VÍT HAVRÁNEK Memórias do Futuro Passado1 VISITA A visita fora programada para amanhã, para as duas da tarde. Na verdade fora-lhes dito que levassem luvas, mas como o Presente Presente vinha diretamente do emprego, estava com pressa e não sabia propriamente para onde ia, esqueceu-se das luvas porque tinha a cabeça cheia de preocupações do escritório. Como se viu mais tarde, o edifício tinha três pisos ou três espaços – a entrada (o antigo casino), a área onde decorria o festival e os antigos escritórios. No primeiro piso havia um bar improvisado. Juntamente com o Futuro Presente, ficaram à espera que chegasse a porteira. Aproveitaram para tomar um café. O café não era grande coisa, o equipamento do bar era apenas provisório e o café foi só o pretexto para fumar um cigarro. Chegou a porteira, alegre e tranquilizante como sempre. Talvez não seja apropriado dizer que uma pessoa tranquiliza, sendo esta uma propriedade que normalmente atribuímos a extratos de plantas ou a comprimidos. No entanto, também é virtude de uma mistura de certas qualidades humanas, constituição física e tónus muscular que põe em movimento os componentes do esqueleto humano. Os três conversaram por alguns instantes – precisavam de consumir a sua dose de extrato tranquilizante – e depois o Presente Presente, que ainda se encontrava bastante atarefado com a organização do festival, levou-os diretamente para cima. 137 Dentro do edifício da União Internacional de Estudantes (UIE), em Praga, sentia-se uma certa ostentação que divergia do brutalismo puro dos anos de 1970 em que tinha sido construído. Cimento. Revestimento cerâmico e vários tipos de pedra nobre e materiais industriais: chapa de aço, metal e vidro. Hoje, no período da transformação pós-comunista do comunismo, o brutalismo nobre daquela década voltou a estar na moda e voltou a ser compreensível. Já não produz um efeito brutal, mas natural. A única coisa que fugia à nossa perceção da naturalidade eram os elementos industriais «caros» de balaustradas fabricadas à medida em ferro e inox, o revestimento em imitação de madeira com elementos de metal e as maçanetas. «Porque é que este edifício e as outras construções socialistas do género, construídos nos anos setenta, têm outra vez bom aspeto?», perguntou o Futuro Passado. «Não é só bom ar, estão na moda – quer dizer, não é só estarem na moda, mas sobretudo como se fossem compreensíveis no seu significado, no simbolismo da razão por que foram construídos, ou melhor, projetados precisamente assim.» «Mas aqui não se trata de construções, embora elas possam ser manifestações de um estilo universal; trata-se antes de uma alternativa real que estas organizações, através de um trabalho concreto, criavam na Argélia, em Moçambique ou no Chile.» E, ao mesmo tempo, serem vigiados pelos agentes soviéticos do KGB, pensou o Passado Passado. Mas não queria começar logo com uma discussão, por isso não disse nada. Tão só a atual perspetiva de transformação pós-comunista revelou a capacidade da UIE de oferecer e apoiar alternativas ao capitalismo no terceiro mundo. Do mesmo modo que só hoje podemos constatar que o projeto do brutalismo socialista vingou. Como se tivesse sido predestinado que só no futuro se identificassem com ele, dizia o Futuro Passado para consigo. Porém, o comunismo não considerara uma alternativa de olhar para si próprio da perspetiva futura de uma transformação pós-comunista – isso teria sido uma ameaça. Perder a batalha pelo futuro teria significado uma vitória das forças contrarrevolucionárias. A retórica da revolução permanente manteve-se mesmo nos tempos da anestesia da normalização. No edifício funcionavam bem os elementos que possuíam uma aura de naturalidade ou de terem sido moldados no local. O betão aparente. A escadaria de pedra e os revestimentos de pedra… O que não funcionava era aquilo que tinha sido feito noutro lugar ou os elementos de metal. Neste aspeto oferecia-se a comparação com o edifício da Radiodifusão Eslovaca em Bratislava, uma pirâmide invertida de metal, vidro e cimento, e muitos outros edifícios mais e menos interessantes da capital eslovaca. 138 O Presente Presente vivia em Praga. Encarava esta cidade como uma necessidade da qual se devia separar. Ao contrário de Bratislava, aqui não se construíram muitos edifícios deste género. Em Praga, a vontade e a necessidade de uma modernização foram refreadas pela sentimentalidade histórica, pela presença da arquitetura barroca na cidade. Estranhamente, na antiga Checoslováquia, após a primeira onda de neoclassicismo soviético, que pouco durou, a arquitetura socialista retomou a linguagem do funcionalismo, numa continuação da vanguarda pré-guerra. Os procedimentos da arte de construir e os elementos básicos de construção foram simplificados pelos arquitetos e pelos planeadores de maneira a que pudessem entrar no programa de produção centralizada de materiais de construção. Daí resultaram novos e extensos bairros formados por longos blocos de prédios pré-fabricados. Os paneláky. Bairros sociais construídos com módulos de painéis montados no local. Os paneláky, onde o Passado Passado viveu só os dois primeiros anos da sua vida, puseram realmente em prática o programa ideológico do comunismo comunista – máquinas de habitar para (quase) todos. E embora, na arte de projetar, o modernismo do pré-guerra se baseasse numa análise complexa das motivações e necessidades humanas, partira também do pressuposto de uma nova coletividade. Os projetos previam que esta nova comunidade surgisse através de uma transformação revolucionária da sociedade. A revolução significa demolição, a destruição do antigo. Durante uma revolução não há tempo para construir; é o momento em que demolimos em nome de um novo futuro. A revolução comunista demoliu o capitalismo – o sistema de classes, sistema de acumulação do capital e da produção. E quando se deu esta mudança progressista, a nova arquitetura devia estar em harmonia, numa simbiose perfeita da forma e da função social. Com base nas suas memórias, influenciadas pela transformação tal como os seus sapatos, de sola macia, mas com alguns arranhões no leve material de couro endurecido, o Passado Presente tinha a impressão de que a simbiose perfeita não acontecera – a aprovação do utilizador ainda estava à espera da «modernização da estrutura»: aquecimento central, água quente sem restrições, gás… Ou seja, aquilo que foi denominado pelo funcionalismo do pré-guerra como uma máquina de habitar – no entanto, só excecionalmente as formas vividas do coletivismo estatal, construído autoritariamente, não entravam em conflito com as imagens sonhadas pelos arquitetos. A possibilidade de simbiose era uma teoria. A prática rasgou-a antes de ela acontecer. O Futuro Presente, com o qual agora subia as escadas, era uma promessa de um novo e pós-comunista espírito comunitário. 139 Era também uma promessa de um futuro futuro. Tal como Carla Filipe, Futuro Presente ativava no seu trabalho o comunismo da transformação (pós-comunista). A sua prática artística nascia da oposição, do questionamento partilhado. E embora ele próprio tivesse uma personalidade forte, era como se essa força não devesse transparecer no seu trabalho. Talvez ele a considerasse espetacular e realizasse o seu trabalho na planta de uma nova coletividade que ramificou aqui e limou as arestas das ideias e das formas acolá. O trabalho de Carla Filipe, por outro lado, ativa os padrões históricos concretos do coletivismo e do comunismo no tempo da transformação (pós-comunista) da revolução. 