VÍT HAVRÁNEK
Memórias do Futuro Passado1
VISITA
A visita fora programada para amanhã, para as duas da tarde. Na verdade
fora-lhes dito que levassem luvas, mas como o Presente Presente vinha
diretamente do emprego, estava com pressa e não sabia propriamente para
onde ia, esqueceu-se das luvas porque tinha a cabeça cheia de preocupações
do escritório. Como se viu mais tarde, o edifício tinha três pisos ou três
espaços – a entrada (o antigo casino), a área onde decorria o festival
e os antigos escritórios. No primeiro piso havia um bar improvisado.
Juntamente com o Futuro Presente, ficaram à espera que chegasse a porteira.
Aproveitaram para tomar um café. O café não era grande coisa,
o equipamento do bar era apenas provisório e o café foi só o pretexto para
fumar um cigarro.
Chegou a porteira, alegre e tranquilizante como sempre. Talvez não seja
apropriado dizer que uma pessoa tranquiliza, sendo esta uma propriedade
que normalmente atribuímos a extratos de plantas ou a comprimidos.
No entanto, também é virtude de uma mistura de certas qualidades
humanas, constituição física e tónus muscular que põe em movimento
os componentes do esqueleto humano. Os três conversaram por alguns
instantes – precisavam de consumir a sua dose de extrato tranquilizante –
e depois o Presente Presente, que ainda se encontrava bastante atarefado
com a organização do festival, levou-os diretamente para cima.
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Dentro do edifício da União Internacional de Estudantes (UIE), em Praga,
sentia-se uma certa ostentação que divergia do brutalismo puro dos anos
de 1970 em que tinha sido construído. Cimento. Revestimento cerâmico e
vários tipos de pedra nobre e materiais industriais: chapa de aço,
metal e vidro. Hoje, no período da transformação pós-comunista do
comunismo, o brutalismo nobre daquela década voltou a estar na moda
e voltou a ser compreensível. Já não produz um efeito brutal, mas natural.
A única coisa que fugia à nossa perceção da naturalidade eram os
elementos industriais «caros» de balaustradas fabricadas à medida em
ferro e inox, o revestimento em imitação de madeira com elementos
de metal e as maçanetas.
«Porque é que este edifício e as outras construções socialistas do
género, construídos nos anos setenta, têm outra vez bom aspeto?»,
perguntou o Futuro Passado. «Não é só bom ar, estão na moda –
quer dizer, não é só estarem na moda, mas sobretudo como se fossem
compreensíveis no seu significado, no simbolismo da razão por que
foram construídos, ou melhor, projetados precisamente assim.»
«Mas aqui não se trata de construções, embora elas possam ser
manifestações de um estilo universal; trata-se antes de uma alternativa
real que estas organizações, através de um trabalho concreto,
criavam na Argélia, em Moçambique ou no Chile.»
E, ao mesmo tempo, serem vigiados pelos agentes soviéticos do KGB,
pensou o Passado Passado. Mas não queria começar logo com uma
discussão, por isso não disse nada. Tão só a atual perspetiva de
transformação pós-comunista revelou a capacidade da UIE de oferecer
e apoiar alternativas ao capitalismo no terceiro mundo. Do mesmo
modo que só hoje podemos constatar que o projeto do brutalismo
socialista vingou. Como se tivesse sido predestinado que só no futuro
se identificassem com ele, dizia o Futuro Passado para consigo.
Porém, o comunismo não considerara uma alternativa de olhar para si
próprio da perspetiva futura de uma transformação pós-comunista –
isso teria sido uma ameaça. Perder a batalha pelo futuro teria significado
uma vitória das forças contrarrevolucionárias. A retórica da revolução
permanente manteve-se mesmo nos tempos da anestesia da normalização.
No edifício funcionavam bem os elementos que possuíam uma aura de
naturalidade ou de terem sido moldados no local. O betão aparente.
A escadaria de pedra e os revestimentos de pedra… O que não
funcionava era aquilo que tinha sido feito noutro lugar ou os elementos
de metal. Neste aspeto oferecia-se a comparação com o edifício da
Radiodifusão Eslovaca em Bratislava, uma pirâmide invertida de metal,
vidro e cimento, e muitos outros edifícios mais e menos interessantes
da capital eslovaca.
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O Presente Presente vivia em Praga. Encarava esta cidade como uma
necessidade da qual se devia separar. Ao contrário de Bratislava,
aqui não se construíram muitos edifícios deste género. Em Praga,
a vontade e a necessidade de uma modernização foram refreadas pela
sentimentalidade histórica, pela presença da arquitetura barroca na
cidade. Estranhamente, na antiga Checoslováquia, após a primeira
onda de neoclassicismo soviético, que pouco durou,
a arquitetura socialista retomou a linguagem do funcionalismo,
numa continuação da vanguarda pré-guerra.
Os procedimentos da arte de construir e os elementos básicos de
construção foram simplificados pelos arquitetos e pelos planeadores de
maneira a que pudessem entrar no programa de produção centralizada
de materiais de construção. Daí resultaram novos e extensos bairros
formados por longos blocos de prédios pré-fabricados. Os paneláky.
Bairros sociais construídos com módulos de painéis montados no local.
Os paneláky, onde o Passado Passado viveu só os dois primeiros anos
da sua vida, puseram realmente em prática o programa ideológico do
comunismo comunista – máquinas de habitar para (quase) todos.
E embora, na arte de projetar, o modernismo do pré-guerra se baseasse
numa análise complexa das motivações e necessidades humanas, partira
também do pressuposto de uma nova coletividade. Os projetos previam
que esta nova comunidade surgisse através de uma transformação
revolucionária da sociedade. A revolução significa demolição,
a destruição do antigo. Durante uma revolução não há tempo para
construir; é o momento em que demolimos em nome de um novo futuro.
A revolução comunista demoliu o capitalismo – o sistema de classes,
sistema de acumulação do capital e da produção. E quando se deu esta
mudança progressista, a nova arquitetura devia estar em harmonia,
numa simbiose perfeita da forma e da função social. Com base nas suas
memórias, influenciadas pela transformação tal como os seus sapatos,
de sola macia, mas com alguns arranhões no leve material de couro
endurecido, o Passado Presente tinha a impressão de que a simbiose
perfeita não acontecera – a aprovação do utilizador ainda estava à espera
da «modernização da estrutura»: aquecimento central, água quente sem
restrições, gás… Ou seja, aquilo que foi denominado pelo funcionalismo
do pré-guerra como uma máquina de habitar – no entanto,
só excecionalmente as formas vividas do coletivismo estatal, construído
autoritariamente, não entravam em conflito com as imagens sonhadas
pelos arquitetos. A possibilidade de simbiose era uma teoria.
