ORGANIZAÇÃO CURRICULAR Ação Pedagógica A idéia de ensino vem sendo confundida com a idéia de controle da ação da criança. Weiss (1998) comenta que com esta concepção equivocada será inevitável o lamento da perda do lúdico, do criativo e de todas as coisas interessantes que podem ser proporcionadas pela Educação Infantil. A aprendizagem infantil ocorre em contextos de brincadeira e trabalho, quando a criança se envolve intensamente nas atividades que vivencia, através do contato com materiais diversos e nas relações que estabelece com os outros (crianças e adultos). É desse modo uma aprendizagem ativa, que ocorre na experiência da criança e não através de aulas sobre pessoas, lugares ou fatos distantes da realidade em que ela vive. Para tanto, é possível observar que no desenvolvimento do trabalho pedagógico há a necessidade de organização do cotidiano da escola, o que implica em planejamento e estruturação espaço-temporal que favoreça uma seqüência básica de atividades planejadas em rotina diária com a participação ativa das crianças, assegurando-lhes a construção das noções de tempo e espaço. 1. Organização de espaços e tempos A organização espacial é um dos aspectos que favorece ou dificulta as interações, uma vez que influencia o modo de pensar ou se comportar, principalmente em ambientes infantis coletivos, nos quais a criança é sujeito de conhecimento. Para tanto, os locais devem ser disponibilizados de modo que contemplem diversas possibilidades, dando oportunidade à criança para explorar, descobrir, agir, selecionar objetos e áreas para a realização de atividades em um espaço-tempo que é parte integrante da ação pedagógica. Barbosa & Horn (2001) compartilham a idéia de que o espaço físico e social são fundamentais para o desenvolvimento infantil, na medida em que ajuda a estruturar as funções motoras, sensoriais, simbólicas, lúdicas e relacionais. Porém, Carvalho & Rubiano (2001) salientam que, em geral, os ambientes infantis planejados são orientados para atender às necessidades dos adultos, desconsiderando as necessidades próprias das crianças, caracterizando-se como ambientes de alto grau de controle e limitação das oportunidades para a escolha pessoal das mesmas. Na definição e construção de espaços para crianças, Barbosa & Horn (2001, p. 73) enfatizam a necessidade de se considerar que “o ambiente é composto por gosto, toque, sons e palavras, regras de uso do espaço, luzes e cores, odores, mobílias, equipamentos e ritmos de vida”. Segundo as orientações do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, para cada trabalho realizado com as crianças é preciso planejar a forma mais adequada de organizar o espaço onde as atividades se desenvolverão, bem como na introdução de novos materiais para a reorganização da sala ou de áreas externas. O espaço retrata a relação pedagógica. Nele é que o nosso conviver vai sendo registrado, marcando nossas descobertas, nosso crescimento, nossas dúvidas. O espaço é o retrato da relação pedagógica porque registra, concretamente, através de sua arrumação (dos móveis...) e organização (dos materiais...) a nossa maneira de viver esta relação (FREIRE, 1993, p 96). Neste documento, há a indicação de como os ambientes podem ser divididos para estruturar os espaços destinados às crianças pequenas, uma vez que elas interagem melhor em ambientes menores e mais aconchegantes. O Quadro 2 sintetiza uma proposta de organização para a Educação Infantil, destacando os recursos materiais necessários desenvolvidos. 48 e os aspectos infantis Quadro 2 PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO ESPACIAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL ORGANIZAÇÃO ESPACIAL RECOMENDAÇÕES E RECURSOS MATERIAIS ASPECTOS INFANTIS DESENVOLVIDOS • Ambientes de caráter lúdico, atrativos e seguros. • Adaptação dos espaços à escala da criança (adequação de tamanho). ÁREAS INTERNAS • Adequação às características das crianças com necessidades especiais. • Mobiliário adequado. • Brinquedoteca. • Sala de vídeo. • Salas amplas, de modo a facilitar brincadeiras espontâneas e interativas: • Desenvolvimento sócioemocional. • Desenvolvimento físicomotor. (movimentação, autonomia e independência). • Capacidade de estimular a construção do conhecimento. • Estímulo à preservação do meio ambiente. • Segurança, etc. - canto da leitura - espaços para recorte e colagem, para pinturas e para repouso - espelho - canto do faz-de-conta, etc. • Pátios abertos e áreas sombreadas. ÁREAS EXTERNAS • Espaços livres cobertos para atividades em dias de chuva. • Parque colorido de madeira ou plástico resistente e seguro. • Pneus de diversos tamanhos pintados nas cores primárias. • Caixa de areia higienizada. • Casinha. • Percursos (trilhas, labirintos e caminhos). • Túneis (por exemplo, com manilhas). • Paisagismo (plantas diversas), etc. Sugere-se, dessa forma, a organização da sala em ‘cantos’, que podem ser demarcados através de tapetes, pequenas estantes, biombos, placas informativas etc. Contudo, é necessário o cuidado para não superdividir o espaço, de forma que se torne impossível a realização de atividades coletivas ou de movimento amplo, como sugerem Barbosa & Horn (2001). 