Sanidade
pecuária
em perigo
Em normativa desastrosa, Mapa proíbe
o uso de avermectinas de longa ação
Adilson Rodrigues
[email protected]
36 - JULHO 2014
Fotos: Divulgação
O
Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (Mapa) assustou
o mercado pecuário ao publicar no
Diário Oficial da União, do dia 30 de maio,
uma instrução normativa (IN) que pegou
todo o setor de surpresa. A IN 13 proíbe a
fabricação, manipulação, fracionamento, comercialização, importação e uso de produtos
antiparasitários de longa ação que contenham
princípios ativos pertencentes à família das
lactonas macrocíclicas (avermectinas), os
mais utilizados na pecuária brasileira.
A medida foi tomada mesmo antes da
conclusão de estudos que simulassem o possível impacto na criação de gado e surgiu em
resposta aos embargos dos Estados Unidos à
compra de carne oriunda de bovinos brasileiros que apresentaram excesso de ivermectina
(pertencente ao grupo químico das avermectinas) nos testes realizados pelo órgão de vigilância sanitária daquele país. Isso porque
os EUA reduziram o nível de resíduos de 40
para 10 ppb (partes por bilhão), contrariando
até mesmo recomendações do Códex Alimentarius, acordo firmado entre mais de uma
centena de países. Os norte-americanos representam menos de 5% das exportações brasileiras, mas estudam um acordo que permitiria
a entrada de carne in natura do Brasil, o que
serviria como uma espécie de “certificação”
para o acesso a outros países que pagam bem
por carne bovina, a exemplo de Japão, México, Canadá e Coreia do Sul.
O descontentamento à decisão, considerada negativa e arbitrária pelos representantes da indústria veterinária, segundo a classe pecuarista, foi imediato. “O
Sindan repudia o teor da Instrução Normativa nº 13, de 2014, reafirmando que
adotará as medidas cabíveis para a anulação da mesma”, assina, em carta aberta,
Ricardo Pinto, o presidente da entidade.
De acordo com ele, os produtos veterinários à base de avermectinas são usados
nos bovinos há mais de 20 anos em todo
o mundo, estão devidamente registrados
e são comprovadamente seguros, conforme critérios técnicos e científicos estabelecidos pelo próprio Mapa.
“Analisamos as medidas cabíveis
para que, de maneira proativa, possamos resguardar os interesses de toda a
indústria de saúde animal que venham
a ser afetados diretamente pela norma”, afirma o presidente do Sindan. O
mercado em questão movimenta números fartos. A Associação Brasileira dos
Laboratórios Farmacêuticos Nacionais
(Alanac) estima que as avermectinas
representem 30% do faturamento das
empresas farmacêuticas nacionais que
atuam no mercado veterinário, cerca de
R$ 500 milhões. “O governo brasileiro,
ao invés de discutir o uso adequado do
produto, optou pela radicalização. Essa
medida não tem precedente em nenhum
lugar do mundo”, explica Henrique
Tada, diretor executivo da Alanac.
Segundo o Sindan, todas as determinações governamentais, no sentido
de orientar os produtores e profissionais da área veterinária quanto à aplicação correta dos antiparasitários de
longa ação, foram tomadas seguindo
recomendações de rótulo e bula, devi-
damente aprovadas pelo Ministério da
Agricultura. Entre as ações, uma cartilha educativa foi elaborada e distribuída para milhares de pecuaristas de todo
o País, em parceria com o Conselho
Nacional de Pecuária de Corte (CNPC).
“Esta instrução normativa significa um
enorme retrocesso à pecuária brasileira. Isso vai retardar o desenvolvimento
dos animais de produção e acabar com
o controle estratégico de carrapatos,
responsáveis por prejuízos na ordem de
US$ 3 bilhões”, refuta o médico-veterinário Sebastião da Costa Guedes, diretor de Sanidade Animal do CNPC. Para
ele, o problema dos resíduos no organismo do animal poderia ser corrigido
com investimento em extensão rural.
Guedes acredita que a IN vá estimular o aumento do comércio ilegal
de produtos oriundos de países vizinhos, bem como a proliferação de
similares não registrados, já tão frequentes em certas áreas do País com
escasso e difícil fiscalização do Governo Federal. Outro agravante é que a decisão foi tomada exatamente no início
do inverno, período do ano em que os
produtores implementam o controle estratégico de endo e ectoparasitas.
“Mais uma vez presenciamos a incrível
falta de sintonia entre o Governo, seu
órgão administrativo (Mapa) e o setor
produtivo da pecuária do Brasil”, informou, em comunicado, a Associação dos
Criadores de Nelore do Brasil (ACNB).