A prática rasgou-a antes de ela acontecer.
O Futuro Presente, com o qual agora subia as escadas, era uma
promessa de um novo e pós-comunista espírito comunitário.
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Era também uma promessa de um futuro futuro. Tal como Carla Filipe,
Futuro Presente ativava no seu trabalho o comunismo da transformação
(pós-comunista). A sua prática artística nascia da oposição,
do questionamento partilhado. E embora ele próprio tivesse uma
personalidade forte, era como se essa força não devesse transparecer
no seu trabalho. Talvez ele a considerasse espetacular e realizasse o seu
trabalho na planta de uma nova coletividade que ramificou aqui e limou
as arestas das ideias e das formas acolá. O trabalho de Carla Filipe,
por outro lado, ativa os padrões históricos concretos do coletivismo e
do comunismo no tempo da transformação (pós-comunista) da revolução.
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A sensação partilhada em geral de que nos encontramos numa encruzilhada –
esgotados pelos insucessos, mas a única coisa que nos mantém vivos
é a ideia, o desejo do melhoramento não só cosmético, mas radical,
do estado do mundo existente.
O que regressava sempre à ideia de Passado Presente, enquanto
refletia sobre o assunto, era o conflito entre a coletividade oficializada,
gerida e efetivamente disfuncional do passado e a necessidade de
uma coletividade contemporânea, que encontre os seus antecessores
precisamente entre os fundadores e pais da esquerda. Não era um trauma
pessoal, mas geracional. A sua experiência de vida rasgada começou a
entrelaçar-se no período da chamada «normalização». Normalização foi
o termo oficial utilizado no documento Lição da Evolução da Crise (1970)
do Partido Comunista da Checoslováquia, um documento que acertou
contas com o ano de 1968, condenando-o. No documento declarou-se
«(...) a determinação de alcançar uma normalização da situação no
nosso país na base do marxismo-leninismo, renovar o papel de liderança
do partido e a autoridade do poder estatal da classe operária, eliminar
as organizações contrarrevolucionárias da vida política e fortalecer e
consolidar as relações internacionais interrompidas da República Socialista
da Checoslováquia com a União Soviética e outros aliados socialistas.»
O Passado Presente era filho dos tempos da normalização.
Tempos em que o sistema estatal apagava o movimento reformista
do «socialismo com rosto humano» dos anos 1967-1969 (que considerou
«contrarrevolucionário») e em que já ninguém acreditava na
possibilidade futura de um comunismo. Nos tempos da normalização
nem os membros ativos do partido no poder acreditavam que
no futuro o comunismo pudesse acontecer no país, quanto mais
a maioria silenciosa da população, aqueles que se encontravam na zona
cinzenta, ou os oponentes do regime. E a UIE personificava de uma
forma ideal esta prática de normalização esquizofrénica – um edifício
ostensivo, uma casca – que proclamava «a luta contra o imperialismo,
o colonialismo e o racismo, a luta pela paz, pela segurança internacional
e cooperação entre os povos, a luta pela liberdade nacional e social,
pela reforma e pela democratização da educação». Porém, excluindo
as notícias oficiais, era um edifício que para ele estava conotado com
o medo. Era um edifício inacessível durante o comunismo, inacessível
também porque ele não teria sabido por que motivo haveria de tentar
entrar nele. Tratava-se provavelmente de uma agência do KGB, em cujas
entranhas operavam os agentes, fazendo escutas e dirigindo a partir daí
as redes de espionagem no terceiro mundo. Terá sido isto o que as pessoas
pensavam sobre o edifício nos anos de 1980. O último diretor da UIE
foi Miroslav Štěpán, um jovem e bruto apparatchik que Futuro Passado
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recordava dos tempos da revolução como sendo o chefe das milícias
populares que intervinham contra os estudantes. E agora passeava por ali,
graças à porteira. Mas qualquer um podia entrar, já que o edifício estava
aberto graças ao festival. Para o Presente Presente, as proclamações da UIE
ainda fazem sentido. Num tempo de cínica repressão política de utopias
e alternativas ao sistema. Tal como o indivíduo precisa de uma perspetiva
de suprimento das necessidades vitais elementares no futuro (que lhe oferece
o estado social, ao contrário da economia capitalista no geral), também
a sociedade precisa de um horizonte de conciliação, sentido e melhoria
para não sucumbir à loucura.
O que afastou a revolução comunista, amputando-a de si própria,
do seu próprio futuro, foi o medo fatal do potencial de pensamento crítico
aplicado a si própria (à sociedade comunista). O criticismo iluminista
foi apodado de revisionismo. Tanto o topo do regime, como o aparelho
executivo sentiam-no como o maior, porque interno, inimigo.
A revolução permanente, a luta contra os elementos contrarrevolucionários,
a luta contra o inimigo interno. A ansiedade castradora do regime autoritário.
Costuma explicar-se, de forma simplificada, por motivos de poder,
mas do ponto de vista ideológico o reconhecimento de brechas na ideia
imaculadamente promissora e autossatisfatória do comunismo comunista
destruiu também a sua realização histórica futura. O que o comunismo
reprimiu foi o Segundo, utilizando o Terceiro para se fortalecer a si
próprio ou na luta contra o Segundo.2 Derivava a sua identidade apenas
a partir de si próprio, da sua própria ideologia e da sua própria realização.
E a oposição binária contra o Ocidente foi utilizada pelo modelo soviético
autoritário no sentido estritamente negativo e demonizante, quando
o olhar crítico às suas próprias bases, história e prática não podia ser
contaminado pelo Outro (o Ocidente). Para o comunismo, o espaço do
«terceiro mundo» era o espaço da verdadeira dialética das ideias e formas
de autoridade que não podia (salvo as exceções da Jugoslávia de Tito, etc.)
arriscar no seu próprio território. A negação binária do capitalismo
e do imperialismo americano podia andar de mãos dadas com o
movimento emancipador que se encontrava fora do âmbito do
colonialismo imperial soviético.
De maneira semelhante, também o neomarxismo, escola da teoria
crítica e todo o desenvolvimento do pensamento neo e pós-marxista –
na dinâmica dialética – pôde viver e desenvolver-se (com algumas claras
exceções) «no Ocidente», fora do espaço de influência estatal direta do
«Leste» e numa oposição crítica ao seu «próprio» sistema «ocidental».
Para os ideólogos e habitantes dos países do socialismo real, o comunismo
era um objetivo (retórico), era o futuro, do qual o socialismo real fora um
precursor histórico, uma fase transitória em que a sociedade nunca
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atingiu a sua autorrealização. Mas nem nos anos de 1970, nem 80, houve
quem ficasse frustrado por esta não-realização. Nem ele próprio,
o Passado Passado, embora talvez ele não tivesse pensado muito sobre isso.
