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II CONSENSO DA SOCIEDADE PAULISTA DE INFECTOLOGIA PARA MANUSEIO E TERAPIA DA HEPATITE C - 2004 - é uma
publicação da Sociedade Paulista de Infectologia, produzida e editada pela Office Editora e Publicidade Ltda. - Diretor
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publicados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo obrigatoriamente a posição desta publicação.
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SUMÁRIO
Grupo de Consenso 2004 ___________________________________________________________ 05
Mensagem do Presidente da Sociedade Paulista de Infectologia _______________________________ 06
Hamilton Bonilha
Introdução _________________________________________________________________________ 07
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Temas Propostos ao Grupo de Consenso ____________________________________________ 08
Hepatite C: Transmissão entre Casais ________________________________________________ 09
Norma de Paula Cavalheiro
Hepatite C e Gestação ______________________________________________________________ 10
Orlando Jorge Gomes da Conceição e Roberto Focaccia
Estratégias de Prevenção: Vacinas e Imunoglobulinas ________________________________ 10
Rinaldo Focaccia e Roberto Focaccia
Resposta Imune ao Vírus da Hepatite C e Características Genéticas Determinantes ____ 11
Ana Teresa Rodriguez Viso
O Álcool e a Hemocromatose como Co-Fatores de Risco na Patogenia da HVC Crônica 16
Umbeliana Barbosa Oliveira e Roberto Focaccia
Manifestações Extra-Hepáticas do Vírus da Hepatite C _______________________________ 17
Aline Gonzalez Vigani, Maria Helena Postal Pavan e Marcelo Nardi Pedro
Monitoramento Laboratorial Durante o Tratamento da Hepatite C _____________________ 23
Aline Gonzalez Vigani
Diagnóstico Laboratorial ____________________________________________________________ 25
Neiva Sellan Lopes Gonçales e Fernando Lopes Gonçales Jr.
Uso da Dinâmica Viral_______________________________________________________________ 28
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
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Anatomia Patológica ________________________________________________________________ 29
Evandro Sobroza de Mello e Venâncio Avancini Ferreira Alves
Hepatite C Aguda ___________________________________________________________________ 32
Rodrigo Nogueira Angerami, Raquel Stucchi, Neiva Sellan Lopes Gonçales e
Fernando Lopes Gonçales Jr.
Tratamento da Hepatite C em Pacientes Virgens ______________________________________ 35
Fernando Lopes Gonçales Jr.
Retratamento da Hepatite C: Não-Respondedores e
Recidivantes ao Interferon/Ribavirina ________________________________________________ 38
Fátima Mitiko Tengan e Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Abordagem dos Pacientes Co-Infectados ____________________________________________ 43
Edgar de Bortholi Santos e Maria Cássia Jacintho Mendes Correa
Apresentação dos Efeitos Adversos Mais Frequentes do
Tratamento da Hepatite C com Interferon e Ribavirina ________________________________ 47
Orlando Jorge Gomes da Conceição
Hepatite C – Desenvolvimento de Novas Drogas e Ensaios Clínicos ____________________ 48
Antonio Alci Barone
Custo-Efetividade da Terapia para Hepatite C ________________________________________ 53
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Persistência do Vírus da Hepatite C Após Cura Espontânea
ou Induzida por Tratamento _________________________________________________________ 55
Antonio Alci Barone
Tratamento da Hipertensão Portal ___________________________________________________ 56
Azzo Widman e Maria de Lourdes Capacci
Imunização no Paciente Hepatopata Crônico _________________________________________ 58
Raquel Stucchi
Rastreamento de Carcinoma Hepatocelular __________________________________________ 59
Aline Gonzalez Vigani
Indicações de Transplante de Fígado na Hepatite C ___________________________________ 61
Edson Abdala
Manuseio do VHC Pré e Pós-Transplante de Fígado___________________________________ 62
Edson Abdala
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GRUPO DE CONSENSO 2004
• Fernando Lopes Gonçales Jr.
• Fernando Ruiz
• Hamilton Bonilha
• Marcelo Nardi Pedro
• Maria Cássia Jacintho Mendes Correa
• Maria de Lourdes Capacci
• Maria Helena Postal Pavan
• Aline Gonzalez Vigani
• Neiva Sellan Lopes Gonçales
• Ana Teresa Rodriguez Viso
• Norma de Paula Cavalheiro
• Antonio Alci Barone
• Orlando Jorge Gomes da Conceição
• Azzo Widman
• Raquel Stucchi
• Edgar De Bortholi Santos
• Rinaldo Focaccia
• Edson Abdala
• Roberto Focaccia
• Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
• Rodrigo Nogueira Angerami
• Evandro Sobroza de Mello
• Umbeliana Barbosa Oliveira
• Fátima Mitiko Tengan
• Venâncio Avancini Ferreira Alves
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MENSAGEM DO PRESIDENTE DA
SOCIEDADE PAULISTA DE INFECTOLOGIA
“A Sociedade Paulista de Infectologia reuniu os principais serviços de hepatite do Estado na área
de infectologia com a finalidade de atualizar o primeiro consenso sobre o manuseio e terapia da
hepatite C. Essas diretrizes, baseadas em dados da literatura científica e na experiência desses serviços,
têm a finalidade exclusiva de oferecer, na visão desses especialistas, embasamento científico aos
colegas que lidam com essa prevalente doença, facilitando, sobremaneira, a conduta diagnóstica e
terapêutica.”
Hamilton Bonilha
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INTRODUÇÃO
A elaboração desta segunda versão de nosso consenso foi igualmente prazerosa ao grupo que
participou. Mais uma vez reunimos os três grupos de infectologistas com maior atuação no tema
Hepatites Virais, com a participação especial da diretoria da SPI.
Metodologicamente foi mantida a idéia de um elenco de temas previamente escolhidos, revisados
individualmente para discussão em plenária – a relação dos temas inicialmente propostos é expressa
a seguir. Resolvemos endereçar perguntas muito práticas, do dia-a-dia, e inserir convidados para
rever em maior profundidade as questões da doença hepática crônica avançada e do transplante de
fígado, cada vez mais presentes na nossa prática. Dedicamos ainda especial atenção aos aspectos da
imunopatogenia e manifestações extra-hepáticas associadas ao VHC.
As melhores evidências foram procuradas, porém não podemos atribuir ao nosso Consenso o
rigor metodológico de uma revisão baseada em evidências, que no caso específico da hepatite C
ainda inexistem na Literatura para várias questões que foram por nós levantadas. No entanto, o
maior mérito desta nossa experiência é ser genuinamente brasileira. Os melhores trabalhos de custoefetividade, em algum momento, são calibrados por um painel de especialistas. Seguramente nosso
grupo é representativo e conferiu realidade às sugestões propostas. O Grupo de Consenso é integrado
por profissionais de formação sólida, atuação em hospitais universitários, pesquisadores nas suas
instituições e em protocolos clínicos conduzidos pelas grandes companhias que produzem
medicamentos antiinfecciosos. Sua atuação se deu, ressalte-se, de forma livre e independente, sem
conflitos que interfiram com as conclusões apresentadas.
Esperamos que mais uma vez o Grupo de Consenso da SPI possa auxiliar o processo de tomada
de decisão pelos gestores e, aos nossos colegas, a melhor tratar os pacientes que merecem terapia e
aconselhamento não só adequados mas, também, sensatos!
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Organizador do Consenso da SPI para Manuseio e Terapia da Hepatite C
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TEMAS PROPOSTOS AO GRUPO DE CONSENSO
Temas
Subitens
Epidemiologia Aspectos de Saúde Pública
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Transmissão Vertical
Transmissão Sexual
Impacto Morbimortalidade no Brasil e no Mundo
Demais Mecanismos de Transmissão
Estratégias em População Específicas: UTI/Confinados/Trabalhadores do
Sexo/Moradores de Rua
• Perspectivas de Prevenção: Vacina/Ig
Patogenia
• Co-Fatores: Álcool, Ferro, Lípides/Glicose
• Resposta Imune
• Características Genéticas Determinantes
Diagnóstico
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Manifestações Extra-Hepáticas
Antígeno VHC
Incorporação Novos Métodos: TMA, bDNA
Monitoramento da Terapia
Rastreamento HCC
Estratégias para Bancos de Sangue - NAT
Anatomopatológica
Monitoramento Não-Invasivo da Histologia
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Hepatite Aguda
Hepatite Crônica Virgem
Hepatite Crônica Não-Virgem
Terapia das Manifestações Extra-Hepáticas
Terapia em Presença de Co-Morbidades Hematológicas, Endocrinológicas,
Imunológicas e Psiquiátricas
Terapia Não-Medicamentosa
Manuseio dos Efeitos Adversos
Perspectivas Terapêuticas
Análise da Custo-Efetividade
Parâmetros de Respostas Virais e Não-Virais
Existe Cura? Papel de Reservatórios Extra-Hepáticos na Recidiva; Papel da Reinfecção
Há Diferença Relevante entre os PegIFN? A Troca é Possível?
A Carga Viral é Relevante na Escolha dos Pegs?
Estratégias de Otimização da Aplicação são Válidas?
Outros IFN
Manuseio na Co-Infecção VHC/HIV; VHC/VHB; VHC/VHB/HIV
•
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•
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•
Indicações para o Tx
Critérios de Seleção para Tx (Cronológico vs. Gravidade) e outras Controvérsias
Terapia Anti-VHC no Pré e Pós-Tx
Terapia da Hipertensão Portal
Manuseio do Hepatopata Crônico
Terapia
Transplante Hepático e
Situações Correlatas
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EPIDEMIOLOGIA E PREVENÇÃO - DESTAQUES
Dois aspectos epidemiológicos nos pareceram mais relevantes para um aprofundamento. A transmissão entre casais e os
aspectos da gestação, que são apresentados a seguir, finalizando com perspectivas para prevenção.
