Contribuição social sobre a receita bruta substitutiva
da contribuição sobre a folha de pagamento
Kiyoshi Harada*
Quando veio à luz a Lei nº 12.546/11 implantando o regime de
tributação da contribuição social incidente sobre a receita bruta em
substituição àquela incidente sobre a folha salarial fizemos críticas
severas por ofensa aos princípios da isonomia e da capacidade
contributiva, além de contrariedade do princípio da livre concorrência,
espinha dorsal do regime econômico da iniciativa privada.
É que o § 13, do art. 195 da CF, ao facultar o legislador ordinário
a promover a substituição gradual, total ou parcial da contribuição
previdenciária incidente sobre a folha de remuneração pela contribuição
incidente sobre a receita bruta, prescreveu que o fizesse tendo em vista
os diferentes setores da atividade econômica. Eleito determinado setor
para proceder a substituição do regime tributário, a Carta Magna não
deu margem ao legislador ordinário para excluir do setor eleito estas ou
aquelas empresas, levando em conta os diferentes códigos de produtos
classificados na TIPI, resultando na desoneração de um e na oneração
de outro contribuinte. A Constituição Federal não autorizou o legislador
infraconstitucional de lançar mão da política de vestir um santo e
desvestir outro. O que a Constituição autoriza é a substituição de um
tributo pelo outro de forma gradual e total ou parcialmente por setores
da atividade econômica e nunca por produtos, como vem sendo feito. A
discricionariedade do legislador ordinário descamba para o abuso
legislativo ao incluir produtos sofisticados e personalizados como, por
exemplo, “calçados impermeáveis de sola exterior e parte superior de
borracha ou plásticos, em que a parte superior não tenha sido reunida
à sola exterior por costura ou por meio de rebites, pregos, parafusos,
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espigões ou dispositivos semelhantes, nem formada por diferentes
partes reunidas pelos mesmos processos” (Código 64.01 da TIPI). O
Código de nº41.05 chega a ser cômico. Fala-se em “couros e peles,
depilados, de outros animais e peles de animais desprovidos de pelos,
curtidos ou crust, mesmo divididos, mas não preparados de outro
modo”. Depilar peles sem pelos?
O legislador ordinário, sem sombra de dúvida, conferiu caráter
regulatório de atividades econômicas, utilizando-se de um tributo de
natureza fiscal, isto é, a CSRB tem por função exclusiva a de propiciar
receitas regulares à União para cumprimento das finalidades estatais
voltadas para a área da seguridade social. Os tributos ordinatórios são
apenas aqueles expressamente previstos na CF: a CIDE e os quatro
impostos (II, IE, IOF e IPI). E todos nós sabemos que os tributos
regulatórios sempre foram desvirtuados na prática. O produto da
arrecadação da CIDE foi utilizado até para pagar o serviço da dívida e o
aumento do IOF por Decreto é frequentemente utilizado para “fazer
caixa”.
Por isso, defendemos a tese da facultatividade da substituição do
regime de tributação, sob pena de representar um violento aumento da
carga
tributária
para
determinados
contribuintes
com
grande
faturamento e pouco número de empregados, contrariando o objetivo do
legislador constituinte que foi o de proceder a desoneração tributária
com vistas à competitividade de nossos produtos e serviços no mercado
globalizado.
Com o advento da Medida Provisória n٥ 669, de 26-2-2015,
mediante alteração dos dispositivos da Lei nº 12.546/11 o regime
substitutivo tornou-se facultativo para o contribuinte.
Em compensação a contribuição social sobre a receita bruta que
era de 2% passou para 4,5%. E para as empresas fabricantes de
produtos classificados na TIPI aprovada pelo Decreto nº 7.660/11, nos
Códigos referidos no seu Anexo I, a alíquota de 1% passou para 2,5%.
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Mas, tudo bem. Agora será possível a cada empresa promover de
forma legítima e lícita o planejamento tributário de sorte a resultar no
pagamento do menor tributo. Na pior das hipóteses, nenhuma empresa
ficará com a carga tributária maior do que já vinha suportando pelo
regime tributário original. A alteração será sempre para menos, nunca
para mais.
Foi preciso haver mudança do titular da Fazenda para entender o
óbvio.
Entendo
que
as
empresas
prejudicadas
pela
substituição
compulsória do regime tributário têm direito à indenização.
Quando já elaborado o texto deste artigo fomos surpreendido pelo
inusitado comportamento do Presidente do Senado, que contrariado em
seus interesses pelo governo, resolveu devolver a MP nº 669/15. O
Planalto anunciou no mesmo dia o envio do projeto de lei em caráter de
urgência versando sobre a matéria constante da medida provisória
devolvida. É sempre assim. Todo instrumento normativo, que pela sua
objetividade e clareza põe termo às discussões, prevenindo futuros
litígios, ou é vetado pelo Executivo, como no caso da correção da tabela
do imposto de renda e da multa adicional de 10% a favor do FGTS , ou,
em se tratando de medida provisória ela é devolvida, como aconteceu no
caso presente, e como no caso daquela medida provisória que resolvia o
prolongado impasse das filantrópicas. Ao que parece a medida
provisória não se presta a atender casos de urgência e relevância. O
emprego do fast track é só para hipóteses sem relevância e sem
urgência, como por exemplo, para alterar a denominação de um
esquecido e obscuro órgão público dando-lhe um nome pomposo, a fim
de conferir maior visibilidade.
Participando da audiência pública na Comissão de Finanças e
Tributação da Câmara dos Deputados, no dia 18 de março de 2015, tive
a oportunidades de ouvir dos representantes da classe empresarial que
a elevação da alíquota da CSRB de 2% para 4,4% representou um duro
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golpe para aqueles que confiantes na ação governamental haviam
investido maciçamente
na expansão da infraestrutura pessoal com
vistas ao aumento do faturamento mensal. E por isso, sentiam-se
traídos. Mesmo com essa elevação de alíquotas a opção pela CSRB
representará, sem dúvida, uma carga tributária menor do que a
incidente sobre a folha, por razões óbvias. Mas, não há como ignorar o
pesado investimento feito por conta da alteração da legislação
tributária. A exemplo do ramo de construção civil em que se respeitou o
princípio do direito adquirido em relação às obras contratadas e em
curso de sua execução, há que se engendrar um mecanismo legal que
permita aos empresários que investiram na contratação de mão de obra
se recuperarem das despesas feitas. A solução seria a de conferir efeito
modulatório ao dispositivo que promoveu a elevação de alíquota, ou de
promover a majoração gradual das alíquotas para dar aos empresários
prejudicados tempo suficiente para a absorção do impacto econômicofinanceiro do novo regime tributário.
Além disse, deve-se aproveitar o momento de abertura propiciado
pelo governo para a elaboração legislativa que obedeça ao contido no §
13, do art. 195 da CF, promovendo a substituição gradual de uma
contribuição social pela outra, por setores da atividade econômica e não
por produtos, pois isso torna a legislação bastante complexa, dúbia
caminhando para o dinamismo caótico ao sabor dos interesses do
momento, retirando a necessária segurança jurídica que advém da
previsibilidade e estabilidade das normas. Ao se manter o critério atual
de substituição por produtos, os arts. 7º e 8º da Lei nº 12.546/11
continuarão sendo remendados a todo instante.
SP, 20-3-15.
* Jurista, com 29 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20
(Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da
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Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº
59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.
Sócio
fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe
da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Site: www.haradaadvogados.com.br
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