A ILEGALIDADE DAS PROVAS PSICOGRAFADAS
THE ILEGALLITY OF PSYCHOGRAPHIC
Guilherme De Paula Meiado – graduando em Direito - Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium - [email protected]
Beatriz Silva Urel – graduanda em Direito - Centro Universitário Católico Salesiano
Auxilium - [email protected]
RESUMO
O presente trabalho, por meio da pesquisa bibliográfica, analisa a doutrina, a
legislação e casos concretos, utilizando-se do método dedutivo e da coleta de dados
para colocar em questionamento a legalidade e veracidade do uso de provas
psicografadas em processos do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Procurou
demonstrar, apresentando alguns princípios processuais penais e também o princípio
constitucional da laicidade do Estado, que o uso de tal material como prova é ilegal e
inverídico, uma vez que o Estado Brasileiro é laico e a procedência desses materiais
é rondada de desconfianças e não possui forma específica de se comprovar a
veracidade de seu conteúdo.
Palavras-chave: Provas Psicografadas. Laicidade do Estado Brasileiro. Provas
Processuais. Exame grafotécnico.
INTRODUÇÃO
O tema em análise trata da psicografia utilizada como forma de prova nos
tribunais. Apesar de não ser um tópico comumente abordado, seu estudo e apreciação
são de extrema importância, tendo em vista que já houve casos concretos em que tal
espécie de prova foi não só admitida, mas também fora a evidência tida como principal
na resolução dos casos.
Busca a presente pesquisa demonstrar, através do método dedutivo, utilizando
a técnica de pesquisa bibliográfica, a ilegalidade de tal material como prova válida em
processos e apresentar a impossibilidade de atestar a veracidade de tais provas, que
se mostram então, ilegais, uma vez que o Estado Brasileiro se afirma como sendo
laico.
Para tanto a pesquisa trás em seu primeiro capítulo uma análise dos princípios,
tanto processuais penais, como também o princípio da laicidade do Estado brasileiro;
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seu segundo capítulo trata-se da matéria prova, abordando seu aspecto geral para
depois apresentar a psicografia, seguido do estudo das perícias com foco na
grafotécnica, e finalizando o capítulo com casos concretos em que foram aceitas e
também negadas as provas psicografadas. No terceiro e último capítulo serão
compilados os dados dos capítulos anteriores buscando demonstrar a impossibilidade
do uso de tal tipo de prova, mostrando todos seus aspectos contestáveis e que burlam
as Normas Jurídicas Brasileira.
OBJETIVOS
Esta pesquisa teve por objetivo demonstrar que a utilizazação de Provas
Psicografadas – ou qualquer outra que possua cume extremamente religioso -, não
deve ser aceita em nosso Ordenamento Jurídico, pois fere o Princípio Constitucional
da Laicidade do Estado Brasileiro.
METODOLOGIA
Através do método de pesquisa bibliográfica e estudos de casos, buscou-se
apresentar a pesquisa seguindo seus objetivos iniciais.
1
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS PENAIS
Todo o ordenamento jurídico tem como base princípios que dão fundamento e
razão às normas, podendo estar ou não previstos no texto legal, todavia, serão sempre
positivados. Eles são considerados idéias basilares e fundamentais do Direito, que lhe
oferecem apoio e coerência. Serve não só de orientação ao juiz no momento de proferir
uma decisão, mas também constituem um limite ao seu arbítrio, garantindo que a
decisão não esteja em desarmonia com o espírito do ordenamento jurídico.
Machado (2013, p.55) ensina sobre as funções dos princípios:
[...] atribuem-se aos princípios algumas funções jurídicas bem pragmáticas na
medida em que: (a) asseguram a harmonia e a coerência do ordenamento
legal; (b) atuam como critérios hermenêuticos de interpretação dos textos
legais; (c) orientam até mesmo o legislador na edição de leis; (d) propiciam a
integração do direito, funcionando como mecanismos de colmatação das
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eventuais lacunas do ordenamento jurídico; e, por fim, no caso do processo
penal, (e) atuam como mecanismos de controle do poder de punir.
Os princípios constitucionais são os que irradiam todo o sistema de normas,
tendo em vista que a Constituição exerce uma relação de supremacia, não podendo
nenhuma norma jurídica contrariá-la, sob pena de inconstitucionalidade.
