UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
FRANCIELI TAÍSA KAMPHORST DE SOUZA
O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL:
Considerações a partir do Anteprojeto de reforma ao Código Penal Brasileiro
Ijuí (RS)
2013
FRANCIELI TAÍSA KAMPHORST DE SOUZA
O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO ÂMBITO DO DIREITO PENAL:
Considerações a partir do Anteprojeto de reforma ao Código Penal Brasileiro
Trabalho de Conclusão do Curso de
Graduação em Direito objetivando a
aprovação no componente curricular Trabalho
de Curso - TC.
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e
Sociais.
Orientadora: MSc. Ester Eliana Hauser
Ijuí (RS)
2013
2
Dedico este trabalho a meu esposo e filhos que
me auxiliaram e ampararam durante estes
anos da minha caminhada acadêmica,
suportando os pesares deste trilhar... E à
noninha querida que sempre me apóia,
incentiva e ampara...
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, acima de tudo, pela
vida e oportunidade de trilhar este caminho, e
pelas pessoas maravilhosas que colocou em
minha vida. Agradeço à minha noninha
querida (Geni), por me orientar em minha
vida, a meu pai e colega, Luis Fernando, pelo
apoio e incentivo, e principalmente ao meu
amado esposo Jean, pela compreensão e
auxílio em todas as horas, suportando todas as
dificuldades. E aos meus filhos, Nícolas e Luiz
Gabriel, por ser a razão de minha existência e
ter convivido com a falta da mãe em alguns
momentos.
A minha orientadora, Prof. Ester, pela
sua dedicação, paciência e disponibilidade,
servindo como exemplo.
A todos que colaboraram de uma maneira
ou outra durante a trajetória de construção
deste trabalho, meus sinceros agradecimentos!
4
No reino dos fins, tudo tem um preço ou
uma dignidade. Quando uma coisa tem um
preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra
como equivalente; mas quando uma coisa está
acima de todo o preço, e, portanto, não
permite equivalente, então ela tem dignidade.
Immanuel Kant
5
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do princípio da
proporcionalidade enquanto princípio estruturante do Estado Democrático de Direito, e de seu
impacto no âmbito do Direito Penal, buscando avaliar em que medida referido princípio vem
sendo respeitado no âmbito das normas penais brasileiras vigentes e como vem contemplado
no anteprojeto de reforma ao Código Penal que tramita no Congresso Nacional brasileiro desde
o ano de 2012. Para tanto, propõe uma análise da evolução do Estado Contemporâneo, em
todas as suas formas, até o Estado Democrático de Direito, analisando a importância das
Constituições contemporâneas, especialmente a brasileira, bem como a política criminal nela
adotada e a influência desta no Direito Penal, tecendo uma crítica à legislação penal pátria no
que tange ao desrespeito aos imperativos constitucionais. Conceitua as diferenças entre
princípios e normas, e referencia a importância do princípio da proporcionalidade para o
Direito Penal, discutindo brevemente as incoerências endonormativas em nosso sistema
punitivo, elencando alguns casos de evidente desproporcionalidade. Nessa perspectiva, tece
algumas considerações a respeito da necessidade de mudanças em nosso sistema penal
brasileiro, apresenta algumas das mais importantes alterações pretendidas pelo Anteprojeto de
Reforma ao Código Penal, analisando a incidência do principio da proporcionalidade neste,
que pretende modernizar a legislação penal e adequá-la aos mandamentos constitucionais, em
harmonia com o Estado Democrático de Direito, fundado na dignidade da pessoa humana.
Palavras-Chave: Estado. Direito Penal. Princípio da Proporcionalidade. Anteprojeto de
Reforma ao Código Penal.
6
ABSTRACT
The present research monograph analyzes the principle of proportionality as a guiding
principle of the democratic rule of law, and its impact in the context of criminal law, seeking
to assess the extent to which this principle has been respected in the criminal law generally
prevailing and as is contemplated in the draft reform the Criminal Code to the National
Congress of Brazil since the year 2012. We propose an analysis of the evolution of the
Contemporary State, in all its forms, to the democratic rule of law, analyzing the importance
of contemporary constitutions, especially the Brazilian, as well as the criminal policy it
adopted and influence in the Criminal Law, weaving a critique of the criminal law with
respect to homeland disrespect to constitutional imperatives. Conceptualizes the differences
between principles and standards, and reference the importance of the principle of
proportionality in criminal law, briefly discussing inside the law inconsistencies in our
punitive system, listing some cases of apparent disproportionality. In this perspective,
presents some considerations about the need for changes in our criminal justice system,
presents some of the major changes sought by the Draft Reform of the Penal Code, and the
incidence of this principle of proportionality, which seeks to modernize criminal law and
tailor it to constitutional commandments, in harmony with the democratic rule of law,
founded on human dignity.
Keywords: State. Criminal Law. Principle of Proportionality. Draft Reform of the
Penal Code.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 08
1. O CONTROLE PUNITIVO NOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS DE DIREITO .......... 11
1.1 A evolução histórica do Estado de Direito ......................................................................... 12
1.2 A função punitiva no Estado Democrático de Direito e os princípios limitadores da
intervenção penal ........................................................................................................................ 20
1.3 A política criminal minimalista e garantista na Constituição Brasileira de 1988 .......... 24
2. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PENAL ........................... 31
2.1 Os sentidos da proporcionalidade e sua aplicação no âmbito do Direito Penal ............. 33
2.2 Análise da proporcionalidade das penas no código penal brasileiro ............................... 37
2.2.1 A tutela penal da propriedade X tutela da pessoa humana............................................... 41
2.2.2 A proteção penal à dignidade sexual ................................................................................. 46
2.2.3 A criminalização dos crimes de perigo abstrato ................................................................ 47
2.3 A aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito da jurisprudência ............... 51
3. O ANTEPROJETO DE REFORMAS AO CÓDIGO PENAL E CONSOLIDAÇÃO
DA PROPORCIONALIDADE COMO PRINCÍPIO PENAL ............................................... 55
3.1 Os objetivos e os princípios norteadores da proposta de reforma ao CP ........................ 58
3.2 A nova estrutura do Código Penal, conforme a proposta do PL Nº 236/2012 ................ 62
3.3 As principais inovações propostas ...................................................................................... 66
3.4 A incidência do princípio da proporcionalidade no anteprojeto de reforma do CP:
considerações críticas ................................................................................................................. 77
CONCLUSÃO............................................................................................................................. 83
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 85
8
INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta um estudo sobre o princípio da proporcionalidade,
avaliando sua importância no âmbito do Direito Penal. Por tratar-se de um princípio
estruturante do Estado Brasileiro, consagrado de forma implícita na Constituição Federal de
1988, busca-se analisar os evidentes desrespeitos a este princípio na atual legislação penal
pátria e sua incidência junto ao Anteprojeto de Reforma ao Código Penal, que tramita no
Senado Federal desde junho de 2012.
O Princípio da Proporcionalidade constitui-se uma importante ferramenta limitadora
do poder punitivo do Estado, representando, em conjunto com os demais princípios penais e
processuais penais, uma garantia individual face ao poder de penar estatal. O surgimento deste
importante Princípio está ligado à construção dos direitos individuais e principalmente ao
surgimento do Estado Democrático de Direito.
Mesmo
não
estando
expresso
na
Constituição
Federal,
o
Princípio
da
Proporcionalidade constitui-se em um dos norteadores da política criminal adotada pelo poder
Constituinte de 1988, qual seja, a política minimalista, defendida por doutrinadores como
Ferrajoli e Baratta, que prevê mínima intervenção Estatal através do seu poder punitivo,
estabelecendo uma política restaurativa. O princípio da Proporcionalidade, no âmbito do
direito penal, está ligado ao estabelecimento de uma relação de proporção entre os crimes e as
penas cominadas, no sentido de que os crimes mais graves devem ser punidos mais
severamente, estabelecendo prioridades na tutela jurisdicional de proteção Estatal.
9
Nesta perspectiva busca, avaliar se a legislação penal está adequada ao Princípio da
Proporcionalidade previsto na Constituição Federal de 1988 e se o Anteprojeto de Reformas
ao Código penal apresenta avanços neste sentido.
Para a realização do trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio
eletrônico, analisando também a proposta de Reforma ao Código Penal (CP), através do
Anteprojeto de Lei do Senado nº 236/2012, ainda em andamento, a fim de realizar uma
análise da incidência do princípio da proporcionalidade na atual legislação penal e no Projeto
de Reforma ao CP, com base no Relatório final da Comissão responsável por sua elaboração.
Entre os objetivos identificáveis encontra-se o de demonstrar a necessidade de
adequação da legislação penal ao texto Constitucional, principalmente no que diz respeito ao
Princípio da Proporcionalidade, analisando se o Projeto de alteração do Código Penal,
apresentado na Câmara do Senado Federal se insere na realidade almejada para um Estado
Democrático de Direito.
A pesquisa pretende analisar a importância do Princípio da Proporcionalidade dentro
do contexto constitucional no Estado Democrático de Direito e sua aplicação no âmbito do
Direito Penal. Para tanto, perpassa a evolução histórica do Estado, até o Estado Democrático
de Direito, voltado para o bem social, se valendo da intervenção penal limitada para
proporcionar uma vida digna a seus cidadãos.
Analisa também a necessidade de alterações na legislação penal vigente e quanto o
Anteprojeto de reformas ao Código Penal Brasileiro traz de evolução ao considerar a
proporcionalidade dos tipos e penas cominadas.
Inicialmente, no primeiro capítulo, foi realizado um estudo acerca da evolução do
Estado, desde o Estado Soberano, passando pelo Estado liberal e o Estado de bem-estar social
até o Estado Democrático de Direito, fazendo uma análise sobre o constitucionalismo e a
política criminal adotada em nossa Constituição Federal de 1988, que tem cunho minimalista,
fazendo uma breve justificação deste modelo e suas implicações junto ao Direito Penal.
No segundo capítulo analisam-se, mais detidamente, os conceitos de princípios e
normas, apresentando-se os sentidos do princípio da proporcionalidade e sua relação com o
10
fundamento da dignidade da pessoa humana, sua aplicabilidade ao direito penal, através do
constitucionalismo penal e apontamentos quanto ao desrespeito a este princípio na atual
legislação sancionatória. E ainda, propõe-se uma análise da aplicação do princípio da
proporcionalidade junto à jurisprudência pátria.
Por fim, no terceiro capítulo, são apresentadas as alterações propostas pelo
Anteprojeto de Lei nº 236/2012, propondo-se uma análise sobre a necessária adequação da
legislação penal ao princípio da proporcionalidade. Neste momento são apresentados os
objetivos e pressupostos orientadores utilizados pela Comissão responsável pela elaboração
da proposta de alteração do Código Penal, bem como as principais alterações sugeridas e a
incidência do princípio da proporcionalidade junto ao Anteprojeto de Lei.
A partir desse estudo se verifica que o princípio da proporcionalidade é intrínseco ao
Estado Democrático de Direito e apresenta-se como essencial para efetivação dos direitos e
garantias fundamentais elencados no texto Constitucional, pois se relaciona ao fundamento da
dignidade da pessoa humana, e assim, não é concebível que seja ignorado pela normativa
penal, pois é um pressuposto basilar para adequação da legislação sancionatória, seguindo-se
os critérios da necessidade, idoneidade e proporcionalidade em sentido estrito, mantendo
dupla função, a da proibição do excesso e a da proibição da proteção deficiente, importantes
imperativos ditados pela Constituição.
11
1. O CONTROLE PUNITIVO NOS ESTADOS DEMOCRÁTICOS DE DIREITO
Desde o surgimento da vida em sociedade houve problemas relacionados à
conflitividade em cada comunidade, pois transgredir é inerente ao ser humano. As formas de
resolução dos conflitos, como consequência destas condutas, e o pré-estabelecimento delas é
que foram evoluindo com a sociedade.
Na Antiguidade, valia-se da Lei de Talião para a resolução dos conflitos, “olho por
olho, dente por dente”, uma jurisdição autoaplicativa, sem existência do devido processo legal
e de direitos ou garantias individuais. Até mesmo porque o homem ainda não era visto como
um ser dotado de direitos, mas de obrigações apenas.
Com o surgimento das sociedades pré-modernas, o poder de punir passou a
concentrar-se nas mãos de apenas um responsável, o Soberano, considerado representante da
entidade divina, a qual ninguém contestava. Com um fundamento teológico, este não tinha
limites para punir e, desta forma, não raramente eram cometidos excessos e injustiças.
Justificada pela teoria da pré-destinação divina, o homem não tinha o direito de se insurgir
contra seu destino, devendo obediência plena ao Soberano, que concentrava todas as esferas
de poder, e era o responsável pela organização da sociedade, e pela aplicação das penas,
quando e como julgasse necessário.
Apenas com o surgimento do Estado como ente político, é que se passou a conceber
uma jurisdição imparcial, tendo este exclusividade quanto ao poder punitivo, e fundado nas
limitações legais. A forma como é exercido este poder passou por inúmeras transformações
históricas, coerentes com as formas estatais vivenciadas. Pode-se considerar, então, que o
Direito Penal é produto das sociedades modernas, quando também se passou a conceber a
individualidade do ser humano, garantindo-lhe direitos.
Com o advento das constituições contemporâneas, que se constituíram como
referencial da organização estatal se obteve a formalização e instrumentalização dos direitos e
garantias individuais, limitando, assim, o poder punitivo do Estado, através de princípios
elencados no texto constitucional, que servem para sistematizar a ordem jurídica.
12
No Estado Democrático de Direito, o limite ao controle punitivo estatal se dá
principalmente por meio da constitucionalização de direitos e garantias fundamentais, pois o
caráter normativo e formal permite a viabilização do controle efetivo do poder estatal,
alicerçado no respeito aos princípios instituídos, tais como o da legalidade, da igualdade, e da
proporcionalidade. Ressaltando a instrumentalidade do princípio da legalidade, que deve ser
substancial e não apenas formal, acrescentando um caráter vinculativo ao ordenamento
jurídico e evitando interpretações subjetivas por parte dos operadores do direito,
principalmente pelo poder judiciário.
1.1 A evolução histórica do Estado de Direito
Aqui se pretende demonstrar uma breve análise da evolução do Estado
contemporâneo. Para tanto serão apresentadas as concepções organicistas, para as quais o
Estado precede o indivíduo, e o modelo individualista, que preconiza que o indivíduo é que
precede ao Estado, pois este é formado por aqueles. Passando pela visão positiva do Estado no
modelo contratualista, o contrato social, o Estado civil e o Estado moderno, em primeiro com
seu modelo absolutista e depois liberal, o Estado de bem-estar social, e por fim, a concepção
do Estado de Direito e do Estado Democrático de Direito. Foi no decorrer do século XVIII,
que se criaram as condições políticas da emergência dos direitos do homem e de surgimento
do modelo individualista da sociedade, destacando que a conquista de direitos do homem é
uma criação moderna devido à ruptura com a forma originária, de deveres apenas. Como
marcos desta inversão destacam-se as Declarações de Direitos: a de 1776 (Declaração da
Virgínia) e de 1789 (Declaração da França). Para Bedin (1997, p. 21), a partir delas foi
possível a superação do modelo organicista para o individualista através das transformações
econômicas, políticas e teóricas dos séculos XVII e XVIII. Por isso afirmou Bobbio (apud
BEDIN, 1997, p. 24): “toda a história do pensamento político está dominada por uma grande
dicotomia: organicismo (holismo)1 e individualismo (atomismo)2”. Assim, também
reconhecem Streck e Moraes (2010, p. 43), ao registrarem que:
1
Holismo - do grego holos significa inteiro ou todo. O sistema funciona como um todo através de seus
componentes. Também pode ser chamado de modelo aristotélico, pela importância de seu primeiro grande
expoente. Ver Bedin, Gilmar Antônio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí: Unijuí, 1997.
2
Atomismo - deriva do grego átomos, que significa indivisível. Modelo onde se acredita que através das partes
se forma o todo. Nesse sentido, ver Bedin, Gilmar Antônio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí:
Unijuí, 1997.
13
O que se passou a denominar como Estado Moderno é uma dissociação da
autoridade e do indivíduo que a exerce, sendo o Estado a institucionalização
do poder, pois o poder despersonalizado precisa de um titular.
A convicção na igualdade entre os homens pode ser vista como a primeira grande
consequência da afirmação do indivíduo e do modelo individualista, pois a superação do
modelo organicista para o modelo individualista também atinge a forma como os homens são
vistos. No primeiro prevaleceu a convicção de que os homens eram desiguais, como forma de
manutenção da dominação pelo soberano. Enquanto que no modelo individualista o homem
passa a ser detentor de direitos e como tal deve ser visto como igual aos demais, ainda que
não seja a igualdade substancial como atualmente concebida.
Durante o período de vigência do modelo organicista de organização social se entendia
a origem do Estado como natural, a partir da formação de famílias, clãs, comunidades e
cidades. Com a transformação para o modelo individualista, os pensadores políticos da época,
como Locke3, Hobbes4 e Rosseau5, passaram a definir novas teorias sobre a origem do Estado,
uma delas seria a partir de um contrato social tácito, em que cada indivíduo abre mão de uma
parte de sua liberdade individual em prol da comunidade. Sendo o Estado então, um ente
artificial criado pelo consenso dos indivíduos. Bedin (1997, p. 34) destaca que em
consequência do estabelecimento do modelo individualista houve um deslocamento do
fundamento de poder ou de sua legitimidade. Dentre as versões apresentadas há a teológica6,
em que a legitimidade do poder era provinda de Deus, a versão histórica 7 em que o poder só
era legítimo se estabelecido pela tradição e a versão voluntarista8 ou popular, em que o poder
só será legítimo se estabelecido pela vontade soberana dos indivíduos, esta última
compreendida como a versão moderna do fundamento do poder.
A primeira versão do Estado moderno, absolutista, foi construída com base no
fundamento da soberania, concentrando poderes nas mãos de um monarca, personificando o
Estado na figura do rei. Segundo Streck e Morais (2010, p. 45):
3
Locke – via o indivíduo como um ser tendente à paz e dotado de direitos, e sobre ele contruiu uma teoria do
Estado Liberal. (BEDIN, 1997, p. 27).
4
Hobbes – via o homem como um ser egoísta, mesquinho e em constante guerra com os demais indivíduos, a
partir dele arquitetou uma teoria do Estado Absolutista. (BEDIN, 1997, p. 27).
5
Rousseau - via o indivíduo como um ser feliz e integrado ao mundo da natureza, e sobre ele edificou uma teoria
do Estado Democrático. (BEDIN, 1997, p. 27).
6
Ver Bedin, 1997, p. 34. Do fundamento divino ao fundamento popular do poder.
7
Ver Bedin, 1997, p. 35. Do fundamento divino ao fundamento popular do poder.
8
Ver Bedin, 1997, p. 36. Do fundamento divino ao fundamento popular do poder.
14
Tal estratégia absolutista serviu fundamentalmente para, na passagem do
modelo feudal para o moderno, assegurar a unidade territorial dos reinos,
sustentando um dos elementos fundamentais da forma estatal moderna: o
território.
Com a Revolução Francesa, em 1789, foi inaugurada uma nova forma de Estado
Moderno, inspirada pelo pensamento do contratualista Jean Jackes Rosseau. A burguesia
emergente não mais queria concentrar apenas o poder econômico, mas também pretendia
chegar ao poder político, sustentando-o em uma estrutura normativa. Segundo a concepção de
Bobbio (apud STRECK; MORAIS, 2010, p. 56) “[...] o liberalismo é uma doutrina do Estado
limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções.” Na política liberal, o
consentimento tomou o lugar da tradição como forma de legitimidade do poder estatal,
amparado nas teses contratualistas de Hobbes e Locke, principalmente deste último.
Nesta perspectiva, tarefa do Estado estava limitada à manutenção da ordem e
segurança, protegendo as liberdades civis, pessoais e econômicas, no âmbito do mercado
capitalista9. Estava inaugurada, a partir daí, a forma liberal de Estado que trouxe como
consequência o egoísmo e individualismo nas relações econômicas, o que produziu grande
desigualdade social e idéias revolucionárias, e assim, a consequente necessidade de revisão do
papel do Estado no seu contrato social. Segundo a definição de Streck e Morais (2010, p. 56):
O liberalismo significou uma limitação da autoridade, bem como uma
divisão da autoridade, sendo que o governo popular se formula a partir do
sufrágio e da representação restritos a cidadãos prósperos, embora esta
situação tenha se transformado já em fins do séc. XIX, quando a
representação e o sufrágio se universalizam (primeiro com o voto masculino
independente de renda). Com isto há a consolidação das conquistas liberais,
tais como: liberdades, direitos humanos, ordem legal, governo
representativo, legitimação da mobilidade social, etc.
Encontrar uma definição para o Estado Liberal é um tanto complexo, para Bobbio
(apud STRECK; MORAIS, 2010, p. 57), “o liberalismo é uma determinada concepção de
Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao
Estado Absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social.”
Segundo Feldens (2012, p. 21, grifos do autor):
9
Capitalismo – sistema econômico com fins lucrativos, onde os meios de produção são de propriedade privada e
a mão-de-obra operária é vendida ao dono dos meios de produção por um preço certo, buscando maior
produtividade e competitividade, com o fim de produzir mais valia.
15
Limitar, controlar e dividir o poder. Esta é a formulação central da teoria
política liberal na perspectiva de suplantar o regime absolutista (Antigo
Regime), caracterizado pela extrema concentração de poder nas mãos do
monarca. O propósito era evidente: a salvaguarda da liberdade individual,
mediante a proteção dos cidadãos contra o abuso do poder.
Embora sua definição e atuação sejam bastante amplas, pode-se concluir que ao
falarmos em liberalismo estamos nos identificando com a idéia de liberdades/limites e que
possuem como núcleo o indivíduo.
Dentro do amplo conceito de liberalismo, Macridis (apud STECK; MORAIS, 2010, p.