HEPATITE C: TRANSMISSÃO ENTRE CASAIS
Norma de Paula Cavalheiro
LIM 47 - FMUSP
Alter MJ et al. 1989 apresentaram o primeiro trabalho onde a possibilidade de transmissão sexual do HCV foi discutida,
sendo evidenciados como fator de risco múltiplos parceiros sexuais. Porém, a contribuição da transmissão sexual do HCV
permanece controversa. As informações que circulam variam muito e os números relatados estão entre 0% a 27%. Porém, a
grande maioria dos estudos menciona porcentagens de transmissão sexual entre 0% a 3%. Os baixos índices relatados, associados
com raros fatores de risco, sugerem que a transmissão sexual apresenta riscos mínimos ou mesmo inexistentes.(1,2)
Agora, pensando sobre os pacientes que não pertencem a grupos de risco, mas são portadores do HCV e seus parceiros
sexuais. Qual seria o risco de seus parceiros não concordantes serem infectados por via sexual? Esta questão deve ser considerada
e avaliada cuidadosamente.(3)
A comparação entre parceiros sexuais com outros familiares moradores do mesmo domicílio, tendo um portador do HCV com
referência, mostra que o contato familiar é um fator importante na discussão da transmissão do HCV.(2)
Outra população que nos gera grande curiosidade seria a que não apresenta fonte definida de aquisição do HCV, em média
30%-40% dos pacientes.(4)
Os trabalhos que discutem populações específicas, como clínicas de doenças sexualmente transmissíveis, atendimento a
usuários de drogas, co-infectados com HIV, homossexuais e profissionais do sexo, mostram resultados que diferem da população
em geral e os riscos de transmissão sexual para o HCV aumentam consideravelmente.(2)
Vários aspectos devem ser considerados quando se discute a transmissão sexual do HCV, entre eles o tempo de convivência, DSTs
associadas, número de relações sexuais, traumas durante a relação, compartilhar de utensílios de higiene pessoal, renda per capita, etc.
A transmissão sexual veiculada pelas secreções sexuais nas doenças virais sugere que existe um potencial maior de transmissão
no sentido homem-mulher. Certamente, traumas na mucosa durante o intercurso sexual aumentam os riscos da transmissão,
assim como altos níveis de viremia e a presença da partícula viral no sêmen.(5)
No Brasil, existem poucos relatos sobre a transmissão sexual do HCV e podemos citar Tengan FM et al. 2001, onde foram
avaliados 154 doadores de sangue e seus parceiros sexuais. Nesta população, 11,76% dos parceiros foram considerados, atualmente
ou previamente, infectados pelo HCV, sugerindo que a prevalência da infecção entre estes casais poderia ser atribuída, pelo menos em
parte, à transmissão sexual. Outro trabalho de Cavalheiro NP, 2004, agora com observações epidemiológicas respaldadas por análises
de cunho virológico, PCR-HCV, genotipagem e análise filogenética do HCV, mostrou ao avaliar 24 casais, ambos com diagnóstico de
infecção pelo HCV, que 22 deles apresentaram alta similaridade dentre suas cadeias genômicas, média de 98,3%. Os resultados
sugerem que alta similaridade encontrada entre as cadeias genômicas do HCV pode dar suporte a hipótese de transmissão do HCV
entre esses casais. Porém, os altos índices de compartilhamento de utensílios de higiene pessoal (lâmina de barbear, escova de dente,
cortador de unhas e alicate de manicure) relatados dificultaram a interpretação dos dados em relação à transmissão sexual do HCV. A
hipótese do sentido mais provável de transmissão do HCV, de homem para mulher, foi reforçada nas conclusões deste trabalho.(6,7)
Recomendações
Segundo o CDC (Centro de Controle de Controle de Doenças americano), para parceiros sexuais estáveis, heterossexuais
monogâmicos, não seriam necessárias alterações em seus hábitos e o uso de barreira de proteção (condom) deve ser discutido
entre os parceiros.(8)
O compartilhar de utensílios de higiene pessoal merece destaque. O questionamento isolado, do marido separadamente da
esposa, mostrou que se um deles tem o cuidado de não compartilhar seus utensílios para evitar os riscos de transmissão, não
necessariamente o seu par assume a mesma postura. Sendo crucial expor os riscos para o casal em uma única entrevista.(7)
Para pacientes HCV positivo, não se pode, até o presente, distinguir claramente entre os que têm potencial de transmitir o HCV
por via sexual ou não. Também, para relações de longa duração onde o caso índex claramente apresenta uma baixa viremia e cônjuge
discordante, não se pode afirmar que a infecção não será transmitida no futuro.(9)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Alter MJ, Coleman PJ, Alexander WJ, Kramer E, Miller JK, Mandel E, Hadler SC, Margolis HS. Importance of heterosexual activity in the transmission of
hepatitis B and non-A, non-B hepatitis. JAMA 1989;262:1201-15.
2. Memon MI, Memon MA. Hepatitis C: an epidemiological review. J Viral Hepat 2002;9:84-100.
9
3. Zylberberg H, Thiers V, Lagorce D, Squadrito G, Leone F, Berthelot P, Brechot C, Pol S. Epidemiological and virological analysis of couples infected with
hepatitis C virus. GUT 1999;45:112-6.
4. Flamm SL. Chronic hepatitis C virus infection. JAMA 2003;289:2413-7.
5. Cassuto NG, Sifer C, Feldmann G, Bouret D, Moret F, Benifla JL et al. A modified RT-PCR technique to screen for viral RNA in the semen of hepatitis C
virus-positive men. Hum Reprod 2002;17:3153-6.
6. Tengan FM, Eluf-Neto J, Cavalheiro NP, Barone AA. Sexual transmission of hepatitis C virus. Rev Inst Med Trop São Paulo 2001;43:133-7.
7. Cavalheiro NP, Hepatite C: transmissão entre casais. Tese Doutorado. Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. Departamento de Moléstias
Infecciosas e Parasitárias. 2004.
8. Recommendations for Prevention and Control of Hepatitis C Virus (HCV) Infection and HCV-Related Chronic Disease. MMWR October 15,
1998;47(RR19):1-39. http://www.cdc.gov/MMWR/preview/mmwhtm/00055154.htm
9. Rooney G, Gilson RJ. Sexual transmission of hepatitis C virus infection. Sex Transm Infect 1998;74:399-404.
HEPATITE C E GESTAÇÃO
Orlando Jorge Gomes da Conceição e Roberto Focaccia
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Em diversos estudos publicados tem sido relatada positividade de anti-VHC em gestantes variando entre 0,7% a 4,4%.(1-6)
Esta prevalência variável do VHC em gestantes reflete a heterogeneidade dessa população,(7) existindo a necessidade de investigar
a presença de fatores epidemiológicos de risco, como antecedente de transfusão sangüínea ou uso de drogas injetáveis.
Os dados até o momento indicam que a história natural da hepatite C adquirida durante a gestação não é diferente daquela
quando adquirida fora do período gestacional. No entanto, existem indícios de que o curso clínico da doença pode ser mais
brando durante a gestação.(6)
A infecção pelo VHC, aguda ou crônica, durante a gravidez, não parece aumentar o risco de anormalidades fetais e de
complicações perinatais, quando comparado com as mulheres não infectadas.(8)
A proporção de transmissão vertical do VHC apresenta percentuais que variam entre 4% a 7%.(5,6,9) Nos diversos estudos
realizados não foram encontradas evidências para a contra-indicação de parto vaginal ou aleitamento materno em relação a
gestantes portadoras de hepatite C (9,10), a menos que o mamilo apresente inflamação ou soluçnao de continuidade da pele.
A realização de triagem sorológica para a hepatite C no pré-natal de todas as gestantes pode ser indicada no sentido de
permitir o diagnóstico precoce de casos com orientação adequada a essas pacientes. Em muitos casos o pré-natal pode ser a
única oportunidade de identificar uma mulher portadora permitindo sua orientação e avaliação para tratamento. As drogas
utilizadas atualmente para tratamento da hepatite C são contra-indicadas durante a gravidez. Também não existe nenhuma
forma eficaz de realizar profilaxia para reduzir o risco de transmissão vertical.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Marcellin P et al. Prevalence of hepatitis C virus infection in asymptomatic anti-HIV1 negative pregnant women and their children. Dig Dis Sci
1993;38(12):2151-5.
2. Marranconi F et al. Prevalence of anti-HCV and risk factors for hepatitis C virus infection in healthy pregnant women. Infection 1994;22(5):333-7.
3. Leikin EL et al. Epidemiologic predictors of hepatitis C virus infection in pregnant women. Obstet Gynecol 1994;84(4):529-34.
4. Hillemanns P et al. Prevalence and follow-up of hepatitis C virus infection in pregnancy. Z Geburtshilfe Neonatol 1998;202(3):127-30.
5. Resti M et al. Mother to child transmission of hepatitis C virus: prospective study of risk factors and timing of infection in children born to women
seronegative for HIV-1. Tuscany Study Group on Hepatitis C Virus Infection. BMJ 1998;317(7156):437-41.
6. Conte D et al. Prevalence and clinical course of chronic hepatitis C virus (HCV) infection and rate of HCV vertical transmission in a cohort of 15,250
pregnant women. Hepatology 2000;31(3):751-5.
7. Yeung LT, SM King, Roberts EA. Mother-to-infant transmission of hepatitis C virus. Hepatology 2001;34(2):223-9.
8. Lima MPJS. Hepatite C e gravidez. In: Focaccia R (ed). Tratado de hepatites Virais. Rio de Janeiro: Atheneu 2002;253-8.
