Relance sobre …
O ensino em Portugal no período anterior à fundação da Universidade.
Carlos Jaca
Diário do Minho 3, 10, 17,24 e 31 de Janeiro de 2007
Tratando-se de um tema demasiado complexo e inesgotável devo esclarecer, desde já,
que este estudo não pretende ser mais do que uma pequena síntese construída sobre elementos
já conhecidos, uns mais outros menos, tentando conseguir uma exposição histórica limitada às
suas linhas gerais e, mesmo assim, reconheço, com grandes lacunas. Daí o título, Relance…
Igreja e cultura na Península Ibérica.
O desenvolvimento da organização da cultura cristã foi um dos factos mais importantes
de toda a era medieval. Já durante os primeiros séculos desse período, a Igreja e as instituições a
ela ligadas transformaram-se numa estrutura complexa que, por fim, se veio a tornar o esqueleto
da própria sociedade. À medida que o Império Romano decaía no Ocidente, a Igreja assumiu
muitas das suas funções e ajudou a manter a ordem no meio do caos que se generalizava. O facto
de nem tudo se haver perdido no “naufrágio” foi devido em grande parte à influência
estabilizadora da Igreja organizada, ajudando a civilizar os bárbaros, a estimular os ideais de
justiça social e a preservar e transmitir a cultura antiga.
Porém, os objectivos que a Igreja perseguia não eram obtidos sem passar por todas as
vicissitudes: é que o Cristianismo trazia um conceito radicalmente novo na vida, combatendo os
deuses oficiais, o culto da divindade imperial, a escravidão (base da economia), os costumes
dissolutos e os espectáculos degradantes dos dominadores romanos. Por isso, tal como em Roma,
também na província da Hispânia, os cristãos não deixaram de sofrer grandes perseguições por
parte de alguns imperadores.
Entretanto foi-se verificando a semente profética de Tertuliano: o sangue dos mártires
transformou-se em semente de cristãos. Teria necessariamente de chegar o momento em que o
génio político de um governante considerasse ser indiscutivelmente proveitoso para o Império
conceder a liberdade religiosa, já tão avançado ia o surto demográfico dos discípulos de Cristo.
Constantino foi esse homem realista que decretou, no ano 313 da nossa era, o famoso Edito de
Milão.
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No ocaso do quarto século, o imperador Teodósio preparou as fases sucessivas do
processo cristianizador: institucionalizou oficialmente a Igreja dos Apóstolos e proclamou a
Religião da Boa Nova como Credo Imperial. Foi assim que o rumo da história mudou
radicalmente.
Também aqui, na Península Ibérica, enquanto a orgânica do aparelho político –
administrativo entrava em decadência, tal como todo o Orbe romanizado e, por toda a parte, o
organismo da Igreja ganhava ascendente, estabelecia-se com bases sólidas o governo
eclesiástico, à medida que o paganismo ibero – romano dava lugar ao cristianismo missionário.
Frente às instituições e crenças tradicionais, a Igreja não segue sistematicamente o caminho da
destruição, antes lhes aproveita e transforma o que de válido apresentam.
Assim, se vai atingindo a pouco e pouco, «a fase dos alvores medievais em que a Igreja
se reconhece como autoridade espiritual europeia, em que «o homem mais se identifica pela
crença que pela filiação rácica, em que os prelados, seus pastores, assumem, naturalmente e por
favor de circunstância, funções temporais».
S. Martinho de Dume.
Elevada a Igreja a instituição oficial, é sobre o mapa administrativo da velha Roma que,
na Hispânia, se organiza a administração eclesiástica, criando-se bispados e reunindo-se alguns
concílios.
Sob este aspecto, pode e deve considerar-se que a história religiosa «portuguesa» se
identifica, no século VI, com uma personalidade excepcional, um monge – bispo, São
Martinho de Dume ou de Braga como também é conhecido.
Geralmente aceite como originário da Panónia, actual Hungria, procedente de uma bem
posicionada família de funcionários romanos, recebeu uma sólida formação literária e religiosa o
que é reconhecido por todos os seus contemporâneos. Em Itália terá completado a sua formação
latina e consolidado a sua fé, após o que partiu para a Terra Santa onde permaneceu o tempo
necessário a fim de aprofundar os conhecimentos de língua grega e dos escritos dos Padres da
Igreja oriental, aí descobrindo as ricas experiências eremíticas e cenobíticas que muito o
influenciaram, fazendo dele «um monge oriental transplantado para os extremos do Ocidente».
Martinho chegou ao território que havia de chamar-se Portugal cerca de 550,
desenvolvendo, imediatamente, uma acção de proselitismo, coroada de sucesso pela conversão e
baptismo do rei e seus parentes. Fundou em 556, junto a Braga, um centro monástico, chamado
Dumium ou Dume, do qual se tornou o primeiro abade, e depois bispo-abade, «episcopus
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monasterii Dumiensis». O auge da sua carreira eclesiástica esteve na eleição para o topo da
Igreja Metropolitana de Braga, onde faleceu em 579, no final de «uma vida edificante,
inteiramente ao serviço do seu país de adopção».
São Martinho de Dume era portador de grande cultura o que, aliás, se confirma pelo
eclectismo dos seus escritos, repartindo-se a sua obra por várias rubricas, correspondentes às
suas preocupações de legislador, evangelizador e moralista.
Das obras que S. Martinho legou à posteridade, e que ainda hoje são objecto de estudo,
torna-se obrigatório referir as três que tiveram mais voga:
«Formula Vitae Honestae», dedicada ao rei Miro, a cujo pedido foi escrita. É um tratado
sobre as quatro virtudes cardeais dos Antigos: a prudência, a magnanimidade, a temperança e a
justiça Esta obra, que o Professor Doutor Cónego Avelino Costa classifica como um dos mais
antigos «Espelhos de Príncipes», exerceu grande influência em toda a Europa, foi traduzida para
francês, provençal, português e inglês, publicando-se elevado número de edições latinas.
«Capitula Martini», dedicada a Nitígio, bispo de Lugo, é uma colecção de 84 cânones,
promulgados pelos concílios orientais, africanos e hispânicos que S. Martinho «organizou,
retocou e traduziu» para servir de complemento ao Concílio II de Braga.
«De Correctione Rusticorum» – A instrução dos rústicos, opúsculo redigido a pedido
de Polémio, Bispo de Astorga, a quem o dedica, é uma obra que «continua a merecer a atenção
dos investigadores, pelos múltiplos ângulos de análise que proporciona, e para nós portugueses
continua a revelar-se de particular interesse». Obra informativa sobre a vida religiosa, as
mentalidades, os desvios, a sociedade e a economia do tempo, tem grande interesse etnológico e
antropológico, por fixar e descrever as práticas religiosas mais comuns entre as religiões pagãs
da Galécia. Trata-se de uma instrução pastoral a ser usada, em cumprimento dos cânones do I e
II concílios de Braga, quando os bispos visitassem as suas Dioceses «para admoestar os fiéis a
fugir da idolatria e da superstição».
S. Martinho, considerando indigno de um bom cristão que se continuasse a chamar os
dias da semana pelos nomes latinos pagãos de Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies,
Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, foi o primeiro a usar a terminologia eclesiástica para os
designar, daí os modernos dias em língua portuguesa, «caso único entre as línguas novilatinas,
dado ter sido a única a substituir inteiramente a terminologia pagã pela terminologia cristã».
Para além das suas obras de natureza teológica e moral, refira-se a faceta poética de S.
Martinho, de que restam apenas três poesias designadas pelo lugar em que se encontrava: «In
Basílica» (Segundo o Cónego Doutor Avelino da Costa, alguns autores atribuem estes versos à
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Igreja de Tours, mas sem fundamento, «pois S. Martinho fala aqui expressamente da igreja
levantada pelo Rei Suevo, que era a de Dume»):
................................................................
Templo santo de Cristo. Aqui, Martinho,
Submisso está pedindo, humilde implora
Que aos seus votos atendas com carinho.
Dos teus milagres lança com amor
Sobre ele a clara graça. Se primeiro
A Gália te escolheu por seu Pastor
Sê da Galiza ao menos Padroeiro!
«In refectorio» gravada no refeitório de Dume:
………………………………………………
Contudo, se da mesa a parca refeição
Bastar-te não puder, – suplico, a deficiência
Suprir busques então
Com plena paciência.
«Epitaphium», escrita para ele próprio, na Basílica de Dume:
…………………………………………….
Das Panónias oriundo, no largo mar levado
Ao seio da Galiza por desígnios de Deus,
Martinho, ó Confessor, digam nestes átrios teus:
«Bispo, o culto instaurou, mais o sagrado ritual»,
E a ti, Patrono, eu servo, seguindo, eu que chamado
Martinho fui no nome, não no mérito, igual
Eis-me agora de Cristo em paz aqui repousado.
Foi membro destacado do primeiro concílio de Braga, reunido em 561, (onde foram
condenadas as heresias priscilianista e arianista) e presidente do segundo, onze anos depois, em
572, a que assistiram doze bispos, representando as treze dioceses, visto que, na altura, Martinho
presidia a Braga e Dume. Neste concílio, o presidente metropolita Martinho, «reconheceu que,
então, nas diversas dioceses, não havia significativos desvios doutrinários contra a ortodoxia,
concentrando, por isso, todo o seu esforço em tomar decisões importantes para a vida das
igrejas (isto é, dioceses) e em ordem ao recto agir dos prelados e sacerdotes, contribuindo,
assim, para consolidar a estrutura religiosa e administrativa das várias dioceses e paróquias».
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São Martinho de Dume, ou de Braga, «além da evangelização dos suevos, que lhe
mereceu o título de «Apóstolo dos Suevos», esteve intimamente ligado à organização diocesana
e paroquial deste mesmo reino, organização que conhecemos, desde 569; através da sua ligação
ao Oriente e da escola do Mosteiro de Dume, foi também um transmissor da Cultura clássica
aos séculos futuros; a ele se deve a sólida evangelização desta região do Noroeste, que resistiu
às incursões arianas dos visigodos e consequente extinção do reino suevo pelos visigodos, em
585; lançou a matriz da rede diocesana do Noroeste, substancialmente, ainda hoje vigente;
marcou profundamente a luta contra o paganismo, sendo a prova mais notória e perceptível a
nomenclatura dos dias da semana, vigente em Portugal e nos países de expressão oficial
portuguesa.
Não admira, por isso, que a sua obra continue a ser objecto de estudo nas mais diversas
universidades portuguesas e estrangeiras.
Braga e Dume têm, pois, motivos acrescidos para se orgulharem da obra que nos legou e
que nos distingue, mesmo em relação a outras regiões portuguesas».
A 20 de Março de 579, falecia o monge – bispo Martinho de Dume, homem de grandes
virtudes e chorado, amargamente, por todo o seu povo, no dizer de S. Gregório de Tours que lhe
fez o elogio fúnebre:
«Na mesma época, faleceu também o bem-aventurado Martinho, bispo da Galiza, o que
causou a esta população um grande pesar. Ele era originário da Panónia, de onde se dirigiu ao
Oriente para visitar os lugares santos; tinha de tal modo cultivado as letras que, no seu tempo,
não era ultrapassado por ninguém. De lá veio para a Galiza, onde foi ordenado bispo… Depois
de ter cumprido este sacerdócio durante cerca de trinta anos, emigrou, cheio de virtudes, para
junto do Senhor. Foi ele que compôs os versos que estão sobre a porta do lado meridional da
basílica de São Martinho».
São Martinho de Dume é justamente considerado como «um dos maiores prelados do seu
tempo», o «último sobrevivente de uma civilização que desaparece e, ao mesmo tempo, o
anunciador dos tempos novos».
Em 6 de Agosto de 2005 , procedeu-se à devolução do túmulo de S. Martinho de Dume à
paróquia de que é titular. Considerado pelos especialistas um dos mais notáveis exemplares da
escultura pré – românica em território português, foi retirado da igreja paroquial de Dume em
1919.
Luís Fontes, investigador da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, afirma
que «as ruínas arqueológicas da basílica sueva de Dume, a par do túmulo de S. Martinho são já
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uma referência internacional da arqueologia cristã … contribuindo para colocar Braga no
roteiro dos mais importantes núcleos de arquitectura cristã antiga da Europa Ocidental».
Em 1982, após ter sido restaurado em Conimbriga (Museu Monográfico), foi decidida
a sua devolução à paróquia de Dume, o que só veio a acontecer vinte e quatro anos depois.
Coube ao Bispo titular de Dume e Auxiliar Emérito de Braga, D. Carlos Pinheiro, a
bênção das instalações, proferindo, ainda, uma conferência subordinada ao tema «S. Martinho de
Dume como exemplo de Evangelização». Também o Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga,
acentuou a necessidade de um maior empenhamento no domínio da investigação sobre a obra do
Santo, «uma grande personalidade da história da igreja de Braga», expressando votos para que
S. Martinho fosse «mais conhecido na sua pessoa e na sua obra e que continue a ser imitado e
evocado».
Concílios de Toledo e ensino na Alta Idade Média.
Desde o Império Romano, a Igreja teve as suas escolas na Península Ibérica que
sobreviveram ao desmoronamento provocado pelos povos bárbaros, dos quais se fixaram os
Visigodos que por influência de Recaredo se converteram ao cristianismo em 587.
A Igreja procurava, então, organizar e consolidar essa mesma organização criando
centros de trabalho, de estudo e de meditação. Assim, começaram a desenvolver-se as ordens
monásticas cuja existência na Península Ibérica parece poder comprovar-se, documentalmente, a
partir do século IV.
Para o desenvolvimento cultural da época a que me estou a reportar foi determinante a
cidade de Toledo, pelo facto de ter sido escolhida para sucessivos concílios de notável
repercussão na história da Igreja Católica. Na segunda dessas assembleias, realizada em 527, ao
serem analisadas questões relativas ao ensino, foi deliberado que «todos os jovens destinados aos
ministérios eclesiásticos fossem educados em seminários sob a inspecção dos bispos, ficando
estes obrigados a fundarem esses seminários nas suas dioceses». Esta determinação estaria na
origem da criação de seminários com fins pedagógicos.
De todas as populações que constituíam a sociedade europeia nos primeiros séculos do
Cristianismo, apenas os membros da Igreja se interessavam pela prática da instrução e pelo seu
desenvolvimento, procurando, fundamentalmente, através dela que o conhecimento das Sagradas
Escrituras, a palavra dos Santos Doutores e a ciência dos mestres eclesiásticos, fossem
comunicadas de geração em geração, de modo que houvesse sempre quem as transmitisse em
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todo o tempo e em todo o lugar. Com essa finalidade, tornava-se necessário que alguém soubesse
ler e escrever, que existissem lugares (escolas) onde essa actividade fosse praticada.
O centro mais notável destes estudos durante a ocupação visigótica, na Península Ibérica,
foi a escola fundada por Leandro de Sevilha, perto da cidade do mesmo nome, no século VI,
mais tarde dirigida por seu irmão, e ambos canonizados, Isidoro, arcebispo também de Sevilha,
grande vulto da cultura e considerado como o último dos maiores Doutores da Igreja
Dessa escola, cujo plano de estudos não demorava menos de quatro anos saíram
discípulos ilustres e, certamente, teria sido para uso dos estudantes da referida escola que S.
Isidoro de Sevilha escreveu a obra intitulada «Etymologiarum Libri» ( Livros de Etimologia).
Tratava-se de uma obra em vinte volumes, era uma vasta enciclopédia do saber da alta
antiguidade, tendo-se disseminado largamente por toda a Europa Ocidental pouco depois da sua
morte, e permaneceu uma obra de referência ao longo de toda a Idade Média.
Nos seguintes concílios de Toledo, realizados no século VII, renovava-se a necessidade
de instruir os futuros sacerdotes e de melhorar o ensino. No concílio IV (ano 633) determinou-se
que os jovens clérigos vivessem juntos num claustro e se lhes desse um mestre para os instruir
nas letras. No concílio VIII (ano 653) proibiu-se a ordenação de todos aqueles que não se
apresentassem instruídos nas letras.
Obviamente que este ensino tinha um restrito raio de acção, porquanto abrangia quase
exclusivamente os futuros monges. Quanto ao tipo de escolas onde o ensino era ministrado
estava implícito nas próprias determinações dos concílios, tanto nos de Toledo, como,
posteriormente, nos de Latrão.
Escolas Episcopais, Capitulares ou Catedrais (Clero Secular): funcionavam numa
dependência da habitação do Bispo ou numa dependência da catedral. Os estudantes que as
frequentavam eram jovens destinados, «já de tenra idade», à vida eclesiástica e que, ou tinham
sido oferecidos pelos próprios pais para esse fim, ou tinham sido escolhidos de entre as famílias
que prestavam serviços à Igreja e «sempre que neles se reconhecesse a inteligência e as virtudes
consideradas necessárias para o sacerdócio».
Escolas Monásticas ou Claustrais (Clero Regular): funcionavam nos próprios mosteiros, ou
junto deles. Os mosteiros, ou cenóbios, eram lugares onde faziam vida comum indivíduos que se
tinham afastado deliberadamente da sociedade para se dedicarem à vida religiosa, ao trabalho e
ao estudo, seguindo determinadas regras consoante a Ordem a que pertenciam.
Acontece que o relativo progresso que se vinha registando neste ensino sofreu algum
retrocesso, quando no século VIII a Península sofreu a invasão Sarracena, tendo decorrido mais
de um século para que a situação começasse a normalizar e ganhasse novo impulso.
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Escolas. Período anterior à fundação da Nacionalidade.
Naturalmente, a superfície da Península Ibérica que viria a constituir o território
português, não deixou de ser abrangida pelos sucessos e insucessos que se registaram aquém e,
até, além Pirinéus se bem que, por via da sua localização periférica, os progressos se tivessem
verificado com menos intensidade e mais tardiamente.