58) aponta três núcleos centrais para a concepção liberal, sendo eles: O núcleo moral, que
contém as afirmações de valores e direitos básicos atribuíveis à natureza do ser humano,
percebendo-se no interior deste núcleo a ocorrência de liberdades pessoais, consistentes nos
direitos que garantem a proteção individual contra o governo; O núcleo político onde estão
presentes os direitos políticos relacionados à representação, tais como: sufrágio, eleições,
opção política, etc.; E ainda, o núcleo econômico, relacionado aos direitos econômicos e de
propriedade, individualismo econômico ou sistema de livre empresa ou capitalismo.
Na passagem para o Estado de bem estar social, ou welfare state, este assume o papel
de garantidor de condições mínimas de existência digna, regulando o mercado, uma vez que
passa a ser o agente financiador, consumidor, sócio e produtor. Este modelo emergiu
definitivamente após as crises econômicas do início do século XX, e principalmente, com o
advento da Primeira Guerra Mundial10, em razão da necessidade de intervenção estatal na
produção e consumo. Caracteriza-se como um modelo que garante tipos mínimos de renda,
alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados aos cidadãos como direitos sociais, por
meio de ações positivas do Estado, o que pode garantir a qualidade de vida do povo.
A idéia de intervenção estatal está vinculada à função de assistencialismo, mesmo que
em todos os momentos estivesse presente algum grau de intervencionismo estatal, mas com o
desenvolvimento industrial e o surgimento do proletariado urbano, vivendo em condições
muitas vezes subumanas, surgiu a necessidade de mudanças, como programas de obras
10
Primeira Guerra Mundial – acarretou inúmeras mudanças no cenário mundial, escassez de produtos,
principalmente alimentícios, e posteriormente a influência americana da economia de consumo, o que fez o EUA
ascender como potência mundial.
16
públicas, controle sobre a produção, regulação das horas de trabalho, negociação coletiva,
entre outros.
Segundo Streck e Morais (2010) a primeira Guerra Mundial trouxe fatores
desagregadores, rompendo a tradição do liberalismo econômico, juntamente com a crise
econômica de 1929, que exigiu uma política interventiva para estabilizar a economia através
da iniciativa privada e ação governamental. Já com a Segunda Guerra Mundial, impõe-se ao
Estado um papel controlador dos recursos sociais. A vulnerabilidade industrial provocada pela
guerra por falta de capital e demanda faz com que o Estado tenha que agir para evitar a crise.
Pode-se, então, dizer que a transformação no viés intervencionista do Estado
Moderno Liberal o faz assumir responsabilidades organizativas e diretivas
do conjunto da economia do País, em vez de simplesmente exercer poderes
gerais de legislação e polícia, próprios do perfil de Estado Mínimo, como era
até então conhecido. Em virtude disso, pode-se dizer que o estado do BemEstar Social constitui uma experiência completa da total disciplina pública
da economia, assumido como modelo de futuros objetivos autoritários da
política econômica e ao mesmo tempo cria hábitos e métodos dirigistas
dificilmente anuláveis. (STRECK; MORAIS, 2010, p. 72):
No Estado de Bem-Estar Social11, as prestações públicas são vistas como conquista da
cidadania, existindo uma diferença fundamental entre as políticas de bem-estar propostas pelo
contexto assistencialista e as do modelo democrático, que visam à concretização de sua
função social. O modelo do bem-estar pode ser associado ao garantidor de tipos mínimos de
renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todos os cidadãos como
direitos políticos, através da ação positiva do Estado. Em que se inclui ao constitucionalismo
um novo contrato social, incluindo princípios de justiça distribuitiva e buscando o caráter
igualitário, o bem comum, a dignidade da pessoa humana, a socialização das relações
interpessoais, etc. (STRECK; MORAIS, 2010, p. 81).
Ainda nesse contexto, a segunda metade do século XIX foi marcada pela luta para a
democratização do poder, em que os cidadãos reivindicavam autodeterminação política,
passando de meros espectadores e destinatários da ação política a partícipes efetivos de seu
11
Ver STRECK e MORAIS, 2010, p. 81. A peculiaridade do intervencionismo no Estado do Brasil: a crônica de
um simulacro e a crise da modernidade. Onde citam um estudo de René Antônio Mayorga, sobre as
peculiaridades dos países latino-americanos em seu desenvolvimento através da colonização, governos
autoritários, industrialização tardia e dependência periférica, fatores preponderantes para não terem
experimentado de fato a concretização do Estado de bem-estar-social, aumentando o processo de desigualdade.
17
exercício, período que se conclui já no século XX com o reconhecimento da vontade popular
manifestada em consultas eleitorais (FELDENS, 2012, p. 23).
Ainda na segunda metade do século XIX, emerge o conceito teórico de Estado de
Direito, nascendo na Alemanha e posteriormente incorporado na doutrina francesa, com um
cunho teórico vinculado a uma percepção de hierarquia das regras jurídicas, com o objetivo de
enquadrar e limitar o poder do Estado pelo Direito (STRECK; MORAIS 2010, p. 91).
Ao Direito é atribuída a força coercitiva, autolimitando o poder estatal, mas devemos
ter presente que a idéia de Estado de Direito esteve sempre presente nas formas estatais
absolutistas e liberais, a diferença é a maneira como é contemplado e como a legalidade é
interpretada dentro da organização do Estado.
Conforme Baratta (apud HAUSER, 2010, p. 77):
Baratta observa que tais princípios representaram, em relação ao sistema
punitivo vigente até o século 19, um avanço meramente formal/jurídico que
não conduziu a modificações substanciais correlativas. Mesmo sob a égide
do Estado de Direito o sistema punitivo continuou a se manifestar de forma
arbitrária, porque sempre desrespeitou a legalidade instituída. Para o autor, a
experiência histórica demonstra não ser possível associar a história da pena e
do sistema penal com a história do Direito Penal. Esta experiência demonstra
que sempre existiram e ainda existem sistemas sancionatórios que funcionam
à margem da lei e que fazem com que a história do sistema punitivo seja
diversa da história do Direito Penal. Esta realidade funcional demonstra que
o princípio da legalidade, assim como os demais princípios do direito penal
liberal, sempre se manifestaram e continuam se manifestando como uma
instância ideológica de legitimação e não como um princípio orientador do
real funcionamento dos sistemas penais (1987, p. 81).
O Estado Democrático de Direito é concebido como o desenvolvimento ou a evolução
das formas estatais anteriores, agregando conceitos do Estado liberal com os do Estado de
bem-estar social, objetivando concretizar a dignidade da pessoa humana através da eficácia
das garantias fundamentais e do constitucionalismo garantista/minimalista.
O Estado não mais se apresenta como dispositivo limitador apenas, resultante do
processo de produção de normas jurídicas, mas também como basilar das liberdades públicas
e da democracia, constituindo-se como um fundamento da ordem jurídica. Importante para a
existência do Estado de Direito está o fato de ser baseado na teoria de Montesquieu, da
18
tripartição dos poderes, permitindo o acesso a todos ao poder judiciário, para agir como
elemento imparcial nos dissídios entre público e particular, com autonomia para garantir o
exercício das leis e limitar o poder estatal.
No Estado Democrático de Direito a Constituição exerce um papel fundamental,
estabelecendo os liminares a serem seguidos e as regras para o exercício do poder estatal.
Conforme Hauser (2010, p. 96 - 97):
[...] o Estado Constitucional de Direito caracteriza-se pela incorporação, em
seus níveis normativos superiores (CONSTITUIÇÃO) de limites não só
formais, mas também substanciais ao exercício do poder. Ele não designa
simplesmente um Estado regulado pela lei, mas um modelo de Estado
caracterizado pelo princípio da estrita legalidade que subordina o exercício
do poder público a leis gerais e abstratas que estabelecem limites formais e
também substanciais para este exercício. No plano formal a legalidade
disciplina as formas mediante as quais o poder pode ser exercido e, no plano
substancial, representa a funcionalização dos poderes públicos do Estado à
tutela dos direitos fundamentais incorporados às Constituições.
O que se pretende é estabelecer a idéia da pessoa humana como ser político, dotada de
liberdades individuais, com um conjunto de princípios jurídicos que decorrem do Estado de
Direito para dar eficácia à proteção da pessoa humana, dentre eles o Princípio da
Proporcionalidade.
Conforme Gomes (2003, p. 26 - 27):
Assim, pode-se dizer que, nos modernos Estados Constitucionais de Direito,
a validade das normas reside na sua conformidade, não apenas formal, mas,
substancial, às normas de níveis superiores, que não só disciplinam a forma,
mas indicam vínculos de conteúdo ao exercício do poder normativo. Em tais
ordenamentos, a validade das leis não depende, apenas, dos aspectos formais
da produção normativa, mas do significado dos enunciados normativos
produzidos e, especificamente, da verificação da conformidade de seu
conteúdo ao “dever ser” jurídico estabelecido pelas normas superiores.
É importante destacar que a ideia de legalidade já acarretou distorções mesmo em
Estados de Direito, servindo como justificadora de regimes totalitários e ditatoriais, como o
exemplo dos Estados nazifascistas, que amparados na pela legalidade, cometeram atrocidades
contra a pessoa humana.
19
Conforme Feldens (2012, p. 26, grifos do autor):
A prática social revelaria que a separação dos poderes não era garantia de
respeito às liberdades a caro custo conquistadas. Destituída de controle sobre
seu conteúdo (material), a própria lei poderia ser manejada de modo a
conferir aparência legal a graves violações de direitos, a exemplo das que
editadas na vigência do programa racista de Hitler. Impunha-se assim, a
descoberta de novas fórmulas de controle do poder do Estado.
Destas distorções decorreu a necessidade de se estabelecer novas formas de limitação
ao poder estatal. A democracia surgiu como uma proposta que para, além de garantir
normativamente os direitos dos cidadãos, exige também sua efetividade. Através da
participação popular, em que a legitimação do poder estatal emana do povo. Desta forma, a
democracia utiliza a participação popular como um instrumento de cidadania e legitimação do
poder (REZEK, 2004, p. 53). Neste contexto a Constituição é utilizada como elemento basilar
da organização estatal, limitando poderes, proporcionando aos cidadãos direitos e garantias
individuais, expressos em princípios e fundamentos do Estado. Segundo Streck e Morais
(2010, p. 97):
O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da
realidade, não se restringindo, como o Estado de Bem Social de Direito, a
uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu
conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna
ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação
pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de
sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular
uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde
a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do
problema das condições materiais de existência.
Desta forma, no Estado Constitucional, os limites impostos ao poder punitivo estão
expressos pelos direitos e garantias fundamentais elencados na Carta Magna e representam a
impossibilidade interventiva do Estado em certas esferas individuais e por outro lado, a
obrigação de uma intervenção ativa para efetivar estes direitos. Destacando que a legalidade
deve ser interpretada substancialmente para evitar distorções normativas. A efetividade do
Estado Constitucional e dos direito e garantias fundamentais depende do nível de coerência
entre a legislação superior e a infraconstitucional. Esta teoria foi construída ao longo da
experiência com a evolução do Estado.
20
1.2 A função punitiva no Estado Democrático de Direito e os princípios limitadores da
intervenção penal
No âmbito do Estado Democrático de Direito, as formas de controle à intervenção
punitiva estatal são apresentadas principalmente pelos princípios processuais e penais
expressos pela Constituição, resguardando a qualquer cidadão de arbitrariedades e violência
excessiva por parte do poder estatal, ou pelo sentimento de vingança particular. Pode-se
destacar como princípios gerais do Estado Democrático de Direito: a constitucionalidade,
vinculando o Estado a uma Constituição, como forma de garantia jurídica; a organização
democrática da sociedade; o sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos,
defendendo a dignidade da pessoa humana, a garantia de liberdade, de justiça e de
solidariedade; a Justiça Social como corretivo das desigualdades; a igualdade substancial,
como articulação de uma sociedade justa; a divisão de poderes e funções; a legalidade como
medida do direito, vinculada à prescrição de regras, formas e procedimentos que excluem o
arbítrio e a prepotência; e a segurança e certeza jurídicas. (STRECK; MORAIS 2010, p. 99).
A Constituição brasileira, de 1988, adotou a forma de Estado Democrático de Direito e
consagrou uma política criminal minimalista12, em que o poder punitivo estatal configura-se
como a “última ratio”, atuando de modo fragmentário e subsidiário, respeitando todas as
garantias penais e processuais inerentes a cada cidadão.
Conforme Ferrajoli (apud HAUSER, 2010, p. 97):
Segundo observa Ferrajoli (1988), no Estado Constitucional de Direito não
existem poderes sem regulação. Nele a lei não é só condicionante, mas
também está condicionada pelos conteúdos relativos aos direitos
fundamentais. Os condicionamentos substanciais impõem, assim, limites às
possibilidades de decisão por maioria, estabelecendo, deste modo, uma
dimensão substancial não só para o direito, mas também para a própria
democracia.
Trata-se de um modelo político criminal que se adéqua ao modelo minimalista de
direito penal apresentado por Luigi Ferrajoli, em sua obra: Direito e razão – teoria do
garantismo penal. Nesta obra o autor procurou construir uma discussão filosófica e teórica
12
Princípios sobre os quais se funda o modelo garantista clássico – a legalidade estrita, a materialidade e a
lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes, a presunção da inocência.
(FERRAJOLI, 2002, p. 29).
21
para chegar a uma doutrina de justificação do direito de punir, compatível com o princípio da
dignidade humana, valor fundamental dos Estados Democráticos. Para Ferrajoli (2002) ao
direito penal é essencialmente necessário transcender ao plano da ética e da moral, evitando
falácias normativas e a manifestações penais conservadoras ou repressivistas. Ressalta que o
direito penal nasce coma a precípua função de substituir a relação bilateral ofendido/ofensor,
pela relação trilateral que coloca um terceiro imparcial, a autoridade judiciária, no centro do
conflito.
Sobre o porquê punir, segundo Ferrajoli (2002, p. 260):
Trata-se de uma questão científica, que admite respostas de caráter empírico,
formuladas em forma de proposições assertivas verificáveis ou falsificáveis.
Já sobre o porquê deve existir a pena, acredita ser uma questão filosófica
referente à moral ou política, e, portanto, admitindo respostas de caráter
ético-político, em forma de proposições normativas, nem verdadeiras, nem
falsas, mas aceitáveis ou inaceitáveis, como justas ou injustas.
Aponta como um vício aparente em algumas doutrinas o fato de confundirem as duas
funções acima citadas, ou ainda, entender a pena13 como segregadora ou objeto de vingança
institucionalizada. Apresenta a pena com um duplo caráter preventivo, a de prevenir delitos,
através da prescrição de condutas, para garantir o máximo bem-estar possível aos não
desviantes e o mínimo mal-estar necessário aos desviantes. E a segunda e talvez mais
importante, é a de prevenir punições injustas, através de reações informais públicas ou
privadas, estendendo-se até mesmo aos familiares do delinquente. Idéia difundida
primeiramente por iluministas como Beccaria. Acrescenta ainda, que ambas são conflitantes
entre si e trazidas pelas partes por ocasião do contraditório no processo penal, com a acusação
interessada na defesa social, em prevenir os delitos através da penalização, e a defesa
comprometida com a defesa individual, ou seja, com a prevenção de penas arbitrárias.
(FERRAJOLI, 2002, p. 269).
Desta forma, o direito penal é concebido para servir de negação à vingança, e assim,
deve atender aos requisitos essenciais consagrados normativamente para sua aplicabilidade
sem excessos. O contexto garantista apresenta-se como uma teoria que não pretende modificar
a estrutura estatal e sim vincular a aplicabilidade das normas a um conteúdo além de formal,
13
O delito não deve ser confundido com pecado, embora a idéia de punição venha de penitência, do direito
canônico.
22
substancial, respeitando primeiramente os direitos e garantias fundamentais, expressos pelo
constitucionalismo, em que o direito penal deve ser coerente 14 ao sistema jurídico adotado
pela Carta Magna. Conforme Ferrajoli (2002, p. 271):
Com efeito, poderíamos dizer que um sistema penal somente se justifica se a
soma das violências – delitos, vinganças e punições arbitrárias – que este é
capaz de prevenir for superior àquela das violências constituídas pelos
delitos não prevenidos e pelas penas a estes cominadas.
Importante ressaltar que o objetivo geral é a tutela dos bens jurídicos tanto dos não
desviantes quanto dos desviantes, através da limitação dos arbítrios e da minimização da
violência. Reconhecendo o caráter coercitivo e aflitivo da pena, e que não deve estar
vinculada à idéia de reeducação ou de ressocialização, justificada apenas pela negação das
punições informais. Pois para Ferrajoli (2002, p. 274): “o Direito Penal não garante somente a
liberdade física ou objetiva de delinqüir ou não; mas garante também a liberdade moral ou
subjetiva da transgressão15 [...]”
A respeito da constitucionalidade, não basta apenas explicitar os princípios que
nortearam o sistema jurídico, mas instrumentalizá-los de forma a torná-los substancialmente
viáveis. Em relação ao princípio da legalidade, Ferrajoli apresenta duas formas de contemplálo, através da legalidade formal, ou adstrita às leis, e a legalidade estrita, cuja função
garantista reside no fato de que os delitos estejam predeterminados pela lei de maneira
taxativa, sem remontarem a parâmetros éticos, morais ou políticos, a fim de que sejam
avaliados pelo Juiz mediante asserções refutáveis e não por juízos de valor autônomos.
(FERRAJOLI, 2002, p. 303).
Dando assim, um caráter vinculativo ao direito penal, e a todo sistema punitivo, que
deverá respeitar o conteúdo constitucional e primar pela aplicação dos direitos e garantias
individuais dos cidadãos, independente de serem desviantes ou não. Caracterizando assim a
efetividade dos direitos, característica primordial de um Estado Democrático de Direito.
E ainda, segundo Ferrajoli (2002, p. 302):
14
Embora a Constituição Federal de 1988 seja expressamente garantista, a legislação penal vigente ainda não é
adequada a esta teoria.
15
Segundo Ferrajolli (2010, p. 274), aos desviantes é garantido o direito de livre arbítrio quanto à prática ou não
de condutas tipificadas como crime.
23
[...] só adotando uma noção exclusivamente formal do delito, abandonandose todo o moralismo ou naturalismo jurídico será possível interpretar e
criticar o sistema substancial dos delitos previstos num determinado
ordenamento pelo que efetivamente é: o catálogo – estabelecido com caráter
autoritário e hierarquicamente ordenado sobre as bases das diferentes
medidas da pena – dos interesses e dos bens jurídicos protegidos por esse
ordenamento.
Ferrajoli faz uma crítica às alternativas do direito penal, entre os sistemas primitivos
de controle, através da vingança privada16, ou com base apenas nos interesses de uma
autoridade dominante17, sem qualquer garantia, ou pela imposição de ideologias moralistas, e
atenta para o risco de convivermos com o sistema que denominou de controle estataldisciplinar, produto da modernidade, caracterizado pelo desenvolvimento das funções
preventivas de segurança pública18, mediante técnicas de vigilância total, tais como aquelas
consentidas para espionagem de cidadãos pelas polícias secretas ou pelo uso de sistemas de
informática e tecnologias de monitoramento, afetando diretamente a liberdade individual.
(FERRAJOLI, 2002, p. 273).
Sobre a compreensão da finalidade punitiva através da legalidade formal apenas, esta
seria capaz de produzir distorções com doutrinas que confundem delito e pecado, direito e
moral, ou direito e natureza, valorizando exacerbadamente o elemento subjetivo do delito, ou
seja, qualidades específicas relacionadas ao autor, particularmente a periculosidade,
vinculadas às políticas criminais de direito penal máximo, deixando à valoração do Juiz a
decisão de quando e como punir.
Ferrajoli (2002, p. 305, grifos do autor) nos traz a seguinte definição:
[...] o princípio de mera legalidade como uma regra de distribuição do poder
penal que preceitua ao Juiz estabelecer como sendo delito o que está
reservado ao legislador predeterminar como tal; e o princípio da estrita
legalidade como uma regra metajurídica de formação da linguagem penal
que para tal fim prescreve ao legislador o uso de termos de extensão
determinada na definição das figuras delituosas, para que seja possível sua
aplicação na linguagem judicial como predicados “verdadeiros” dos fatos
processualmente comprovados.
16
Vingança privada – Vide Lei de Talião.
Política criminal característica dos Estados absolutistas.
18
Características de políticas repressivistas, como a de “tolerância zero” nos EUA.
17
24
Desta forma, resta claro o importante papel do legislador ao atender os preceitos
contidos no texto constitucional no momento de elaborar as leis penais, comprometido com a
teoria garantista, será capaz de criar meios de instrumentalizar a aplicação dos direitos
fundamentais através do texto legal, preocupado em elencar taxativamente19 as condutas
delituosas sem deixar lacunas que possam ser interpretadas por juízos de valores. Pois,
conforme Ferrajoli (2002, p. 306, grifos do autor):
[...] somente a lei penal, na medida em que incide na liberdade pessoal dos
cidadãos está obrigada a vincular a si mesma não somente as formas, senão
também por meio da verdade jurídica exigida às motivações judiciais, a
substância ou os conteúdos dos atos que a elas se aplicam. Esta é a garantia
estrutural que diferencia o direito penal no estado “de direito”, nos quais o
legislador é onipotente e, portanto, são válidas todas as leis vigentes, sem
nenhum limite substancial à primazia da lei. E é essa diferença que hoje
marca o critério de distinção entre garantismo e autoritarismo penal, entre
formalismo e substancialismo jurídico, entre direito penal mínimo e direito
penal máximo.
Assim, podemos dizer que ao considerar o princípio da legalidade estrita, sua
aplicação deve ser vinculada às demais garantias penais e processuais, a da materialidade da
ação, da lesividade do resultado, da culpabilidade, da presunção da inocência, do ônus da
prova e do direito de defesa, sem as quais não poderá se perfazer. Cabe ao legislador buscar
validade para as leis não apenas através de sua formalidade, mas de seu caráter substancial, ou
seja, buscar adequação à instrumentalização da política criminal adotada pela Constituição,
qual seja, a política garantista/minimalista.