9. NIH Consensus statement on management of Hepatitis C. NIH Consens State Sci Statements 2002 Jun 10-12;19(3):1-46.
10. Roberts EA, Yeung L. Maternal-infant transmission of hepatitis C infection. Hepatology 2002;36(Suppl): S106-S113.
ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO: VACINAS E IMUNOGLOBULINAS
Rinaldo Focaccia e Roberto Focaccia
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
A tentativa de elaborar uma vacina eficaz contra a hepatite C é um desafio tão antigo quanto o conhecimento do VHC. Vários
obstáculos são interpostos ao seu desenvolvimento. Primeiro, o VHC apresenta grande heterogeneidade, com seis genótipos e mais de
50 subtipos. Isso torna o desenvolvimento de uma vacina universal muito mais complexo, acrescido do fato de que um mesmo
indivíduo infectado pode apresentar diferentes seqüências genômicas em determinada região (quasiespécies), com freqüentes mutações
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durante o curso da infecção. Segundo, o único modelo animal confiável para a infecção pelo VHC são os chimpanzés, o que torna os
estudos experimentais de difícil realização e alto custo. Por fim, o conhecimento atual ainda é restrito em relação ao tipo de resposta
imune do hospedeiro capaz de eliminar o vírus.(1)
As glicoproteínas do envelope do vírus (E1 e E2) são os principais componentes antigênicos na superfície do VHC, principalmente
a E2, alvo promissor para indução de anticorpos neutralizantes. Até o momento, não existe uma vacina eficaz para uso em
humanos. Uma atenuação do VHC para a produção de vacina de vírus vivo atenuado ainda não foi conseguida com sucesso;
entretanto, vários avanços promissores têm ocorrido. Nos últimos anos desenvolveram-se estudos de vacinas contra o VHC baseados
em biologia molecular, como proteínas recombinantes, peptídeos, DNA plasmidial e vírus defectivos recombinantes.(2-6) O princípio
destes novos tipos de vacinas envolve o conceito de que um ou vários genes de um antígeno de interesse podem ser incorporados
ao genoma de um organismo não patogênico para transmissão e amplificação de imunógenos. O desenvolvimento de uma vacina
eficaz contra o VHC parece necessitar de um produto capaz de gerar tanto a produção de anticorpos antienvelope de forma intensa
e duradoura, como uma resposta imune celular multiespecífica, dependente de linfócitos T helper e citotóxicos.
A imunização passiva tem sido bem-sucedida na prevenção da hepatite A e B, mas a eficácia de imunoglobulinas anti-VHC
ainda não foi claramente reconhecida.
A produção de imunoglobulinas específicas contra o VHC poderia ter relevância em situações como a profilaxia pósexposição ao VHC, prevenção de reinfecção pós-transplante de fígado e na transmissão vertical do vírus.
Estudos com imunoglobulinas específicas contra o VHC em chimpanzés sugerem que estes anticorpos podem prevenir a
infecção aguda do VHC e talvez tenham benefício quando administrados na fase crônica da doença.(7,8) Embora ainda com
dados preliminares, já existe estudo FASE I/II em humanos avaliando segurança e farmacocinética de imunoglobulina contra o
VHC na prevenção de reinfecção do VHC em transplantes de fígado em pacientes com hepatite C crônica.(9)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lechman, M and Liang TJ. Vaccine development for hepatitis C. Seminar Liver Dis 2000;20:211-226.
2. Hu GL, Wang RY, Han DS et al. Characterization of humoral and cellular immune responses againt hepatitis C virus core induced by DNA-based immunization.
Vaccine 1999;17:3160-3170.
3. Forns X, Payette PJ, Ma XY et al. DNA immunization of macaques and chimpanzees with plasmids encoding hepatitis c virus (HCV) envelope E2 protein.
Hepatology 1999;30:769.
4. Bruna-romero O, Lasarte JJ, Wilkinson G et al. Induction of cytotoxic T-cell response against hapatitis C virus structural antigens using a defective
recombinant adenovirus. Hepatology 1997;25:479-477.
5. Hiranuma K, Tamaki S, Nishimura Y et al. Helter t cell deterinant peptide contributes to induction of cellular immune response by peptide vaccines against
hepatitis C virus. J Gen Virol 1999;80:187-193.
6. Shang D, Zhai W, Allain et al. Broadly cross-reactive, high-affinity antibody to hypervariable region 1 of the hepatitis C virus in rabbits. Virology 1999;258:396-405.
7. Krawczynski K, Alter MJ, Tankersley DL et al. Effect of immune globulin on the prevention of experimental hepatitis C virus infection. J Infect Dis 1996;173:822-28.
8. Krawczynski K, Fatton A, Culver D et al. Passive transfer of anti-HCV in chronic and acute HCV infection in chimpanzees. Hepatology 1999;30:423A.
9. Davis LD. New approaches and therapeutic modalities for the prevention and treatment of recurrent HCV after liver transplantation. Liver Transplantation
2003;9(3):114-119.
RESPOSTA IMUNE AO VÍRUS DA HEPATITE C E
CARACTERÍSTICAS GENÉTICAS DETERMINANTES
Ana Teresa Rodriguez Viso
LIM 47 - FMUSP
O vírus da hepatite C (VHC) é um vírus pequeno (aproximadamente 50 nm), envelopado que pertence à família Flaviviridae.(23)
Seu genoma é constituído por uma molécula de RNA de polaridade positiva que contém aproximadamente 9.500 nucleotídeos que
codificam as informações para a replicação viral.(28) A cadeia de RNA é composta por duas regiões terminais altamente conservadas
e não codificadoras (UTR) 5’ e 3’ e entre estas, uma única fase de leitura aberta (ORF do inglês open reading frame) que codifica uma
poliproteína com cerca de 3.000 aminoácidos, dependendo do genótipo do VHC. Esta poliproteína é clivada, no pólo N-terminal, em
três proteínas estruturais, o nucleocapsídeo (core), envelope um (E1) e envelope dois (E2) envolvidas na organização arquitetural do
VHC. No pólo carboxi-terminal a poliproteína é clivada em seis proteínas não-estruturais, NS2, NS3, NS4a, NS4b, NS5a e NS5b,
responsáveis pelo ciclo biológico do vírus.(28) Analisando-se o genoma do VHC, verifica-se grande heterogeneidade de apresentações
denominadas quasiespécies. A seleção e a adaptação ao hospedeiro deram origem aos distintos genótipos do VHC, cuja classificação
foi proposta por Simmonds e cols.(45), baseando-se na similaridade da seqüência de nucleotídeos. Desta forma, a similaridade menor
do que 72% caracteriza um novo tipo e entre 75% e 86% dá origem a um subtipo. Existem seis tipos de genótipos, numerados de 1 a
6, com os subtipos 1a, 1b, 1c, 2a, 2b, 2c, 3a, 3b, 4a, 5a e 6a que apresentam diferentes prevalências no mundo.(53)
A hepatite C apresenta várias rotas de progressão e, em geral, tem curso lento e progressivo. Aproximadamente 15% dos
indivíduos infectados pelo VHC eliminam o vírus espontaneamente, 25% têm doença assintomática com aminotransferases
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persistentemente normais e lesões histológicas leves, enquanto 60% evoluirão para hepatite C crônica progressiva.(26) Além
disto, cerca de 20% dos pacientes com hepatite C crônica evoluem para cirrose em dez ou 20 anos e podem evoluir para óbito
em decorrência das complicações da cirrose ou hepatocarcinoma.(26) Os mecanismos através dos quais VHC causa lesão
hepatocelular aguda e dá início à seqüência de eventos que levam à doença hepática crônica, evoluem para cirrose e carcinoma
hepatocelular ainda não são bem conhecidos.(10)
Podemos dizer que a história natural da hepatite C é determinada pela ação de três pilares:
1. cinética do VHC/lesão citopática do VHC
2. fatores intrínsecos ao hospedeiro e a exposição do hospedeiro a fatores externos
3. interação entre hospedeiro e VHC
1. Lesão Citopática Direta do VHC
Há algumas evidências da lesão citopática causada pelo VHC, ainda controversas. Quando foi descrita, pensava-se que a
hepatite C só tinha efeito citopático direto, à semelhança dos outros flavivírus.(29) A observação de lesões histológicas com
infiltrado inflamatório escasso causadas pelo VHC sugeria um efeito citopático direto, como a dos outros patógenos da família
Flaviviridae.(1) Em nosso meio, Barone e cols.(4) demonstraram importante participação da lesão citopática direta na doença
causada pelo VHC. Outros estudos sugeriam até que determinados genótipos, como o 1b, poderiam ser mais citopáticos que
outros.(12) Sabe-se que a esteatose é um co-fator que influencia na progressão da fibrose na hepatite C crônica e diversos
estudos associam diretamente a esteatose ao genótipo 3 do VHC.(43,50) Kumar e cols.(22) identificaram a redução da esteatose
como única variável preditora de resposta virológica ao tratamento da hepatite C crônica em genótipo 3. Devido a implicação
da esteatose na evolução da fibrose, o genótipo 3 tem sido apontado como citopático.(22)
Em revisão da literatura, Einav e Koziel(13) constataram maior prevalência de VHC crônica em imunodeprimidos como
pacientes com hipogamaglobulina (21%), co-infecção HIV (73%), transplantados de medula (45%), rins (29%) e fígado (mais
de 95%). Além disto, estes pacientes apresentavam maiores viremias dos que os imunocompetentes e a doença era mais severa
e rapidamente progressiva.
Apesar de maior viremia VHC em imunodeprimidos, sabe-se que esta não se relaciona com lesão histológica, o que fala
contra a hipótese de lesão citopática direta.(13) Além disto, a presença de viremia no soro de pacientes com VHC assintomáticos
é argumento contrário ao efeito citopático direto do vírus.
2. Fatores do Hospedeiro que Alteram a História Natural da Hepatite C Crônica
Diversos fatores do hospedeiro têm sido implicados na manutenção e progressão da hepatite C. Os fatores intrínsecos relacionados
são o gênero masculino, a idade acima de 40 anos, a raça negra e algumas alterações HLA. Os fatores extrínsecos são o uso
abusivo de álcool, o tabagismo, o uso de drogas injetáveis (UDI) e a co-infecção com HIV.