140 A sensação partilhada em geral de que nos encontramos numa encruzilhada – esgotados pelos insucessos, mas a única coisa que nos mantém vivos é a ideia, o desejo do melhoramento não só cosmético, mas radical, do estado do mundo existente. O que regressava sempre à ideia de Passado Presente, enquanto refletia sobre o assunto, era o conflito entre a coletividade oficializada, gerida e efetivamente disfuncional do passado e a necessidade de uma coletividade contemporânea, que encontre os seus antecessores precisamente entre os fundadores e pais da esquerda. Não era um trauma pessoal, mas geracional. A sua experiência de vida rasgada começou a entrelaçar-se no período da chamada «normalização». Normalização foi o termo oficial utilizado no documento Lição da Evolução da Crise (1970) do Partido Comunista da Checoslováquia, um documento que acertou contas com o ano de 1968, condenando-o. No documento declarou-se «(...) a determinação de alcançar uma normalização da situação no nosso país na base do marxismo-leninismo, renovar o papel de liderança do partido e a autoridade do poder estatal da classe operária, eliminar as organizações contrarrevolucionárias da vida política e fortalecer e consolidar as relações internacionais interrompidas da República Socialista da Checoslováquia com a União Soviética e outros aliados socialistas.» O Passado Presente era filho dos tempos da normalização. Tempos em que o sistema estatal apagava o movimento reformista do «socialismo com rosto humano» dos anos 1967-1969 (que considerou «contrarrevolucionário») e em que já ninguém acreditava na possibilidade futura de um comunismo. Nos tempos da normalização nem os membros ativos do partido no poder acreditavam que no futuro o comunismo pudesse acontecer no país, quanto mais a maioria silenciosa da população, aqueles que se encontravam na zona cinzenta, ou os oponentes do regime. E a UIE personificava de uma forma ideal esta prática de normalização esquizofrénica – um edifício ostensivo, uma casca – que proclamava «a luta contra o imperialismo, o colonialismo e o racismo, a luta pela paz, pela segurança internacional e cooperação entre os povos, a luta pela liberdade nacional e social, pela reforma e pela democratização da educação». Porém, excluindo as notícias oficiais, era um edifício que para ele estava conotado com o medo. Era um edifício inacessível durante o comunismo, inacessível também porque ele não teria sabido por que motivo haveria de tentar entrar nele. Tratava-se provavelmente de uma agência do KGB, em cujas entranhas operavam os agentes, fazendo escutas e dirigindo a partir daí as redes de espionagem no terceiro mundo. Terá sido isto o que as pessoas pensavam sobre o edifício nos anos de 1980. O último diretor da UIE foi Miroslav Štěpán, um jovem e bruto apparatchik que Futuro Passado 141 recordava dos tempos da revolução como sendo o chefe das milícias populares que intervinham contra os estudantes. E agora passeava por ali, graças à porteira. Mas qualquer um podia entrar, já que o edifício estava aberto graças ao festival. Para o Presente Presente, as proclamações da UIE ainda fazem sentido. Num tempo de cínica repressão política de utopias e alternativas ao sistema. Tal como o indivíduo precisa de uma perspetiva de suprimento das necessidades vitais elementares no futuro (que lhe oferece o estado social, ao contrário da economia capitalista no geral), também a sociedade precisa de um horizonte de conciliação, sentido e melhoria para não sucumbir à loucura. O que afastou a revolução comunista, amputando-a de si própria, do seu próprio futuro, foi o medo fatal do potencial de pensamento crítico aplicado a si própria (à sociedade comunista). O criticismo iluminista foi apodado de revisionismo. Tanto o topo do regime, como o aparelho executivo sentiam-no como o maior, porque interno, inimigo. A revolução permanente, a luta contra os elementos contrarrevolucionários, a luta contra o inimigo interno. A ansiedade castradora do regime autoritário. Costuma explicar-se, de forma simplificada, por motivos de poder, mas do ponto de vista ideológico o reconhecimento de brechas na ideia imaculadamente promissora e autossatisfatória do comunismo comunista destruiu também a sua realização histórica futura. O que o comunismo reprimiu foi o Segundo, utilizando o Terceiro para se fortalecer a si próprio ou na luta contra o Segundo.2 Derivava a sua identidade apenas a partir de si próprio, da sua própria ideologia e da sua própria realização. E a oposição binária contra o Ocidente foi utilizada pelo modelo soviético autoritário no sentido estritamente negativo e demonizante, quando o olhar crítico às suas próprias bases, história e prática não podia ser contaminado pelo Outro (o Ocidente). Para o comunismo, o espaço do «terceiro mundo» era o espaço da verdadeira dialética das ideias e formas de autoridade que não podia (salvo as exceções da Jugoslávia de Tito, etc.) arriscar no seu próprio território. A negação binária do capitalismo e do imperialismo americano podia andar de mãos dadas com o movimento emancipador que se encontrava fora do âmbito do colonialismo imperial soviético. De maneira semelhante, também o neomarxismo, escola da teoria crítica e todo o desenvolvimento do pensamento neo e pós-marxista – na dinâmica dialética – pôde viver e desenvolver-se (com algumas claras exceções) «no Ocidente», fora do espaço de influência estatal direta do «Leste» e numa oposição crítica ao seu «próprio» sistema «ocidental». Para os ideólogos e habitantes dos países do socialismo real, o comunismo era um objetivo (retórico), era o futuro, do qual o socialismo real fora um precursor histórico, uma fase transitória em que a sociedade nunca 142 atingiu a sua autorrealização. Mas nem nos anos de 1970, nem 80, houve quem ficasse frustrado por esta não-realização. Nem ele próprio, o Passado Passado, embora talvez ele não tivesse pensado muito sobre isso. Ninguém levava a sério essa ambição proclamada, porque, na realidade do quotidiano, o aparelho do estado nunca cumpria a maioria das proclamações que apregoava com ostentação. «O comunismo nunca aconteceu.» Mas o edifício da UIE em Praga não fora construído com painéis de betão, não era de uma simplicidade espartana como os bairros de cimento. Continuava a ter um efeito ostentoso – tinha a pompa da qual ele, até certo ponto, como burocrata ativo que era, gostava –, dava relevo e sumptuosidade social à sua condição, hoje replicada pelos dedos ambiciosamente levantados das torres de apartamentos erguidas nas metrópoles do mundo. Quando refletimos sobre o passado futuro comunista, é perfeitamente legítimo perguntar por que razão os líderes e os proponentes do regime não estabeleceram um plano definitivo: Como e quando iriam alcançar o comunismo? Embora houvesse planos económicos anuais e quinquenais, os mesmos postulavam tarefas económicas para uma economia administrada centralmente e não planos sociais que levassem à realização do comunismo. Não lhe consta que os historiadores hoje apresentem dados sobre ter existido, algures, um plano real da concretização do comunismo. E como seria esse plano (ou planos)? Passado Presente sentia-se atraído pelo betão aparente, utilizado frequentemente no edifício. Porém, a tecnologia de construção