Por fim, como núcleo axiológico da política criminal garantista a aplicabilidade dos
princípios constitucionais em especial o da legalidade estrita, refletindo na aplicabilidade dos
demais princípios e firmando, desta forma, a efetividade dos direitos e garantias individuais
consagrados, tanto aos não desviantes como aos desviantes.
1.3 A política criminal minimalista e garantista na Constituição Brasileira de 1988
O constitucionalismo, como já foi dito, é característica essencial aos Estados
Democráticos de Direito, pois desta forma busca garantir efetividade aos direitos e garantias
individuais e estabelece limites aos poderes estatais.
19
Estabelecer um caráter vinculativo à legislação, evitando interpretações subjetivas.
25
Dentro desta perspectiva, a Constituição estabelece normativamente as políticas a
serem adotadas para a legitimação de um Estado Democrático de Direito, contendo ao mesmo
tempo, características liberais20, de intervenção mínima nas liberdades individuais, e sociais21,
de intervenção máxima no que diz respeito às garantias de uma vida com dignidade e que
promova o bem-estar social.
Estabelecendo limites ao poder punitivo e ao mesmo tempo imperativos de punição,
assim exercendo dupla influência à legislação penal.
Conforme Feldens (2012, p. 73, grifos do autor):
[...] Essas normas constitucionais indicam que, ademais de legitimar a
atividade do legislador penal, em determinados casos a Constituição exige
sua intervenção por meio de normas que designamos mandados
constitucionais de tutela penal (criminalização). A Constituição funciona,
aqui, como fundamento normativo do Direito Penal, transmitindo um sinal
verde ao legislador, o qual, diante da normatividade da disposição
constitucional que o veicula, não poderá recusar-lhe passagem. Trata-se,
pois, de uma zona de obrigatória intervenção do legislador penal.
Porém, a efetividade da constituição reflete diretamente na aplicação daquilo que ela
dispõe, e o que ocorre em muitos casos é a divergência entre normatividade do modelo em
nível constitucional e sua não efetividade nos níveis inferiores, tornando-a uma simples
referência, com mera função de mistificação ideológica no seu conjunto, conforme Ferrajoli
(2002, p. 683).
Por estabelecer valores a serem perseguidos pelo Estado, nem sempre os mandamentos
constitucionais são respeitados pelo legislador penal, pois a este é conferida certa
discricionariedade no momento da elaboração legislativa.
Conforme Feldens (2012, p. 53, grifos do autor):
Definitivamente, o legislador não pode mais ser visto exclusivamente como
sujeito passivo dos direitos fundamentais. Corresponde-lhe a função de
integrar o direito, é dizer, de adotá-lo em um perfil final e específico a partir
de uma matriz constitucional que lhe confere existência. Isso não significa
que restrições aos direitos fundamentais não sejam admissíveis. Elas são até
20
21
Ver Estado Liberal, Streck e Morais, 2010, p. 56.
Ver Estado de bem-estar-social, Streck e Morais, 2010, p. 78.
26
mesmo necessárias, uma vez que a atividade de configuração legal de um
direito deve ser orientada à sua fruição em um ambiente de vida comum,
onde colisões (com outros direitos) são esperadas.
Como se viu anteriormente, o garantismo penal é apresentado por Ferrajoli, (2002, p.
684/686) com três significados, o primeiro designando um modelo normativo de direito,
intimamente relacionado à estrita legalidade, como um sistema de poder mínimo, sob o plano
político com a incumbência de tutelar a maximização da liberdade e minimização da
violência, e ainda sob o plano jurídico como um sistema limitador à função punitiva do
Estado em garantia aos direitos dos cidadãos. O segundo significado designa uma teoria
jurídica da validade-efetividade, exprimindo uma aproximação teórica do “ser” e “dever ser”
no direito, apontando o distanciamento que ocorre nos ordenamentos complexos entre os
sistemas normativos e as práticas operacionais, procurando desenvolver em sua teoria
garantista do direito penal um sistema ao mesmo tempo normativo e realista, sob a
perspectiva do espírito crítico e a incerteza permanente sobre a validade das leis e de suas
aplicações. E como terceiro e último significado, designando uma filosofia política que requer
do Estado e do direito o ônus da justificação externa com base nos bens ou interesses que
constituem a tutela ou garantia, demonstrando um caráter vinculativo do poder público no
Estado de direito.
Ainda sobre o conceito do minimalismo penal, segundo Hauser (2010, p. 69)
caracteriza-se como:
[...] movimento político criminal não repressivista, que defende a redução
significativa do sistema de controle penal a partir da imposição de limites
maiores ao poder proibitivo e punitivo do Estado e a consequente ampliação
da esfera de liberdade dos indivíduos diante deste poder [...].
Alessandro Baratta (apud HAUSER, 2010) acredita que a adoção da política
minimalista possa ser um instrumento para superação cultural dos sistemas punitivos atuais,
que permita, inclusive, a adoção de políticas criminais abolicionistas. Luigi Ferrajoli (apud
HAUSER, 2010) defende que a intervenção penal estatal deve ser mínima como forma de
intermediação dos conflitos e controle da violência na sociedade.
Ao defender uma política criminal minimalista como a mais adequada aos Estados
Democráticos de Direito, Alessandro Baratta (apud HAUSER, 2010) apresenta um conjunto
27
de princípios que devem conduzir o modelo minimalista, dentre os quais se encontra o
princípio da proporcionalidade abstrata, segundo o qual em um estado que tem como núcleo
central de seu constitucionalismo o respeito aos direitos humanos, deve-se considerar que
apenas as graves violações a estes direitos possam ser objeto da tutela penal, e esta deverá ser
sempre proporcional ao dano causado pela conduta violadora. E ainda, o princípio da
proporcionalidade concreta, segundo o qual se deve realizar uma avaliação dos custos sociais
da pena, não apenas do ponto de vista econômico, mas também o custo da medida penal para
as pessoas que serão afetadas direta ou indiretamente com ela.
Ferrajoli se propõe a encontrar um modelo de direito penal compatível com o Estado
Democrático de Direito, questionando em que se baseia o direito de punir e como se justifica
o exercício da violência institucionalizada. Busca um novo fundamento para legitimar a
intervenção punitiva estatal, como um modelo intermediário ao modelo de direito penal
máximo e o modelo abolicionista, capaz de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, e
por isso, legitimado pela Constituição.
Segundo Ferrajoli (2002, p. 688, grifos do autor):
A distinção entre legitimidade formal e legitimidade substancial, ou mais
exatamente entre condições formais e condições substanciais impostas ao
válido exercício do poder, é essencial para esclarecer a natureza da relação
entre democracia política e Estado de direito nos ordenamentos modernos.
Acrescenta ainda que mesmo em um Estado democrático, em que as decisões devem
ser tomadas pela maioria, não se legitima a esta maioria a decidir pela morte de um homem,
ou por penas que não estejam previstas expressamente no ordenamento jurídico, ou sejam
descabidas e desproporcionais.
Na perspectiva do garantismo penal, o modelo político criminal compatível com o
Estado Democrático de Direito, é um modelo de Direito Penal Mínimo que assegure,
simultaneamente, a prevenção ao crime (mediante a ameaça da punição) e a prevenção a
reações punitivas desproporcionais ou arbitrárias, que afrontem a dignidade da pessoa humana
e os principios penais e processuais penais limitadores da intervenção penal.
Conforme Hauser (2010, p. 15):
28
As tendências minimalistas, apesar de desconfiarem da eficácia do Direito
Penal para resolver conflitos, procuram justificar a sua existência a partir de
uma perspectiva de mínima intervenção. Este deveria ser aplicado como
“ultima ratio”, de modo fragmentário e subsidiário e com respeito a todas as
garantias penais e processuais estabelecidas pelo Estado Constitucional e
democrático de Direito.
A Constituição brasileira de 1988, ao incorporar, em seu art. 5º, um conjunto de
princípios penais e processuais penais22 limitadores da intervenção punitiva, fez uma clara
opção pelo modelo minimalista garantista, tal qual sugere Ferrajoli. E ao mesmo tempo
deixou uma abertura para a incorporação de direitos não expressos, conforme a previsão do
Art. 5º, §2º da Constituição:
§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Os direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata e direta,
garantindo uma tutela judicial efetiva, pois tais direitos podem ser reivindicados junto ao
Poder Judiciário sem necessidade de mediações legislativas, conferindo-lhes um caráter
jurídico-positivo dos preceitos relativos aos direitos, liberdades e garantias, reforçando sua
juridicidade. (FELDENS, 2012, p. 40).
A Constituição Brasileira de 1988 estabelece ainda, mandamentos punitivos, que
devem ser considerados pelo legislador penal, protegendo determinados bens jurídicos, alvo
da tutela Estatal, como é o caso da previsão de tratamento diferenciado aos crimes hediondos.
O Estado de direito, como um modelo híbrido resultante do conjunto de garantias
liberais/sociais, que são negativas/positivas quanto à prestação estatal, reflete além da vontade
da maioria, os interesses e necessidades da coletividade, nesse sentido, “as garantias, sejam
liberais ou sociais, exprimem de fato os direitos fundamentais dos cidadãos contra os poderes
do Estado [...]” (FERRAJOLI, 2002, p. 692).
22
Princípios constitucionais, da legalidade, da presunção de inocência, da proibição de incomunicabilidade do
preso, o devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da irretroatividade da lei penal, da lesividade
do non bis in idem, entre outros.
29
Os níveis normativos superiores definem modelos de atuação estatal que, quando não
observados em seus níveis inferiores, geram incoerências normativas e acarretam a não
aplicabilidade e efetividade da teoria garantista/minimalista expressa pela Constituição. Este
fenômeno gera, nas palavras de Ferrajoli (2002, p. 696), níveis de ilegitimidade interna do
ordenamento jurídico, que se acentuam sempre que as normas inferiores não reproduzem em
seus textos, os valores fundamentais do Estado.
Conforme Gomes (2003, p. 84):
O fundamento material do princípio da necessidade, na Constituição
brasileira, pode ser apreendido a partir do reconhecimento da dignidade da
pessoa humana e do pluralismo político como fundamentos do Estado
Democrático de Direito (art. 1º, III e V, respectivamente), assim como por
meio da garantia da liberdade inserida entre os direitos e garantias
individuais (art. 5º, caput) e do amplo rol de direitos individuais e coletivos
(art. 5º), que atuam como freio à criação e manutenção das normas penais.
Dessa forma, qualquer possível restrição ou limitação à liberdade individual
deve ser sempre confrontada com as garantias expressas no texto
constitucional, sendo ainda mais evidente esta exigibilidade quando se tratar
da ingerência do direito penal. As implicações ocasionadas pela previsão
legal e aplicação judicial de uma pena indicam que esta deve ser utilizada
tão-somente quando não houver outro remédio, ou seja, quando fracassarem
todas as outras formas de proteção; isso obriga a reduzir-se ao máximo o
recurso ao direito penal, cabendo ao legislador intervir somente no que for
essencial para a tutela da coletividade, ou seja, minimamente.
Esta concepção expressa a forma racional como deve ser tratado o direito penal dentro
de um ordenamento jurídico, respeitando os valores emanados explícita e implicitamente no
texto constitucional, com coerência na elaboração e aplicação da lei a fim de atingir a
efetividade dos direitos e garantias consagrados assim como dar respaldo ao fundamento de
dignidade da pessoa humana.
Conforme Feldens (2012, p. 24, grifos do autor):
Historicamente, o conceito de Constituição aparece vinculado a dois
aspectos materiais que até hoje lhe são indissociáveis: a separação dos
poderes e a garantia dos direitos. O art. XVI da Declaração de Direitos do
Homem e do Cidadão, assumida a 26/08/1789, proclamaria que “A
sociedade na qual a garantia dos direitos não esteja assegurada, nem a
separação dos poderes estabelecida, não tem condição”. Este seria o
conteúdo mínimo e indispensável de uma Constituição.
30
Assim, as Constituições concebem os direitos fundamentais como resultado de acordo
entre as diferentes forças sociais que se exteriorizam como pressupostos de consenso,
desenvolvendo a democracia e vinculando a ação estatal em suas diversas esferas.
Tendo como referência o modelo político criminal minimalista e garantista consagrado
na Constituição Brasileira de 1988, que serve como base teórica a partir da qual se
desenvolverá o objeto de estudo, nos próximos capítulos abordar-se-á o principio da
proporcionalidade, enquanto princípio fundamental/estruturante dos Estados Democráticos de
Direito e que tem incidência especial no campo do Direito Penal e Processual Penal.
31
2. O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PENAL
Todo sistema jurídico normativo em um Estado Democrático de Direito é formado por
princípios e regras, ambos estabelecem comandos deônticos23, mas pode-se dizer que os
princípios são mais abrangentes e por isso considera-se como o gênero e as regras são a
espécie, uma vez que os princípios são a base material para as demais normas, são os
fundamentos destas.
Os princípios contem elevado grau de abstração, imediata aplicação e uma série
indefinida de aplicações, como assinala Estefam (2012, p. 120), mas não podem ser tidos
como meras diretrizes em função de seu caráter imperativo.
A flexibilidade conferida aos princípios serve como parâmetro em um sistema
jurídico, uma vez que sua aplicabilidade se amolda ao caso em concreto. Sendo assim, os
princípios são hierarquicamente superiores às normas, pois estas tem sua aplicação de forma
mais restrita e densa e não podem conflitar com aqueles, que estão positivados expressa ou
implicitamente na Constituição, ápice do sistema piramidal da hierarquia normativa.
O conteúdo conferido aos princípios expressa valores ou finalidades enquanto as
normas descrevem condutas mediante proibições ou autorizações. Os primeiros reúnem
enunciados de ideologia, já as segundas seguem um padrão descritivo-atributivo (ESTEFAM,
2012, p. 121).
Quanto ao modo de aplicação, citam Estefam e Gonçalves (2012, p. 93):
As regras são aplicadas mediante subsunção, é dizer que, a adequação do
fato concreto ao modelo abstrato. [...] Os princípios são aplicados
positivamente, como orientação a ser seguida, ou negativamente, para anular
uma regra que os contradiga.
Necessário salientar a função hermenêutica, exclusiva dos princípios, no sentido de
dirimir dúvidas interpretativas e propiciar o esclarecimento de determinada disposição
normativa, com uma função limitadora da interpretação, restringindo a discricionariedade
judicial, conforme Bobbio (apud ESTEFAM, 2012, p.122). Uma vez que o Estado é o
23
Deôntico – do grego déon, o que é necessário, o que é certo.
32
legitimado exclusivo ao direito de punir, os princípios também constituem um importante
instrumento para limitar este poder e evitar excessos ou aberrações.
Já a generalidade dos princípios lhes confere uma capacidade de poliformia, se
amoldando a diferentes situações, e assim, acompanhando a evolução da sociedade.
Diferentemente do que ocorre entre um conflito de regras, em que se impõe uma solução
radical, entre os princípios há a possibilidade de uma solução conciliadora, de coexistência,
aplicando-se o bom senso e ponderação a fim de encontrar a melhor solução.
E, finalmente, os princípios estabelecem padrões e por tal motivo, não admitem
retrocessos.
Conforme Azevedo e Villas Boas (2011, p. 37):
Cabe destacar, inicialmente, que ao prospectar o teor dos princípios,
identificamos que estes firmam valores a serem buscados, [...], isto é, são
normas que ordenam que seja realizado na maior medida possível, dentro
das possibilidades jurídicas e reais existentes. Desta forma, [...] estão
caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e
que a medida devida de seu cumprimento não somente depende das
possibilidades reais como também das jurídicas.
A Constituição Federal de 1988 concebeu o Brasil como um Estado Democrático de
Direito e conferiu garantias individuais ao cidadão, consagrando em seu artigo 5º diversos
princípios penais e processuais, que devem ser respeitados dentro do ordenamento jurídico
pátrio, fornecendo segurança jurídica e estabelecendo limites ao poder de proibir e de punir do
Estado. É ela que delineia fundamentos, objetivos e princípios basilares, estabelecendo o
perfil conferido ao Estado (QUEIROZ, 2001, p. 17).
Dentre os princípios consagrados pela Constituição Federal destacam-se o da estrita
legalidade, da humanidade das penas, do devido processo legal, do direito ao contraditório e a
ampla defesa, do estado de inocência, da taxatividade, da anterioridade e irretroatividade da
lei, da insignificância, da lesividade, do “non bis in idem”, da alteridade ou
transcendentalidade, da intervenção mínima, da fragmentariedade, da adequação social, da
33
exclusiva proteção de bens jurídicos, e por fim, o princípio da proporcionalidade estrita ou da
proibição do excesso, que será especificamente objeto de nosso estudo24.
A política criminal adotada pelo Poder Constituinte e consagrada pelo texto
constitucional brasileiro é a minimalista ou garantista, vinculando a aplicabilidade das normas
a um conteúdo formal, mas também substancial, primando pela efetividade dos direitos e
garantias fundamentais.
Embora de ampla aplicação, pode-se considerar que o princípio da proporcionalidade é
fundamental no âmbito do Direito Penal para a real efetivação dos direitos e garantias
constitucionais. Sem o qual, o Estado concentraria poderes punitivos ilimitados, o que
certamente acarretaria excessos e desrespeitos para com os cidadãos, se constituindo em
amplo retrocesso à sociedade.
2.1 Os sentidos da proporcionalidade e sua aplicação no âmbito do Direito Penal
Como se viu, a constituição de um Estado é fundamental para se estipular as bases de
todo o ordenamento jurídico, dispondo ela dos princípios norteadores de todo o sistema legal,
e ainda, o posicionamento adotado quanto à tutela jurídica do cidadão. Inicialmente o
princípio da proporcionalidade foi concebido como limitador do poder estatal em face da
esfera individual.
24
O princípio da legalidade encontra-se no artigo 5º da CF/88 em seu inciso XXXIX, e constitui-se em cláusula
pétrea. O princípio da humanidade das penas está expresso pelo artigo 5º da CF/88, em seus incisos II e XLVII.
O princípio do devido processo legal, expresso no artigo 5º, incisos LIII e LIV da CF/88. O princípio do
contraditório e ampla defesa, constante no artigo 5º, inciso LV da CF/88.O princípio da presunção de inocência,
previsto no artigo 5º, inciso LVII da CF/88. O princípio da taxatividade é um subprincípio do princípio da
legalidade, em que a lei penal deve ser determinada em seu conteúdo. O princípio da anterioridade da lei é um
subprincípio do princípio da legalidade, em que a lei penal deve ser anterior ao ato. O princípio da
irretroatividade da lei penal está descrito no artigo 5º da CF/88, inciso XL. O princípio da insignificância,
reconhecido pelo STF, como decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, que é expresso na
Constituição como um dos fundamentos da República. O princípio da lesividade, decorrente do princípio da
legalidade estabelece qua não há crime sem lesão efetiva ou ameaça concreta ao bem jurídico tutelado. O
princípio do non bis in idem veda a dupla incriminação, e pode ser considerado decorrente do princípio da
legalidade. O princípio da alteridade que impossibilita incriminar atitudes puramente subjetivas, e pode ser
considerado decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana e da legalidade. O princípio da intervenção
mínima, também decorre da dignidade da pessoa humana e estabelece que o direito penal deva ser o último
recurso (ultima ratio). O princípio da fragmentariedade, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana,
legitima punição penal apenas aos atos mais graves praticados contra os bens jurídicos mais importantes. O
princípio da adequação social, decorrente da dignidade da pessoa humana, veda a incriminação de condutas
socialmente adequadas. O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, deriva do princípio da dignidade da
pessoa humana. O princípio da proporcionalidade decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, portanto,
não está expresso na Constituição Federal, se desdobra em três aspectos, com dupla finalidade.
34
Foi expresso primeiramente na Carta Magna de 1215, e após pensadores como
Montesquieu e Beccaria também desenvolveram conceitos para este princípio, o segundo
direcionando-o a aplicação no âmbito do direito penal (ESTEFAM, 2012, p. 137).
Beccaria (2001, p. 29), apresentou o princípio da proporcionalidade na obra Dos
Delitos E Das Penas, na metade do séc. XVIII, e nela defendeu a ideia iluminista francesa
com aplicação ao direito penal, respeitando os valores de dignidade da pessoa humana.
Observou que na época, as penas constituíam-se em uma espécie de vingança coletiva com
aplicação de penas bem superiores aos males produzidos pelos delitos, invocando a razão para
que o direito de punir tivesse como fundamento a utilidade social.
Salientou ainda que penas desproporcionais não alcançam o fim a que se destinam, ou
seja, não servem pra coibir a criminalidade. Desta forma, as penas não deveriam ultrapassar o
mal causado pelo delito, pois caso contrário, caracterizar-se-iam como tirânicas e
desnecessárias. E quanto mais evoluída uma sociedade maior seria a capacidade de
equacionar a medida entre delitos e penas, embora reconheça a dificuldade para o legislador
em estabelecer penas proporcionais devido à dinamicidade e peculiaridade dos delitos, para
isso considera que deve-se analisar substancialmente cada caso concreto, e então estabelecer
uma pena justa (BECCARIA, 2001).
Em sua conclusão, estabelece Beccaria (2001, p. 67):
É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser
essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas
circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.
Embora não esteja explícito em nossa Constituição, o princípio da proporcionalidade é
considerado inerente ao Estado Democrático de Direito, fundamento da República, e ainda em
acordo com o ideal de dignidade da pessoa, e com as garantias penais expressas pelo Art. 5º
da Constituição Federal de 1988. Assim, pode-se dizer que é uma garantia constitucional
especial, vinculando os três poderes Estatais, e ao mesmo tempo, um princípio garantista
material, intimamente ligado à efetivação dos direitos humanos. Sem deixar de ressaltar que
ele tem um papel essencialmente hermenêutico, conforme asserva Feldens (apud ESTEFAM,
2012, p. 138):
35
Cuida-se a proporcionalidade de princípio “imanente” à clausula de Estado
Democrático de Direito (CF, art. 1º), ao qual se atribui a missão de servir
como “ ferramenta hermenêutica incorporada ao processo decisório com
aptidão bastante a sindicar uma determinada medida – de caráter coativo, em
nossa hipótese de estudo – assumida para consecução de um específico fim”.
