UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO Fabiano Clemente CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NO CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEICULOS À LUZ DO CDC. Governador Valadares 2012 2 FABIANO CLEMENTE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NO CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEICULOS À LUZ DO CDC. Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas, da Universidade Vale do Rio Doce. Orientador: Guilherme Governador Valadares Douglas Genelhu de A. 3 2012 FABIANO CLEMENTE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NO CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEICULOS À LUZ DO CDC. Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas, Universidade Vale do Rio Doce. Governador Valadares, ____ de _______ de 2012. Banca Examinadora: ____________________________________________________ Prof. Douglas Genelhu de A. Guilherme - Orientador Universidade Vale do Rio Doce ____________________________________________________ Prof. Universidade Vale do Rio Doce ____________________________________________________ Prof. Universidade Vale do Rio Doce da 4 AGRADECIMENTOS A Deus, pela força espiritual para a realização desse trabalho; Aos meus pais (João Batista e Maria Aparecida), pelo eterno orgulho de nossa caminhada, pelo apoio, compreensão, ajuda, e, em especial, por todo carinho ao longo deste percurso; A minha querida namorada (Luanna), e a toda minha família que, com muito carinho e apoio, não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida; Ao professor (Douglas) pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão desta monografia; A todos os professores do curso de Direito, que foram tão importantes em minha caminhada acadêmica e no desenvolvimento desta monografia; Aos amigos e colegas, pelo incentivo e pelo apoio constantes. 5 “Não se pode negar vigência aos princípios da boa-fé objetiva, da justiça contratual e da transparência no âmbito dos contratos, capitalização sendo de juros que a discrepa frontalmente de todos esses princípios. Não se compatibiliza com o princípio da boa-fé objetiva, porque consagra um comportamento desleal de uma parte em relação à outra". (Elisa Marco Antonio) 6 RESUMO Os contratos de crédito oferecidos por bancos e instituições financeiras no Brasil são motivos de muitos conflitos, alcançando os noticiários. Os cidadãos brasileiros se vêem às voltas com problemas originados pela cobrança indevida de valores na celebração dos contratos, e principalmente nas taxas de juros aplicadas aos valores totais contratados, resultando em montantes finais muito superiores ao valor original, altas prestações, e impossibilidade de renegociação de débitos inadimplentes que resultam em valores muito altos quando recalculados. Estudos sobre os casos problemáticos demonstraram que as instituições financeiras no Brasil se utilizam da prática da capitalização composta, o popular juro sobre juro, que em linguagem técnica é conhecido como anatocismo, e é proibida por lei. O Direito Brasileiro se moveu para atender aos interesses do cidadão, por meio da Constituição e do Código Civil, mas também aos das instituições de crédito, por meio de emenda constitucional que derruba artigo constitucional inibitório do anatocismo. Outras disposições legais e entendimentos de decisão judicial lançaram muita confusão sobre o tema, o que favorece as insituições bancárias, que assim continuam a praticar veladamente o anatocismo, e prejudicam sobremaneira o consumidor. O Código de Defesa do Consumidor é dispositivo legal fundamental para doutrinação do tema, quando através de artigo específico, determina anulação de cláusulas que prejudiquem o consumidor. Isto é contribuição vital para fundamentação argumentativa dos magistrados para defender os interesses do consumidor que contrata financiamentos de veículos, e assim, finalmente, pode o Direito Brasileiro coibir o anatocismo. Palavras-chave: Anatocismo. Financiamento de Veículos. Código de Defesa do Consumidor. Equilíbrio Contratual. Revisão de Contratos de Financiamentos de Veículos. 7 ABSTRACT Credit agreements offered by banks and financial institutions in Brazil are many reasons for conflicts, reaching the news. Brazilian citizens find themselves grappling with problems caused by the improper collection of values in the award of contracts, especially in the interest rates applied to the total values contractors, resulting in final amounts much higher than the original value, high performance, and inability to renegotiate delinquent debts that result from very high when recalculated. Studies on the problem cases have shown that financial INSTITUTIONS in Brazil are used in the practice of compound capitalization, the popular interest on interest, which in technical language is known as anatocismo, and is prohibited by law. The Brazilian law moved to serve the interests of citizens through the Constitution and the Civil Code, but also to credit institutions, through a constitutional amendment constitutional article that knocks inhibitory anatocismo. Other laws and understandings of judicial decision cast a lot of confusion on the subject, which favors INSTITUTIONS bank, which they continue to practice the anatocismo covertly, and greatly affect the consumer. The Code of Consumer Protection is key legal mechanism for indoctrination of the topic, when using particular article, determines cancellation clauses that affect the consumer. This is a vital contribution to argumentative reasoning of the judges to defend the interests of consumer vehicle financing contracts, and so, finally, can the Brazilian Law anatocismo curb. Keywords: Anatocismo. Vehicle Financing. Code of Consumer Protection. Contract Balance. Review of Vehicle Financing Agreements. 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 0 2 CAPITALIZAÇÃO DE JUROS ........................................................................... 8 0 2.1 CONCEITO DE ANATOCISMO....................................................................... 9 0 2.2 TABELA PRICE E A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS ....................................... 9 1 2.3 REVISÃO CONTRATUAL................................................................................ 4 1 2.3.1 Da Vulnerabilidade do Consumidor.......................................................... 5 1 2.4 DA IMPOSSIBILIDADE DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 6 1 8 3 DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS.................................................................................. 2 0 4 CONTRATO DE FINANCIAMENTO................................................................... 2 4.1REVISÃO DE CONTRATOS DE FINANCIAMENTO ....................................... 3 2 5 CONCLUSÃO..................................................................................................... 3 3 4 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 3 6 9 1 INTRODUÇÃO Os casos de conflitos entre contratantes de financiamento de veículos e bancos (ou financeiras) chamam a atenção para o fato de que algo não está correto na maneira com que as instituições de crédito lidam com seu público. É comum casos em que o valor das prestações, somado com a duração dos contratos, produzem inadimplência nos contratantes, que ao retomarem negociações de pagamento, se vêem às voltas com novas prestações que são impraticáveis para seu orçamento. Aqueles que resolvem fazer somas das prestações para calcular o montante devido, ou o total do valor real pago dos seus contratos, verificam que o valor resultante é muito maior do que o imaginado por eles, na base dos juros simples. Daí constatam que a forma de incidência dos juros resulta em capitalização diferente da simples, a capitalização composta. A prática da capitalização composta, ou anatocismo, é proibida no Brasil em várias determinações legais, o que causa espanto e admiração sua prática por parte dos bancos e financeiras. Interessa investigar os motivos que fazem com que as instituições de crédito persistam em aplicar práticas comerciais condenadas, e porque o consumidor brasileiro continua aceitando celebrar contratos que os exploram. O Código de Defesa do Consumidor é um aparato de defesa dos interesses dos cidadãos brasileiros, e deveria ser instrumento para solução dos conflitos originados pela cobrança abusiva de juros nos contratos de financiamento de veículos. A verificação da contribuição do Código para este assunto também é interesse deste trabalho monográfico. 