Direitos Humanos e Saúde Leny Trad Programa Integrado Comunidade, Família e Saúde ISC/UFBA Preâmbulo Direito Humanos e Saúde: dois conceitos especialmente complexos, abrangentes e que remetem a dimensões de natureza ética, políticoinstitucional, mas, também prática. Eleger um caminho que pudesse resultar menos especulativo ou excessivamente genérico. Tomar como referencia experiências concretas em torno desta temática (pesquisa ou extensão) no interior do programa Comunidade Família e Saúde (ISC/UFBA) Projetos que abordam acessibilidade em saúde; necessidades de saúde; diversidade e discriminação, políticas afirmativas; universalidade x equidade. Antecedentes 1948 - O direito à saúde foi reconhecido internacionalmente no bojo da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU). ONU, 1966 - O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), O artigo 12 enfatiza a universalidade e a integralidade do direito humano à saúde “Toda pessoa deve desfrutar do mais alto padrão de saúde física e mental”. É necessário atuar “diminuindo a mortalidade infantil, garantindo condições saudáveis no trabalho e meio ambiente, prevenindo e tratando de doenças e epidemias e assegurando assistência médica em casos de enfermidades”4. ‘Décadas de 1980 e 1990_ luta mundial contra a epidemia da Aids – alavanca do debate sobre DH e Saúde Pública Saúde Pública e Direitos Humanos: três relações básicas 1) Refere-se aos meios pelos quais Políticas, Programas e Práticas de saúde podem violar os direitos humanos. Remete ao conflito clássico entre Proteger a Saúde Pública e respeitar os Direitos Humanos. Historicamente o trabalho da saúde tem implicado em restrições dos direitos individuais em favor do bem coletivo. Embora este princípio seja considerado no bojo das regulamentações sobre DH, é imprescindível dimensionar em que medidas as intervenções em SP respeitam os DH. O desafios na busca do equilíbrio: a aposta na negociação Alguns avanços nas políticas/programas em curso.(participação consentida em testes vacinas; avaliação de custo - beneficio de biotecnologias etc.) O dilema da discriminação De forma inadvertida ou intencional a “discriminação”é recorrente na Saúde Pública e se apresenta como uma questão importante de DH. Pode-se afirmar que, via de regra, as políticas e programas de SP são discriminatórias. A discriminação direta ou indireta, que implica na exclusão ou inclusão privilegiada de grupos na oferta/ distribuição de recursos/serviços é considerada condição de eficácia, mas também de respeito aos DHs. Por outro lado: quando “os grupos de risco” fazem parte de um segmento já marginalizado ou estigmatizado (pobres, jovens negros das periferias, prostitutas etc.) ampliam-se as chances do agravo em questão ser negligenciado ou de não entrar na agenda de prioridades.. A lição da aids. Saúde Pública e Direitos Humanos: três relações básicas 2) A necessidade de identificar e avaliar os impactos da violação de direitos e dignidade humana. Algumas iniciativas importantes visam documentar a existência e o alcance da violação de DH: Médicos pelos Direitos Humanos, Anistia Internacional Médicos sem Fronteiras Os trabalhos se concentravam na violação de direitos relacionados com a saúde física (torturas, prisões desumanas). Man (1995) apontava a importância de avançar na seguinte questão: como a violação de DH ou da dignidade tem impactos identificáveis e mensuráveis para a saúde Exemplos de violação Marketing de cigarro ou bebidas alcoólicas que não informam danos associados ao uso... Violação do direito de acesso à informação sobre saúde-doença: ex.:DST aids entre trabalhadores do sexo ou consumidores de drogas injetáveis Direito reprodutivo; direito à privacidade etc. Descoberta – Identificação – Documentação Ex.: Violência ou abusos contra crianças só constitui uma questão de saúde pública quando se apresentam como um problema de saúde identificável e registrado. A dificuldade de mensurar a violação da dignidade!! Desafios