A este propósito, S. Frutuoso, que foi Bispo de Braga (e antes já o era de Dume), eleito
em 656, refere o atraso em que se encontrava a região ocidental da Península. S. Frutuoso, ao
pretender tirar certas dúvidas acerca de algumas palavras da Sagrada Escritura, que não
encontrara na obra de S. Jerónimo, resolveu escrever a S. Bráulio, Bispo de Saragoça, discípulo
de Santo Isidoro na escola de Sevilha e homem de muito saber. A carta de S. Frutuoso e a
resposta de S. Bráulio, que chegaram até nós, são elucidativas na medida em que nos fornecem
elementos do grau de cultura nesta região ocidental da Península: «Vós que fartais os outros com
o contínuo mel das vossas doutrinas, não nos desdenheis a nós, cá postos ao longe e
submergidos na tenebrosa nação do Ocidente». O Bispo de Saragoça responde, dizendo-lhe que
não é tanto assim: «Não vos tenhais em conta de desprezíveis pela razão de estardes
submergidos, segundo vos queixais, na tenebrosa região ocidental…porquanto a Província que
habitais, se arrêa de origem grega que é mestra de letras e de engenho: e lembrai-vos que dela
nasceram os elegantíssimos e doutíssimos varões, o presbítero Orósio, o bispo Turíbio, Idácio e
Carténio, pontífice de louvável ancianidade e sagrada erudição: e portanto há muito mais razão
para que louvar a graça de Cristo do que há que culpar a rudeza do país».
Apesar do tom pessimista de S. Frutuoso, não será ousado admitir-se que, em relação ao
ensino, o progresso que se ia naturalmente verificando nesta região, correspondia de algum modo
ao que se processava no resto da Península, embora com menor brilho e um certo desfasamento
em relação à época.
À medida que se ia operando a Reconquista e se instauravam as antigas catedrais, estas
voltaram a ser, sempre que as circunstâncias o permitiam, viveiro de sacerdotes. Igualmente, o
espírito monacal dos séculos IX e X levou à fundação de casas religiosas que foram núcleos de
uma vida cultural que, mesmo de projecção limitada, não deixou de animar os valores de
inspiração cristã.
Durante muito tempo foi ideia corrente considerar-se Coimbra como sede da primeira
escola catedralícia portuguesa. Os Professores Mário Brandão e Lopes de Almeida, na sua obra
conjunta, «A Universidade de Coimbra – Esboço da sua História», asseveravam que «A primeira
escola em território português, de que temos notícia, foi fundada precisamente na cidade que
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nos séculos posteriores viria a ser o principal centro docente do país, e que ainda hoje é a sede
da tradicional universidade portuguesa, uma das mais antigas do mundo: - Coimbra, cujas
tradições escolares ascendem ao século XI».
Antes de findar a década de cinquenta do século passado, o eminente historiador e
investigador Cónego Doutor Avelino de Jesus Costa, veio demonstrar, ao contrário do que se
tinha suposto, ter sido em Braga que existira a mais antiga escola portuguesa de que havia
memória, honra até então pertencente a Coimbra.
Efectivamente, o Padre Avelino, (era assim, há cerca de cinquenta anos que, nós os
alunos, o tratávamos) a partir de uma escritura datada de 1 de Maio de 1070, em que um tal
Gonçalo Moniz fazia uma doação ao Cabido da cidade de Braga e à sua catedral, conclui, e sem
deixar a menor dúvida, que a escola já existia à data do referido documento tendo sido criada
pelo Bispo D. Pedro, pouco depois da restauração da Diocese. A escritura faz, ainda, referência
a quatro alunos cujos nomes são mencionados e que viviam em regime de internato, sob a
direcção de um superior – praepositus, em casa anexa à do Cabido, «para receberem a educação
e instrução próprias de futuros clérigos e estarem livres da sedução do mundo».
Um dos primeiros alunos da escola, Onorico Viliamondiz (Honório Guilhamundes), que
subscreveu vários documentos como testemunha e confirmante e foi notário da Sé e do Conde D.
Henrique, veio a ser o primeiro mestre que em Braga se dedicou ao ensino de leigos. Este facto,
lembra-o Onega Bermudes, chamando-lhe magistro meo (meu mestre), quando lhe faz doação do
usufruto de certos bens que havia comprado, com o marido, em S. Pedro de Maximinos.
Ainda a propósito da escola episcopal bracarense existe uma notícia, parece que
raramente divulgada, em que um erudito teólogo francês do século XVII, Jean Launoy, faz
remontar a origem dessa escola para tempos muito anteriores ao do Bispo D. Pedro. Nessa obra,
«De Scholis Celebrioribus» de que há um exemplar na Biblioteca Nacional de Lisboa, há
referência às escolas mais célebres do passado e entre elas assinala Braga (Schola Bracarensis),
e embora não conseguindo indicar exactamente a data da sua origem, admite que teria sido
fundada por um bispo, de nome Martinho, que governara a Igreja Bracarense até ao ano de 572.
Acrescenta, ainda, que a escola «permaneceu durante os anos subsequentes funcionando sem
interrupção, e que a ela se referiu o Papa Inocêncio III (que pontificou de 1198 a 1216) em certa
carta que escreveu».
Também Henrique Denifle, grande conhecedor dos arquivos do Vaticano, citando alguns
documentos, afirma que nenhuma outra escola catedralícia portuguesa teria sido tão famosa
como a de Braga.
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Quanto à escola catedral de Coimbra, chegou a considerar-se como provável que
Fernando I, o Magno, rei de Leão após a conquista da cidade aos mouros (1064), teria convidado
para bispo da Sé de Coimbra, D. Paterno, então bispo de Tolosa, vindo este a tomar posse da sua
Diocese em 1080.
Em carta de 13 de Abril, o novo bispo teria instituído um cabido que deveria viver em
comunidade sob a presidência do respectivo prior, criando ao mesmo tempo, anexa à Sé, uma
escola para educação dos candidatos ao sacerdócio. Acontece que, estudiosos de renome
internacional como Henrique Florez, o Cónego Professor Pierre David, Professor Doutor
Torquato de Sousa Soares e o Cónego Professor Doutor Avelino Costa, provaram a falsidade do
referido documento, afirmando que não deveria ser anterior a 1132, «ficando por isso sem base
documental os outros factos ali mencionados». No entanto, o incansável investigador bracarense
não deixa de considerar que «a falsidade da carta não significa, porém, que o Cabido e a escola
conimbricense, não existissem desde a restauração da Diocese em 1080».
De facto, pode deduzir-se que a escola episcopal foi criada durante o bispado de D.
Paterno, porquanto numa doação feita pelo prelado, em 1088, à sua Sé, aparece uma assinatura
de Pedro gramático como testemunha: «Petrus gramaticus testis».
A existência do mestre – escola e do gramático Pedro pressupõem não só o
funcionamento da escola episcopal, mas também que logo nos seus primeiros tempos tinha
frequência que exigia a necessidade do mestre – escola, para ensinar ou para a dirigir, e a de um
mestre de gramática. Também, pela descrição da fundação do Mosteiro de Santa Cruz, se
verifica que nela interveio em 1131 D. João Peculiar, à época ainda mestre – escola da Sé: «eo
tempore colimbrie magister scolarum erat» e durante o governo do bispo de Coimbra, Maurício
(1099 a 1109), está documentado que «o jovem Martinho foi admitido na escola catedral e lá
seguiu os estudos clericais, prova de que ao tempo a escola já existia».
Por esta mesma época, embora já nos princípios do século XII, é bem provável que
existisse uma escola junto da Sé do Porto, porquanto o bispo desta cidade, D. Hugo, para cujo
cargo foi sagrado em 1113, frequentara a escola de Santiago de Compostela, não sendo de
estranhar que da parte do prelado houvesse o desejo e intenção de criar uma instituição idêntica
na sua nova diocese.
Obviamente, Braga, Coimbra, Porto e Lisboa, não devem ter possuído o monopólio do
ensino clerical e, assim, junto das sés portuguesas terá funcionado uma escola episcopal, embora
de algumas não tenha ficado rasto nos documentos. Por muito pouco letrado que fosse a maioria
do clero e diminuto o seu saber, os jovens destinados ao sacerdócio teriam de estudar alguns
rudimentos de latim e de doutrina cristã e nem todos poderiam ir frequentar escolas longínquas.
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Escolas Catedrais, Episcopais ou Capitulares. (séculos XII e XIII)
Sabe-se que a Igreja secular estava organizada institucionalmente nos primeiros tempos
da monarquia. Nos forais de D. Teresa e de D. Afonso Henriques figuram os prelados de Braga,
Coimbra, Évora, Lamego, Lisboa, Porto e Viseu. No tempo de D. Sancho I criou-se o da Guarda
(que aliás sucede ao antigo bispado de Egitânia) e restaurou-se o de Silves. Estas dioceses
vinham já do tempo dos Visigodos, continuaram existindo (por vezes só nominalmente) sob a
ocupação árabe e foram restauradas à medida que a Reconquista progredia. A este propósito,
refira-se que «só após a reconquista de Coimbra, em 1064, por Fernando Magno, é que se
tornou viável proceder à reorganização do território e à restauração das antigas dioceses do
território, agora definitivamente libertado, de entre Lima e Mondego, uma vez que a área de
Entre Minho e Lima estava integrada na diocese de Tui, desde a Alta Idade Média».
Reportando-me, agora, no que respeita ao século XII, após a fundação de Portugal, e ao
século XIII, pode aceitar-se, apesar de algumas lacunas de ordem documental, que todas as sés
tiveram a funcionar a sua escola própria. Aliás, esse foi sempre um dos objectivos dos Concílios
da Igreja, não só naqueles que foram realizados em Toledo, como, mais tarde, em 1179, no III
Concílio de Latrão, onde se determinou que «não só o bispo, no seu cabido, provesse ao ensino
da Gramática e da Teologia, mas que houvesse um mestre-escola em cada catedral para ensinar
gratuitamente os rapazes pobres».
Poucos anos antes da realização daquele último Concílio, e já no reinado de D. Afonso
Henriques, em relação à escola da Sé de Braga, existe uma notícia integrada num documento de
1164, em que há referência a certas providências tomadas «para a hospedagem e sustento dos
alunos da escola daquela sé». Conhecem-se, ainda, em relação ao século XIII, vários actos
notariais onde a permanência do cargo de magister scholarum na Sé bracarense está
suficientemente documentada.
Da escola da Sé de Coimbra, fundada, como já se disse, pelo bispo D. Paterno, existem
vários documentos referentes a esta época, salientando-se a lápide sepulcral do ano de 1192 e
que hoje se conserva no Museu Machado de Castro. A lápide dizia respeito a um tal presbítero,
de nome João, mestre-escola e que fora enterrado nos claustros da catedral conimbricense.
Quanto ao Porto não há dúvida que foi um centro irradiador de cultura nos séculos XII e
XIII, o que pode verificar-se pela existência de mestres-escola de 1185 a 1299, «conhecendo
alguns escolares e sua importância social, e descrevendo livros manuscritos legados entre 1185 e
1331».
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Na catedral portuense, a dignidade de mestre-escola foi criada pelo bispo D. Martinho
Pires, em Novembro de 1185, de acordo com as decisões conciliares já aqui referidas, sendo
Domingos Miguel o primeiro nomeado para exercer o cargo. Durante o século XIII foram
mestres-escola na Sé Episcopal, Paio Tomé, João Pais, Martinho Mendes e D. Pedro Martins.
Destes, notabilizou-se Mestre Paio Tomé, «que parece ter sido um canonista de grande renome,
pelas questões em que interveio, e é verosímil que tenha sido um dos mestres vindos de
Bolonha».
Quanto à escola episcopal da Sé de Lisboa, existem hoje factos concretos acerca da sua
existência e funcionamento.
Após a conquista de Lisboa, naturalmente o rei pretendia que a cidade tivesse o seu bispo,
confiando aos cruzados (que o auxiliaram) a indicação do prelado entre os sacerdotes que os
haviam acompanhado e vindo essa indicação a recair no inglês Gilberto de Hastings, «a que
logo o rei, o arcebispo de Braga, mais quatro bispos lusitanos, os clérigos e os leigos deram o seu
consentimento».
A indicação do bispo e a respectiva aprovação devem ter-se realizado pouco tempo
depois da tomada de Lisboa, provavelmente, em 1148, uma vez que neste último ano ficou
concluída a construção do Mosteiro de S. Vicente e, nessa altura, já D. Gilberto estava no
exercício do seu cargo. A data da criação da escola episcopal pelo novo bispo não deve ter
demorado muito, porquanto era indispensável e urgente cuidar da formação do clero. Na doação
de bens, feita em 1150 por D. Gilberto ao seu Cabido, assina um cónego, Adam, como
cancelário, que era quem desempenhava, então, as funções de mestre-escola no ensino.
Um dos alunos que a frequentou foi Fernando Martins, mais tarde Santo António de
Lisboa, ou de Pádua, como também ficou conhecido, e um dos mestres que aí ensinaram foi
Pedro Hispano, futuro Papa João XXI.
Para além destas escolas existiram outras, análogas e contemporâneas, que funcionavam
nas Colegiadas. O nome de colegiada (deriva de collegium) designava uma igreja na qual, à
semelhança das igrejas - catedrais, havia um cabido de cónegos, presidido pelo prior. As
colegiadas podiam ser sujeitas ou isentas da jurisdição do bispo diocesano. Assim se explica que
já no século XIII se encontrem documentos do Arquivo Distrital de Braga, referentes a litígios
entre o prior e cónegos da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira de Guimarães e o
Arcebispo e o Cabido de Braga, sanados por acordos levados a cabo pela intervenção do Papa,
que para isso nomeou legados seus.
Foi o IV Concílio de Latrão, em 1215, a exigir que as Colegiadas tivessem escolas, além
de ordenar também que «as igrejas metropolitanas sustentassem um professor teólogo que,
Carlos Jaca
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gratuitamente, completasse o ensino ministrado pelo mestre-escola». Em 1228 o legado
pontifício, João de Abbeville, determinou que na Colegiada de Guimarães houvesse um mestre
de gramática. Entre as muitas Colegiadas que existiram em Portugal, notabilizou-se a, já referida,
de Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, onde foi Prior, no século XIII, o celebrado Pedro
Hispano.
Acrescente-se, ainda, a existência de escolas do tipo monástico e paroquial. Nestas
últimas a que já se refere o Concílio de Mérida (ano 666), alguns párocos preparavam os seus
auxiliares os «monachinos» ou meninos do coro, que podiam ir depois, eventualmente,
completar a sua formação na escola episcopal. O arcebispo de Braga, D. Silvestre Godinho
(1229 – 1244) declara, em certo documento, ter sido educado durante três anos e aprender a rezar
o saltério na escola paroquial de S. Paio de Pousada (concelho de Braga).
O Ensino nas Escolas Episcopais. Programas e matérias.
O ensino nas escolas episcopais portuguesas não devia diferir muito daquele que se
processava nas escolas estrangeiras do mesmo tipo, atendendo, sobretudo, às directrizes
emanadas dos vários Concílios. Porém, mesmo que a organização escolar e as práticas do ensino
nos oferecessem (e, certamente, ofereciam) grandes variações, o quadro teórico das matérias era
comum a todos os meios escolares.
O aluno iniciaria a sua instrução por exercícios sobre o «Saltério», isto é, o livro dos
cantos bíblicos designados por «salmos». Logo que o aluno passasse a conhecer as primeiras
letras, começava a leitura e a cópia do «Saltério», daí retirando a tríplice vantagem de aprender a
ler, a escrever e a conhecer o texto sagrado.
Para fixar os «salmos», as crianças liam-nos em voz alta, porém, mais tarde, quando se
possuía um maior grau de cultura, ou se ingressava num mosteiro, fazia-se leitura pessoal e
silenciosa, imposta pelas próprias Regras. A língua usada em que se aprendia a ler e a escrever
era o latim, pois era nela que depois havia de ser usada no exercício das funções clericais.
Note-se que o uso do «Saltério» (geralmente o primeiro livro de leitura) era corrente, em
princípios do século XIII, mesmo em escolas paroquiais, como já se referiu em relação a S. Paio
de Pousada. Assim, não admira que o «Saltério», como texto indispensável da prática litúrgica,
fosse frequente nas livrarias catedralícias e monásticas. Documentos datados dos séculos XII e
XIII atestam a sua existência em várias bibliotecas, como as do Cabido de Braga e de Coimbra,
ou a do Mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz.
Carlos Jaca
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Decorridos séculos, o ensino tinha, naturalmente, evoluído, mas as suas linhas essenciais,
no que diz respeito a esta fase de iniciação, mantinham-se ainda semelhantes.
Obviamente, que os programas não podiam deixar de apresentar, por vezes, variantes
apreciáveis, de caso para caso, dependendo do critério e capacidade organizadora dos
responsáveis pela escola, da competência e (ou) predilecção dos mestres e, até, das situações
derivadas da frequência maior ou menor dos alunos e da urgência que houvesse na sua formação.
Desde o início da Idade Média era universalmente adoptado um programa de estudos que
continuava a ser o fundamento do sistema, só que agora mais estudado e adaptado às novas
necessidades. Era este o esquema da enciclopédia medieval, das «artes liberales».
As disciplinas estudadas, as «artes», denominavam-se «liberais», pelo facto de se
considerarem próprias para a educação de um homem livre.
As artes liberais (sete) estavam divididas em dois grupos que, actualmente designaríamos
por «letras» e «ciências».
O primeiro grupo designado por «trivium» (em português, trívio) incluía três disciplinas:
Gramática, Retórica e Dialéctica; o segundo, denominava-se «quadrivium» (em português,
quadrívio) e era constituído pelas seguintes matérias: Aritmética, Geometria, Astronomia e
Música.
Esclareça-se que nem todas as referidas designações correspondiam ao seu significado
actual. Assim, na aula de Gramática, além do estudo das regras linguísticas (o latim) procedia-se
a frequentes leituras de autores seleccionados entre poetas e prosadores; na Retórica praticavamse exercícios de redacção que permitiriam, eventualmente, no futuro, desempenhar cargos
jurídicos em que essa prática era necessária; na Dialéctica, estudava-se a Lógica e exercitavamse os alunos nas disciplinas teológicas.