10 Este trabalho segue a metodologia da pesquisa bibliográfica, que busca em livros e sites da internet subsídios de informação para esclarecimento do tema. Pretende-se com este trabalho dar contribuição de entendimento sobre as práticas abusivas de juros por parte das instituições de crédito em contratos de financiamento de veículos, não para esgotar o assunto, mas para estimular o debate em torno do tema. 2 CAPITALIZAÇÃO DE JUROS Segundo Dalledone Filho & Kujew (2003), capitalização composta é aquela em que a taxa de juros incide sempre sobre o capital inicial acrescido dos juros acumulados até o período imediatamente anterior. Neste regime de capitalização a taxa de juros varia exponencialmente em função do tempo. (p.7) Segundo o raciocínio dos autores, a obtenção dos juros segue a seguinte fórmula: J = PV x [(1+ i)n – 1], e produz um montante, que seria a soma do capital mais os juros, onde os valores excedentes são gerados a partir do capital e dos juros acumulados, variando com o tempo, e produzem incrementos de valores em relação aos juros simples, que seguem a seguinte fórmula: J = P . i . n. Pode-se facilmente perceber que o valor obtido a partir dos juros compostos será maior do que os valores dos juros simples, isto porque os juros simples somente incidem sobre o capital, já os juros compostos incidem sobre o capital mais os juros aplicados sobre o capital. É justamente na formação de valores excedentes gerados da aplicação dos juros sobre os próprios juros que reside à rejeição à prática de transformar os juros em capital, na sua forma residual, o que é considerado ganho desonesto, e, portanto, lesivo ao consumidor. O aceitável seria que os juros incidissem sobre o capital, no caso dos financiamentos de veículos, o seu valor à vista, o que produziria parcelas que representariam somente o lucro do que cede o crédito sobre o valor do próprio crédito. A incidência de valores incrementados pelos próprios juros permite aos bancos e financeiras um ganho a mais de dinheiro no valor das prestações, 11 dinheiro este considerado pelo Direito como abusivo, desonesto, lesivo ao consumidor. Esta prática é considerada usura, ou seja, excesso de ganho por uma operação comercial de crédito, considerada desde tempos remotos como incorreta. 2.1 CONCEITO DE ANATOCISMO Anatocismo deriva do grego ana – reiteração - e tokimós, ação de dar em juros. Segundo o dicionário jurídico é a acumulação de juros vencidos ao capital, contando-se juros sobre juros vencidos e não pagos, o que não é permitido em lei. Ainda segundo a linguagem jurídica designa o pacto pelo qual se convenciona pagar juros de juros vencidos e não satisfeitos. Pontes de Miranda afirmava que "Dizem-se simples os juros que não produzem juros; juros compostos os que fluem dos juros. Se se disse ‘com os juros compostos de seis por cento’, entende-se que se estipulou que o principal daria juros de seis por cento e sobre esses se contariam os juros de seis por cento ao ano’ (= com capitalização anual)." Não se deve confundir com a estipulação de uma elevação de juro, para o suposto de simples mora, em cujo caso consiste numa cláusula penal. O fato de exigir créditos pelos juros, que com tal fim se agregam ao capital, constitui em verdade, a formação de um juro composto, já que se consideram os juros adquiridos como novo capital, que rende por sua vez aos seus próprios juros. Esta forma de usura é bastante freqüente, e foi reconhecida sob certas condições de forma legal. No entanto, o anatocismo foi terminantemente proibido na legislação romana da época republicana. Proibição consagrada pela legislação de Justiniano, que estabeleceu no código: Ut nullo modo usuarae usurarum a debitoribus exigantur. (L. IV, til. 22, lei 28). No direito privado brasileiro, encontra-se legislado no Código Civil, de forma mais ou menos similar, com as diferenças que se anotam posteriormente no presente estudo. Não se devem juros sobre juros, senão por obrigação posterior, convinda entre devedor e cobrador, que autorize a acumulação deles o capital, ou quando liquidada a dívida judicialmente com juros, o juiz mande pagar a soma que resultar, 12 e o devedor seja moroso em fazê-lo. Deste preceito se deduzem as hipóteses que o Código Civil concebe de forma expressa para a convenção do anatocismo. A primeira quando as partes expressamente o convenham, como acumulação do capital e em forma posterior à mora. Entendendo-se assim, mesmo que se apliquem aos juros vencidos e nunca sobre os futuros. Diz-se que neste caso o devedor conhece o total da sobretaxa e que, portanto, é conveniente autorizá-lo, para evitar por outra parte, fraude a lei proibitiva, celebrando um novo contrato. (jurisprudência, quando se admite a capitalização mediante convênio posterior e quando se recusa em caso contrário). À capitalização de juros se denomina anatocismo, ao fato de que os juros já vencidos convertam-se em bem capital ou se capitalizem e, como tais, sejam suscetíveis de produzir juros por sua vez, ou seja, os chamados juros compostos. Mas esta disponibilidade admitida depende ou de uma demanda judicial ou de uma convenção posterior ao vencimento dos juros, que tem lugar entre credor e devedor; e pressupõe que se trate de juros devidos. Capitalizar juros significa que quando o devedor deixar de pagá-los, o montante que se endivide por esse conceito é acrescentado ao capital; de maneira que a partir da capitalização, os juros aumentam porque se elevou a soma de capital. Este fenômeno regulado era conhecido no negócio bancário, mas a legislação estendeu a todo tipo de obrigação mercantil, sempre que assim se pactue no contrato e que a taxa de juros não ultrapasse a máxima que cobram os bancos. Assim, este fenômeno é a capitalização de juros, de modo que se somando tais juros ao capital originário passa a gerar novos juros. É denominado também juro composto. Na maioria das legislações, se proíbe o anatocismo; assim, o Código Civil estabelece que não se devem juros dos juros, senão por obrigação posterior. O princípio que interdita o pacto de capitalização de juros não vencidos é de ordem publica e não pode deixar-se sem efeito pelo acordo das partes ou a renúncia antecipada do devedor. A cláusula de um contrato que contenha um pacto proibido desta natureza é de nulidade absoluta, o que não obsta a validez de outras clausulas no contrato no qual foi incluída. O princípio, portanto, é que não se devem juros de juros. Mas esta regra tem suas exceções, a saber: a-) Antes de mais nada, quando a acumulação dos juros ao capital resulta de convenção posterior no momento em que os juros foram adquiridos. Seria nula uma 13 convenção que estabelecesse a acumulação ab initio; mas se depois de vencida a autorização o devedor deseja renová-la, não há inconveniente em que se acumulem os juros. A razão é muito simples; se o devedor não tem dinheiro para cumprir, verse-á obrigado a ir a outro credor, a quem deverá pedir a soma do capital e juros devidos ao primeiro; e, desde tal ponto, terá que lhe pagar juros sobre esta soma. Não faria sentido proibir que essa mesma operação se fizesse com o primeiro credor. b-) Quando, liquidada judicialmente a dívida com seus juros, o devedor for moroso em pagar a quantia que resulta da liquidação. c-) Capitalização em certos supostos do Direito Comercial. d-) Capitalização Autorizada por leis especiais. A capitalização de juros é admitida com maior extensão no Direito Mercantil, permitindo-se a capitalização de forma automática, na conta corrente bancária. A capitalização de juros ou anatocismo são lesivos, posto que presente estão a usura real e conseqüentemente o lucro excessivo, assim sendo geram enormes prejuízos econômico-financeiro à toda a população que contrai estas obrigações como