das máquinas de habitar, que estava parcialmente presente no edifício em forma de elementos pré-fabricados, também se encontra em países ocidentais não comunistas. Mas aí a iconografia dessa mesma construção tem um postulado económico muito simples: constrói-se assim a habitação social para os mais necessitados ou mais pobres porque este sistema de construção é o mais barato, sendo assim destinado àqueles que não têm meios para adquirir uma habitação «individualizada», de acordo com a escolha que permita o consumo de conteúdos simbólicos. A HLM (habitation à loyer modéré) francesa e o panelák checo têm praticamente o mesmo aspeto. No socialismo real, a unificação das necessidades vitais do sujeito foi interpretada de forma crítica como exemplo de uma padronização social global e normalização da noção de identidades (como acontece, por exemplo, no filme Panelstory),3 mas na França socialista representou o progresso social no caminho do «eu» coletivo. A verdadeira expressão do edifício dos anos de 1960, no interior do qual subiam agora as escadas, era uma camada omnipresente de espelhos. Estavam praticamente em todas as colunas e paredes – diga-se que no edifício as paredes estavam reduzidas ao mínimo – e na sala, que tinha 143 um bar oval, pendiam do teto algumas bolas de espelhos. Os espelhos cortam o nosso raciocínio. Concentram a nossa atenção na gestalt exterior, a imago – a imagem rasgada de nós próprios, predestinada à auto-identificação e antitética dos processos do pensamento. Os materiais originais, de algum modo, captam e absorvem o nosso olhar, é fácil identificarmo-nos com o betão (firmeza vertida em formas previamente estabelecidas), com a pedra, com a madeira… Por outro lado, os espelhos devolvem-nos à identificação com uma imagem de nós próprios num espaço alheio. Bastavam três pessoas neste espaço. O Passado Presente, o Futuro Presente e a porteira pareciam atores num palco, pensou. Eram as imagens de três indivíduos, movimentando-se com base na vontade própria, mas sem qualquer plano, na paisagem infinitamente refletida de objetos e espelhos onde até os corpos das pessoas que conhecemos parecem eletrões que se movimentam de acordo com uma lei que ninguém conhece. Nos anos de 1990, os primeiros dois pisos eram ocupados por um casino – ninguém sabe como se chamava, mas tinha no emblema uma palmeira verde sobre fundo dourado. União Internacional de Estudantes, casino, festival de arte. Que se seguirá? Vislumbrámos a superfície do comunismo nos espelhos colocados no casino capitalista; é apenas o capitalismo que oferece ao comunismo o espelho adequado para a sua auto-identificação? As lotarias existiam também no comunismo e ele lembrou-se do aspeto das cautelas da lotaria estatal – eram castanhas e verdes, grandes, numeradas, com um desenho muito sóbrio, clássico, ao estilo do realismo socialista, parecendo-se com notas. Mas as lotarias não tinham a sedução que alcançaram com o capitalismo, quando o dinheiro é a derradeira promessa num mundo onde a imortalidade ainda não está disponível. É o portal para o bem-estar, uma antessala, prelúdio, condição sine qua non da felicidade humana. No tempo do comunismo comunista também tinha um certo valor, mas, em comparação com o capitalismo, não havia nada para comprar com ele. Só uma maior quantidade do mesmo – aquilo que havia para ser comprado. Não existia a estimulante pilha de coisas com a mesma função, mas com aspeto diferente, cuja diversidade oferece a satisfação das «necessidades individuais» – de forma bastante lógica, considerava-se que um produto era suficiente para satisfazer uma necessidade. Os pisos superiores do edifício para os quais se dirigiam tinham acesso pela escadaria principal que, por causa da exposição, estava agora tapada por uma simples parede de gesso cartonado. No meio da parede estava a mais barata porta de papel, da qual a porteira tinha a chave e a qual nos abriu. Nas escadas havia painéis de vidro partidos, papéis e dossier rasgados, e a diferença no estado do edifício em relação ao piso anterior era marcante. 144 Era também claro que o casino dos anos de 1990 terminara atrás deles e que os pisos onde entravam agora tinham sido abandonados à pressa havia relativamente muito tempo. Talvez no início dessa década. Em todo lado, entre as colunas, estavam espalhados móveis de escritório, caixas de cartão, pedaços de equipamento. «Independentemente do sistema social do país onde vive, independentemente das correntes políticas ou religiosas a que pertence, a juventude progressista do mundo inteiro identifica-se com objectivos políticos claros: · Com a luta contra o imperialismo, colonialismo e racismo; · Com a luta pela paz, segurança internacional e cooperação entre os povos; · Com a luta pela liberdade nacional e social e pela reforma e democratização da educação. Pela solidariedade contra o imperialismo e pela paz e amizade! A União Internacional de Estudantes – uma força poderosa do progresso mundial. 145 No seio da UIE, que tem sede em Praga e tradicionalmente é liderada por um representante eleito da Checoslováquia, hoje em dia exerce a sua atividade uma centena de associações estudantis nacionais de todos os continentes. Durante os anos do seu funcionamento, transformou-se numa força internacional que no seu trabalho conta com o apoio de organizações tão importantes como a ONU, UNESCO, FMJD (Federação Mundial da Juventude Democrática), CMP (Conselho Mundial da Paz), FMMD (Federação Mundial das Mulheres Democráticas), FMS (Federação Mundial dos Sindicatos) e muitas outras. Há mais de três séculos que realiza o seu programa que assenta em quatro pilares: 1. Os estudantes são uma parte integrante do seu povo. 2. A realização das suas exigências pode ser alcançada apenas no âmbito de uma frente que luta pela paz e pelo progresso da humanidade. 3. O entendimento internacional está condicionado pela libertação das nações do fascismo, colonialismo e imperialismo. 4. A ciência e a educação devem tornar-se propriedade do povo, servindo: · na luta contra o imperialismo, colonialismo e racismo; · na luta pela paz, segurança internacional e colaboração entre os povos; · na luta pela liberdade nacional e social, a reforma e educação democrática. Pela solidariedade anti-imperialista, pela paz e pela amizade!» Era um molho de materiais de propaganda da década de 1970, reproduzidos com algum tipo de foto-tecnologia primitiva – cartões A5 de papel fotográfico presos com fita adesiva. Como se o escritório nunca tivesse sido desocupado, desintegrando-se sob a pressão lenta e constante do tempo e dos bandos de pombos que se tornaram senhores deste espaço ideologicamente concentrado na baixa da cidade, ao longo de mais de uma dezena de anos. Seguira-se a decomposição e o desmoronamento graduais dos elementos de construção, de escritório e de arquivo. Talvez as pessoas os tenham desmontado e retirado. Por todo lado havia montes de pó, sujidade, excrementos de pombos e manchas estranhas. Pensou que lhe daria jeito ter uma máscara e luvas. Juntamente com o Futuro Presente, começaram a examinar as caixas de cartão que se encontravam perto das escadas e que continham revistas estudantis de várias partes do mundo. Conhecia algumas delas da escola básica. Não estavam rasgadas. Pelo contrário, estavam cuidadosamente arquivadas de acordo com os anos e os números em pastas de cartão. Má qualidade de impressão no interior, má qualidade das imagens a cores numa capa de papel couché, sobretudo a cor azul, o seu tom turquesado. Passado Passado fora obrigado a comprar estas revistas na escola, a maioria delas em russo, mas, se bem se lembrava, continham também textos em inglês, alemão e talvez também em francês. 