Afonso X, o Sábio, de Castela, avô de D. Dinis, na sua vasta enciclopédia, a «General e
Grant Estoria», num texto anterior a 1280 dá informação do conteúdo e do espírito destas
disciplinas. Segundo o referido texto, trívio quer dizer as três vias ou caminhos por onde o
homem aprende a discorrer completamente: a Gramática «ensina a fazer as letras, e delas ajunta
as palavras, e destas faz a proposição»; a Dialéctica «é a arte de aprender a conhecer se é
verdadeira ou falsa a proposição que a gramática compôs»; a Retórica é «a arte de embelezar a
proposição e mostrá-la de maneira tal que se faça ter por verdadeira e por certa aos que a
ouvirem». Com estas artes fica um homem «bien razonado», e apto a entrar no quadrívio, no
termo do qual, além de «razonado», o homem fica «sábio».
A gramática é a única disciplina que deve ter sido universalmente ensinada, pelo facto de
constituir a base de todo o outro ensino. Quando se queria sublinhar a ignorância de uma pessoa
Carlos Jaca
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dizia-se que ignorava a gramática, como o faz um bispo em relação a um seu antecessor: «nunca
aprendera direito, nem sequer gramática, o que é mais». E já no fim do século XV, nas cortes de
Évora de 1481, quando os concelhos propõem ao Rei que dê alguma educação aos filhos dos
fidalgos que vivem no paço, lembram que lhes mande «ensinar gramática, jogar a espada com
ambas as mãos, e dançar e bailar, e todas as outras boas manhas e costumes que tiram os moços
de vícios e os chegam a virtudes».
Na Aritmética, incluída no segundo grupo, o quadrivium, aprendia-se a numeração e os
mais elementares rudimentos dessa matéria; na Geometria, «os rudimentos próprios», e também
a Geografia; na Astronomia estudavam os astros, as constelações e os fenómenos
meteorológicos; na Música, as regras do canto que acompanhava geralmente as cerimónias
religiosas.
O interesse do estudo das disciplinas do quadrivium consistia, fundamentalmente, «em
nele se colherem os elementos necessários à clarificação de inúmeros passos da Bíblia».
Segundo Santo Agostinho, patrono da Ordem dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, o
estudo do trivium e do quadrivium devia ser considerado indispensável para alcançar o da
Teologia, também designado por «Sacra Página».
Considere-se, porém, que nas escolas episcopais ou capitulares, com um objectivo preciso
de educação religiosa de clérigos, só excepcionalmente seria aplicável o esquema completo das
«artes liberales». Assim, as exigências apontariam, fundamentalmente, para um ensino
preparatório e indispensável para o desempenho das funções eclesiásticas, e que correspondia à
necessidade de formação do clero. Esses eram, aliás, os preceitos do IV Concílio de Toledo (633)
e de Coiança (1055), segundo os quais os candidatos ao sacerdócio deviam saber perfeitamente
«todo o saltério, os hinos e cânticos, as Epístolas, os Evangelhos e as orações».
Ilustração do Clero
Nos primeiros tempos da monarquia, como ainda durante séculos depois, os bispos e em
geral os membros do clero regular e secular constituíram a parte mais culta da nação. Isto não
quer dizer que a cultura que possuíam fosse de alto nível, porquanto há necessidade de atender às
condições gerais da sociedade, numa época em que faltavam as escolas e as poucas que havia
limitavam-se ao ensino de rudimentos indispensáveis. Efectivamente, a par daqueles clérigos
que, naturalmente, dominavam a cultura do seu tempo, e de outros de menor relevo, não
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faltavam eclesiásticos de «fracas letras», o que mesmo assim não os impedia de alcançar lugares
de algum destaque.
Fortunato de Almeida, autor insuspeito como historiador da Igreja em Portugal, afirma
que «na época da fundação da monarquia existiam clérigos e até bispos, que não sabiam
escrever; e há memória de factos semelhantes, embora mais raros, em tempos posteriores».
João Pedro Ribeiro anotou alguns factos significativos relativamente a tempos já algo
adiantados da Idade Média. Nas «constituições» das sés de Braga e Porto determinou-se que
«nenhum pároco fosse nomeado sem que ao menos entendesse ao pé da letra o que lia e cantava;
mas, ao que parece, esta exigência era impraticável e muitos candidatos foram dela dispensados,
bastando-lhes serem aprovados num exame acerca dos sacramentos e de casos de consciência.
No século XIV, num documento em que uma das partes eram os cónegos de Vila Boa,
declara-se que só o prior sabia ler, motivo por que não assinam os restantes sete cónegos. No
século XIV toma posse de uma igreja do arcebispado de Braga um clérigo que se compromete a
aprender bem a ler e contar antes do ano acabado».
Obviamente que
estes casos de clérigos analfabetos não constituíam a regra, mas
demonstram que o ensino dentro da Igreja não estava uniforme e universalmente organizado, e
que por falta de escolas havia necessidade de aceitar nos seus quadros pessoas não só ignorantes
dos rudimentos de Teologia, mas até das primeiras letras.
De facto, o estado do ensino na época a que me estava reportando, o primeiro século da
história portuguesa, corresponde a uma situação de acentuado atraso em relação a outros países
europeus. Por isso, a população estudantil nesta época é de «vocação nómada e peregrinante».
Assim, os estudantes portugueses, sabendo que lá fora tinham maiores possibilidades de ampliar
e melhorar os seus conhecimentos saíam do país a fim de se matricularem nos mais famosos
estabelecimentos de ensino, nomeadamente, Salamanca, Paris, Montpellier, Pádua e Bolonha,
onde estudavam Teologia, Cânones, Filosofia e Medicina.
A falta de cultura, explica-a Fortunato de Almeida pelo facto de se chamarem sacerdotes
estrangeiros para ocupar sés na Península, tanto em Castela como em Portugal: «Na primeira
metade do século XII foi dada a Sé de Toledo a D. Bernardo, francês; à mesma nacionalidade
pertenciam os prelados bracarenses S. Geraldo e D. João Peculiar, e o bispo do Porto D.
Hugo. O primeiro bispo que teve Lisboa, depois de conquistada por D. Afonso Henriques, foi
Gilberto, de Inglaterra. Estrangeiro era também, flamengo, segundo parece, um certo Nicolau,
que D. Sancho fez bispo de Silves quando conquistou esta praça».
No entanto, convém levar em conta que o Conde D. Henrique, pai de Afonso Henriques
era francês. Assim, não é de estranhar que esse facto o levasse a colocar compatriotas seus nos
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lugares de maior destaque, e também a conquista do território pelo filho só foi possível com
auxílio de elevado número de cruzados estrangeiros, o que, naturalmente, lhe criou obrigações
que justificam a escolha de bispos das nacionalidades de onde eram provenientes.
Aos costumes bárbaros do tempo e à falta de mestres e de escolas acrescia a raridade e o
preço elevado dos livros; eram até raros os livros litúrgicos, conforme é atestado pela
documentação, embora em alguns conventos se ocupassem os monges em copiá-los. E mais:
nesta época, para além da oração e do ensino, o clero, quer regular, quer secular, ocupou muito
do seu tempo e esforço desenvolvendo uma acção notável como agente do repovoamento e, por
vezes, até na defesa do território. E, por último, acrescentarei que, um dos grandes campos de
acção do clero medieval foi a assistência, concretizada em vários aspectos, destacando-se as
albergarias e os hospitais para protecção a viandantes e a doentes, bem como a peregrinos.
Com todas as suas deficiências foi o clero, desde o princípio da monarquia, a classe mais
culta da nação, podendo até afirmar-se que mantinha o monopólio das letras. Note-se, que a
palavra clérigo tinha o significado de «letrado», «culto», designava as pessoas mais versadas
em letras divinas e humanas e, por isso, as escrituras de contratos eram quase sempre feitas por
clérigos, mesmo quando os contratantes eram seculares.
O ofício de escrever reputava-se até privativo dos clérigos e, por conseguinte, alheio às
outras classes, explicando-se deste modo o facto de serem os eclesiásticos a desempenhar muitos
cargos seculares, como chanceleres, juízes, notários, procuradores, tesoureiros e até médicos.
A necessidade de manter na Corte clérigos letrados para o exercício dessas funções, levou
o Papa João XXII a permitir-lhes que, quando tivessem benefícios, não perdessem por ausência
os proventos deles. Os eclesiásticos que desempenhavam essas funções eram frequentemente
designados pelo nome de «clérigos da rainha» e «clérigos d´el-rei».
A este propósito colocou-se, muitas vezes, a questão de saber se os nossos primeiros reis
saberiam ler e escrever. Havia (ou ainda há) quem pensasse que eram analfabetos, pelo facto de
os documentos não apresentarem a assinatura do rei, mas sim uma cruz em sua substituição.
Ainda hoje, é corrente a expressão «assinar de cruz» para referir alguém que não sabe escrever
o seu nome, ou que assinou qualquer papel ou documento sem o ter lido subentendendo-se, daí,
que não sabe ler nem escrever.
A representação da cruz no final dos documentos não significava que as pessoas que
deveriam assiná-los fossem analfabetas, pois a cruz correspondia não a uma assinatura mas a
uma espécie de juramento, como se o interessado, para garantia do que se afirmava, tocasse com
a mão na «Santa Cruz».
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A este respeito, vejamos, ainda, o que nos diz Frei Joaquim de Santa Rosa Viterbo no seu
«Elucidário»:
«Desde que Portugal se separou do reino de Leão pelo casamento do Conde D. Henrique
no ano de 1095, os nossos augustíssimos soberanos assinaram sempre de cruz os documentos,
que emanavam do trono, enquanto os sinais rodados, e os selos pendentes não mudaram a
singeleza, que dantes se praticava. Deste modo é que os monarcas portugueses assinavam
antigamente a cruz, ao que se chamava Cruce subscribere. Desde a primitiva cristandade
sempre a cruz nos instrumentos públicos teve força de selo inviolável».
«Scriptoria» e Bibliotecas.
À intensa religiosidade do homem medieval correspondia também uma literatura religiosa
adequada. Os monges, as pessoas piedosas, os crentes mais ilustrados buscavam naturalmente
livros de formação religiosa, que lhes satisfizessem a devoção e os instruíssem nas verdades da
Fé. Estas, às vezes, aprendiam-se até na pintura a fresco, no interior da igreja, e na escultura dos
pórticos (colunas, arquivoltas e tímpanos) e nos capitéis, compreendendo uma temática de
inspiração diversa. O aspecto catequístico das figuras pintadas e esculpidas consagraram a
designação de Bíblia dos Pobres (ou Bíblia de Pedra). Tal recurso artístico destinava-se aos
analfabetos.
Mesmo no que diz respeito ao século XI, qualquer mosteiro, por mais modesto que fosse,
devia possuir, pelo menos, alguns livros litúrgicos.
A Bíblia, (por vezes chamada biblioteca, por ser constituída por vários livros), seria o
mais frequente, mas, os saltérios, os antifonários, os passionários os homiliários, os manuais de
orações e os missais também faziam parte do «arsenal litúrgico» dos mosteiros mais poderosos e
das sés mais importantes. Além dos livros litúrgicos, as bibliotecas não deixavam de incluir
obras monásticas, teológicas, exegéticas, canónicas e históricas.
A palavra «scriptoria» significa, sobretudo, uma dependência colectiva ou espaço
individual (cela), em mosteiros e catedrais onde os monges exerciam a actividade de escrever.
Nem todas as instituições religiosas possuíam «scriptorium», porquanto a sua existência
dependia de vários factores, entre outros, o nível económico - cultural do mosteiro ou igreja e,
até, a regra adoptada podia justificar não só a presença daquele espaço, mas também as suas
características.
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A escrita era uma arte e uma técnica que exigia aprendizagem demorada. Como material
de suporte utilizava-se o pergaminho e, como instrumento usado, o cálamo, herdado da
Antiguidade, ou pena de ave que se generalizou na Idade Média.
Ao «armarius» (clérigo encarregado da guarda e conservação dos livros, além de ser
responsável pelo «scriptorium» quer quanto às condições materiais que ele exigia, quer quanto às
escrituras aí produzidas) competia o fornecimento de pergaminho, de tintas, de penas, de
estiletes; canivetes, réguas, facas, tesouras eram outros instrumentos indispensáveis.
Antes de iniciar o trabalho de escrever, havia que cortar o pergaminho, pele de carneiro
ou cabra, e que previamente fora metida em solução de cal (para extrair a gordura), secada,
esfregada e polida com pedra-pomes. Seguidamente, o «scriptor» (copista) riscava com chumbo
aquilo a que hoje se dá o nome da mancha (espaço destinado às letras) e as linhas; pegando numa
mão o raspador e na outra a pena de ave, traçava minuciosamente os caracteres, deixando em
claro as iniciais e o espaço para as decorações.
No «scriptorium», os monges actuavam em regime de divisão de trabalho: na cópia
propriamente dita, na iluminura e na encadernação sob a direcção do «armarius», isto é, a obra
passava pelas mãos de diversos especialistas. Enquanto um caligrafava o que lhe era ditado,
outro desenhava grandes iniciais muito enfeitadas a vermelho, azul, verde, por vezes a ouro e
prata; outro, ainda, pintava ornamentações, geralmente, pequenas gravuras relacionadas com o
texto; enquanto se colavam as folhas, um especialista ia preparando o couro para as capas, que
outro se aprestava para lavrar com um ferro quente. As capas eram, por vezes, autênticas obras
de arte, de prata cinzelada ou de marfim engastado de pedras raras.
Nos mosteiros, os livros estavam colocados sobre carteiras, onde os monges os
consultavam e, para serem preservados, eram, frequentemente, amarrados com correntes. Os
particulares legavam-nos como jóias de alto valor. Ainda hoje, em museus e exposições, podem
ser vistos códices com as capas revestidas de prata, como o «Livro de Horas de Santa Maria»,
que D. Mafalda, filha de D. Sancho I, legou ao Mosteiro de Arouca, em 1256.
Estas preciosidades levavam anos a concluir. Recorria-se, por vezes, ao processo de ditar
um mesmo original para vários copistas, no entanto, também acontecia ser um único monge a
efectuar toda a série de tarefas, desde a preparação da pele de carneiro até à elaboração das
capas.
Concluída a cópia, o «scriptor» manifestava, frequentemente, o seu alívio nas palavras
com que terminava o manuscrito. Uns, apunham o seu nome para que a posteridade não os
esquecesse; outros, enalteciam a importância do seu trabalho, como é o caso de um dos
manuscritos de Santa Cruz de Coimbra, actualmente na Biblioteca Pública do Porto: «Quem não
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sabe escrever julga que isso não é trabalho». Outras vezes, o copista pedia que lhe rezassem
pela saúde e pela alma: «Quem isto escreveu que continue a escrever, e que viva sempre com o
Senhor», o que era uma fórmula frequente na conclusão de manuscritos portugueses.
Compreendem-se os desabafos se levarmos em conta a preparação artesanal, a aplicação e
persistência que exigia a cópia de um manuscrito.
A título de curiosidade, refira-se que o tipo de letra usado na Península Hispânica, desde
o século VIII até ao XIII, ficou conhecido pelo nome de escrita «visigótica». O documento
«visigótico» mais antigo que se conhece, oriundo do território português, data de 882. Porém, a
partir dos meados do século XII, alguns documentos provenientes de mosteiros, como Pendorada
ou de sés, como Coimbra, começam a revelar influência de outro tipo de letra: a chamada escrita
«carolina», de origem francesa, que se generalizaria, no século seguinte, a todo o território entre
Minho e Mondego.
Os compactos códices de letras perfeitas e iguais levavam anos a escrever e eram
verdadeiras obras de arte, como a pintura. A este propósito, saliente-se o caso notável de
produção protagonizado por um célebre monge de Ratisbona: «Othlon de Saint – Emeran, que
transcreveu vinte e três missais, três evangelhos, dois leccionários, duas obras de Santo
Agostinho e sete monásticas, ao todo trinta e sete volumes copiados numa vida laboriosa».
Os preços por que ficavam os livros assim produzidos elevavam-se a preços que hoje se
poderiam considerar astronómicos. E note-se que não se está, apenas, a falar de livros de luxo,
mas sim de livros utilitários e, assim, nestas condições as bibliotecas, na generalidade, não
podiam estar bem apetrechadas. Mesmo nas grandes bibliotecas, «os volumes contam-se por
dezenas, quando muito por centenas. A biblioteca dos papas em Avinhão, segundo inventários de
1369 e 1375, época em que a indústria e o comércio do manuscrito tinham tomado grande
incremento, reunia dois mil volumes. Quatro séculos antes o catálogo de uma famosa biblioteca
conventual incluía quinhentos e noventa números. Na Galiza, em território que seria mais tarde
português, a mais antiga colecção de que há noticia é a de vinte livros, legados ao mosteiro de
Guimarães por D. Mumadona, em 959».
O mais antigo «scriptorium» de Portugal julga-se ter sido o de Lorvão, anteriormente a
1210, onde se encontravam cópias ricamente iluminadas do «Livro das Aves» (1183), «obra
sobre o simbolismo moral dos animais», vinda de França; dos comentários de Santo Agostinho
sobre os salmos, copiados no mesmo ano; e o «Apocalipse» comentado pelo beato de Liébano,
cópia de 1189, obra largamente difundida no reino asturo-leonês. Todas estas obras, copiadas no
Mosteiro de S. Mamede, em Lorvão, encontram-se hoje no Arquivo Nacional da Torre do
Tombo.
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As mais celebradas bibliotecas portuguesas da Idade Média são a de Santa Cruz de
Coimbra e Alcobaça às quais, em devido tempo, farei referência.
Dois grandes centros de Cultura: Santa Cruz de Coimbra e Santa Maria de
Alcobaça.
Das instituições de ensino da Idade Média, de tipo monástico ou claustral, foram, sem dúvida, as
escolas agregadas à Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho (Coimbra) e à
Ordem de São Bernardo de Claraval (Alcobaça), aquelas que atingiram maior projecção
cultural. Tratava-se de duas Ordens poderosíssimas, indissociáveis da História de Portugal, vindo
a exercer enorme influência na vida do País não só, nomeadamente, no desenvolvimento da
cultura, mas também sob qualquer aspecto que se queira considerar.
Santa Cruz de Coimbra. A Fundação.