devedores, por que proporcionam lucro excessivo ao credor, alem é claro de desequilíbrio contratual e conseqüentemente situação desvantajosa ao consumidordevedor. Vale lembrar que o Código de Consumidor pátrio veda terminantemente a lesão no § 1° do artigo 51, que conceitua a vantagem exagerada sempre que esta ofenda os princípios fundamentais do sistema jurídico de defesa do consumidor. Em assim sendo, o juiz, mediante o seu arbítrio, equilibrar o quanto de excesso que se encontra em qualquer negócio jurídico, principalmente nos contratos bancários, e decidir se está presente ou não a usura, seja ela qual for. Alerta-se, a esse respeito, que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou conforme verbete sumular 382, que a estipulação de juros remuneratórios acima de 12% ao ano, por si só, não caracteriza abuso, então ultrapassado é adentrar nas vias judiciais postulando a diminuição dos juros remuneratórios para 12% ao ano. Cobrar juros sobre juros, é que é vedado. Este é o entendimento esposado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, através de o verbete sumular nº 121, que assim versa: Súmula 121 STF: É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA. 14 Analisando a súmula supra mencionada podemos constatar que mesmo tendo o consumidor assinado o contrato de financiamento do veículo, estando o banco/financeira “autorizando” a capitalização de juros, a cláusula se torna nula de pleno direito. Perceba-se que não é o contrato que se torna nulo, e sim apenas a cláusula que autorizou a capitalização em face ao consumidor-devedor. Neste sentido, tem decidido o STJ: A capitalização de juros é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionado, não tendo sido revogada a regra do artigo 5º do decreto nº 22.626/33 pela lei 4.595/64. o anatocismo repudiado pelo verbete número 121 do STF, não guarda relação com o enunciado 596 da mesma sumula” (in RSTJ 22/197, Rel. Ministro Silvio de Figueiredo). O Egrégio STJ publicou orientações firmando posicionamento no sentido de que a matéria é de competência do STF, conforme: Segundo a ORIENTAÇÃO 5 – Disposições de Ofício (STJ) [...] Ademais quando a capitalização de juros muito batida em vários recursos especiais o STJ entendeu que constitui via adequada para exame discussão desse tema, sob pena de usurpar competência do STF, vez que se trata de questão constitucional. Assim o colendo Superior Tribunal de Justiça entende que deve prevalecer o entendimento do STF exposto pela sumula 121, Aliás, encontra-se tramitando no STF a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – Adin n. 2316/DF proposta pelo então PL - Partido Liberal, hoje chamado de PR - Partido da República, cujo objeto é a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da Medida Provisória n. 2.170/01, que de certa forma “autorizou” a capitalização de juros de forma mensal nos contratos bancários. A discussão é sobre a possibilidade ou não de se editar Medida Provisória para tratar de matéria do direito financeiro, o que é por lei reservada apenas à lei complementar, em face da expressa vedação constitucional, prevista nos artigos 62, §1º, III e 192, ambos de nossa lei maior e pelo período de aplicabilidade desta medida provisória, posto que perdura desde 2001. Com relação à previsão da medida provisória, pode-se acreditar que os nossos juízes e tribunais não se manterão inertes, pela inconstitucionalidade do dispositivo em virtude da impossibilidade da veiculação da matéria via medida provisória, também certa é a sua inconstitucionalidade perante o art. 1°, III, 3°, I, II, 15 III, 170, da Constituição Federal. Talvez os juristas não se tenham dado conta ainda do conteúdo que a norma a qual permite a capitalização reveste. Segundo a Lei da Usura (decreto lei 22.262/33) é ilegal a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal ao ano ou a cobrança exorbitante que ponha em perigo o patrimônio pessoal, a estabilidade econômica e sobrevivência pessoal do tomador de empréstimo, mas: Debruçando-se sobre este fragmento regulatório, vê-se clara e nitidamente, que ao mesmo tempo em que ele veda a prática de capitalização de juro no Brasil, cria, todavia, a única exceção à regra geral: quando o negócio envolver periodicidade de ano a ano, aí será admitida a capitalização de juro! (NUNES, 2005, p. 26). Com relação à revisão de contrato de financiamento com foco no pedido de afastamento da capitalização mensal de juros: Vale dizer: até meados de 2002, mesmo com a edição da MP referida, a Justiça continua dando ganho de causa ao consumidor lesado com a capitalização mensal dos juros. Só que, por ora, não dá para afirmar se essa tendência inicial do judiciário vai se consolidar (virar jurisprudência). (RIOS, 1999, p. 370). Para melhor ilustrar, a respeito do tema, traz-se à colação, para exemplificar, o seguinte julgado: A capitalização de juros, sob pena de incidir na prática vedada do anatocismo, somente faz-se juridicamente admissível na existência de previsão legal expressa, tal como sucede em relação às cédulas de crédito comercial, industrial e rural. Tal não ocorre, no entanto, com referência aos contratos bancários de abertura de crédito, pelo que válida não é, quanto a elas, qualquer previsão contratual autorizatória da imposição de juros capitalizados. (TJSC, Apelação nº 96.007945-9, rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 27/10/1999.) Em resumo, numa análise sistemática ao ordenamento jurídico pátrio, constata-se que a capitalização semestral, mensal ou diária de juro composto nos contratos bancários, excetuando-se aqueles regidos por legislação específica, como bem apontado pelo Desembargador Trindade dos Santos na ementa acima colacionada, é manifestamente inadmissível. 2.2 TABELA PRICE E A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS 16 Os contratos de financiamento de bens móveis no mercado financeiro e de bens imóveis no Sistema Financeiro de Habitação, em sua maioria, adotam para o cálculo das prestações mensais e do saldo devedor, o sistema de juros compostos idealizados por Richard Price e chamado no Brasil de sistema francês de amortização ou simplesmente de Tabela Price. Não obstante, o próprio criador da tabela Price, classificar as suas tabelas no sistema de juros de compostos, tem-se inúmeros apontamentos em defesa da não capitalização de juros pela tabela Price, entre eles está o economista e perito judicial Oziel Chaves, no entanto estes são entendimentos minoritários. Indubitavelmente a questão, além de ser muito polêmica, é de natureza gravíssima, haja vista que se caracterizada a cobrança de juros compostos, os prejuízos impostos ao longo dos anos aos milhares de milhões de consumidores serão enormes e gritantes. O egrégio STJ – Superior Tribunal de Justiça – através de julgado proferido no Recurso Especial nº 1.070.297-PR – Processo 2008/0147497-7, cujo relator foi o Ministro Luiz Felipe Salomão, decidiu que a capitalização de juros, É VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. O Senhor Ministro, baseando-se em julgados já existentes, decidiu que, comprovada a capitalização mensal de juros, configurada pela incorporação de juros ao saldo devedor, a aplicação da Tabela Price ao contrato de financiamento deve ser afastada para dar lugar a cálculos que respeitem a taxa simples de juros, ou seja, é proibida a cobrança de juros capitalizados e normais pela aplicação do Sistema Francês – Tabela Price. No julgado não há menção ao sistema correto que substituirá a Tabela Price. Apenas a indicação de que deverá ser um sistema que contemple juros simples ou descapitalizados. 