Para a associação, não há evidências de
que o pecuarista seja relapso quanto ao
período de carência dos produtos veterinários. Portanto, punir o produtor com
essa medida seria uma atitude equivocada.
Um ponto observado pela entidade é que as medidas governamentais
de impacto sobre a atividade pecuária
sempre são encaminhadas de forma imperativa, desconsiderando as questões
de aplicabilidade e a real situação da
produção. “Os exemplos neste sentido
são fartos: regras do Sisbov, liberação
dos Betas Agonistas e habilitação de
fazendas para exportação (lista traces). Em alguns momentos, o Governo
age com morosidade, em outros, com
rapidez implacável. Aparentemente,
movido por interesses distintos e desalinhados”, critica a ACNB, que ainda
questiona: “o que o produtor deve fazer
com estoques já comprados? Qual produto se utilizará em substituição?”.
A redação da Revista AG tentou obter
as respostas, em especial para esta última
pergunta, diretamente com o Ministério
da Agricultura, mas não obteve sucesso.
Procurada, a assessoria de imprensa apenas comunicou que há um grupo de trabalho formado para discutir o protocolo que
será adotado e assim que tiver informações
sobre os próximos passos, divulgará. E as
críticas à medida arbitrária não param por
aí. O presidente da Associação Brasileira
de Hereford e Braford (ABHB), Fernando
Lopa, inclusive, fez uma analogia com uma
anedota antiga, na qual um marido, após
ser avisado por um bilhete anônimo que a
esposa o traía com um amante no sofá da
própria sala de visitas, resolveu rapidamente o problema: retirou o sofá da sala!
“Nosso atual Secretário de “Defesa”
não buscou “defender” os interesses do se-
tor produtivo, simplesmente ‘tirou o sofá
da sala’, impedindo a venda de um produto, muito mais utilizado na cria e recria do
que na engorda, como forma de ‘resolver’
um problema que poderia ser solucionado
com outras medidas mais eficazes”, explica Lopa. Ações possíveis seriam intensificar as inspeções nos frigoríficos, autuar os
infringentes dos prazos de carência ou fiscalizar empresas que agem à margem da
lei na produção ou introdução do produto
no país. Tudo isso para “garantir 23,5 mil
do 1,5 milhão de toneladas de carne que
o Brasil comercializa anualmente para o
mundo, ou ainda, garantir uma “possível”
abertura para o mercado norte-americano
de carne in natura.
O CNPC reforça que o uso de produtos de longa ação é prática racional para
nosso país, onde o rebanho, em grande
parte, é reunido apenas duas vezes por ano
por ocasião das vacinações contra aftosa.
“Esta infeliz restrição privará do uso destes
medicamentos em outras categorias animais como novilhas e vacas de cria, animais
para reprodução, bezerros jovens e novilhos
em recria para os quais o abate ainda levará
muitos meses e até mesmo alguns anos para
acontecer”, avalia Guedes. “Quem será responsabilizado pelo prejuízo que tal medida
representará ao setor? Para quem mandaremos a conta?”, indaga Lopa, ressaltando que
se hoje figuramos no topo da produção de
carne para o mundo, em uma matriz majoritariamente a pasto e com custos altamente
competitivos, devemos à descoberta dessas
moléculas milagrosas décadas atrás.
“Basta de ingenuidade. Não se pode
abrir mão de uma realidade para apostar
em um sonho de longo prazo (abertura
para carne in natura). A pecuária brasileira
é o que é hoje por conta do trabalho sério
dos produtores, dos técnicos e da indústria.
Comprometendo a existência da indústria
de saúde animal, o governo brasileiro está
ferindo toda a atividade produtiva”, alerta
Paulo de Castro Marques, presidente da
Associação Brasileira de Angus (ABA),
que faz coro à reprovação da IN 13, novo
número do azar da pecuária brasileira.
O que são as avermectinas?
Os carrapaticidas, bem como outros parasiticidas de aplicação pur-on e endectocidas são separados em famílias (ou
grupos químicos). Existem duas, que são classificadas segundo a forma de ação de cada produto, que pode ser por contato (o produto precisa entrar em contato com o carrapato) ou sistêmico (a ação ocorre pela circulação sanguínea). As
Lactonas Macrocíclicas pertencem à família dos produtos sistêmicos. Por sua vez, as Lactonas Macrocíclicas também
são dividas em quatro subgrupos de moléculas (ou princípios ativos): ivermectin, moxidectin, doramectin e abamectin,
as principais utilizadas no controle de carrapatos, bernes, moscas e vermes que causam prejuízos na ordem de bilhões de
dólares à pecuária brasileira.
REVISTA AG - 37
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