Sabe-se que a taxa de progressão da fibrose define a história natural da hepatite C, pois, em última análise, a progressão da fibrose
leva a distorção da arquitetura hepática e a cirrose.(26) Poynard e cols.(39) identificaram fatores relacionados com taxa de progressão da
fibrose na hepatite C crônica como o gênero masculino, a aquisição da infecção pelo HCV após os 40 anos de idade e o consumo de
50 g álcool ou mais diariamente e duração da infecção. Além disto, a duração da infecção e a co-infecção com HIV também foram
relacionados à progressão da fibrose na hepatite C crônica.(49)
Além do uso abusivo de álcool(32) e da co-infecção com HIV citados, outros fatores externos podem influenciar curso da
hepatite C no indivíduo infectado, como a aquisição do vírus por drogas injetáveis e o tabagismo. Este último foi relacionado
com o grau de fibrose e atividade inflamatória.(37)
Os dados demográficos como idade, gênero e raça/etnia têm sido discutidos em nosso meio, mas o como eles atuam ainda
é desconhecido.
Recentes estudos têm apontado que a raça ou etnia do hospedeiro podem contribuir na evolução da infecção pelo VHC.
Descendentes afro-americanos (AA) têm pior evolução da hepatite C, com maior propensão a cronicidade, resistência ao
tratamento e desenvolvimento de hepatocarcinoma do que os descendentes caucasiano-americanos (CA)(14,40). De acordo
com o Censo 2000 dos EUA, a prevalência da infecção do anticorpo do VHC é significativamente maior em populações AA
(3,2%) do que populações hispânicas (2,1%), que foi maior do que em CA (1,5%), sendo que a mais alta prevalência foi
observada em AA do gênero masculino entre 40 e 49 anos.(15) Além disto, a prevalência de viremia detectável foi maior em
AA, do que em americanos descendentes de mexicanos, do que em CA nesta ordem. Analisando ainda populações dos EUA,
a taxa de infecção pelo genótipo 1 foi significantemente maior em AA que nos outros grupos, sem diferença nos riscos de
aquisição dos grupos pesquisados. Analisando 99 indivíduos cronicamente infectados e 31 que tiveram eliminação espontânea
do VHC(46), evidenciaram que a etnia AA está associada a uma resposta LTCD4+ mais vigorosa que CA, ou seja, predomínio
da resposta Th2 e manutenção da infecção.
As diferenças na evolução da hepatite C nas diferentes etnias poderiam ser devidas a fatores genéticos, como HLA classeII que poderiam definir a eliminação espontânea do VHC.(2)
A suscetibilidade genética é um importante fator no desenvolvimento de uma doença, desde o reconhecimento e apresentação
do antígeno até o tipo de resposta Th à infecção pelo VHC.(48) Estudos apontam que a resposta a polipeptídeos do core, NS4 e
12
NS5 parecem ser maiores em indivíduos que eliminaram o VHC espontaneamente e em respondedores ao tratamento com
interferon. Outros correlacionam a resposta T específica contra os peptídeos da região NS3 a eliminação espontânea do VHC.(50)
Alguns alelos de MHC-II, como o DR5, têm sido relacionados com menor incidência de cirrose em indivíduos cronicamente
infectados pelo VHC.(48) Rehermann e cols.(41) reconheceram LTC restritos a HLA-A2 em 97% de pacientes cronicamente
infectados pelo VHC, em contraste a 2% de controles negativos para anti-VHC.
É possível que algumas citocinas pró-inflamatórias possam estar associadas à resposta à infecção viral, bem como à expressão
de determinados haplótipos.(48)
A identificação de fatores genéticos pode predizer a evolução da hepatite C, além de introduzir novos conceitos à terapia,
como a genética e o desenvolvimento de vacinas contra o VHC.
3. Resposta Imune ao VHC
Várias pesquisas evidenciam uma provável patogênese imunomediada, já que parte dos portadores do VHC não desenvolve
doença.(34) e alguns autores aceitam apenas o mecanismo imunomediado como responsável na lesão pelo VHC.(5,6)
3.1 Resposta inata
A primeira linha de defesa contra qualquer agente viral é feita pela resposta inata, de forma inespecífica. Essa resposta é
mediada por proteínas séricas e receptores de superfície em diversas células, capazes de interagir de forma imediata a agentes
invasores como microorganismos ou substâncias estranhas. As infecções virais agudas são debeladas pela ação do interferon
tipo I (INF-I) ou das células NK (Natural killer), que são secretadas pela ativação celular.(42) A maioria das células infectadas
reconhece a cadeia de RNA viral do VHC e responde com a produção de (INF-I) ␣ e ␤.(31-47) O INF-I tem várias ações antivirais
como a expressão de proteínas do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) que facilitam o reconhecimento de antígenos
virais pelo sistema imune, ativação de células (macrófagos e células natural killer) com habilidade de destruir células infectadas
e inibir diretamente a replicação viral.(47) Dados preliminares de células dendríticas em pacientes com hepatite C crônica
mostraram uma diminuição da capacidade de ativar células NK em resposta ao estímulo do INF-␣, sugerindo que esta diminuição
pode afetar a resposta ao INF-␣ na fase aguda da infecção.(18)
Estudos em LB humanos demonstraram que para a entrada na célula-alvo, o VHC se liga à molécula de superfície CD81
(molécula tetraplasmina) presente na superfície dos hepatócitos e linfócitos, após ser reconhecida pela proteína do envelope E2.(38)
A ligação dessa glicoproteína ao CD81 pode inibir as funções da célula NK bem como sua produção de INF-␥ após sua ativação.(36)
O INF-I induz a síntese de diversas proteínas que têm propriedades antivirais, como a PKR (Proteína Kinase), a 2’,5’oligoadenilato sintetase (2-5OAS) e a proteína Mx. O INF se liga ao receptor de INF (IFNR) na superfície da célula parasitada
e ativa a Janus kinase (JAK), que induz a fosforilação das proteínas do citoplasma chamadas STATs, 1 e 2 (Signal Transducer
of Activated Transcription). As STATs formam um dímero que se dirige ao núcleo da célula onde forma um complexo com a
proteína p48, chamado fator de estimulação de genes ISGF3 (INF Stimulated Gene Factor 3). Esse complexo se liga ao ISRE,
que é um promotor de RNA e há produção de RNAm e estímulo dos genes responsáveis pela produção das proteínas resposta
antiviral e do MHC.(47)
Diversas proteínas virais têm mostrado capacidade de escapar à ação do interferon e a alta taxa de resistência ao tratamento
da hepatite C com INF␣ é um exemplo disto.(47) (Tai e Katzel, 2001). Na hepatite C ocorrem múltiplas mutações no ISDR
(região que determina a sensibilidade ao INF), modificando a região NS5A, que inibe a fosforilação do PKR, impedindo sua
ação antiviral (Tai e Katzel, 2001).
A região E2 do VHC contém uma seqüência de oito aminoácidos idênticos ao do PKR, quatro dos quais são sítios de
autofosforilação do PKR. Ao lado dessa região, E2 contém outra seqüência de aminoácidos idênticos ao sítio de fosforilação do
elIF2␣ (que inibe a translação). Essa região é conhecida como PKR-eIF2␣ (phosphorylation homology domain). Essa seqüência
do VHC é mais freqüente no genótipo 1 do que nos 2 e 3 do VHC, sendo uma provável causa de sua maior resistência ao
tratamento com INF.(47)
À semelhança do PKR, estudos sugerem que mutações na seqüência ISDR do NS5A suprimem a ação antiviral da 2-5OAS.
Esta constatação foi feita após evidenciar diminuição dos níveis dessa proteína no sangue de indivíduos não-respondedores ao
tratamento com INF.(47)
Analisando os níveis séricos da proteína MxA em células mononucleares verificou-se que estavam elevados em pacientes
respondedores ao tratamento com INF, o que não ocorreu em não-respondedores. Desta forma, podemos inferir que a proteína
MxA pode ser um preditor de resposta ao tratamento com INF.(47)
Além das alterações descritas, alguns indivíduos têm alterações genéticas nas STATs e/ou na JAK, o que impediria a
formação das proteínas antivirais (Tai e Katzel, 2001). Alterações genéticas em algumas citocinas como em determinados
haplótipos da IL10 podem ser preditores de uma eliminação espontânea do VHC(24); entretanto, há divergências na literatura
onde outros autores não evidenciam que essa citocina pode predizer a resposta ao tratamento com interferon.(7)
Especula-se que a apresentação de antígenos pelo MHC-II seja defeituosa em células infectadas pelo VHC, pois algumas proteínas
virais inibiriam a apresentação do antígeno através da imunorregulação negativa induzida pelo INF.(47)
Além das ações antivirais citadas, o INF-I estimula a enzima óxido nítrico sintetase (NOS) que retira óxido nítrico (NO) da
13
arginina. Esse óxido nítrico inibe a replicação de vírus em macrófagos de ratos, tem efeito citotóxico e participa da patogênese de
doenças inflamatórias e auto-imunes.(44) A enzima NOS é expressa em hepatócitos e macrófagos como isoforma (iNOS), produzindo
grandes quantidades de NO em resposta a citocinas como o IFN-␥. Pacientes com VHC tratados com INF têm maiores níveis de
iNOS que se correlacionam com diminuição dos níveis séricos de alanina aminotransferases. Além disto, a expressão hepática de
iNOS tem forte correlação com os níveis hepáticos de HCV RNA e uma fraca correlação com a expressão de IFN-␥.(47)
3.2 Resposta humoral
O VHC tem habilidade de evadir a resposta imune inata incluindo a resposta imune e atividade antiviral dos interferons.
Após a infecção pelo VHC, há produção de altos títulos de anticorpos anti-VHC contra múltiplos epitopos virais que são
insuficientes para debelar a permanência do vírus.(47)
A expressão da região hipervariável NS1/E2 do envelope do VHC na superfície do vírus estimula os LB para produção de
anticorpos neutralizantes contra o VHC. O vírus sofre pressão seletiva do hospedeiro, o que estimulará a elevada variação
nucleotídica e o aparecimento de mutações das proteínas do envelope, resultando no escape aos anticorpos neutralizantes e,
conseqüentemente, a cronicidade da doença. As diferentes mutações dão origem as quasiespécies do VHC que circulam como
uma mistura de variantes imunológicas, sendo que qualquer uma delas pode passar a cepa dominante quando as outras cepas
coexistentes são controladas pelo sistema imune.(23) A alta taxa de mutação do VHC cria oportunidade de seleção de variantes
genômicas, o que confere vantagem ou elimina o sítio de reconhecimento da resposta imune.(6) A ação dos anticorpos neutralizantes
no controle da infecção do VHC ou sua persistência permanece incerta.(36)
3.3 Resposta celular
A imunidade celular mediada por linfócitos T (LT) é um dos principais mecanismos de lesão hepática e de fundamental
importância nas doenças virais e auto-imunes.(27) Estudos demonstraram que a infiltração de células mononucleares, incluindo
LT e células NK no parênquima hepático causam destruição dos hepatócitos por apoptose, levando a necrose em saca-bocado.