Os princípios processuais constitucionais estão previstos no art. 5° da
Constituição Federal, dentro do Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, de modo
que os princípios do processo penal podem ser encontrados em sua grande maioria
na Constituição. (NUCCI, 2012, p. 43)
1.1
Principais Princípios do Processo Penal
Os princípios constitucionais mais relevantes no aspecto processual penal, que
se integram a este, são os da dignidade da pessoa humana e o do devido processo
legal. Nesse aspecto tais princípios garantirão que nada aconteça que passe ao largo
da dignidade da pessoa humana, e que o indivíduo seja processado somente se
houver lei penal anterior definindo sua conduta como crime. Para um fácil e melhor
entendimento dos princípios que tutelam o processo penal brasileiro, Nucci (2012, p.
43) os classifica em dois tipos: os constitucionais processuais e os meramente
processuais.
Genericamente os constitucionais processuais são os presentes no art. 5° da
Constituição, e, indubitavelmente, têm caráter constitucional. Já os meramente
processuais serão encontrados nos códigos processuais, explicita ou implicitamente.
Dentre os princípios presentes no ordenamento jurídico, todos em sua ordem de
importância, o presente artigo analisará apenas os que possuem maior relevância para
seu tema.
O princípio da verdade real, conhecido também como princípio da verdade
material ou da verdade substancial (terminologia empregada no art. 566 do CPP),
denota que em um processo penal deverão ser tomadas todas as providências
possíveis para descobrir como os fatos realmente se passaram, devendo o juiz
investigar, adotando todas as diligências que julgar cabíveis e necessárias, “de forma
que o jus puniendi seja exercido com efetividade em relação àquele que praticou ou
concorreu para a infração penal” (AVENA, 2013, p.18). Buscar a verdade real significa
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aproximar-se ao máximo da verdade plena, de modo que a sentença não pode basearse em ficções e presunções, mas sim em elementos concretos.
Em contrapartida existem princípios que regulam a busca da verdade real. São
dois deles os do devido processo legal e o da inadmissibilidade das provas ilícitas. O
primeiro, encontrado no art. 5º inciso LIV da Constituição Federal, estabelece que
nenhuma pessoa poderá ser privada de sua liberdade e de seus bens sem a garantia
de um processo prévio, no qual se assegure os princípios do contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos inerentes (AVENA, 2013, p.22).
O segundo, também abordado pela Constituição em seu art. 5º, LVI, proíbe, em
regra, a utilização de provas obtidas por meio ilícito, que são aquelas que afrontam
direta ou indiretamente garantias constitucionais ou normas legais. Ainda, o art. 157,
caput, do Código de Processo Penal, estabelece que são inadmissíveis, devendo ser
desentranhadas do processo, as provas ilícitas (grifo nosso).
Segundo a doutrina, são também inadmissíveis as provas que sejam
incompatíveis com os principio de respeito ao direito de defesa e à dignidade
humana, aos meios cuja utilização se opõem às normas reguladoras do
direito que, com caráter geral, regem a vida social de um povo. Lembra-se
também a proibição de invocação ao sobrenatural. (MIRABETE, 2001, p.
260).
Existem as provas ilícitas, já mencionadas, que violam normas de conteúdo
material com reflexo constitucional, e existem as ilegítimas que são aquelas
produzidas a partir de violação de regras de natureza eminentemente processual
(AVENA, 2013, p.464).
Há também o princípio da obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais,
abordado no art. 93, IX, da Constituição Federal e no art. 381 do Código de Processo
Penal, que denota a obrigação de o juiz, ao dar sua sentença, fundamentá-la
devidamente. “É preciso que constem os motivos do fato (advindos da prova colhida)
e os motivos de direito (advindos da lei, interpretado pelo juiz), norteadores do
dispositivo (conclusão).” (NUCCI, 2012, p.725). Tal princípio está interligado com o
sistema do livre convencimento do juiz, no qual o magistrado poderá valorar com
ampla liberdade as provas coligidas, mas devendo sempre motivar suas escolhas,
pois assim dificulta-se o surgimento de decisões judiciais arbitrárias ou de
fundamentação legal errônea.
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Os mais importantes princípios, quando se trata da garantia de defesa das
partes do processo, são: o princípio do contraditório e o da ampla defesa. Ambos são
encontrados no mesmo dispositivo constitucional, sendo este o art. 5°, LV. A ampla
defesa trata do dever que o Estado tem de fornecer ao acusado toda a defesa possível
quanto à imputação que lhe foi feita. O princípio do contraditório, apesar de ser
semelhante àquele, possui maior abrangência, pois dá o direito a qualquer parte de
ser cientificada de todos os atos e fatos havidos no curso do processo, podendo
manifestar-se a respeito e produzir as provas necessárias antes de ser proferida a
decisão judicial (AVENA, 2013, p.36).
