Artigo | Fernando Sampaio ALIMENTO SUSTENTÁVEL A carne brasileira e os desafios da sustentabilidade O Congresso Mundial da Carne, que foi realizado de 26 a 29 de setembro, em Buenos Aires [cobertura completa na próxima edição da RNC], teve como tema: “Carne para um mundo sustentável”. Em um mundo urbanizado, em crescimento tanto econômico como populacional, é certo que a demanda por carne aumentará nas próximas décadas. A grande questão é onde e como essa demanda adicional por carne poderá ser produzida de forma sustentável. A crise financeira iniciada no fim de 2008 causou, no ano seguinte, uma queda acentuada do comércio internacional por conta da falta de crédito, com consequências tais como o aumento do protecionismo em alguns mercados. No entanto, superada a crise, a demanda de carnes deve crescer, principalmente, nos mercados dos países em desenvolvimento. Em seu Long Term Meat Studies, o GIRA, consultoria internacional especializada no mercado de carnes, estima que até 2020 o consumo de carne bovina no mundo terá um crescimento de 3,683 milhões de toneladas (equivalente carcaça). O GIRA também identifica o Brasil como sendo um dos grandes beneficiários desse aumento de demanda, principalmente por ter, dentre os países exportadores, o maior potencial para aumentar sua produção. No entanto, para que esse benefício se concretize, o País terá de resolver seus grandes entraves: o câmbio, a logística e a sensibilidade dos mercados à questão da sustentabilidade. Não é nosso objetivo aqui discorrer sobre a questão 66 cambial e os gargalos que o Brasil enfrenta na sua malha logística. Mas podemos esclarecer alguns aspectos sobre os desafios que enfrentamos na área da sustentabilidade. Com as discussões internacionais sobre mudanças climáticas e a preservação da biodiversidade, o tema da sustentabilidade está definitivamente inserido nas agendas públicas e privadas em todo o planeta. Em 2050, teremos uma população com 3 bilhões de pessoas a mais do que temos hoje. A renda per capita será 2,9 vezes maior, fazendo com que o consumo seja o dobro do que é hoje. Nas palavras de Bryan Weech, diretor para pecuária e porta-voz da WWF US no Congresso Mundial da Carne: “os impactos (ambientais) que hoje são aceitáveis em um mundo com 6,8 bilhões de pessoas, não serão com 9,1 bilhões”, e a inevitável conclusão: “precisamos usar menos para produzir mais com menos”. O fato de uma organização ambientalista ter chegado a essa conclusão pode ajudar a quebrar um paradigma no Brasil, no qual o debate sobre a reforma do Código Florestal criou uma dicotomia irresponsável entre a ecologia e a agropecuária, quando é evidente que produção e preservação são iniciativas complementares e não antagônicas. Nesse sentido, a Abiec, representando a indústria da carne brasileira, esteve no congresso realizado em Buenos Aires para demonstrar ao mundo que a evolução natural da pecuária brasileira fará o País consolidar sua posição como o maior produtor mundial de carne sem que seus recursos naturais sejam ameaçados por isto. Outubro 2010 AMBIENTAL | SOCIAL | ECONÔMICO A chave para que isso aconteça está no uso de tecnologia, com a grande vantagem que, neste ramo, temos a melhor do mundo. Com tecnologia, tanto a área de pastagens como o tamanho do rebanho podem ser mais bem aproveitados – a primeira por meio de maior lotação e, o segundo, com melhores taxas de desfrute, ganho de peso, peso de carcaça, fertilidade e idade de abate. Isso, na verdade, já vem ocorrendo no Brasil há pelo menos cem anos. Desde a introdução do zebu no fim do século 19, a pecuária brasileira vem passando por uma revolução. Os avanços em genética zebuína, a introdução e o melhoramento das gramíneas africanas, os estudos com correção e fertilização de solos que possibilitaram a conquista do Cerrado, os estudos com a mineralização de