Nessa teoria, há uma reação imunomediada que leva a liberação de citocinas que estimula a síntese de colágeno pelos fibroblastos
e formação de fibrose na hepatite crônica em atividade.(21) Além disso, a apoptose dos hepatócitos resulta em corpos apoptóticos
que são fagocitados por células estreladas que estimulam a expressão de TGF␤ e colágeno, levando a fibrose hepática.(52)
Importante destacar que a resposta T observada em sangue periférico difere do que ocorre no fígado, como também sugerem
outros estudos, a chamada “compartimentalização” da resposta inflamatória que ocorre na hepatite C crônica.(30) A presença de
agregados linfóides intra-portais associados a doença hepática grave fala a favor de reação imune. Os folículos linfóides de pacientes
com hepatite C crônica apresentam centro germinativo com LB ativados, células dendríticas (APCs), LT CD4+ e CD8+ ativados.(17)
As células dendríticas têm importante papel na apresentação de antígenos, migração aos tecidos linfóides, co-estimulação
de moléculas e produção de citocinas que ativam e atraem os LT. Algumas pesquisas têm evidenciado que epítopos do VHC
alteram a habilidade de apresentação de antígeno das células dendríticas aos LTCD4+.(3,16)
Estudos demonstraram que a infiltração de células mononucleares, incluindo LT e células NK no parênquima hepático causam
destruição dos hepatócitos por apoptose, levando a necrose em saca-bocado. Nessa teoria, há uma reação imunomediada que leva a
liberação de citocinas que estimula a síntese de colágeno pelos fibroblastos e formação de fibrose na hepatite crônica em atividade.(21)
Diversas pesquisas apontam a resposta específica ao VHC restrita a MHC classe I, através de LTCD8+ contribuem para
eliminação viral bem como o desenvolvimento de doença hepática na infecção pelo VHC.(10) Embora a resposta celular citotóxica
mediada por LTCD8+ tenha, inicialmente o objetivo de eliminar a infecção viral do organismo, sua execução defeituosa é um
dos responsáveis pela cronificação da hepatite C.(36)
Além dos LTCD8+, os LTCD4+ também podem estar envolvidos na lesão viral, mediados pelo aumento da expressão do
MHC classe II. Os LTCD4+ ativados são essenciais para a montagem de uma resposta imune duradoura. Essas células liberam
citocinas que contribuem para o dano tecidual hepático. Há algumas evidências de que os LTCD4+ poderiam ser diretamente
citotóxicos, tal como os LTCD8+.(27) Monsier e cols.(33), encontraram aumento de LTCD4+ no trato portal estudando 31
pacientes com hepatite C crônica, além de significante correlação entre LTCD3+, LTCD8+ e viremia. Carucci et al.,(8) estudando
hepatite C recorrente após transplante, evidenciam que o principal componente do infiltrado inflamatório é o CD4+ e que a
perda da reatividade especifica do CD4 ao VHC está associada à persistência do vírus e progressão do dano ao fígado. Discutese a possibilidade de que a resposta mediada pelos LTCD4+ pode ser prejudicada pela infecção do VHC nas células dendríticas.(36)
Alguns estudos evidenciaram que a resposta Th1 é exacerbada na infecção crônica por VHC,(11,20) enquanto a Th2 é inibida
devido ao aumento de IL2, INF␥. (19) paralelamente a diminuição de IL10 no tecido hepático.(35) Por outro lado, pesquisas
deixam dúvida quanto à polarização da resposta Th, pois apresentam tanto aumento de IL1, INF␥ como IL4 e IL10 no soro.(9)
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O ÁLCOOL E A HEMOCROMATOSE COMO CO-FATORES DE RISCO
NA PATOGENIA DA HVC CRÔNICA
Umbeliana Barbosa Oliveira e Roberto Focaccia
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
1. Álcool
O álcool pode exacerbar a infecção e o dano hepático provocado pelo VHC (vírus da hepatite C), levando ao “stress
oxidativo” e promovendo fibrose, acelerando a progressão da doença para cirrose. Além disso, o álcool pode exacerbar os
efeitos colaterais associados ao tratamento da HVC (hepatite C) crônica e deteriorar a resposta imunológica contra o VHC.
O álcool potencializa a fibrose e os fatores que induzem a evolução para câncer de fígado. O alto consumo de álcool
acentua a capacidade de o VHC entrar e persistir no tecido hepático.
Entretanto, está bem estabelecido que o álcool deteriora a função do sistema imunológico, explicando a capacidade do
VHC persistir no organismo. Esta piora do sistema imunológico pode influenciar na capacidade do vírus persistir no corpo
antes de ser eliminado pelo sistema imune.
Outro mecanismo pelo qual o álcool pode favorecer a progressão da HVC é o stress oxidativo. Trata-se de um desequilíbrio entre
oxidantes e antioxidantes, levando ao dano celular. Este processo está relacionado aos níveis excessivos de moléculas altamente reativas
chamadas radicais livres nas células, ou a uma falta de moléculas chamadas antioxidantes que poderiam eliminar tais radicais livres.
Vários estudos têm mostrado que através de mecanismos ainda desconhecidos a infecção pelo VHC por si mesma pode
desencadear o stress oxidativo, o qual contribuiria com a capacidade do VHC permanecer no organismo.
A infecção pelo VHC leva a uma reação inflamatória hepática. Este processo é causado pelo ataque do vírus às células hepáticas
e pelos mecanismos de defesa que são deflagrados por esta agressão. Parece que o álcool potencializa esta reação inflamatória.
2. Hemocromatose
O distúrbio de absorção de ferro leva ao aumento de risco de desenvolvimento de doenças como cirrose, hepatocarcinoma,
cardiopatias e diabetes mellitus, devido ao acúmulo de ferro nos tecidos dos órgãos envolvidos. A sobrecarga de ferro ocorre na
idade adulta, associada a maior demanda e menor perda de ferro nesta fase da vida.
É comum os pacientes com HVC crônica apresentarem discreta a moderada sobrecarga de ferro. Acima de 30%-40%
desses pacientes podem apresentar elevação dos níveis séricos de saturação de transferrina e ferritina ou aumento da concentração
hepática de ferro, principalmente nos pacientes em estágio avançado de HVC crônica.
Muitos fatores estão associados ao aumento de ferro no tecido hepático. Geralmente os eventos necroinflamatórios devido
ao curso da infecção viral podem contribuir para o acúmulo de ferro sérico e tecidual. Por outro lado, existe a possibilidade de
que a infecção viral “per se” possa modificar o transporte e metabolismo de ferro nas células hepáticas, diretamente ou através
da resposta imunológica do hospedeiro.
Neste contexto, a predisposição genética de cada indivíduo para modificar apropriadamente o transporte de ferro, pode ser
crucial, afetando a distribuição de ferro no fígado e, possivelmente, determinando a evolução da infecção. Além disso, a
redistribuição de ferro aos macrófagos, uma típica resposta imunológica à invasão de vírus e outros agentes, pode subtrair o
ferro para a replicação viral, permitindo aos macrófagos uma resposta imunológica efetiva e produção de citocinas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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16
MANIFESTAÇÕES EXTRA-HEPÁTICAS DO VÍRUS DA HEPATITE C
Aline Gonzales Vigani, Maria Helena Postal Pavan e Marcelo Nardi Pedro
Unicamp
A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) está associada com numerosas manifestações extra-hepáticas, como
crioglobulinemia mista essencial (CME), glomerulonefrite membranoproliferativa, porfiria cutânea tarda, tireoidite auto-imune,
doenças linfoproliferativas, síndrome de Sjögren e líquen plano. Estas amplas manifestações baseiam-se em mecanismos
linfoproliferativos e/ou auto-imunes.
1. Crioglobulinemia mista essencial
A CME é uma doença multissistêmica caracterizada pela deposição de complexos imunes circulantes crioprecipitáveis (precipitação
em temperaturas abaixo de 37°C e redissolução com o aquecimento) em vasos de pequeno e médio calibres. A crioglobulinemia pode
ser categorizada de acordo com a composição clonal das imunoglobulinas em: tipo I (exclusivamente monoclonal, sem atividade de
fator reumatóide), tipo II (IgM monoclonal e IgG policlonal) e tipo III (policlonal somente). Os tipos II e III são chamadas de
crioglobulinemias mistas e, frequentemente, mostram atividade do fator reumatóide. Crioglobulinemia tipo I está associada com
desordens linfoproliferativas. Os tipos I e II podem ou não estar associadas a outras patologias como doenças auto-imunes, doença
hepática crônica ou infecções virais como infecção pelo vírus Epstein Barr. Pela alta freqüência de associação entre crioglobulinemia
e anormalidades hepatocelulares foi postulado que vírus hepatotrópicos podem estar envolvidos na patogênese da doença.(7)
A relação entre crioglobulinemia mista e infecção pelo VHC já foi demonstrada anteriormente. A prevalência de CME em
pacientes com infecção pelo VHC varia de 36% a 54%.(14) Lunel e cols. encontraram prevalência de 54% em 127 pacientes com
hepatite C e de somente 4% em pacientes sem infecção. Aproximadamente um terço dos pacientes com hepatite C apresentava
crioglobulinemia tipo II e dois terços tipo III.(4) É possível detectar-se o RNA-VHC em 81% a 91% dos pacientes com CME.(1-3)
Os mecanismos através dos quais o VHC promove a formação de crioglobulinas permanece desconhecido. A persistência
do VHC em células do sistema imunológico e/ ou estimulação crônica da resposta imune podem fazer parte deste mecanismo
fisiopatológico. Fatores genéticos, como o HLA, podem também estar envolvidos na patogênese da crioglobulinemia. Liakina
e cols. relataram presença de crioglobulinemia em pacientes com infecção crônica pelo VHC, e esta foi duas vezes mais
freqüente em pacientes com cirrose hepática.(10) Especula-se que este achado deva-se à indução de crioglobulinemia pela cirrose
hepática per se. O mecanismo proposto baseia-se no decréscimo da perfusão hepática e nas alterações nas células de Kupffer
associadas com a cirrose hepática, acarretando retardo na eliminação de complexos imunes circulantes. Estes achados sugerem
correlação entre a lesão hepática induzida pelo VHC e crioglobulinemia.