Ninguém levava a sério essa ambição proclamada, porque, na realidade
do quotidiano, o aparelho do estado nunca cumpria a maioria das
proclamações que apregoava com ostentação. «O comunismo nunca
aconteceu.» Mas o edifício da UIE em Praga não fora construído com
painéis de betão, não era de uma simplicidade espartana como os bairros
de cimento. Continuava a ter um efeito ostentoso – tinha a pompa da
qual ele, até certo ponto, como burocrata ativo que era, gostava –,
dava relevo e sumptuosidade social à sua condição, hoje replicada pelos
dedos ambiciosamente levantados das torres de apartamentos erguidas nas
metrópoles do mundo.
Quando refletimos sobre o passado futuro comunista, é perfeitamente
legítimo perguntar por que razão os líderes e os proponentes do regime
não estabeleceram um plano definitivo: Como e quando iriam alcançar o
comunismo? Embora houvesse planos económicos anuais e quinquenais,
os mesmos postulavam tarefas económicas para uma economia administrada
centralmente e não planos sociais que levassem à realização do comunismo.
Não lhe consta que os historiadores hoje apresentem dados sobre ter
existido, algures, um plano real da concretização do comunismo.
E como seria esse plano (ou planos)?
Passado Presente sentia-se atraído pelo betão aparente, utilizado
frequentemente no edifício. Porém, a tecnologia de construção das
máquinas de habitar, que estava parcialmente presente no edifício em
forma de elementos pré-fabricados, também se encontra em países
ocidentais não comunistas. Mas aí a iconografia dessa mesma construção
tem um postulado económico muito simples: constrói-se assim a
habitação social para os mais necessitados ou mais pobres porque este
sistema de construção é o mais barato, sendo assim destinado àqueles
que não têm meios para adquirir uma habitação «individualizada», de
acordo com a escolha que permita o consumo de conteúdos simbólicos.
A HLM (habitation à loyer modéré) francesa e o panelák checo têm
praticamente o mesmo aspeto. No socialismo real, a unificação das
necessidades vitais do sujeito foi interpretada de forma crítica como
exemplo de uma padronização social global e normalização da noção de
identidades (como acontece, por exemplo, no filme Panelstory),3 mas na
França socialista representou o progresso social no caminho do «eu» coletivo.
A verdadeira expressão do edifício dos anos de 1960, no interior do
qual subiam agora as escadas, era uma camada omnipresente de espelhos.
Estavam praticamente em todas as colunas e paredes – diga-se que no
edifício as paredes estavam reduzidas ao mínimo – e na sala, que tinha
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um bar oval, pendiam do teto algumas bolas de espelhos. Os espelhos
cortam o nosso raciocínio. Concentram a nossa atenção na gestalt
exterior, a imago – a imagem rasgada de nós próprios, predestinada à
auto-identificação e antitética dos processos do pensamento. Os materiais
originais, de algum modo, captam e absorvem o nosso olhar, é fácil
identificarmo-nos com o betão (firmeza vertida em formas previamente
estabelecidas), com a pedra, com a madeira… Por outro lado, os espelhos
devolvem-nos à identificação com uma imagem de nós próprios num
espaço alheio. Bastavam três pessoas neste espaço. O Passado Presente,
o Futuro Presente e a porteira pareciam atores num palco, pensou.
Eram as imagens de três indivíduos, movimentando-se com base na
vontade própria, mas sem qualquer plano, na paisagem infinitamente
refletida de objetos e espelhos onde até os corpos das pessoas que
conhecemos parecem eletrões que se movimentam de acordo com uma
lei que ninguém conhece.
Nos anos de 1990, os primeiros dois pisos eram ocupados por um
casino – ninguém sabe como se chamava, mas tinha no emblema uma
palmeira verde sobre fundo dourado. União Internacional de Estudantes,
casino, festival de arte. Que se seguirá? Vislumbrámos a superfície do
comunismo nos espelhos colocados no casino capitalista; é apenas
o capitalismo que oferece ao comunismo o espelho adequado para
a sua auto-identificação?
As lotarias existiam também no comunismo e ele lembrou-se do
aspeto das cautelas da lotaria estatal – eram castanhas e verdes, grandes,
numeradas, com um desenho muito sóbrio, clássico, ao estilo do realismo
socialista, parecendo-se com notas. Mas as lotarias não tinham a sedução
que alcançaram com o capitalismo, quando o dinheiro é a derradeira
promessa num mundo onde a imortalidade ainda não está disponível.
É o portal para o bem-estar, uma antessala, prelúdio, condição sine qua non
da felicidade humana. No tempo do comunismo comunista também tinha
um certo valor, mas, em comparação com o capitalismo, não havia nada
para comprar com ele. Só uma maior quantidade do mesmo – aquilo que
havia para ser comprado. Não existia a estimulante pilha de coisas com
a mesma função, mas com aspeto diferente, cuja diversidade oferece a
satisfação das «necessidades individuais» – de forma bastante lógica,
considerava-se que um produto era suficiente para satisfazer uma necessidade.
Os pisos superiores do edifício para os quais se dirigiam tinham acesso
pela escadaria principal que, por causa da exposição, estava agora tapada
por uma simples parede de gesso cartonado. No meio da parede estava a mais
barata porta de papel, da qual a porteira tinha a chave e a qual nos abriu.
Nas escadas havia painéis de vidro partidos, papéis e dossier rasgados,
e a diferença no estado do edifício em relação ao piso anterior era marcante.
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Era também claro que o casino dos anos de 1990 terminara atrás deles
e que os pisos onde entravam agora tinham sido abandonados à pressa
havia relativamente muito tempo. Talvez no início dessa década. Em todo
lado, entre as colunas, estavam espalhados móveis de escritório, caixas de
cartão, pedaços de equipamento.
«Independentemente do sistema social do país onde vive,
independentemente das correntes políticas ou religiosas a que pertence,
a juventude progressista do mundo inteiro identifica-se com objectivos
políticos claros:
· Com a luta contra o imperialismo, colonialismo e racismo;
· Com a luta pela paz, segurança internacional e cooperação entre os povos;
· Com a luta pela liberdade nacional e social e pela reforma e
democratização da educação.
Pela solidariedade contra o imperialismo e pela paz e amizade!
A União Internacional de Estudantes – uma força poderosa do
progresso mundial.