Ressalta-se que proporcionalidade não é o mesmo que razoabilidade, esta serve
especificamente para evitar o abuso enquanto a proporcionalidade atinge um espectro mais
amplo e deve ser analisada sob três aspectos, realizando o que a doutrina denomina de teste de
proporcionalidade.
Pare se verificar a legitimidade da medida restritiva tem-se um sistema trifásico de
verificação de proporcionalidade, observando três preceitos essenciais, adequação ou
idoneidade, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação estabelece que a medida estatal adotada há de consubstanciar-se com a
finalidade
pretendida
e
ser
legítima
perante
o
ordenamento
constitucional.
A
responsabilização penal, por sacrificar uma cota de liberdade individual, está limitada à
prática de uma conduta realmente ofensiva a um interesse alheio, individual ou coletivo, e não
pode ser aplicada a um fato que revele conduta eminentemente comportamental. Não se
justifica a aplicação do direito penal para regulação de vontades ou preceitos morais, pois a
ele não cabe destituir a vontade dos indivíduos, sendo lícitas ou não (FELDENS, 2012).
A necessidade indica o meio menos gravoso, dentre os eficazes, para obtenção do
resultado desejado e para tutela do bem jurídico protegido. Estabelecida previamente pela
Constituição, e conforme preceitos da política criminal adotada, com predominância aos
interesses socialmente relevantes. A não observância deste pressuposto indica claramente que
a norma ofende ao princípio da proporcionalidade. Porém, é de complexa análise, pois
depende de um conjunto integrado entre o ordenamento jurídico, sua aplicabilidade frente à
realidade social e a eficácia produzida pela medida adotada (FELDENS, 2012).
Conforme Feldens (2012, p. 153, grifos do autor):
Essa análise se realiza em dois tempos, iniciando-se mediante a prévia
consideração sobre as medidas a priori sujeitas a implementação, e
completando-se a partir de uma constatação empírica – de difícil valoração –
sobre a ineficácia de uma ou mais medidas que, embora em primeiro plano
36
adequada ao fim proposto, não o realizam satisfatoriamente, razão pela qual
cederiam espaço àquela que, embora mais lesiva, atingiria o interesse
perseguido (que, no caso, é a eficaz proteção do direito fundamental).
Quanto à proporcionalidade em sentido estrito, considera-se relacionada à justa
medida, onde se equacionam as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins. A
proporcionalidade estrita exige um juízo concreto de ponderação, verificando-se que as
vantagens da promoção do fim superam as desvantagens da intrusão no âmbito do direito
fundamental restringido, conforme asserva Feldens (2012, p. 158).
Aqui é essencial analisar a finalidade da intervenção, aplicando à situação concreta um
equilíbrio entre a sanção penal prevista e a abstratamente adequada e necessária, dentro da
eficácia pretendida.
Uma das vertentes relacionadas ao princípio da proporcionalidade estrita diz respeito à
aplicação do princípio da insignificância, aos crimes de bagatela, em que o caráter mínimo da
lesão causada não justifica a penalização, mesmo que tipificada como conduta ilícita.
Em decorrência da proporcionalidade estrita tem-se ainda dois aspectos importantes a
serem considerados, a proibição do excesso, traduzida pelo princípio da insignificância e a
proibição da proteção deficiente, diretamente ligada à prestação legislativa, que não pode ser
deficiente em relação aos bens jurídicos fundamentais. Segundo Estefam (2012, p. 139):
Há situações em que o Juiz deve classificar determinadas condutas sob pena
de uma gritante desproporcionalidade entre a pena prevista e a pouca
gravidade do fato. [...] A proibição de proteção deficiente consiste em não
permitir uma deficiência na prestação legislativa, de modo a desproteger
bens jurídicos fundamentais.
Como a análise da proporcionalidade, mesmo sob os três aspectos apresentados é
demasiadamente complexa, Andrew Von Hirsch (apud FELDENS, 2012, p. 162) desenvolveu
uma teoria com o propósito de auxiliar na atribuição da proporção das penas, em que
subdivide a proporcionalidade em ordinal e cardinal, sendo que a primeira, denominada
proporcionalidade relativa, está associada a uma escala relativo-comparativa, em que
condutas mais graves merecem sanções mais severas. Já a segunda, ou proporcionalidade
absoluta, permitiria equilibrar a gravidade da pena em relação à conduta, sem estabelecer
parâmetros com as outras penas.
37
A proporcionalidade relativa estaria composta por três subcritérios, conforme Feldens
(2012, p. 162, grifos do autor):
(i) paridade das penas: a indicar que delitos de gravidade semelhante
merecem penas de severidade similar. Uma tal exigência não requer
necessariamente sanções iguais, uma vez que podem existir variáveis
significativas em uma mesma categoria de delitos. Mas requer que dentro
dessa categoria, e consideradas as variáveis incidentes, as penas sejam
substancialmente similares;
(ii) escalonamento das penas (em face do nível de gravidade dos delitos):
sancionar o delito Y com pena superior ao delito X expressa maior
reprovação ao delito Y, o que só seria merecido se este é mais grave. As
penas deveriam, assim, ser ordenadas em obediência a uma escala de forma
tal que sua maior ou menor severidade reflita o nível de gravidade dos
delitos implicados;
(iii) distanciamento das penas: supondo-se que os delitos X, Y e Z são de
gravidade ascendente, mas que Y é consideravelmente mais grave que X, e
levemente menos grave que Z, deveria haver um maior espaço (distância)
entre as penas de X e Y do que entre as de Y e Z.
Sendo assim, considera-se legítima a medida punitiva, somente após a análise dos
pressupostos acima apresentados, pois a proporcionalidade vincula Legislador e Juiz, à
aplicação de sanções adequadas, necessárias e proporcionais. Para tal, é fundamental observar
os preceitos Constitucionais e a política criminal adotada, evitando incoerências
endonormativas25. Pois, o princípio da proporcionalidade abrange tanto a proteção da
liberdade e das garantias individuais, sob o aspecto da proibição do excesso, como a proteção
da sociedade contra os abusos cometidos pelos indivíduos pelo aspecto da proibição da
proteção deficiente.
2.2 Análise da proporcionalidade das penas no código penal brasileiro
Como já foi mencionado, o Direito Penal tem a função de controlar a sociedade,
através da proteção de bens jurídicos fundamentais, utilizado subsidiariamente, como ultima
ratio, e o princípio da proporcionalidade serve como limitador ao poder proibitivo e punitivo
Estatal. E ainda, deve ser condizente com os bens tutelados em que a pessoa humana é tida
como um valor em si.
25
Incoerência endonormativa – trata-se da falta de referência lógica na criação e aplicação de leis que
disciplinam a mesma matéria. No direito penal, exemplo é a penalização discrepante para condutas similares e
que protegem o mesmo bem jurídico.
38
Também já foi dito que os bens jurídicos dignos de tutela penal são aqueles realmente
relevantes ou compatíveis com os valores constitucionais, concebidos pelo Estado
Democrático de Direito, com fundamento principal na dignidade da pessoa humana.
No Brasil ainda é tímida e lenta a operacionalização do princípio da
proporcionalidade, se demonstrando mais estatisticamente do que concretamente. Conforme
Feldens (2005, p. 156, grifos do autor):
[...] uma vez afirmada a relação axiológico-normativa entre Constituição e
Direito Penal (a Constituição como limite, fonte material e fundamento
normativo do Direito Penal), impõe-se-nos verificar de que forma, bem
como até que limite, o princípio da proporcionalidade pode - ou não – servir
como instrumento tendente a sindicar a atuação do legislador penal, cuja
liberdade de configuração, ainda que relativa, persiste sendo regra, haja vista
a legitimidade democrática de que está investido.
Assim, dentro de um sistema constitucional-penal, qualquer legislação penal deveria
passar pelo teste de proporcionalidade, verificando se é compatível com a adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, respeitando-se o modelo político criminal
consagrado na Constituição, a fim de concretizar a proteção aos bens jurídicos tutelados nela
consagrados e primando pela efetivação da proteção aos direitos e garantias individuais.
Existem dois momentos para se realizar o controle de proporcionalidade das leis
penais, o primeiro durante a atividade legislativa, através das comissões de controle de
constitucionalidade, e o segundo, quando da falha na legislação, seria realizado
jurisdicionalmente, durante a aplicação ao caso em concreto. Conforme Gomes (2003, p.
207):
Pode ser observado o fato de que, ao constatar que a Constituição oferece
uma série de princípios pertinentes à formação do direito penal, assim como
um rol de interesses a serem tutelados, ou mesmo indicações vinculantes
sobre o sentido da pena, torna-se possível “jurisdicionalizar’ as escolhas
relativas à formação das normas, ampliando desta forma, os limites do
controle de constitucionalidade. Assim, se o texto constitucional apresenta
uma série de prescrições substancialmente vinculantes a respeito da tutela
penal, o controle judicial há de referir-se não apenas à forma do exercício do
poder discricionário legislativo, mas à eventual violação destas prescrições.
Sobre o controle de constitucionalidade, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu
em seus art. 102, I e 103, incisos e parágrafos, a possibilidade de realização deste quanto às
39
regras, relacionando-as às ações ou omissões legislativas, na forma difusa ou concentrada. De
forma a garantir a operacionalização de um sistema jurídico adequado à constituição
democrática-cidadã.
Nem sempre o legislador penal respeita os princípios instituídos pela Constituição e
deixando-se levar pelo clamor público e pela pressão midiática, inflacionando a atividade
legislativa, cria tipos penais dos mais variados, com penas desproporcionais e que
desrespeitam os valores axiológicos incorporados pelo fundamento da dignidade da pessoa
humana, imanente ao Estado Democrático de Direito. E assim, o sistema penal torna-se
ineficaz, em decorrência das incoerências, inversões valorativas e ganha descrédito perante a
sociedade.
Segundo Gomes (2003, p. 228):
Observa-se, ainda, que na legislação penal brasileira encontram-se inúmeras
disposições onde resta evidente o descomprometimento com qualquer
critério científico no estabelecimento das infrações e as respectivas respostas
sancionatórias. Não são raros os exemplos de normas penais onde é flagrante
a inobservâncias dos mandamentos dos princípios da necessidade, da
idoneidade e da proporcionalidade em sentido estrito, o que, sem dúvida,
reflete-se num conjunto legislativo em descompasso com os valores
inerentes à sociedade e, também, numa afronta à liberdade
constitucionalmente garantida.
No Brasil, o poder exercido pela mídia na criação de novas leis criminalizadoras ficou
evidenciado, pela edição da lei de crimes hediondos, a inclusão do homicídio qualificado no
rol destes crimes, assim como os crimes contra a saúde pública, conforme Gomes (2003, p.
202):
[...] a Lei 8.072/1990 surgiu sob o impacto dos meios de comunicação de
massa, mobilizados em face de extorsões mediante seqüestro que tinha
vitimizado figuras importantes da elite econômica e social do País, e que
acabaram por gerar um medo difuso e irracional, acompanhado de uma
desconfiança em relação aos órgãos oficiais de controle social; a Lei
8.930/1994, por sua vez, surgiu num momento em que houve um notável
aumento dos delitos contra a vida, tendo especial destaque as chacinas da
Candelária e de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, que, aliadas ao assassinato
de uma artista de televisão, deram o pano de fundo necessário para que os
meios de comunicação iniciassem uma ampla e intensa campanha com o
objetivo de incluir o delito de homicídio no rol dos crimes hediondos; já as
Leis 9.677/1998 e 9.695/1998 vieram no momento em que houve a explosiva
questão da falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos
40
alimentícios ou de produtos destinados para fins terapêuticos ou medicinais,
posta a nu, de modo gritante, nas televisões e nos jornais nacionais no
segundo trimestre de 1998.
Corolário do descumprimento ao princípio da proporcionalidade é a cominação de
penas para os crimes de homicídio culposo pelo Código Penal e o homicídio culposo na
direção de veículo automotor, previsto no Código de Trânsito Brasileiro, sendo que para o
primeiro é cominada pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e no segundo caso a pena é de
detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, acrescida pela suspensão ou proibição de se obter a
permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Assim, além de ser uma sanção com
pena mínima em dobro da prevista pelo Código Penal, traz ainda uma restrição à liberdade de
locomoção do indivíduo, sem encontrar uma justificativa para tais medidas de acordo com a
teoria do princípio da proporcionalidade cardinal, em que crimes com potencial lesivo
próximos devem ter semelhantes sanções.
Outro problema observado na legislação penal é a cominação de penas iguais para dois
ou mais comportamentos que contém gravidade diversa, expressos por meio da mesma
disposição normativa, conforme asserva Gomes (2003, p. 197). Como o caso do artigo 289 do
CP, em que estabelece uma gama de verbos penalizados com reclusão de 3 (três) a 12 (doze)
anos e multa, onde o §1º prevê a mesma sanção para quem importa ou exporta, adquire,
vende,
troca,
sede,
empresta,
guarda
ou
introduz
na
circulação
moeda
falsa.
Consideravelmente condutas com potencial lesivo diverso, porém punidas na mesma medida,
afrontando o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso.
Demonstrando mais uma incoerência, das muitas observadas no Código Penal, tem-se
no Capítulo III do Código Penal, da periclitação da vida e da saúde, onde o recente artigo 135A, inserido pela Lei nº 12.653/2012 refere-se ao condicionamento de atendimento médico
hospitalar emergencial, prescrevendo pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa
para quem exija cheque-caução, nota promissória, bem como o preenchimento prévio de
formulários administrativos como condição para atendimento médico-hospitalar emergencial,
desvalorizando a tutela do bem jurídico vida, ao cominar penas brandas para a conduta lesiva,
em visível confronto ao princípio da proporcionalidade no que diz respeito à proibição da
proteção deficiente, pois este crime diz respeito à vida e a saúde, diretamente ligados à tutela
da dignidade da pessoa humana, e assim, deveriam receber maior proteção Estatal.
41
Considerando que o Código Penal Brasileiro foi promulgado em 1940, e a fluente
dinâmica social ocorrida até hoje, sendo nossa Constituição Federal ainda bem recente, e a
aplicação do princípio da proporcionalidade em âmbito jurisprudencial ainda mais, percebe-se
a necessidade latente de reformulação de alguns aspectos e questionamentos quanto a outros,
verificando-se a tutela dos bens jurídicos, às penas aplicáveis e seu respeito aos valores
axiológicos constitucionalmente instituídos.
Para a construção de um sistema penal coerente com os valores insculpidos pela
Constituição Federal, pode-se estabelecer uma escala, não de valores, mas de proximidade
com o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de
Direito, em que o bem jurídico a ser tutelado, quanto mais próximo de tal fundamento, maior
proteção mereça e, conseguintemente maior deva ser a sanção atribuída para os danos
eventualmente causados a ele.
2.2.1 A tutela penal da propriedade X tutela da pessoa humana
De acordo com o que já foi exposto, pode-se perceber o grau de incoerência que
permeia a normativa penal, em que se percebe uma crise na tutela dos bens jurídicos.
É necessário compreender que enquanto Estado Democrático de Direito, com
fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, a atividade legislativa penal fica
condicionada aos valores axiológicos estabelecidos pela Constituição, o que, conforme foi
demonstrado, não ocorre na prática.
O conceito de crime, enquanto fato socialmente negativo, passa pela decisão política
do Estado de tipificar condutas negativas, que venham a causar danos individuais, coletivos
ou transindividuais.
Conforme Karam (2004, p. 43):
Fazendo-se por decisão política do Estado, a seleção dos interesses ou
direitos individuais, coletivos ou institucionais – identificáveis como bens
jurídicos a serem objeto da tutela penal – e a definição das condutas deles
afetadoras a serem qualificados como crime, atendem naturalmente aos
interesses e valores dominantes em um determinado momento histórico e em
uma dada formação social, instrumentalizando o exercício do poder, em sua
42
expressão punitiva, de forma a proporcionar uma disciplina social que
resulte funcional para manutenção e produção da organização e do equilíbrio
global daquela dada formação social.
A busca pela manutenção da ideologia dominante e a falta de comprometimento com
os valores impressos na constituição cidadã, constitui-se em um entrave para elaboração de
um sistema penal coerente.
Por força de nosso sistema econômico capitalista, decorrente do liberalismo, a
manutenção da ideologia dominante encontra amparo para criminalização de condutas que
atentem contra o patrimônio, pois este é o núcleo da globalização capital.
Assim descreve Karam (2004, p. 46):
Na mesma linha reveladora da orientação das decisões políticas
criminalizadoras, considere-se, na ordem normativa brasileira, a seleção dos
bens jurídicos merecedores da tutela penal e não serão, como à primeira vista
seria razoável esperar, a vida ou a integridade pessoal que surgirão como os
bens jurídicos de maior relevância. O mais relevante dos bens jurídicos é, ali,
sim o patrimônio. Essa predominância, a concretizar a máxima proteção da
propriedade privada como tônica do ordenamento jurídico penal, verifica-se
facilmente através de um rápido olhar pelas leis penais brasileiras.
Analisando a atribuição da medida da pena em relação ao valor atribuído ao bem
jurídico penalmente tutelado percebe-se o predomínio dos bens patrimoniais, o que acarreta
em um sistema penal estigmatizador, recaindo sobre os menos favorecidos e marginalizados,
que constituem a maioria da população carcerária brasileira.
Constata-se facilmente maior valoração na proteção de bens jurídicos relacionados à
propriedade do que aqueles que dizem respeito à tutela da vida humana. Desrespeitando o
paradigma estabelecido constitucionalmente.
Para se estabelecer um panorama equânime da tutela dos bens jurídicos se faz
indispensável à vinculação com o texto expresso pela Constituição, e, a fim de legitimar o jus
puniendi estatal, e realizar a análise da proporcionalidade sob os três aspectos apresentados,
necessidade, idoneidade, e proporcionalidade em sentido estrito, dentro de um contexto de
proporcionalidade ordinal e cardinal.
43
Como a proteção penal no Estado Democrático de Direito está fundada na pessoa
humana, pode-se dizer que este é o bem máximo a ser tutelado. Conforme Gomes (2003, p.
105):
[...] Como conseqüência, tem lugar a distinção entre os bens-fim, que são
aqueles constituídos pelos direitos fundamentais da pessoa humana e,
portanto, tutelados como tais, e os bens-meio, que são constituídos por bens
individuais patrimoniais e por bens supraindividuais, e tutelados enquanto
instrumentais – e nos limites de tal instrumentalidade – à conservação,
dignidade e desenvolvimento da pessoa humana, na sua dimensão individual
e social.
Porém, nossa realidade ainda é distante deste paradigma, pois, comparando as penas
atribuídas aos crimes de furto simples e lesão corporal leve dolosa verifica-se que o primeiro
tem pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, enquanto o segundo estabelece pena de
detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, classificada como infração de menor potencial
ofensivo. Já uma lesão corporal dolosa com resultado gravíssimo tem pena mínima igual a do
furto qualificado.
Assim, é claramente observável que nossa atual legislação penal convive com
incoerências normativas, o que dificulta a efetividade das leis.
Como ocorre, por exemplo, no comparativo das penas estabelecidas aos crimes de
homicídio simples, artigo 121 do CP e extorsão mediante sequestro, em que o objetivo
principal é a obtenção de vantagem de ordem econômica, prevista pelo artigo 159 do CP, a
pena mínima cominada ao primeiro é de 6 (seis) anos de reclusão, e no segundo é de 8 (oito)
anos de reclusão, e ainda, o § 1º do artigo 159 do CP estabelece uma qualificadora onde a
pena máxima cominada chega a 20 (vinte) anos de reclusão, se igualando à pena máxima
prevista para o homicídio simples. E, ainda, se a tutela protegida no crime de extorsão
mediante seqüestro dissesse respeito à liberdade, o tipo de sequestro ou cárcere privado, não
seria então punível com apenas 1 (um) a 3 (três) anos de reclusão.
No tipo previsto pelo artigo 159 do Código Penal, encontra-se em seu §3º, a maior
pena mínima cominada a um crime em nossa legislação penal pátria, sendo que o sequestro
com o fim de obter vantagem econômica, como condição ou preço do resgate e que resulta na
morte da vítima é punido com 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos de reclusão. Pena mínima
44
duas vezes maior que a estabelecida para o homicídio qualificado, em que o bem tutelado é a
vida.
Na parte especial do Código Penal, verifica-se também que o crime de homicídio
impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção,
o chamado de homicídio privilegiado, estabelecendo que para tal, a pena pode ser reduzida
em, no máximo 1/3. Já as causas de diminuição do §4º do art. 33 da lei antidrogas, Lei
11.343/2006 chegam a 2/3. Desproporcional, em face da previsão constitucional de punir o
tráfico de drogas, inclusive taxando-o como crime hediondo. Conforme Streck (2011, p. 13):
[...] a Constituição exige tratamento mais rigoroso a determinados crimes e o
legislador atenua, sem qualquer
autorização/justificação/ressalva
constitucional, a proteção conferida a tais crimes. Ora, isso é ler a
Constituição de acordo com a lei ordinária! Pior do que isso, sem qualquer
prognose. E não precisamos aqui recordar, por tudo o que já avançamos em
termos de teoria constitucional e de controle de constitucionalidade, [...] para
saber que uma lei ordinária não pode “alterar” a Constituição!
A justificativa do legislador para concessão de tal benesse foi a de comparar o crime
do artigo 33 da Lei 11.343/06, § 4º à situação descrita para o furto privilegiado, prevista no §
2º do artigo 155 do CP, onde em casos de primariedade, ou pequeno valor da coisa furtada, o
juiz pode aplicar a diminuição da pena em até dois terços.