A maioria dos pacientes com crioglobulinemia é assintomática. Em pacientes sintomáticos (13% a 30%) o quadro clínico
pode variar de uma vasculite leve: fenômeno de Raynaud (20%-50%), e a tríade clássica: artralgia, fraqueza e púrpura, a uma
vasculite grave: neuropatia periférica (15%-25%), glomerulonefrite membranoproliferativa (30%-50%) e vasculite sistêmica
(8%).(2,10) O diagnóstico é baseado em quadro clínico compatível e um teste sérico positivo para crioglobulinas.
A terapia antiviral com interferon (IFN) alfa é efetiva no tratamento dessa patologia quando associada à infecção pelo VHC.
Ensaios controlados demonstraram eficácia no tratamento de CME. Misiani e cols. relataram, em pacientes com CME e infecção
crônica pelos VHC tratados com IFN monoterapia, melhora estatisticamente significativa na vasculite cutânea, IgM e
crioglobulinas naqueles com níveis indetectáveis de RNA VHC quando comparado a pacientes controles não tratados. Contudo,
todos os pacientes evoluíram com recaída virológica após descontinuação do IFN seguida por exacerbação ou recorrência dos
sintomas associados à crioglobulinemia.(6)
Em outro ensaio controlado, todos os 20 pacientes que receberam IFN alfa evoluíram com melhora da púrpura e do nível
sérico de crioglobulina, porém ocorreu um rebote dos sintomas após término do tratamento.(5) Um outro estudo que avaliou a
ação do IFN monoterapia em pacientes com infecção crônica pelo VHC, crioglobulinemia e vasculite demonstrou que 62%
destes apresentaram remissão completa da vasculite ao final do tratamento e negativação da viremia, mas remissão a longo
prazo ocorreu em apenas 10% dos casos.(8) Cacoub e cols. revelaram que a freqüência de crioglobulinemia foi cinco vezes
maior em pacientes sem resposta virológica sustentada (RVS) quando comparados com pacientes com RVS.(12)
Terapia combinada de interferon alfa e ribavirina é mais eficaz do que monoterapia com interferon em pacientes
crioglobulinêmicos.(14) Em resumo, a terapia com IFN alfa diminui a viremia e melhora os sinais clínicos da crioglobulinemia
e a taxa de resposta virológica parece não diferir entre pacientes com e sem crioglobulinemia.
Antiinflamatórios não-esteroidais podem ser utilizados para controle das manifestações clínicas mais leves, como artralgias. Mas
devem ser administrados com precaução em pacientes com doença hepática crônica. Corticosteróides em baixa dosagem (0,1-0,3 mg/
kg/dia) também podem ser utilizados para controle de púrpura, fraqueza e artralgia. Dosagens mais altas (0,5 a 1,5 mg/kg/dia) são
utilizadas para quadros mais graves como neuropatia periférica e envolvimento renal. Em virtude do quadro hepático, corticosteróides
devem ser utilizados com precaução, com redução da dose e suspensão sempre que o quadro clínico permitir.
Cabe lembrar que pacientes mesmo sem doença hepática ativa (ALT normal e lesão hepática leve na biópsia hepática) apresentam
17
melhora dos sinais e sintomas crioglobulinêmicos associados quando tratados com IFN alfa e ribavirina devem ser, então, considerados.
Os estudos aqui mencionados sugerem uma forte relação causal entre infecção pelo VHC e desenvolvimento de CME.
Desta forma, recomenda-se que pacientes com CME sejam testados para hepatite C e que sintomas de CME (como artralgia,
fenômeno de Raynaud e púrpura) sejam investigados em pacientes com diagnóstico de infecção crônica pelo VHC.
O nível sérico de crioglobulinas deve ser medido se o paciente apresentar sintomas e/ou sinais de CME.(15) A erradicação do VHC
está associada com o desaparecimento de crioglobulinemia VHC-associada, logo tratamento com IFN alfa convencional ou interferon
peguilado e ribavirina deve ser instituído em pacientes com crioglobulinemia sintomática associada à infecção pelo VHC.
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2. Glomerulonefrites
Existem evidências epidemiológicas que associam a infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) e doença renal.(2) A infecção
pelo VHC é uma causa de glomerulonefrites membranoproliferativas (GNMP), especialmente em países onde a infecção é
altamente prevalente. O vírus está presente em 60% dos pacientes com GNMP no Japão e em 10%-20% nos EUA.(4) Esta
associação é mais evidente em alguns países em desenvolvimento com alta prevalência de infecção pelo VHC, onde
encontramos alta prevalência de GNMP.
A patogênese da doença renal associada com infecção pelo VHC não está completamente compreendida. O principal mecanismo
envolvido parece ser a deposição de complexos imume circulantes no espaço subendotelial e mesângio do glomérulo. Yamabe e
cols. demonstraram a presença do antígeno c22 do VHC em lesões golomerulares de pacientes com GNMP. Este achado foi
corroborado por outros estudos, o que suporta a relação entre o VHC e GNMP.(4)
A forma mais comum de doença renal associada com infecção pelo VHC é glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP)
crioglobulinêmica (54%).(21) Outros tipos incluem: GNMP não-crioglobulinêmica e nefropatia membranosa.(15)
A prevalência da infecção pelo VHC em pacientes com glomerulonefrite e crioglobulinemia varia de 60% a 81%.(6,4) Em
188 pacientes japoneses com infecção pelo VHC e hepatite crônica com predomínio de cirrose, a prevalência de
glomerulonefrite em exames de necropsia foi de 54,4% e o tipo mais comum GNMP.(7) Somente 12,2% desses pacientes
apresentaram manifestações clínicas de glomerulonefrite no ano anterior ao óbito. Estes achados demonstraram a freqüente
associação entre glomerulonefrite e doença hepática avançada.
Em pacientes com hepatite C crônica, envolvimento renal pode ocorrer precocemente e ocasionalmente é sintoma presente
da infecção pelo VHC. No entanto, o diagnóstico de doença renal pode não ser retardado, dada a ausência de manifestações
clínicas.
O paciente com infecção pelo VHC e complicações renais pode apresentar sinais e sintomas de vasculite sistêmica
crioglobulinêmica, proteinúria, hematúria microscópica, insuficiência renal aguda ou síndrome nefrótica. Hipertensão arterial,
geralmente grave e de difícil controle, está presente na maioria dos pacientes no início da doença renal.
A GNMP crioglobulinêmica é comumente diagnosticada entre a quinta e a sexta década de vida e é mais freqüente em
mulheres do que em homens.(15) Sintomas da CME como púrpura, artralgia, neuropatia e dor abdominal secundária a vasculite
mesentérica estão presentes na maioria dos pacientes com GNMP crioglobulinêmica e manifestam-se anos antes do diagnóstico
de doença renal, mas também podem ocorrer simultaneamente.
A manifestação clínica mais freqüente é proteinúria isolada com hematúria microscópica, associada com insuficiência
renal moderada em 50% dos casos.(15) Aproximadamente 25% dos pacientes afetados apresentam síndrome nefrótica, estes
pacientes não têm crioglobulinas circulantes. Nefrite aguda, caracterizada pela rápida deterioração da função renal, proteinúria
em nível nefrótico (proteína > 3 g /24 h) e hematúria está presente no início em 20% a 25% dos pacientes. Esta síndrome
nefrótica aguda é frequentemente concomitante com exacerbações dos sinais sistêmicos da CME e cursa com insuficiência
renal oligúrica, a qual é reversível com o uso de corticosteróides e ciclofosfamida.
18
Muitos pacientes com nefropatia membranosa VHC-associada apresentam-se com síndrome nefrótica, poucos têm proteinúria
isolada em nível não-nefrótico.
O curso da doença renal é variável. Remissão completa ou parcial dos sintomas renais ocorre em aproximadamente um
terço dos pacientes, inclusive naqueles com insuficiência renal aguda ou síndrome nefrótica grave. Em outros 30% dos casos,
a doença renal tem um curso indolente e não progride para insuficiência renal por alguns anos, a despeito de persistentes
anormalidades urinárias e disfunção renal leve. Nos pacientes restantes, múltiplas exacerbações clínicas reversíveis, como
nefrite aguda e síndrome nefrótica, ocorrem durante o curso da doença.(9)
Progressão para insuficiência renal terminal, requerendo diálise, é relativamente rara (cerca de 10% dos casos) mesmo após
muitos anos do início da doença renal. Doença renal terminal desenvolve-se com maior probabilidade em pacientes mais idosos
e naqueles com púrpura recorrente, biópsia renal com marcante infiltração monocítica, alta viremia, proteinúria e nível sérico
elevado de creatinina no momento da apresentação.(16) Óbito nesses pacientes está associado a doença cardiovascular, vasculite
sistêmica ou infecção antes de atingir insuficiência renal terminal.
A monitorização periódica da função renal, incluindo dosagem de proteínas na urina, deve ser realizada em todos os pacientes
com infecção pelo VHC. Em casos de doença renal, biópsia do rim deve ser considerada para identificar o tipo de lesão
glomerular presente e excluir causas não-inflamatórias (como síndrome hepatorrenal em pacientes cirróticos). Níveis baixos
de complemento sérico precoce (C4, C1q e CH50) e níveis normais ou discretamente reduzidos de componente C3 estão
presentes na GNMP crioglobulinêmica.
