resultados de suas investigações (ALBUQUERQUE et all., 2003). Vale notar, contudo, que tal padrão não se repete em todas as regiões metropolitanas brasileiras. Como mostra a TAB. 3, nas regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre e Curitiba, a produção tecnológica (patentes) é superior à produção científica (artigos científicos); enquanto nas demais, o desequilíbrio se repete. Note-se, particularmente, o desequilíbrio da RMBH, onde o hiato entre a produção científica e a produção tecnológica atinge quase 40%. Neste caso, existe obviamente um amplo espaço para a proposição de políticas públicas e implementação de instrumentos (tal como o Parque Tecnológico), que possibilitem um melhor aproveitamento das capacitações científicas locais e que, portanto, promovam a integração entre ciência e tecnologia e entre as universidades/instituições de pesquisa e o setor produtivo. TABELA 3 PARTICIPAÇÃO RELATIVA DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS INDEXADOS AO ISI EM 1999 E DO TOTAL DE PATENTES INDEXADAS NO INPI, ENTRE 1990 E 2000, POR RM NO TOTAL DO BRASIL (%) RM São Paulo Rio de Janeiro Belo Horizonte Porto Alegre Curitiba Salvador Sub-total Resto do Brasil TOTAL ARTIGOS CIENTÍFICOS PATENTES 19,19 16,39 6,19 5,10 2,50 1,33 50,70 49,30 100,00 39,06 10,23 4,47 5,38 3,91 0,76 63,81 36,19 100,00 Fonte: ALBUQUERQUE et al. (2003), dados: ISI, 2000; INPI, 2001 A TAB. 3 também suscita outra importante conclusão. Apesar da reconhecida assimetria na disponibilidade de recursos para a condução de pesquisas entre as regiões, havendo claramente maior concentração em São Paulo, tal assimetria não se tem refletido, como se esperaria, na participação relativa das demais regiões na produção científica nacional. De fato, como mostra estudo recente das Pró-Reitorias de Pesquisa e de Pós-Graduação da UFMG, sobre os investimentos em ciência, tecnologia e inovação tecnológica, tais investimentos em São Paulo, feitos pelos sistemas federal e estadual de fomento, totalizaram R$2,05 bilhões, entre 1999-2002, enquanto os investimentos em Minas Gerais, no mesmo período, atingiram R$450 milhões, ou seja, apenas 22% dos recursos investidos em São Paulo. Em termos per capita, os 48 investimentos em Minas Gerais foram mais de duas vezes inferiores aos de São Paulo. Mesmo assim, Minas Gerais alcançou níveis de produtividade superiores aos de São Paulo. Outro dado relevante, que denota a importância das instituições acadêmicas de Minas Gerais - em particular da UFMG - na geração de inovação e tecnologia, é o fato desta universidade aparecer como a segunda maior instituição detentora de patentes do Estado, atrás apenas da Mendes Júnior. Estes dados indicam, de um lado, que as instituições acadêmicas e de pesquisa de Minas Gerais possuem densidade tecnológica e científica suficiente para sustentar um virtuoso sistema local de inovação. De outro, a posição de destaque de uma universidade como detentora de patentes indica um problema na divisão de trabalho, implícita no sistema de inovação mineiro, qual seja, a timidez do setor produtivo na geração de inovações tecnológicas. Isto indica a existência de potencial para o setor produtivo aperfeiçoar seu desempenho tecnológico, a partir de ações que contribuam para sua articulação com universidades e instituições de pesquisa. Especialização Científica e Tecnológica da RMBH O cruzamento dos dados referentes à concentração de atividades econômicas e de patentes, segundo as três classes do Código Nacional de Atividades Econômicas - CNAE mais freqüentes, indica, como se poderia esperar, que as patentes acompanham a especialização econômica da região. De fato, a RMBH detém a liderança na patenteação na “produção de laminados”. Os dados sobre patentes, segundo sua classe no World Intellectual Property Organization – WIPO, também mostram a especialização da RMBH em “Medição, Verificação”; “Química Orgânica” e “Edificação”. Tais classes de patentes apresentam índices de especialização tecnológica7 (IET) superiores a 2, indicando a existência de uma especialização clara da RMBH nestas classes. Em particular, a classe “Química Orgânica” apresenta o maior IET (5,39), denotando a clara especialização da RMBH e sua expressiva representatividade no contexto nacional (ALBUQUERQUE et al., 2003). No que se refere à produção científica, a RMBH apresenta um “padrão de especialização” na área de ciências da vida, destacando-se as produções nas áreas de “Ciência Veterinária”, “Parasitologia” e “Medicina Tropical”. Estas disciplinas apresentam índices de especialização 7 O IET é um quociente locacional de patentes. 49 científica8 (IEC) superiores a 2 - sendo que o de “Ciência Veterinária” é o mais elevado (4,58) – expressando sua representatividade no contexto nacional (ALBUQUERQUE et al., 2003). Os QUADROS 1 e 2 apresentam um detalhamento das disciplinas e classes de patentes líderes nos anos 90 na RMBH. 8 O IEC é igual ao quociente locacional de artigos científicos. 