146 Desde os 11 aos 14 anos utilizara-os na qualidade de aluno da escola básica nas aulas de russo, lendo os artigos sobre fábricas, descobertas científicas ou desempenho dos atletas da União Soviética, do Bloco de Leste e dos países do terceiro mundo. Artigos sobre os êxitos da construção do socialismo e do comunismo – no seu país e noutros, alguns deles exóticos, cujos nomes se fundiam nas suas memórias. Mas a caixa continha também exemplares da Tricontinental, que conhecia através do trabalho de Mathieu Abonnenc com o título Tricontinental, a graphic survey (2010). «Nesta peça, em particular, Abonnenc pesquisava a obra da realizadora francesa Sarah Maldoror, que se dedicou aos movimentos de libertação na África lusófona das décadas de sessenta e setenta do século XX. Na Manifesta 8, Abonnenc mostrou o primeiro filme desta cineasta, Monangambée, produzido na Argélia em 1969. Ao expor materiais associados e cartazes publicados na revista Tricontinental nos anos de 1960 e 70, ele contextualiza a obra da realizadora nos movimentos anti-colonialistas e anti-imperialistas da Ásia, África e América do Sul.»4 Passado Passado já não se lembrava exatamente dos títulos das suas revistas escolares, mas saíam mensalmente em várias mutações com aspeto muito parecido (provavelmente editadas por uma única editora soviética) e os seus títulos tinham um tom humanista e sério – Amizade, Paz, Progresso, Humanidade… Tal como numa das estações do metropolitano de Estocolmo, que tem a palavra amizade escrita em talvez todas as línguas do mundo. Atravessaram o piso mais alto que estava dividido em escritórios individuais mais pequenos, onde podiam imaginar os seus ocupantes pelos autocolantes que enfeitavam o lado interior das portas das salas. Os escritórios já tinham sido visitados e revistados várias vezes ao longo dos anos, e eles não encontraram tesouros até chegarem às últimas duas divisões ao fundo do corredor, que devem ter servido de armazém durante a evacuação. Alguém depositara lá todo o material de escritório, revistas, cartazes e livros provenientes das demais salas. A porta estava bloqueada do lado de dentro e quase não se conseguia passar. O Futuro Presente conseguiu entrar com um enorme pontapé, com o qual deitou abaixo uma montanha de pastas empilhadas atrás da porta. A sala ficara acessível aos pombos, graças a uma janela entreaberta. Havia anos que se esgueiravam pela fresta, tendo ficado até hoje, e tudo estava coberto com camadas de vários centímetros de merda de pombo acumulada durante anos. Ou, mais exatamente, acumulada desde 1989. Depois de hesitarem um pouco e ganharem coragem, puseram-se a examinar o arquivo coberto com a imundície dos pombos. Mergulharam nele, em silêncio, e apenas comentando de vez em quando alguma descoberta. 147 1 O texto rasgado pode ser o paralelo de uma vida rasgada. Nos períodos de reviravoltas (Revoluções), as hipérboles ideológicas encontram a sua realização em vida. O que foi sintomático nas revoluções após a queda do muro de Berlim, foi a impressão de que se tinham realizado em vida tanto as hipérboles sobre a justiça social, como as hipérboles do mercado livre. Como o tempo mostrou, o que aconteceu neste caso foi o confundir a fantasia de uma sociedade socialmente justa com uma sociedade democrática. Ou talvez não tenha sido isso; nessa época só os sociólogos sabiam o que era a sociedade, e essa palavra estava tão desacreditada pela normalização dos valores, atitudes e ideias que só dificilmente se conseguia utilizar. Sobre a justiça não se falava muito. Todos tinham a experiência da injustiça e o objetivo principal era livrarem-se dela. Há períodos em que se fala e escreve, mas quando, depois de um curto tempo de imaginação social, se realizam, sem preparativos e com interações imprevisíveis, os medos e as fantasias (quem consegue prever revoluções ou mudanças sociais revolucionárias?). Uma reviravolta separa a natureza do que foi daquilo que é e será e, como parece, aquilo de que falamos com tanta frequência, o comunismo, a revolução e também a transformação pós-comunista, não existiram nem existem, Comunismo Revolução Transformação (pós-comunista) Comunismo Comunismo comunista Revolução comunista Transformação (póscomunista) comunista Revolução Comunismo revolucionário Revolução revolucionária Transformação (póscomunista) revolucionária Transformação (pós-comunista) Comunismo da Transformação (Pós-comunista) Revolução da Transformação (Pós-comunista) Transformação (pós-comunista) da Transformação (pós-comunista) ou melhor, existem isoladamente como palavras e ideias. Mas, na vida encontramo-las apenas em interações dialéticas. A retórica (numa antítese do conhecimento e experiência) abriu uma brecha que tornou impossível entender a vida no período do socialismo real (conhecido como comunismo), a experiência da «revolução de veludo» e a transformação em direção ao capitalismo tardio de uma forma não contaminada ou unificada. Esquizofrenia. Como se aqueles que passaram por estes períodos tivessem três identidades e histórias. Como se essas três experiências, imaginações e fantasias, que os estimularam e também abateram, se tivessem condensado precisamente nas fissuras entre elas. As organizações governamentais autoritárias definiam-se como estruturas ideológicas e aplicavam uma retórica ideológica ao quotidiano da nação. Por isso, parecia, àqueles que queriam fugir do regime autoritário, que o primeiro imperativo seria fugir da ideologia e, fora de uma ideologia social e política, regressar às bases, essências ou ordens superiores – existenciais, humanistas e, para alguns, «-teístas», místicas... a um espaço onde nem o ego nem a comunidade estivessem subordinados às regras derivadas do contrato social. O materialismo empírico e científico, em conjunto com a biologia evolutiva, apoiavam casuisticamente a política e vice-versa. No tempo dos estados autoritários da revolução comunista, acreditávamos que a fuga para um mundo apolítico fora destas regras era necessária e possível. A re-politização da experiência, a re-politização do passado passado e do passado presente é uma operação «ex-post» (de controlo sucessivo), na qual uma geração que aprende com a transformação está a ser construída pelo presente atual – a expansão do capitalismo global que atravessa mais uma crise. Os textos não precisam de manter a unidade do pensamento ou a unidade do género, porque também a vida está rasgada. O impasse dos anos de 1980, a euforia revolucionária, a aparição do liberalismo intelectual, a possibilidade de ressuscitação do «socialismo com a face humana» – a esperança do ano de 1968, que foi reprimida pela intervenção militar soviética, a «normalização» do capitalismo pós-industrial acompanhada pelo regresso à ideia alternativa – a ideia de comunismo. Ou apenas ao socialismo. Experiência rasgada. Reflexão rasgada. Reflexão rasgada da experiência e também experiência rasgada da reflexão. Crítica daquilo que pensava. Crítica daquilo que experienciava. Crítica daquilo que sonhava. Crítica daquilo que pensava o Grande Segundo. Crítica daquilo que pensavam os outros. 