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No seio da UIE, que tem sede em Praga e tradicionalmente é liderada
por um representante eleito da Checoslováquia, hoje em dia exerce a sua
atividade uma centena de associações estudantis nacionais de todos
os continentes. Durante os anos do seu funcionamento, transformou-se numa
força internacional que no seu trabalho conta com o apoio de organizações
tão importantes como a ONU, UNESCO, FMJD (Federação Mundial
da Juventude Democrática), CMP (Conselho Mundial da Paz), FMMD
(Federação Mundial das Mulheres Democráticas), FMS (Federação
Mundial dos Sindicatos) e muitas outras. Há mais de três séculos que
realiza o seu programa que assenta em quatro pilares:
1. Os estudantes são uma parte integrante do seu povo.
2. A realização das suas exigências pode ser alcançada apenas no
âmbito de uma frente que luta pela paz e pelo progresso da humanidade.
3. O entendimento internacional está condicionado pela libertação das
nações do fascismo, colonialismo e imperialismo.
4. A ciência e a educação devem tornar-se propriedade do povo, servindo:
· na luta contra o imperialismo, colonialismo e racismo;
· na luta pela paz, segurança internacional e colaboração entre os povos;
· na luta pela liberdade nacional e social, a reforma e educação democrática.
Pela solidariedade anti-imperialista, pela paz e pela amizade!»
Era um molho de materiais de propaganda da década de 1970,
reproduzidos com algum tipo de foto-tecnologia primitiva – cartões
A5 de papel fotográfico presos com fita adesiva. Como se o escritório
nunca tivesse sido desocupado, desintegrando-se sob a pressão lenta e
constante do tempo e dos bandos de pombos que se tornaram senhores
deste espaço ideologicamente concentrado na baixa da cidade, ao longo
de mais de uma dezena de anos. Seguira-se a decomposição e o
desmoronamento graduais dos elementos de construção, de escritório
e de arquivo. Talvez as pessoas os tenham desmontado e retirado.
Por todo lado havia montes de pó, sujidade, excrementos de pombos e
manchas estranhas. Pensou que lhe daria jeito ter uma máscara e luvas.
Juntamente com o Futuro Presente, começaram a examinar as caixas
de cartão que se encontravam perto das escadas e que continham
revistas estudantis de várias partes do mundo. Conhecia algumas
delas da escola básica. Não estavam rasgadas. Pelo contrário, estavam
cuidadosamente arquivadas de acordo com os anos e os números em
pastas de cartão. Má qualidade de impressão no interior, má qualidade
das imagens a cores numa capa de papel couché, sobretudo a cor azul,
o seu tom turquesado. Passado Passado fora obrigado a comprar estas
revistas na escola, a maioria delas em russo, mas, se bem se lembrava,
continham também textos em inglês, alemão e talvez também em francês.
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Desde os 11 aos 14 anos utilizara-os na qualidade de aluno da escola
básica nas aulas de russo, lendo os artigos sobre fábricas, descobertas
científicas ou desempenho dos atletas da União Soviética, do Bloco de Leste
e dos países do terceiro mundo. Artigos sobre os êxitos da construção do
socialismo e do comunismo – no seu país e noutros, alguns deles exóticos,
cujos nomes se fundiam nas suas memórias. Mas a caixa continha também
exemplares da Tricontinental, que conhecia através do trabalho de
Mathieu Abonnenc com o título Tricontinental, a graphic survey (2010).
«Nesta peça, em particular, Abonnenc pesquisava a obra da realizadora
francesa Sarah Maldoror, que se dedicou aos movimentos de libertação
na África lusófona das décadas de sessenta e setenta do século XX.
Na Manifesta 8, Abonnenc mostrou o primeiro filme desta cineasta,
Monangambée, produzido na Argélia em 1969. Ao expor materiais
associados e cartazes publicados na revista Tricontinental nos anos de
1960 e 70, ele contextualiza a obra da realizadora nos movimentos
anti-colonialistas e anti-imperialistas da Ásia, África e América do Sul.»4
Passado Passado já não se lembrava exatamente dos títulos das suas
revistas escolares, mas saíam mensalmente em várias mutações com aspeto
muito parecido (provavelmente editadas por uma única editora soviética)
e os seus títulos tinham um tom humanista e sério – Amizade, Paz,
Progresso, Humanidade… Tal como numa das estações do metropolitano
de Estocolmo, que tem a palavra amizade escrita em talvez todas as
línguas do mundo. Atravessaram o piso mais alto que estava dividido
em escritórios individuais mais pequenos, onde podiam imaginar os seus
ocupantes pelos autocolantes que enfeitavam o lado interior das portas das
salas. Os escritórios já tinham sido visitados e revistados várias vezes ao
longo dos anos, e eles não encontraram tesouros até chegarem às últimas
duas divisões ao fundo do corredor, que devem ter servido de armazém
durante a evacuação. Alguém depositara lá todo o material de escritório,
revistas, cartazes e livros provenientes das demais salas. A porta estava
bloqueada do lado de dentro e quase não se conseguia passar. O Futuro
Presente conseguiu entrar com um enorme pontapé, com o qual deitou
abaixo uma montanha de pastas empilhadas atrás da porta. A sala ficara
acessível aos pombos, graças a uma janela entreaberta. Havia anos que se
esgueiravam pela fresta, tendo ficado até hoje, e tudo estava coberto com
camadas de vários centímetros de merda de pombo acumulada durante
anos. Ou, mais exatamente, acumulada desde 1989. Depois de hesitarem
um pouco e ganharem coragem, puseram-se a examinar o arquivo coberto
com a imundície dos pombos. Mergulharam nele, em silêncio, e apenas
comentando de vez em quando alguma descoberta.
147
1
O texto rasgado pode ser o paralelo de uma vida rasgada. Nos períodos de reviravoltas (Revoluções),
as hipérboles ideológicas encontram a sua realização em vida. O que foi sintomático nas revoluções após
a queda do muro de Berlim, foi a impressão de que se tinham realizado em vida tanto as hipérboles sobre
a justiça social, como as hipérboles do mercado livre. Como o tempo mostrou, o que aconteceu neste caso
foi o confundir a fantasia de uma sociedade socialmente justa com uma sociedade democrática. Ou talvez
não tenha sido isso; nessa época só os sociólogos sabiam o que era a sociedade, e essa palavra estava tão
desacreditada pela normalização dos valores, atitudes e ideias que só dificilmente se conseguia utilizar.