50 QUADRO 1 Artigos científicos indexados no ISI com a participação brasileira de 1990 a 2000 produzidas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo as 15 disciplinas mais freqüentes 1990-1993 Disciplina 1994-1996 Artigos Medicina Tropical 78 Parasitologia 71 Física da Matéria Condensada % Disciplina 1997-2000 Artigos 8,35 Física da Matéria Condensada 7,6 Parasitologia 77 % Disciplina 6,3 Ciência Veterinária Artigos % 294 8,7 58 4,75 Parasitologia 185 5,47 66 7,07 Medicina Tropical 54 4,42 Medicina Tropical 159 4,7 Medicina Experimental e dePesquisa 53 Física Atômica e Química 5,67 Molecular 46 3,76 Física da Matéria Condensada 117 3,46 Biologia 44 4,71 Ciência Veterinária 41 3,36 Química, Multidisciplinar 108 3,2 Física Atômica e Química Molecular 34 3,64 Imunologia 39 3,19 Farmacologia e Farmácia 101 2,99 Bioquímica e Biologia Molecular 30 Medicina Experimental e 3,21 dePesquisa 35 2,86 Bioquímica e Biologia Molecular 94 2,78 Física, Multidisciplinar 30 3,21 Farmacologia e Farmácia 34 2,78 Ciências Materiais, Multidisciplinar 80 2,37 Imunologia 25 2,68 Biologia 32 2,62 Microbiologia 77 2,28 76 2,25 75 2,22 Agricultura Multidisciplinar 24 2,57 Bioquímica e Biologia Molecular 31 Medicina Experimental e 2,54 dePesquisa Farmacologia e Farmácia 22 2,36 Química, Multidisciplinar 28 2,29 Biologia Saúde Pública, do Meio Ambiente e Profissional 21 2,25 Física Nuclear 28 2,29 Imunologia 74 2,19 Física Nuclear 20 2,14 Física, Matemática 26 2,13 Neurociências 71 2,1 Química, Física 15 1,61 Física Aplicada 25 69 2,04 Microbiologia 14 2,05 Física, Multidisciplinar Física Atômica e Química 1,96 Molecular 56 1,66 1,5 Ciências Materiais, Multidisciplinar Fonte: ISI, 2003; INPI,2002 (elaboração Albuquerque et al., 2003) 51 24 QUADRO 2 Patentes indexadas no INPI com a participação brasileira de 1990 a 2000 produzidas na Região Metropolitana de Belo Horizonte segundo as 15 classes mais freqüentes 1990-1993 Classe Wipo medição; verificação trabalho mecânico de metais 1994-1996 Patentes % 10 10,53 9 9,47 ciência médica ou veterinária 7 5 iluminação 5,26 5 5 edificação 5,26 6,87 8 4 4,21 6,11 7 5,34 7 transporte; embalagem 7 5,34 5,34 7 ciência médica ou veterinária 5 3,16 2 2,11 13,87 11 8,03 9 6,57 7 5,11 6 4,38 5 3,65 3,82 comunicação elétrica 5 3,65 5 3,65 5 3,65 4 2,92 4 2,92 4 2,92 3 2,19 elementos elétricos básicos 5 3,82 içamento; levantamento 3,16 3,16 energia elétrica 5,34 fundição 3 19 ciência médica ou veterinária 3,16 3 % medição; verificação alimentos 3 edificação Patentes móveis e aparelhos domésticos elementos ou unidades de engenharia 4,21 içamento; levantamento fundição 10,69 9 energia elétrica 3 agropecuária & silvicultura 14 Classe Wipo química orgânica transporte; embalagem 5,26 metalurgia técnicas elétricas % química orgânica 4 revestimento de materiais metálicos edificação 7,37 energia elétrica cômputo; cálculo Patentes veículos em geral transporte; embalagem elementos ou unidades de engenharia Classe Wipo medição; verificação 1997-2000 4 trabalho mecânico de metais saneamento dispositivos de verificação 3,05 4 3,05 4 3,05 3 2,29 bioquímica & microbiologia saneamento fundição metalurgia dispositivos de verificação 2 2,11 3 2,29 3 2,19 2 2,11 engenharia hidráulica 3 2,29 veículos em geral 3 2,19 Fonte: ISI, 2003; INPI,2002 (elaboração Albuquerque et al., 2003) 52 Do ponto de vista das disciplinas científicas, como mostra o QUADRO 1, “Ciência Veterinária” torna-se líder apenas no período 1997-2000. “Parasitologia” e “Medicina Tropical” estão presentes em todos os períodos entre as três primeiras posições, indicando, provavelmente, sua consolidação como área de excelência da RMBH. Em particular, o “padrão de especialização” na área de ciências da vida é confirmado pelas informações relativas ao último período (1997-2000), quando dez das quinze disciplinas líderes se relacionavam a esta área. A disciplina “Física da Matéria Condensada” também se mostra muito importante, ocupando, nos três períodos considerados, uma posição entre as quatro disciplinas líderes. Do ponto de vista das classes tecnológicas, como mostra o QUADRO 2, as mudanças entre as líderes foram maiores (comparativamente às observadas dentre as disciplinas científicas), ao longo dos anos 90, sem que qualquer uma das classes tenha mantido sua posição entre as quatro líderes no começo e no final da década. A classe “Medição, Verificação”, identificada como uma importante especialização tecnológica da RMBH, perdeu posição ao longo dos anos 90, ocupando a quinta posição no período 1997-2000. Contrariamente, a classe “Química Orgânica” passou a constar da lista das 15 líderes somente em meados da década. A partir daí, assumiu posição de destaque, tornando-se a líder no período 1997-2000. A classe “Edificação”, por sua vez, salta da 14a. posição, em 1990-93, para a 2a. em meados da década e a mantém no restante da década. Finalmente, vale destacar o aparecimento da classe “Ciência Médica ou Veterinária”, a partir de meados dos anos 90, dentre as classes de patentes líderes da RMBH. Este fato vem confirmar o “padrão de especialização” na área de ciências da vida, apontado anteriormente. A comparação entre as disciplinas científicas líderes e as classes tecnológicas líderes, que pode ser tomada como um indicador indireto de interação entre as duas dimensões, mostra a existência de uma desconexão importante entre os sistemas científico e tecnológico na RMBH. Vale dizer, se do ponto de vista científico, a RMBH se enquadra dentro do “padrão ciências da vida”, o mesmo não ocorre no sistema tecnológico, já que há apenas três classes de patentes relacionadas à área de ciências da vida no período final (considerando que química orgânica e saneamento enquadram-se nessa área). Novamente, conclui-se que existe um amplo espaço para a proposição de políticas públicas e de implementação de instrumentos que potencializem a integração entre ciência e tecnologia e que, portanto, desenvolvam um verdadeiro sistema de inovação local. 