A superação do “atraso” como “mudança provocada”: a contribuição de Darcy Ribeiro para o debate sobre a mudança social na sociologia brasileira The overcoming of “backwardness” as “caused change”: the contribution of Darcy Ribeiro to debate about social change in the Brazilian sociology Glauber Rabelo Matias Mestrando em Sociologia e Antropologia Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected] RESUMO: Pretendo discutir o pensamento de Darcy Ribeiro e sua contribuição para o debate clássico na sociologia brasileira sobre os condicionantes da mudança social. Refiro-me à noção de “atraso” presente em Darcy, precisamente em sua obra “Os Brasileiros” (1975), na qual é diagnosticada uma conjuntura históricosocial desfavorável para o alcance da autonomia nacional, devendo ser esta superada em todas as suas dimensões através de uma produção de conhecimento voltada para a compreensão de suas causas e para a resposta a seus problemas. Procuro vincular a idéia de “superação do atraso” em Darcy à idéia mannheimiana de “mudança provocada”, trabalhada por Villas Boas, como uma noção recorrente na sociologia brasileira dos anos 1950 que demarca o anseio da mudança social como um processo planejado, intencional, guiado pelo conhecimento científico. Palavras-chave: Darcy Ribeiro, “atraso”, mudança social, intelectuais, desenvolvimento nacional. ABSTRACT: This article discusses the work of Darcy Ribeiro and his contribution to the classic debate present in the Brazilian sociology on the conditions for social change. Here I refer precisely to the concept of backwardness as stated by Darcy Ribeiro on his book Os Brasileiros. In this book, backwardness is presented as the result of a historical conjuncture and social disadvantage that precludes national autonomy and must be overcome for the achievement of a liberating form of knowledge. I seek to link the concept of backwardness found in Darcy´s work to the Mannheimian idea of "caused change" which presented by Villas Bôas as a recurrent notion in the 1950s Brazilian sociology. Caused change was denoted then as a desire for social change resulting planned and intentional process to be guided by scientific knowledge. Keywords: Darcy Ribeiro, “backwardness”, social change, intellectuals, national development. Agenda Social. Revista do PPGPS / UENF. Campos dos Goytacazes, v.2, n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 23 Introdução “Entender o Brasil para mais e melhor influir no seu destino” (Darcy Ribeiro, Os brasileiros, 1975). O debate acerca da mudança social é um tema candente na sociologia brasileira (Villas Bôas, 2006a.), visto que aparece na fronteira da feitura do conhecimento sobre a vida social brasileira e de suas apostas, motivações e visões sobre um determinado processo histórico e de suas clivagens. Discutir sobre a mudança social no Brasil pressupõe o diagnóstico de um dado estado de coisas que é constitutivo da compreensão da mudança social como um processo de transição entre “o que existe” e “o que precisa existir”, “o que existia” e “o que deixou de existir”. Aqui, pretendo demonstrar que dois estados de coisas, duas conjunturas históricas aparecem de modo tenso, e não como atmosferas estanques, representando para o esforço intelectual de pensamento e compreensão, uma esfera de mudança social histórica e concreta, na qual esta pode ser referenciada pela atividade intelectual. Esta idéia-força da relação entre o “pensamento” e “realidade”, e, com efeito, a relação entre ciência e história está presente numa série de autores que tencionaram a interligação entre o estudo da mudança (diagnóstico) e a proposta da mudança (prognóstico), os quais Villas Bôas (2006a) denominou de “geração de mannheimianos” numa referência direta à recepção brasileira do pensamento do sociólogo húngaro Karl Mannheim 1. Dos anos 1950 seguem-se nomes como Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos, Costa Pinto, dentre outros, que procuraram, em graus e modos diferenciados, estabelecer e reconhecer a linha tênue 1 Villas Bôas afirma que “Mannheim foi lido por gerações de intelectuais estrangeiros e brasileiros, e ainda hoje é nome de referência quando se fala em intelectuais ou na sociologia do conhecimento. A categoria intelectual mannheimiano foi acolhida na linguagem corrente do mundo científico e acadêmico, significando desobediência aos cânones científicos da neutralidade e envolvimento dos cientistas nos