rebanhos e suplementação nutricional, a vacinação e os avanços em medicamentos e ciência veterinária, inseminação artificial e cruzamentos industriais e, mais recentemente, os estudos com pastejo rotacionado e integração lavoura-pecuária-floresta são alguns exemplos de técnicas que possibilitaram o extraordinário avanço da pecuária nacional. O Brasil tem hoje cerca de 158 milhões de hectares de pastagens que correspondem a 18% de seu território, onde produz, com 193 milhões de cabeças, cerca de 9,2 milhões de toneladas de carne por ano. De 1975 a 2007, segundo a FAO, o Brasil aumentou sua produção de carne em 227%, para um crescimento de área de pastagens de apenas 4%. O resto do mundo elevou a produção de carne bovina em apenas 37%, para um acréscimo de área de pastagens de 6%. Somente nos últimos dez anos, a lotação em cabeças por hectare aumentou em 25,5%, sendo que neste espaço de tempo, a pecuária cedeu mais de 4 milhões de hectares para a agricultura. Ainda assim, o potencial de crescimento da nossa produtividade ainda é imenso. É fato que, nos últimos 50 anos, a fronteira agrícola brasileira seguiu uma lógica de ocupação do território nacional ditada e incentivada por sucessivos governos brasileiros, movendo-se para o oeste e norte do País. Hoje, com a fronteira às bordas da Floresta Amazônica, tenta-se reverter esse processo. Modelos matemáticos elaborados pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais preveem que, nos próximos 30 anos, culturas como soja, algodão, cana-de-açúcar, eucalipto e outras irão precisar de 14,9 milhões de hectares extras no Brasil para suprir a demanda dos mercados interno e de exportação. Por razões econômicas, mais de 10 milhões de hectares serão antigas áreas de pastagens liberadas pelo ganho de eficiência da pecuária. Outubro 2010 Os outros virão de fronteiras agrícolas em terras aráveis no Cerrado, e não na Amazônia, onde a legislação e o custo da abertura de novas áreas tornam o avanço da fronteira “antieconômico”. Com maior presença do Estado e técnicas de sensoriamento remoto, as taxas de desmatamento vêm caindo ano a ano na Amazônia, atingindo recorde de baixa este ano. Como um desejável efeito colateral, com a intensificação da pecuária, as emissões de gases de efeito estufa também são automaticamente mitigadas. Segundo estudo do prof. Paulo Mazza, da FMVZ/USP, de 1988 a 2007, o Brasil reduziu em 29% as emissões de metano por kg de carne produzida, a maior redução dentre os grandes países produtores. Ao mesmo tempo, as pastagens sob manejo intensivo convertem o solo em sumidouro de carbono pelo acúmulo de matéria orgânica. O Brasil tem hoje um ativo ambiental muito grande comparado ao resto do mundo. Nossa matriz energética é 47,3% oriunda de fontes renováveis. O resto do mundo usa apenas 12,7% de energia de fontes renováveis. Temos preservados 85% da Amazônia, 87% do Pantanal (com 200 anos de pecuária), 63% da Caatinga, 60% do Cerrado, 41% dos Pampas e 26% da Mata Atlântica. A Europa tem 0,3% de suas florestas originais preservadas. Temos também uma disponibilidade de água renovável per capita maior do que outras regiões produtoras de carne do mundo. O mercado de carnes que se desenha no futuro é uma promessa de riqueza extraordinária para as futuras gerações desse País, uma riqueza que pode ser conseguida ao mesmo tempo em que nossos recursos são preservados. O verdadeiro desafio do Brasil para conseguir essa façanha está em democratizar o acesso à tecnologia e conhecimento que já existem disponíveis no País, e que, porém, estão ainda indisponíveis para um universo muito grande de produtores. Desburocratização de processos, segurança jurídica, educação, acesso a crédito e extensão rural. Nossa sustentabilidade passa por aí. Fernando Sampaio é coordenador de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) 67