148 2 Os conceitos Primeiro (o Ocidente), Segundo (o Leste) e Terceiro (o resto do mundo) mundos, utilizados pelos autores pós-coloniais, são aqui entendidos por Primeiro (o Leste), Segundo (o Ocidente) e Terceiro (o resto do mundo). 3 Panelstory aneb Jak se rodí sídli š tė (Panelstory. O Nascimento de uma Comunidade), 1979. Dirigido por Vė ra Chytilová. 4 Texto disponível no website da Manifesta 8 (2010), consultado em dezembro de 2013: http://www.manifesta8.com/manifesta8.artist?nombre=&codigo=103. VÍT HAVRÁNEK Memories of a Past Future 1 VISIT The visit had been scheduled for tomorrow, at two o’clock in the afternoon. They had been told they should bring gloves but because Mr. Present Present had come straight from work, he had had to hurry and didn’t know exactly where he was going, and forgot his gloves because his head was full of things to do with the office. As it turned out later, the building had three floors, or three units – the entrance (a former casino), the areas where the festival had taken place, and former offices. A bar was operating provisionally on the first floor. He and Present Future were waiting for the caretaker. So they had a coffee. The coffee wasn’t up to much, the bar was only provisionally equipped, and the coffee was only an excuse for having a cigarette. The caretaker arrived, as jolly and reassuring as ever. It’s probably inappropriate to say that someone is soothing – it’s a quality we usually ascribe to plant extracts or pills – but even a mix of some human qualities, physique, and the muscle tone setting parts of the human frame in motion can have it. The three of them talked for a while, possibly consumed their dose of soothing extract, and then Present Present, who always had enough work with the organization of the festival, took them straight upstairs. 149 The International Union of Students (IUS) building in Prague belonged to the 1970’s, from within you could sense its particular degree of splendour deviating from the pure Brutalism of the seventies of its origin. Concrete. Ceramic tiling and various kinds of high-quality stone and industrial materials – stainless steel sheeting and glass. Today, in the time of the post-Communist transformation of communism, the cultivated brutalism of the seventies was fashionable again, and again comprehensible. It no longer made a brutal impression, but a natural one. The only way in which it exceeded what is, to today’s sensibilities, natural, was the use of the industrial “precious” elements of made-to-measure balustrades of iron and stainless steel, pseudo-wooden trim with metal elements and handles. “Why is it that this building and similar Socialist buildings of the 1970s look good again?” asked Past Future. “Not only good, but trendy – well, not only trendy, but in particular, comprehensible as it were in their meaning, in the symbolism of why they were built like this – I mean, designed?” “This isn’t actually to do with buildings, although they can be manifestations of the universal style, but rather a real alternative created by these organizations through specific work in Algiers, Mozambique and Chile.” And yet, Past Past mused to himself, they were monitored and controlled by Soviet KGB agents. But he didn’t want to argue at the outset, so he said nothing. Not until the current post-Communist transformational perspective uncovered the capacity of the IUS to offer and to support alternatives to capitalism in the third world. Just as not until today can we say that the Socialist brutalism project succeeded. Just as if it was destined to be identified with it only in the future, Past Future said to himself. However, Communism had not embraced an alternative view of itself from the future perspective of a post-Communist transformation – that would have been a threat. Losing the battle for the future would have meant the victory of counter-revolutionary elements. The rhetoric of permanent revolution and counter-revolution was maintained into the period of “normalized” anaesthesia. The elements on the building which worked well were those with an aura of being natural or having formed on the spot. The exposed concrete. The stone staircases and stone cladding… those that did not work well had formed elsewhere or were made of metal. One can make a comparison here with the building of the Slovak Radio in Bratislava, an inverted pyramid of metal, glass and concrete, and many other more or less interesting buildings in the Slovak capital. Present Present lived in Prague. He saw the city as a necessity from which he should detach himself. Here, unlike Bratislava, there had not been very many such constructions. In Prague, the will and the need 150 for modernization had been hampered by historical sentiments, by the intense presence of Baroque architecture in the city. It is strange that in the former Czechoslovakia, after the first short-lived Soviet wave of neo-classicism, Socialist architecture tacitly connected up with the pre-war avant-garde language of functionalism. Architects and planners simplified building procedures and basic construction elements to enable them to fit into the programme of centrally controlled production of building materials. The outcome was vast new estates made up of long prefabricated housing blocks. Paneláky, or “panel homes”. Social housing made from panel units put together onsite. The panel homes in which Past Past had spent the first two years of his life thus really did fulfil the ideological programme of Communist communism – machines for living in, for (almost) everyone. 151 And although pre-war modernism had, in its designs, been based on complex analyses of people’s motivations and needs, it had also been based on an assumption about a new community spirit. The designs counted on the new community spirit coming about through a revolutionary transformation of society. Revolution means demolition, the destruction of the old. There is no time to build during a revolution; that is the moment we demolish in the name of a new future. The Communist revolution demolished capitalism – the class system, the system of the accumulation of capital and production. And when this progressive change occurred, the new architecture had to be in harmony, had to be perfect symbioses of form and social function. From his memories, subjected to transformation like his shoes with soft soles but several scratches on the light leather material already calloused, Present Past had the impression that it had not reached a perfect symbiosis – the users’ approval was still waiting for “modernization of the infrastructure”: central heating, an unlimited supply of hot water, gas… that is, whatever pre-war functionalism called a machine for living in; but it was only exceptionally that the lived forms of state collectivism, authoritatively constructed did not come into conflict with the architects’ dreamy imaginings. The possibility of symbiosis was theoretical. Practice tore it asunder before it could start. Present Future, with whom he now climbed the stairs, was the promise of a new, post-communist community spirit. He was also the promise of a future future. Like Carla Filipe in her work, he activated the Communism of the (post-Communist) transformation. His artistic work grew out of opposition, out of shared questioning. And even though he himself was a strong personality, it was as though