processos políticos.” (Villas Bôas, 2006a, p.88) Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 24 entre o “fazer ciência, fazer história” (Ibid.), e por assim ser, observar que a produção do trabalho científico é também realizada nas condições históricas, e que só assim pode ser potencializada através do diagnóstico da mudança, da qual a atividade intelectual não está deslocada. Pensar a mudança social brasileira em qualquer das suas dimensões significou nos tempos citados pensar o Brasil como um país pertencente a uma fase de transição, como o momento onde a própria época vivida oferecia os elementos para uma sistematização que cabia como função aos intelectuais conscientes de seu papel frente à história. E é desta época efervescente que emerge o pensamento de um intelectual ainda pouco estudado nas ciências sociais 2. Refiro-me a Darcy Ribeiro (1922-1997), em especial sua contribuição para o debate da mudança social na sociologia brasileira. Trazer Darcy para o cenário da sociologia brasileira é reconhecer que seu legado permeia diversas áreas do conhecimento, como a antropologia, a etnologia, a educação, como esferas providas de um conteúdo político como produções intelectuais vinculadas à compreensão dos problemas sociais de forma indissociada do apontamento de saídas de base histórica. Compreender o pensamento de Darcy é compreender a inviável cisão entre ciência e política. Do denso pensamento darcyniano 3, que passeia desde o evolucionismo antropológico clássico de Lewis H. Morgan e Edward B. Tylor, até a recepção da dialética marxista, passando pelo “escolanovismo” e a defesa da escola pública 4, interessa-me aqui um dos 2 Exceção feita a Bomeny (2001) e Mattos (2007). A base do pensamento antropológico darcyniano está condensada nos Estudos de Antropologia da Civilização, publicada em todo o período de seu exílio (1964-1976) e é composta de O Processo civilizatório: etapas da evolução sócio-cultural (1968, 1ª edição brasileira), As Américas e a civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos (1970, 1ª edição brasileira), O Dilema da América Latina: estruturas de poder e forças insurgentes (1971, edição castelhana), Os Brasileiros: Teoria do Brasil (1972, 1ª edição brasileira), e Os Índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno (1970, 1ª edição brasileira). 4 Ver Bomeny, Darcy Ribeiro: sociologia de um indisciplinado, 2001. 3 Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 25 conceitos-chave, que se constitui como base epistemológica de seu esforço em estudar o Brasil em suas diversas matrizes, a saber, o conceito de “atraso”, que aparece ligado a uma perspectiva de superação, ou seja, ao reconhecimento (diagnóstico) da tensão entre “o que existe” e “o que precisa existir”. Darcy opera a partir de duas categorias fundamentais: tempo e história. O tempo como representação concreta de passado, presente e futuro, e a história como devir, como um ente que fornece a base concreta para qualquer processo de mudança. Para tanto, trago para o debate a noção de “mudança provocada” presente em Villas Bôas (2006a), que trata este termo como um signo representativo, embora reconhecidas suas disparidades analíticas e propositivas, dos intelectuais brasileiros dos anos 1950, que tencionaram influenciar no destino do país, sob a ótica da instauração de uma ordem industrial moderna a fim de intervir, pelo exame das causas que dificultariam tal processo, na espontaneidade dos acontecimentos. A idéia de superação do atraso ou a “mudança provocada” aparece em Darcy Ribeiro, portanto, como um esforço de intervenção na realidade histórico-social visando a provocar a mudança, guiada por um conhecimento científico balizado pelo conhecimento histórico. Isto é, também, um ponto através do qual se registra a recepção de Mannheim em Darcy. Dito de outra forma, Darcy também fez parte da “geração de mannheimianos”, embora a edição e recepção de sua obra no pensamento social brasileiro tenham se dado de forma tardia, comparativamente a outros autores dos anos de 1950.5 Isto posto, demarco os três objetivos que permeiam este trabalho: 1) debater o pensamento de Darcy Ribeiro, como provido de um núcleo teórico que fundamenta seus Estudos da Antropologia da Civilização, aqui focalizado em Os Brasileiros (1975a); 2) discutir Darcy 5 As obras de Darcy, conforme citadas, são primeiramente editadas no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, já sua recepção ainda está em vias de se efetivar de modo mais intenso, para este processo contribuiu talvez como marco inicial a obra de Helena Bomeny, Op Cit. Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 26 no âmbito da sociologia brasileira observando seu contributo para o debate da mudança social precisamente através do conceito de “atraso”, ou da tensão “atraso” e “superação do atraso”, e 3) relacionar a noção de superação do atraso à idéia de “mudança provocada”. 1. O diagnóstico do “atraso” em Darcy Ribeiro Darcy Ribeiro propõe em Os Brasileiros (1975a), o redimensionamento de seu esquema conceitual proposto em O Processo Civilizatório (1975b) a fim de explicar a realidade social brasileira através de seu desenvolvimento histórico como um percurso evolutivo marcado pela transfiguração étnica: processo através do qual o Brasil se plasmou e se transfigurou pelo impacto civilizatório induzido de fora para dentro: a colonização ibérica. A análise comparada que Darcy empreende mostra que, desde o período de formação colonial brasileira, em sua condição de subordinação como formação “colonial-escravista”, vinculada ao império “mercantil-salvacionista”6 ibérico, o Brasil se conformou atendendo aos interesses externos, como parte de um sistema econômico de dominação, e nunca para si mesmo de modo satisfatório. De acordo com Darcy: (...) o Brasil surge como uma feitoria onde se implantavam técnicas produtivas avançadas, visando ao aumento da produção exportável, mas só nestes limites. Contudo, certos componentes essenciais deste sistema produtivo permaneceram sempre fora do país, tais como a organização financeira e comercial, o controle da rede de transportes marítimos, as manufaturas de bens mais elaborados de uso e de produção (Ribeiro, 1975 a, p. 165) 6 Segundo Darcy, os “Impérios Mercantis-Salvacionistas” são “(...) formações como a ibérica e a russa, incipientemente capitalistas e incapazes de empreender, por si mesmas, a revolução industrial, mas responsáveis pelas primeiras rupturas com o feudalismo europeu, pela restauração da economia mercantil e, no caso dos povos ibéricos, pela restauração do colonialismo e do escravismo de tipo greco-romano, bem como pela criação do primeiro sistema mercantil de âmbito mundial.” (Ribeiro, 1975a, p. 31) Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 27 O processo civilizatório através do qual o Brasil teria sido impulsionado, de acordo com Darcy, guiou-se por um movimento de “transfiguração étnica” que o autor denomina de “atualização histórica” ou “modernização reflexa” que “(...) corresponde a conscrição de povos estranhos por centros exógenos de dominação que os convertem em seus ‘proletariados externos’ destinados a produzir excedentes para a manutenção dos padrões de vida do núcleo cêntrico.” (Ibid., p. 35). O conceito de “atualização histórica” que consiste, em Darcy, numa via pela qual operam os processos civilizatórios, é antitético ao movimento de “aceleração evolutiva” que significaria uma “(...) progressão de um povo de uma ou outra etapa da evolução sócio-cultural com a preservação de sua autonomia étnica, cultural e política.” (Id. Ibid.). Os dois movimentos se relacionam para Darcy com a situação que cada nação experimenta para lidar com seu passado, enfrentar seu presente, e planejar seu futuro. A via da “atualização histórica” corresponde a uma situação de dependência e atraso, enquanto o movimento de “aceleração evolutiva”, diz respeito a uma situação de autonomia e independência. O Brasil teria experimentado, e tão somente, a via da “atualização histórica”, como ingresso no curso da história de forma induzida externamente. O “atraso”, diagnosticado por Darcy, é uma resultante do próprio processo de formação histórico-social brasileiro, referenciado por um sistema de dominação e espoliação colonial ibérico, visto que se conforma como um reflexo estrutural de uma determinada conjuntura, e que historicamente se atualiza na condição de uma área neocolonial de exploração de potências industriais (Inglaterra, França e Holanda, por exemplo), experimentando inovações tecnológicas e institucionais de caráter modernizador, contudo parcial e deformante, num sistema neocolonial de dependência (Ibid., p. 165). Esta clivagem colabora para a estruturação social brasileira na passagem de uma estratificação escravista da sociedade colonial a uma disposição em classes sociais, composta por classes dominantes (o patriciado com pretensões de se modernizar, e a burguesia nacional como Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 28 um braço político-ideológico dos setores dominantes externos); setores intermédios (profissionais liberais, pequenos empresários, e funcionários dependentes); classes subalternas (campesinato e operariado) e a imensa camada marginalizada egressa em parte do regime escravista. Este espectro societário descrito por Darcy caminha no sentido da formação do Brasil como uma configuração histórico-cultural provida de um conteúdo espúrio, ou seja, a cristalização de um caráter ilegítimo da “cultura brasileira” enquanto um amálgama contraditório de suas matrizes fundadoras: a matriz afro, desgarrada culturalmente de seu lugar de origem, base do sistema escravista; a matriz lusa, composta de brancos portugueses vinculados à metrópole; e a matriz tupi, marcada por um processo intenso de extinção étnica e espoliação cultural (Ribeiro, 1975a, p. 147). O diagnóstico do “atraso” pressupõe a observação das causas que contribuíram para sedimentação de um quadro estrutural de dependência brasileira enquanto uma nação que jamais teria existido para si de forma autônoma, que não logrou determinar seu destino, o de seu povo, imerso numa atmosfera de miséria e ignorância e de não-universalização dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, por exemplo. O atraso histórico brasileiro é, porém, fruto de uma mudança espontânea, reflexa, na qual o Estado brasileiro aparece como uma coalizão classista e a burguesia nacional é um estrato vinculado a interesses externos, que não cumpre o papel clássico revolucionário de universalizar os direitos de cidadania, por não ser este seu objetivo enquanto fração de classe.7 Deste modo, o “atraso” não é um dado a priori da formação histórico-social brasileira, visto que não figura como um elemento de desajuste cultural do brasileiro em relação a um ou outro aspecto de sua vida social. Darcy não está em busca da fundamentação conceitual do ethos brasileiro que basearia uma concepção de singularidade social que, ao ver do 7 Neste ponto, o argumento de Darcy se aproxima ao de Florestan Fernandes, ao identificar a insuficiência da burguesia nacional enquanto classe revolucionária no cenário histórico brasileiro. Cf. Fernandes, 1979. Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 29 autor, esconderia as contradições inerentes ao próprio processo formativo brasileiro como um movimento de transfiguração, de deformação, e não como formação de uma cultura genuína e singular no mundo. Para Darcy, singular é toda configuração histórico-cultural constituída segundo condições históricas determinadas, não apenas o Brasil. A explicação do “atraso” brasileiro por Darcy caminha no sentido contrário, ao que denomina de “teoria tradicional do atraso”, ou seja, àquelas abordagens que tencionam discutir o atraso de acordo com fatores climáticos, geográficos, raciais, e religiosos. A seu ver, tais explicações colaboram para desvincular o diagnóstico do atraso de suas causas reais, fomentando um ideário político conformista, visto que os condicionantes realçados aparecem como um “mal de origem", como um erro inicial que atua como um conteúdo inviabilizador da mudança. Darcy dialoga com Oliveira Viana (1975), para quem o “atraso” se apresenta como elemento configurador de um caráter avesso ao progresso, conformador de uma natureza humana boa e dócil, em que o meio rural opera como base da civilização brasileira. Sem negar o processo civilizador em curso, admite que sua origem e modelo estão na natureza humana do brasileiro na conformação da psicologia do tipo rural. Werneck Vianna (1991) aborda a tensão histórica entre duas correntes de pensamento que no Brasil foram protagonistas de nossa formação histórico-social, a vertente “americanista”, representada por Tavares Bastos, para quem o “atraso” aparece como persistência da herança ibérica que deve ser superada na direção da importação de um modelo forâneo, o modelo político-institucional anglo-saxão; e a vertente “iberista”, encarnada por Oliveira Viana, e sua defesa do elemento nacional, fundamentalmente brasileiro, suas concepções e projetos de sociedade relacionados à incorporação do estilo de vida luso à vida nacional. Nesse sentido, Werneck Vianna classifica Darcy Ribeiro Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 30 como uma espécie de “iberista”, para