Mais uma vez estamos diante de situações similares para crimes com bens jurídicos
tutelados diversos, pois o tráfico de drogas implica em danos à sociedade como um todo, com
consequências que atentam contra a dignidade da pessoa humana, tanto que teve tratamento
específico pelo Constituinte ao colocá-lo no rol dos crimes hediondos, sem possibilidade de
concessão de graça ou anistia. Enquanto o furto privilegiado descreve uma conduta com
pequeno potencial ofensivo, onde o bem tutelado é apenas o patrimônio, e de pequeno valor.
A atividade legiferante, ao prescrever a diminuição de 2/3 no §4º do artigo 33 da lei
antidrogas, constituiu-se em evidente afronta ao princípio da proporcionalidade quanto à
proibição da proteção deficiente. Nas palavras de Streck (2011, p. 13):
Ou seja, o legislador, ao desvalorar a ação, na falta de outro elemento,
socorreu-se do mesmo critério utilizado para abrandar a punição nos crimes
de furto cujo objeto material é de pequeno valor econômico. Mutatis
mutandis, os parâmetros para a avaliação do desvalor da ação nessas duas
45
modalidades delitivas – o crime hediondo de tráfico de drogas e o singelo
crime de furto – por mais espécie que isto possa causar, são “idênticos”.
Demonstrando ainda mais a incoerência normativa, a lei nº 11.343/2006 estabelece em
seu artigo 33 pena de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão para o crime de tráfico de
drogas, revogando a lei anterior que tratava do assunto, qual seja a lei nº 6.378/76, que previa
pena mínima de três anos, na clara intenção de recrudescer o tratamento dado à conduta.
Porém, o §4º do artigo 33 da nova lei, apresenta uma causa de diminuição em que a pena
mínima pode ser inferior a 2 (dois) anos, com um crime de menor potencial ofensivo. O que
obviamente não seria o caso do tráfico ilícito de drogas, nem considerando a primariedade do
acusado, pois não é esta a prognose constitucional.
Para Streck (2011, p. 14):
Nessa linha, é possível certificar que o aludido parágrafo 4º – que estabelece
tratamento absolutamente diferenciado a acusados primários e em patamar
absolutamente desproporcional (incoerente, pois) – fere o princípio da
igualdade. Afinal, não há explicação coerente ou razoável que justifique, ao
mesmo tempo, o aumento da pena mínima de 03 para 05 anos e, na mesma
lei, a diminuição do patamar de 2/3 para os réus primários, sem que, para
tanto, haja precedentes na legislação brasileira e sem que tenha havido
qualquer preocupação com os efeitos colaterais de tal decisão (v.g., a
aplicação analógica do favor legal a todos os demais crimes hediondos e, por
extrema obviedade, aos crimes que não são hediondos).
Assim, o referido dispositivo fere além do princípio da proporcionalidade, o da
integridade do sistema jurídico e o da igualdade, pois o caráter conciliatório conferido ao
dispositivo de diminuição da pena demonstra incoerência de princípios, encontrando
justificativa apenas em uma distribuição equitativa do poder político entre as diferentes
facções morais, conforme aponta Dworkin (apud STRECK, 2011, p. 14).
Ressalta-se ainda, que a atividade legislativa penal está condicionada aos
mandamentos constitucionais, em que não poderá haver desvios hermenêuticos, nem a
tentativa de justificá-los pelo clamor público. Mas nosso sistema penal ainda fere a
proporcionalidade tanto na proibição do excesso como na proibição da proteção deficiente, e
desta forma, não condiz com uma legislação penal de um Estado Democrático de Direito.
46
Em uma breve análise não seria possível esgotar o tema, ante sua amplitude e
complexidade, apenas foram pontuados alguns casos em que é possível claramente identificar
as incoerências normativas da legislação penal pátria, e a prevalência do patrimônio, em
detrimento da pessoa humana, como bem jurídico a ser tutelado, descumprindo os parâmetros
constitucionais estabelecidos dentro do contexto de Estado Democrático de Direito, com
fundamento na dignidade da pessoa humana.
2.2.2 A proteção penal à dignidade sexual
A lei nº 12.015/2009 alterou o Código Penal no que diz respeito aos crimes sexuais,
em que antes desta alteração tinha-se como bem primário destinado à proteção a honra sexual
e secundariamente a liberdade sexual. Com a alteração o bem jurídico a ser tutelado passou a
ser a dignidade sexual.
Porém, a referida lei trouxe ao ordenamento jurídico penal brasileiro a tipificação de
condutas que não demonstram um mesmo grau de intensidade na ofensa ao bem jurídico
tutelado, prescrevendo
penas
iguais
a todas.
Em
uma clara
demonstração de
desproporcionalidade por parte da atividade legislativa ao considerar punível em mesmo grau
de severidade o estupro ou a prática de outro ato libidinoso. Como descrevem o artigo 213 do
Código Penal; o artigo 215; e também o artigo 217–A.
A intenção do legislador penal foi de tratar com maior repressividade os crimes
sexuais, principalmente envolvendo vulneráveis, figura abarcada pela nova legislação. Mas ao
analisar o bem jurídico tutelado, contempla-se a dignidade sexual como espécie do gênero
dignidade da pessoa humana. Sob este aspecto, percebe-se outra incoerência normativa na
previsão das penas, pois o artigo 217-A do Código Penal estabelece pena mínima superior à
culminada para o homicídio simples, sendo a primeira de oito anos de reclusão enquanto a
segunda inicia-se em seis anos de reclusão.
Resta evidente a falta de proporção em sanções iguais para estupro e para ato
libidinoso como passar a mão sobre a genitália ou forçar um beijo. O princípio da
proporcionalidade parece ter sido ignorado por ocasião da edição da lei nº 12.015/2009. Resta
à atividade jurisdicional corrigir possíveis equívocos para aplicação das sanções previstas nos
tipos descritos.
47
Nas palavras de Ferrajoli (2002, p. 373, grifos do autor):
O fato de que entre a pena e o delito não exista nenhuma relação natural não
exime a primeira de ser adequada ao segundo em alguma medida. Ao
contrário, precisamente o caráter convencional e legal do nexo retributivo
que liga a sanção ao ilícito penal exige que a eleição da qualidade e da
quantidade de uma seja realizada pelo legislador e pelo juiz em relação à
natureza e à gravidade do outro. O princípio de proporcionalidade
expressado na antiga máxima poena debet commensurari delicto, é, em
suma, um corolário dos princípios de legalidade e retributividade, que tem
nestes seu fundamento lógico e axiológico.
Desta forma, percebe-se que a atividade legislativa pátria ainda parece ignorar o
princípio da proporcionalidade e seu caráter vinculante, sob o prisma constitucional de
respeito aos direitos e garantias individuais, inerente ao Estado Democrático de Direito com
fundamento na dignidade da pessoa humana.
2.2.3 A criminalização dos crimes de perigo abstrato
Nosso ordenamento jurídico - penal atual admite a criminalização de condutas sem
exigir destas, efetivamente lesão ou ameaça real e concreta de lesão ao bem jurídico tutelado,
descrevendo apenas um comportamento. Estes tipos são denominados como crimes de perigo
abstrato, por constituírem apenas uma presunção de ameaça ao bem através de uma simples
desobediência ou infração.
Entende-se como crime qualquer conduta ativa ou omissiva que lesione ou ameace a
bem jurídico penalmente protegido, analiticamente diz-se que é a conduta típica, antijurídica e
culpável, mas a doutrina finalista não considera este último por entender que é apenas um
pressuposto para a aplicação da pena. Materialmente, se pode definir o crime como uma
conduta proibida por lei, a qual se procura evitar através da sanção por constituir-se em dano
ou perigo a bem jurídico individual ou coletivo.
Os crimes de perigo concreto são aqueles que exigem a comprovação do risco ao bem
jurídico tutelado. Enquanto os crimes de perigo abstrato não exigem tal comprovação, se
baseando apenas na presunção do perigo, sem a necessidade de prová-lo.
48
Lembrando da política criminal constitucionalmente adotada em nosso país, em que o
direito penal deve ser aplicado como ultima ratio, ou subsidiariamente, e vinculado ao
respeito à dignidade da pessoa humana, instituindo este fundamento como base ao direito de
punir, dentro das proporções adequadas para tal, é incompatível admitir em nosso
ordenamento jurídico a punição de meras condutas que poderiam, presumivelmente, causar
um dano.
Na concepção de proporcionalidade tem-se entre seus desdobramentos a análise da
idoneidade dos tipos e das penas. A idoneidade das incriminações e do sistema penal adotado
deve ser considerada a fim de evitar a existência de tipos penais com efeitos criminógenos, ou
seja, que não levem em consideração o que o dano causado pela pena não pode ser maior do
que a tutela pretendida ou que o dano causado pela conduta.
Nesse sentido, destaca Gomes (2003, p. 144):
[...] o princípio da proporcionalidade desempenha uma importante função de
garantia para o cidadão, uma vez que nega legitimidade às incriminações,
que ainda que presumivelmente idôneas a atingir a finalidade estatal de
prevenção, produzem, por meio da pena, danos ao indivíduo (aos seus
direitos fundamentais) e à sociedade desproporcionalmente maiores do que
as vantagens obtidas ou a serem obtidas com a tutela dos bens e valores a
serem ofendidos pela incriminação.
A análise de proporcionalidade deve ser realizada sob todos os aspectos apresentados,
não podendo deixar de realizar-se a análise de idoneidade da norma, a fim de aferir a
capacidade inerente a esta para a proteção do bem jurídico tutelado.
Cabe ao Estado a edição de normas de fácil aplicabilidade, conferindo-lhe assim,
efetividade, e para isso, ela deve obedecer ao princípio da proporcionalidade e também o que
diz respeito à idoneidade, a fim de não causar mal maior com a pena do que o causado pela
conduta incriminadora.
Nesta perspectiva, leis de difícil aplicação geram entre a comunidade a sensação de
insegurança, mediante a impunidade, por constituírem-se em infrações de difícil constatação.
Nesse sentido, asserva Gomes (2003, p. 135):
49
Constituem bons exemplos dessas espécies delituosas os crimes de perigo
abstrato que, não obstante já afrontarem os ditames constitucionais do
princípio da ofensividade – e por consequência estão em desacordo com o
princípio da necessidade, no âmbito do princípio da proporcionalidade em
sentido amplo -, também se apresentam como formas inadequadas, ou
inidôneas de oferecer a tutela ao bem jurídico penal. A idoneidade, por sua
vez, encontra-se presa à constatação de que, uma vez que estas infrações são
somente observadas quando aleatoriamente seu agente é descoberto
praticando-a (posto que não há necessidade de existir o dano, ou mesmo
perigo ao bem jurídico), na maioria das vezes o aparato estatal mostra-se
insuficiente para combater – o que, aliás, já era previsível.
Não há como justificar em um Estado Democrático de Direito, em que a sanção penal
deve ser aplicada subsidiariamente, e deva ser vinculada aos preceitos insculpidos na
Constituição, que sejam puníveis condutas que podem gerar algum perigo. Seria conferir ao
Estado a virtude de punir fatos que poderão ocorrer a partir de uma possível conduta do
agente.
Além do que a tipificação de tais condutas não encontra amparo com base no princípio
da proporcionalidade, e fere ainda, o princípio da igualdade na medida em que normalmente
ocorre uma seleção social para sua aplicação, abarcando as camadas marginalizadas da
sociedade.
Outra consequência observada na tipificação dos crimes de perigo abstrato, é que em
decorrência de sua ineficácia no âmbito da prevenção, não raro, o legislador opta por
aumentar as penas cominadas na tentativa de impelir tais condutas, o que na prática constituise numa afronta ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, uma vez que afasta o
vínculo do grau de afronta da conduta ao bem jurídico a ser tutelado, considerando-se a
proximidade deste ao fundamento da dignidade da pessoa humana.
Segundo Gomes (2003, p. 137):
Um outro efeito que se verifica a partir da ineficácia da norma penal diz
respeito ao fato de que, quando se torna evidente a ausência de uma eficácia
preventiva da norma, as penas são aumentadas, na esperança de que possam
compensar em rigor aquilo que falta na sua certeza. Como conseqüência, a
perplexidade moral inerente ao uso instrumental do sofrimento de uma
pessoa, com o fim de influenciar as condutas de terceiros, é aumentada pela
percepção de que a pena deixa de ser puramente instrumental, além de ser
desproporcional.
50
Como exemplo de crimes abstratos em nossa legislação penal pátria, tem-se o crime
descrito no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, dirigir veículo automotor, em via
pública, sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa que cause dependência.
Neste artigo, o simples fato de dirigir sob efeito da substância já é penalizado, restando
agravada a possível inconstitucionalidade pela edição da lei nº 11.276/2006, alterando as
medidas administrativas adotadas nos artigos 165 e 277 do CTB, onde o condutor que se
recuse a realizar o teste do etilômetro recebe uma penalidade administrativa de multa de
natureza gravíssima. Porém, dados estatísticos não demonstram que o aumento do rigor
punitivo tenha produzido redução significativa nos números de acidentes, lesões e mortes em
decorrência de embriaguez ao volante, levantando a questão quanto à eficácia de tal
recrudescimento.
O porte ilegal de armas, previsto pelo artigo 12 da lei nº 10.826/2006, também
considerado um crime de perigo abstrato. Porém, neste caso manifestou-se o STF, por ocasião
do julgamento do HC 104410/RS, em 06/03/2012, considerando que o dispositivo não fere o
princípio da ofensividade e da proporcionalidade, pois protege bens jurídicos penais
supraindividuais, na esfera da segurança pública, ante a característica de lesividade
empregada a uma arma de fogo. Com base na proibição da proteção deficiente, vertente do
princípio da proporcionalidade, foi denegado o pedido de habeas corpus do paciente que
portava arma sem munição.
Também cita-se o crime do artigo 135 do Código Penal, sob a omissão de socorro, em
que terceiro, não envolvido no fato, deixa de prestar socorro quando poderia fazê-lo.
Obviamente de difícil constatação e, portanto, ineficaz.
Embora alguns doutrinadores reconheçam a constitucionalidade dos crimes de perigo
abstrato, justificando que tutelam bens supraindividuais, e que cada caso deve ser analisado
em particular pelo magistrado, a fim de verificar a periculosidade oferecida ao bem, entendese que sua aceitação em um Estado Democrático de Direito gera certa insegurança jurídica,
pois depende da hermenêutica adotada pelo juiz para verificação da penalização ou não destas
condutas. Assim, conceber-se-ia uma política pública que poderia instrumentalizar
simbolicamente a repressão penal, contrariando o paradigma constitucional de respeito aos
direitos e garantias fundamentais, fundando na dignidade da pessoa humana.
51
2.3 A aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito da jurisprudência
Junto ao Supremo Tribunal Federal é possível verificar a aplicação do princípio da
proporcionalidade tanto no que diz respeito à proibição do excesso como na proibição da
proteção deficiente. Abaixo, o julgamento de habeas corpus, pedido por paciente que portava
arma de fogo sem munição, alegando a inconstitucionalidade da lei por ser considerado um
crime de perigo abstrato, e que então, haveria atipicidade em sua conduta. Porém o Tribunal
entendeu por aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à proibição da proteção
deficiente, alegando que a característica da arma de fogo já é por si só de lesividade, e visando
a proteção de um bem jurídico supraindividual, qual seja, a segurança pública. Reconhecendo
assim, a constitucionalidade de crimes de perigo abstrato.
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO
DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS
CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE
DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM
MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA
CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM
DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS
PENAIS. 1.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: A Constituição
de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não
outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas
(CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas
essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso,
tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não
podem ser considerados apenas como proibições de intervenção
(Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção
(Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não
apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem
ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de
tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização,
portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de
observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e
como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle
de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de
intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade
do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes
elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle
de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou
justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de
intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre
levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de
ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e
necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se
ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos
52
pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da
proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como
proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal
exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a
inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios
constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE
ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003
(Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo
abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de
possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou
ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma
como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a
determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador
seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o
indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato
não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do
legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato,
muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para
a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo,
como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o
legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir
quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de
determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação
próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que,
nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser
tachada de inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO
DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da
veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a
segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a
integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse
público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo,
diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à
sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao
objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta
ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha
diretiva de ilegitimidade normativa. 4. ORDEM DENEGADA. (BRASÍLIA,
2012).
O Superior Tribunal de Justiça também faz uso do princípio da proporcionalidade em
seus julgados. No caso abaixo, o STJ reconheceu de ofício a excessiva majoração da pena no
delito de furto, com base no princípio da proporcionalidade no que tange à sanção aplicada,
embora não tenha conhecido o habeas corpus, por considerá-lo como via inadequada para o
pedido.
PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. TENTATIVA. CONDENAÇÃO.
APELAÇÃO JULGADA. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. CÂMARA
FORMADA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES DE PRIMEIRO GRAU
CONVOCADOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL.
53
INOCORRÊNCIA. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DA RELATORA.
REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA
RECLUSIVA. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE REINCIDENTE.
DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
ACRÉSCIMO PELA AGRAVANTE. EXCESSIVA MAJORAÇÃO.
FLAGRANTE ILEGALIDADE.
EXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
7. In casu, existe manifesta ilegalidade no tocante à dosimetria da pena, pois
os acréscimos pelas circunstâncias judiciais desfavoráveis e pela agravante
da reincidência devem ser minorados, porquanto apresentam-se
desarrazoados, com fulcro no princípio da proporcionalidade.
8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício a fim de
reduzir a pena imposta ao paciente. (BRASÍLIA, 2013).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também manifesta julgados em que aplica
o princípio da proporcionalidade. No caso em concreto, entendeu que conduta com menor
lesividade à dignidade sexual não pode ter a mesma pena aplicada ao crime de atentado
violento ao pudor (já revogado em nosso Código Penal), e assim, considerou que as provas
trazidas ao processo caracterizavam o ato como contravenção penal de importunação ofensiva
ao pudor. Aplicando o princípio da proporcionalidade, no que se refere à proibição do
excesso, imputando sanção coerente ao dano causado, porém já prescrita.
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES SEXUAIS. ATO LIBIDINOSO
DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL MEDIANTE VIOLÊNCIA
PRESUMIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. NEGATIVA DE
AUTORIA
SUPERADA
PELA
PROVA
TESTEMUNHAL.
DESCLASSIFICAÇÃO
PARA
A
CONTRAVENÇÃO
DA
IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO PUDOR. POSSIBILIDADE NO
CASO CONCRETO POR IMPOSIÇÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA PROPORCIONALIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO
ADVENTO DA PRESCRIÇÃO. O atual Código de Processo Penal
brasileiro adota o denominado sistema acusatório misto. A tanto é bastante
verificar em seu corpo as várias possibilidades de iniciativa probatória
entregues ao juiz, nada obstante a cada nova alteração legislativa vejam-se
introduzidos na legislação processual penal instrumentos de caráter
marcadamente acusatório, como faz exemplo o próprio dispositivo legal em
análise. Anote-se que é tarefa do legislador, dada a vinculação
(constitucional) ao princípio da legalidade, traçar o modelo de processo
penal aplicável no território nacional, seja ele o denominado modelo
acusatório puro, nos moldes do direito anglo-americano, ou o acusatório
misto, como, por exemplo, o alemão (continental europeu), ou outro a ser
eventualmente formatado dentro da exclusiva experiência jurídica brasileira
a ser revelado. Sob tal enfoque não se pode considerar como nulidade tão só
o fato de a iniciativa da inquirição em audiência ter partido do juiz. O que,
sim, deve ter-se sob estrita observância é o equilíbrio processual entre a
acusação e a defesa, devendo-se verificar se tal balanço foi concretamente
aplicado, e assim, concretamente, o direito à ampla defesa. Nesta senda,
54
toma vulto a regra do artigo 563 do CPP, que reza "nenhum ato será
declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para
a defesa". Ou seja, descabida é a decretação de nulidade de ato processual
pela mera inobservância da forma se ele produziu o resultado pretendido
pela norma dentro dos parâmetros que exige a lei e a Constituição.
Precedentes desta Corte e do egrégio STJ. Em se tratando de crimes sexuais
praticados contra crianças e adolescentes, é competente o Juizado da
Infância e da Juventude, tendo em vista a ampliação de sua competência
efetuada por meio de decisão do Conselho de Magistratura - 058/2008COMAG. Não prevalece a alegação de insuficiência de provas relativamente
à autoria da infração cometida pelo réu ante a prova colhida nos autos que é
coerente e suficiente à sua demonstração. Contudo, não há falar em atentado
violento ao pudor, mas, sim, na contravenção penal da importunação
ofensiva ao pudor se os atos praticados pelo ofensor foram de menor
reprovabilidade social. Hipótese em que necessário se faz dar eficácia ao
princípio da proporcionalidade entre o fato e a pena que lhe é imposta dentro
das alternativas típicas previstas na legislação penal brasileira.
Desclassificação que leva à extinção da punibilidade pela prescrição in
abstrato PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PROVIDA, EM
PARTE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. POR
MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
Ante ao exposto, percebe-se a importância dos princípios em um sistema jurídico
vinculado ao Estado Democrático de Direito, e principalmente a grandeza funcional do
princípio da proporcionalidade, diretamente ligado ao fundamento da dignidade da pessoa
humana, no âmbito do Direito Penal. Porém, em nosso país, este princípio ainda não foi
efetivamente reconhecido dentro da atividade legislativa, pois como se viu, há muitas
incoerências em nossas leis, em desrespeito aos mandamentos constitucionais. Com a
apresentação de um projeto de Reforma ao Código Penal renova-se a esperança de estabelecer
um sistema jurídico-penal em harmonia com a Constituição e o Estado Democrático de
Direito, isto, se esta atividade levar em consideração todos os aspectos relacionados ao
princípio da proporcionalidade, dando assim, real efetividade aos direitos e garantias
fundamentais expressos na Constituição.