Explorar a hipótese da associação entre violação de dignidade e vunerabilização ou enfraquecimento da saúde dos afetados. Elaborar e refinar uma taxonomia da violação de dignidade que possa subsidiar estudos epidemiológicos Ainda há uma grande lacuna nas tarefas de Descobrir – Definir – Documentar os impactos da violação de direitos e dignidade humana Saúde Pública e Direitos Humanos: três relações básicas 3) A terceira relação entre SP e DH é considerada a mais profunda: refere-se à premissa de que promoção e proteção a saúde está intrinsecamente ligada à promoção e proteção dos Direitos Humanos. É preciso rever definição e missão da Saúde Pública [ e de saúde] Saúde Pública: “Garantir as condições em que as pessoas possam ser saudáveis (IM, 1988)” O conceito de saúde e os determinantes sociais Conceito ecológico: “Saúde como resultado emergente da intersecção de processos ecológicos, sociais, tecnológicos e políticos, ocorrendo em diferentes escalas, e que permitem que um sistema ecossocial possa responder com sucesso a ameaças à sua integridade e às condições de vida e bem-estar dos seres humanos que dele fazem parte”. (Nunes; Matias 2006) Considerar os determinantes sociais que incidem sobre a saúde-doença de indivíduos e grupos, superando o paradigma biomédico. O direito à saúde no Brasil O direito à saúde recebeu - pela primeira vez - tratamento constitucional no Brasil- fruto de grande participação popular. A introdução da saúde no rol dos direitos sociais no Brasil foi, sobretudo, resultado da força dos movimentos populares no momento da redemocratização política. 1990 - Leis 8.080 e 8.142, que regulamentaram o Sistema Único de Saúde (SUS). Fortaleceu o caráter universal e público do direito humano à saúde: Princípios éticos e doutrinários do SUS Universalidade Eqüidade Integralidade, Outras diretrizes Descentralização Intersetorialidade Participação social Universalidade - Equidade A garantia do acesso universal no SUS depende da identificação de eventuais barreiras vinculadas a características e necessidades da população. A heterogeneidade/diversidade de dita população remete necessariamente a outro princípio básico do SUS: a equidade. Equidade em Saúde A equidade no acesso à saúde representa um dos maiores e mais complexos desafios contemporâneos em diversos países, Diferentes definições de Equidade em saúde; Em geral, o conceito remete à promoção da justiça social, para além de status econômico ou social, como o principal meio para determinar o acesso a uma boa saúde e bem-estar (Braveman, 2006). Equidade em Saúde “Ausência de diferenças sistemáticas potencialmente remediáveis em um ou mais aspectos da saúde em grupos ou subgrupos populacionais definidos socialmente, economicamente, demograficamente ou geograficamente” (Frenk, 1889) Desde a ótica da justiça social deve-se levar em conta disparidades históricas no acesso às oportunidades/recursos disponíveis para diferentes populações em nossas comunidades. A equidade em saúde pode ser entendida como uma medida fundamental de nossa humanidade. Acessibilidade em Saúde “Acessibilidade (...) é mais abrangente do que a mera disponibilidade de recursos em um determinado momento e lugar. Refere-se às características dos serviços e dos recursos de saúde que facilitam ou limitam seu uso por potenciais usuários”. (Travassos e Martins, 2004) O termo comporta dimensões socioeconômicas, geográficas, culturais e políticas do contexto social e assistencial que podem expressar-se como barreiras no atendimento das necessidades dos usuários (efetivos e/ou potenciais) do sistema de saúde. Acessibilidade pode ser mensurado pela relação entre a resistência apresentada por essas barreiras e a força de superação dos usuários - “poder de utilização” (Frenk, 1998) Iniquidades em Saúde Barreiras econômicas e étnico-raciais destacam-se entre os elementos que indicam a produção de iniquidades e contribuem para a vulnerabilização de diferentes grupos sociais. Classe social