quem, juntamente com Richard Morse, o “atraso cultural” seria uma vantagem no processo de modernização latino-americana. Em minha análise, o conceito de “atraso” em Darcy difere da acepção tomada por Werneck Vianna, visto que aparece justamente como uma desvantagem, como um fator de impedimento ao processo evolutivo autônomo e, desta forma, como uma antítese do “progresso”. Em Darcy, o “atraso” em todas as suas dimensões é algo nocivo, sobretudo àquelas sociedades, como a brasileira, em que o grau de autonomia é diminuto. É neste sentido que o “atraso” deve ser superado para Darcy, como uma esfera que obstaculiza um processo de desenvolvimento autônomo, e, portanto, analisada em sua causalidade histórica que fundamenta toda observação que tenha como norte, ultrapassar esta dimensão desfavorável ainda que imersa nela. Parece-me ainda que a crítica de Darcy está direcionada também àquelas análises que procuraram remontar o que Villas Bôas (2006a) chamou de “ontologia do brasileiro”, como a perspectiva de Sérgio Buarque de Holanda (1995), segundo a qual o conteúdo da “cordialidade” apareceria como um rechaço de qualquer condição de modernidade e progresso brasileiros em termos institucionais. A incompatibilidade cultural do brasileiro com a figura do Estado moderno enquanto um ente estranho e avesso a uma tendência de intimidade do “homem cordial”. Para Darcy, entretanto, o “atraso” é um construto analítico conjuntural, e por assim ser, uma condição desfavorável significada circunstancialmente 8. O “atraso” brasileiro não revela inaptidão, desajuste ou incompatibilidade, mas sim uma condição histórica que atuou como um elemento de formação social e cultural brasileira, como um mecanismo que transfigurou etnicamente o povo brasileiro, relegando boa parte da sociedade a uma condição de restrição a uma existência plena. O “atraso” não é, ele se 8 Miglievich Ribeiro em “O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro: crítica ou reforço à noção” (2005) faz dialogar Darcy Ribeiro e Norbert Elias observando que na obra “O povo Brasileiro” (1985) de um e “Os Alemães” (1997) de outro inexiste qualquer perspectiva “essencialista” mas uma preocupação com a reconstrução da biografia de cada povo de modo que a história de suas lutas, perdas e conquistas compõe sua identidade, sem que esta esteja “dada” ou seja imutável. Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 31 tornou, podendo ser diagnosticado no tempo e no espaço e pode ser erradicado se analisado e combatido. O atraso histórico aparece como uma condição de desvantagem no processo histórico brasileiro, pois atua como impeditivo a uma conjuntura de autonomia nacional, esta consistindo na superação de uma clivagem histórico-estrutural rumo a uma dimensão societária pautada por um senso de justiça e solidariedade sociais. 2. A “superação do atraso” como “mudança provocada” A perspectiva darcyniana direciona um alvo, uma meta a ser buscada e alcançada. Superar o “atraso” como um conjunto de condições que circunda todas as esferas da vida social brasileira, dificultando a própria construção do conhecimento válido cientificamente, uma vez que o conhecimento para Darcy está vinculado ao seu contexto histórico de produção, representa uma tarefa que reside na tensão entre dois estados de coisas: “o que existe”, leia-se o “atraso”, um caráter espúrio da cultura brasileira; e “o que precisa existir”, algo que não está dado no mundo, que contradiga o presente como resultado de um desenvolvimento espontâneo, e alcance o futuro, na sua acepção de um ideal societário, matizado por uma atmosfera de solidariedade e respeito do Brasil para com “os brasileiros”. Darcy tenciona o aspecto normativo da mudança social brasileira: um processo histórico de negação e superação da realidade que, por assim ser, figura enquanto dever ser que necessita ser provocado, impulsionado, planejado. A proposta de mudança em Darcy aparece de forma semelhante àquela explanada por Villas Boas (2006a) 9. Villas Bôas mostra que este tempo histórico representa um esforço de produção de conhecimento pela 9 Villas Bôas (2006 a) discorre a respeito do ideário de participação e intervenção dos intelectuais brasileiros que figuravam em nossa sociologia dos anos de 1950, no rumo da história nacional, a partir da compreensão do fazer sociológico como contribuição para a constituição de uma nova etapa do processo civilizatório Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 