Da fundação e primeiros tempos do Mosteiro de Santa Cruz, existem dados seguros a
partir de fontes narrativas e diplomáticas da maior credibilidade. Segundo a fonte coeva mais
antiga, a «Vita Tellonis», biografia inserta no «Livro Santo» e elaborado por mestre Pedro
Alfarde, o projecto de um mosteiro de cónegos regrantes deve-se ao arcediago da Sé
conimbricense, D. Telo, após uma viagem à Terra Santa que se prolongou por três anos. De
regresso, demorou-se ainda seis meses em Constantinopla onde, igualmente, diz-se, «a sua
atenção incidiu nos modelos monásticos, nas regras religiosas e na arquitectura dos edifícios que
abrigavam estas comunidades».
Efectivamente, a 28 de Junho de 1131, véspera da festa dos apóstolos Pedro e Paulo, foi
lançada a primeira pedra da primitiva e rudimentar edificação, destacando-se na concretização
desta iniciativa o Arcediago da Sé de Coimbra, D. Telo e S. Teotónio que fora ali seu aluno
antes de ter sido chamado para administrador da Sé de Viseu e que viria a ser o primeiro Prior de
Santa Cruz. Eram duas personalidades de grande prestígio e consequente autoridade
«experimentados e conhecedores de outras terras e diversos costumes …tudo a concorrer para
que viessem a cobrar por essa via, e também impelidos pela vocação, a determinação firme de se
refugiarem no claustro».
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Tanto um como outro visitaram os Lugares Santos, visitaram os mosteiros da Palestina,
empenhados em conhecer como viviam os religiosos de várias origens e diversa observância,
unidos pelo vinco da oração e da caridade.
D. Telo, via, escutava, tomava apontamentos, lia as regras e assim foi nascendo «o bom
regimento dos futuros cónegos». Pode depreender-se que as comunidades religiosas da Terra
Santa inspiraram fortemente o Arcediago D. Telo no seu ideal de vida apostólica, a realizar em
Santa Cruz de Coimbra.
Segundo refere o Professor Doutor José Marques, a fundação do mosteiro agostinho de
Santa Cruz, apesar de ser um projecto há muito sonhado por D. Telo, «concretizou-se na
sequência do “veto” – como hoje se diria – do Infante D. Afonso Henriques à eleição de D. Telo
para bispo de Coimbra, preterindo-o, e dando oportunidade ao cónego bracarense, Bernardo,
largamente conhecido como biógrafo de S. Geraldo. Tal facto, ocorrido após a batalha de S.
Mamede, embora aparentemente incaracterístico, tem um duplo significado: político e religioso.
É que o Infante, sabendo-o próximo do partido de D. Teresa, agora afastada do governo, não
queria um antigo e potencial adversário à frente de uma diocese com a fronteira sul indefinida
face à mourama; além disso, tanto D. Afonso Henriques como o arcebispo D. Paio Mendes
sabiam que D. Telo e o bispo D. Gonçalo Pais tinham aderido à oposição ao arcebispo D.
Maurício Burdino, empurrando-o para o lado do imperador Henrique V, que o nomeou
antipapa, atitude altamente nociva para os direitos metropolíticos de Braga e para a causa da
autonomia de Portugal, porque conduziu à deposição do arcebispo, como cismático,
beneficiando, em contrapartida, Compostela e Toledo».
A partir daqui, D. Telo regressa ao seu antigo propósito e cuida dele, no dizer do seu
biógrafo, como obra de santidade, vindo a juntar-se-lhe na ocasião, um jovem, João Peculiar,
«que demorara nas partes da Gália e havia fundado, após o regresso, um mosteiro de bom
regimento em São Cristóvão de Alafões». D. Telo, expondo-lhe os propósitos, conseguiu o seu
apoio, atraindo-o para uma activa colaboração, tendo sido com S. Teotónio, um dos melhores
coadjuvantes do Arcediago da Sé de Coimbra na fundação e consolidação do Mosteiro de Santa
Cruz e, também, seu co-fundador.
De facto, D. João Peculiar é, desde a primeira hora, companheiro de D. Telo e, no dizer
de Carl Erdmann, o verdadeiro organizador do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,
demonstrando desde essa altura o espírito decidido e empreendedor que lhe permitiu governar
com eficácia a arquidiocese de Braga e, a quem, D. Afonso Henriques vai reservar cargos e
missões da mais alta responsabilidade, para além de o ter sempre como um dos principais
conselheiros.
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Entretanto, o então Infante Afonso Henriques, parece que a conselho do seu mordomo
Ermígio, fez mercê a D. Telo de um terreno nos arrabaldes de Coimbra, «Os Banhos de El –
Rei», acrescentado, posteriormente, com outros lotes de terra adquiridos por compra. Aqui, em
«Banhos de El- Rei», ergueu o primeiro templo, necessariamente modesto, de instalações
provisórias e rudimentares, depois substituídas, pouco a pouco, pelas definitivas, de construção
iniciada em 1178. A construção da Igreja e do Mosteiro foi dirigida por Mestre Roberto,
arquitecto franco, que introduziu em Portugal técnicas e soluções inovadoras que seriam
aplicadas noutras edificações, nomeadamente na Sé de Coimbra. Santa Cruz «será como que um
laboratório arquitectónico do segundo período românico».
Não estava, ainda, decorrido um ano, quando o Arcediago, a 24 de Fevereiro de 1132,
reuniu à sua volta doze companheiros, para simbolizar os Doze Apóstolos, escolhidos entre os
mais devotos e cultivados. Sendo de inicio apenas doze, os cónegos rapidamente aumentaram de
número, atingindo, em meados do século XII, meia centena, a que acrescia os conversos e os
servidores, além das cónegas – as Donas –, em instalações próprias, anexas ao Mosteiro. Passado
pouco tempo eram já setenta e dois, entre eles, Odário, presbítero de Santiago, que declara, ao
ingressar na comunidade, «oferecer-se a Deus e ao mosteiro conimbrigense de Santa Cruz, sob a
Regra de Santo Agostinho». Efectivamente, segundo a «Vita Tellonis», a vida comunitária, pelo
menos depois da morte de D.Telo, é estruturada sob a égide da Regra de Santo Agostinho.
Porém, as relações entre o Bispo e a nova Instituição estavam longe de ser pacíficas. A
actividade regular do Mosteiro foi, de alguma forma, retardada e perturbada por via daquilo a
que o Padre Alfarde, biógrafo de D. Telo, chamou «um grande e intolerável arruído dos cónegos
da Sé contra D. Telo, os seus companheiros e o Mosteiro». O caso era o seguinte: pretendia o
Cabido que lhe fossem doados todos os bens conventuais, ficando, deste modo, o Mosteiro
subordinado à jurisdição episcopal conimbricense, permanecendo esta pretensão um litígio
«sustentado durante séculos e que sempre pôs em causa o isento de Santa Cruz».
Perante a ameaça que pesava sobre a Instituição, D. Telo tomou o caminho de Roma
acompanhado de D. João Peculiar para obter do Papa Inocêncio II que o Mosteiro ficasse
directamente subordinado à Santa Sé, concedendo-lhe a liberdade e, com ela, a isenção, o que
veio a conseguir por meio da Bula de 26 de Maio de 1135, emitida com cartas de recomendação
e «integrando-o no verdadeiro espírito da reforma gregoriana».
No regresso detiveram-se no Mosteiro de São Rufo, perto de Avinhão, instituição já
afamada por um século de vida intensa e que também seguia a Regra de Santo Agostinho. D.
Telo, naturalmente, informou-se da vida religiosa deste mosteiro, pedindo ou mandando copiar
as suas normas de vida, pelo menos, as essenciais. Aliás, em S. Rufo, encontrava-se já o regrante
Carlos Jaca
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companheiro D. Domingos, enviado de Coimbra, com o propósito de obter cópias dos textos dos
costumes, das constituições e outros.
Regressado a Coimbra, e decorridos apenas cinco meses, adoece de «mortal
enfermidade», como diz o seu biógrafo, e morre a 9 de Setembro de 1136.
Após a sua morte, os cónegos de Santa Cruz reuniram-se, confirmando definitiva e
solenemente, a aceitação, como regra da sua vida comum, dos princípios da vita apostólica,
segundo a interpretação atribuída a Santo Agostinho.
Por este tempo, o Prior – Mor, D. Teotónio, escreveu ao Abade de São Rufo, rogando-lhe
permissão para o cónego Pedro transcrever parte do «Costumeiro» que D. Domingos não
chegara a copiar, a fim de que pudesse possuir o «Liber Ordinis» completo, que era como a
«magna carta» constitutiva da organização religiosa do Mosteiro e viria a ser adaptado à
realidade local.
O «Liber ordinis» regula, até ao pormenor, o «cursus» do tempo, determinando as
actividades, os espaços e os modos, para cada «hora canónica», especialmente marcados pelo
«divinum officium» e «as leituras tinham um papel central, seja no ciclo do ano litúrgico diário,
desde as matinas até completas».
O cónego D. Pedro viajou, igualmente com o objectivo de recolher os textos de outros
manuscritos, os quais vieram a constituir os mais antigos da «Livraria de mão» ou colecção de
manuscritos conservados no «armarium» do Mosteiro e, que, «também os distingue e vem a
conferir-lhes especial qualidade a circunstância de terem sido salvos dos estragos do tempo e
descuidos dos homens, mantendo-se agrupados no antigo Códice nº 58 da mesma livraria, hoje
integrado na Biblioteca Pública Municipal do Porto».
A nova Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho difundiu-se rapidamente para
Norte e para o Sul de Coimbra. Santa Cruz e São Vicente de Lisboa, este fundado
posteriormente, foram os grandes mosteiros da Ordem na segunda metade do século XII, vindo a
juntar-se-lhe na observância os de São Salvador de Moreira e de São Salvador de Grijó ambos de
fundação mais antiga, porém, a principio, sob regra diferente.
O Prior de Santa Cruz, cujo poder se estendia sobre várias igrejas na Estremadura e na
Beira, alcançou, ao cabo das suas lutas com o Bispo de Coimbra, estatuto episcopal com direito a
usar a mitra, o báculo e a benzer o povo na praça pública.
O ensino em Santa Cruz.
Carlos Jaca
24
Muito embora a livraria de Santa Cruz tenha sido atingida por prejuízos de ordem vária,
(incúria dos homens, destruições), é possível reconstituir, pelos códices que ainda existem, as
linhas principais de orientação doutrinal dos Regrantes de Coimbra o que, aliás, desde há longos
anos, eminentes especialistas vêm fazendo.
O ensino em Santa Cruz seguia, naturalmente, a orientação geral da sua época,
adoptando, porém, no fundamental as directrizes pedagógicas e didácticas da Abadia parisiense
de São Victor e do Mosteiro de São Rufo que eram, como a canónica conimbricense, de cónegos
regrantes de Santo Agostinho. As principais fontes de informação a este respeito são a «Vida de
D. Telo», de Mestre Pedro Alfarde, e a «Vida de S. Teotónio», redigida por discípulo anónimo
deste último Prior.
O primeiro ponto a reter é que os crúzios praticavam um ensino de nível superior ao das
escolas catedrais, contrastando com o carácter rural das outras Ordens Monásticas. Para além de
outros factores, alguns implícitos no que já foi descrito, saliente-se o facto do Mosteiro estar
implantado em meio urbano. Assim, não seria de estranhar que aí se desenvolvesse uma
importante actividade de elevado nível cultural, onde se encontrava um clero culto, letrado,
viajado, muitas vezes frequentador de Universidades estrangeiras.
O magistério na escola claustral de Santa Cruz, como as outras dessa época, era iniciado
pelo ensino e prática da leitura, a partir do texto do «Saltério», como o exigia o próprio ofício
litúrgico. Porém, os conhecimentos que mais interessavam aos membros da Ordem eram os
teológicos, os quais exigiam uma preparação básica, uma espécie de curso propedêutico, em que
o aluno estudava um conjunto de disciplinas de carácter informativo. Estas disciplinas que, na
totalidade, constituíam um saber enciclopédico, eram as já referidas «artes liberais», mas neste
caso, ministradas a um nível mais elevado em relação a outras escolas.
Parece ter sido Hugo de S. Victor que exerceu maior influência didáctica no ensino
praticado em Santa Cruz. Mesmo na Alta Idade Média o objectivo principal era reunir todos os
conhecimentos numa vasta obra enciclopédica (Cassiodoro, Santo Isidoro, Rábano Mauro). Ora,
no século XII, Hugo de S. Victor redigiu uma obra de intenção análoga, intitulada
«Didascalion», e que muito agradou aos mestres de Coimbra, «não só por encontrarem nela o
mais recente escrito daquele género, como por serem, eles próprios, adeptos das ideias
reformadoras do seu autor».
Hugo de S. Victor considerava como páginas sagradas, destinadas à leitura e ao ensino da
Teologia (Sacra Página), não apenas as da Bíblia. Dispõe-nas segundo três categorias: 1ª os
Evangelhos; 2ª as Epístolas, os Actos dos Apóstolos e o Apocalipse; 3ª as Decretais (colecções
Carlos Jaca
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do Direito Canónico), os Cânones dos Concílios, e as obras dos Santos Padres e Doutores da
Igreja.
O conhecimento destas páginas sagradas obrigava ao estudo das disciplinas do trivium,
para o respectivo comentário histórico, e ao ensino das disciplinas do quadrivium, para «uma
explicação de feição alegórica ou tropológica», consideradas como as únicas capazes de
fornecerem uma «orientação dirigida para o conhecimento da verdade e para o amor da
virtude».
Já referi que os textos manuscritos mais antigos da livraria de Santa Cruz foram,
indiscutivelmente, recolhidos em São Rufo de Avinhão, acrescentando, agora que, ao tempo,
foram designados do modo seguinte: um Capituleiro Inteiro, o Costume do Antifonário e tudo
quanto dizia respeito à «doutrina e ordenança eclesiástica»; os textos de Santo Agostinho sobre
São João Evangelista, o Génesis, São Mateus e São Lucas; o Exameron, o De Penitencia de
Santo Ambrósio, o Liber Pastoralis, de São Gregório Magno e, ainda, do Venerável Beda, o
comentário sobre São Lucas.
Anteriormente, no capítulo «Ilustração do Clero», fiz alusão à presença de escolares,
geralmente elementos do clero, em Universidades estrangeiras. De facto, desde cedo, há notícia
da concessão de ajudas económicas a fim de possibilitar a frequência de portugueses fora do
País, nomeadamente, em Paris, Bolonha, Toulouse ou Montpellier.
As relações entre Portugal e as instituições europeias remontam ao século XII, devido à
influência da Ordem de Cluny e ao papel da Igreja, no intercâmbio de pessoas e ideias. O
nascimento das Universidades tornaria mais estreitos esses vínculos, surgindo Bolonha, desde
1140, como a escola mais renomada no estudo do Direito Romano, sendo bem provável que o
chanceler Julião e outros juristas tivessem uma formação bolonhesa. Quanto a Paris, o centro de
maior projecção para o ensino da Teologia e Artes, não há dúvida ter sido frequentada por
escolares oriundos de Santa Cruz.
Segundo D. Nicolau de Santa Maria, cronista dos Cónegos Regrantes de Santo
Agostinho, fundamentando-se numa carta de D. Sancho I, datada de 14 de Setembro de 1190,
assevera que o rei «Povoador» teria doado ao Mosteiro 400 morabitinos para ajuda dos seus
cónegos se deslocarem a Paris e aprenderem aí as ciências, aperfeiçoando os seus estudos para
depois os ensinarem em Coimbra.
Durante muito tempo esta notícia foi posta em dúvida, pelo facto do cronista de Santa
Cruz ser dado, algumas vezes, a «adulterações e invencionices». Porém, em 1967, foi descoberto
o primeiro documento comprovativo, logo seguido da descoberta de outro, o que veio confirmar
a veracidade da descrição de Nicolau de Santa Maria: «Favoreceu muito este santo intento dos
Carlos Jaca
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cónegos de Santa Cruz el-rei D. Sancho I porque como recebeu de seu pai el-rei D. Afonso
Henriques o reino pacífico e rico procurou ilustrá-lo e acrescentá-lo com as letras; e como
Coimbra era assento da Corte quis que também o fosse das boas Artes e Ciências. E assim
aprovou o lerem-se em o Mosteiro de Santa Cruz, onde os estudantes não só aprendessem letras
mas virtudes; e mandou que os gastos que os cónegos de Santa Cruz faziam em Paris, estudando
as Ciências e graduando-se nelas para as vir ensinar a Coimbra, fossem à conta da sua fazenda
real».
Seguidamente, o cronista apresenta o texto latino da determinação régia, e a sua tradução:
«Em nome de Cristo saibam todos os que esta carta de doação ouvirem ler, que eu D. Sancho,
rei de Portugal e do Algarve, de minha própria vontade dou e concedo ao Mosteiro de Santa
Cruz 400 morabitinos de minha fazenda para sustentação dos cónegos do dito mosteiro que
estudam em as partes de França (in partibus Galliae)». Esta indicação latina só pode ser
entendida como referência ao Estudo Geral de Paris, pois, até então, nenhum outro tinha sido
criado em França.
Considere-se, também, que ao tempo era corrente o processo de instituição de bolsas de
estudo aos eclesiásticos que iam frequentar as escolas de Paris; estes não só conservavam,
durante o estudo os benefícios que antes desfrutavam, mas utilizavam também os recursos das
bolsas especiais que os ricos e poderosos lhes concediam para tal efeito.
Acrescente-se, ainda, que uma das maiores necessidades do ensino na Ordem dos
Cónegos Regrantes dizia respeito à Medicina, razão pela qual o sexto Prior – Mor de Santa Cruz,
D. Gonçalo Dias, ordenara que um dos seus cónegos que estavam em Paris estudasse a referida
Medicina, «pela muita necessidade que havia desta ciência no reino; e porque naqueles tempos
não era o estudo da Medicina indigno de gente eclesiástica e ilustre». Quando a ordem do Prior
chegou a Paris «foi em ocasião que os nossos cónegos que estudavam naquela Universidade
tinham já dois anos de Teologia, mas um deles, chamado D. Mendo Dias, sobrinho do mesmo
prior, por lhe dar gosto deixou a Teologia e se deu ao estudo da Medicina com tal cuidado e
diligência que a leu publicamente não só no Mosteiro de Santa Cruz mas neste reino … deste
tempo em diante continuaram os estudos no Mosteiro de Santa Cruz com grande fervor e houve
grandes mestres e dos outros mosteiros da nossa Ordem vinham os cónegos aprender e estudar
a ele».