e pertença étnica são fatores importantes em processos de estigmatização social. Esse processo guarda relação com estruturas de discriminação mais amplas expressas em determinadas tramas de relações entre cultura, poder e diferença (Parker e Aggleton, 2001) Necessidades em (de) saúde: outro paradoxo O efeito paradoxal associado ao processo de satisfação de necessidades no campo sanitário: A organização social das ações e serviços de saúde opera, simultaneamente, respondendo e instaurando necessidades. Verifica-se uma dinâmica circular nos serviços de saúde, na qual a satisfação de necessidades da população, em um contexto favorável, contribui para reiterar necessidades ou produzir outras, incessantemente novas ((Schraiber, Mendes Gonçalves, 1996). A indústria farmacêutica e de tecnologia sanitária se encarregam de seduzir a população e produzir a valorização simbólica em torno do consumo de seus respectivos produtos. Universalidade x equidade Desde a ótica do planejamento/programação em saúde é importante priorizar focos de intervenção e definir metas, seguindo uma lógica que considera as necessidades específicas de determinados grupos sociais, ou outra, que privilegia os problemas que afetam o conjunto da população (Trad, 2010) Os desafios da construção da Políticas Participativas O ator-situação e a diversidade de visões e interesses envolvendo agências estatais, gestores, profissionais de saúde, usuários dos sistemas/serviços de saúde; agentes econômicos, pesquisadores, comunidades, cidadãos, ONGs, instituições sociais diversas. A capacidade desigual para definição da agenda do debate público e para a intervenção nas decisões, no seu conjunto, podem limitar o sucesso de iniciativas de cunho participativo (IRWIN, 1995, 2001; IRWIN; MICHAEL, 2003) O perfil burocrático das instancias que, em princípio, foram criadas para potencializar a participação e o controle social: o caso dos conselhos. Baixo impacto das formações para conselheiros. Desafios e Agenda Direitos Humanos e Saúde Equidade racial e de gênero; “Desigualdades globais e direitos humanos: uma análise crítica- “em que medida o “progresso científico e econômico repercutem sobre os mais pobres” (Benatar, 1998). Saúde, Mercado e Sociedade de Consumo A agenda de DH na saúde Incluir a temática dos Direitos Humanos nos programas de formação e educação permanente. Fomentar a pesquisa acerca da questão dos Direitos Humanos na saúde – ainda é bastante incipiente no Brasil. Instigar a análise crítica entre gestores, profissionais de saúde, usuários, população em geral a respeito dos interesses conflitantes entre Mercado e Saúde – o complexo médico-industrial (que inclui a indústria farmacêutica), a indústria alimentícia, empresas de tabaco, bebidas alcoólicas etc. Referencias Benatar, S. R. Global disparaties in Health and Human Rights: a critical commentary. American Journal and Public Health, v. 88, n 2, 1998: 295-300. Principios Fundamentais. Mann, Jonathan. Public Health and Human Rights Current issues in Public Health, n 1, 1995:97-101. _________SAÚDE E DIREITOS HUMANOS. Núcleo de Estudos em Direitos Humanos e Saúde Helena Besserman (NEDH) –Fundação Oswaldo Cruz – Ministério da Saúde. Ano 3, número 3, 2006. Trad, L. A. B. ; Castellanos, M. E. P. ; Guimarães, M. C. Accessibility to primary health care by black families in a poor neighborhood of Salvador, Northeastern Brazil. Rev. Saúde Pública . 2012, vol.46, n.6 : 1007-1013. Trad, L. A. B. ; Mota, C. S. ; Castellanos, M. E. P. ; Farias, V L. N. F. ; Brasil, S. A. Percepção sobre a Política de Saúde da População negra: perspectivas polifônicas. In: Batista, L.E.; Werneck, J.; Lopes, F. (Org.). Saúde da população negra. 1ed.Petrópolis: DP et Alii, 2012, v. 1, p. 70-97. Trad, L. A. B. Tem fila de espera nas fronteiras brasileiras: desafios frente ao direito à saúde e acessibilidade no SUS. In: Pinheiro, R.; Silveira, R.; Lofego, J.; Silva-Junior, A. 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