55
3. O ANTEPROJETO DE REFORMAS AO CÓDIGO PENAL E CONSOLIDAÇÃO
DA PROPORCIONALIDADE COMO PRINCÍPIO PENAL
Como se viu, dentro da perspectiva adotada pelo Estado Democrático de Direito, com
fundamento na dignidade da pessoa humana, considera-se o princípio da proporcionalidade
imprescindível na elaboração de leis penais, observando os critérios da necessidade, em que
não poderão ser puníveis fatos que não amparem bem jurídicos tutelados constitucionalmente,
da integridade (adequação), avaliando a qualidade instrumental meio em relação à finalidade
proposta, e da proporcionalidade em sentido estrito, verificando os valores estimados aos
objetos a serem tutelados, bem como os parâmetros da cominação da pena atribuída aos
crimes.
Nesse sentido, se refere Gomes (2003, p. 23):
A estreita relação entre Constituição e direito penal encontra suas origens
nas idéias políticas revolucionárias do século XVIII, uma vez que ambos são
praticamente coetâneos e nasceram com a função de indicar os limites do
poder do Estado. Não é por acaso essa coincidência, já que ao direito penal
cabe regular o instrumento mais temível desse poder, seu último recurso,
qual seja, a pena. [...] Assim, a Constituição não se limita a mero
instrumento de governo, mas tem por finalidade racionalizar, limitar e
organizar poderes. Pressupõe-se, pois, que revele uma medida material para
o exercício legítimo de tais poderes, não se limitando a “dar forma” ou
“constituir” órgãos, mas exigindo uma fundamentação substantiva para os
atos dos poderes públicos. Diz-se, portanto, que o texto constitucional indica
um parâmetro material, diretivo e inspirador de tais atos, o que pode ser
apreendido a partir de seu catálogo de direitos fundamentais, compreendidos
como os direitos, liberdades e garantias individuais, e direitos econômicos,
sociais e culturais.
Deste modo, tendo em vista a necessidade de adequação do Código Penal aos
parâmetros estabelecidos na Constituição, nos termos do Requerimento 756/2011, combinado
com o Requerimento 1.034/2011, foram nomeados os membros da Comissão de Juristas para
elaboração de um Anteprojeto de Código Penal, presidida pelo Ministro do Superior Tribunal
de Justiça, GILSON LANGARO DIPP. A comissão, que se reuniu pela vez no dia 18 de
outubro de 2011, aprovou o Regimento Interno e estabeleceu um plano de trabalho.
Durante os sete meses de atividades, foram realizadas vinte e quatro reuniões, bem
como audiências públicas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre, e ainda,
56
seminários em Aracajú e Cuiabá, com a presença de representantes da sociedade civil. Além
de um espaço virtual, disponibilizado na página do Senado Federal, destinado às sugestões
dos cidadãos brasileiros.
Conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012, p. 3):
A tarefa da Comissão, prevista no Requerimento 756, é atualizar o Código
Penal, sendo “imprescindível uma releitura do sistema penal à luz da
Constituição, tendo em vista as novas perspectivas normativas pós-88.” Da
mesma maneira: “o atraso do Código Penal fez com que inúmeras leis
esparsas fossem criadas para atender a necessidades prementes. Como
consequência, tem-se o prejuízo total da sistematização e organização dos
tipos penais e da proporcionalidade das penas, o que gera grande
insegurança jurídica, ocasionada por interpretações desencontradas,
jurisprudências contraditórias e penas injustas – algumas vezes muito baixas
para crimes graves e outras muito altas para delitos menores”.
A intenção foi reunir as leis extravagantes em um renovado Código Penal, pois ao
longo de mais de setenta anos essas leis esparsas chegavam até mesmo a estabelecer mini
partes gerais como é o caso da Lei nº 9.605/1993, a Lei dos crimes contra o Meio Ambiente,
criando microssistemas em que a lei penal complementava ou era complementada por
disposições cíveis ou administrativas. (RELATÓRIO FINAL DO PROJETO DE LEI DO
SENADO Nº 236/2012). Este excesso de leis com dispositivos penais fora do Código Penal
ocasionou desproporcionalidades com tipos protetivos dos mesmos bens jurídicos, em alguns
casos com codificações prolixas e até repetidas, servindo como fomento à insegurança
jurídica e até mesmo da impunidade.
Segundo Gomes (2003, p. 197):
É bastante comum observar, principalmente na legislação penal especial, o
mesmo tratamento penal sendo estabelecido para dois (ou mais)
comportamentos que contém gravidade diversa, mas expressos por meio da
mesma disposição normativa. [...] Na legislação penal brasileira são fartos
exemplos de normas que descrevem duas ou mais condutas que não são,
necessariamente, de igual gravidade, porém que tem cominada a mesma
quantidade de pena.
Segundo o relatório final do Projeto de Lei encaminhado ao Senado Federal, a
Comissão buscou, durante a elaboração do Projeto, submeter, cada crime previsto na parte
especial do Código Penal ou da legislação extravagante, a um triplo escrutínio, analisando se
57
o mesmo: i) se permanece necessário e atual; ii) se há figuras assemelhadas previstas noutra
sede normativa; iii) se as penas indicadas são adequadas à gravidade relativa do delito
(RELATÓRIO FINAL DO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236/2012).
Uma das principais preocupações da Comissão foi, justamente, adequar a legislação
penal ao princípio da proporcionalidade. Ao observar a necessidade da existência do tipo e se
as penas são adequadas à gravidade do delito, a Comissão se propõe a avaliar a Necessidade e
a Proporcionalidade em Sentido Estrito.
A necessidade está intimamente relacionada à adoção do meio menos danoso e mais
eficaz para obtenção da tutela ao bem jurídico pretendido, onde predominam os interesses
socialmente relevantes de acordo com a linha adotada pela política criminal inserida na
Constituição. Já a proporcionalidade em sentido estrito expressa a justa medida entre as
desvantagens dos meios e as vantagens dos fins, assim, exigindo um juízo concreto de
ponderação para a análise da finalidade interventiva, equilibrando-se a pena imposta com a
necessária para obtenção de sua eficácia.
Todos estes critérios obedeceram ao imperativo Constitucional, e, portanto, houve
condutas que foram descriminalizadas, ou tiveram suas penas redefinidas, atendendo ao
princípio da proporcionalidade, para coibir excessos ou insuficiências.
Conforme Feldens (2012, p. 43, grifos do autor):
O que deve ser acentuado, enfim, é a preexistência dos direitos fundamentais
ao momento de sua configuração legislativa. Nesses termos, ao legislador
corresponde promover seu desenvolvimento de modo a otimizá-lo na vida
comunitária, sempre respeitando o limite que a Constituição lhe impõe, que
corresponde – ou que corresponde pelo menos - ao núcleo essencial do
direito fundamental.
E ainda, asserva Feldens (2012, p. 44, grifos do autor):
[...] a evolução dogmática constitucional propiciou significativos avanços
acerca da aptidão funcional dos direitos fundamentais, expandindo sua força
garantista para além do abstencionismo estatal, exigindo do Estado uma
atuação ativa. Detentor do monopólio da força, o Estado passa a ter uma
dupla missão: deve não apenas respeitar os direitos fundamentais (em
perspectiva negativa), mas também protegê-los (em perspectiva positiva)
58
contra ataques e ameaças de terceiros. Essa dupla missão acometida ao
Estado é o retrato da multifuncionalidade que assumiram os direitos
fundamentais, agora vistos não apenas como direitos de defesa (de
resistência contra o Estado), mas também como imperativos de tutela
(exigência de proteção, por meio do Estado).
A proposta ainda contemplou a extinção da Lei das Contravenções Penais,
considerando infração penal um termo genérico que pode compreender tanto crimes quanto
contravenções, constituindo-se sinônimos, para as contravenções reconhecidas como objeto
de dignidade pessoal foi proposta sua transformação em crime. (RELATÓRIO FINAL DO
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236/2012).
Assim, a idéia de reforma partiu do pressuposto de readequar a legislação penal ao
texto constitucional e às aspirações sociais da atualidade, reformulando conceitos, condutas e
penas, sem deixar de analisar o princípio da proporcionalidade sob todos os seus aspectos.
3.1 Os objetivos e os princípios norteadores da proposta de reforma ao CP
Dentro do contexto já exposto, verifica-se que entre os objetivos elencados para a
proposição de reformas ao atual Código Penal está o fato de que ele não se apresenta
harmônico com a Constituição Federal de 1988, que consagrou como bem jurídico máximo a
dignidade da pessoa humana, e encontra-se defasado tendo em vista à dinamicidade social e
as mudanças ocorridas desde 1940, quando entrou em vigor.
O Brasil passou de uma sociedade predominantemente agrária para industrial e
tecnológica, estando inserido na Sociedade Internacional, não aceitando mais tratamentos
discriminatórios contra as mulheres, etnias, grupos religiosos, orientação sexual, portadores
de necessidades especiais, e superando uma ditadura militar para conceber o Estado
Democrático de Direito.
Como objetivos da reforma, inseridos no Relatório final do Anteprojeto de Reforma ao
Código Penal (2012, p. 3):
[...] a) modernizar o Código Penal; b) unificar a legislação penal esparsa; c)
estudar a compatibilidade dos tipos penais hoje existentes com a
Constituição de 1988, descriminalizando condutas e, se necessário, prevendo
novas figuras típicas; d) tornar proporcionais as penas dos diversos crimes, a
59
partir de sua gravidade relativa; e) buscar formas alternativas, não prisionais,
de sanção penal.
Entre outros objetivos das alterações encontra-se o de criar tipos compreensivos,
capazes de proteger distintas projeções do mesmo bem jurídico, evitando-se tipificações
prolixas e repetidas, por isso a intenção de codificar em um único dispositivo todas as
possibilidades de penalização, com condutas e penas. (RELATÓRIO FINAL DO PROJETO
DE LEI DO SENADO Nº 236/2012).
A busca pela racionalização do sistema penal encontra amparo no texto constitucional,
pois é ele que vincula parâmetros a serem observados quando da distinção da tutela penal
entre distintos bens, limitando o poder punitivo e exercendo coercitivamente mandados de
criminalização de crimes considerados prejudiciais à ordem social, ou com grande potencial
lesivo. Assim, recepcionando as duas dimensões do princípio da proporcionalidade, evitando
excessos e também proteção deficiente.
A pretensão também contempla a idéia de efetivar a ressocialização de apenados,
tomando a prisão como última instância sancionatória, uma vez que dá prevalência a penas
alternativas, com o propósito de dar efetividade aos direitos e garantias fundamentais.
Outra questão importante consiste na unificação de legislações especiais em um único
diploma, para evitar incoerências dentro do sistema penal, equalizar a aplicação das sanções, e
facilitar aos cidadãos o acesso e conhecimento das normas penais.
Conforme Gomes (2003, p. 76 - 77):
Por essa perspectiva, o ato normativo vem analisado sob o ponto de vista
funcional, e estará viciado onde falte coerência lógica, Esta última pode ser
correlata a uma incoerente representação normativa da realidade históriconaturalística à qual se refere, à genérica individualização do objeto de tutela
ou, enfim, a defeito de proporcionalidade na individualização do nexo entre
a entidade dos interesses tomados como elementos condicionantes do ato e a
medida da conseqüência. O critério da racionalidade é, portanto, a ponte que
liga a exigência de clareza linguística à necessidade de coerência lógica, uma
vez que uma disposição parece corretamente inteligível e interpretável na
medida em que resulta conforme o princípio da proporcionalidade.
60
Dentro desta perspectiva, entende-se que o projeto de reforma ao Código Penal teve
como principais objetivos, adequar o sistema penal à hermenêutica constitucional, e nesse
sentido efetivar a aplicação do princípio da proporcionalidade, sob todos os seus aspectos.
Como pressupostos orientadores do anteprojeto de reforma ao Código penal são
possíveis identificar, a concepção de um sistema penal mais voltado à sua funcionalidade
social, o respeito à dignidade da pessoa humana, e a sintonia com o texto da Constituição
Federal de 1988, adequando-se a uma leitura do constitucionalismo penal.
Conforme Feldens (2012, p. 61, grifos do autor):
Em termos ainda gerais, podemos sustentar que a Constituição figura como
um quadro referencial obrigatório da atividade punitiva, contendo as
decisões valorativas fundamentais para a elaboração de um conceito de bem
jurídico prévio à legislação penal e ao mesmo tempo obrigatório para ela.
Nesse contexto, a atividade do legislador penal encontra seu objeto
premeditado por uma ordem de valores ditada pela Constituição, que se faz,
por essa razão mesma, pré-constituida ao legislador.
Assim, a comissão esteve vinculada materialmente ao texto constitucional para
elaboração do projeto de reforma ao atual Código Penal, que ainda é anterior ao texto de
1988, e, portanto, não se encontra atrelado à hermenêutica da Constituição.
O parâmetro estabelecido constitucionalmente serve como núcleo da atividade
punitiva estatal, pois é ele quem expressa mandados e proibições que funcionam como
referências à atividade legislativa, que detém ainda certa discricionariedade para a elaboração
de leis de tutela penal, mas sempre atendendo aos preceitos do princípio constitucional da
proporcionalidade no que se refere à necessidade, idoneidade e proporcionalidade em sentido
estrito.
Segundo Gomes (2003, p. 64):
Pode-se argumentar também, que a proporcionalidade é um princípio
implícito ao direito penal constitucional, uma vez que, ao se falar em pena, a
Constituição já está fazendo referência a todas as características inerentes a
tal conceito. Considerando o sentido histórico da declaração constitucional
do Estado como sendo Democrático de Direito, assim como o caráter
garantístico paulatinamente incorporado ao direito penal, que inclui a
confiança na limitação racional do poder através do direito como produto da
61
razão humana, o próprio conceito do que seja pena (e, consequentemente os
atributos da intervenção penal) já conteria em si uma especial carga
valorativa, neste sentido.
Neste contexto, a legislação penal deve estar em sintonia com o texto constitucional, e
a atividade legislativa se nortear pelos preceitos concebidos pelo Estado Democrático de
Direito.
A aproximação do sistema penal à sua funcionalidade social diz respeito às reais
necessidades dos diferentes ambientes sociais, políticos e culturais em determinada época.
Uma vez, que povos distintos têm culturas distintas e estas, sofrem constantes transformações
ao longo do tempo. Assim, condutas que em um dado momento são criminalizadas, em outro
momento já não mais atendem aos anseios da sociedade. Como o exemplo do revogado artigo
do Código Penal que criminalizava a infidelidade na constância do matrimônio.
O respeito ao fundamento da dignidade da pessoa humana é inerente ao Estado
Democrático de Direito, pois está insculpido como um de seus fundamentos, e dele advêm,
implicitamente, o princípio da proporcionalidade, sem o qual não é possível vislumbrar um
sistema penal-constitucional em respeito aos direitos fundamentais compreendidos de forma
global.
Assim asserva Feldens (2012, p. 34):
A Constituição, materializando valores fundamentais da vida em comum
(Böckenförde), se caracteriza por um sistema de direitos fundamentais
autoaplicáveis, sem prejuízo da contínua afirmação de que o poder deriva do
povo, que se manifesta ordinariamente por seus representantes.
Desta forma, o projeto de reforma ao Código Penal, buscou contemplar os
mandamentos constitucionais, fundados na dignidade da pessoa humana, nos princípios da
liberdade, da igualdade, e conseguintemente, o da proporcionalidade. Para adequar o sistema
penal brasileiro ao paradigma do Estado Democrático de Direito, e efetivar o
constitucionalismo penal, com respeito aos direitos e garantias fundamentais. Embora a tarefa
seja demasiadamente ampla e complexa, a Comissão procurou adequar conceitos e métodos
utilizados no Código Penal para a individualização da pena, afastando o sistema da
62
moralidade, da subjetividade, e aproximando-o da política criminal minimalista, prevista em
nossa Carta Magna.
3.2 A nova estrutura do Código Penal, conforme a proposta do PL Nº 236/2012
Sob o prisma de tornar o direito penal voltado à sua funcionalidade social adequandoo ao fundamento de dignidade da pessoa humana, em sintonia com o paradigma estabelecido
pela Constituição, concretizando assim, o constitucionalismo penal e afastando-se de
preceitos morais, em busca do racionalismo em sua aplicação, a Comissão pretende tornar o
Código Penal o centro do ordenamento jurídico-penal brasileiro, reduzindo o número de
legislações penais especiais, a fim de aperfeiçoar o controle sobre a expansão desenfreada do
direito penal, e ainda, facilitar o conhecimento da norma penal em vigor, tanto para seus
operadores como para sociedade. Consagrando, nesse sentido, a reserva de código, ou seja,
que as normas em matéria de crimes e penas devem ser objeto de modificação e integração do
texto do Código Penal. (RELATÓRIO FINAL DO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº
236/2012).
A inflação legislativa, ou seja, a proliferação desenfreada de novas leis, sem
preocupação com sua efetividade, em nada contribui para a necessária adequação do sistema
penal ao texto constitucional, pelo contrário, pois muitas vezes as leis são elaboradas no
anseio do clamor público, em decorrência de algum fato isolado que tenha provocado revolta
geral, e assim, acabam por desrespeitar a metodologia adequada, e o amplo debate necessário
para sua ponderação antes de sua promulgação. Neste sentido, a lei aproxima-se a um clamor
de vingança privada - coletiva, sob a influência do ambiente social da época.
Assim, aduz Gomes (2003, p. 83):
O que se verifica no processo de elaboração legislativa de normas penais
cujo conteúdo diga respeito a um aumento nas respostas sancionatórias [...],
é a forte influência de uma comoção social, ou alarme social. Este consiste
na reação suscitada na coletividade pelo cometimento de certos delitos,
oscilando de uma sensação de insegurança, de indignação, até um
comportamento de vingança – sentimentos cuja difusão e permanência no
corpo social são fundadamente temidos pelos detentores do poder, enquanto
concorrentes a produzir um sentimento de estraneidade dos cidadãos em
relação às instituições, que podem se unir a fim de cultivar propósitos de
justiça privada.
63
O desenvolvimento de uma dogmática jurídico-penal adequada ao Estado
Democrático de Direito, e comprometida com a efetivação dos valores constitucionais, precisa
ser produzido de forma global, constitucionalizando o direito penal sob o paradigma dos
direitos fundamentais, e da tutela da dignidade da pessoa humana, e superando qualquer
sentimento moral, e extremista. Pois, na perspectiva do princípio da proporcionalidade, a
imposição de limites ao Estado encontra duas dimensões, a da proibição do excesso e da
proibição da proteção insuficiente, legitimadas através de sua compatibilidade com os
parâmetros normativos da Constituição.
No Relatório Final da proposta de Reforma ao Código Penal verifica-se a presença de
tipos compreensivos, que oferecem proteção às diversas projeções do mesmo bem jurídico,
evitando previsões prolixas e repetidas, como exemplo, destaca-se a proposta dos crimes
contra a administração pública, reunindo todas as lesões a este bem jurídico independente de
qualitativos. E ainda, o crime de estelionato, que deixa de ter seis variações, pois todas se
enquadram na equação típica da figura essencial do crime. (RELATÓRIO FINAL DO
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236/2012).
Para realizar esta unificação, os tipos penais existentes passaram pela análise de
necessidade na atualidade, se apresenta figura assemelhada em outra sede normativa e se a
pena aplicável é proporcional em relação ao dano causado. Para adequar-se ao
constitucionalismo penal foi preciso descriminalizar algumas condutas, redesenhar várias
penas a fim de evitar excessos ou insuficiências e adequar a aplicabilidade do direito penal de
acordo com a política criminal minimalista adotada por nossa Constituição. (RELATÓRIO
FINAL DO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236/2012).
Conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal (2012, p. 6):
Importante sublinhar que se fez levantamento de toda a legislação penal
extravagante em vigor. Toda lei com alguma implicação de direito penal
material foi analisada pela Comissão, com o fim de propor as revogações
necessárias. Foram usados os critérios constantes do Plano de Trabalho da
Comissão, [...], para a análise da legislação extravagante:
a) da necessidade de adequação às normas da Constituição de 1988 e aos
tratados e convenções internacionais;
b) da intervenção penal adequada e conforme entre a conduta e a resposta de
natureza penal por parte do Estado;
c) da seleção dos bens jurídicos imprescindíveis à paz social, em harmonia
com a Constituição;
64
d) da criminalização de fatos concretamente ofensivos aos bens jurídicos
tutelados;
e) da criminalização da conduta apenas quando os outros ramos do direito
não puderem fornecer resposta suficiente;
f) da relevância social dos tipos penais;
g) da necessidade e da proporcionalidade da pena.
A Comissão não alterou a técnica do atual Código Penal mantendo a parte geral,
conceitual e de aplicação da lei e das penas e outra, especial, na qual define-se as condutas
típicas e as penas indicadas, sempre com índice mínimo e máximo. A divisão em títulos e
capítulos, em ambas as partes, procurou manter a estruturação do atual Código, embora em
diversos trechos tenham ocorrido profundas alterações. (RELATÓRIO FINAL DO PROJETO
DE LEI DO SENADO Nº 236/2012).
Ainda na parte geral a ordem proposta para os títulos é a seguinte, conforme o
Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal (2012, p. 8):
PARTE GERAL
Título I Da aplicação da lei penal
Título II Do crime
Título III Das penas
Título IV Individualização das penas
Título V Medidas de segurança
Título VI Ação penal
Título VII Barganha e da colaboração com a Justiça
Título VIII Extinção da punibilidade
Houve o acréscimo dos dois últimos títulos, os quais serão melhor analisados abaixo,
por constituírem em inovações trazidas ao atual Código Penal, de suma importância para a
concretização do constitucionalismo penal.