1.2
Princípio da Laicidade
O Brasil é um país laico, ou seja, não possui uma religião oficial e se mantém
neutro quanto aos assuntos e temas religiosos. A Constituição de 1988 reforça a
laicidade do Estado brasileiro em vários dos seus dispositivos, procurando garantir a
separação entre o Estado e a Igreja, a liberdade de cada indivíduo ter sua própria
crença sem ser privado de direitos por conta disso, e a neutralidade religiosa que os
poderes públicos devem ter em suas condutas.
Sobre o assunto ensina Novelino (2010, p.401):
A laicidade do Estado brasileiro está reforçada na Constituição de 1988 no
dispositivo que veda aos entes federativos estabelecer tratamento
discriminatório entre as diversas igrejas – tanto para beneficiá-las, como para
prejudicá-las – ou criar embaraços ao seu funcionamento (CF, art. 19, I). A
laicidade exige uma neutralidade e independência em relação a todas as
concepções religiosas, respeitando-se o pluralismo existente na sociedade.
Existe também na Constituição, em seu art. 19, uma expressa vedação que
impossibilita aos entes federativos estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança.
Na esfera pública brasileira, só devem ser considerados argumentos seculares,
ou seja, os desprovidos de qualquer teor religioso.
Por essa razão, os poderes públicos devem pautar suas condutas pela
neutralidade religiosa, sendo inconstitucional a justificação de medidas
fundadas exclusivamente em argumentos, princípios ou dogmas religiosos,
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os quais devem se manter restritos à consciência e às condutas individuais.
(NOVELINO, 2010, p.401-402).
2
DA PROVA
Ao analisar a questão da utilização de provas cujo material seja a psicografia,
deve-se entender antes o que vem a ser Prova. Segundo Avena (2013, p. 439), “prova
é o conjunto de elementos produzidos pelas partes ou determinados pelo juiz visando
à formação do convencimento quanto a atos, fatos e circunstâncias”, ou seja, prova
são os atos praticados pelas partes, pelo juiz ou por terceiros que tentam demonstrar
a veracidade ou a falsidade de uma alegação, tendo a prova tem como objetivo formar
a opinião do juiz sobre o caso a ser julgado, dando embasamento para a sua decisão.
Na realização da produção de provas, é necessário que a prova seja admissível
(permitida pela Lei ou costumes judiciários); pertinente (que possui relação com o
processo); concludente (visa esclarecer uma questão controvertida) e possível de
realização.
Ao buscar-se a verdade em um processo, há três tipos de provas que podem
ser utilizadas: a documental (produzida por meio de documentos), a pericial (obtida
por meio químico, físico ou biológico) e a testemunhal (que resulta de depoimentos
prestados por terceiros estranhos ao processo sobre os fatos que possuí
conhecimento que interessam a causa).
Para a valoração da prova, o processo penal brasileiro se sustenta no Sistema
do Livre Convencimento do Juiz, já citado, que está previsto no art. 155, caput, do
CPP, onde dispõe que:
Art. 155 - O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão
exclusivamente nos elementos formativos colhidos na investigação,
ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Através da redação do citado artigo, podemos concluir que o juiz não se limita
aos meios de provas regulamentados em lei, porém, deve observar a legalidade de
tais provas; as provas não possuem valor prefixado na legislação; todas as provas
utilizadas para a fundamentação da aplicação da sentença devem ter sido produzidas
em observância às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Observando-se o sistema de valoração adotado pelo processo penal brasileiro,
compreende-se a importância da legalidade das provas. Para que a prova seja legal
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é necessário que seja admissível, pertinente, concludente e de possível realização,
não observando essas quatro regras tem-se as provas ilegais, que são aquelas que
correspondem:
[...] a um gênero, do qual fazem parte três espécies distintas de provas: as
provas ilícitas, que são obtidas mediante violação direta ou indireta da
Constituição Federal; as provas ilícitas por derivação, que
correspondem às provas que, conquanto lícitas na própria essência, se
tornam viciadas por terem, decorridos de uma prova ilícita anteriores ou a
partir de uma situação de ilegalidade; e, por fim, as provas ilegítimas, assim
entendidas as obtidas ou produzidas com ofensa a disposições legais, sem
nenhum reflexo em nível constitucional. (AVENA. 2013, p.459).