this strength should not be seen in his work, 152 perhaps he considered it spectacular, and carried out his work on the ground plan of the new community spirit which in one place branched out and in another polished up the edges of ideas and forms. Carla Filipe’s work, on the other hand, activates the specific historic pattern of collectivism and Communism at the time of the (post-Communist) transformation of the revolution. The generally shared feeling is that we are standing at a crossroads – exhausted by failures, but the only thing keeping us alive is the idea, the desire for the improvement, not only cosmetic but radical, of the prevailing state of the world. What returned over and over again to Present Past during such reflection was the conflict between the officialised, managed and de facto dysfunctional community spirit of the past and the need for a contemporary community spirit finding its predecessors among the fathers and founders of the Left. It was a generational trauma, not a personal one. His torn life experience began to arise in the period of what was called normalization. “Normalization” was the official term used in the document by the Communist Party of Czechoslovakia, Lessons from the Crisis Development (1970). A document which settled accounts and condemned the year 1968. The document declared that “(...) a commitment to achieve the normalization of conditions in our country on the basis of Marxism-Leninism, to restore the leading role of the party and the authority of the state power of the working class, to eliminate counter-revolutionary organizations from political life and to reinforce the severed international ties of the Czechoslovak Socialist Republic with the Soviet Union and other Socialist allies.” Present Past was a child of the era of Normalization; of the period when the state system phased out the reform movement “Socialism with a human face” of 1967-1969 (which it labelled “counter-revolutionary”) and when no one any longer believed that communism could in the future be achieved in the country. During Normalization not even the active members of the ruling party, let alone the silent majority of citizens, those in the grey zone, or the opponents of the regime, believed that Communism had any part to play in the future of the country. And the International Students’ Union ideally embodied this schizophrenic normalization practice – the resplendent building – a shell – proclaiming the struggle against imperialism, colonialism and racism, the struggle for peace, international security and cooperation between nations, the struggle for national and social freedom, for reform and the democratization of education. It was however, except for official reports, a building he associated with fear. It was a building inaccessible during Communism, inaccessible also because he would never have known why he should enter it. It was probably an agency of the KGB, from whose 153 entrails agents operated, eavesdropped, from which they ran an espionage network in the Third World. That was probably what people thought about this building in the 1980s. The last director of the IUS was Miroslav Štěpán, a brash young apparatchik. Past Future remembered him from the revolution as the leader of the People’s Militia, which intervened against the students. And now, thanks to the caretaker, he’s walking through it. But anyone at all could come in as, thanks to the festival, the building was open. The IUS proclamation makes sense to Present Present up to today. In a time of cynical political repression of utopias and system alternatives. Just as an individual needs an assurance of the basic necessities of life in the future (which the welfare state provides for him, unlike the capitalist economy as a whole), society needs a horizon of conciliation, meaning and betterment, to prevent it sinking into madness. What distanced and amputated the Communist revolution from itself, from its own future, was the fatal fear of the potential of critical thought when applied to itself (to Communist society). Enlightened criticism was renamed revisionism. The regime’s elite and the apparatus of power perceived it as the biggest enemy – because internal. Permanent revolution, the struggle against counter-revolutionary elements, the fight against the internal enemy. The castration anxiety of an authoritarian regime. In a simplified way it is explained by power reasons, but ideologically the admission of cracks in the perfectly perspective and self-fulfilling idea of Communist Communism would have destroyed its future historical fruition. What Communism suppressed was The Second, and The Third was used to fortify itself or in the struggle against The Second.2 It drew its identity from itself alone, from its own ideology, its own fruition. The Soviet authoritative model used binary opposition to the West in a strictly negative demonizing sense, when a critical look at its own ideological foundations, history and practice had to be uncontaminated by the Other (the West). For Communism, the area of the “Third World” was the area of the real dialectic of ideas and forms of authority which (with the exception of Tito’s Yugoslavia, etc.) it could not risk on its own territory. The binary negation of capitalism and American Imperialism could go hand in hand with an emancipation movement going outside the context of Soviet Imperial colonialism. Similarly, neo-Marxism, the school of critical theory and the whole development of neo- and post-Marxist thinking – the dialectic dynamic – could (with a few bright exceptions) live and develop “in the West”, outside the state influence of “the East” and in critical opposition to the “West’s own” system. For the ideologues and the inhabitants of the lands of real socialism, communism was a (rhetorical) goal, it was the future to which real socialism was the historical precursor, a transitional 154 phase in which society never achieved its fruition. However, no one in the seventies or eighties was frustrated by this non-fruition. Nor was he himself, Past Past, although he had not actually thought much about it. No one took the proclamative ambition seriously because, in the reality of everyday life, the state apparatus never did fulfil the majority of the proclamations it ostentatiously announced. “Communism has never been“. But the building of the IUS in Prague had not been put together from panels, was not spartan in its simplicity, like the paneláky. It still looked spectacular – it had pomp, which to some extent appealed to him as an active bureaucrat – it furnished its status with an importance and a social ostentation replicated today by the ambitious raised fingers of high-rise blocks in international metropolises. When we think over the communism’s past future it is entirely appropriate to ask why the leaders and proponents of the regimes did not establish a definite plan: How and when were they going to achieve communism? They set annual and five-year economic plans, but these postulated economic tasks for a centrally directed economy, not social plans leading to the realization of communism. He hasn’t heard whether today’s historians have found out if an actual plan for the realization of Communism existed somewhere. And what would this plan, or these plans, look like? Present Past was attracted by the exposed concrete frequently used in