Uma variedade de agentes farmacológicos são usados para tratar pacientes com GNMP associada ao VHC.
1. Agentes anti-hipertensivos: o controle da pressão arterial pode ser feito com uma combinação de agentes anti-hipertensivos
com um importante papel na prevenção da deterioração da função renal. As drogas inibidoras de enzima conversora de angiotensina
ou bloqueadores de receptor de angiotensina II são a primeira escolha, pois além da ação anti-hipertensiva têm um efeito
renoprotetor e antiproteinúrico.
2. Dislipidemia: preferência aos inibidores de hidroximetilglutaril coenzima A-redutase.
3. Imunossupressão e plasmaférese: nefrite aguda ou exacerbação nefrótica com rápida deterioração da função renal e exacerbação
sistêmica da vasculite associada com crioglobulinemia devem ser tratadas com pulsos de metilprednisolona endovenosa em altas
doses (0,5-1 g/dia por três dias) e plasmaférese (três vezes por semana por duas a três semanas). A plasmaférese remove crioglobulinas
circulantes e previne sua deposição no glomérulo, isoladamente não é muito efetiva, embora remova as crioglobulinas circulantes,
não suprime a sua produção. Geralmente é bem tolerada, mas podem ocorrer complicações como hipotensão, sangramento,
reações de hipersensibilidade e trombocitopenia. Pulso com corticosteróide intravenoso é seguido por altas doses de corticosteróide
oral, o qual deve ser reduzido lentamente ao longo de três a seis meses. Em casos graves, ciclofosfamida em altas doses (2 mg/kg/
dia por dois a quatro meses) pode ser associada. Longos períodos de tratamento com corticosteróides e agentes citotóxicos devem
ser evitados porque não protegem contra exacerbações renais e tratamento com estes agentes pode aumentar a viremia e piorar a
doença hepática, especialmente em pacientes com doença hepática avançada e viremia alta.
4. Tratamento com IFN-alfa monoterapia: terapia antiviral específica com interferon alfa (IFN-alfa) é iniciada quando medicação
imunossupressiva é reduzida. IFN-alfa é contra-indicado em exacerbações agudas, pois sua atividade imunoestimulante pode agravar a
doença renal e piorar exacerbações agudas de nefrite, síndrome nefrótica e vasculite sistêmica. Numerosos estudos demonstraram que
IFN-alfa (três milhões de UI três vezes por semana por seis a 12 meses) estabiliza a doença renal, reduz proteinúria, suprime a viremia e
reduz exacerbações agudas em cerca de 50% a 60% dos pacientes.(3,10-12) No entanto, estes efeitos são temporários e recaída ocorre em
poucos meses após a descontinuação do tratamento. Johnson e cols. relataram resultados de uma série de 14 pacientes tratados com IFN
3 MU três vezes, semana por pelo menos seis meses. O tratamento foi associado com decréscimo significativo da proteinúria e melhora
dos testes de função hepática, mas a função renal manteve-se inalterada. Pacientes com RNA VHC negativo apresentaram melhor
resposta. Após o término da terapia todos os pacientes recaíram com doença renal e viremia presente.(3) Os resultados de IFN alfa
monoterapia para GNMP VHC associada suportam a hipótese de que a eficácia terapêutica é relacionada a sua atividade antiviral. No
entanto, quando o tratamento é interrompido a função renal freqüentemente piora novamente em 6 meses a um ano.(9,10,12)
5. Terapia combinada: em pacientes com hepatite C crônica sem envolvimento renal, terapia combinada de IFN e ribavirina é
superior a IFN monoterapia em induzir remissão prolongada. Mas este regime combinado foi pouco investigado em pacientes com
envolvimento renal, embora em alguns tenha sido demonstrado melhora sustentada da doença renal. A utilização da ribavirina requer
monitorização cuidadosa, pois há o risco de desenvolvimento de anemia hemolítica e sua excreção é predominantemente renal.
Sabry e cols. avaliaram 20 pacientes com glomerulopatia VHC associada. GNMP foi a lesão renal mais comum (85%)
seguido por membranosa e masangioproliferativa (10% e 5%, respectivamente). Crioglobulinemia mista foi encontrada em
60% dos casos. Após 12 meses de tratamento com IFN ou IFN associado a ribavirina, 25% apresentava PCR VHC negativo,
enquanto enzimas hepáticas normalizaram em 75%, proteinúria de 24 h diminuiu significativamente (de uma média de 4 g para
1,10 g), albumina sérica aumentou (média 2,5 para 3,55/dl), concentrações C3 e C4 retornaram ao normal e a carga viral caiu.(8)
Alric e cols. avaliaram 18 pacientes com GNMP crioglobulinêmica tratados com IFN alfa ou IFN peguilado associado à
ribavirina. Doze (90%) obtiveram resposta virológica sustentada e decréscimo na proteinúria. Todos os pacientes permaneceram
com níveis séricos de creatinina estável.(17) Rossi avaliou três pacientes e Lopes dois com GNMP e infecção pelo VHC tratados
com IFN e ribavirina, todos apresentaram RVS e decréscimo na proteinúria.(18,19) Em outro estudo, sete pacientes receberam
19
INF convencional ou peguilado e ribavirina, cinco obtiveram RVS. A evolução renal foi favorável em todos os casos.(20)
Estes estudos suportam a relação entre VHC e glomerulonefrites, especialmente GNMP, e o uso da combinação de IFN e
ribavirina de casos selecionados de glomerulopatia relacionada a infecção pelo VHC.
Pacientes com hepatite C devem realizar exame de urina I periodicamente e aqueles que apresentarem dismorfismo eritrocitário
e/ou proteinúria devem ser encaminhados para centros de referência para investigação complementar e avaliação terapêutica.
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3. Porfiria cutânea tardia
As porfirinas resultam de deficiências das enzimas específicas da via de biossíntese do grupamento heme da hemoglobina.
A porfiria cutânea tarda (PCT) é conseqüência de reduzida atividade da enzima uroporfirinogênio-descarboxilase (UROD-D),
apesar da sua concentração normal. A URO-D converte uroporfirinogênio III em coproporfirinogênio III. Na forma esporádica
da doença, tipo I, a atividade da enzima está reduzida em 50% nos hepatócitos mas não nos eritrócitos e, nos períodos de
remissão da doença, a atividade catalítica da enzima pode tornar-se próxima do normal. Na forma familiar, tipo II, o defeito
enzimático ocorre também em outros tipos de células, como os eritrócitos. Este defeito enzimático é essencial mas não suficiente
para as manifestações clínicas da PCT.
Os fatores extrínsecos que modulam a expressão da doença incluem infecção pelo vírus da hepatite C (VHC), álcool,
estrógenos e sobrecarga de ferro.(1) A prevalência do anticorpo do VHC varia de 62% a 100% entre os pacientes com PCT.(2,4) A
freqüência da infecção pelo VHC em pacientes com PCT apresenta ampla variedade geográfica. Foi demonstrada alta prevalência
(superior a 80%) do VHC na região sul da Europa (notadamente de povos de origem latina). No entanto, esta prevalência é
significativamente menor em pacientes do norte da Europa e caucasianos da Oceania.(5)
A prevalência do VHC foi significativamente mais alta em pacientes com PCT do que em doadores de sangue saudáveis e
controles sem doença hepática.(3) Herrero e cols. relataram que 79% dos pacientes com PCT esporádica e nenhum dos pacientes
com PCT familiar eram positivos para VHC.(4)
Biópsias hepáticas realizadas em pacientes com PCT e hepatite C evidenciaram alterações inflamatórias leves e graus
variáveis de fibrose e esteatose. Cirrose hepática estava presente em 15% dos casos.(6,7) Em outros estudos histológicos
demonstrou-se a presença de siderose com distribuição predominantemente periportal em mais de 80% dos casos e aumento do
depósito de ferro em mais de 60% dos pacientes.(9,10)
Pacientes com PCT, infecção pelo VHC e cirrose hepática parecem apresentar maior risco para desenvolvimento de
hepatocarcinoma quando comparados a outros grupos com cirrose hepática secundária a outras etiologias.
As manifestações clínicas da PCT caracterizam-se pelo surgimento de lesões cutâneas em áreas expostas ao sol
(fotossensibilidade induzida pela luz solar), principalmente dorso das mãos e dos pés, face, antebraços e pernas. Aumento da
fragilidade cutânea, secundária ao acúmulo de porfirinas no tecido subcutâneo, com conseqüente aparecimento de vesículas ou
bolhas subepidérmicas que podem tornar-se hemorrágicas. Microtraumatismos podem anteceder a formação ou ocorrer após a
20
formação de bolhas ou causar desnudação da pele. A pele acometida normalmente cicatriza-se lentamente. O espessamento, a
fibrose e a calcificação da pele são marcantes. Pigmentação, despigmentação, hirsutismo, hipertricose e esclerodermia (secundária
a lesões de repetição ao longo do tempo) podem desenvolver-se com o tempo.
O diagnóstico de PCT é feito em paciente com as lesões cutâneas descritas e com alterações laboratoriais demonstrando
níveis elevados de uroporfirnas I e III na urina, coproporfirinas nas fezes e de porfirinas no plasma.
As opções terapêuticas incluem interrupção da ingesta alcoólica, do uso de estrogênio e do uso de suplemento de ferro.
Outras opções baseiam-se na redução dos níveis de ferro do organismo. As flebotomias reduzem as reservas hepáticas de ferro
as quais raramente estão muito aumentadas e ás vezes podem até estar normais. Portanto, a remissão da doença pode ser
alcançada entre cinco a seis flebotomias com a retirada de 500 ml de sangue em intervalos de uma a duas semanas, até a
hemoglobina atingir 12 g/dL. Quando estão contra-indicadas as flebotomias de repetição, podem ser utilizados ciclos de cloroquina
em doses baixas (125 mg via oral duas vezes por semana para adultos). A cloroquina concentra-se no fígado e forma complexos
com as porfirinas em excesso e promove a sua remoção. A desferoxamina também pode ser utilizada no tratamento e em
pacientes refratários a terapêutica pode ser associada com cloroquina.