49 O desenvolvimento das atividades deve considerar as necessidades biológicas, psicológicas, sociais e históricas das crianças. Portanto, é importante considerar três aspectos que servem de direcionamento e apoio para a organização institucional: o tipo de atividades propostas, os momentos mais adequados e os locais onde serão melhor realizadas. O encadeamento de ações pode ocorrer em três grandes modalidades de organização de tempo, como indica o RCNEI: atividades permanentes, a seqüência de atividades e projetos de trabalho. A primeira modalidade refere-se às atividades básicas de cuidados, aprendizagem e prazer para as crianças, cujos conteúdos necessitam de uma constância. Outra modalidade de seqüência de atividades refere-se àquelas planejadas e orientadas de modo a promover aprendizagens específicas e são seqüenciadas com intenção de oferecer desafios em diferentes níveis de complexidade. A última modalidade refere-se à construção coletiva de projeto de trabalho, que será discutida adiante, na organização de conteúdos. Ainda segundo as orientações do RCNEI, deve ser estabelecida uma rotina na qual será organizado o tempo do trabalho educativo realizado com as crianças e nela devem ser contemplados os cuidados, as brincadeiras e as situações de aprendizagem. A construção dessa rotina pedagógica de uma turma estrutura o cotidiano escolar e representa para professores e crianças uma fonte de segurança, fornecendo subsídios para prever a seqüência do trabalho, diminuindo a ansiedade acerca do desconhecido e organizando o tempo e os espaços disponíveis. Vale reafirmar que as rotinas da Educação Infantil não significam repetições sucessivas de atividades mecanizadas e desprovidas de sentido para as crianças, mas uma referência para acomodar uma diversidade de situações educativas em uma lógica adequada às características infantis. Logo, requerem flexibilidade e criatividade para adaptá-la ao contexto de cada turma e de cada escola. A seguir, apresenta-se no Quadro 3, recomendações para uma organização temporal adequada à Educação Infantil, considerando as três modalidades de organização do trabalho pedagógico (atividades básicas, atividades seqüenciais e construção coletiva de projetos) e indicando quais os aspectos infantis desenvolvidos. 50 Quadro 3 PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO TEMPORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL ORGANIZAÇÃO TEMPORAL MODALIDADE ASPECTOS INFANTIS DESENVOLVIDOS RECOMENDAÇÕES • Rotina pertinente ao grupo, envolvendo situações de aprendizagem, cuidados e brincadeiras. • Rotina estruturante e consonante com os objetivos propostos no Projeto Político-Pedagógico da escola. • Planejamento do previsível para lidar com o inesperado. • Brincadeiras em espaços internos e externos. ATIVIDADES BÁSICAS • Contação de histórias. • Roda de conversa. • Ateliês ou oficinas de pintura, modelagem, desenho e música. • Atividades com o corpo. • Momentos de higiene, alimentação e repouso. • Atividades diversificadas. • Momentos em que as crianças possam ficar sozinhas se assim o desejarem, etc. ATIVIDADES SEQÜENCIAIS CONSTRUÇÃO COLETIVA DE PROJETOS • Atividades planejadas, orientadas e seqüenciadas de modo a proporcionar a apropriação do esquema corporal, através de desenhos, observação de si mesmo, com ou sem espelho, observação de pessoas, apreciação de imagens etc, para que as crianças avancem em relação à representação da figura humana. • Desenvolvimento da percepção, organização e orientação temporal. • Segurança e previsão dos acontecimentos e seqüência de trabalhos. • Desenvolvimento afetivo. • sócio- Desenvolvimento da identidade e autonomia, através de múltiplas linguagens. • Desenvolvimento de aprendizagens em diversos níveis de complexidade. • Ampliação de idéias sobre um assunto específico, a partir do estabelecimento de múltiplas relações. • Desenvolvimento do espírito investigativo de um pesquisador. • Partir de hipóteses a serem testadas e de conhecimentos prévios do grupo. • Hipóteses significativas para o grupo. Apesar da relevância de uma rotina estruturante na Educação Infantil, os tempos não podem ser rígidos e imutáveis, visto que a rotina necessita envolver flexibilidade e limites, pois contempla a subjetividade de um grupo, constituído, em sua maioria, de crianças que devem ser respeitadas em suas especificidades. 