the building. The construction processes of machines for living in, partially present in the building in the form of prefabricated elements, can be found in non-Communist Western countries as well. But there, the iconography of the same construction has a very simple economic postulate: housing of this sort is built for people in need, or the very poor, because it is the cheapest system of building and thus intended for those who lack the means to make “individual” housing choices for themselves based on the satisfying consumption of symbolic contents. The French HLM (Habitation à loyer modéré) and the Czech panelák look virtually the same. In Real Socialism the unification of the necessities of the subject’s life was perceived critically as an example of the standardization of society as a whole, and the normalization of personal ideas of identity (for example, in the film Panelstory).3 In Socialist France, on the other hand, it represented social progress on the path to the collective “self”. The authentic countenance of the seventies’ building whose stairs they were climbing was the ubiquitous layer of mirror. Mirrors were maybe on every pillar and wall – walls actually being at a minimum in the building – and several mirror balls hung from the ceiling of a room with a circular bar. Mirrors tear our thoughts. 155 They focus our attention on the external gestalt, the imago – the torn-up image of ourselves destined to self-identification and directly antithetical to the processes of thought. Original materials as it were capture and absorb our gaze, we can easily identify with concrete (firmness cast into preordained forms), stone, wood… In contrast, mirrors return us to an identification with an image of ourselves in an alien space. Three people in this space were enough. It crossed Present Past´s mind that Present Future and the caretaker looked like actors onstage. They were images of three individuals moving of their own volition, but without any plan, in an eternally reflecting landscape of objects and mirrors where even the bodies of familiar people look like electrons moving according to a law no one knows. In the nineties there was a casino on the first two floors of the building, no one knows what it was called, but its sign was a green palm on a gold background. International Union of Students, casino, arts festival. What next? We have glimpsed the surface of Communism in the mirrors set up by the capitalist casino; only, does capitalism offer Communism an adequate mirror for self-identification? Lotteries did exist under communism, I remember what the lottery tickets looked like – they were brownish-green, large, numbered with a very restrained, classical, Socialist Realist design, and looked like banknotes. But the lotteries were not as seductive as they became under capitalism when money is the ultimate promise, in a world where immortality is not yet on offer. Money is a gate to satisfaction, an antechamber, a prologue, a sine qua non of human happiness. Under Communism it had a certain worth, but in comparison with capitalism there was nothing to buy with it. Only more of the same – whatever was available. There was no stimulating pile of things all with the same function but each looking different and through this diversity offering to satisfy “individual needs” – it was thought, on the whole logically, that one product was sufficient to satisfy one need. The upper floors of the building for which they were heading had been accessible by the main staircase, now because of the exhibition closed off by a simple plasterboard wall. In the middle of the wall was a cheap paper door to which the caretaker had the key, and which she opened for us. Broken glass lay on the stairs, torn-up papers, torn-up files. In comparison with the preceding floor, there was a marked difference in the state of the building. It was clear that in the nineties the casino had come no further and the floors we had entered had been abandoned in haste a relatively long time ago. Maybe at the beginning of the nineties. Everywhere among the pillars were masses of scattered pieces of office furniture, cardboard cartons, bits of furnishings. 156 «Regardless of the social system of the country in which they live, regardless of the different political or religious streams to which they belong, progressive youth of the whole world subscribe to clear political aims: · to the fight against imperialism, colonialism and racism; · to the fight for peace, international security and cooperation between nations; · to the fight for national and social freedom, for the reform and democratization of education. For anti-imperialist solidarity, for peace and friendship! The International Union of Students – a leading force in world progress A hundred national student unions from every quarter of the globe operate today in the ranks of the IUS, which has its permanent seat in Prague and to the head of which a representative of Czechoslovakia is traditionally elected. Through the years of its operation it has become a recognized international power and relies on the cooperation of such important organizations as the UN, UNESCO, WFDY, WPC, SFDW, TUF and many others in its activities. For more than three centuries it has replenished a programme based on four main principles: 1. Students are part of their people. 2. They achieve the fulfilment of their requirements only in the context of a front striving for peace and the advancement of mankind. 3. International understanding is conditional on the liberation of nations from Fascism, colonialism and imperialism. 4. Science and education should be democratized, serving: · the fight against imperialism, colonialism and racism; · the fight for peace, international security and cooperation between nations; · the fight for national and social freedom, reform and democratic education. For anti-imperialist solidarity, for peace and friendship!» 157 It was a sheaf of seventies propaganda materials reproduced by some early photocopy technology – A5 sized cards of photographic paper fastened by sticky tape. As though no one had ever moved out of the office, which had gradually disintegrated under the slow but stable onslaught of time and the flocks of pigeons which for more than a decade had become lords of this ideologically concentrated space in the middle of the city. A gradual disintegration and decay of the constituents of the building, the office and the archive had followed. Maybe people had dismantled them and taken them away. Everywhere a lot of dust, dirt, pigeon droppings and strange stains. It was now clear to him why masks and gloves were needed. First, with Present Future, he began to go through the cardboard cartons lying near the staircase which held student magazines from different parts of the world, some of which he knew from primary school. They had not been torn up; on the contrary, they were carefully archived in cardboard files according to year and number. The inside pages were badly printed in black and white, the pictures on the glossy covers badly printed in colour, especially blue, a turquoise shade of blue. Past Past had been forced to buy these magazines in school, most of them were in Russian but if he remembered correctly they included texts in English and German and maybe even French. As a pupil at primary school from the age of eleven to fourteen he used the Russian lessons to read articles about factories, scientific discoveries and sporting achievements in the Soviet Union, the East bloc and the countries of the Third World. They were articles about successes in the building of Socialism and Communism – at home and in other lands, even exotic ones whose names had merged together in his memory. Also in the box were copies of Tricontinental, which he knew from Mathieu Abonnenc’s project Tricontinental, A Graphic Survey. “In this particular work Abonnenc was researching the work of the French-born film director Sarah Maldoror, who devoted herself to the liberation movements in Lusophone Africa in the 1960s and 1970s. At Manifesta 8, Abonnenc presented her first film, Monangambée, produced in Algeria in 1969. By exhibiting associated material and posters published as part of Tricontinental magazine in the 1960s and 1970s, her work is placed within the context of the anti-colonial and anti-imperialist movements in Asia, Africa and South America.” 