53 Vale ressaltar que a UFMG tem posição de destaque tanto na produção científica como tecnológica da RMBH. Esta instituição é titular de 12,3% das patentes da RMBH, sendo superada apenas pela Mendes Júnior Siderúrgica S.A. (12,57%) (TAB. 4). Além disto, concentra 72,4% do total de artigos científicos indexados da RMBH, entre 1990-2000, sendo secundada pela FIOCRUZ, que responde por apenas 7,18% do total da região (TAB. 5). Vale notar que, relativamente às demais instituições acadêmicas e de pesquisa da RMBH, a UFMG apresenta a maior desconcentração da produção científica entre disciplinas, indicando a sua excelência em várias áreas. TABELA 4 TOTAL DE PATENTES DAS 20 INSTITUIÇÕES DA RMBH, OURO PRETO E SETE LAGOAS QUE MAIS PATENTEARAM NO PERÍODO DE 1990 A 2000 Razão Social Mendes Junior Siderurgia S/A Universidade Federal de Minas Gerais Tacom Ltda. Samarco Mineracao S/A Acesita S/A Mecan Ind E Loc de Equip Construçao Ltda Companhia Energética Minas Gerais Nansen S.A. Instrumentos de Precisão Protec Eletromecanica Ltda Magnesita S/A Precon Industrial S/A Cia de Saneamento de MG – Copasa Mg Ritz Do Brasil S/A Clamper - Industria e Comercio Ltda Belgo Mineira Bekaert Aram S/A Tecnowatt Iluminacao Ltda Snt-Embrapa Esc Negocios de Sete Lagoas Fiat Matriz Betim Industria E Comercio Super Moveis Ltda Engenharia, Mec e Est Metalica S/A – Emem Fonte: ALBUQUERQUE et al. (2003), dados - INPI, 2002 54 Patentes 48 47 13 12 11 11 11 9 8 7 7 6 6 5 5 5 5 4 4 4 % 12,57 12,30 3,40 3,14 2,88 2,88 2,88 2,36 2,09 1,83 1,83 1,57 1,57 1,31 1,31 1,31 1,31 1,05 1,05 1,05 TABELA 5 TOTAL DE ARTIGOS NAS 23 INSTITUIÇÕES DA RMBH, OURO PRETO E SETE LAGOAS QUE MAIS PRODUZIRAM ARTIGOS NO PERÍODO DE 1990 - 2000 Instituição Ufmg - Belo Horizonte Fiocruz - Belo Horizonte Ufop - Ouro Preto Embrapa - Sete Lagoas Funed - Belo Horizonte Cetec - Belo Horizonte Puc - Belo Horizonte Santa Casa - Belo Horizonte Cdtn – Belo Horizonte Cnen - Belo Horizonte Gene - Belo Horizonte Cefet - Belo Horizonte Hosp Felicio Rocho - Belo Horizonte Biocor - Belo Horizonte Funasa - Belo Horizonte Hemominas - Belo Horizonte Cemig - Belo Horizonte Fac Ciencias Medicas - Belo Horizonte Lara - Pedro Leopoldo Fhemig - Belo Horizonte Ministerio Agricultura - Belo Horizonte Epamig - Belo Horizonte Artigos 3307 328 195 112 103 45 37 31 24 22 21 16 15 12 12 10 10 9 8 8 7 7 % 72,39 7,18 4,27 2,45 2,25 0,99 0,81 0,68 0,53 0,48 0,46 0,35 0,33 0,26 0,26 0,22 0,22 0,20 0,18 0,18 0,15 0,15 Fonte: ALBUQUERQUE et al. (2003) – dados ISI, 2003 3.2 POTENCIAL CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO DA RMBH E ESTRUTURA PRODUTIVA – O LADO DA DEMANDA A estrutura produtiva atua como um indutor de investimentos em P&D, que tende a seguir uma trajetória tecnológica delineada pelas especializações produtivas existentes na indústria estadual, em especial no macropólo industrial de Belo Horizonte. A TAB. 6 apresenta uma visão geral das especializações industriais de Minas Gerais, com base em sua participação relativa na indústria nacional. Chama atenção o fato de que a participação agregada do estado aproxima-se de 10% da indústria nacional, semelhante à sua participação no PIB e na população do país. A especialização industrial evidencia-se, portanto, nos setores com participação acima da média. Dentre os 22 setores a dois dígitos da indústria, Minas possui clara especialização em 6 setores, dos quais 2 são indústrias tradicionais (Têxtil e Fumo) localizadas, predominantemente, fora da RMBH e 4 são indústrias do complexo mínero-metal-mecânico (Extrativa Mineral, Transformação de Minerais Não Metálicos, Metalúrgica e Material de 55 Transportes), cujas empresas se concentram no macropólo industrial da RMBH. O segmento metal-mecânico – Metalúrgica e Material de Transportes – é tecnologicamente mais dinâmico, apresentando fortes encadeamentos interindustriais, que induziram o desenvolvimento de serviços produtivos prestados às empresas no município de Belo Horizonte, nos últimos 30 anos. São serviços de apoio à indústria que cobrem um amplo espectro de atividades, desde as intensivas em trabalho pouco qualificado, como oficinas mecânicas, até atividades sofisticadas, como serviços financeiros, serviços de informática e apoio jurídico e gestão empresarial. Isto resultou em uma crescente participação dessas atividades na oferta de serviços, os quais perfazem, atualmente, em torno de 40% do total de estabelecimentos formais de serviços no município. Também, como parte fundamental do rápido crescimento urbano-industrial da RMBH, houve pesados investimentos em infra-estrutura física, com forte impacto sobre ampla gama de serviços industriais de utilidade pública - tais como eletricidade, telecomunicações, saneamento básico -, estruturados em empresas estatais de grande porte, e na indústria da construção civil, liderados por empresas de reconhecida competitividade, tanto financeira e gerencial como em design e capacidade no uso de novos materiais. Em que pese o avanço da matriz industrial da economia mineira, em especial do complexo mínero-metalúrgico para o complexo metal-mecânico, há grandes lacunas no processo de diversificação industrial, a começar pela quase ausência de indústria de bens de capital, especialmente no segmento de máquinas e equipamentos mecânicos e eletro-eletrônicos. A hegemonia das empresas paulistas, na produção doméstica de bens de capital, manifesta-se na indústria mecânica, vindo em segundo lugar as empresas gaúchas, em terceiro as catarinenses e em quarto as paranaenses. Minas Gerais divide com o Rio de Janeiro o último lugar entre as unidades da federação que possuem empresas com alguma produção minimamente relevante em mecânica. De fato, as empresas destes dois estados lideram apenas os setores do segmento de produtos metálicos, em função das sinergias de integração vertical à jusante das empresas siderúrgicas integradas, que dividem entre si o mercado nacional de