Já a parte especial sofreu ainda mais alterações devido à inserção de tipos previstos em
legislações esparsas, e conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código
Penal (2012, p. 8 - 9), se estrutura assim:
Título I Crimes contra a pessoa
Título II Crimes contra o patrimônio
Título III Crimes contra a propriedade imaterial
Título IV Crimes contra a dignidade sexual
Título V Crimes contra a incolumidade pública
Título VI Crimes cibernéticos
Título VII Crimes contra a saúde pública
65
Título VIII Crimes contra a paz pública
Título IX Crimes contra a fé pública
Título X Crimes contra a Administração Pública
Título XI Crimes eleitorais
Título XII Crimes contra as finanças públicas
Título XIII Crimes contra a ordem econômico-financeira
Título XIV Crimes contra interesses metaindividuais
Título XV Crimes relativos a estrangeiros
Título XVI Crimes contra os direitos humanos
Título XVII Dos crimes de guerra
Disposições Finais
Nos Títulos I e II, manteve-se à tutela à vida e ao patrimônio, porém com a inversão
da proteção a estes bem jurídicos, procurando adequar à legislação ao paradigma
constitucional, protegendo mais o bem vida do que o patrimônio.
Já o Título III tutela os direitos autorais, protegidos expressamente pela Constituição
em seu artigo 5º, inciso IX. No Título IV, estão os crimes contra a dignidade sexual, que passa
a ser a tutela jurídica pretendida, no Título V, os crimes contra a incolumidade pública, onde
foram reunidos os crimes de perigo comum, os crimes de telecomunicações, os crimes contra
o serviço de transporte público e os crimes de trânsito. No Título VI encontram-se os crimes
cibernéticos, analisados de forma ampla, para tutela da vida e da confidencialidade,
dependendo da conduta ilícita, referindo-se a um novo bem jurídico, o sistema informático.
O Título VII trata dos crimes contra a saúde pública, abarcando o tráfico ilícito de
drogas e os crimes contra a saúde pública propriamente ditos, o Título VIII traz os crimes
contra a paz pública, abrangendo o terrorismo, os crimes de arma de fogo, dos crimes contra
eventos esportivos e culturais, e outros crimes como associação criminosa, organização
criminosa e formação de milícia. O Título IX se refere aos crimes contra a fé pública, e o
Título X dos crimes contra a administração pública, incluindo entre outros, o abuso de
autoridade como conduta tipificada. E ainda, crimes contra a administração da justiça, e
também inclui novas tipificações, entre elas um capítulo específico para os crimes contra o
sistema de contratações públicas, abarcando os tipos previstos na Lei nº 8.666/1998.
O Título XI é dos crimes eleitorais, o Título XII dos crimes contra as finanças
públicas, o Título XIII dos crimes contra a ordem econômico financeira, abrangendo crimes
contra a ordem tributária e previdenciária, crimes contra o sistema financeiro, a ordem
econômica. O título XIV tutela os interesses metaindividuais e recepciona os crimes contra o
66
meio ambiente, protegendo a fauna e a flora, bem como o ordenamento urbano e o patrimônio
cultural. E ainda os crimes contra a administração ambiental, os contra as relações de
consumo, contra o sentimento religioso e respeito aos mortos.
O Título XV é dedicado aos crimes relativos a estrangeiros, o Título XVI aos crimes
contra os direitos humanos, abrangendo crimes contra a humanidade, tortura, crimes de
guerra, crimes contra as pessoas com deficiência e crimes de racismo e intolerância,
abarcando tráfico de pessoas, crimes contra idosos, crianças e adolescentes, índios. E o Título
XVII, trata dos crimes de guerra, seguindo concepções de Tratados Internacionais do qual o
Brasil é signatário.
Dentre as inúmeras alterações foram elencadas neste tópico aquelas consideradas mais
significativas por alterarem o caráter adotado pelo atual sistema penal, na busca de unificar as
legislações penais, rever o valor dado aos bens jurídicos tutelados e a forma de penalização
das condutas típicas, bem como a tentativa de promover efetivamente a ressocialização e
superar o estigma carcerário da clientela eleita entre os menos favorecidos economicamente.
3.3 As principais inovações propostas
Dentre as alterações mais significativas encontra-se a preocupação de aperfeiçoar o
enquadramento dos bens jurídicos a serem tutelados, incluindo-se a tutela da dignidade da
pessoa humana como núcleo da proteção. A adequação do texto à hermenêutica
constitucional, e ainda, a compilação das diversas leis penais extravagantes em um único
diploma, instituindo o princípio da reserva do Código Penal, em que as alterações advindas
devem ser feitas no próprio texto da Lei. Alcançando assim, a formulação de um sistema
jurídico-penal em harmonia com a política criminal adotada pelo Estado Democrático de
Direito.
Conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012, p. 6):
Esta tarefa resultou em forte descriminalização de condutas, em regra por
serem consideradas desnecessárias para a sociedade brasileira atual,
insuscetíveis de tratamento penal ou incompatíveis com a Constituição
Brasileira de 1988. As penas foram redesenhadas para coibir excessos ou
insuficiências. A exagerada pena do artigo 273 do atual Código Penal
(falsificação de medicamentos), por exemplo, foi reduzida dos atuais dez a
67
quinze anos para quatro a doze anos. Por outro lado, as penas do homicídio
culposo, hoje com máximo de três anos, foram aumentadas para quatro, além
da previsão da “culpa gravíssima”, capaz de elevar as penas desta conduta
para o intervalo de quatro a oito anos.
Adequar o texto penal ao constitucional também diz respeito à contemplação normas
de direito internacional, através de Tratados e Convenções das quais o Brasil é signatário, pois
a realidade brasileira atual insere estas regras dentro de nosso cotidiano. Nesse sentido, o
artigo 5º do Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal estabelece
prevalência aos tratados e acordos internacionais sobre a lei brasileira.
Assim expressa o Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012,
p. 7):
Ateve-se a Comissão de Reforma à necessidade de dar cumprimento a
tratados e convenções internacionais firmados pelo Brasil, seja prevendo
expressamente direitos, como o das celas individuais para o cumprimento
das penas privativas de liberdade, seja criminalizando comportamentos,
como o enriquecimento ilícito. Especial destaque merece a previsão de título
próprio, no Código Penal, para incluir os crimes contra a humanidade,
crimes de guerra e crimes contra os direitos humanos, dando tipificação
interna às condutas sujeitas à competência do Tribunal Penal Internacional,
objeto do Tratado de Roma.
Importante ressaltar que o princípio da legalidade teve seu conteúdo expandido, pelo
parágrafo único do artigo 1º do projeto de lei do Senado nº 236/2012 que expressa que não há
pena sem culpabilidade. “Consagrando a teoria de direito penal do fato, infenso à
responsabilidade objetiva e às características pessoais, considerando o fato e a tutela ao bem
jurídico para a imputação da sanção, na medida de sua reprovabilidade” (RELATÓRIO
FINAL DO PROJETO DE LEI Nº 236/2012). Submetendo o direito penal ao escrutínio da
proporcionalidade, com a idéia de afastá-lo de concepções morais ou religiosas, e aproximá-lo
ainda mais das posições jurídicas compatíveis com a Constituição, através da racionalização e
de sua funcionalidade.
O conceito de dolo também teve alteração, passando a estabelecer que se considere
doloso o crime quando o agente quis realizar o tipo penal, ou assumiu o risco de realizá-lo,
consentindo ou aceitando de modo indiferente o resultado. Permitindo ao Juiz uma redução da
pena em até um sexto no dolo eventual, conforme as circunstâncias do caso em concreto.
68
Assim expressa o Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012,
p. 217): “Art. 20. O juiz, considerando as circunstâncias, poderá reduzir a pena até 1/6 (um
sexto), quando o fato for praticado com dolo eventual”.
Outro conceito introduzido pelo Anteprojeto de Reforma ao Código Penal diz respeito
à culpa gravíssima, se as circunstâncias do fato demonstrem que o agente não quis o
resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo, mas agiu com excepcional temeridade.
Oferecendo um tratamento diferenciado a este caso, na tentativa de esclarecer possíveis
distorções entre dolo eventual e culpa. Surgindo da necessidade de equacionar as penas
aplicáveis principalmente nos crimes de trânsito, oferecendo uma resposta mais severa às
condutas cometidas com excepcional temeridade, atendendo à exigência de proporcionalidade
quanto à proibição da proteção deficiente, sem punir com dolo eventual para não ofender ao
princípio da proporcionalidade quanto à proibição do excesso.
Conforme justificativa expressa no Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao
Código Penal (2012, p. 277):
[...] culpa gravíssima, capaz de oferecer sanção penal mais intensa para os
casos nos quais, sem querer e sem assumir o risco, o resultado fatal advém
de excepcional temeridade. A exemplificação trazida pelo parágrafo ajuda a
definir o conceito: é culpa gravíssima matar alguém na condução, sob efeitos
de álcool ou substância análoga, de veículo automotor, embarcação ou
aeronave; é culpa gravíssima fazê-lo mediante racha ou pega. Desta maneira,
oferece-se solução que, conjugada à do capítulo dos crimes de trânsito,
responde proporcionalmente a estas mui abundantes ocorrências de nossas
cidades. Mas não se trata de instituto reduzido a estes exemplos. A culpa
temerária pode ser aplicada noutras situações nas quais vai-se muito além do
ordinário, em matéria de descuido.
O Anteprojeto também recepcionou e codificou o princípio da insignificância
estabelecendo-o como excludente de ilicitude quando se verificarem algumas condições como
a mínima ofensividade da conduta do agente, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do
comportamento ou inexpressividade da lesão jurídica provocada, podendo ser punido o
excesso, dolosa ou culposamente.
Conforme justificativa expressa no Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao
Código Penal (2012, p. 221):
69
[...] Erigida em doutrina aceita e orientação jurisprudencial firme, a
insignificância permite a distinção entre a tipicidade material (a lesão
relevante, efetiva ou potencial, ao bem jurídico) e a tipicidade formal, a mera
subsunção do fato à descrição normativa. Urgia, entretanto, para avançar na
previsibilidade e segurança jurídica necessárias ao ambiente penal, que os
critérios para o reconhecimento desta hipótese de atipicidade fossem
positivados. A proposta recolhe três elementos essenciais para a
insignificância (a mínima ofensividade, reprovabilidade e lesividade da
conduta) e as traz como excludente do fato criminoso. A despeito do nome
tradicional, que lhe atribui a natureza de “princípio”, trata-se, em verdade, de
necessária técnica hermenêutica.
Destaca-se também a exclusão da distinção entre detenção e reclusão nas penas, sendo
todas as penas privativas de liberdade unificadas como prisão. A interpretação da Comissão
foi de que atualmente, existe uma distinção artificial entre estas previsões de pena, e que tal
diferenciação se justificaria apenas para o momento de fixação do regime inicial do
cumprimento de pena, preservando-se a distinção para tal.
Neste sentido, diz o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal
(2012, p. 232):
A forma progressiva de cumprimento da pena. Reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal como garantia fundamental, expressão da individualização
das penas, mencionada no art. 5º da Carta Política, a progressão dos regimes
prisionais foi mantida na proposta de novo Código Penal. Por aliar lapso de
permanência em determinado regime com exame da conduta carcerária dos
presos, a progressão oferece incentivo ao bom comportamento e caminho de
ressocialização, evitando a devolução abrupta do condenado à vida social.
Estas vantagens, todavia, só podem ser potencializadas com o avanço da
implementação material, pelo Poder Público, de estabelecimentos penais
adequados.
Importante alteração diz respeito ao agravamento da pena, pois na análise das
circunstâncias judiciais o projeto retira da avaliação judicial aspectos subjetivos como a
conduta social e a personalidade do agente, para fins de dosimetria da pena.
Houve alteração também no método utilizado para o cálculo da pena, que embora
continue trifásico, utilizando-se da pena-base do tipo, das causas agravantes e atenuantes,
passando a ter limitações para estes elementos, e por último, à análise de causas de aumento e
diminuição da pena para então chegar a um coeficiente.
70
Os antecedentes foram preservados como critério de dosimetria da pena, porém, como
agravantes, não permitindo que processos criminais ou inquéritos em curso sejam
considerados como indicativos de vida pregressa desabonadora, em respeito à garantia
constitucional da presunção de inocência.
A reincidência poderá ainda ser desconsiderada pelo Juiz se o acusado já tiver
cumprido a pena pelo crime anterior e as condições pessoais apresentadas por ele sejam
favoráveis à ressocialização. Nestes casos, a reincidência poderá ser computada como
antecedente para fins de dosimetria da pena.
Conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal (2012, p. 256
- 257):
[...] Pela proposta, agora é previsto de forma expressa que a incidência de
circunstância atenuante ou agravante deve observar os limites legais
cominados. De outro lado, inovou ao possibilitar um volteio na análise das
circunstâncias atenuantes desprezadas. Isso ocorrerá nas hipóteses em que a
atenuante deixou de incidir em razão de ter a pena-base sido fixada no
mínimo legal, mas que, pela posterior incidência de causa de aumento, na
terceira fase do processo dosimétrico, teve sua quantidade elevada. A
proposta procura ainda maior concretização do princípio da individualização
da pena ao outorgar ao julgador o máximo de espaço de verificação do caso
concreto, exigindo, porém, a fundamentação de cada circunstância e
indicação do quantum respectivo.
Entre as espécies de pena o Anteprojeto prevê, a prisão – como última ratio, as
restritivas de direitos, as de multa e as de perda de bens e valores. Como restritivas de direito
tem-se a prestação de serviço à comunidade, a interdição temporária de direitos, a multa, a
prestação pecuniária e a limitação de fim de semana.
A idéia de ampliar e facilitar a imposição de penas restritivas de direito foi para os
crimes com media danosidade, evitar-se o estigma do encarceramento e facilitar a
ressocialização, oferecendo uma resposta estatal à conduta cometida. Podendo, a qualquer
tempo, ser convertida em pena de prisão se não houver o cumprimento das medidas impostas.
Nas penas de prestação pecuniária, a intenção foi desvincular esta da indenização por
reparação civil, pois consiste no pagamento em dinheiro, à entidade pública ou privada com
destinação social. Não mais beneficiando a vítima pela prestação pecuniária, pois a reparação
71
do dano em crimes patrimoniais praticados sem violência ou grave ameaça, com aceitação da
vítima, extingue a punibilidade.
A limitação de fim de semana estabelece que o apenado passe aos sábados e
domingos, por período de quatro horas, em instituições públicas ou privadas com finalidades
educativas, culturais, artísticas ou de natureza semelhante. Pondo um fim às casas de
albergados, que em muitos lugares, nem chegou a se efetivar.
A pena de perda de bens e valores dar-se-á em favor do Fundo Penitenciário Nacional,
e seu valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou do proveito obtido pelo agente
ou por terceiro, em consequência da prática do crime, não sendo prejudicada pelo confisco
dos bens e valores hauridos com o crime.
As penas de prestação de serviços à comunidade, de interdição temporária de direitos
e multas tiveram poucas alterações, na primeira estabeleceram um limite de carga horária
semanal para o cumprimento, a segunda desvincula preceitos morais de proibição de
freqüentar determinados locais, e a terceira teve ampliados os intervalos para a cominação,
com o valor máximo do dia-multa passando de cinco para dez vezes o salário mínimo e a
quantidade de dias de trezentos e sessenta (atuais) poderá ser de setecentos e vinte.
Já quanto à ação penal, surge a figura do cônjuge, expressamente, como legitimado a
dar prosseguimento na ação penal no caso de morte ou ausência do ofendido. A
irretratabilidade da representação passa para após ser recebida a denúncia e não mais com o
seu oferecimento.
Ainda na parte geral Anteprojeto do Código enquadram-se os crimes hediondos, no
artigo 56, obedecendo ao mandado constitucional do artigo 5º, estabelecendo que a lei
determinasse os crimes hediondos, oferecendo para eles medidas penais mais severas. Assim,
houve a estipulação das condutas criminosas em um rol, de forma taxativa, retirando o
homicídio qualificado privilegiado e incluindo outras condutas, bem como do regime
diferenciado de fixação de regime inicial, que deve ser fechado, e alterando a previsão de
progressão de regime, obedecendo aos critérios específicos.
72
Conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal (2012, p. 241
- 242):
Esta técnica evita que, ao sabor de suas preferências político-ideológicas o
julgador possa incluir ou excluir condutas deste rol. Para evitar distorções já
reconhecidas pela jurisprudência, a proposta retira, do conjunto dos crimes
hediondos, o homicídio qualificado-privilegiado, ou seja, aquele no qual a
qualificação é objetiva, advinda do modo de cometimento do crime, que
pode, todavia, ter motivação merecedora de redução de pena. É a mesma
situação daquele que, no contexto do tráfico de drogas, revela-se primário,
de bons antecedentes, que não se dedica às atividades criminosas nem
integra organização criminosa, tendo, por isto, redução de pena. Por outro
lado, aprovou-se o acréscimo, no rol dos crimes hediondos, das figuras de
tortura, terrorismo e tráfico, hoje consideradas como equiparadas a estes
crimes, recebendo idêntico tratamento penal e processual penal. Situação
distinta, por representar ampliação deste conjunto de crimes, é a do
financiamento ao tráfico de drogas, o racismo, o tráfico de pessoas e os
crimes contra a humanidade. Trata-se de figuras gravosas o suficiente para
que sejam consideradas hediondas. Sem embargo, a Comissão rejeitou a
inclusão de outras figuras criminosas, por entender que não se recomenda a
vulgarização do rol. O trato de questões de tipo misto, processual penal e
penal se justifica pela incorporação, a um capítulo do Código Penal, da lei
que cuidava amplamente do assunto. É por isto que se fala na vedação da
fiança, anistia e graça, repetindo, no particular, o texto constitucional. A
proposta adota orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido
de que a vedação a progressão de regime de cumprimento de pena ofenderia
a garantia constitucional da individualização da pena. Por esta razão, é
apenas o regime inicial que deve, necessariamente, ser o fechado, admitida a
progressão de regime com os critérios fixados no artigo próprio.
Assim expressa o artigo 56 do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal (2012, p. 30 31):
Art. 56. São considerados hediondos os seguintes crimes, consumados ou
tentados:
I – homicídio qualificado, salvo quando também privilegiado;
II – latrocínio;
III – extorsão qualificada pela morte;
IV – extorsão mediante sequestro;
V – estupro e estupro de vulnerável;
VII – epidemia com resultado morte;
VIII – falsificação de medicamentos e produtos afins;
IX – redução à condição análoga à de escravo;
X – tortura;
XI – terrorismo;
XII – tráfico de drogas, salvo se o agente for primário, de bons antecedentes,
e não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar associação ou
organização criminosa de qualquer tipo;
XIII – financiamento ao tráfico de drogas;
XIV – racismo;
XV – tráfico de pessoas;
73
XVI – contra a humanidade.
§ 1º A pena por crime hediondo será cumprida inicialmente em regime
fechado.
§ 2º Os crimes hediondos são insuscetíveis de fiança, anistia e graça.
O artigo 105 do projeto estabelece que recebida a denúncia ou a queixa, as partes, no
exercício de suas vontades poderão celebrar acordo para aplicação imediata das penas antes
da audiência de instrução e julgamento. Trata-se uma espécie de transação penal inspirada na
Lei nº 9.099/1995, permitindo a suspensão condicional do processo, desde que obedecidos os
requisitos elencados no referido diploma. Oferecendo resposta mais rápida e eficaz aos crimes
de menor potencial ofensivo ou com fixação de pena mínima inferior a um ano.
Sobre a colaboração com a justiça, conhecida como delação premiada, buscou-se
unificar sua previsão na parte geral do projeto, pois atualmente aparece de forma esparsa em
alguns dispositivos do sistema penal. Assim, sua aplicação incidiria a todos os delitos.
Conforme o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal (2012, p.
268):
[...] Trouxe-se, por igual, a previsão, entre as medidas oferecidas ao
colaborador, da aplicação exclusiva da pena restritiva de direitos. Por fim,
para assegurar direito de defesa, os termos do acordo deverão ser informados
ao advogado das partes do processo, uma vez oferecida a denúncia. Eles
deverão, porém, sob as penas da lei, manter o segredo. A delação não
poderá, ademais, ser isoladamente, considerada prova suficiente para a
prolação de condenação. A colaboração se vocaciona para os crimes
praticados em concurso de pessoas, mas não lhes é exclusiva. Em alguns
casos, funcionará como alternativa ao arrependimento posterior.
Quanto aos crimes patrimoniais, também observam-se significativas alterações. O
crime de furto, se cometido sem violência ou grave ameaça, passa a ter sua ação penal
condicionada à representação da vítima, pelo fato do bem jurídico tutelado ser o patrimônio,
um bem disponível. Desta forma, a vítima tem maior participação no processo, pois se
concordar com o ressarcimento antes da sentença de primeiro grau, a punibilidade do agente
será extinta. Oferecendo maior racionalização ao sistema penal, e atendendo aos preceitos
constitucionais de respeito aos bens jurídicos relevantes.
Assim, a pena prevista no crime de furto simples teve uma redução dos atuais 1 (um) a
4 (quatro) anos e multa para 6 (seis) meses a 3 (três) anos, atendendo ao princípio da
74
proporcionalidade quanto à proibição de excesso, em contra-partida, suas causas de aumento
de pena foram expandidas pela previsão de mais condutas no § 2º do novo artigo 155 e ainda
pela possibilidade de aumento de um terço até a metade da pena, diferentemente do que prevê
o atual §1º do artigo 155, em que o aumento da pena é de um terço se o crime for cometido
durante o repouso noturno.
Conforme Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012, p. 72):
Furto
Art 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia
móvel:
Pena – Prisão, de 6 meses a 3 anos.
§ 1º Equipara-se à coisa móvel o documento de identificação pessoal, a
energia elétrica, a água ou gás canalizados, o sinal de televisão a cabo ou de
internet ou item assemelhado que tenha valor econômico.
Causa de aumento de pena
§ 2º A pena aumenta-se de um terço até a metade se o
crime é cometido:
I – com abuso de confiança ou mediante fraude
II – com invasão de domicílio;
III – durante o repouso noturno;
IV – mediante destreza;
V – mediante o concurso de duas ou mais pessoas.