Sobre a justiça não se falava muito. Todos tinham a experiência da injustiça e o objetivo principal era
livrarem-se dela. Há períodos em que se fala e escreve, mas quando, depois de um curto tempo de
imaginação social, se realizam, sem preparativos e com interações imprevisíveis, os medos e as fantasias
(quem consegue prever revoluções ou mudanças sociais revolucionárias?). Uma reviravolta separa a
natureza do que foi daquilo que é e será e, como parece, aquilo de que falamos com tanta frequência,
o comunismo, a revolução e também a transformação pós-comunista, não existiram nem existem,
Comunismo
Revolução
Transformação
(pós-comunista)
Comunismo
Comunismo
comunista
Revolução
comunista
Transformação (póscomunista) comunista
Revolução
Comunismo
revolucionário
Revolução
revolucionária
Transformação (póscomunista) revolucionária
Transformação
(pós-comunista)
Comunismo da
Transformação
(Pós-comunista)
Revolução da
Transformação
(Pós-comunista)
Transformação
(pós-comunista) da
Transformação
(pós-comunista)
ou melhor, existem isoladamente como palavras e ideias. Mas, na vida encontramo-las apenas em
interações dialéticas. A retórica (numa antítese do conhecimento e experiência) abriu uma brecha que
tornou impossível entender a vida no período do socialismo real (conhecido como comunismo),
a experiência da «revolução de veludo» e a transformação em direção ao capitalismo tardio de uma forma
não contaminada ou unificada. Esquizofrenia. Como se aqueles que passaram por estes períodos tivessem
três identidades e histórias. Como se essas três experiências, imaginações e fantasias, que os estimularam
e também abateram, se tivessem condensado precisamente nas fissuras entre elas. As organizações
governamentais autoritárias definiam-se como estruturas ideológicas e aplicavam uma retórica ideológica
ao quotidiano da nação. Por isso, parecia, àqueles que queriam fugir do regime autoritário, que o primeiro
imperativo seria fugir da ideologia e, fora de uma ideologia social e política, regressar às bases, essências
ou ordens superiores – existenciais, humanistas e, para alguns, «-teístas», místicas... a um espaço onde nem
o ego nem a comunidade estivessem subordinados às regras derivadas do contrato social. O materialismo
empírico e científico, em conjunto com a biologia evolutiva, apoiavam casuisticamente a política e vice-versa.
No tempo dos estados autoritários da revolução comunista, acreditávamos que a fuga para um mundo
apolítico fora destas regras era necessária e possível. A re-politização da experiência, a re-politização
do passado passado e do passado presente é uma operação «ex-post» (de controlo sucessivo), na qual
uma geração que aprende com a transformação está a ser construída pelo presente atual – a expansão
do capitalismo global que atravessa mais uma crise. Os textos não precisam de manter a unidade do
pensamento ou a unidade do género, porque também a vida está rasgada. O impasse dos anos de 1980,
a euforia revolucionária, a aparição do liberalismo intelectual, a possibilidade de ressuscitação do
«socialismo com a face humana» – a esperança do ano de 1968, que foi reprimida pela intervenção militar
soviética, a «normalização» do capitalismo pós-industrial acompanhada pelo regresso à ideia alternativa –
a ideia de comunismo. Ou apenas ao socialismo. Experiência rasgada. Reflexão rasgada. Reflexão rasgada
da experiência e também experiência rasgada da reflexão.
Crítica daquilo que pensava. Crítica daquilo que experienciava. Crítica daquilo que sonhava. Crítica daquilo
que pensava o Grande Segundo. Crítica daquilo que pensavam os outros.
148
2
Os conceitos Primeiro (o Ocidente), Segundo (o Leste) e Terceiro (o resto do mundo) mundos, utilizados
pelos autores pós-coloniais, são aqui entendidos por Primeiro (o Leste), Segundo (o Ocidente) e Terceiro
(o resto do mundo).
3
Panelstory aneb Jak se rodí sídli š tė (Panelstory. O Nascimento de uma Comunidade), 1979.
Dirigido por Vė ra Chytilová.
4
Texto disponível no website da Manifesta 8 (2010), consultado em dezembro de 2013:
http://www.manifesta8.com/manifesta8.artist?nombre=&codigo=103.
VÍT HAVRÁNEK
Memories of a Past Future 1
VISIT
The visit had been scheduled for tomorrow, at two o’clock in the
afternoon. They had been told they should bring gloves but because
Mr. Present Present had come straight from work, he had had to hurry
and didn’t know exactly where he was going, and forgot his gloves
because his head was full of things to do with the office. As it turned
out later, the building had three floors, or three units – the entrance
(a former casino), the areas where the festival had taken place, and
former offices. A bar was operating provisionally on the first floor.
He and Present Future were waiting for the caretaker. So they had a coffee.
The coffee wasn’t up to much, the bar was only provisionally equipped,
and the coffee was only an excuse for having a cigarette.
The caretaker arrived, as jolly and reassuring as ever. It’s probably
inappropriate to say that someone is soothing – it’s a quality we usually
ascribe to plant extracts or pills – but even a mix of some human qualities,
physique, and the muscle tone setting parts of the human frame in motion
can have it. The three of them talked for a while, possibly consumed their
dose of soothing extract, and then Present Present, who always had enough
work with the organization of the festival, took them straight upstairs.
149
The International Union of Students (IUS) building in Prague belonged
to the 1970’s, from within you could sense its particular degree of splendour
deviating from the pure Brutalism of the seventies of its origin. Concrete.
Ceramic tiling and various kinds of high-quality stone and industrial
materials – stainless steel sheeting and glass. Today, in the time of the
post-Communist transformation of communism, the cultivated brutalism
of the seventies was fashionable again, and again comprehensible.
It no longer made a brutal impression, but a natural one. The only way
in which it exceeded what is, to today’s sensibilities, natural, was the use
of the industrial “precious” elements of made-to-measure balustrades of
iron and stainless steel, pseudo-wooden trim with metal elements and handles.
“Why is it that this building and similar Socialist buildings of the
1970s look good again?” asked Past Future. “Not only good, but trendy –
well, not only trendy, but in particular, comprehensible as it were in
their meaning, in the symbolism of why they were built like this –
I mean, designed?” “This isn’t actually to do with buildings, although
they can be manifestations of the universal style, but rather a real
alternative created by these organizations through specific work in
Algiers, Mozambique and Chile.”
And yet, Past Past mused to himself, they were monitored and
controlled by Soviet KGB agents. But he didn’t want to argue at the
outset, so he said nothing. Not until the current post-Communist
transformational perspective uncovered the capacity of the IUS to offer
and to support alternatives to capitalism in the third world. Just as not
until today can we say that the Socialist brutalism project succeeded.
Just as if it was destined to be identified with it only in the future,
Past Future said to himself. However, Communism had not embraced an
alternative view of itself from the future perspective of a post-Communist
transformation – that would have been a threat. Losing the battle for the
future would have meant the victory of counter-revolutionary elements.