32 intelectualidade brasileira que esteve voltada para a compreensão e modificação da nação pela ciência como um conhecimento desmistificador do mundo. Para estas idéias acerca da mudança, colaborou a recepção do pensamento de Karl Mannheim por parte dos intelectuais brasileiros dos anos 1950 (Villas Bôas, 2006b), como fundamentação de uma postura crítica frente à sociedade de seu tempo, como momento de transição entre uma ordem social atrasada e uma ordem moderna industrial, que seria balizado pelo conhecimento científico como saber total e universal que transcende as visões parciais de mundo na direção de uma concepção mais ampla do processo social que os intelectuais enquanto intérpretes por excelência do mundo poderiam fornecer. (...) o entrelaçamento de uma concepção universalista da sociedade a uma concepção moderna de história, que fazia do futuro o tempo mais importante, para o qual se deviam voltar todos os esforços, desde os projetos individuais até os empreendimentos econômicos, políticos ou educativos, marcou parte notável da intelectualidade brasileira (VILLAS BÔAS, 2006a, p.97). O pensamento de Darcy Ribeiro mostra-se representativo deste tempo na medida em que ele é também produto de uma determinada época, e compartilha, grosso modo, o ideário de mudança social presente na “sociologia dos anos 1950”, mesmo não sendo a sociologia o foco de seus estudos, mas através de sua perspectiva antropológica como portadora de um ideal de cientificidade, podemos notar a vinculação que Villas Bôas suscita entre o “fazer ciência e o fazer história” (2006a). Darcy dimensiona uma relação entre o conhecimento científico e o processo histórico brasileiro através do grau de consciência acerca da urgência de se diagnosticar e superar o “atraso”, ou seja, a proposta darcyniana é, sobretudo, uma aposta nos intelectuais brasileiros, conscientes de seu papel na história Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 33 brasileira, no fomento de idéias e projetos de sociedade, que tenham como base as causas do “atraso” e as respostas que viabilizem saídas. A análise de Darcy a respeito dos intelectuais é, em certa medida, uma auto-reflexão que lhe permite propor um quadro teórico-conceitual sensível aos problemas da realidade brasileira10, procurando suprir com novos instrumentos conceituais os esforços de explicação das causas históricas do “atraso”11. Os intelectuais brasileiros atingindo o limiar de sua “consciência possível”12, aquela que alcança os limites que a visão de classe que cada intelectual traz consigo, devem, segundo Darcy, perceber a realidade como problema (“O Brasil como problema”) e ter a predisposição para transformá-la (Ribeiro, 1975a, p.174). A “consciência nacional”, devendo ser potencializada no Brasil pelos intelectuais, consiste para Darcy no reconhecimento e na compreensão do papel destes na cena histórica brasileira através da contribuição substanciada cientificamente para a mudança social. Desta feita, a idéia de superação do “atraso” brasileiro haveria de ser uma meta consciente, buscada no âmbito nacional. Para a elaboração desta “consciência crítica”, operam, a meu ver, duas noções fundamentais em Darcy, as quais Villas Bôas identifica como caras à sociologia dos anos de 1950: tempo e história.13 Há, na perspectiva darcyniana de mudança, uma imagem de 10 Eis a proposta de retomar o esquema conceitual presente em O Processo Civilizatório (1975b) para a análise da conjuntura histórica brasileira de Os Brasileiros (1975a) como um esforço direcionado por Darcy na readequação do pensamento forâneo ao processo formativo brasileiro. 11 Assim não culpabiliza aquelas abordagens que explicavam o atraso brasileiro por fatores geográficos, raciais ou religiosos pois sendo o conhecimento um produto da época na qual é produzido seria difícil, segundo Darcy, emergir de um Oliveira Viana, por exemplo, uma teoria de reordenação social dada a carência conceitual de seu pensamento. Cf. Ribeiro, 1975a, p. 174. 12 Em minha monografia de graduação desenvolvida na Uenf, atentei para perspectiva de Joel Rufino dos Santos em “Como podem os intelectuais trabalhar para os pobres” (2004) que indica o próprio Darcy Ribeiro, ao lado de Milton Santos, que ainda que limitado por uma visão classista de mundo, logrou supera-la, alcançando sua “consciência possível”: aquela que lhe permitiu se indignar com as mazelas sociais e ir de encontro a este quadro. Cf. Matias, 2005. 