2.3 REVISÃO CONTRATUAL 17 Com fundamento no artigo 6º do CDC, é cabível qualquer das partes a revisão do contrato, independentemente da modalidade que seja para equilibrar as relações sobre os contratantes visando evitar qualquer desequilíbrio gerando um credito excessivo para uma das partes em detrimento da outra. Roxana Cardoso Brasileiro Borges fez uma síntese comparativa e ao mesmo tempo objetiva sobre o conceito clássico e o atual de um contrato. Segundo ela, no antigo conceito de contrato, enquanto acordo de vontade entre interesses opostos, em antagonismo, imperavam os princípios da intangibilidade e do “pacta sunt servanda” e o papel do Estado era simplesmente garantir seu cumprimento, pois que necessariamente justo. Contemporaneamente, no entanto, no novo conceito, prevalece a noção de contrato como vínculo de cooperação e a percepção da necessidade de atuação cooperativa entre os pólos da relação contratual. Pois bem, desse novo conceito algumas conseqüências jurídicas decorrem de imediato: a proteção da confiança no ambiente contratual, a exigência da boafé e a observância da função social do contrato. Nesse novo conceito, o papel do Estado será sempre no sentido de superar, também, a noção de igualdade formal pela igualdade substancial, permitindo aos juízes interferir no contrato e relativizar o “pacta sunt servanda,” aplicando os princípios consagrados nossa Constituição Federal de 1988 e além é claro do Código Civil de 2002 e Código de Defesa do Consumidor 1990. É absolutamente fora de moda, a desculpa de que a intervenção judicial nos contratos é motivo para insegurança jurídica e, como dizem os porta-vozes dos empresários nacionais e estrangeiros, pois sobre essa suposta segurança ou insegurança jurídica deve prevalecer, acima de tudo, a justiça contratual. Nesta linha, a revisão do contrato, portanto, não tem o objetivo de insegurança entre as partes, mas simplesmente equilibrar (novamente) o contrato, para não ter que desfazê-lo e sim preservá-lo, com a possibilidade até da satisfação dos interesses do consumidor-devedor e banco/financeira/credor, buscando o cumprimento efetivo e legal do contrato. 2.3.1 Da vulnerabilidade do Consumidor do 18 Barletta (2000) defende que, o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, reconhece claramente a condição de vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Ainda segundo a doutrinadora supra mencionada esta vulnerabilidade pode ser classificada de quatro formas, a saber: a) técnica – quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que esta adquirindo ou sobre o serviço que lhe esta sendo prestado; b) Científica – quando há falta de conhecimentos jurídicos específicos, contabilidade ou economia; c) fática – quando o prestador do bem ou serviço impõe sua superioridade a todos que com ele negocia, fazendo valer sua posição de monopólio fático ou jurídico, por seu poder econômico ou em razão da essencialidade do serviço. A que se observar, por conseguinte que a maioria dos contratos de consumo é de “adesão”, aonde o banco/financeira possui um contrato previamente elaborado, cabendo simplesmente ao consumidor apenas aceitá-lo sem nem se quer discuti-lo, seja por razão de sua vulnerabilidade técnica ou pela sua falta de alternativa Isto por si só já configura disparidade nas relações entre as partes do contrato, o que representa flagrante agressão ao princípio do equilíbrio e igualdade de direitos e poderes entre duas partes contratantes. O consumidor já integra uma relação contratual em desvantagem, o que sugere a necessidade de amparo da lei para promover o justo equilíbrio do contrato, senão o denunciando por completo, mas pelo menos ajustando cláusulas que são perniciosamente contrárias aos direitos do consumidor. No caso estudado de financiamento de veículos, a fragilidade daquele que contrata, e conseqüentemente a superioridade daquele que oferece o contrato, é evidente desde o início, quando o contratante assume, pelos fatores já apresentados, notadamente de ordem técnica (por não possuir conhecimento suficiente para questionar a legitimidade de todas as cláusulas estipuladas no contrato). A necessidade de se submeter ao contrato para aquisição o veículo obriga o consumidor a promover renúncia (ainda que de forma não plenamente consciente) dos seus direitos e, de certa forma, autorizar lesão para si. O medo de ter seu crédito recusado pelo questionamento ou recusa de algumas cláusulas 19 do contrato, faz com o consumidor se humilhe, se submeta, mesmo tendo conhecimento ou noção de que está sendo lesado. Já o contratado, aquele que oferece o contrato, o banco ou financeira, se vale da ordem fática para fazer valer todas as condições do contrato, mesmo as abusivas ao consumidor, pois possui superioridade de conhecimentos, e pior, o poder superior de negar o provimento do crédito pela recusa (ou questionamento) do consumidor com certas cláusulas. Sabedor da necessidade do consumidor, aquele se vale da sua posição vantajosa, superior, para impor cláusulas no contrato, ou termo de adesão que o configura, mesmo aquelas que são flagrantemente proibidas por lei. A força do contratado se dá através da alegação de que, sendo as cláusulas apresentadas ao consumidor na forma de termo livre de adesão, poderá então, se valer da voluntariedade do mesmo, da sua aceitação a todos os termos expressos. A atitude do contratado gera condição de fragilidade ao consumidor, deixando-o vulnerável a perdas o que por si só, já configura ato lesivo, de acordo com os pressupostos constitucionais. 2.4 DA IMPOSSIBILIDADE DA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS DALLANGOL (2002) assegura que a capitalização de juros é uma prática inconstitucional. Ele se ampara no art. 253 do Código Comercial, que proíbe secamente a prática do anatocismo, expressa pela capitalização dos juros sobre juros. A Lei da Usura foi desenvolvida justamente para coibir as práticas de juros abusivos dos bancos e outras instituições de crédito contra os consumidores, que não possuindo informações necessárias para compreendê-la, não a contestam. A Lei não concorda sequer com convenções, aceitações e outras manobras promovidas pelos bancos para continuarem a praticar o anatocismo, que é muito lucrativo devido ao montante de suas operações. A medida de coibição geral, então, é tentativa de preservação do cidadão pelo Estado, em seus direitos econômicos e financeiros. "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada". 20 A capitalização de juros, em que pese encontre hoje previsão em lei, não tem sustentação em nosso ordenamento privado-constitucionalizado. É uma previsão que não transparece a abrangência de seu conteúdo econômico, e que engendra uma situação de absoluta desproporção entre consumidor e bancos/financeiras. Não encontra amparo em nossos “modernos” princípios contratuais, como boa-fé objetiva, justiça contratual, transparência, contrariando a inspiração constitucional de supremacia dos valores existenciais em detrimento principalmente o da dignidade da pessoa humana. dos patrimoniais e 21 3 DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS Não restam mais dúvidas quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, introduzido pela Lei 8.078/90, aos contratos bancários (embora muito contestada pelos bancos e financeiras), o que se pode observar por vários enfoques, reforçando-se um a um e conferindo coesão ao sistema e solidez à conclusão. Se observada a questão sob o ponto de vista do enquadramento dos contratos bancários no signo contratos de adesão, veremos que é bastante comum os bancos/financeiras usarem contratos que, em geral, obedecem a padrões prévios, não conferindo qualquer margem negocial, normalmente recheados de cláusulas nada compreensíveis (e menos ainda discutíveis) e, além disso, leoninas, limitando-se aqueles que necessitam de crédito para a compra de um bem ou serviço a aderir ou não, se bem que muitas vezes nem esta mínima possibilidade de opção conservam, pois às vezes o contrato é realmente indispensável e não há a quem recorrer. Se nos preocupamos com a configuração dos bancos no signo fornecedor delineado pelo próprio CDC, verificando em suas operações o fornecimento de produtos e/ou serviços, esbarramos no texto expresso do art. 3°, que define fornecedor como sendo toda pessoa física ou jurídica que desenvolve atividades de distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, e combinando com o § 2° desse mesmo artigo, que define serviço, neste incluindo as operações de natureza bancária, financeira, de crédito, temos que os bancos são realmente fornecedores, não restando a menor dúvida. Nery Junior (1995), quanto às operações de crédito, distingue quais revelam relação de consumo, nos seguintes termos: Havendo outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC. Caso o devedor tome dinheiro ou crédito emprestado do banco para repassá-lo, não será destinatário final, e, portanto, não há que se falar em relação de consumo. Como as regras normais de experiências nos dão conta de que a pessoa física que empresta dinheiro ou toma crédito de banco o faz para sua utilização pessoal, como destinatário final, existe aqui presunção hominis, júris tantum, de que 22 se trata de relação de consumo. O ônus de provar o contrário, ou seja, que o dinheiro ou crédito tomado pela pessoa física não foi destinado ao uso final do devedor, é do banco, quer porque se trata de presunção a favor do mutuário ou creditado, quer porque poderá incidir o art. 6.