Serão permitidas as provas que não estejam no rol apresentado pelo Código
de Processo Penal, desde que estas não estejam em desconformidade com as leis
que regem nosso Estado e que não sejam ilegais.
2.1
Psicografia como Prova
Utilizada em alguns casos como prova, a psicografia sustenta questões
polêmicas ao seu redor, colocando juristas em um duelo de posições onde existem
aqueles que a defendem, por a considerarem fato científico e aqueles que não a
aceitam, por a considerarem como fenômeno religioso, assim fundando-se na Teoria
do Estado Laico.
De acordo com estudos de Santos Filho (2010):
Psicografia é a faculdade de os médiuns, sob a atuação de Espíritos
comunicantes, escreverem com a própria mão, ou, conforme o
desenvolvimento mediúnico, com ambas as mãos, ao mesmo tempo. Há
casos em que o médium não toma nenhum conhecimento do que escreve e,
às vezes, enquanto o faz, conversa com os assistentes. Psicografia é palavra
de origem grega e significa escrita da mente ou da alma. [...]
O Médium, do latim médium que quer dizer: meio, intermediário; são as
pessoas que tem a facilidade de comunicação com os espíritos, com o além,
e mais ou menos dotas da faculdade de receber e transmitir suas
comunicações. [...]
Existem
diferentes
formas
de
manifestação
dos
espíritos,
contudo existem médiuns que tem ou não aptidão, para uma ou outra
manifestação. O Médium [...] é o Escrevente ou o Psicografo, que tem a
faculdade de escrever sob a influência dos espíritos.
Pode-se classificar a psicografia em duas modalidades: a imediata (que é
quando o próprio médium redige a carta de forma normal utilizando sua mão e um
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lápis) ou a mediata (que é quando se adapta o lápis a um objeto qualquer que
funcionará como uma “mão”, sendo a carta escrita sem o auxílio direto do médium).
A sua utilização como prova vem sendo difundida pelo Brasil. Os juristas que
defendem a prova psicografada, afirmam que por ela não estar prevista em Lei e, em
suas convicções, não se tratarem de meio ilícito, pode ser utilizada como prova sem
a existência de nenhuma restrição, porém, deve-se lembrar do que já foi abordado
neste trabalho: a Laicidade do Estado Brasileiro.
A psicografia é amplamente utilizada no espiritismo, onde se diz que são
os espíritos dos falecidos que, em comunicação com o médium, relatam fatos que
querem dizer a suas famílias. Os que defendem o uso de tal prova, se baseiam no
discurso de que a psicografia não é fruto do espiritismo e que pode ser comprovada
cientificamente e pericialmente por meio da grafotécnica, assim não entrando em
desconformidade com a Laicidade do Estado Brasileiro, porém, não existe nenhuma
lei que discorra sobre espírito ou a vida após a morte, sendo reservada esta tarefa as
religiões e seitas.
Apesar de poder parecer uma grande ajuda ao magistrado, à prova
psicografada, mais do que nenhuma outra, é suscetível à fraude. Melo, ao se deparar
com essa questão em seus estudos, defende que:
Sobre o argumento de temor à fraude, vale salientar que é passível de ocorrer
em todos os atos humanos, bem como em algumas provas como
testemunhais, documentais, entre outras. O problema do temor à fraude por
meio de charlatões deve ser resolvido na esfera penal, como em qualquer
outro caso, respondendo o autor criminalmente.
Não obstante, deve ser lembrado que as provas servem para ajudar ao juiz e
não para transformar-se em outro processo, contribuindo desnecessariamente para a
demora da solução de outros conflitos.
2.2
A Perícia Grafotécnica e a Psicografia
Para a comprovação da “veracidade” da cartas psicografadas, ao qual os
médiuns escrevem as cartas com a grafia do falecido, utiliza-se a perícia
grafotécnica, que é a análise de tal documento para se atestar a veracidade ou a
falsidade da grafia utilizada. Capez (2013, p. 418 e 419), apresenta que:
O termo “perícia” [...] é um meio de prova que consiste em um exame
elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e
conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde
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da causa. Trata-se de um juízo de valoração científico, artístico,
contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de
prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento
profissional.
Afirmar a autenticidade ou falsidade de um documento pelo perito é de muita
responsabilidade, uma vez que o Laudo Pericial será utilizado pelos magistrados em
suas sentenças.