13 Segundo Villas Bôas: “A imagem de futuro inscrita nesses livros, tendo por fundamento uma filosofia defensora das leis deterministas da história (como a hegeliana ou a marxista) ou, ainda, apresentando por fundamento simplesmente a idéia burguesa de progresso, apoiava-se em uma visão linear e evolucionista da Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 34 futuro, como um tempo que “deve ser”, como um estado de coisas que tem de ser tensionado no sentido de que seu alcance signifique um ideal de sociedade que não está dado no presente devido às circunstâncias do “atraso”. Nestes termos, o tempo futuro para Darcy aparece provido de um conteúdo utópico, como uma esfera do pensamento incongruente com a realidade concreta, desencaixada do diagnóstico de um espaço em um determinado momento histórico (Miglievich Ribeiro & Matias, 2006). Segundo Darcy, “(...) o abstratamente ideal para os seres humanos não pode ser programado” (Ribeiro, 1975a, p. 149), contudo, as representações de Darcy são dotadas de concreticidade no que tange à viabilização de um processo de mudança social 14. O que se registra paralelamente à noção de futuro em Darcy é marcadamente uma concepção de história enquanto devir 15 , que fornece as bases de qualquer mudança. A dimensão de tempo se funde com a dimensão histórica, como um devir, não como uma história atemporal, imutável, um ente que descansa no passado, o qual não podemos dimensionar senão para culpá-lo de todas as mazelas. Deste modo, o “atraso” brasileiro aparece como uma circunstância do tempo presente, facultada por um processo histórico que traz consigo toda a carga de significado do passado, sendo, pois, um resultado tenso de um movimento de progresso e regressão, no qual o Brasil se constituiu face à espontaneidade de seu passado, que colaborou, mas não determinou, para uma referida conjuntura de tempo e espaço: o presente. Darcy não suprime o passado como um tempo que deve ser esquecido em nome de um tempo futuro vislumbrado, mas busca superar uma condição de “atraso” alocada no presente historicamente constituída e atualizada. A imagem do futuro que reside na idéia de história e em uma concepção universalista do mundo.” (2006a, p. 61). 1413 . Mannheim opõe ideologia à utopia, sendo a primeira não uma falsa representação mas a síntese de idéias de transformação social capaz de ser operacionalizada. Cf. Miglievich Ribeiro & Matias, 2006. 15 A concepção de história em Darcy, que merece um estudo à parte, é definida como “(...) uma sucessão de interações competitivas destes componentes dos modos de produção, cada um dos quais, ao se alterar, afeta os demais e lhes impõe transformações paralelas, configura situações complexas que nunca são rigidamente deterministas nem linearmente evolutivas.” (Ribeiro, 1975a, p. 85). Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 35 “superação do atraso” em Darcy não descarta o passado, visto que é deste tempo que provém toda a base analítica que sustenta seu diagnóstico. O caráter da mudança social assenta-se na projeção de um futuro necessário e de seus empreendimentos históricos básicos para levar a cabo a superação do “atraso” brasileiro: a educação pública, nesta, a “universidade necessária”16. Registro aqui o papel central da universidade pública brasileira para Darcy marcada ainda por um processo de “atualização histórica”. Darcy mostra que se a universidade entre nós está imersa no “atraso”, posto que figura como uma instituição da sociedade, é, no entanto, a ela que deve ser atribuído o papel e a responsabilidade social de “alavancar” a sociedade rumo à “nova civilização”: a universidade é o lócus por excelência do conhecimento científico que balizará a sociedade futura. Em Darcy, reside a idéia da universidade constituindo-se como um projeto intencional, planejado, provocado e provocador (Miglievich Ribeiro & Matias, 2006). A proposta darcyniana é assim marcadamente contrafática, ou seja, está baseada em algo oposto ao que existe para superar o estágio existente do “atraso” brasileiro: uma universidade proporcionadora do desenvolvimento autônomo num cenário ainda de dependência e de colonização cultural (Matias, 2005). Considerações finais A sociologia brasileira dos anos 1950, sob os rótulos de desenvolvimentista, economicista, funcionalista e marxista (Villas Boas, 2006a, p. 14), foi relegada por gerações posteriores de intelectuais que, a meu ver, conscientemente ou não, atuaram para fragmentar 16 Ver Ribeiro 1975c. Dentre os quais se destacam sua participação no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) nos anos 1950, a elaboração e implementação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) no Estado do Rio de Janeiro nos anos 1980, e a contribuição na construção de universidades públicas no Brasil, como a Universidade de Brasília (UnB) em 1961, e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) em 1993, e no exterior, como a Universidade da Argélia, a Universidade do Uruguai, durante o período de seu exílio. Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 A superação do “atraso” como “mudança provocadora” 36 epistemologicamente os esforços de se estudar o processo de formação social brasileira no que concerne à dimensão macro-estrutural de análise e, conseqüentemente, retiravam o conteúdo político-ideológico presente nas propostas anteriores na busca vã de se alcançar uma purificação teórico-metodológica. Este fardo também circunda o pensamento de Darcy Ribeiro haja vista a pouca atenção destinada à sua contribuição para a sociologia e antropologia brasileiras que revela uma tendência de enquadrar determinados autores em jargões estéreis que, se não bastassem ser pouco explicativos, encerram o legado de um pensamento em esquemas conceituais engessados, envelhecidos pelo tempo. A contribuição de Darcy Ribeiro uma vez discutida no âmbito da sociologia brasileira nos leva a fomentar o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, neste caso especial, entre a sociologia, a antropologia e a educação, mas, sobretudo, a reconhecer a relevância social dos problemas por ele debatidos e que só podem ser tematizados por uma análise integrada dos corpos do saber que formam o universo do conhecimento científico. A exemplo do esquema teórico-conceitual trabalhado por Darcy em “Os Brasileiros” (1975a) direcionado para o diagnóstico dos problemas histórico-sociais brasileiros, entendidos enquanto problemas passíveis de investigações que tencionam tocar a realidade e arremessá-la a um outro patamar histórico, livre das condições do atraso histórico que o Brasil vivenciou em seu percurso como obstáculo à mudança. A “superação do atraso” só pode ser concebida enquanto “mudança provocada” porque o tempo da mudança pode ser fomentado por uma base científica de análise, ligada a projetos para a sociedade brasileira, num “(...) discurso rigorosamente objetivo, mas participante e comprometido” (Ribeiro, 1975a, p. 4), para o qual o conhecimento científico como conhecimento histórico colabora ditando o ritmo e a viabilidade da mudança. A mudança social parece ser uma chave de interpretações acerca do Brasil enquanto problema sociológico, e este é, também, um legado dos anos 1950: pensar o Brasil não como ser abstrato, mas como uma formação econômico-social histórica. Reunir o tempo - como Agenda Social. v.2 , n.2, mai-set / 2008, p.22-39, ISSN 1981-9862 Glauber Rabelo Matias 37 representações concretas de passado, presente e futuro – à história, de modo não-fatalista, mas sob uma análise sistemática das condições materiais da vida cristalizadas nas esferas política, social, cultural e econômica, permite reconverter a noção de “atraso” de algo “natural” ou “dado” para uma realidade historicamente construída não-avessa à mudança, mas constitutiva da própria condição brasileira de modernidade periférica. Darcy Ribeiro parece-me contribuir na direção de superar o que Villas Bôas atentamente denominou de “mito da ambigüidade” (2006a, p. 168) que paira sobre o pensamento fundador da sociologia brasileira. O atraso brasileiro em Darcy não significa um apelo à tradição que daria ao Brasil sua singularidade em contraste às nações ditas modernas, mas é fruto de um desenrolar contraditório do processo de modernização brasileira, de caráter “espúrio”, dependente, não universalizado, induzido de fora para dentro. É este quadro que aflige Darcy e que o leva a nortear sua negação e superação como um futuro que pertence à história. Referências Bibliográficas BOMENY, Helena. Darcy Ribeiro. Sociologia de um indisciplinado. Belo Horizonte: UFMG, 2001. FERNANDES, Florestan. Mudanças Sociais no Brasil. Aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira. São Paulo: Difel, 1979. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1995. MATIAS, Glauber Rabelo. 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