Tenha-se em linha de conta que a assistência hospitalar estava consagrada como uma
obrigação. O «Liber Ordinis», cita vários preceitos da «Regra de Aix», cabendo a sua gestão ao
«camerarius». O hospital do Mosteiro de Santa Cruz, chamado de S. Nicolau, criado em meados
do século XII (1148 – 1150) e que mereceu as preocupações do seu primeiro Prior, S. Teotónio,
Carlos Jaca
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«veio depois a ser reorganizado, ampliado e instalado em edifício próprio, pelo seu sucessor, D.
João Teotónio, constituindo-se o seu património crescente em «fundação», administrativamente
autónoma, a fim de garantir melhor o cumprimento dos seus objectivos. (…) A lista de livros de
medicina existentes no mosteiro, nos princípios do século XIII, mostra-nos que o hospital não
era, apenas, um lugar de recolhimento, mas que os próprios cónegos e conversos conheciam
meios médicos que aplicavam no tratamento dos seus doentes; com a mesma finalidade alguns
frequentavam cursos universitários no estrangeiro. Por estes documentos e pelo vocabulário que
utilizam, concluímos que se tratava de um hospital bem à maneira medieval, isto é, instituição
que, ao mesmo tempo que hospedava peregrinos (adventantes), tratava doentes (infirmi) e
albergava pobres (pauperes) e idosos doadores de bens».
Ao contrário do que seria de esperar, é muito reduzido o número de códices onde se
incluem matérias correspondentes ao ensino porquanto temos de admitir, atendendo até ao nível
da escola, que muitos tivessem existido. Acontece que pelas vicissitudes, a que a documentação
está sempre sujeita, ao longo dos séculos grande parte acabasse por desaparecer.
Sabe-se, por exemplo, que uma larga parcela da primitiva biblioteca foi destruída por um
dos priores do século XVIII. Efectivamente, atribui-se uma grande parte da falta de manuscritos
didácticos no «armarium» de Santa Cruz à acção de Frei Gaspar da Encarnação (D. Gaspar
Moscoso e Silva), que foi reitor da Universidade de Coimbra e ministro no tempo de D. João V.
Tendo sido indicado para reformar a Congregação dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho
(1723), «parece que fez desaparecer grande parte dos bens materiais da Ordem e entre eles
manuscritos do Mosteiro, estes pela razão de serem difíceis de ler»!
Que a existência de uma colecção mais vasta de manuscritos de carácter didáctico no
«armarium» de Santa Cruz era uma realidade, prova-o um rol de títulos de obras retiradas do
Mosteiro nos anos de 1207, 1218 e 1225 e que desapareceram. Nesses manuscritos, de que se
perdeu o rasto, encontravam-se textos sobre Gramática, Retórica, Geografia, Astronomia,
Geometria, Ciências Naturais e Medicina.
No que diz respeito aos professores que leccionaram em Santa Cruz e dos alunos que aí
seguiram os estudos, escasseiam as informações. Apesar das incertezas que ainda envolvem a
preparação cultural de alguns Mestres, julga-se que os mais notáveis se terão aperfeiçoado no
Estudo de Paris.
Dos Mestres que ensinaram à época no claustro dos Cónegos Regrantes, segundo opinião
comum, destaca-se D. João, teólogo e Prior do Mosteiro em 1214; D. Raimundo, cónego
«profundissime in diversis scientijs literatus» (letrado profundíssimo em diversas ciências);
Carlos Jaca
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Mestre Pedro Pires, elogiado como sabedor e divulgador das mais variadas matérias: Gramática,
Lógica, Medicina e Teologia, «e sobretudo grande pregador».
Entre os alunos consideram-se dois como os mais notáveis que frequentaram o Mosteiro:
o primeiro é Santo António, do qual, obviamente, não caberia aqui registar um quadro
biográfico, ainda que resumido. Fernando Martins, mais tarde Santo António de Lisboa, ou de
Pádua, como também ficou conhecido, após ter aprendido as primeiras letras na escola
catedralícia de Lisboa, ingressa no Mosteiro de S. Vicente de Fora onde aos vinte anos abraça a
vida religiosa.
Talvez pelo desejo de obter conhecimentos mais profundos e alargados do que aqueles
que lhe podia oferecer o mosteiro vicentino de Lisboa, muda-se para Santa Cruz de Coimbra,
levando daqui as bases que lhe proporcionaram continuar os seus estudos «sem graves
dificuldades».
O trajecto escolar de Santo António parece ser suficientemente elucidativo, não somente
quanto ao nível atingido pelo ensino dos Cónegos Regrantes, quando comparado com o que se
passava nas escolas catedrais portuguesas, mas também quanto ao tipo de cultura para que esse
ensino se orientava e, sem dúvida, que «o vasto saber que mais tarde iluminou a sua prodigiosa
eloquência e enche os escritos que nos legou, em Santa Cruz de Coimbra o aprendeu».
A outra personalidade terá sido Gil Rodrigues, incluído no Agiológio com a designação
de São Frei Gil de Santarém, mas pouco se sabe da sua vida. Admite-se ter sido cónego
regrante em Santa Cruz antes de ingressar nos Dominicanos e de ter estudado Medicina em Paris.
Trata-se de uma figura enigmática, obscurecida pelo «carácter maravilhoso das versões
lendárias que em seu torno se avolumaram», tornando-se difícil elaborar um estudo com algum
rigor e segurança, tanto mais que as fontes autênticas não abundam.
A Livraria dos Crúzios.
Pelas relações que, desde cedo, o Mosteiro manteve com o exterior, nomeadamente com
as instituições culturais de além – Pirinéus, não admira que Santa Cruz, a partir de meados do
século XII, se tenha transformado num importante centro elaborador de textos. Neste aspecto,
releve-se, não apenas os que eram copiados uma vez chegados ao Mosteiro, mas aqueles que
constituíam uma produção cultural própria, onde avultavam algumas obras de carácter histórico e
hagiográfico.
Obviamente que os textos adoptados no ensino claustral faziam parte do fundo
bibliográfico das livrarias dos mosteiros, sendo extraídos dos códices de várias procedências e
Carlos Jaca
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que os próprios monges copiavam. Recorde-se que a actividade de copista, como uma das
principais funções dos membros das Ordens Monásticas, era uma arte, escolhendo-se entre
aqueles que demonstravam melhores aptidões para o efeito.
Santa Cruz de Coimbra possuía no seu «armarium» um elevado número de códices,
elaborados em diferentes épocas entre o século XII e o século XVIII, tendo chegado até nós
cerca de 136 e que, agora, maioritariamente, estão conservados na Biblioteca Pública Municipal
do Porto, transferidos por Alexandre Herculano, quando aí exercia as funções de bibliotecário.
Das obras existentes, ou que existiram, na «Livraria de mão» de Santa Cruz, incluídos
nos vários códices, há exemplares de textos Escriturísticos e outros previstos pela Regra, textos
Patrísticos e Escolásticos e textos Pedagógicos e Científicos. Refira-se, ainda, que «os cónegos
deram também, de maneira directa e decisiva, um contributo para a criação da consciência
nacional. Esta manifesta-se claramente nas obras históricas que Santa Cruz criou ou copiou e que
constituem as primeiras tentativas da história portuguesa». Podem referir-se como exemplos
mais significativos, os «Annales Domni Alfonsi Portugalensium regis» a que se pode
acrescentar os «Annales Portucalenses Veteres», os dois cartulários conhecidos por «Livro
Santo» e «Livro de D. João Teotónio» e as várias «Vitae» produzidas no Mosteiro crúzio.
Para uma melhor ordenação de alguns exemplos relativos aos códices de St.ª Cruz, segui
o Catálogo referente à Exposição realizada pela Biblioteca Municipal do Porto (a que se associou
a Faculdade de Letras da U. P./ Gabinete de Filosofia Medieval) e integrada nas actividades
culturais do Porto 2001 – Capital europeia da cultura. A Exposição, denominada «Santa Cruz
de Coimbra: A Cultura Portuguesa aberta à Europa na Idade Média», distribuiu os códices
segundo diversos núcleos temáticos: «Costumeiros», «Livros e comentários bíblicos», «Ofício
divino», «Espiritualidade e Hagiografia» e «Sacra doctrina, artes liberais e ciência
escolástica».
A identificação do códice é feita pela correspondência das Cotas: Cota no Mosteiro de
Santa Cruz, seguida da Cota no fundo geral da Biblioteca Pública Municipal do Porto. Eis
alguns exemplos, que apresentarei em cada núcleo temático:
«Costumeiros» – a vida comunitária de Santa Cruz de Coimbra implicava, como já se disse, o
estabelecimento de normas orientadoras. Tal era a função do «Costumeiro», assim designado por
ser a compilação dos usos e costumes da comunidade e que é também conhecido por «Livro da
Ordem» («Liber Ordinis»).
O próprio «Costumeiro» de Santa Cruz explica do modo seguinte, a sua denominação:
Carlos Jaca
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«E assim, por essa razão, chamamos a este livro Ordem, pois que, com a ajuda de Deus,
nos dispomos a escrever aqui, ordenadamente, de que modo deve decorrer, de dia e de noite, de
forma solícita, o ofício divino, segundo o modo e as instruções estabelecidas pelos santos
padres, e de que modo e em tempo se devem ler os livros e as «histórias» na igreja, e
igualmente, quais os livros, homilias e sermões se devem ler à mesa e como é que, com decência
e honestamente, se devem conduzir os frades, na igreja e no claustro, assim como no capítulo e
no refeitório, segundo o modo e as instruções estabelecidas pelos santos padres».
Entre os vários «Costumeiros» que constam do catálogo deve salientar-se o Santa Cruz
74 / Nº Geral 862, «Costumeiro do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra»: Cópia de autor
anónimo, elaborada na 2ª metade do século XII, teve como modelo o «Costumeiro» de S. Rufo
de Avinhão. Em pergaminho, com 156+1 fólios, medindo 132 x 235mm. Escrita gótica inicial, a
três mãos. Algumas iniciais ornadas, fitomórficas a vermelho, dourado, azul e contornos a preto;
iniciais caligrafadas ao longo do texto a vermelho e / ou azul, alguns esquemas ou diagramas.
Encadernação primitiva, planos em madeira, cobertura em pele grosseira.
«Livros e comentários bíblicos» – A leitura (lectio) tinha um papel fundamental na
vida da comunidade, quer no ciclo do ano litúrgico quer no ciclo diário, desde as matinas até
completas; iniciada no ofício, tinha, com frequência, continuidade no refeitório. A importância
da leitura é confirmada pelo «Costumeiro», indicando as leituras que se devem fazer, tempos e
espaços, o modo e destinatários.
Sobre o modo de actuar dos leitores estava estabelecido que «se deve designar para ler e
cantar na igreja quem, não de forma soberba mas humildemente, louve o Senhor e quem pela
suavidade da leitura e pela melodia, encante os sábios e eduque os menos doutos e que, na
leitura e no canto, mais que a adulação popular, deseje a edificação do povo».
Além do texto bíblico, as obras predominantes são os comentários aos textos bíblicos,
nomeadamente, Santo Agostinho, Orígenes, Santo Isidoro, S. Gregório, Cesário Arelatense,
Santo Ambrósio e S. Jerónimo.
Santa Cruz 1 / Nº Geral 32
«Bíblia» (Antigo Testamento), com introduções de S. Jerónimo. Manuscrito do final do
século XII em pergaminho, de grandes dimensões (415x583mm).
Para além das quase desmesuradas dimensões outras particularidades a singularizam entre
as bíblias do século XII: a empaginação, o programa iconográfico, o texto transmitido.
Santa Cruz 51 / Nº Geral 837
Carlos Jaca
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«Comentário ao Salmo 118» de Santo Ambrósio. Agostinho de Hipona, «As 7 regras
de Ticónio» (extracto da obra «Acerca da doutrina cristã»). Manuscrito em pergaminho, meados
do século XII, apresenta, pelo menos, o trabalho de sete mãos diferentes, com letras que vão da
carolina à gótica de transição.
O «Comentário ao Salmo 118» é uma exposição sobre o salmo mais longo do Saltério
que começa com as palavras «Beati inmaculati in via» (Felizes os de caminho perfeito) e está
dividido em várias partes, numeradas segundo as letras do alfabeto hebraico.
Santa Cruz 11 / Nº Geral 55
Rábano Mauro, «Comentário Bíblico do Livro dos Reis». Final do século XII, em
pergaminho. Cópia feita por João Miguel, em escrita gótica monástica, apresenta uma
ornamentação austera.
Rábano Mauro pôs especial empenho na elaboração de comentários à Sagrada Escritura,
recorrendo a todo um conjunto de fontes patrísticas, como Santo Agostinho, Santo Ambrósio,
Orígenes, Beda, etc. Salienta ainda a importância do estudo das artes liberais e igualmente da
cultura profana «enquanto inspirada pela verdade divina».
Santa Cruz 14 / Nº Geral 38
Orígenes, «Homilias sobre o Génesis», «Homilias sobre o Êxodo» e «Homílias sobre o
Livro dos Reis I». Jerónimo, «Comentário do Livro de Daniel». Pergaminho, elaborado no
século XIII em Santa Cruz.
As homilias e os comentários bíblicos eram utilizados tanto no Ofício Divino, como, por
exemplo, na leitura durante as refeições dos monges.
Santa Cruz 35 / Nº Geral 35
Hugo de S. Vítor, «Comentário sobre as Lamentações de Jeremias e Homilias sobre o
Eclesiastes». Códice do século XII, em pergaminho.
Este códice revela uma particular importância para o estudo do intercâmbio entre
instituições monásticas, nomeadamente os Mosteiros de Alcobaça e Santa Cruz. De facto, a obra
do autor «vitorino» está representada nos dois fundos manuscritos, respectivamente Alcobaça
242 e o presente códice, o 35.
Santa Cruz 15 / Nº Geral 54
Compilação de comentários bíblicos, nomeadamente de Agostinho de Hipona,
«Comentário de S. João aos Partos» e João Crisóstomo, «Comentário das Epístolas aos
Hebreus». Códice do século XIII, em pergaminho, escrito em gótica monástica, o manuscrito
apresenta uma ornamentação sóbria.
Carlos Jaca
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A comunidade crúzia dava especial relevo às leituras dos comentários bíblicos que eram
realizadas quer no claustro, individualmente, quer colectivamente na Igreja, no Capítulo e no
refeitório. Neste códice estão reunidos dois comentários a duas epístolas, por representantes da
Patrística Oriental e da Patrística Ocidental, ambos doutores da Igreja, respectivamente S. João
Crisóstomo e Santo Agostinho.
«Ofício divino» – Dos vários livros indispensáveis para o Ofício divino e missa,
destacavam-se os missais, breviários e outros livros especificamente litúrgicos como o Saltério,
Epistolário e Evangélico, Colectário, Sacramentário, Pontifical, Ritual, Necrológio,
Martirológio, a Regra de Santo Agostinho, Leccionário, Gradual. O uso de cada um destes livros
diferia, consoante tinha lugar no coro e na Igreja, no Capítulo, no refeitório, nas procissões, nos
rituais de profissão dos noviços, na administração dos sacramentos, na unção dos enfermos ou
nos funerais.
A «Vida de S. Teotónio» salienta que «se ele porventura alguma vez deixava a oração,
nunca das suas mãos saía a sagrada lição. Ocupava-se sobretudo com a salmodia, de tal modo
que todos os dias além das horas canónicas e do ofício divino que levava a cabo
convenientemente com temor e com respeito divino, percorria todo o saltério».
O «Costumeiro» salienta, ainda, a importância da leitura no refeitório: a alimentação do
corpo, feita «por necessidade e não para a volúpia», é sempre acompanhada pelo alimento
espiritual da leitura. «Leiam-se, pois, à mesa, todos os domingos, a homilia e os sermões do
evangelho ou epístola próprios do dia. Evite-se, à refeição, todo o ruído e confusão, tanto
quanto possível e guarde-se, pois, silêncio, de acordo com o preceito da regra: Não apenas a
boca tome o alimento mas também os ouvidos anseiem pela palavra de Deus».
Santa Cruz 4 / Nº Geral 23
Homiliário: «Liber Comicum». Manuscrito datado de 1139, em pergaminho. A
ornamentação apresenta iluminuras de Cristo e Maria Madalena, Cristo e o apóstolo Tomé, um
Serafim, Cristo em majestade rodeado de anjos; iniciais com canídeos e volutas, capitais
caligrafadas com traços em azul e vermelho. Encadernação primitiva.
Leituras para a liturgia diária. Foi-lhe dado o nome de «Liber Comicum»,
presumivelmente porque tinha função semelhante ao «Liber Comicus», ou «Liber Comitis», ou
simplesmente Comes (do latim comes, comitis – companheiro).
Carlos Jaca
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Capitulário / Coimbra, Mosteiro de Santa Cruz, sem nº. Manuscrito em pergaminho, dos
finais do século XII. Em escrita gótica, possui ornamentação ao longo de todo o códice com
iniciais ornadas a azul e a vermelho. O códice já não possui qualquer encadernação.
Este códice foi descoberto há poucos anos no Mosteiro de Santa Cruz, (onde ainda se
encontra), aquando da realização das obras de restauro no altar-mor da Igreja. A importância do
códice é considerável pois é o único Capitulário que restou do fundo manuscrito crúzio.
Santa Cruz 91 / Nº Geral 1149
«Epistolário» – Manuscrito do século XII, em pergaminho. Obra em escrita gótica
monástica. Encadernação restaurada.
O «Epistolário» é um livro litúrgico que reúne as epístolas para a missa, sendo um
necessário complemento do «Evangeliário». A presente cópia é o mais antigo testemunho de
«Epistolário» entre nós, proveniente do Mosteiro crúzio.
Santa Cruz 62 / Nº Geral 843
«Saltério, Breviário e Missal». Em pergaminho, o volume reúne partes de dois períodos
diferentes, uma é dos meados do século XII, a outra é de finais do século XIII, mas ambas são de
Santa Cruz. O «Breviário» contém o conjunto dos textos litúrgicos do Ofício.