produtos de aço, inclusive os metálicos acabados. As empresas fluminenses lideram os três mercados de metálicos, com 42,48% das vendas em Estruturas Metálicas e Caldeiraria Pesada, 57,69% das vendas de Forjaria e Estamparia e 57,56% das vendas de Produtos Metálicos Diversos. Em seguida, vêm as empresas mineiras com presença significativa nos setores de Estruturas Metálicas e Caldeiraria, 56 18,22%, e Forjaria e Estamparia, 19,63%, onde as subsidiárias das empresas siderúrgicas são muito competitivas, especialmente a Usimec-Usiminas, a Mannesman-Demag e a Belgo-Bekaert, todas localizadas na RMBH. A única participação significativa das empresas mineiras no segmento de Máquinas e Equipamentos é no setor de Extração Mineral e Construção, 14,66%, no entanto bem inferior à participação de mercado das empresas, 74,84%, o que indica, na verdade, uma presença bem menos significativa do que o peso da economia mineira nos complexos mínero-metalúrgico e da construção. Além dessa grave lacuna no complexo metalmecânico, a indústria estadual carece de peso e competitividade no complexo químicofarmacêutico (TAB. 6), outro segmento industrial intensivo em capital e tecnologia. T AB EL A 6 P A R T IC IP A Ç Ã O R E L A T IV A D E M IN A S G E R A IS N O V T I D A IN D Ú S T R IA N A C IO N A L (% ) G ê n e ro s d a In d ú s tria E x tra ç ã o d e M in e ra is T ra n sf. P ro d . M in . N ã o -M e tá lic o s M e ta lú rg ic a M e c â n ic a M a te ria l E lé tric o /C o m u n ic a ç ã o M a te ria l d e T ra n s p o rte M a d e ira M o b ilia rio P a p e l e P a p e lã o B o rra c h a C o u ro s , P e le s e P ro d . S im ila re s Q u ím ic a P ro d . F a rm a c ê u t./V e te rin á rio s P e rfu m a ria , S a b õ e s e V e la s P ro d u to s d e M a té ria s P lá s tic a s T ê x til V e s tu á rio , C a lç . e A rte f. T e c id o s P ro d u to s A lim e n ta re s B e b id a s Fum o E d ito ria l e G rá fic a D iv e rs a s T o ta l d a In d ú s tria 1960 1970 1 8 ,2 6 8 ,7 8 1 4 ,5 6 1 ,5 1 1 ,6 3 1 ,0 3 6 ,4 0 4 ,2 1 2 ,7 1 1 ,1 9 9 ,4 8 1 ,1 0 1 ,0 4 1 ,3 2 0 ,0 7 7 ,6 6 3 ,5 8 7 ,6 2 3 ,7 5 6 ,2 6 4 ,0 7 1 ,8 1 5 ,8 9 2 7 ,4 4 1 1 ,8 4 1 8 ,7 4 5 ,4 5 1 ,5 6 1 ,2 8 3 ,2 4 5 ,5 0 2 ,5 8 1 ,1 4 6 ,6 2 3 ,4 2 0 ,6 5 0 ,7 6 0 ,5 1 6 ,5 2 2 ,5 6 8 ,8 2 3 ,7 6 8 ,5 3 3 ,9 0 3 ,7 3 7 ,2 1 1980 2 8 ,9 9 1 5 ,5 8 1 8 ,3 9 7 ,0 4 3 ,2 7 6 ,7 8 2 ,3 0 5 ,0 5 6 ,1 1 2 ,6 3 5 ,9 7 4 ,6 6 1 ,5 0 1 ,0 1 1 ,6 5 8 ,1 0 4 ,5 2 8 ,6 9 6 ,5 0 1 7 ,7 4 4 ,3 3 2 ,9 3 8 ,4 3 1992 1 2 ,2 2 1 7 ,4 7 2 3 ,8 8 2 ,6 6 2 ,8 7 6 ,2 8 1 ,6 2 6 ,7 3 5 ,6 2 2 ,5 0 5 ,9 7 7 ,8 4 2 ,2 2 1 ,5 6 6 ,1 1 9 ,5 5 4 ,5 2 7 ,8 4 1 0 ,1 8 3 5 ,4 9 1 ,9 3 1 ,5 1 8 ,9 9 1999 2 1 ,8 2 1 5 ,2 4 2 2 ,4 2 5 ,1 2 4 ,7 2 1 2 ,1 4 2 ,7 0 7 ,6 8 1 ,4 8 3 ,3 9 6 ,0 4 6 ,6 5 1 ,5 6 8 ,4 2 3 ,7 5 1 3 ,5 7 5 ,4 7 8 ,6 0 5 ,0 4 1 2 ,3 1 3 ,5 9 ... 9 ,6 4 F O N T E : F IB G E - C e n s os In d u stria is 1 9 6 0 , 1 9 7 0 , 1 9 8 0 e P e s q u is as In d u s tria is A n u a is 1 9 9 2 , 1 9 9 9. O principal impacto dessas lacunas na matriz industrial se dá sobre a produtividade industrial da economia mineira. A TAB. 7 mostra que, durante o período mais intenso da industrialização mineira, 1970-1985, o hiato da produtividade estadual em relação à indústria 57 paulista tendeu a reduzir-se, mas voltou a aumentar em período recente (1985-1999), refletindo as dificuldades de diversificação em uma conjuntura desfavorável da economia brasileira. TABELA 7 HIATO DE PRODUTIVIDADE DO TRABALHO* DA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DE MINAS GERAIS E ESTADOS SELECION ADOS EM RELAÇÃO A SÃO PAULO – 1970 - 1999 Estados Minas Gerais Rio de Janeiro Paraná Rio Grande do Sul Outros BRASIL Anos 1970 0,23 0,03 0,39 0,35 0,51 0,16 1980 0,11 0,05 0,21 0,33 0,36 0,14 1985 0,11 0,12 0,06 0,30 0,28 0,11 1999 0,28 -0,05 0,32 0,20 0,47 0,20 Fonte: FIBGE – Censos Industriais 1970, 1980, 1985 e Pesquisa Industrial Anual, 1999 * Hiato de Produtividade = 1 – (Produtividade da UF/Produtividade de São Paulo) Apresentado este panorama sintético da estrutura produtiva estadual e metropolitana, a questão que se põe é: em que medida a implantação de um sistema local de inovação na capital contribui para a superação dessas lacunas no processo de diversificação e aumento da produtividade industrial, condições fundamentais para a retomada do crescimento sustentado da indústria mineira? As contribuições do sistema local de inovação para a superação das lacunas apontadas relacionam-se às novas oportunidades de demanda potencial da base produtiva, quais sejam: 1. a demanda de serviços de apoio tecnológico (p. ex.: gestão tecnológica, patenteação, fundo de aval e capital de risco) e de negócios em tecnologia (p. ex.: licenciamento e comércio de tecnologia), até então importados, principalmente da cidade de São Paulo em sua maioria, poderia ser atendida localmente; 2. a demanda de atividades complementares de infra-estrutura (p. ex.: obras e edificações, saneamento, telecomunicações e eletricidade), apoio técnico (p. ex.: serviços de engenharia, jurídicos, financeiros, comércio exterior e gestão empresarial) e apoio logístico (p. ex.: centro de convenções, hotelaria e lazer), abrindo oportunidades de diversificação produtiva de empresas estabelecidas para a exploração de economias de escopo; 3. a demanda de conhecimento científico e tecnológico especializado e personalizado (p. ex.: áreas de informática, automação industrial, biotecnologia e novos materiais) para a modernização e maior capacitação das empresas industriais 58 estabelecidas na forma de novos produtos e processos, podendo inclusive constituirse um dos suportes da