§3º No caso do caput e dos parágrafos anteriores:
I- se o agente é primário e for de pequeno valor a coisa subtraída, o juiz
aplicará somente a pena de multa;
II - se houver reparação do dano pelo agente, aceita
pela vítima, até a sentença de primeiro grau, a punibilidade será extinta;
III – somente se procederá mediante representação.
A pena para o roubo também sofreu reduções, ocorrendo a inversão de proteção
exacerbada aos bens patrimoniais, porém, para adequá-lo à proibição da proteção deficiente,
foi inserida a previsão de pena de prisão de 7 (sete) a 15 (quinze) anos em caso de resultar a
ação em lesão corporal grave, e de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos se resultar morte.
Desta forma, o projeto de reforma ao Código Penal tentou superar o paradigma de
excessiva proteção ao bem patrimonial, como núcleo central do sistema punitivo, pois não é
este o objetivo Constitucional, que ao prever a dignidade da pessoa humana como fundamento
do Estado Democrático de Direito, e contemplar os direitos e garantias fundamentais com
respaldo no princípio da proporcionalidade, visa proteção à vida e à pessoa humana como
bem jurídico maior.
75
Confirmando a intenção de inversão de bens jurídicos tutelados, verifica-se aumento
nas penas contra aqueles crimes que se aproximam mais à dignidade da pessoa humana. Caso
em que se verifica na previsão de aumento das penas em caso dos crimes contra a liberdade
individual, onde a pena para o constrangimento ilegal passaria dos atuais detenção de 3 (três)
meses a 1 (um) ano e multa, para prisão de 1(um) a 4 (quatro) anos, aumentando
significativamente a proteção, por considerá-lo mais próximo ao núcleo da proteção
constitucional, a dignidade da pessoa humana. O projeto também inseriu a condição à redução
análoga de escravo no rol dos crimes hediondos, e abarcou condutas sociais que encontram
relevância na atualidade, como a perseguição obsessiva ou insidiosa, popularmente conhecida
como stalking e a intimidação vexatória, nomenclatura adotada para representar o conhecido
bullying. (RELATÓRIO FINAL DO ANTEPROJETO DE ALTERAÇÃO AO CÓDIGO
PENAL, 2012).
A fim de corrigir as distorções ocasionadas pela edição da Lei nº 12.015/2009, em que
condutas com diferentes graus de lesividade foram punidas com as mesmas sanções, deixando
para a atividade jurisdicional exercer o controle de constitucionalidade através da
proporcionalidade da pena conforme o dano causado e a reprovabilidade da conduta, o projeto
de Reforma ao Código Penal estabeleceu diferenciação para as condutas contra a dignidade
sexual, com penas distintas conforme a intensidade do dano. Houve a descriminalização de
certas condutas, com o objetivo de afastar a proteção de bens jurídicos relacionados à
moralidade, como o caso dos crimes de violação mediante fraude, na clara intenção de
racionalizar a legislação penal.
Conforme Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012, p. 84):
Estupro
Art. 180. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática
de ato sexual vaginal, anal ou oral:
Pena – prisão, de seis a dez anos.
Parágrafo único. Se o agente pratica o crime mediante mais de uma das
condutas descritas no caput, a pena será aumentada de um terço a dois
terços, sem prejuízo da aplicação de outras causas de aumento previstas
neste Título.
Manipulação e introdução sexual de objetos
Art. 181. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
suportar a introdução vaginal ou anal de objetos:
Pena – prisão, seis a dez anos.
Molestamento sexual
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Art. 182. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou se
aproveitando de situação que dificulte a defesa da vítima, à prática de ato
libidinoso diverso do estupro vaginal, anal e oral:
Pena – prisão, de dois a seis anos.
Parágrafo único. Se o molestamento ocorrer sem violência ou grave ameaça,
a pena será de um a dois anos.
Para adequar a legislação penal aos preceitos constitucionais, o projeto não
contemplou os crimes de perigo abstrato, modificando o de embriaguez ao volante, por não
estar em sintonia com o constitucionalismo penal a previsão de penalizar comportamentos que
não ameaçam ou lesionam efetivamente um bem jurídico tutelado.
No caso do crime de embriaguez ao volante, a justificativa é de que a previsão de uma
taxa de alcoolemia gerou impunidade e dificuldade probatória, não concorrendo para
diminuição dos crimes cometidos nesta condição. Assim, a Comissão de Reforma propôs o
abandono a qualquer quantificação para caracterização do delito, partindo do texto da infração
administrativa do artigo 165 do Código Nacional de Trânsito, para criminalização de uma
conduta concreta de perigo através da verificação objetiva das condições em que o condutor
se encontra.
Conforme Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012, p. 331
- 332):
A lei penal brasileira deve ser modificada urgentemente, impondo-se o
abandono de qualquer taxa de alcoolemia, com a introdução no nosso país,
como premissa, do tolerância zero absoluto. O ponto de partida é uma
infração administrativa (art. 165 do CTB) para quem dirige sob a influência
do álcool ou outra substância análoga, mas com parcial incapacidade para
dirigir veículo com segurança. De acordo com nossa proposta de alteração
do Código Penal a infração se transformará em crime, punido com prisão de
seis meses a 3 anos, quando essa incapacidade for manifesta, visível,
constatável por exame clínico ou outros meios de prova (testemunhas,
vídeos, fotos etc.).
Com a fórmula sugerida supera-se tanto a dificuldade probatória gerada pelo
atual texto legal, que foi ratificada pela jurisprudência do STJ, como o
constitucionalmente questionável sistema de presunção de culpabilidade
aprovado em março deste ano na Câmara dos Deputados.
Assim expressa o artigo 202 do Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao
Código Penal (2012, p. 93):
77
Condução de veículo sob influência de álcool
Art. 202. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de
álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a
segurança viária: Pena – prisão, de um a três anos, sem prejuízo da
responsabilização por qualquer outro crime cometido.
§ 1º A infração poderá ser demonstrada mediante qualquer meio de prova em
direito admitida.
§ 2º O condutor tem o direito de solicitar a imediata realização do teste de
bafômetro ou de exame de sangue em hospital da rede pública.
Não seria possível esgotar o assunto, dada sua amplitude e complexidade, mas foram
apresentadas algumas das alterações mais significativas encontradas no texto do Relatório
Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal, demonstrando a clara intenção de
aproximar a legislação penal à hermenêutica constitucional, e assim, ao contexto do Estado
Democrático de Direito.
3.4 A incidência do princípio da proporcionalidade no anteprojeto de reforma do CP:
considerações críticas
Resgatando alguns conceitos como o do Estado Democrático de Direito, que consiste
na fusão do Estado Liberal e o Estado de Direito, na medida em que garante as liberdades
individuais ao mesmo tempo em que exige prestações no Estado para efetivar a liberdade e
garantias fundamentais para vida em sociedade.
Conforme Feldens (2012, p. 24):
[...] o exercício efetivo da liberdade necessita de condições existenciais
básicas (saúde, educação, trabalho), e de tais condições não são providas, por
si só, pela economia de mercado. Por outro lado, a economia de mercado é
imprescindível (narra a experiência histórica que sem liberdade econômica
não há liberdade civil e política). Nesse contexto, a partir da metade do
século XX, o Estado assumiria a tarefa de assegurá-las em alguma medida,
uma tarefa que se cumpre sempre parindo de um regime de liberdade.
Sobre o conceito de princípio, foi exposto que se trata de um valor expresso como
paradigma nas constituições, que deve servir como orientador ao ordenamento jurídico da
nação. Contém elevado grau de abstração e flexibilidade de aplicação, expressando valores ou
finalidades a serem perseguidas pelo Estado no exercício de seus poderes.
Conforme Gomes (2003, p. 55):
78
Nesse sentido, os princípios jurídicos demonstram ser essenciais para a vida
do direito. Exprimem não apenas a síntese contextual, o significado unitário
de determinada disciplina normativa, mas, principalmente, indicam a
potencialidade de seu desenvolvimento. Pode-se dizer, ainda, que o princípio
indica o porquê da disciplina, isto é, a sua razão de ser, sua orientação
teleológica e sua finalidade, observando-se os escopos objetivamente
assumidos pela sua regulamentação na sua evolução histórica.
O princípio da proporcionalidade, embora não esteja expresso na Constituição, é
inerente ao Estado Democrático de Direito, e ao fundamento da dignidade da pessoa humana,
portanto, faz parte da carta política brasileira, e como tal, deve ser respeitado por todo o
sistema jurídico. No caso específico do direito penal, estes parâmetros constitucionais
vinculam-se à atividade punitiva do Estado, limitando seu poder e exprimindo a hermenêutica
a ser adotada na intervenção criminal, seja no âmbito legislativo, ou judiciário.
Assim aduz Gomes (2003, p. 59):
[...] a proporcionalidade representa uma especial característica de garantias
aos cidadãos, na medida em que impõe sejam as à liberdade individual
contrabalançadas com a necessitada tutela a determinados bens jurídicos, e
somente confere legitimidade às intervenções que se mostrarem conformes
aos seus ditames.
Assim, resta evidente que nosso atual ordenamento penal não atende aos pressupostos
orientadores do princípio da proporcionalidade. Pois, ao longo de mais de setenta anos desde
a promulgação do atual Código Penal, inúmeras leis foram sendo criadas, sem a alteração do
Código, não oferecendo objetividade e clareza na aplicação do direito penal, pelo contrário,
proporcionando incoerências endonormativas, distintas sanções para proteção de bens
jurídicos iguais, e gerando insegurança jurídica, em clara demonstração de desrespeito ao
princípio da proporcionalidade.
Para a adequação com o texto Constitucional, é necessária a alteração da legislação
penal brasileira, pois todo o ordenamento jurídico penal e a atividade jurisdicional devem ser
orientados pelos mandamentos constitucionais, conforme sua hermenêutica, o que quer dizer
que respeito aos direitos e garantias fundamentais e atividade legislativa estatal dentro dos
limites de adequação insculpidos pelo princípio da proporcionalidade.
Conforme Feldens (2012, p. 171, grifos do autor):
79
De fato, se em um Estado Constitucional toda atividade legislativa e
jurisdicional está (deve estar) orientada a uma interpretação conforme a
Constituição, e mais precisamente a uma interpretação conforme os direitos
fundamentais, não podemos simplesmente olvidar que as normas-garantia
que instituem um sistema de proteção jurídico-penal (de direitos
fundamentais) formam parte desse horizonte de sentido a ser perseguido pela
atividade estatal, em suas diversas manifestações de poder.
Desta forma, o trabalho da Comissão de elaboração do projeto de reforma, foi
orientado principalmente pela interpretação constitucional, fundamentada na dignidade da
pessoa humana, e sob as perspectiva dos direitos fundamentais, em que de um lado temos um
limite garantista, da intervenção mínima, e de outro, um conteúdo mínimo de intervenção
coercitiva necessária. Assim, totalmente coerentes aos preceitos do princípio da
proporcionalidade.
Dentre os critérios utilizados pela Comissão em seu plano de trabalho encontra-se,
conforme Relatório Final do Anteprojeto de Alteração ao Código Penal (2012, p. 6):
a) da necessidade de adequação às normas da Constituição de 1988 e aos
tratados e convenções internacionais; b) da intervenção penal adequada e
conforme entre a conduta e a resposta de natureza penal por parte do Estado;
c) da seleção dos bens jurídicos imprescindíveis à paz social, em harmonia
com a Constituição; d) da criminalização de fatos concretamente ofensivos
aos bens jurídicos tutelados; e) da criminalização da conduta apenas quando
os outros ramos do direito não puderem fornecer resposta suficiente; f) da
relevância social dos tipos penais; g) da necessidade e da proporcionalidade
da pena.
Salientando que os valores de justiça, inscritos no preâmbulo da Constituição, também
são fundamento caracterizador do princípio da proporcionalidade, entendida em sentido
material, não se limitando à garantia jurisdicional e buscando a concretização do razoável,
proporcional, e justo, desde a fase legislativa até a aplicação da norma.
Assim aduz Gomes (2003, p. 65):
[...] o artigo 3º da CF também consagra como um dos objetivos
fundamentais da República a construção de uma “sociedade justa”, o que
impõe a busca por justiça social, que se dá, também, pela exigência de leis
justas, restritivas de direito apenas quando necessário, adequadas e razoáveis
por guardarem a justa medida na imposição de gravames aos cidadãos em
vista da defesa de interesses da sociedade.
80
Resta claramente constatado que a Constituição Brasileira oferece uma série de
princípios e parâmetros pertinentes à formação do direito penal, assim como os bens jurídicos
tuteláveis e até mandamentos de criminalização, objetivando tutela específica. São
considerados como parâmetros substancialmente vinculantes para elaboração da legislação
penal, reduzindo incoerências endonormativas e proporcionando a efetividade dos direitos e
garantias fundamentais, com respeito à dignidade da pessoa humana.
Assim, a função do Código Penal no ordenamento jurídico é de extrema importância,
pois diz respeito à forma mais grave de intervenção do Estado na vida do cidadão, e por isso,
ele deve estar em sintonia com os valores constitucionais, constituindo-se no cerne do
ordenamento penal, buscando facilitar o acesso e o entendimento de seu conteúdo, reunindo a
metodologia da aplicação da lei penal, e consequentemente obedecendo aos critérios de
proporcionalidade, tanto ao estabelecer a hierarquia da tutela aos bens jurídicos relevantes,
quanto a sanção adequada ao tipo de lesão provocada em determinado bem jurídico.
A solidez do Código Penal está relacionada à política criminal adotada no Estado
Democrático de Direito, e tornaria mais eficiente o sistema punitivo, na medida em que se
evitariam superlotações nos estabelecimento penais, e ainda, proporcionaria efetivamente a
possibilidade de ressocialização e efetivação dos direitos e garantias fundamentais.
Conforme Ferrajoli (2002, p. 757, grifos do autor):
[...] A “democracia” é o regime político que consente o desenvolvimento
pacífico dos conflitos, e por meio destes as transformações sociais e
institucionais. Legitimando e valorizando igualmente todos os pontos de
vista externos e as dinâmicas sociais que o exprimem, ele legitima a
mudança por meio do dissenso e do conflito. Este nexo entre democracia e
conflito é biunívoco. Não apenas a democracia garante a luta pelos direitos,
mas estes garantem, por sua vez, a democracia: uma oferece às outras os
espaços e os instrumentos jurídicos, que são essencialmente os direitos de
liberdade; as asseguram aos direitos e à democracia os instrumentos sociais
da efetiva tutela e alimentam-lhe o desenvolvimento e a realização. [...]
No Anteprojeto de Reforma ao Código penal, a incidência do princípio da
proporcionalidade está presente, pois sua relevância resta caracterizada já no momento em
que aparece como um dos objetivos da reforma, a fim de tornar mais proporcionais as penas, a
partir de uma revisão aos valores dos bens jurídicos tutelados, considerando sua lesividade
relativa, e buscando formas alternativas de sanção penal.
81
Ainda, como a intenção de tornar o Código Penal o centro do sistema de ordenamento
das penas, evitando o inflacionamento legislativo descontrolado, e a criação de incoerências
normativas. Seguindo sempre aos imperativos constitucionais, tornando o sistema penal
brasileiro um sistema constitucional democrático.
Conforme o texto do Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal
(2012, p. 214):
[...] Ainda que esparsa a definição do crime e da pena, será o Código Penal
quem informará sobre os critérios de sua cominação, substituição e
aplicação. A concretização e proteção dos direitos e garantias
constitucionais, operadas pelo Código Penal, há de ser suficiente, destarte,
para assegurar o Direito Penal Proporcional reclamado pela Lei Maior.
De maneira geral, pode-se considerar que o objetivo de aproximar a legislação penal
da Constituição foi atendido, como exemplo a transformação da pena de prisão em última
ratio, adequada apenas para condutas de extrema lesividade aos bens mais relevantes. Ainda,
a transformação da ação penal em crimes de furto sem violência ou grave ameaça, em ação
condicionada à representação da vítima, caracterizando que o patrimônio não mais seria o
bem maior a ser digno de tutela estatal, pois trata-se de bem disponível, diferentemente da
integridade física ou da própria vida.
Conforme expressa o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao Código Penal
(2012, p. 244):
As penas privativas de liberdade, embora necessárias, devem ter seu campo
de aplicação restrito aos crimes mais graves ou a condenados que reúnam
condições pessoais indicativas de sua aplicação. Para a criminalidade dolosa
de média gravidade, e para a criminalidade culposa, as penas restritivas de
direito, comumente denominadas “penas alternativas”, se apresentam como
solução adequada. Evitam o cárcere e seu estigma, ao tempo em que
permitem retribuição à conduta praticada e facilitam a ressocialização.
Porém, devido à amplitude e complexidade da tarefa, alguns aperfeiçoamentos ainda
poderão ser feitos, como no caso das penas cominadas à omissão de socorro no título da
periclitação da vida e da saúde, onde a pena máxima cominada é de seis meses de prisão,
enquanto a omissão de socorro aos animais, no título referente aos crimes contra a fauna,
prevê até dois anos de prisão.
82
Outro questionamento poderia ser levantado a respeito da figura da barganha,
introduzida com inspiração na Lei 9.099/1995, estabelecendo a possibilidade da transação
penal, de forma célere, antes mesmo da instrução do processo. Partindo da premissa de que a
intenção da reforma foi de sintonizar a legislação penal com os imperativos contidos na
Constituição, essa regra estaria ferindo o princípio do devido processo legal e poderia gerar
conseqüências danosas à efetivação pretendida dos direitos e garantias individuais.
Embora a intenção de modernizar o Código Penal e adequá-lo ao texto constitucional
seja louvável, a cultura brasileira ainda não se encontra preparada para a evolução, prova
disso são as constates leis criminalizantes editadas, em resposta ao clamor público e à pressão
midiática, sem que seja realizado um estudo prévio da necessidade e do método adequado
para dar efetividade à sua aplicação. Este comportamento representa um entrave à aceitação
do Projeto de Reforma ao Código Penal, aliada ao pouco investimento em educação, que seria
um fator determinante para diminuição da criminalidade no país, e um facilitador à
ressocialização pretendida.
Importante salientar que o Anteprojeto ainda está em tramitação e desde a edição do
Relatório Final foram propostas inúmeras emendas, visando alterar e aperfeiçoar alguns
pontos ainda controversos. Porém, não se pode negar que urge a necessidade de adequação de
nosso atual sistema penal, em vista da hermenêutica constitucional adotada pelo Estado
Democrático de Direito, e, nesse sentido, o Relatório Final do Anteprojeto de Reforma ao
Código Penal, apresentado pelo Senado Federal, traduz uma nova concepção de direito penal
à luz do fundamento da dignidade da pessoa humana e com respaldo no princípio da
proporcionalidade.
83
CONCLUSÃO
As relações humanas, por sua própria natureza são marcadas por conflitividades,
devido à complexidade de sentimentos do homem, de sua necessidade de viver em grupo, e à
heterogeneidade deste, o que mudou ao longo do tempo foi a forma de resolução destes
conflitos. Conforme o processo evolutivo do Estado, a concepção do Estado Democrático de
Direito se deve à fusão de características do Estado Liberal, juntamente com outras do Estado
de Bem-Estar Social, constituindo-se em um avanço pelos direitos e garantias fundamentais
conferidos aos cidadãos Avaliando a função punitiva no Estado Democrático de Direito e os
princípios limitadores da intervenção penal dentro da política criminal minimalista e
garantista concebida pela Constituição Federal de 1988, percebe-se a necessidade de
efetivação destes direitos através do fundamento de dignidade da pessoa humana.
O Princípio da Proporcionalidade constitui-se uma importante ferramenta limitadora
ao poder punitivo do Estado, representando, em conjunto com os demais princípios penais e
processuais penais, uma garantia individual face ao poder de penar estatal. O surgimento deste
importante princípio está ligado à construção dos direitos individuais e principalmente ao
surgimento do Estado Democrático de Direito. Mas sua aplicabilidade ainda encontra entraves
dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse contexto, o Estado Democrático de Direito, também denominado Estado
Constitucional deve orientar toda a atividade legislativa e jurisdicional pela interpretação
conforme os direitos fundamentais, baseada no fundamento da dignidade da pessoa humana, e
assim, a política criminal minimalista também faz parte deste paradigma, no sentido de dar
efetividade, por parte do Estado, em todas as suas manifestações de poder.
84
Sob a perspectiva desta orientação constitucional encontramos no princípio da
proporcionalidade dupla função, um limite garantista intransponível, de intervenção mínima, e
ainda, um conteúdo mínimo irrenunciável de intervenção coercitiva necessária, através de
mandamentos criminalizantes expressos na Constituição.
A legislação penal atual encontra entraves para a efetivação dos direitos e garantias
fundamentais, seja pela incoerência endonormativa, falta de proporcionalidade em sua
elaboração, excesso de leis simbólicas, ou pela falta de parâmetros na atividade legislativa,
que por inúmeras vezes edita leis sem respeitar o método necessário, pressionada pelo clamor
público aliado à atividade da mídia.
Para tentar superar esta realidade e evoluir no processo de efetivação dos direitos e
garantias expressos no texto Constitucional, o Anteprojeto de Reforma ao Código Penal
procurou elaborar uma legislação moderna e adequada à Constituição, concentrando as
diversas leis esparsas, e realizando o controle de proporcionalidade das leis através dos
critérios da necessidade, idoneidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Para que o Anteprojeto seja aprovado, ainda precisam ser superados alguns
preconceitos e estigmas enraizados na sociedade brasileira, pois a cultura do senso comum
clama por políticas criminais repressivistas, de direito penal simbólico, em dissonância ao
mandamento Constitucional e à política criminal minimalista. Para que isso ocorra será
imprescindível que o Estado invista em educação, resultando na diminuição da criminalidade
e na facilitação da ressocialização, pretendida, porém ainda efetivada.
85
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Bernardo Montalvão Varjão de; VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Reflexões
sobre a proporcionalidade e suas repercussões nas ciências criminais. In: Revista Juris
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