º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus da prova a favor do consumidor. Evidente que há relação de consumo no fornecimento do crédito, onde o princípio da autonomia da vontade fica reduzido à mera aceitação do conteúdo do contrato. Daí, sem dúvida, enquadrar-se como hipossuficiente o aderente, posto que obrigado a aceitar cláusulas aleatórias, abusivas, unilaterais, como a que permite ao banco optar unilateralmente por índice de atualização monetária que quiser, sem consultar o consumidor; a que possibilita ao mesmo banco utilizar a taxa de mercado por ele praticada; aquela que autoriza o vencimento antecipado do contrato em caso de protesto ou execução judicial do outras dívidas; a cláusula que impõe a eleição do foro de comarca diferente ou daquela onde foi celebrada a operação; e a relativa à outorga de mandato ou poderes para o credor contra ele emitir título de crédito, dentre inúmeras outras. Comentando a resistência dos bancos à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, Nunes (2000, p. 98) faz um registro histórico que pode ser tido por cômico, se não trágico, da preocupação do legislador em não deixar lacunas, por onde os bancos buscassem escapar da incidência normativa, e que, quase não conseguia, tanto que o judiciário precisou ser acionado e, após muita controvérsia, aclarar o já claro, e que a lei já, textualmente, dispunha: Ninguém duvida de que esse setor da economia presta serviços ao consumidor e que a natureza dessa prestação se estabelece tipicamente numa relação de consumo. Foi um reforço acautelatório do legislador. Que, aliás, demonstrou-se depois, era mesmo necessário. Apesar da clareza do texto legal, que coloca, com todas as letras, que os bancos prestam serviços aos consumidores, houve tentativa judicial de obter declaração em sentido oposto. Chegou-se, então, ao inusitado: O Poder Judiciário teve de declarar exatamente aquilo que a lei já dizia: que os bancos prestam serviços. A despeito dessa resistência, e das muitas tentativas processuais empreendidas, em todas as instâncias do judiciário pátrio, bem como dos pareceres conseguidos pela FEBRABAN (Federação Brasileira de Bancos), como seus sempre convincentes "argumentos", os bancos vêm perdendo essa batalha, eis que se 23 formou jurisprudência maciçamente dominante no sentido da aplicabilidade do CDC aos contratos bancários. Demonstrando tal assertiva, temos que, após reiteradas decisões, em primeiro e segundo graus, e após chegarem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) um sem número de processos, em que as instituições financeiras tentavam afastar de si a incidência do CDC, nosso STJ editou a Súmula 297, publicada no DJ 09.09.2004, que proclama, literalmente: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras." São inúmeras as entidades da sociedade que requerem habilitação na lide, manifestando sua posição pela improcedência, em defesa da incidência do CDC e dos interesses dos consumidores. Nesse sentido também a maciça posição jurisprudencial, inclusive do STJ, que, como já assinalamos, tem desde reiterados julgados até sua atual Súmula 297, pacificando a matéria. O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor é importante conquista do cidadão em nosso ordenamento jurídico, sendo sua aplicação de absoluto interesse social, especialmente por sua moderna disciplina contratual, privilegiando a boa-fé objetiva, a equivalência material, o equilíbrio das relações e, porque não dizer, a justiça contratual entre partes tão díspares. Resta aguardarmos a sensibilidade jurídico-social do Supremo. 24 4 CONTRATO DE FINANCIAMENTO De acordo com Garcia (2012) os contratos de financiamento determinam relações de empréstimo de todo tipo, e comumente são configuradas entre as instituições financeiras e os cidadãos, que provendo instrumentos de crédito tais como: “financiamentos de veículos (consórcios / alienação fiduciária), de imóveis, crédito pessoal, cheque especial, cartões de crédito e dívidas agrícolas”. Este tipo de relação de empréstimo ou crédito, geralmente acarreta conflitos entre as partes na interpretação da origem, valor e aplicação dos juros envolvidos nas prestações. A situação conflituosa é acolhida no Direito como forma de solução para promover o entendimento entre as partes. A forma ideal para solver as dúvidas, principalmente suscitadas pela incompreensão do cliente em relação (e da lisura) do montante dos juros embutidos nos valores pagos nas prestações, e notadamente nas parcelas em caso de passivos acumulados, é para o autor, a Ação Revisional de Contrato, que é uma demanda judicial através da qual se busca a revisão de cláusulas de um contrato de financiamento objetivando a redução ou eliminação de seu saldo devedor, bem como a modificação de valores de parcelas, prazos e até mesmo o recebimento de valores já pagos. 4.1 REVISÃO DE CONTRATOS DE FINANCIAMENTO A intenção de uma demanda judicial, pelo qual se pleiteia junto à justiça e que é comumente levada a curso pelos clientes contras as instituições, é discutir: • Abusividade da taxa de juros remuneratórios; • Compreender a capitalização envolvida no contrato, sobretudo para evitar a cobrança de juro sobre juro (anatocismo); • Comissão de permanência; • Amortização negativa Os financiamentos com a finalidade de adquirir veículos estão sujeitos a conflitos na captação abusiva desde o seu começo. CDC Consumidores (2011), alerta para uma prática considerada ilegal: “a tarifa de abertura de crédito (TAC) ou tarifa de cadastro ou ainda de crédito (TC)”, que é considerada ilegal e abusiva de 25 acordo com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor. Os bancos e financeiras não têm o direito de cobrar taxas para iniciar um negócio, pelo fato do Código não enxergar serviço prestado ao cliente, já que a taxa é amparada simplesmente pelo trabalho de coleta das informações do cliente pela instituição bancária, assim, não se justifica cobrar por algo que já é parte do trabalho do cedente do crédito. De acordo com este autor, o Banco Central, em 2007, retirou a TAC, a Tarifa de Abertura de Crédito, das taxas que podem ser cobradas pelos bancos. Estes, em contrapartida, continuaram a fazer a cobrança pela abertura de crédito, maquiando a taxa com outro nome: TC, Tarifa de Cadastro. O Código entende que se trata da mesma taxa abolida, agora com outra nomenclatura. O problema para o consumidor ocorre quando os bancos, no intuito de continuarem a prática da cobrança ilegal de abertura de crédito, mentem para o consumidor, e a embutem no valor das prestações. O valor informado pelo Banco Itaú, na época da informação era de R$ 550,00 para pessoas físicas, e R$ 700,00 para pessoas jurídicas, o que se considerando contratos de prazo longo, representam montantes significativos de dinheiro, que passam despercebidos aos consumidores nas prestações. O autor informa que este tipo de abuso por parte dos bancos somente podem ser reclamados por via judicial. Neiva [2] (2007) dá exemplo de ação revisional de contrato, calcada em argumentações várias que recorrem a vários autores, com o fim de assegurar “reequilíbrio contratual”. O contrato em julgamento foi contestado pelo autor da ação revisional alegando os seguintes argumentos: o contrato estabelece a capitalização mensal de juros, correção monetária cumulada com comissão de permanência e