estratégia de internalização de alguns segmentos da indústria de bens de capital; 4. a demanda indireta de atividades urbanas de bens e serviços, via efeitos de encadeamentos intersetoriais (fornecedores e usuários) e efeitos multiplicadores de renda (consumidores). Em contraste com a demanda potencial induzida pela base produtiva, há uma demanda potencial a ser concretizada pela própria oferta científica e tecnológica surgida da função catalisadora pretendida pelo sistema local de inovação. Essa demanda, a ser criada, busca estreitar a conexão entre a base produtiva estabelecida (oferta efetiva de bens e serviços) e capacitação científica e tecnológica local. Assim, a consolidação de um sistema local de inovação favoreceria a exploração de oportunidades tecnológicas, com base na oferta científica potencial da RMBH e seu entorno, objetivando a extensão e diversificação da base produtiva, através da estreita articulação entre oferta científica e oferta tecnológica. Dessa forma, busca-se desenvolver uma rede local de inovação que explore localmente as oportunidades tecnológicas da fronteira do conhecimento. Os dados de capacitação tecnológica, baseada em número de patentes registrada no INPI no período 1990-2000, segundo grandes setores de atividades, mostram que a capacitação da RMBH se concentra, em sua maior parte, em setores de especialização da base produtiva local: energia elétrica (85); complexo metal-mecânico (66); transportes (21); construção civil (17); e saneamento (11). Ou seja, mais de 80% das patentes mais freqüentes estão concentradas em classes das atividades de infra-estrutura básica (energia elétrica, saneamento e transportes), nos segmentos industriais do complexo metal-mecânica (metalurgia, produtos metálicos e veículos) e na indústria de construção civil. A liderança exercida pelas classes ligadas a atividades de infraestrutura básica evidencia a importância das empresas âncoras estatais de eletricidade (Centrais Elétricas de Minas Gerais - CEMIG) e saneamento (Companhia de Saneamento de Minas Gerais - COPASA), as quais exercem significativo poder de encadeamento tecnológico a montante junto a seus fornecedores, como, por exemplo, junto a fornecedores de “Instrumentos de Medição e Verificação” e “Serviços de Engenharia Hidráulica”. A ausência das empresas de telecomunicações, cuja âncora é a TELEMAR, deve-se ao fato, já observado, das peculiaridades 59 das disciplinas ligadas às tecnologias de informação e comunicação - TIC, que não patenteiam e usam o segredo comercial como estratégia de apropriação tecnológica. Vale, também, observar que, mesmo classificadas em segundo lugar em número de patentes, as empresas do complexo metal-mecânico apresentam números de patentes aquém da importância e tamanho de sua base produtiva na indústria mineira. A explicação para essa aparente assimetria não se deve a problemas de defasagem tecnológica, mas à natureza da estrutura de mercado dos setores dominantes desse complexo, baseada em grandes empresas oligopolísticas (siderúrgicas e montadoras de veículos), cuja capacitação tecnológica provém, em sua maior parte, dos fornecedores de bens de capital sob encomenda e de inovações incrementais de seus departamentos de P&D, de difícil patenteação, já que são baseadas em processo de aprendizado interno tácito e cumulativo. O aspecto que chama atenção nas estatísticas setorializadas de registro de patentes na RMBH é o peso das classes de patentes no setor emergente da chamada bioindústria, que o coloca em terceiro lugar em número de patentes registradas no INPI (46), logo abaixo de energia elétrica e metal-mecânica. As classes mais freqüentes – “Química Orgânica”; “Ciência Médica e Veterinária”; e “Bioquímica e Microbiologia” – são muito convergentes com as disciplinas de capacitação científica da RMBH e particularmente da UFMG. As disciplinas científicas relacionadas à bioindústria produziram, no período 1990-2000, 2.039 artigos indexados internacionais, que representam nada menos do que 75% das disciplinas mais freqüentes da produção científica da RMBH. Esta significativa base científica local nas chamadas ciências da vida e química orgânica pode potencializar o processo de patenteação e P&D, a partir da presença catalisadora do parque tecnológico, que pode ser decisivo para a consolidação da bioindústria local, relativamente desenvolvida nos segmentos de biotecnologia e química fina, mas carecendo de escala mínima no nível do produto agregado, número de tamanho das empresas e escopo de atividades sinérgicas. O segundo setor emergente na RMBH é o de informática, considerado um dos mais importantes pólos do país. Pela natureza da produção de conhecimento na área, sua importância não está refletida nas estatísticas de produção científica e patenteação. Seu potencial de demanda tecnológica reflete-se nos serviços contratados, junto a departamentos da UFMG. São, especialmente, dignos de nota os departamentos do ICEX, cujo maior prestador de serviços é o Departamento de Ciência da Computação, responsável por todos os contratos com a TELEMAR. 60 Como no caso da bioindústria, o setor de informática enfrenta, também, problemas de escala da aglomeração local, que poderiam ser enfrentados com os novos investimentos a serem induzidos pela implantação do parque tecnológico. 