51 2. Organização do trabalho pedagógico O currículo tradicional afasta as crianças do mundo real, enquanto que um currículo pautado na valorização da infância promove essa aproximação, com excelentes resultados, uma vez que são as próprias crianças que participam do processo de construção de conhecimentos, mediado pelo professor. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) sugere que a integração curricular se desenvolva pelo entrelaçar dos objetivos gerais da Educação Infantil com os objetivos específicos de diferentes eixos de trabalho, de modo a se obter coerência entre objetivos e conteúdos em dois âmbitos de experiência: Formação Pessoal e Social e Conhecimento de Mundo, apresentados para duas faixas etárias: de 0 a 3 anos e de 4 a 6 anos. Nesse documento, a organização em âmbitos e eixos objetiva abranger diversos e múltiplos espaços de elaboração de conhecimentos e de diferentes linguagens, a construção de identidade, os processos de socialização e o desenvolvimento da autonomia das crianças em aprendizagens consideradas essenciais. Os eixos estão dispostos de maneira aparentemente fragmentada apenas por uma questão didática, uma vez que os mesmos estão interrelacionados nas ações pedagógicas desenvolvidas. Esses âmbitos de experiência são contemplados e constituídos pelos seguintes eixos de trabalho: identidade e autonomia, movimento, artes visuais, música, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática. • Identidade e autonomia A construção gradativa da identidade e da autonomia ocorre através do conhecimento adquirido a respeito de si mesmo e ao desenvolvimento e utilização de vários recursos pessoais em diferentes situações vivenciadas pela criança. Com isto, ela vai percebendo a distinção entre si e as outras pessoas e vai construindo uma autoimagem e uma auto-estima a partir do modo como é vista e valorizada pelos outros, principalmente aqueles que constituem o seu suporte afetivo (familiares, amigos, professores, etc.). Em consonância com o desenvolvimento da identidade, a criança desenvolve a capacidade de se conduzir e de tomar decisões, ampliando, 52 gradativamente, a sua perspectiva pessoal, até considerar a perspectiva do outro, ou seja, sai de uma condição de heteronomia – legitimidade de regras e valores oriundos do adulto – para uma condição de autonomia, quando a criança gerencia suas ações e julgamentos. Piaget (1994) comenta que enquanto a criança não dissociar o seu eu do mundo físico e social ela não irá cooperar, porque para tornar-se consciente de si, precisará libertar-se da coação exercida pelo adulto desde o seu nascimento, ou seja, o desenvolvimento da sua autonomia a levará a uma condição de cooperação, uma vez que, ao ser respeitada, ela aprende a respeitar e a cooperar com o outro. • Movimento O movimento é algo mais que simplesmente mexer partes do corpo ou deslocar-se no espaço, visto que a criança o utiliza para expressar-se, bem como agir de maneira cada vez mais independente sobre o mundo à sua volta, desenvolvendo a sua autonomia. O movimento infantil está presente em toda a manifestação da criança, mesmo quando está quieta, parada, ela comunicando-se com o mundo. Diante disso, é imprescindível que ela possa vivenciar a sua mobilidade, desfrutando da sua linguagem corporal e capacidade motora através de brincadeiras, jogos, danças, atividades esportivas, demonstrações de afeto, reproduções e imitações comportamentais, etc. Muitas vezes, associado ao movimento infantil encontra-se a linguagem musical, presente em todas as culturas, nas mais diversas situações, integrando aspectos lúdicos, afetivos, estéticos e cognitivos e contemplando aspectos motores através das danças ou rituais. No contexto da Educação Infantil, a música vem sendo utilizada como suporte para vários comportamentos, propósitos comemorações como e formação brincadeiras. de hábitos, atitudes e Além disso, favorece o desenvolvimento do gosto e expressão musical em experiências que envolvem a vivência (produção musical), a percepção (apreciação musical) e a reflexão (organização, produtos e produtores), em diferentes níveis de elaboração. 53 • Artes visuais Assim como a música, as artes visuais são linguagens e formas importantes da expressão humana. Expressam e comunicam sentimentos e idéias através de traço, cor, forma, espaço e volume em produções de desenho, escultura, brinquedos, pintura, bordados, entre outros. Infelizmente em muitas propostas pedagógicas as artes visuais foram compreendidas como meros passatempos em atividades de modelar, desenhar, colar, pintar, muitas vezes em atividades mimeografadas, ou para a construção de produtos decorativos. Porém, sendo as artes visuais um modo de expressão, uma linguagem de características e estrutura próprias, pode-se contemplar na Educação Infantil os seguintes aspectos: o fazer artístico, centrado na exploração, expressão e