juros moratórios e remuneratórios acima do limite legal, onerando excessiva e unilateralmente o contato. O fim último da ação foi o de pleitear redução das prestações pela retirada dos valores incidentes sobre a mesma pela prática da capitalização dos juros. O autor identifica a existência da sobrecarga dos valores justos das parcelas pelo incremento gerado sobre elas pelos juros incidentes sobre juros. O magistrado 26 recorreu a conceitos para produzir belíssima peça de sentença, no que discorre, em um raciocínio impecável, sobre vários quesitos que merecem atenção pormenorizada. A peça se inicia pela definição de contrato, em sua evolução histórica de interpretação e fundamentos. No antigo conceito de contrato, enquanto acordo de vontade entre interesses opostos, em antagonismo, imperavam os princípios da intangibilidade e do “pacta sunt servanda” e o papel do Estado era simplesmente garantir seu cumprimento, pois que necessariamente justo. Contemporaneamente, no entanto, no novo conceito, prevalece a noção de contrato como vínculo de cooperação e a percepção da necessidade de atuação cooperativa entre os pólos da relação contratual. Importante a abordagem do magistrado quando procura estabelecer conceitos mais atualizados sobre o contrato e suas finalidades, e o papel do Estado, enquanto provedor e guardião das leis, na solução dos conflitos existentes entre as partes pactuantes. Quando opõe o conceito antigo e o contemporâneo de contrato, força compreensão sobre a finalidade de celebração contratual nas suas conotações contemporâneas. O que era concebido como “acordo de vontade entre interesses opostos”, passa a ser entendido como “vínculo de cooperação e a percepção cooperativa entre pólos da relação contratual”. Como pode uma operação de crédito ser um evento de conflitos de interesses opostos? Este tipo de noção não pode mais caber na mentalidade contemporânea, em tempos onde a interatividade ativa e benéfica das pessoas é promovida a todo o momento. Seria então o cliente (contratante) um adversário do provedor do crédito (contratado)? Se assim o fosse, o contrato em si já nasceria defeituoso, pois ao invés de celebrar acordo, estaria consolidando defesas de uma parte contra outra, com o fim de preservarem seus interesses próprios, e já de nascença, contraditórios. A visão de cooperação parece ser mais acertada para um ato que nasce da vontade de uma parte (que não dispõe dos recursos) de adquirir um veículo, e de outra parte (que possui os recursos) de auxiliar a aquisição deste veículo. Sendo assim, um contrato de financiamento de veículos, na visão de Neiva [2] (2007), é celebração de vontade comum associativa, não-conflitante, configurando cooperação, união de esforços em torno de objetivo comum, qual seja: aquisição de um veículo. 27 Assim, o contrato, sendo fruto de ação cooperativa, prevê benefícios e ajuda mútua entre as partes, devendo ser baseado nos princípios da “proteção da confiança no ambiente contratual, a exigência da boa-fé e a observância da função social do contrato”. A partir destes preceitos, o magistrado encontra solução para, aos moldes da promoção da justiça, mandar revisão no contrato em questão, obrigando a redução das parcelas pelo reconhecimento da prática da capitalização de juros por parte do contratado, o que lesa interesses e direitos do contratante, e desequilibra relação suposta de igualdade entre as partes. O Estado, na forma da Lei, interfere justamente para igualar relacionamento contratual (que foi desequilibrado por uma das partes), promovendo, na visão do magistrado, justiça. O autor prossegue investigando o problema representado pela ação revisional do contrato de financiamento à luz do Código de Defesa do Consumidor, que no entendimento do autor, “permite a modificação de cláusula contratual que estabelece prestação desproporcional ou sua revisão em razão de fato superveniente que a torne excessivamente onerosa”. Entende-se que, mesmo sendo pressuposto o aceite do consumidor pelas condições impostas a ele nas cláusulas contratuais, havendo percepção de usura ou anatocismo, é legítimo que se modifique a (s) cláusula (s) que permitam tal prática. “A modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (CDC, art. 6º, V) Entendimento normativo foi aludido para confirmar tal linha de raciocínio: O Código de Defesa do Consumidor assumiu uma postura mais objetiva no que diz respeito à revisão contratual por circunstâncias supervenientes. Basta uma breve análise do artigo que postula tal possibilidade, para perceber que este não menciona qualquer requisito além da excessiva onerosidade presente: não se fala em previsibilidade ou imprevisibilidade, não há questionamentos acerca das intenções subjetivas das partes no momento da contratação.” (Barletta, 2000 apud NEIVA [2], 2007) Compreende-se que não há necessidade de fatos ou bases anteriores para que se proceda à ação judicial de revisão contratual, somente a verificação da existência de registro no contrato, em suas cláusulas, que dão permissão a que o contratado pratique o juro excessivo, é por si só, requisito suficiente para que tais cláusulas sejam modificadas de modo a equilibrar as posições entre os pactuantes. O argumento para tal compreensão advém da vulnerabilidade do consumidor. 28 Vê-se, portanto, que a onerosidade excessiva pode ser originária, ou seja, desde a formação do contrato, pois a condição de vulnerabilidade do consumidor não lhe permite a compreensão da vantagem manifestamente excessiva em favor do fornecedor do crédito. Este princípio tem por fundamento, principalmente, a igualdade substancial nas relações contratuais e, por conseqüência, o equilíbrio entre as posições econômicas dos contratantes. Ao contrário do equilíbrio meramente formal, busca-se agora que as prestações em favor de um contratante não lhe acarretem um lucro exagerado em detrimento do empobrecimento do outro contratante. Portanto, “em face da disparidade do poder negocial entre os contratantes, a disciplina contratual procura criar mecanismos de proteção da parte mais fraca, como é o caso do balanceamento das prestações.” (NEGREIROS, 2006 apud NEIVA, 2007) Mais uma argumentação a favor da revisão contratual, entendida como de pleno direito por parte do consumidor. Segundo Neiva [2] (2007) todo contrato possui uma função social, ou seja, ultrapassa a esfera das intenções objetivas e alcança outras, o que permite, por conseqüência, defesa de outros arcabouços jurídicos que não seu código particular. O contrato de financiamento também tem sua função social, garantida pelo art. 421 do Código Civil: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Sendo assim, o Poder Judiciário tem o direito de intervir em casos, mesmo comerciais, onde o cidadão estiver sendo lesado nos seus direitos, e agir para dar equilíbrio justo entre as partes envolvidas no contrato comercial de financiamento. O princípio “pacta sunt servanda” fica, por entendimento do autor, influenciado pela Constituição Federal e pelo Código Civil, adaptando o conceito de servidão ao acordado à necessidade de cooperação entre as partes na satisfação de seus interesses mútuos, ou seja, não se concebe um contrato em que uma das partes tenha superioridade esmagadora sobre a outra, ou tecnicamente, que a instituição que oferta o crédito através do contrato, se enriqueça provocando pobreza naquele que contrata. A percepção de tal disparidade, no caso tratado, justifica a intervenção do Estado para manutenção do equilíbrio de forças entre as partes pactuantes, assegurando a pertinência de representação da ação revisional. A função social do contrato, como um todo, obriga o tipo de contrato estudado à convivência com toda 29 a sociedade, não lhe permitindo, por atribuição de caráter particular, que as implicações sociais presentes na sociedade fiquem isoladas do mesmo. O autor continua seu raciocínio para justificar a sentença de revisão de cláusula contratual referente ao valor das prestações, apelando para os princípios da boa-fé objetiva entre as partes pactuantes em um contrato de financiamento. “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (Código Civil) O