Para a realização da perícia grafotécnica, utilizam-se documentos autênticos
escritos pela pessoa ao qual se analisará se outro documento é verídico ou falso. Para
isso, é necessário que o perito tenha o maior número de “padrões de confronto” (que
são os documentos que possuem grafia autêntica). Esta comparação entre
documentos é a única forma de determinação da autenticidade ou falsidade.
O perito não realiza apenas comparações a olho nu, ele estuda o
comportamento gráfico em análise, utilizando-se de scanners de alta resolução, lupas,
microscópios, softwares específicos, luzes ultravioleta, câmeras fotográficas de alta
resolução, ampliadores óticos etc.
Ainda assim a utilização da perícia grafotécnica não torna a carta psicografada
uma prova legal para a utilização em processos, já que o seu meio de produção é
exclusivamente religioso, observando-se o princípio da laicidade do Estado Brasileiro.
3
ASPECTOS CONTESTÁVEIS A RESPEITO DA ADMISSIBILIDADE DA
PSICOGRAFIA COMO PROVA JUDICIAL
O uso da psicografia como prova se mostra inadmissível quando contraposto
com os princípios que norteiam as normas jurídicas brasileiras. Como já falado, as
provas utilizadas em um processo não podem ser ilícitas, ou seja, não serão permitidas
provas incompatíveis com a Constituição Federal. Sendo a psicografia um fenômeno
derivado da religião Espírita, onde uma pessoa já falecida, por meio de uma pessoa
viva, transmite uma mensagem, entra-se no mérito: existe vida após a morte? É
realmente possível que uma pessoa morta faça contato com uma pessoa viva? O
Estado se absteve de responder essas perguntas adotando o princípio da laicidade,
permanecendo neutro diante de questões religiosas e, ao adotar tal fenômeno
sobrenatural como prova jurídica, estaria ferindo este princípio, que protege a crença
de cada pessoa, ou mesmo, de cada parte do processo.
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Ainda, partindo do pressuposto de que o juiz é obrigado a motivar suas decisões
judiciais com os motivos de fato e os motivos de direito, como poderia basear sua
sentença em uma prova de cunho religioso? Não haveria fundamentação legal para a
utilização de tal prova e ainda violaria o princípio da laicidade.
No que diz respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, indaga
Nucci (2012, p.369 e 370):
Imaginemos que o defensor junta aos autos uma carta psicografada pelo
médium X, com mensagem da vítima de homicídio Y, narrando a inocência
do réu Z. Como se pode submeter tal documento à prova da autenticidade?
O que fará o promotor de justiça para exercer, validamente, o contraditório?
Seria viável o perito judicial examiná-lo? Com quais critérios? Invadiremos o
âmago das convicções religiosas das partes do processo penal, o que é, no
mínimo, contrário aos princípios gerais do direito.
Ou ainda, imagine uma carta psicografada usada pela acusação para incriminar
o réu. Como ficaria garantido seu direito de ampla defesa? O defensor poderia usar
outra carta desse gênero desmitificando a primeira? A utilização da perícia, do exame
grafotécnico, poderá no máximo dizer se aquela grafia é ou não similar à da vítima,
pois já se sabe que não foi ela quem escreveu a carta, entrando então, novamente, na
questão religiosa e como já foi dito, não compete ao Estado julgar tal assunto. Nem
aos juízes.
Mesmo dentro dos parâmetros da religião espírita, sabe-se da existência de
falsos médiuns, podendo esses criar cartas mentirosas para inocentar ou prejudicar o
réu. Para aqueles que acreditam, existe o médium consciente e o inconsciente. O
primeiro, enquanto a mensagem é transmitida, pode acompanhar seu teor, e o
segundo não tem conhecimento daquilo que está sendo passado. Pode então o
médium consciente influenciar na redação da carta, tanto para absorver o réu, como
também para prejudicá-lo. Indaga-se: deveria o médium ser considerado, pois, uma
testemunha? Deve ele depor em juízo já que sabe dos fatos, sob compromisso de dizer
a verdade, respondendo por falso testemunho a depender do caso? Situação essa
seria absurda processualmente falando, pois o médium nada viu diretamente e não
pode ser questionado sobre ter ouvido os fatos de um morto.
Fica evidente o quão prejudicial seria a utilização de uma carta psicografada em
um processo. Ao invés de se aproximar da “verdade real”, estaria se distanciando dela.