3.3 ÁREAS DE EXCELÊNCIA CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS DA RMBH Tendo em vista a análise anterior sobre a oferta e demanda potencial da RMBH, pode-se afirmar que o sistema local de inovação deve se concentrar nas áreas de ciências da vida (biotecnologia, saúde humana e animal) e médico-hospitalar, tecnologia da informação e comunicação, tecnologia de materiais e de processos e tecnologias ambientais e culturais. No que se refere aos serviços modernos e à tecnologia ambiental alguns comentários se fazem necessários, posto que eles são uma janela de oportunidade que se coloca para a cidade. Como Belo Horizonte é essencialmente uma cidade de serviços, o sistema local de inovação deveria buscar promover o adensamento e diversificação do setor naqueles serviços modernos, de base tecnológica, tais como consultorias especializadas, serviços financeiros especializados (capital de risco, business angels, fundos imobiliários), agências de benchmarking tecnológico, etc. Isto, sem dúvida, seria fator de ampliação da competitividade da cidade e da produtividade local dos serviços. No caso da tecnologia ambiental, apesar de não aparecer explicitamente nos estudos a existência de uma especialização já consolidada, vários fatores levam a acreditar que esta é uma “janela de oportunidade” para a cidade. Em primeiro lugar, a estrutura produtiva do estado de Minas Gerais baseia-se, essencialmente, na exploração de recursos naturais (mineração, metalurgia, papel e celulose, agroindústria, indústria do couro etc.) com considerável impacto poluidor sobre o ecossistema. Em segundo lugar, Minas Gerais é um dos maiores produtores de energia elétrica, com grande exploração dos recursos hídricos. Isto abre uma grande janela de oportunidade no que se refere ao desenvolvimento de tecnologias ambientais voltadas para a redução de seus impactos, bem como de fontes alternativas de energia (por exemplo, energia solar, eólica). Em terceiro lugar, as empresas vêm, crescentemente, enfrentando restrições à implantação de projetos que causem impactos ambientais e se vêem forçadas a atuar responsavelmente em relação ao meio ambiente. Em razão disto, devem buscar tecnologias “ecoeficientes”, ou seja, que economizem energia, que reduzam o consumo de materiais, que reaproveitem os resíduos e reciclem o uso de materiais. Assim sendo, as tecnologias 61 “ecoeficientes” constituem, hoje, uma fronteira de desenvolvimento tecnológico de grande potencial para as novas empresas de base tecnológica e para a pesquisa científica. Finalmente, existe um potencial inovador na área de tecnologias sociais e culturais, associado com importantes projetos em execução e laboratórios nas áreas de ciências sociais, educação, artes e literatura da UFMG, que, como não poderia deixar de ser, estão intrinsecamente ligados à tradição cultural da cidade. Sobre este último ponto, como destaca PAULA (2003), Belo Horizonte caracterizou-se por abrigar diversas e significativas manifestações culturais ao longo de sua história. Na literatura, na pesquisa cinematográfica, nas artes plásticas, no teatro, na dança, na música e na arquitetura, a produção cultural de Belo Horizonte tem sido inovadora e de qualidade, igualando-se às principais metrópoles nacionais. 4. O PROJETO DO PARQUE TECNOLÓGICO DE BH O projeto do Parque Tecnológico de Belo Horizonte, ainda na fase de estudos de viabilidade, é fruto do reconhecimento da importância da UFMG e demais instituições de P&D da área de comutação diária de Belo Horizonte (além da RMBH inclui Ouro Preto e Sete Lagoas)9 na construção de um sistema local de inovação, que possibilite sua diversificação produtiva – por meio de empresas inovadoras, serviços tecnológicos e atividades de P&D - em direção a atividades intensivas em conhecimento baseadas na relação universidade-empresa10. De fato, como a discussão anterior demonstrou, as instituições acadêmicas e de pesquisa de Minas Gerais possuem densidade tecnológica e científica suficiente para sustentar um virtuoso sistema local de inovação. Além disso, a posição de destaque de uma universidade como detentora de patentes indica um problema na divisão de trabalho, implícita no sistema de inovação mineiro, qual seja, a timidez do setor produtivo na geração de inovações tecnológicas. Isto indica a existência de potencial para o setor produtivo aperfeiçoar seu desempenho tecnológico, a partir de ações que contribuam para sua articulação com universidades e instituições de pesquisa. Neste sentido, é possível afirmar que o Parque Tecnológico de Belo Horizonte, na medida em que busca promover a articulação entre estes dois sistemas, 9 A área de comutação diária de Belo Horizonte é definida por um raio de 100 km a partir do centro de Belo Horizonte. As pessoas podem, diariamente, trabalhar, estudar ou desfrutar de amenidades oferecidas pelas diversas localidades situadas dentro do raio, sem ser necessário morar nelas. 10 Para uma discussão mais detalhada ver LEMOS e SANTOS (2003). 62 desempenhará papel crucial no sistema de inovação local. Mais importante, a densidade tecnológica e científica das instituições de pesquisa de Minas Gerais pode, definitivamente, contribuir para o sucesso do parque e para sua transformação em centro de referência nacional de geração de conhecimento e transferência de tecnologia. Um parque tecnológico pode ser definido como um sistema institucional planejado urbano, em uma área geográfica construída e delimitada, baseado numa concentração de empreendimentos intensivos em conhecimento e tecnologia que se beneficiam da proximidade física com universidades, instituições de pesquisa, outras empresas e instituições para gerar um ambiente de “fertilização cruzada” e sinergias para a disseminação e aprofundamento do conhecimento. Destina-se, pois, a contribuir para a construção de “regiões de aprendizagem” ou “baseadas no conhecimento”. Para cumprir este papel, o parque não pode funcionar apenas