fato do banco, ou da financeira, sabedora da sua proibição de praticar usura ou anatocismo, assim mesmo procedendo através de mascaramento de tais práticas em cláusulas que passam despercebidas pelo contratante, seja pela sua vulnerabilidade, seja pela sua aquiescência benevolente, já configura má-fé. O princípio previsto no Código Civil, que seria um dos outros códigos chamados à razão pela função social do contrato, já está rompido desde a origem do contrato, o que gera vício no mesmo, sendo este passível de contestação. O Código de Defesa do Consumidor absorve o princípio da boa-fé, prevendo a anulação de cláusulas que forem consideradas abusivas em um contrato. Das Cláusulas Abusivas Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; (BRASIL [2], 1990) Atenção para o fato de que o disposto legal fala sobre a nulidade de cláusulas, não desconsiderando o contrato no seu todo. Fica entendido então que a intenção contratual geral representada pelo contrato é mantida, salvaguardando somente o direito de intervenção na anulação de cláusulas específicas que causem danos aos direitos do consumidor. O escopo do artigo especifica dois aspectos que podem ser subentendidos a partir da vulnerabilidade do consumidor, já tratada, quando discorre sobre os vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem em renúncia ou 30 disposição de direitos (I), ou quando aborda o não cumprimento do princípio da boafé (IV). O princípio da boa-fé obriga o juiz a intervir em qualquer contrato, por força do próprio Direito, sendo este princípio base para celebração de qualquer contrato que se queira considerar legítimo. As cláusulas de um contrato comercial de financiamento então podem ser passíveis de ação revisional por princípios de direito. No caso específico de anatocismo, o autor se debruça sobre a confusão gerada pela própria lei brasileira em torno dos juros considerados corretos, para assim então gerar base de interpretação para os considerados abusivos. De acordo com o autor, a Emenda Constitucional nº 40, de fato, revogou o § 3º, artigo 192, da Constituição Federal, que limitava a taxa de juros a 12% ao ano. Aliás, antes mesmo da revogação através de Emenda Constitucional, o STF já havia decidido pela necessidade de regulamentação do artigo. (NEIVA [2], 2007) O Código Civil condiciona a taxa correta de juros à taxa de mora que a Fazenda Nacional aplica a impostos devidos. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 161, manda que “se a Lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês.” Este enunciado, interpretado à luz da aplicação dos juros simples, para assim se evitar a capitalização de juros, remonta taxa anual de juros de 12%. Existe conflito entre os doutrinadores e os mestres do Direito brasileiro no tocante à aplicação da taxa SELIC ou do Código Tributário Nacional, aos casos como o estudado. Decisão do Ministro Domingos Franciulli Neto, STJ, A Taxa Selic para ser aplicada tanto para fins tributários como para fins de direito privado, deveria ter sido criada por lei, entendendo-se como tal os critérios para a sua exteriorização. Atenta contra o comezinho princípio da segurança jurídica a realização de um negócio jurídico em que o devedor não fica sabendo na data da avença quanto vai pagar a título de juros, pois, não terá bola de cristal para saber o que se passará no mercado de capitais, em períodos subseqüentes ao da realização do negócio, se repisado o aspecto de que os juros são entidades aditivas ao principal e não mera cláusula de readaptação do valor da moeda. (REsp 215.881-PR) O ministro arremata a discussão: “a mora referida na segunda parte do art. 406 do CC/2002 somente pode ser "composta com os juros previstos no art. 161, 31 §1º, do Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172, de 25/10/66), isto é, 1% ao mês ou 12% ao ano”. A falta de dispositivo legal atual específico em torno da justa taxa de juros leva os magistrados a se basearem na doutrina e na jurisprudência, no intuito de aplicarem a justiça da lei, amparando e preservando os direitos tanto do contratado quanto do contratante de um contrato de financiamento de veículos. Apresenta-se jurisprudência que fixa os juros de um contrato de financiamento de veículos a 12% ao ano: APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Sendo o crédito fornecido ao consumidor pessoa física para a sua utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final, o dinheiro funciona como produto, implicando o reconhecimento da instituição bancária/financeira como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.078/90. Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ, de 12 de maio de 2004. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (Teoria da Imprevisão). Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. Ausente qualquer justificativa por parte do fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da Lei nº 8.078/90. Desnecessário examinar argumentos constitucionais sobre o tema. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. No caso concreto trata-se de contrato de financiamento firmado já na vigência do Novo Código Civil. Assim, havendo autorização expressa em lei, a incidência da capitalização dos juros remuneratórios contratados não vai afastada, sendo, entretanto, permitida apenas em periodicidade anual. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. Obrigação acessória que vai afastada, na esteira de jurisprudência consolidada. A correção monetária é suficiente, e mais confiável, para servir como fator de recomposição da perda do valor real da moeda, corroída pela inflação. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. Fixado o IGP-M/FGV como índice de correção monetária, eis que a jurisprudência indica ser o que melhor reflete a real perda inflacionária. JUROS MORATÓRIOS. Mantidos em 1% (um por cento) ao mês. MULTA MORATÓRIA. Mantida em 2% (dois por cento), porém, sobre o valor da parcela em atraso, nos termos do art. 52, parágrafo 1º, da Lei nº 8.078/90. COBRANÇA DE TARIFA E/OU TAXA NA CONCESSÃO DO FINANCIAMENTO. ABUSIVIDADE. Encargo contratual abusivo, porque evidencia vantagem exagerada da instituição financeira, visando acobertar as despesas de financiamento inerentes à operação de 32 outorga de crédito. Inteligência do art. 51, IV do CDC. IOF. ABUSIVIDADE QUANTO À FORMA DE COBRANÇA. A cobrança do tributo diluído nas prestações do financiamento se afigura como condição iníqua e desvantajosa ao consumidor (CDC, art. 51, IV). DIREITO À COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS E À REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Sendo apurado a existência de saldo devedor, devem ser compensados os pagamentos a maior feitos no curso da contratualidade. Caso, porém, se verifique que o débito já está quitado, devem ser devolvidos os valores eventualmente pagos a maior, na forma simples, corrigidos pelo IGP-M desde o desembolso e com juros legais desde a citação. APELO DO BANCO PROVIDO EM PARTE E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70020790275, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 29/08/2007) (apud, NEIVA[2], 2007) Mais reforço foi fornecido por: Contrato de financiamento de veículo. Competência dos juizados especiais nas ações que discutem ilegalidade de juros. Contrato de adesão. Consumidor envolvido em juros e acréscimos exorbitantes. Princípio da boafé objetiva. Impossibilidade de cobrança. Manifestação de cláusula contratual exagerada. Ofensa aos art. 51, IV, do CDC. Aplicação do art. 406 do CC c/c art. 161, § 1º do CTN. Juros limitados a taxa de 12% ao ano. Capitalização de juros Vedada pelo ordenamento jurídico (Súmula 121 do STF). Recurso reconhecido e parcialmente provido. Sentença modificada. (4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais. Processo nº: JPCDT-TAT00339/2004. Recorrente: José Anselmo da Cunha. Recorrido: Banco ABN Amro Real S/A. Relatora: Juíza Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel) No que foi acompanhado por: 54858-8/2005-1 CV(10-5-5) Recorrente: Dilson Rocha dos Santos Advogados(as): Fabiano Samartin Fernandes OAB/BA 21439 Recorrido: Banco Bradesco S/A (Setor