Santa Cruz 83 / Nº Geral 1134
«Pontifical de Braga» – Manuscrito do final do século XII, em pergaminho. Escrita
gótica primitiva apresenta como ornamentação algumas iniciais caligrafadas a vermelho.
Encadernação restaurada, com planos em pergaminho, com lombada reimplantada onde se lê
“Pontificale”.
O «Pontifical de Braga» é um dos dois pontificais existentes no fundo manuscrito
proveniente do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Segundo Joaquim O. Bragança, «é não só o
mais importante pontifical português, como também um dos mais raros e originais de toda a
história litúrgica do Ocidente».
É designado «Pontifical de Braga» em virtude de ter sido elaborado por aquela
arquidiocese, como o prova o conjunto de santos bracarenses incluídos nas litanias (S.
Martinho, S. Frutuoso e S. Geraldo).
Santa Cruz 33 / Nº Geral 44
«Sermões e Carta» de São Bernardo de Claraval. Códice datado (1187), de
proveniência incerta, em pergaminho. Escrita gótica monástica a uma mão e anotações marginais
por diversas mãos. Ornamentação sóbria. Encadernação restaurada em Santa Cruz.
Carlos Jaca
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«Espiritualidade e Hagiografia» – O modelo de espiritualidade da comunidade
crúzia compreendia, tempos próprios, em que se integravam os livros que se destinavam
prioritariamente a uma leitura individual, com intenções de edificação moral. Este tipo de leitura
tinha lugar sobretudo no claustro, conforme indica o «Costumeiro»: «Nos dias em que o silêncio
é quebrado dito Bendizei o Senhor, todos vão à Igreja buscar os livros e voltando para a leitura
no claustro, comportam-se religiosamente e guardam admiravelmente os preceitos da sua
ordem. Com efeito, lê cada qual em seu livro, excepto os que cantam nos antifonários e em livros
semelhantes. (…) Nenhum ousa ler ou cantar acompanhado. Sentam-se pois, como foi dito,
religiosa e honestamente no claustro. Se alguém precisa de ausentar-se, repõe o seu livro na
estante ou se o quiser manter no seu lugar, faz sinal ao frade que estiver sentado próximo de si,
a fim de que lho guarde».
Segundo o «Costumeiro», estas leituras eram iniciadas logo que o noviço fosse admitido
na comunidade, tendo como objectivos a instrução e a edificação.
Quanto à Hagiografia (Vidas dos Santos), refira-se que o Mosteiro de Santa Cruz
incentivou a sua elaboração, tal como se verificou com a «Vida de S. Teotónio», a «Vida de D.
Telo» e a «Vida de S. Martinho de Soure» e, mais tarde, a «Lenda e Livro dos Milagres dos
Mártires de Marrocos». De salientar a difusão, ainda no século XII, da «Vida de S. Tomás de
Cantuária», o cónego regrante martirizado por Henrique II.
Santa Cruz 30 / Nº Geral 469
Eusébio de Cesareia, «História Eclesiástica». Isidoro de Sevilha, «Contra os Judeus».
Anónimo, «Da vida monacal». Cassiano, «Conferência 20,8». Gregório IX, «Bula da
consagração de Santo António».
Manuscrito datado de 1191 (parte final). Elaborado em Santa Cruz, em pergaminho.
Conteúdo: História e afirmação da Igreja cristã.
Santa Cruz 16 / Nº Geral 40
Hugo de S. Vítor, «Acerca dos sacramentos da fé cristã». Manuscrito do início do
século XIII, em pergaminho, com 150 fólios. Escrita gótica, por três mãos. Ornamentação
vermelha e azul, iniciais filigranadas.
Foi o primeiro compêndio de teologia dogmática para uso das escolas medievais. Muitos
o apelidam de «alter Augustini», pela sua familiaridade com a grande obra dos Padres da Igreja.
Santa Cruz 73 / Nº Geral 348
Carlos Jaca
35
Gregório Magno, «Diálogos». Anónimo, «Vidas dos Santos Aleixo e Eufrosina».
Códice do século XII, em pergaminho. Ornamentação simples, usando apenas as cores verde e
amarela.
Diálogos de edificação moral e ascética. A natureza hagiográfica dos «Diálogos» explica
a presença no final do Códice das vidas dos Santos Aleixo e Eufrosina.
Santa Cruz 21 / Nº Geral 642
«Colecção Hagiográfica»: paixões de mártires e opúsculos sobre a Virgem Maria.
Códice do início do século XIII, em pergaminho. Escrito por um só copista.
Compilação hagiográfica, que reúne maioritariamente relatos do martírio dos cristãos,
para além de doze vidas de santos e cinco sermões ou opúsculos, sempre em torno de matérias de
exemplo moral e aperfeiçoamento espiritual.
Santa Cruz 29 / Nº Geral 52
«Vida de D. Teotónio» (de discípulo anónimo). «Regra de Santo Agostinho». «Lendas
dos Mártires de Marrocos». Códice em pergaminho, agregando sob a mesma encadernação três
manuscritos de épocas distintas. O Códice está totalmente associado à Vida de Santa Cruz como
o provam os restantes textos.
Santa Cruz 38 / Nº Geral 770
«Os Milagres dos Santos Mártires de Marrocos», de autor desconhecido. Elaborado
nos séculos XV e XVI, em Santa Cruz. O manuscrito narra vários milagres que se realizaram por
intermédio dos seus mártires.
Este manuscrito tem uma iluminura de página inteira representando os cinco mártires
com hábitos de franciscanos a serem decapitados por um rei mouro; a cabeça do primeiro, já
cortada, é lançada ao mar, do céu saem dois anjos que seguram num lençol onde está já o
primeiro mártir decapitado a rezar de joelhos.
«Sacra doctrina, artes liberais e ciência escolástica» – Dado tratar-se de um trabalho
de divulgação, em que o objectivo central é a simplificação, deve considerar-se este núcleo já
abordado nos subtítulos, «O ensino nas escolas episcopais. Programas e matérias» e «O
ensino em Santa Cruz», onde teve o tratamento que julguei por suficiente.
Porém, a inclusão de alguns Códices relativamente a este núcleo poderá, eventualmente,
acrescentar ou reforçar, um ou outro pormenor à matéria em questão.
Carlos Jaca
36
Santa Cruz 18 / Nº Geral 41
Flávio Josefo, «Antiguidades Judaicas». Códice copiado em 1237 por Martins (Martinus
Dives), cónego de Santa Cruz, em escrita gótica. Em pergaminho, tem ornamentação de vário
tipo: iniciais ornadas, filigranadas, caligrafadas e uso do vermelho e azul nos inícios e fins de
texto.
As «Antiguidades Judaicas» vieram a público por volta dos anos 93 ou 94, escritas para
leitores gregos, narram a história do povo judeu desde a criação do mundo até ao seu tempo.
Entre os cristãos a obra gozou de grande autoridade, porquanto «constituía uma segunda fonte
para o estudo da história bíblica e porque no livro XVIII se encontra um testemunho sobre Jesus
(o testimonium flavianum), o único exterior aos evangelhos mas que a crítica contemporânea
tende a considerar uma interpolação espúria» (intercalação estranha).
Santa Cruz 8 / Nº Geral 30.
Papias Lombardo, «Vocabulário, Q – Z» e «Arte da Gramática». São Jerónimo,
«Interpretação dos nomes hebraicos». Beda, «Exposição sobre os nomes dos lugares e das
cidades que se lêem nos Actos dos Apóstolos». Rábano Mauro, «O cálculo».
Códice do século XIII em pergaminho, em 23 cadernos, a duas colunas de 38 linhas
escritas em gótico e ornamentação variada.
Estas obras incluem uma parte importante das artes liberais, desde o estudo da linguagem
ao da natureza. Porém, a sua reunião mostra, pelo menos até ao século XII, que «os estudos
estavam predominantemente orientados para a compreensão da Bíblia, verdadeiro centro e fim
de toda a aprendizagem letrada».
Santa Cruz 42 / Nº Geral 112
Pedro Comestor, «História Escolástica». Códice em pergaminho, copiado no final do
século XII em Paris ou Sens / Troyes, a duas colunas. Escrita gótica a uma mão com anotações e
glosas.
A «História Escolástica», concluída anteriormente a 1170, teve na Idade Média uma
enorme influência nos estudos bíblicos, comparável à das «Sentenças» de Pedro Lombardo na
Teologia, ou do «Decreto» de Graciano no Direito Canónico. Esta súmula rapidamente foi
adoptada nas escolas para estudo da Bíblia, daí o nome pela qual ficou conhecida: «História
scholastica» (ou «Scholastica historia»), isto é Bíblia dos estudantes. Após o Papa Inocêncio III
a ter oficialmente reconhecido no IV Concílio de Latrão em 1215, tornar-se-ia durante quatro
séculos o mais usado manual para estudo da Bíblia nas faculdades de Teologia, sobretudo no seu
nível preparatório.
Santa Cruz 64 / Nº Geral 78
Carlos Jaca
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Boécio, «Consolação da Filosofia». Códice do século XIII, em pergaminho, bastante
danificado pelo uso e ornamentação quase inexistente.
Diálogo em 5 livros entre Boécio e a Filosofia, personificada numa mulher que o visita na
prisão, escritos em prosa e poesia (metros) alternadas. «Questionada a existência e o papel da
providência (livro I) discute-se a fortuna e a vanidade dos efémeros bens terrenos (livro II),
porque a felicidade é busca do bem supremo (livro III), ficando para o fim a discussão sobre a
presença do mal no mundo (livro IV) e a contradição entre a omnisciência divina e a liberdade
humana (livro V)».
As concepções filosóficas desta obra transmitem-se ao mundo medieval, porquanto ela é
um autêntico manual escolar para o estudo das Artes nas escolas.
Santa Cruz 17 / Nº Geral 21
Isidoro de Sevilha, «Etimologias». Anónimo, «Sobre um concílio no tempo de Carlos
Magno». Códice em pergaminho, com 186 fólios, de 295mm x 414 e 23 cadernos do final do
século XII ou início do XIII. Sóbria ornamentação, mas com diversos esquemas a vermelho.
Autor de uma obra extensa, onde se incluem os ensinamentos da patrística e o essencial
da cultura clássica, sendo por isso um dos elos de ligação da cultura antiga ao Ocidente latino.
Os XX Livros das origens, mais conhecidos como «Etimologias», escritos em 633, constituem
uma compilação de definições e descrições relativas a todos os saberes, construída sobre a ideia
que a etimologia da palavra revela a natureza da própria coisa. Cada livro é dedicado a um tema
particular, mas «com frequentes digressões laterais»:
I Gramática; II Retórica e Dialéctica; III Matemática (aritmética, geometria, astronomia,
música); IV Medicina; V As leis e os tempos; VI Bíblia e livros dos ofícios litúrgicos; VII Deus,
anjos e santos; VIII A Igreja e as seitas (hereges filósofos, poetas); IX Línguas, povos, reinos,
parentesco; X Dicionário: origem de palavras; XI Homem, monstros e defeitos; XII Animais;
XIII Elementos e cosmografia; XIV Geografia; XV Cidades e construções; XVI Mineralogia e
medidas; XVII Agricultura; XVIII Exército, guerra e jogos; XIX Construção naval, de
habitações e de apetrechos; XX Alimentação e instrumentos.
A obra de Isidoro de Sevilha, uma das mais altas realizações culturais da Hispânia
visigótica, viria a exercer profunda influência durante a Idade Média, «moldando a própria
literatura enciclopédica posterior, onde aliás surge sempre abundantemente citada».
Santa Cruz sem nº / Nº Geral 24
Henrique de Segúsio, «Suma sobre os títulos das Decretais». Manuscrito dos séculos
XIII – XIV, em pergaminho, com 425 fólios e 2 folhas de papel como guarda final, com a
Carlos Jaca
38
filigrana “Louzã 1825”. Ornamentação cuidada, com variedade de iniciais. Encadernação muito
danificada, restaurada em Santa Cruz.
A «Suma sobre os títulos das Decretais» é uma obra extraordinária e minuciosa na ciência
jurídica medieval, «daí o ser conhecida como «Suma áurea» e o seu autor, que viria a ser
cardeal de Óstia, como “fonte do direito” e mesmo “monarca do direito”…Pela sua vastidão e
autoridade trata-se de uma obra indispensável para os juristas ou para qualquer instituição
envolvida em pleitos judiciais, como muitas vezes aconteceu em Santa Cruz». As suas fontes são
vastas e entre elas encontra-se um decretalista português. Trata-se de João de Deus, falecido em
Lisboa em 1267, um dos mais eminentes intelectuais portugueses do século XIII. Mestre de
direitos em Bolonha, decretalista e autor de obras influentes, dispersa por muitas dezenas de
manuscritos, a maior parte dos quais nunca foi impressa. Como perito foi diversas vezes
chamado a intervir em disputas judiciais.
O conhecimento dos catálogos ou inventários que chegaram até nós, ou mesmo os
próprios livros, revela-nos a extraordinária riqueza da livraria dos «cónegos regrantes», quer na
quantidade quer na qualidade dos exemplares que integrava. Porém, e este aspecto já foi de
algum modo abordado, nos sete séculos da existência do Mosteiro uma multiplicidade de
vicissitudes não deixou de provocar a deterioração e a diminuição do seu acervo bibliográfico,
não sendo, assim, possível quantificar o que foi a produção do «scriptorium» e da livraria de
Santa Cruz.
A Reforma e a Regra da Ordem de Cister.
Com a invasão lombarda Monte Cassino foi destruído, porém, a primitiva comunidade
permaneceu na memória colectiva como modelo de vida monástica. Durante a Alta Idade Média
as instituições beneditinas multiplicaram-se, «os mosteiros passaram a fazer parte da paisagem
medieval» e os monges consolidaram-se como um dos três pilares da sociedade trinitária:
laboratores (os que trabalhavam), bellatores (os que guerreavam) e oratores (os que rezavam,
os monges).
Porém, no interior dos mosteiros a realidade começava a afastar-se dos ideais primitivos.
As instituições monásticas disseminadas pela vasta Europa rural, estavam demasiado ligadas aos
interesses dos grandes senhores. Os costumes relaxavam-se, os monges abandonavam a
observância.
Carlos Jaca
39
Assim, em 910 é fundada a Abadia de Cluny com o fim de restaurar a vida beneditina e
impedir as intromissões do poder temporal, tendo como base fundamental o centralismo. Existia
uma só casa, a Abadia de Cluny, com um só abade que apenas reconhecia como superior o Papa,
sendo as várias instituições cluniacenses (monastérios situados em outros locais de França,
Península Ibérica, Itália, etc.) dependentes da casa mãe.
Este novo modelo de monacato, que punha especial ênfase na oração e liturgia recebeu o
apoio de autoridades civis e eclesiásticas, sendo do agrado de Reis e Papas. Os monastérios
cluniacenses concebiam-se como lugares sagrados, «opostos ao pecaminoso mundo secular, e
destinados a fomentar o fim último da vida do monge, a oração comum».
Porém, a reforma envolvia problemas que levaram a que a sua rápida expansão
começasse a declinar um século depois. Os cluniacenses, ao relevar a oração, abandonaram o
equilíbrio beneditino, que estabelecia uma distribuição equitativa da vida do monge entre
trabalho, oração e leitura de textos sagrados. Além disso, a multiplicidade de doações fez com
que os mosteiros enriquecessem e, apesar dos monges, individualmente, não possuírem nada
mais que o seu hábito, «a vida nos mosteiros cluniacenses era folgada, as suas construções de
grande ostentação e as possessões da Ordem eram imensas». Deste modo o voto de pobreza ia
sendo abandonado e os costumes relaxavam-se progressivamente.
No declinar do século XI, o período áureo do apogeu beneditino era já passado. O luxo, o
ócio e a vida larga e descuidada haviam substituído o inicial espírito austero e humilde da regra
criada por S. Bento. As liberalidades dos fiéis que buscavam por sucessivas doações alcançar a
salvação, tinham, desde cedo, criado aos monges «um quadro de possibilidades, que contrastava
singularmente com o rigoroso ideal de limitações e renúncia, suposto essencial da observância
monástica beneditina».
O monge, que devia, pelo seu próprio trabalho, alcançar a sua subsistência, considerada
ao nível indispensável, não tinha agora condições para a continuação de uma prática que perdera
o sentido das realidades, porquanto as abadias possuíam, pelo menos as maiores e as mais
célebres, mais do que o suficiente para os seus encargos diários.
É então, que se inicia propriamente a história da reforma cisterciense.
Dentro dos mosteiros, e até fora deles, reconhecia-se a necessidade premente de uma
reforma. O momento havia chegado, pois uma demora podia significar a ruína total da Ordem e
«um grave golpe nas concepções religiosas do monaquismo».
Assim se explica, em parte, que o movimento tenha nascido no seio de um Mosteiro de S.
Bento, como violenta reacção, como dramático esforço para alcançar um reajustamento ao ideal
primitivo. Não se ia intentar a fundação de uma Ordem nova, nem talvez houvesse um plano de
Carlos Jaca
40
acção concreto e amadurecido. Tudo leva a crer que o inicialmente existente fosse simplesmente
um esforço de reacção – «negar a vida fácil, o luxo, o ócio, voltar voluntariamente, como numa
redenção suprema, ao trabalho e à humildade, fugir do mundo e encerrar a alma num recanto
solitário fora da acção do mundanismo, deixando o monge unicamente entregue aos seus ofícios
e ao trabalho». Essa aliança notável entre o ascetismo religioso e o trabalho, iria torná-los
credores de um lugar especial na história de qualquer dos muitos países em que se estabeleceram.