The rhetoric of permanent revolution and counter-revolution was
maintained into the period of “normalized” anaesthesia. The elements on
the building which worked well were those with an aura of being natural
or having formed on the spot. The exposed concrete. The stone staircases
and stone cladding… those that did not work well had formed elsewhere
or were made of metal. One can make a comparison here with the
building of the Slovak Radio in Bratislava, an inverted pyramid of metal,
glass and concrete, and many other more or less interesting buildings in
the Slovak capital.
Present Present lived in Prague. He saw the city as a necessity from
which he should detach himself. Here, unlike Bratislava, there had not
been very many such constructions. In Prague, the will and the need
150
for modernization had been hampered by historical sentiments, by the
intense presence of Baroque architecture in the city. It is strange that in
the former Czechoslovakia, after the first short-lived Soviet wave of
neo-classicism, Socialist architecture tacitly connected up with the
pre-war avant-garde language of functionalism.
Architects and planners simplified building procedures and basic
construction elements to enable them to fit into the programme of centrally
controlled production of building materials. The outcome was vast
new estates made up of long prefabricated housing blocks. Paneláky,
or “panel homes”. Social housing made from panel units put together onsite.
The panel homes in which Past Past had spent the first two years
of his life thus really did fulfil the ideological programme of
Communist communism – machines for living in, for (almost) everyone.
151
And although pre-war modernism had, in its designs, been based on
complex analyses of people’s motivations and needs, it had also been
based on an assumption about a new community spirit. The designs
counted on the new community spirit coming about through a revolutionary
transformation of society. Revolution means demolition, the destruction
of the old. There is no time to build during a revolution; that is the
moment we demolish in the name of a new future. The Communist
revolution demolished capitalism – the class system, the system of the
accumulation of capital and production. And when this progressive
change occurred, the new architecture had to be in harmony, had to
be perfect symbioses of form and social function. From his memories,
subjected to transformation like his shoes with soft soles but several
scratches on the light leather material already calloused, Present Past
had the impression that it had not reached a perfect symbiosis – the users’
approval was still waiting for “modernization of the infrastructure”:
central heating, an unlimited supply of hot water, gas… that is, whatever
pre-war functionalism called a machine for living in; but it was only
exceptionally that the lived forms of state collectivism, authoritatively
constructed did not come into conflict with the architects’ dreamy imaginings.
The possibility of symbiosis was theoretical. Practice tore it asunder
before it could start.
Present Future, with whom he now climbed the stairs, was the promise
of a new, post-communist community spirit. He was also the promise of a
future future. Like Carla Filipe in her work, he activated the Communism
of the (post-Communist) transformation. His artistic work grew out of
opposition, out of shared questioning. And even though he himself was a
strong personality, it was as though this strength should not be seen in his work,
152
perhaps he considered it spectacular, and carried out his work on the
ground plan of the new community spirit which in one place branched out
and in another polished up the edges of ideas and forms. Carla Filipe’s work,
on the other hand, activates the specific historic pattern of collectivism and
Communism at the time of the (post-Communist) transformation of
the revolution. The generally shared feeling is that we are standing at
a crossroads – exhausted by failures, but the only thing keeping us alive
is the idea, the desire for the improvement, not only cosmetic but radical,
of the prevailing state of the world.
What returned over and over again to Present Past during such
reflection was the conflict between the officialised, managed and
de facto dysfunctional community spirit of the past and the need for
a contemporary community spirit finding its predecessors among
the fathers and founders of the Left. It was a generational trauma,
not a personal one. His torn life experience began to arise in the period
of what was called normalization. “Normalization” was the official
term used in the document by the Communist Party of Czechoslovakia,
Lessons from the Crisis Development (1970). A document which settled
accounts and condemned the year 1968. The document declared that
“(...) a commitment to achieve the normalization of conditions in our
country on the basis of Marxism-Leninism, to restore the leading role
of the party and the authority of the state power of the working class,
to eliminate counter-revolutionary organizations from political life and
to reinforce the severed international ties of the Czechoslovak Socialist
Republic with the Soviet Union and other Socialist allies.”
Present Past was a child of the era of Normalization; of the period
when the state system phased out the reform movement “Socialism with
a human face” of 1967-1969 (which it labelled “counter-revolutionary”)
and when no one any longer believed that communism could in the
future be achieved in the country. During Normalization not even
the active members of the ruling party, let alone the silent majority
of citizens, those in the grey zone, or the opponents of the regime,
believed that Communism had any part to play in the future of the
country. And the International Students’ Union ideally embodied this
schizophrenic normalization practice – the resplendent building – a shell –
proclaiming the struggle against imperialism, colonialism and racism,
the struggle for peace, international security and cooperation between
nations, the struggle for national and social freedom, for reform and the
democratization of education. It was however, except for official reports,
a building he associated with fear. It was a building inaccessible during
Communism, inaccessible also because he would never have known why
he should enter it. It was probably an agency of the KGB, from whose
153
entrails agents operated, eavesdropped, from which they ran an espionage
network in the Third World. That was probably what people thought about
this building in the 1980s. The last director of the IUS was Miroslav Štěpán,
a brash young apparatchik. Past Future remembered him from the revolution
as the leader of the People’s Militia, which intervened against the students.
And now, thanks to the caretaker, he’s walking through it. But anyone
at all could come in as, thanks to the festival, the building was open.
The IUS proclamation makes sense to Present Present up to today.
In a time of cynical political repression of utopias and system alternatives.
Just as an individual needs an assurance of the basic necessities of life in
the future (which the welfare state provides for him, unlike the capitalist
economy as a whole), society needs a horizon of conciliation, meaning and
betterment, to prevent it sinking into madness.
What distanced and amputated the Communist revolution from itself,
from its own future, was the fatal fear of the potential of critical thought
when applied to itself (to Communist society). Enlightened criticism
was renamed revisionism. The regime’s elite and the apparatus of power
perceived it as the biggest enemy – because internal. Permanent revolution,
the struggle against counter-revolutionary elements, the fight against the
internal enemy. The castration anxiety of an authoritarian regime.
In a simplified way it is explained by power reasons, but ideologically the
admission of cracks in the perfectly perspective and self-fulfilling idea
of Communist Communism would have destroyed its future historical
fruition. What Communism suppressed was The Second, and The Third
was used to fortify itself or in the struggle against The Second.2 It drew
its identity from itself alone, from its own ideology, its own fruition.
The Soviet authoritative model used binary opposition to the West in
a strictly negative demonizing sense, when a critical look at its own
ideological foundations, history and practice had to be uncontaminated
by the Other (the West). For Communism, the area of the “Third World”
was the area of the real dialectic of ideas and forms of authority which
(with the exception of Tito’s Yugoslavia, etc.) it could not risk on its
own territory. The binary negation of capitalism and American Imperialism
could go hand in hand with an emancipation movement going outside
the context of Soviet Imperial colonialism.