O perigo na utilização da psicografia no processo penal é imenso. Ferese preceito constitucional de proteção à crença de cada brasileiro; lesaMISSÃO SALESIANA DE MATO GROSSO – MANTENEDORA
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se o princípio do contraditório; coloca-se em risco a credibilidade das
provas produzidas; invade-se a seara da ilicitude das provas; pode-se,
inclusive, romper o princípio da ampla defesa. (NUCCI, 2012, p.370)
3.1
Casos Concretos de Psicografia Utilizada como Prova nos Julgamentos
A prova psicografada, mesmo com os motivos pelo qual seu uso deveria ser
considerado ilegal, já foi utilizada diversas vezes para a solução de casos nos
Tribunais Brasileiros.
Chaves (2011, p. 23), apresenta que no dia 08 de maio de 1976, na cidade de
Aparecida de Goiânia/GO, uma brincadeira com revólver ocasionou a morte de um
jovem: na residência de seus pais, ao pegar pela primeira numa arma de fogo, José
Divino Nunes, de 18 anos, atingiu seu amigo Maurício Garcez Henrique, de 15 anos,
com um tiro no tórax. Conduzido às pressas ao hospital, Maurício faleceu antes de
receber os primeiros socorros. Fora aberto o inquérito. José Divino, desde o seu
primeiro depoimento, afirmou que nunca pensara em matar seu amigo, ao qual eram
inseparáveis havia quatro anos, que tudo não passava de uma fatalidade.
Alguns dias após o acidente, a família de Maurício recebeu a visita de duas
médiuns, Augustinha Soares e Leila Inácio, que traziam mensagens mediúnicas de
seu filho falecido, o que deixou o pai de Maurício impressionado e o fez buscar
conforto no espiritismo. Após algumas visitas ao médium Chico Xavier, “espíritos
amigos” enviavam notícias de seus filhos, até que em 27 de maio de 1978, Maurício
“enviou” sua primeira carta psicografada aos pais, aonde apresentava a inocência de
José Divino, explicando que brincavam com a arma e o espelho e que o disparou
ocorreu sem a intenção de nenhum dos dois.
Comovidos, os pais tornaram pública a carta, que foi anexada aos autos do
Processo Judiciário, tornando-se o principal documento para o advogado de defesa.
Após os exames periciais e levando em conta que o relato da carta de Maurício Garcez
psicografada pelo médium Chico Xavier, em nada divergia com as declarações do
acusado, no dia 16 de julho de 1979, Orimar de Bastos, juiz de direito, absolveu o
estudante José Divino Nunes.
Chaves (2011, p.23), apresenta outro caso, esse no âmbito civil, onde a viúva
e os três filhos do escritor de Humberto de Campos, no ano de 1944, entraram com
uma Ação na Justiça, em âmbito Cível, reivindicando a titularidade dos direitos
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autorais das obras atribuídas ao espírito do escritor, donde Chico Xavier escreveu
alguns livros utilizando a psicografia.
A sentença foi proferida julgando a parte carecedora da ação, por ausência de
interesse legítimo, ou seja, ilegitimidade parte. Houve recurso, porém, a sentença foi
confirmada. O juiz decidiu que o médium, pessoa natural, era o autor da obra, pois
alegou que trata-se como pessoal natural o ser humano, homem ou mulher, capaz de
direitos e obrigações, e os espíritos ou desencarnados não são dotados de
personalidade, juridicamente falando.
CONCLUSÃO
Apesar de já existir algumas decisões dos Tribunais favoráveis ao uso da prova
psicografada, ao analisar todo o exposto neste trabalho, é notória que a utilização das
cartas psicografadas como prova não é de fato legal dentro dos parâmetros jurídicos.
Religiões existem para proporcionar conforto espiritual às pessoas, e sendo o
Estado Brasileiro laico, não deve ela entrar nos julgamentos em tribunais, não sendo
viável a utilização de documentos que contém matéria de cunho puramente religioso,
como a carta psicografada.
A matéria processual brasileira apresenta inúmeras formas de solução de
conflitos, bem como permite e específica largamente a documentação que pode ser
utilizada para o convencimento do magistrado. Deve as partes buscar outra forma de
alegar seus direitos, e o juiz formar seu convencimento com provas lícitas, tendo em
vista que as possibilidades são muitas, abandonando tal documento cercado de
dúvidas e de ilegalidade.
REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: esquematizado, 5 ed. São
Paulo: Método, 2013.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal: anotada. 2 ed. São Paulo: Saraiva,
2001.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
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A ILEGALIDADE DAS PROVAS PSICOGRAFADAS