como centro gerador de novas tecnologias, mas deve atuar, também, como centro difusor e coordenador das atividades de pesquisa e desenvolvimento - P&D - e dos processos de formação e aprendizagem, dando lugar a processos contínuos de inovação tecnológica com caráter sistemático, cumulativo e progressivo. Faz-se mister, portanto, notar que o parque tecnológico é completamente distinto dos tradicionais distritos industriais. Em primeiro lugar, e diferentemente dos distritos industriais, seus produtos são baseados no conhecimento científico, com conteúdo intensivo em conhecimento e elevada composição de trabalho intelectual em seu valor agregado. Em segundo lugar, ao invés da composição estritamente empresarial dos distritos, o parque deve possuir quatro tipos de instituições, fundamentais para seu funcionamento: universidades, laboratórios de P&D (públicos e privados), empresas de alta tecnologia e prestadoras de serviços modernos e correlatos. Em terceiro lugar, os investimentos no parque são, necessariamente, investimentos em inovação, isto é, direcionados para pesquisa, desenvolvimento e introdução de novos produtos. Os critérios de seleção são de conteúdo tecnológico, no sentido de que as empresas a serem instaladas devem produzir bens e serviços intensivos em conhecimentos. Neste sentido, o parque tecnológico deve ser visto como instrumento que proporciona a criação de um ambiente inovador – ou “milieu innovateur” - (em contraposição a um local propício para instalação de empresas consolidadas no mercado ou de grandes empresas), onde empresas de base tecnológica, em diversos estágios de desenvolvimento, podem conviver, estabelecer associações e trocar experiências entre si e com os demais atores. Em quarto lugar, os requisitos de infra-estrutura 63 física e de serviços do parque tecnológico são muito superiores aos requisitos dos distritos industriais, pois devem apresentar alta qualidade, elevado conteúdo tecnológico e valor adicionado e preocupação constante com a construção de amenidades e sustentabilidade ambiental, de forma a atrair e fixar força de trabalho de elevada qualificação. Finalmente, e mais importante, o parque tecnológico é um ambiente capaz de estimular a criação tecnológica pela minimização dos custos de transação, associados a constrangimentos institucionais que dificultam, se é que não impedem, o desenvolvimento da colaboração e cooperação necessárias à troca de conhecimento tácito e codificado entre as organizações econômicas. De fato, o estabelecimento de interações e cooperação entre organizações de diferentes naturezas (universidades, empresas, agências públicas de fomento, instituições financeiras, etc.), objetivando explorar sinergias potenciais e a “fertilização cruzada” nas atividades de P&D, é o que confere substância ao parque. Nessa perspectiva, o parque surge como espaço privilegiado para o desenvolvimento da relação entre ciência e tecnologia que possibilita o florescimento de um ambiente inovador e este, por sua vez, age como indutor da concentração espacial de atividades de base tecnológica (empresas e serviços). Em geral, parques, tal como o de Belo Horizonte, com forte sustentação na pesquisa científica, localizam-se em áreas tipicamente urbanas contíguas ao campus de uma universidade âncora, o que lhe propicia vantagens de proximidade para explorar sinergias de P&D. O arranjo institucional que sustenta o projeto do Parque Tecnológico de Belo Horizonte foi cuidadosamente articulado para incluir todas aquelas instituições consideradas fundamentais ao seu sucesso. Nele estão presentes os três pilares cruciais – universidade, estado e empresas para a criação de ambiente inovador, que permita o fluxo do conhecimento, o contato face-a-face e a produção de inovações de forma a construir um novo modelo de desenvolvimento e de economia local, baseados no conhecimento. Assim, o projeto do Parque Tecnológico de Belo Horizonte surge como iniciativa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A UFMG desempenha o papel de universidade “âncora” do empreendimento, por meio de suas funções como produtora de conhecimento, ofertante de graduados e jovens pesquisadores, fornecedora de recursos altamente qualificados e instalações de laboratórios especializados, que podem ser utilizados tanto para desenvolvimento de pesquisas conjuntas, de novos padrões e instrumentos científicos para medição e controle, como para a realização de consultorias qualificadas às empresas. A Prefeitura Municipal de Belo 64 Horizonte, por sua vez, contribui para o empreendimento por meio do capital semente (seed capital) necessário à implantação física do parque, financiando as obras de infra-estrutura básica. Além disso, o projeto tem como parceiros estratégicos duas instituições representativas de interesses empresariais, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – seção Minas Gerais (SEBRAEMG). Essas duas entidades têm o papel de representar, respectivamente, as grandes empresas industriais e as micro e pequenas empresas do Estado. Vale ressaltar, ademais, que dentro da estrutura de gestão do parque, existe a possibilidade de representação, junto ao Conselho de Administração, daquelas empresas investidoras e agentes financiadores do empreendimento. Acredita-se que, através desses representantes, os interesses do setor produtivo e financeiro estarão garantidos no arranjo institucional. O arranjo conta, ainda, com a participação do Governo de Estado. Seu papel no empreendimento relaciona-se, em primeiro lugar, com a vinculação do projeto com a política estadual de desenvolvimento tecnológico e a articulação