Similarly, neo-Marxism, the school of critical theory and the whole
development of neo- and post-Marxist thinking – the dialectic dynamic
– could (with a few bright exceptions) live and develop “in the West”,
outside the state influence of “the East” and in critical opposition to
the “West’s own” system. For the ideologues and the inhabitants of the
lands of real socialism, communism was a (rhetorical) goal, it was the
future to which real socialism was the historical precursor, a transitional
154
phase in which society never achieved its fruition. However, no one in
the seventies or eighties was frustrated by this non-fruition. Nor was he
himself, Past Past, although he had not actually thought much about it.
No one took the proclamative ambition seriously because, in the reality
of everyday life, the state apparatus never did fulfil the majority of the
proclamations it ostentatiously announced. “Communism has never
been“. But the building of the IUS in Prague had not been put together
from panels, was not spartan in its simplicity, like the paneláky. It still
looked spectacular – it had pomp, which to some extent appealed to him
as an active bureaucrat – it furnished its status with an importance and
a social ostentation replicated today by the ambitious raised fingers of
high-rise blocks in international metropolises.
When we think over the communism’s past future it is entirely
appropriate to ask why the leaders and proponents of the regimes did
not establish a definite plan: How and when were they going to achieve
communism? They set annual and five-year economic plans, but these
postulated economic tasks for a centrally directed economy, not social
plans leading to the realization of communism. He hasn’t heard whether
today’s historians have found out if an actual plan for the realization
of Communism existed somewhere. And what would this plan, or these
plans, look like?
Present Past was attracted by the exposed concrete frequently used
in the building. The construction processes of machines for living in,
partially present in the building in the form of prefabricated elements,
can be found in non-Communist Western countries as well. But there,
the iconography of the same construction has a very simple economic
postulate: housing of this sort is built for people in need, or the very
poor, because it is the cheapest system of building and thus intended
for those who lack the means to make “individual” housing choices
for themselves based on the satisfying consumption of symbolic
contents. The French HLM (Habitation à loyer modéré) and the Czech
panelák look virtually the same. In Real Socialism the unification of the
necessities of the subject’s life was perceived critically as an example
of the standardization of society as a whole, and the normalization
of personal ideas of identity (for example, in the film Panelstory).3
In Socialist France, on the other hand, it represented social progress on
the path to the collective “self”.
The authentic countenance of the seventies’ building whose stairs
they were climbing was the ubiquitous layer of mirror. Mirrors were
maybe on every pillar and wall – walls actually being at a minimum in
the building – and several mirror balls hung from the ceiling of a room
with a circular bar. Mirrors tear our thoughts.
155
They focus our attention on the external gestalt, the imago – the torn-up
image of ourselves destined to self-identification and directly antithetical
to the processes of thought. Original materials as it were capture and
absorb our gaze, we can easily identify with concrete (firmness cast into
preordained forms), stone, wood… In contrast, mirrors return us to an
identification with an image of ourselves in an alien space. Three people
in this space were enough. It crossed Present Past´s mind that Present
Future and the caretaker looked like actors onstage. They were images
of three individuals moving of their own volition, but without any plan,
in an eternally reflecting landscape of objects and mirrors where even the
bodies of familiar people look like electrons moving according to a law
no one knows.
In the nineties there was a casino on the first two floors of the
building, no one knows what it was called, but its sign was a green
palm on a gold background. International Union of Students, casino,
arts festival. What next? We have glimpsed the surface of Communism
in the mirrors set up by the capitalist casino; only, does capitalism offer
Communism an adequate mirror for self-identification?
Lotteries did exist under communism, I remember what the lottery
tickets looked like – they were brownish-green, large, numbered with
a very restrained, classical, Socialist Realist design, and looked like
banknotes. But the lotteries were not as seductive as they became under
capitalism when money is the ultimate promise, in a world where
immortality is not yet on offer. Money is a gate to satisfaction,
an antechamber, a prologue, a sine qua non of human happiness.
Under Communism it had a certain worth, but in comparison with
capitalism there was nothing to buy with it. Only more of the same –
whatever was available. There was no stimulating pile of things all with
the same function but each looking different and through this diversity
offering to satisfy “individual needs” – it was thought, on the whole
logically, that one product was sufficient to satisfy one need. The upper
floors of the building for which they were heading had been accessible by
the main staircase, now because of the exhibition closed off by a simple
plasterboard wall. In the middle of the wall was a cheap paper door
to which the caretaker had the key, and which she opened for us.
Broken glass lay on the stairs, torn-up papers, torn-up files.
In comparison with the preceding floor, there was a marked difference in
the state of the building. It was clear that in the nineties the casino had
come no further and the floors we had entered had been abandoned in
haste a relatively long time ago. Maybe at the beginning of the nineties.
Everywhere among the pillars were masses of scattered pieces of office
furniture, cardboard cartons, bits of furnishings.
156
«Regardless of the social system of the country in which they live,
regardless of the different political or religious streams to which they belong,
progressive youth of the whole world subscribe to clear political aims:
· to the fight against imperialism, colonialism and racism;
· to the fight for peace, international security and cooperation between nations;
· to the fight for national and social freedom, for the reform and
democratization of education.
For anti-imperialist solidarity, for peace and friendship!
The International Union of Students – a leading force in world progress
A hundred national student unions from every quarter of the globe
operate today in the ranks of the IUS, which has its permanent seat in
Prague and to the head of which a representative of Czechoslovakia is
traditionally elected. Through the years of its operation it has become
a recognized international power and relies on the cooperation of such
important organizations as the UN, UNESCO, WFDY, WPC, SFDW, TUF
and many others in its activities. For more than three centuries it has
replenished a programme based on four main principles:
1. Students are part of their people.
2. They achieve the fulfilment of their requirements only in the context
of a front striving for peace and the advancement of mankind.
3. International understanding is conditional on the liberation of
nations from Fascism, colonialism and imperialism.
4. Science and education should be democratized, serving:
· the fight against imperialism, colonialism and racism;
· the fight for peace, international security and cooperation between nations;
· the fight for national and social freedom, reform and democratic education.
For anti-imperialist solidarity, for peace and friendship!»
157
It was a sheaf of seventies propaganda materials reproduced by
some early photocopy technology – A5 sized cards of photographic
paper fastened by sticky tape. As though no one had ever moved out
of the office, which had gradually disintegrated under the slow but
stable onslaught of time and the flocks of pigeons which for more than
a decade had become lords of this ideologically concentrated space
in the middle of the city. A gradual disintegration and decay of the
constituents of the building, the office and the archive had followed.