comunicação, propiciando a criação pessoal; a apreciação, através da percepção dos sentidos que o objeto propõe; e, a reflexão sobre os conteúdos do objeto artístico que se manifesta, as produções e os artistas que as produziram. • Linguagem oral e escrita Aprender a linguagem oral e escrita é ampliar as possibilidades de participação nas práticas sociais, nos significados culturais pelos quais se interpreta e representa a realidade, através do desenvolvimento de quatro competências básicas: falar, escutar, ler e escrever. O trabalho com a linguagem oral não pode se restringir a rodas de conversa ou a algumas atividades dirigidas, uma vez que ela está presente no cotidiano da criança e na prática escolar. Como também a linguagem escrita não pode se restringir à cópia de vogais e consoantes, muitas vezes grafadas com aspectos humanos ou de animais, ensinadas uma a uma ou com exercícios mimeografados de pontilhados a serem cobertos. As crianças estão em constante contato com a linguagem escrita através de diferentes tipos de textos, tais como: letreiros, placas de ônibus, livros, jornais, histórias em quadrinhos, embalagens, cartazes, etc., antes mesmo de ingressarem na escola, “não esperando a permissão dos adultos para começarem a pensar sobre a escrita e seus usos” (Brasil, 2001, v.3, p.122). 54 Quanto mais as crianças forem estimuladas a falar em diferentes situações, mais elas poderão desenvolver a sua capacidade comunicativa, vivenciada em diversos contextos, como contar histórias, explicar regras de um jogo ou brincadeira, pedir informação, dar um recado, contar o que aconteceu em casa ou o que fez no fim de semana, etc. Em relação à leitura e à escrita, comentadas anteriormente, o processo de letramento se dá em situações significativas no brincar, dentre elas, as que a criança pode vivenciar a imitação e recriação da realidade e utilizar recursos da linguagem oral e escrita, em atividades lúdicas em ambiente letrado. • Natureza e sociedade A criança vive em um mundo onde ocorrem fenômenos naturais e sociais indissociáveis, que lhe desperta muita curiosidade. Por isso, a proposta para o eixo natureza e sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural que devem ser trabalhados de forma integrada, considerando as especificidades dos diferentes campos das ciências humanas e naturais. É lamentável que em muitas práticas pedagógicas os conteúdos sociais estejam relacionados apenas às datas comemorativas (Dia das Mães, Dia do Índio, Páscoa, Dia do Soldado, Dia da Bandeira, Carnaval, etc.), quando as crianças colorem desenhos mimeografados, são fantasiadas (coelhinhos, soldados, índios, entre outros) e cantam músicas, sem aprofundamento, discussão e reflexão crítica sobre os temas. Em relação aos conteúdos naturais estes, muitas vezes, limitam-se a noções sobre o corpo humano e características dos seres vivos (animais e plantas), desconsiderando o conhecimento que as crianças possuem e a possibilidade de formularem hipóteses para serem investigadas posteriormente. • Matemática No tocante à matemática, as crianças participam de diversas situações em seu cotidiano envolvendo números, relações com quantidades, noções de tempo e espaço, utilizando muitas vezes recursos próprios e não convencionais na resolução de 55 problemas, tais como: conferindo objetos (tampinhas, figurinhas), contando pontos em jogos, repartindo balas, manipulando dinheiro, constatando distâncias, descobrindo caminhos, etc. O trabalho com a matemática, em muitas práticas, limita-se à memorização de algarismos isolados, muitas vezes grafados com características humanas ou de animais, cobrir pontilhados, colagem de bolinhas de papel em numerais, cópias repetidas de um mesmo numeral ou de sucessão numérica ou com associação entre numerais e desenhos com quantidades. O desenvolvimento do pensamento lógico-matemático em Educação Infantil se dá em atividades consideradas pré-numéricas que ocorrem na associação entre a ação física e intelectual da criança, através das quais ela constrói significados, atribui sentidos e adquire a noção de número em ações de classificar, ordenar e comparar objetos em diferentes critérios. É na diversidade de experiências com o universo matemático, proporcionadas às crianças, que elas vão construindo as noções matemáticas (contagem, relações quantitativas e espaciais, ordenação, etc.), organizando o pensamento lógicomatemático, em situações intencionais e planejadas ou espontâneas, tecendo comentários, formulando perguntas e reconhecendo a necessidade dessas ferramentas em seu cotidiano. A seguir, apresentam-se os quadros relativos a cada eixo de trabalho, com base no RCNEI, pelos quais as instituições de Educação Infantil podem garantir oportunidades para que as crianças sejam capazes de desenvolver os objetivos propostos. 56