com outros parques tecnológicos em implantação no estado. Em segundo lugar, o governo de estado pode vir a contribuir para o projeto por meio da criação de um fundo de aval para parques tecnológicos e empresas de base tecnológica emergentes de Minas Gerais. Este fundo visa reduzir as dificuldades de captação de recursos por estes empreendimentos. Finalmente, o governo de estado, através do BDMG, pode criar fundos específicos de financiamento a parques e empresas de base tecnológica neles localizadas (a exemplo do FUNDESE). É importante ressaltar, que o projeto conta, atualmente, com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP (Fundo Verde/Amarelo) e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Grais (FAPEMIG), que concederam recursos financeiros destinados à elaboração dos estudos de viabilidade. Acredita-se que estas duas instituições ainda terão papel central a cumprir no desenvolvimento futuro do projeto. Os estudos de viabilidade realizados até o momento demonstram que o Parque Tecnológico de Belo Horizonte tem uma grande chance de sucesso. Já foram realizados os estudos referentes ao plano diretor, formatos jurídico e organizacional, oferta e demanda potencial do Parque. Estima-se que serão necessários investimentos da ordem de R$ 450-500 milhões, em 10 anos, para a implementação completa do projeto. Estes deverão ser financiados não só pelo poder público, mas também pelo capital privado, parceiro fundamental do projeto. 65 5. CONCLUSÃO A consolidação de um sistema local de inovação na RMBH, tendo como centro a capital do Estado, tem uma clara importância para o futuro desenvolvimento urbano de Belo Horizonte e para a mudança qualitativa da base produtiva da economia mineira. O esperado impacto sobre o desenvolvimento urbano da cidade é a inovação na forma de intervenção urbana, que busca articular objetivos econômicos (como o aumento do produto, produtividade e emprego metropolitano), com objetivos de avanço do conhecimento (através da interação retroalimentadora entre ciência e tecnologia) e objetivos de preservação ambiental, conciliando um investimento de grande porte com o ecossistema e as dotações naturais da área. Num momento de risco de estagnação econômica da cidade, o sistema local de inovação pode representar o resgate da tradição inovadora que remonta sua origem. Como ensina a história dos êxitos do desenvolvimento urbano da cidade, a tradição inovadora significa a reunião, em um esforço compartilhado, das capacitações do saber da universidade, do empreendedorismo privado e da ousadia do administrador público. E esta é uma oportunidade ímpar para esse resgate, uma vez que é possível articular os avanços do conhecimento com o progresso econômico e social. Além disso, abre grande oportunidade para a mudança qualitativa da base produtiva da economia mineira. Desde a década passada, a economia mineira vem sofrendo rápido processo de esgotamento de suas vantagens comparativas frente a outras economias estaduais, o que tem afetado negativamente a taxa de crescimento do produto e do emprego em Minas Gerais. Tal mudança qualitativa é possível pelos esperados efeitos de escala e efeitos multiplicadores do empreendimento. Sabe-se que a diversificação produtiva de uma economia regional, em direção a atividades intensivas em conhecimento, não é mero resultado da vontade política dos atores locais, mas depende, decisivamente, da escala do capital social básico e da escala do conhecimento local. O sistema local de inovação possibilita integrar os efeitos multiplicadores das escalas de capital social e de conhecimento. Não existe a alternativa, no processo de desenvolvimento, entre crescer ou estagnar. O caminho único é, sempre, crescer e crescer, assim como o ciclista que nunca pode parar de pedalar. E crescer significa progredir incessantemente na matriz tecnológica. 66 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Albuquerque et al., 2003. A distribuição das atividades em Ciência e Tecnologia por Regiões Metropolitanas do Brasil: resultados preliminares, Comissão Executora do Parque Tecnológico de Belo Horizonte, Belo Horizonte: Relatório de Pesquisa, mimeo. Campos, B. C., 2002. Capacitação Tecnológica e catching up: o caso das regiões metropolitanas emergentes do sul-sudeste brasileiro. Monografia de graduação, Faculdade de Ciências Econômicas, Belo Horizonte, mimeo. COFFEY, W. and BAILLY, A., 1996. “Economic Restructuring: a conceptual framework”. In: W.Lever and A.Bailey (Editors), The Spatial Impact of Economic Changes in Europe. Aldershot, Avebury. LEMOS, M.B. e DINIZ, C.C., 2000. “Vantagens comparativas da área metropolitana de Belo Horizonte no contexto nacional”. In: Revista Econômica do Nordeste, vol. 31, p.530-49, 2000 LEMOS, M. B. e SANTOS, F., 2003. Projeto Parque Tecnológico de Belo Horizonte: estudos básicos de viabilidade do empreendimento. Comissão Executora do Parque Tecnológico, Belo Horizonte, mimeo. PAULA, J. A. (2003). Para o Museu de Ciência e Tecnologia de Belo Horizonte. Comissão Executora do Parque Tecnológico de Belo Horizonte, Belo Horizonte, mimeo. SANTOS, F., CROCCO, M., and LEMOS, M., 2002. Sistemas produtivos locais em 'espaços industriais periféricos': os casos de Nova Serrana e da rede FIAT de fornecedores. Revista de Economia Contemporânea, 6:147-180 p. SIMMIE, J., 2002. Knowledge spillovers and reasons for the concentration of innovative SMEs. In: Urban Studies 39 (5/6): 885-884 p. STORPER, M., 1995. The Resurgence of regional economies, ten years later: the region as a nexus of untraded interdependencies. In: European Urban and Regional Studies, 2:191-221 p. 67