Jurídico) Advogados(as): Jamile Sandes Pessoa da Silva OAB/BA 17567 Juiz(a) Relator(a): Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel Ementa: RECURSO INOMINADO. CONTRATO DE CRÉDITO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE JUROS ILIMITADOS e ALTERADOS UNILATERALMENTE. MANIFESTAÇÃO DE CLAUSULA CONTRATUAL EXAGERADA. OFENSA AO ART. 51, IV DO CDC. JUROS LIMITADOS A TAXA DE 12% AO ANO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. CABÍVEL REPETIÇÃO DO INDÉBITO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. RECURSO CONHECIDO e PROVIDO. Decisão: Decidiu, à unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a sentença a quo para proceder à revisão dos contratos celebrados entre as partes, em face da abusividade da cláusula contratual, determinando que a Recorrida aplique sobre a dívida do Recorrente taxa de juros no percentual de 12% (doze por cento) ao ano e de multa de mora no limite de 2% (dois por cento), dando-lhe, se for o caso, quitação do débito com devolução em dobro de eventual excesso cobrado corrigido a partir da citação válida. Custas processuais e honorários sucumbenciais pelo recorrido, estes arbitrados em 15%, sobre o valor total da condenação, a teor do que dispõe o art. 55, da Lei 9099/95. (apud NEIVA[2], 2007) 33 Com base em todo o exposto, o magistrado seguiu tendência da jurisprudência, e manteve o princípio dos juros simples, com base anual de 12%, pela sua determinação de aplicação de taxa de 1% mensal, deixando claro que se estende também aos aplicáveis de mora: Do exposto, por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a Ação para determinar a revisão do contrato celebrado entre as partes para estabelecer a taxa de juros convencionais, bem como moratórios, em 1% ao mês, excluindo-se também os valores referentes à capitalização mensal e comissão de permanência e, por fim, adotar-se como valores das prestações mensais aqueles indicados na planilha de fls. 35, Intime-se o acionado para promover a alteração do contrato em seus sistemas, bem como confeccionar carnê de pagamentos nos termos da presente decisão. O caso presente estudado é real, sendo um contrato de aquisição de veículo, onde foram estipuladas taxas de 2,46% ao mês, que resultaram em 33,80% ao ano. Pelo visto até agora, estas taxas são abusivas, tanto na sua representação mensal (já que a jurisprudência a restringe a 1% ao mês), quanto na anual (que notadamente suplanta a multiplicação simples por 12, o que deixa claro a capitalização dos juros). Há visível vantagem para o agente financeiro desde a celebração do contrato, visto que financiou R$ 15.000,00 (quinze mil reais) ao autor e receberia, ao final de 48 meses, quase o dobro do capital financiado, ou seja, R$ 26.927,04 (vinte e seis mil, novecentos e vinte e sete reais, quatro centavos). Não obstante os julgados supra mencionado, é entendimento majoritário no sentido de que o Supremo Tribunal tenha decidido que a lei n° 4.595/64 derrogou a Lei da Usura no tocante ao limite da taxa de juros para instituições financeiras quanto editou o verbete sumular n° 596 ( as disposições do decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional). 34 No entanto o verbete sumular nº 596 do STF não guarda nenhuma relação com a súmula 121 também do STF, e sendo assim a Lei de Reforma Bancária não derrogara a Lei da Usura no tocante à proibição da capitalização de juros. Somente seria possível a capitalização quando lei especial a permite, como as leis que disciplinam o crédito rural, crédito industrial e crédito comercial, desde que seja também pactuada (lei que permita é requisito necessário, mas não suficiente). Nesse sentido se editou a súmula n° 93 do Superior Tribunal de Justiça: "A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros". 35 5 CONCLUSÃO A capitalização de juros é a prática de incorporar ao capital, os juros provenientes da composição de juros sobre juros, ou seja, o cálculo para resultar as prestações tem em sua base de fórmula a taxa de juros aplicados. Esta prática é muito utilizada em contratos comerciais, aproveitando-se o ofertante do crédito para ganhar mais dinheiro do que se aplicasse somente a fórmula dos juros simples, onde o montante resulta da aplicação do tempo e da taxa sobre o capital. Esta prática é condenada no direito brasileiro, em sua doutrina, caracterizando-se como anatocismo. A proibição está presente na Constituição Brasileira e no Código Civil, contudo, nota-se sua aplicação, sobretudo em contratos de longo prazo como no caso de contratos de financiamento de veículos. Os bancos e financeiras se valem de várias estratégias para permanecerem praticando o anatocismo, que se demonstra no início da celebração do contrato, com a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) proibida, que, mascarada nas prestações contribui para montantes resultantes maiores do que a prevista na contratação. Continua na contratação dos juros, cuja interpretação doutrinária deveriam ter como base 1% ao mês, 12% ao ano, com fórmula de juros simples; mas que são estipulados com valores-base de taxas maiores, cuja incidência de juros se dá pela aplicação da fórmula de juros compostos (anatocismo). Culmina com a aplicação de capitalização composta no montante das prestações devidas. O principal estímulo para esta prática proibida, por parte das instituições financeiras, é a vulnerabilidade do consumidor, que no seu desconhecimento técnico sobre matemática financeira e seu afã de adquirir o veículo, se submete a condições de juros abusivos, o que é considerado ilegal, e somente pode ser resolvido por via legal, o que desestimula ainda mais o consumidor de promover seus direitos de equilíbrio contratual entre as partes. A confusão nas decisões judiciais permanece no âmbito da interpretação das leis brasileiras. A Constituição Brasileira de 1988 fixa os juros de 12% ao ano em base simples. Emenda Constitucional posterior derruba o artigo específico que trata do tema. O Código Tributário Nacional condiciona a taxa ao praticado pela Receita Federal. Os mestres e doutrinadores se digladiam entre a aplicação da taxa SELIC e a da Receita. Assim, os magistrados se apóiam na jurisprudência para nortearem 36 suas decisões, que demonstram serem favoráveis à manutenção do artigo constitucional revogado. Os bancos e financeiras tem como base de argumentação para rejeição de ações de revisão contratual princípios antigos que estipulam que aquilo que foi acordado de livre vontade, deve ser obrigatoriamente cumprido. Porém, interpretação doutrinária crescente compreende o suposto nos códigos de que os contratos possuem função social, assim, alcançam outras esferas de ação jurídica que não a sua de origem. Isto gera interpretação de que o Estado, na figura dos magistrados, pode e deve intervir para garantir o equilíbrio de direitos e poderes entre as partes contratantes, o que dá força para a ação judicial de revisão de contratos. O Código do Consumidor fornece importante subsídio argumentativo favorável à revisão contratual, quando estipula que cláusulas que prejudicam o consumidor podem ser anuladas. O princípio da boa-fé, presente no CDC e em outros códigos é a força maior para revisão contratual, que na prática, mantém a integridade do contrato na sua intenção acordada, somente corrigindo cláusulas que, de uma maneira ou de outra, prejudicam o consumidor. Valendo-se disto, baseado em jurisprudência, o Direito Brasileiro faz valer os direitos do consumidor, e inibe duramente o anatocismo, dando base de sustentação para ações de revisão de cláusulas contratuais que tipificam esta prática, resultando em recálculos de prestações e valores finais de financiamento de veículos que equilibram o contrato, beneficiando o consumidor. 37 REFERÊNCIAS ALENCAR, Martsung F.C.R.. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários e a posição do STJ e STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1037, 4 maio 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8338>. Acesso em: 6 fev. 2012 Barletta, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual por excessiva onerosidade... 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