Nos finais do século XI, um grupo de monges encabeçado por Roberto de Molesmes
(Molesmes – mosteiro na sua origem dependente de Cluny e precedente directo de Cister)
fundava um pequeno convento num bosque do ducado de Borgonha, conhecido como Citeaux
(diocese de Chalons). Aqui se instalaram, desenvolvendo uma comunidade religiosa com
vontade renovadora. Queriam regressar aos primitivos preceitos da vida cristã, recuperar os
ideais da Regra monástica de São Bento, praticar o ascetismo. Assim, surgiu Cister, uma
reforma monástica, cujo ideal de vida dedicado à oração e ao trabalho, alcançou rapidamente
uma extraordinária difusão. Em poucos anos os mosteiros cistercienses multiplicaram-se e os
monges brancos (assim chamados pela cor dos seus hábitos, em oposição aos beneditinos que os
usavam negros) difundiram-se por todos os países da Europa. Assim, em 1113, surgia a primeira
Abadia, “filha” de Cister, La Ferté; em 1114 fundam Pontigny e no ano seguinte nasciam mais
duas “filhas”: Claraval e Morimond.
O primeiro combate, o da existência, estava ganho sendo agora necessário corporizar a
ideia triunfante e dar-lhe a lei que deveria ser a regra da Ordem. Sem demora, os quatro abades
dos primeiros mosteiros saídos de Cister, reuniram-se e redigiram, em comum, uma carta de
união, a chamada «carta de caridade», a qual fazia de todas as instituições cistercienses «uma
família única, com reconhecimento de maternidade a Cister». Ao mesmo tempo eram
estabelecidos os regulamentos que deviam ser observados pelas novas comunidades, vindo
ambos a alcançar, em 1119, a confirmação do Papa Calixto II.
O movimento de Cister é uma aplicação mais rigorosa da Regra de São Bento, contra a
sua deformação por Cluny, embora seguindo a sua orientação no que se refere à centralização e
às relações com os bispos. Em cada mosteiro os abades eram eleitos pelos monges e reuniam-se
anualmente em congregações gerais, a fim de serem tomadas decisões relativas a toda a Ordem.
Não se tratava de uma corrente radical dentro da Ordem: os «novos monges» entendiam
de um modo diferente o papel do monacato numa sociedade em mudança, pretendendo regressar
ao ideal de Monte Cassino fazendo-se eco, ao mesmo tempo, de correntes de pensamento da
Carlos Jaca
41
época, pois só neste contexto se pode entender a saída de um grupo de monges de Molesmes para
o húmido e inóspito bosque de Cister.
O monacato passava a ser entendido como uma militância e a pobreza como uma
aproximação a Deus. Acentuava-se a caridade, acreditava-se possível alcançar a salvação em
vida, prestando-se especial atenção à natureza humana da divindade, encarnada em Cristo.
Por altura do Primeiro Capítulo Geral da Ordem, Cister contava apenas com dez filiações;
três décadas mais tarde havia quase quatrocentas e nos anos seguintes o número não deixou de
aumentar, apesar das intenções de controlo e temores que uma grande expansão atraiçoasse os
ideais dos fundadores.
Uma abadia apenas podia concentrar um número limitado de monges, e quando se
registavam excedentes uma parte deles saía para fundar um novo mosteiro, que era “filho” do
antecedente, estabelecendo-se deste modo uma hierarquia «por filiação de mosteiro em
mosteiro», que acabava em Cister.
Tudo o que era necessário devia estar dentro do espaço monástico, rodeado por muros ao
abrigo da observação exterior e afastado da povoação.
A obrigação do trabalho manual e a necessidade de cada mosteiro viver dos próprios
recursos económicos, transformaram as abadias de Cister em eficazes centros de exploração
agrícola, devendo-se-lhes grandes obras de desbravamento e de secagem de pântanos, sendo
também afamados na construção de estradas e pontes.
A autonomia dos mosteiros assentava na autosuficiência económica: a Ordem não
admitia nem dízimos nem esmolas, pondo especial ênfase no trabalho, porém, aceitavam doações
de terras, cultivando-as com a ajuda de “conversos” (laicos que viviam nos mosteiros, mas não
tinham feito voto) e se necessário assalariados.
Os mosteiros cistercienses destacavam-se na produção de vinho, cereais, panos, telha,
ladrilhos, assim como na gestão de moinhos hidráulicos, adegas, teares e outros tipos de
manufacturas préindustriais. Os seus excedentes eram vendidos nos mercados e os lucros obtidos
investiam-nos na compra de bens imóveis, caridade e dependências monásticas.
Os monges dedicavam as suas vidas à oração e, por isso, era ela que marcava o ritmo da
jornada diária: o monge devia dedicar a Deus os seus primeiros pensamentos logo que acordasse,
e os últimos antes de recolher para dormir; também interrompia ao longo do dia os seus trabalhos
para se deslocar à igreja ao toque das sinetas. Havia oito momentos de oração: matinas, laudes,
prima, tércia, sexta, nona, vésperas e nocturnas ou completas.
Carlos Jaca
42
O ascetismo era um dos princípios da vida monástica: os monges deviam comer pouco e
abster-se, na medida do possível, de carne, e jejuar com mais frequência no Inverno, quando as
fainas agrícolas eram menos duras. As refeições realizavam-se em silêncio, escutando um monge
que lia em voz alta. Na Europa da Idade Média costumavam realizar-se duas refeições diárias: o
jantar, antes do meio-dia, e a ceia ao cair da tarde.
A leitura era uma das três actividades dos monges, juntamente com o trabalho e a oração.
A leitura constava de textos religiosos, como a Bíblia, os escritos dos Padres da Igreja ou a Regra
e podia ser individual ou colectiva. A leitura em voz alta era feita no refeitório, na sala capitular,
na igreja ou no claustro. Nas horas de descanso, os monges liam em silêncio, nas suas celas ou
nos jardins.
Havia também os monges encarregados da cópia e conservação de manuscritos.
Dedicavam uma boa parte do seu tempo na reprodução de textos antigos, elaborando grandes
exemplares em folhas de pergaminho, ilustrados com miniaturas e ricamente decorados. Graças
ao labor dos monges foi possível conservar grande parte do património literário e científico
ocidental.
São Bernardo de Claraval.
Nascido em Dijon, em 1090, Bernardo de Fontaine esteve, aos 22 anos, entre os
primeiros noviços de Cister. Logo de início começou a praticar violentas mortificações, contraiu
a doença que mais tarde o levaria à morte e começou a ser favorecido por «graças místicas
extraordinárias». Em 1115, foi enviado para fundar o novo Mosteiro de Claraval, do qual veio a
ser Abade.
Homem de grande carisma e grande influência, Bernardo (ligado directamente à fundação
da Ordem em Portugal), impulsionou o culto mariano, a defesa dos pobres, pregou a 2ª Cruzada,
a pedido do Papa Eugénio III, e percorre a Lorena, Flandres, Artois, Francfort, Constança e
Picardia, para a organizar, levando Luís VII de França e Conrado III da Alemanha a tomarem a
cruz. Teve parte activa no Sínodo de Sens, que condenou Abelardo, sendo um persistente
perseguidor de heresias, por palavras e obras e foi fundamental da nova Ordem cisterciense.
Em algumas ocasiões, os seus textos faziam eco dos males do seu tempo, denunciando-os
e exigindo rápido remédio, sendo também um eloquente pregador, conhecido pelo seu rigor
ascético.
Para Bernardo importava realizar a transformação da Igreja, não apenas a nível legislativo
e jurídico, não apenas no campo organizativo e político, mas sobretudo a nível espiritual e
Carlos Jaca
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religioso. Defendia a verdade do Evangelho, perante todos, sejam eles papas, bispos, clérigos ou
nobres.
Ao longo da sua obra, S. Bernardo apresenta-se como bom conhecedor das manifestações
da doença espiritual, e bom «clínico» na escolha dos remédios que podem levar à «cura». E esses
remédios, diz, «são a destruição da soberba, da avareza, da busca de prestígio pessoal, da
ambição; e a troca de tudo isso pela humildade, pela obediência, pela pobreza, pelo
reconhecimento dos próprios limites, pelo temor a Deus, pelo delicioso banquete da caridade».
Entre 1124 e 1153, período muito agitado da sua vida, S. Bernardo redigiu inúmeras
«cartas» (de que restam 497 autênticas) todas com grande interesse para a história da sua época;
«sermões» (cerca de 180 conservados), comentando para os seus monges o «Cântico dos
Cânticos»; escreve obras de espiritualidade, de moral e teologia.
Apesar da leitura constar essencialmente de textos religiosos, S. Bernardo estava bem
esclarecido acerca da aceitação das letras, embora não deixasse de referir que não eram um fim
em si mesmas. No Sermão 36 sobre o Cântico, diz: «Poderá talvez parecer que tenha sido
excessivo em ironizar com a ciência como se estivesse a dizer mal dos homens de ciência e a
contestar o uso das letras. De forma alguma! Não ignoro de quanta utilidade para a Igreja
foram os letrados e continuam a sê-lo, quer para repelir os seus adversários quer para instruir
os simples… Direi que não há que pôr de lado o conhecimento das letras, que serve de
ornamento para a alma, a instrui e faz com que possa também instruir os outros».
Em 1153, já muito doente, sai de Claraval para exortar à paz dos habitantes de Metz,
falecendo depois de regressar. Nesse momento, Claraval tinha já fundado cerca de setenta
mosteiros. Das suas obras, as mais conhecidas são os «Sermões» sobre o «Cântico dos
Cânticos» e o «De consideratione» (Tratado sobre a meditação, escrito para Eugénio III).
Antes de findar o século XIII, no seu momento de maior esplendor, Cister tinha mais de
setecentas casas disseminadas por toda a Europa, sendo a Ordem monástica mais importante do
Continente. Efectivamente, por toda a parte, desde os meados do século XII, da Grã – Bretanha à
Polónia, da Suécia à Itália, a Europa recebeu os monges, que, no período áureo da sua expansão,
levaram consigo, para além da cultura, duas notáveis contribuições para a história da
humanidade: «o gótico incipiente dos seus mosteiros, e as novas concepções agronómicas, que
fariam das suas granjas autênticas escolas práticas de agricultura».
Santa Maria de Alcobaça. A Fundação
Carlos Jaca
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Nascida num momento particularmente crucial para o futuro do novo Estado em
formação e consolidação, a Abadia de Alcobaça cedo alcançou lugar de excepcional
importância na vida portuguesa.
Os cistercienses portugueses e galegos procedem por filiação do ramo de Claraval, cujos
monges descendo de norte para sul entraram na Galiza e logo a seguir em Portugal. O
acolhimento aos ideais e aos monges de Claraval teve uma forte adesão no nosso país, vindo a
desenvolver uma acção preponderante na região centro, particularmente na Beira Alta e
Estremadura onde se impôs a sombra tutelar de Alcobaça.
As principais fundações cistercienses tenderam a acompanhar a progressão da
Reconquista, sendo algumas delas resultantes de comunidades preexistentes à Regra de Cister,
como S. Cristóvão de Lafões, S. João de Tarouca e Salzedas. Embora não sendo, na ordem
cronológica, a primeira entre as fundações cistercienses de Portugal, a Abadia de Alcobaça veio
a sê-lo pela magnificência e acção religiosa, cultural e económico-social.
Para que a fundação fosse autorizada havia que cumprir as prescrições da Ordem nestes
casos. Assim, em 1151, o rei português formulou um pedido ao Capítulo Geral da Ordem de
Cister, o qual, no ano seguinte foi discutido em relatório dos Abades inquiridores e sancionado
em princípios de 1153, pela respectiva carta fundacional e a assinatura do diploma de doação.
Estavam criadas as condições necessárias para a fundação da Abadia de Santa Maria de
Alcobaça.
A 8 de Abril de 1153, D. Afonso Henriques e sua esposa, a rainha D. Mafalda, fazem
doação a D. Bernardo de Claraval e aos seus monges de extenso território situado entre Leiria e
Óbidos, onde, no lugar de Alcobaça, veio a ser construído o famoso mosteiro.
A doação era feita «para remédio das suas almas e das almas dos seus pais e para
permanecer eternamente a sua memória no mosteiro ali fundado. Assim o faziam para honra e
glória de Deus e a favor do cenóbio da Virgem Maria Claravalense».
A extensa área concedida abrangia toda a região que vai de S. Pedro de Muel à Lourinhã
e, para o interior, até à serra dos Candeeiros e a Rio Maior.Com uma área superior a 60.000
hectares, os coutos aglutinavam 14 vilas (Porto de Mós, Aljubarrota, Maiorga, Vestiaria, etc.),
quatro portos de mar (Salir, Pederneira, Cós e Alfeizerão), dois pauis (Ota e Ulmar), onde os
monges exerciam a autoridade, cobravam impostos e detinham o monopólio da vida económica,
constituindo, pois, um extenso latifúndio e era, sem dúvida «a terra agrícola mais produtiva do
Reino».
A concessão impunha aos monges donatários a obrigação de arrotear as terras. No sentido
de que não viessem a ficar desaproveitados os terrenos, na carta de doação o doador estabelecia
Carlos Jaca
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que «o acto deixará de surtir efeito se os monges por sua culpa e sem anuência do rei, não
persistirem em Alcobaça».
Apesar de S. Bernardo ter falecido pouco depois, 20 de Agosto, a Ordem manteve o
compromisso assumido perante o rei de Portugal, enviando, doze monges acompanhados pelo
primeiro Abade que a tradição diz chamar-se Ranulfo.
Os fundadores, como era hábito, tiveram que recorrer a instalações provisórias e
rudimentares (Chiqueda), não distantes do local ocupado pelas actuais. Uma vez vencidas as
dificuldades iniciais, resultantes da precária instalação, e alcançando os meios e condições
indispensáveis, iniciam a construção do segundo mosteiro, o definitivo, em 1178. Porém, esta
fase foi interrompida e até comprometida em razão das incursões árabes de 1184 e de 1195, que,
«após brava resistência dos monges no seu castelo, produziu grande matança, entre estes,
destruindo os edifícios levantados».
Claraval envia novos monges brancos, que restauraram a Abadia e já a ocupavam em
1222, mas só foi sagrada trinta anos depois, em 1252, por D. Egas Fafes, Bispo de Coimbra.
Afastado o perigo mouro reactiva-se a obra de fomento com todas as repercussões na
situação económica da instituição. Refira-se o papel representado pelas célebres granjas do
Mosteiro definidas no aspecto agronómico e social como «escola geral de todas as actividades
agrícolas e de todas as indústrias anexas», onde eram ministrados os mais perfeitos
conhecimentos da época, quanto à rotação de culturas, sementeira, fertilização das terras, etc.
Frei Fortunato de S. Boaventura, historiador alcobacense, sintetiza em cinco pontos a
extraordinária dinâmica dos monges de Alcobaça: extracção de ferro, exploração de moinhos,
produção agrícola e animal e animação da indústria.
Que razões terão levado D. Afonso Henriques à fundação do Mosteiro de Santa Maria de
Alcobaça, para além daquelas que já foram expostas na carta de doação?
Na «Crónica de Cister», Frei Bernardo de Brito “embarca” na velha tradição, segundo
a qual o nosso primeiro rei teria feito voto de fundar uma grande abadia cisterciense ao
atravessar a Serra de Albardos (Alvados, no maciço de Porto de Mós) quando se dirigia para
tentar a conquista de Santarém, e que essa fundação dataria de 1148. É opinião generalizada, e
bem fundamentada, que as suas crónicas não oferecem segurança, embora «escritor de categoria
e dotado de brilhante imaginação», também se admite não ter sido ele o inventor das lendas que
divulga e que «bem cedo teriam nascido nos claustros cistercienses portugueses do século XIII».
Quanto à data registe-se, apenas, que está errada, como, aliás, se depreende do que já foi referido
a este respeito.
Carlos Jaca
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Sem se pretender desligar a fundação do Mosteiro do voto feito por Afonso Henriques, ou
mesmo pôr em causa a sua devoção por Santa Maria de Claraval, deve, acima de tudo,
evidenciar-se o extraordinário alcance político-económico da decisão tomada pelo rei
«Conquistador».
Parecem bem claras, e de duas ordens, as vantagens que o rei pretendia colher da
instalação dos cistercienses em Portugal: por um lado visava a fixação de colonos como
infraestrutura indispensável para o povoamento e valorização do território; por outro, e de
necessidade absoluta, alcançar a formação de uma igreja portuguesa independente e alcançar do
Papa a confirmação do título de Rei, tanto mais que, nesse tempo, os cistercienses dominavam de
modo «concreto e real» na política da Cúria Romana. Neste processo, nunca será de mais
encarecer a acção de D. João Peculiar que durante cerca de quarenta anos foi o primeiro
dignitário da Igreja em Portugal, e o conselheiro político e diplomata incansável do príncipe
português, que ao fim de difíceis e prolongadas negociações conseguiu que o Papa Alexandre
III, em 1179, atribuísse, de direito, pela bula «Manifestis Probatum», o título de rei para D.
Afonso Henriques.
Alcobaça – Escola pública.
Não é de estranhar que as preocupações culturais em Santa Maria de Alcobaça se
tivessem manifestado mais tardiamente em relação a Santa Cruz de Coimbra. Para além da
fundação do mosteiro apenas ter acontecido em 1153, o desenvolvimento da cultura nos monges
cistercienses não deixou de ser condicionado pelo fenómeno vincadamente peninsular da
Reconquista.
Outra explicação, e agora abrangendo toda a Ordem de Cister, é transmitida pelo cronista
alcobacense, Frei Fortunato de São Boaventura:
«Deve-se confessar que nestes primeiros tempos da nossa existência em diferentes Reinos
da Europa, eram mais conhecidos do público as nossas virtudes do que as nossas letras, sendo
mais fácil às primeiras, do que às segundas, o romperem o os âmbitos da clausura… Os monges
sábios, temendo os horrendos princípios da soberba, que oxalá fossem mais cautelosamente
evitados pelos que se dão aos estudos das letras, envolviam-se em uma santa obscuridade, e era
para eles um género de morte o verem que a luz escondida “debaixo do alqueire”, ou no interior
do Claustro, se derramasse para fora e os tornasse conhecidos».
Embora só no século XIII o labor cultural alcobacense atingisse o esplendor e disputasse
a primazia a Santa Cruz, os monges brancos desde os seus primeiros tempos começaram a
Carlos Jaca
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produzir códices, dedicando-se à redacção e cópia de manuscritos. Modelos hagiográficos, de
intenção laudativa ou parenética (arte de pregar), «a par de literatura de sabor quotidiano para
instrução dos fiéis, saíram das mãos de frades cultos ou piedosos, num esforço que impressiona
o homem do nosso tempo». Aliás, toda a actividade cultural desenvolvida em Santa Maria de
Alcobaça, logo a partir da fundação e durante a Idade Média portuguesa, é bem comprovada pelo
testemunho do fundo tão rico e variado da «Livraria de mão» e do cartório do Mosteiro; registese que, durante os primeiros reinados, o cartório real era em Alcobaça.