4 He no longer remembered the exact titles of his school magazines, but they came out monthly in several mutations closely resembling each other (probably published by one Soviet publishing house) and their titles had a Humanist and serious ring to them – Friendship, Peace, Progress, Humanity… Just like one of the metro stations in Stockholm where the word “friendship” is written in every possible language of the world. 158 They thus made their way to the top floor which was divided into smaller individual offices where he could visualize their occupants from the stickers adorning the inside of the door of their office cells. The offices had been visited and searched several times over and they found no treasures until they reached the last two rooms at the end of the corridor which had maybe served as storerooms. Someone had dumped all the office materials, magazines, posters and books from the other cells in there. The doors were blocked from inside; it was almost impossible to open them. Present Future got inside with one big kick that succeeded in knocking over a pile of files stacked behind the door. The room, however, had been accessible to the pigeons via the half-open window. They had squeezed through the narrow gap years ago and remained there to this day, together with layers of pigeon shit accumulated over the years to a thickness of several centimetres. To be precise, accumulated since 1989. After a short delay spent plucking up their courage, they embarked on a tour of the pigeon-defiled archive. They plunged into it without speaking, just now and then commenting on some discovery. 159 1 A torn-up text can be parallel to a torn-up life. In times of reversals (revolutions), ideological hyperboles achieve their life fruition; characteristic of the revolution after the Fall of the Berlin Wall was the impression that hyperboles about a socially just society and hyperboles of the free market both ran out of fulfilment. As time has shown, in this case it was the substitution of a fantasy about a democratic society for a fantasy about a socially just society. Actually, it was probably not even that, at that time only sociologists knew what society was, and the word was so discredited by the normalization of values, attitudes and ideas that it was difficult to use. Not much was said about justice. Everyone had experienced injustice, and their main aim was to get rid of it. There are times when things are spoken and written but when, after a short time of social imagination, are fears and fantasy without preparations and in unforeseeable interactions realized (who knows how to foresee a revolution or revolutionary social changes)? One reversal can divide the nature of what was from what is and what will be, and it seems that the things we talk about so often – communism, the revolution and the Post-Communist transformation – did not, and do not, exist, Communism Revolution (Post-Communist) transformation Communism Communist Communism Communist Revolution Communist (PostCommunist) transformation Revolution Revolutionary Communism Revolutionary Revolution Revolutionary (PostCommunist) transformation (Post-Communist) transformation (Post-Communist) transformation Communism (Post-Communist) transformation Revolution (Post-Communist) transformation (Post-Communist) transformations or rather they exist in isolation only as words and ideas. In life however we come across them only in dialectical interactions. In rhetoric (thus in stark contrast to knowledge and experience) a gap was defined which makes it impossible for life under Real Socialism (known as Communism), the experience of the “Velvet Revolution” and the transformation to late capitalism to be understood as uncontaminated or unified. Schizophrenia. As though those who lived through these times possessed three life identities and stories. As though these three experiences, imaginations, fantasies, which both stimulated them and struck them down, had condensed in the cracks between them. Authoritarian governmental organizations defined themselves as ideological and applied an ideological rhetoric to the everyday life of the country. It therefore seemed to those who wanted to flee the authoritarian regime that the first imperative was to flee ideology, and go beyond socio-political ideology to the “foundations”, “superior essences” or “orders” – existential, humanist; for some, theist, mystical… – into a space where neither the ego nor the community are subordinated to rules based on the social contract. Empirical and scientific materialism together with evolutive biology casuistically supported the policy, and vice versa. During the existence of the authoritarian states of the Communist revolution we believed that flight into an apolitical world outside these rules was necessary and possible. And the re-politicization of experience, the re-politicization of the past past and the present past, is an ex-post operation into which a generation rendered worldly-wise by the transformation is being built by the current present – the expansion of global capitalism, which is going through another crisis. Textual formations do not need to maintain a unity of thought, not even a unity of genre, because life itself is torn apart. The intractability of the 1980s; the revolutionary euphoria; the discovery of intellectual liberalism; the possibility of the resuscitation of “Socialism with a human face” – the hope of 1968, suppressed by the Soviet military intervention; the “normalization” of post-industrial capitalism linked with a return to the alternative idea – the idea of communism. Or only to Socialism. A torn apart experience. A torn apart reflection. A torn apart reflection of experience and a torn apart experience of reflection. A critique of what I was thinking. A critique of what I was experiencing. A critique of what I was dreaming. A critique of what the Great Other was thinking. A critique of what others were thinking. 160 2 The concept of First (Western) Second (Eastern) Third World (rest of the world), which post-colonial authors use, should be understood here as First (Eastern) Second (Western) Third (rest of the world). 3 Panelstory aneb Jak se rodí sídli š tė , 1979, directed by Vė ra Chytilová. 4 Text available online: http://www.manifesta8.com/manifesta8.artist?nombre=&codigo=103 (consulted on December 2013).