Maybe people had dismantled them and taken them away. Everywhere
a lot of dust, dirt, pigeon droppings and strange stains. It was now clear
to him why masks and gloves were needed. First, with Present Future,
he began to go through the cardboard cartons lying near the staircase
which held student magazines from different parts of the world,
some of which he knew from primary school. They had not been torn up;
on the contrary, they were carefully archived in cardboard files according
to year and number. The inside pages were badly printed in black and white,
the pictures on the glossy covers badly printed in colour, especially blue,
a turquoise shade of blue. Past Past had been forced to buy these magazines
in school, most of them were in Russian but if he remembered correctly
they included texts in English and German and maybe even French.
As a pupil at primary school from the age of eleven to fourteen he used
the Russian lessons to read articles about factories, scientific discoveries
and sporting achievements in the Soviet Union, the East bloc and the
countries of the Third World. They were articles about successes in the
building of Socialism and Communism – at home and in other lands,
even exotic ones whose names had merged together in his memory.
Also in the box were copies of Tricontinental, which he knew from
Mathieu Abonnenc’s project Tricontinental, A Graphic Survey.
“In this particular work Abonnenc was researching the work of the
French-born film director Sarah Maldoror, who devoted herself to
the liberation movements in Lusophone Africa in the 1960s and 1970s.
At Manifesta 8, Abonnenc presented her first film, Monangambée,
produced in Algeria in 1969. By exhibiting associated material and
posters published as part of Tricontinental magazine in the 1960s
and 1970s, her work is placed within the context of the anti-colonial
and anti-imperialist movements in Asia, Africa and South America.” 4
He no longer remembered the exact titles of his school magazines,
but they came out monthly in several mutations closely resembling
each other (probably published by one Soviet publishing house) and
their titles had a Humanist and serious ring to them – Friendship, Peace,
Progress, Humanity… Just like one of the metro stations in Stockholm where
the word “friendship” is written in every possible language of the world.
158
They thus made their way to the top floor which was divided
into smaller individual offices where he could visualize their occupants
from the stickers adorning the inside of the door of their office cells.
The offices had been visited and searched several times over and they
found no treasures until they reached the last two rooms at the end
of the corridor which had maybe served as storerooms. Someone had
dumped all the office materials, magazines, posters and books from the
other cells in there. The doors were blocked from inside; it was almost
impossible to open them. Present Future got inside with one big kick
that succeeded in knocking over a pile of files stacked behind the door.
The room, however, had been accessible to the pigeons via the half-open
window. They had squeezed through the narrow gap years ago and
remained there to this day, together with layers of pigeon shit accumulated
over the years to a thickness of several centimetres. To be precise,
accumulated since 1989. After a short delay spent plucking up their
courage, they embarked on a tour of the pigeon-defiled archive.
They plunged into it without speaking, just now and then commenting
on some discovery.
159
1
A torn-up text can be parallel to a torn-up life. In times of reversals (revolutions), ideological hyperboles
achieve their life fruition; characteristic of the revolution after the Fall of the Berlin Wall was the impression
that hyperboles about a socially just society and hyperboles of the free market both ran out of fulfilment.
As time has shown, in this case it was the substitution of a fantasy about a democratic society for a fantasy
about a socially just society. Actually, it was probably not even that, at that time only sociologists knew what
society was, and the word was so discredited by the normalization of values, attitudes and ideas that it was
difficult to use. Not much was said about justice. Everyone had experienced injustice, and their main aim
was to get rid of it. There are times when things are spoken and written but when, after a short time of
social imagination, are fears and fantasy without preparations and in unforeseeable interactions realized
(who knows how to foresee a revolution or revolutionary social changes)? One reversal can divide the nature
of what was from what is and what will be, and it seems that the things we talk about so often – communism,
the revolution and the Post-Communist transformation – did not, and do not, exist,
Communism
Revolution
(Post-Communist)
transformation
Communism
Communist
Communism
Communist
Revolution
Communist (PostCommunist) transformation
Revolution
Revolutionary
Communism
Revolutionary
Revolution
Revolutionary (PostCommunist) transformation
(Post-Communist)
transformation
(Post-Communist)
transformation
Communism
(Post-Communist)
transformation
Revolution
(Post-Communist)
transformation
(Post-Communist)
transformations
or rather they exist in isolation only as words and ideas. In life however we come across them only in
dialectical interactions. In rhetoric (thus in stark contrast to knowledge and experience) a gap was defined
which makes it impossible for life under Real Socialism (known as Communism), the experience of the
“Velvet Revolution” and the transformation to late capitalism to be understood as uncontaminated or unified.
Schizophrenia. As though those who lived through these times possessed three life identities and stories.
As though these three experiences, imaginations, fantasies, which both stimulated them and struck them
down, had condensed in the cracks between them. Authoritarian governmental organizations defined
themselves as ideological and applied an ideological rhetoric to the everyday life of the country. It
therefore seemed to those who wanted to flee the authoritarian regime that the first imperative was to flee
ideology, and go beyond socio-political ideology to the “foundations”, “superior essences” or “orders” –
existential, humanist; for some, theist, mystical… – into a space where neither the ego nor the community
are subordinated to rules based on the social contract. Empirical and scientific materialism together with
evolutive biology casuistically supported the policy, and vice versa. During the existence of the authoritarian
states of the Communist revolution we believed that flight into an apolitical world outside these rules was
necessary and possible. And the re-politicization of experience, the re-politicization of the past past and the
present past, is an ex-post operation into which a generation rendered worldly-wise by the transformation is
being built by the current present – the expansion of global capitalism, which is going through another crisis.
Textual formations do not need to maintain a unity of thought, not even a unity of genre, because life itself is
torn apart. The intractability of the 1980s; the revolutionary euphoria; the discovery of intellectual liberalism;
the possibility of the resuscitation of “Socialism with a human face” – the hope of 1968, suppressed by
the Soviet military intervention; the “normalization” of post-industrial capitalism linked with a return to
the alternative idea – the idea of communism. Or only to Socialism. A torn apart experience. A torn apart
reflection. A torn apart reflection of experience and a torn apart experience of reflection.
A critique of what I was thinking. A critique of what I was experiencing. A critique of what I was dreaming.
A critique of what the Great Other was thinking. A critique of what others were thinking.
160
2
The concept of First (Western) Second (Eastern) Third World (rest of the world), which post-colonial authors use,
should be understood here as First (Eastern) Second (Western) Third (rest of the world).
3
Panelstory aneb Jak se rodí sídli š tė , 1979, directed by Vė ra Chytilová.
4
Text available online: http://www.manifesta8.com/manifesta8.artist?nombre=&codigo=103
(consulted on December 2013).
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