Desde a fundação, lia-se teologia aos monges, como era natural nos mosteiros, mas o
grande reformador e impulsionador dos estudos alcobacenses foi o Abade D. Frei Estêvão
Martins, determinando que se ensinasse para sempre, gramática, lógica e teologia e, medida
excepcional, que as aulas fossem públicas. Antes da reforma ensinava-se, apenas, no Mosteiro, a
Teologia aos monges, permitindo-se, agora, que as pessoas estranhas à Ordem, pudessem
frequentar as aulas. A escola que era privada, ou interior, como a de Santa Cruz de Coimbra
tornou-se pública.
A decisão é notável e representa um passo importante para a criação da futura
Universidade Portuguesa. António José Saraiva refere uma passagem do historiador Rashdall
num estudo sobre as Universidades da Europa da Idade Média, em que o autor diz «entrever-se
na escola de Alcobaça uma tentativa, única na história das universidades europeias, para
fundar uma universidade monástica».
Como quer que seja, um outro cronista da Ordem, Frei Manuel dos Santos, revela em
palavras esclarecedoras as razões sobre a reforma do D. Abade Estêvão Martins:
«Padecia por este mesmo tempo o Reino de Portugal a grande falta de letras públicas
que teve desde o seu princípio até os felizes anos de el-rei D. Dinis» … eram perniciosas as
consequências daquela falta, assim na administração da justiça, como no governo das Igrejas; e
sobretudo porque viviam necessitados os portugueses a irem mendigar letras a reinos estranhos,
ou a chamarem a si estrangeiros para os haverem de governar. Considerava, e praticava com
seus Monges o Abade Dom Fr. Estêvão, estas inconveniências com um ânimo zeloso do bem
comum; e quando já se desenganava de que não veria em seus dias uma obra de tanta utilidade
para o Reino, qual seria uma Academia pública, se resolveu em servir a sua pátria naquele
melhor modo, que lhe era factível, e ser ou exemplo ou confusão aos que governam o Reino».
Efectivamente, em 1269, considerada a extrema necessidade de tal reforma dos estudos,
D. Estêvão Martins, determinava:
«Em nome de Deus, Amen. Porque em todas as criaturas está posta uma luz natural de
inteligência, pela qual se nos facilita o caminho de podermos vir no conhecimento do Criador,
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já deposta a escuridade da primeira ignorância: todos os homens (se pudesse ser comodamente)
houveram de procurar com diligência o benefício da sabedoria. Por essa razão, Nós, Estêvão
Abade, e o nosso Convento de Alcobaça, fazemos saber aos que a presente virem, em como de
nosso comum consentimento ordenamos à honra de Deus e da bem-aventurada sempre Virgem
sua Mãe e de todos os Santos, e para comum utilidade de nossos Monges e de todos os mais que
desejarem adquirir a incomparável riqueza da sabedoria, instituímos em nosso Mosteiro um
contínuo e perpétuo Estudo de letras; para conservação do qual, e para sustentação dos
Mestres, aplicamos todas as rendas da vila de Alvorninha, com outra fazenda mais no território
da vila de Óbidos».
Sublinhe-se que, pelo seu poder e prestígio, o Abade de Alcobaça era uma figura de
relevo na vida da Nação. Inerente à sua dignidade abacial ostentava alguns títulos efectivos e
reais, quer laicos, quer eclesiásticos, além de outros, episódicos, que representavam
incumbências e delegações acidentais, intitulando-se Conselheiro do Rei, Esmoler – Mor do Rei,
Fronteiro – Mor, Donatário da Coroa e Senhor das terras e vilas dos Coutos.
A primeira aula pública, após a reforma de D. Estêvão Martins, foi dada em 11 de Janeiro
de 1269, no reinado de D. Afonso III.
Entretanto, a este propósito, surgiu um dado novo que pretende pôr em causa a criação da
escola pública de Alcobaça em 1269, e que aqui não cumpre dar desenvolvimento, além de que
não dispunha dos elementos necessários para tal: há quem assevere que a escola fora aberta «sem
o alcance de escola pública que alguma historiografia (enganada por uma emenda apócrifa)
quis ver nessa criação, há que ver neste gesto uma intenção de preparar os monges com uma
formação regular (que eles não tinham à entrada em religião), de acordo com tendências que se
verificavam em âmbito mais largo e haveriam de culminar, depois, na fundação da própria
universidade».
Efectivamente, os monges que quisessem graduar-se, e demonstrassem capacidade para
tal, tinham de o fazer fora do Reino, nomeadamente em Salamanca ou Paris. Precisamente por
essa razão, segundo os cronistas da Ordem, o Abade Martinho II teria lutado afincadamente pela
criação dos Estudos Gerais em Portugal, tendo sido o referido Abade o primeiro, secundado pelo
Prior de Santa Cruz e outros religiosos, a subscrever o pedido a D. Dinis para a criação da futura
Universidade portuguesa.
Quanto à preparação e formação dos monges brancos, os estudos alcobacenses
integravam-se no esquema do ensino avançado da época em que foram criados, como acontecia
com os seus contemporâneos de Santa Cruz de Coimbra.
Carlos Jaca
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Referindo os códices de interesse didáctico, para a época em questão, (anterior à
fundação do «Estudo Geral»), contam-se sete do século XII e setenta e um do século XIII. O
mais antigo, segundo se julga, é o «Liber Questionum» sobre a Sagrada Escritura, da autoria
(duvidosa) de Isidoro de Sevilha, sendo de toda a colecção de códices o único que foi escrito em
letra visigótica.
Dos dois compêndios que monopolizaram o ensino gramatical na Idade Média, a «Arte
menor» de Donato e as «Institutiones arte gramática» de Prisciano (autores latinos do século IV)
apenas o segundo está representado em Alcobaça. Também lá se encontrava o famoso
«Doctrinale» de Alexandre de Ville-Dieu que em fins do século XII compendiou em verso as
regras gramaticais segundo os citados autores. Igualmente lá se encontravam copiados o
dicionário latino de Papias (século XI) e o de Hugúcio (século XIII). O ensino gramatical em
Alcobaça está ainda representado por um pequeno glossário de verbos latinos com a tradução em
português, do século XIV. Esta variedade de compêndios gramaticais mostra que o ensino da
gramática no Mosteiro cisterciense tinha algum desenvolvimento.
Os «Códices Alcobacenses». Traduções. A «Vita Christi».
Dá-se o nome de «Códices Alcobacenses» a um «fundo de manuscritos», hoje existente
na Biblioteca Nacional de Lisboa e para ali levado, do Mosteiro de Alcobaça, em 1834, após a
extinção das ordens religiosas. Teve início no século XII, sendo o mais rico de todos os fundos
medievais portugueses não só pelo seu valor histórico como pela sua importância literária e
artística, conservando muitos deles, ainda, as primitivas encadernações.
A biblioteca manuscrita de Alcobaça, que ao longo dos séculos foi uma das mais
importantes do território nacional e correspondia a outras estrangeiras (Claraval, Pontigny,
Rieval, Clairmarais, etc.), era apoiada por um «scriptorium» particularmente activo e bem
organizado em número e divisão de funções: responsáveis pela orientação, copistas,
iluminadores e encadernadores.
Da livraria manuscrita alcobacense, que se foi acumulando ao longo do tempo,
conservam-se hoje 456 códices na Biblioteca Nacional de Lisboa, 8 no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo e 3 na B. L. de Londres. Anteriores ao século XIV contam-se cerca de 350,
pertencendo 185 ao período compreendido entre os anos de 1150 e 1300; o maior número de
códices, 150, foi elaborado no século XIII, período particularmente marcado pela acumulação de
riqueza.
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No entanto, lamentavelmente, algumas das preciosidades da antiga abadia não deixaram
de escapar à dispersão, extravio ou furto. Assim, o recheio, quer no seu número quer na íntegra
do seu texto, não é fácil de reconstituir por via dos desfalques sofridos em várias épocas,
nomeadamente no tempo dos Filipes, durante as invasões francesas e quando do saque de 1833.
A grande parte dos remanescentes é do século XII ao XV, quase todos escritos em
pergaminho, sendo alguns provenientes de Claraval trazidos, provavelmente, pelos monges
fundadores, porém, a grande maioria (em letra francesa e gótico redondo) é de calígrafos e
decoradores portugueses, quase todos cistercienses de Alcobaça, porquanto o «scriptorium» era
mais centro de cópia que de produção de textos originais. Efectivamente predomina «a
componente tradicional na espiritualidade e na cultura alcobacense, sem inovações que se
possam atribuir a autores locais. Excepções são as obras de João de Alcobaça («Speculum
Hebraeorum» que se integra na literatura polémica “adversus iudaeos”, frequente no século
XIV ), João Claro (final do século XV) e Francisco Machado (ainda com obras manuscritas em
período de imprensa) ou também os cronistas do século XVII, com um ou outro texto de carácter
teológico derivado da participação dos cistercienses no ensino universitário». João Claro ou,
como ele também assinava, Fr. Joannes Clarus, Doctor Parisiensis, foi prior e abade eleito do
Mosteiro de Alcobaça, licenciando-se em Teologia na Universidade de Paris, vindo a exercer o
cargo de professor daquela disciplina na Universidade portuguesa, então em Lisboa. Com o título
«Opúsculos do Dr. Frei João Claro, monge de Alcobaça», foram publicados alguns dos seus
manuscritos no 1º tomo de «Inéditos Portugueses dos Séculos XV e XVI», compilados por São
Fortunato de Boaventura.
Recorrendo ao catálogo alcobacense verifica-se que a maior parte dos códices são
copiados em latim e alguns são cópias de traduções, sendo o fundo mais antigo e mais
importante da biblioteca constituído pela literatura patrística, em que Santo Agostinho é o autor
que possui maior número de obras e de exemplares, seguido de São Gregório e, a alguma
distância, Orígenes, São Jerónimo e Santo Ambrósio.
Obviamente, não faltam os místicos, salientando-se o próprio São Bernardo, os
«vitorinos», formados na Abadia de São Vítor, com numerosos códices e Hugo e Ricardo de São
Vítor. A teologia está representada principalmente por Pedro Lombardo, o autor das
«Sentenças», e São Tomás de Aquino. Segundo António José Saraiva, faltam os grandes autores
da escolástica, havendo uma excepção notável, Raimundo Lúlio (cópia do século XVI).
Deve assinalar-se, por invulgar para a época, a colecção de obras de direito canónico
(Decretais e Decretos) e civil com as respectivas glosas e comentários. Saliente-se, igualmente,
embora não numerosa, a colecção de manuscritos de interesse para o conhecimento em várias
Carlos Jaca
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áreas do saber, antes de os textos virem a ser divulgados pela impressão: Santo Isidoro
(«Etimologias»), Cassiodoro e Boécio com a célebre «Consolação da Filosofia», trechos
clássicos de Séneca, Cícero e Virgílio, as «Sete Partidas» de Afonso, o Sábio, as «Ordenações»
de D. Afonso V, a «Arimética» de Rábano Mauro, a «Esfera» de Sacrobosco, etc.
Deve, ainda, considerar-se a magnífica série de 40 códices portugueses, quase todos
traduzidos e que visavam fins moralistas e piedosos. Apareceram, assim, vidas de santos, regras
conventuais, obras de devoção e livros de orientação moral. São notáveis as traduções
alcobacenses e, entre elas, podem citar-se: «Regra de S. Bento», «Vida de Santo Aleixo», «Santa
Maria Egipcíaca», «Orto do Esposo», «Boosco Deleitoso», «Conto do Amaro», «Visão de
Túndalo» (descreve uma viagem pelos lugares onde a alma pena ou goza de ventura eterna, de
acordo com a conduta havida nesta existência mortal), o «Fabulário» ou «Livro de Esopo»
(fábulas que denotam uma concepção providencialista da vida, alusões cristãs a Jesus e a Nossa
Senhora e reflectem os costumes medievais), o «Virgeu da Consolaçom», o «Espelho da Cruz»,
o «Castelo Perigoso», etc.
Entre todas estas traduções sobressai a «Vita Christi também conhecida por
«Meditationes Vitae Christi», uma das obras-primas da literatura cristã medieval, cujo título
extenso lhe resume o conteúdo: «Vida de Nosso Senhor Jesus Cristo formada dos quatro
Evangelhos e dos extractos dos Padres e composta para a educação cristã e alegria dos fiéis».
O seu autor é Ludolfo ou Landulfo, nascido pelo ano de 1300, e foi cognominado «de
Saxónia» em razão da sua origem e, ainda, o «Cartusiano», por ter entrado em 1340 para a
Ordem da Cartuxa, em Estrasburgo, (antes tinha sido dominicano) «onde professou e ficou até
1343, ano em que foi eleito prior da Cartuxa de Coblença, demitindo-se cinco anos mais tarde, a
fim de se consagrar melhor à vida interior a que aspirava, transferindo-se para Mogúncia de
onde regressou a Estrasburgo e aí falece em 10 de Abril de 1377».
A «Vita Christi» está dividida em quatro partes: vida privada, vida pública, vida dolorosa
e vida gloriosa. Ludolfo demonstra uma erudição notável para o seu tempo, conhecendo bem
quer o Novo Testamento quer o Antigo, que cita com frequência e utiliza os escritos dos Santos
Padres e de autores profanos. O seu objectivo era levar os leitores, através do estudo, à piedade e
à oração, razão pela qual cada capítulo termina por uma prece; propõe temas de meditação.
Refere no prólogo que narra os factos «como eles aconteceram ou se pode piedosamente crer
que tenham acontecido».
A «Vita Christi» teve extraordinário êxito, tendo sido uma das obras mais lidas nos
séculos XV e XVI, pois «nada se tinha escrito de semelhante até esse tempo». Impressa em
Carlos Jaca
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Estrasburgo e Colónia, a partir da década de 1470, foi muitas vezes reeditada em latim e
traduzida em várias línguas.
A tradução portuguesa da «Vita Christi» parece ter sido iniciada por Fr. Nicolau Vieira e
concluída por Fr. Bernardo de Alcobaça, em 1445, pelo menos é o que se pode inferir do estudo
elaborado pelo Padre Mário Martins.
Efectivamente, D. Estêvão de Aguiar, «abade de triste memória para os monges
alcobacenses», ordenou a Frei Bernardo que trasladasse a «Vita Christi» para português de
quatrocentos. Porém, pouco antes de Frei Bernardo dar início à sua tarefa, já alguém traduzira
para o nosso «romance» medieval seis cadernos correspondentes à primeira parte da «Vita
Christi». Deste modo, não terá sido Fr. Bernardo quem pôs em romance português as páginas
que vão desde o princípio até ao sexto caderno desta obra, mas sim Fr. Nicolau Vieira. No
entanto, «seria injusto negar a Fr. Bernardo de Alcobaça a vasta parte da glória que lhe cabe
nesta obra, pois os tais seis cadernos pouco representam ao lado das restantes páginas».
Esta tradução foi impressa em 1495 pelos «honrados mestres e empressores» Valentim de
Morávia e Nicolau de Saxónia, ficando a constituir o primeiro e mais belo incunábulo em língua
portuguesa, «edição princeps da tipografia portuguesa pela antiguidade e primor técnico».
Foi a Rainha D. Leonor quem «mandou estampar e de forma fazer em língua materna e
portugues linguagem (…), por serviço de Nosso Senhor e porveito comuum, as quatro partes do
livro intitulado Vita Christi, nom aquelle apocrifo da infancia do Salvador, mas ho ordenado e
composto pello reverendo padre Ludolfo Cartusiano».
A propósito desta obra do «Cartusiano», o Professor Catedrático da Universidade de
Coimbra, J. M. da Cruz Pontes, revela um aspecto curioso e provavelmente pouco conhecido, ao
referir-se à edição da «Vita Christi», impressa em Colónia em 1472. O ilustre Professor afirma
que esta edição «foi a obra que primeiro incluiu a Epistula Lentuli, um apócrifo posto a circular
como sendo Carta de Lêntulo, ou Públio Lêntulo, dito “governador de Jerusalém”, endereçada
“ao Senado e ao povo romano”, concluindo que Cristo era como predizia o salmo XLV, 3,
“speciosus inter filios hominum”» (o mais belo dos filhos do Homem). Acrescenta, ainda, que
«a tentativa de representar ou descrever a fisionomia de Cristo tem uma história que vem de
longe».
A obra de Ludolfo de Saxónia não se restringe à «Vita Christi», mas esta foi a que o
consagrou como autor espiritual, com influência em místicos posteriores, como Inácio de Loiola,
Teresa de Ávila, Francisco de Sales.
Pode dizer-se que as traduções alcobacenses tiveram enorme significação cultural, social
e linguística e, como a língua oficial da Igreja do Ocidente fosse durante muito tempo o latim e
Carlos Jaca
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igualmente a língua adoptada pela maioria dos escritores eclesiásticos, prepararam à distância
também o movimento humanístico do Renascimento.
Embora instituições bastante diferenciadas sob múltiplos aspectos, Santa Cruz de
Coimbra e Santa Maria de Alcobaça, os dois maiores potentados eclesiásticos medievais
portugueses, no essencial apresentavam objectivos e realizações comuns de grande importância
na história nacional. Concretamente, seria no domínio cultural que se verificavam as maiores
convergências e afinidades, domínio esse, que implicava uma actividade pedagógica interna
como se demonstra com o funcionamento de escolas particulares, na Baixa Idade Média,
voltadas fundamentalmente para a leccionação das Artes liberais, particularmente a Gramática e
a Lógica, as bibliotecas e «scriptoria», tudo bem apetrechado de preciosidades manuscritas e
iluminadas, tendo ambos os Mosteiros alcançado enorme prestígio e reputação aquém e além
fronteiras.
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Publicação: «Diário do Minho» – Suplemento «Cultura».
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Carlos Jaca
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Relance, ou Linhas Gerais, sobre a Historia da Universidade