Não existem dados disponíveis para tratamento com IFN em pacientes com PCT e hepatite C crônica.
Pacientes com PCT devem ser testados para VHC.
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4. Síndrome de Sjögren
Doença inflamatória crônica imunomediada caracterizada por infiltração linfocítica (Linfócitos TCD4) das glândulas
exócrinas, particularmente salivares e lacrimais.
Os principais sintomas associados são xerostomia e xeroftalmia. Acomete principalmente mulheres brancas no climatério e
a prevalência tem grande variação regional, sendo muito prevalente no norte da Europa.(1)
Síndrome de Sjögren é classificada na forma primária quando apresenta ceratoconjuntivite e xerostomia com confirmação
histológica de infiltração por linfócitos das glândulas salivares (biopsia de glândula salivar). A forma é secundária quando a
ceratoconjuntivite e/ou xerostomia estão associadas a doença auto-imune bem definida (artrite reumatóide, LES, esclerose
sistêmica e polimiosite).(2)
O envolvimento da hepatite C na patogênese da Síndrome de Sjögren primária tem sido aventado com base nas seguintes
evidências: o vírus pode ser isolado nas glândulas salivares dos pacientes com hepatite C crônica (RNA VHC +).(3,4) Existe alta
prevalência de hepatite C crônica com clínica e biópsia de glândula com aspectos anatomopatológicos compatíveis com Síndrome
de Sjögren primária.(3-5)
Estudos mostraram que a infecção pelo VHC aparece em um subgrupo de pacientes com Síndrome de Sjögren. Metade
destes casos preenche critérios para o diagnóstico da doença de acordo com os critérios Europeu e de Manthorpe.(1,2) Há
importante variação regional na prevalência desta patologia.(1,2,6) O grupo de pacientes com hepatite C e síndrome de Sjögren é
caracterizado por achado clínico constante de xerostomia, ausência de manifestações extraglandulares e pela ausência de
anticorpos Anti-RO, Anti-LA.
Essas características tornam a Síndrome de Sjögren associada à infecção pelo VHC uma entidade diferente da Síndrome de
Sjögren primária.(2,3)
Há evidências de piora ou desenvolvimento de Síndrome de Sjögren após tratamento da hepatite C com Interferon. Apesar
disto não há contra-indicação para o uso da medicação.(7,8)
A Síndrome de Sjögren é uma doença subdiagnosticada que apresenta associação à infecção pelo VHC. É necessário
atenção à sintomatologia da doença, incluindo seus aspectos na anamnese e exame físico. Na suspeita clinica está indicada a
realização de auto-anticorpos, em especial anticorpos Anti-RO, Anti-LA, fator reumatóide e crioglobulina. A biopsia de glândula
salivar faz parte da propedêutica. O tratamento é apenas sintomático.(7)
21
5. Hepatite C e síndrome linfoproliferativa (linfoma não-Hodgkin de células B)
O vírus da hepatite C tem, além do hepatotrofismo, caráter linfotrófico que é demonstrado pela capacidade de replicação
em tecidos linfóides.(9) A prevalência do VHC em pacientes com linfoma não-Hodgkin varia de 0-38% de acordo com a
região geográfica. Há alta prevalência na Itália, Japão e EUA e baixa prevalência na França e Inglaterra.(9,10)
O PCR mostrou ser o melhor método diagnóstico de hepatite C, principalmente neste grupo de pacientes que apresenta
muitas vezes imunossupressão, limitando os resultados da sorologia.(9)
O envolvimento do VHC na fisiopatogenia das síndromes linfoproliferativas, em especial do linfoma não-Hodgkin de
células B pode ser explicado a partir do linfotropismo do VHC que se traduz na expansão de linfócitos mono ou policlonais
responsáveis pela produção de crioglobulinas, estabelecendo a crioglobulinemia essencial mista tipo II.
A persistência do VHC no tecido linfóide promove intensa estimulação do sistema linfático com conseqüente aumento da
produção de imunoglobulinas. A partir de mutação genética, ocorre expansão monoclonal e desenvolvimento de linfoma nãoHodgkin de células B. O processo expansivo é antígeno dirigido.(10-12).
O primeiro alvo da resposta humoral na infecção pelo VHC é a proteína E2 do envelope viral. Os anticorpos Anti-E2 são
imunoglobulinas detectadas em 88% dos portadores de hepatite C crônica e 49% dos pacientes com hepatite aguda. Estes anticorpos
são relacionados a alta freqüência de mutações gênicas direcionado o processo expansivo.(11-13)
A maioria dos trabalhos concorda que não há genótipo do VHC especialmente envolvido com síndrome linfoproliferativa.
O genótipo mais associado é o genótipo mais prevalente na área geográfica.(11)
Outras síndromes linfoproliferativas são associadas a hepatite C, como leucemia linfocítica crônica, macroglobulinemia de
Waldenstrom, mieloma múltiplo, gamopatias monoclonais e linfoma não-Hodgkin de células T.(11)
Há importante variação regional na prevalência do VHC também nas doenças linfoproliferativas não ligadas às células B.
Maiores estudos deverão ser realizados para estabelecer o papel do VHC nestas síndromes linfoproliferativas.
6. Hepatite C e disfunção da tireóide
A relação do VHC com a doença tireoidiana é explicada pela sua alta prevalência em pacientes com tireoideopatias e
também pela alta prevalência de anticorpos antitireoidianos em pacientes com hepatite C.
Os anticorpos antitireoglobulina, antimicrossomal e antiperoxidase são detectados ao menos em 30% dos portadores de
hepatite C.(10,11)
O interferon alfa é responsável por precipitar disfunções tireoidianas uma vez que, através do seu papel imunomodulador, estimula
a formação de anticorpos antitireoidianos contribuindo para o estabelecimento de tireoideopatias. Esses fenômenos auto-imunes
ocorrem principalmente em pacientes com auto-anticorpos previamente positivos.(14-16)
Em pacientes com hepatite C não tratados com interferon alfa também existe alta prevalência de doença tireoidiana. O vírus
através do seu linfotropismo estimula cronicamente o tecido linfóide que aumenta a síntese de anticorpos levando a processos
auto-imunes da tireóide.(14,15)
A disfunção tireoidiana acomete mais mulheres de meia-idade cronicamente infectadas pelo VHC. As principais doenças
são: hipotireoidismo, muitas vezes subclínico, hipertireoidismo, doença de Hashimoto e doença de Gravis. A prevalência de
auto-anticorpos em pacientes com hepatite C é maior quando comparada à população em geral. 70% dos pacientes com hepatite
C tem ao menos um dos auto-anticorpos positivo. Em especial, a prevalência é aumentada em relação ao fator reumatóide
(38%), anticorpos antinucleares (41%) e anticorpos tireoidianos (13%).(15,16)
Os pacientes que apresentam anticorpos antitireoidianos positivos são os mais propensos a desenvolverem disfunção
tireoidiana após início da terapia com Interferon Alfa.
A função da tireóide (TSH, T4L) deve ser sistematicamente checada antes e durante a terapia com Interferon. No caso de
alteração devem ser solicitados anticorpos antitireoidianos (antitireoglobulinas, antiperoxidase, antimicrossomal).
Durante o tratamento com Interferon, a função tireoidiana deve ser monitorizada a cada quatro semanas. A decisão do uso
do Interferon em pacientes com anticorpo antitireoidianos positivo e disfunção da tireóide deve ser feita levando em consideração
a severidade da doença hepática, o benefício do tratamento e o alto risco de desenvolvimento de tireoideopatias.(17)
7. Líquen plano
Líquen Plano é uma doença mucocutânea benigna que caracteriza-se por lesões papulares violáceas, principalmente nas
superfícies flexoras. Pode acometer mucosas oral e genital (lesões reticulares). Não tem etiologia definida.
Estão em investigação uma possível causa viral, disfunções imunológicas, alterações neurológicas e stress.(10)
A suspeita do envolvimento do VHC na etiologia da doença é explicada pela alta prevalência do HCV em pacientes com
Líquen Plano. Há grande variação geográfica na prevalência da doença (4%-38%). O Japão e o sul da Europa destacam-se
por alta prevalência, enquanto no norte da França e Alemanha a prevalência é baixa.(13,18)
O RNA-VHC foi evidenciado em lesões orais e cutâneas. Também foram detectados linfócitos T nessas lesões, sugerindo
que uma resposta imunológica celular específica contra o VHC pode desenvolver o Líquen Plano.(19)
Apesar dos relatos de alguns casos de desenvolvimento de Líquen Plano e de piora das lesões preexistentes após a introdução
22
de Interferon, o uso do medicamento não deve ser contra-indicado.(7,10,19)
A maioria dos pacientes não apresenta alteração da lesão prévia em virtude do tratamento com Interferon.(20)
É necessário o seguimento dermatológico das lesões cutâneas e orais para estabelecer e conduzir o tratamento sintomático.
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MONITORAMENTO LABORATORIAL DURANTE O TRATAMENTO DA HEPATITE C
Aline Gonzalez Vigani
Médica Infectologista do Grupo de Estudo das Hepatites. Disciplina de Infectologia/FCM - Unicamp.
O diagnóstico laboratorial de infecção pelo VHC é feito rotineiramente pela pesquisa do anti-HCV através da técnica sorológica
de Elisa. Este teste é positivo em 90% dos indivíduos após três a quatro meses da infecção aguda. Pacientes imunossuprimidos
podem apresentar resultados falsos-negativos. O RNA do VHC pode ser detectado pela PCR (teste da reação em cadeia da
polimerase) e sua positividade significa que o indivíduo não eliminou o vírus e portanto permanece infectado. Isto é observado
em cerca de 85% dos indivíduos.
Os sintomas da fase crônica são geralmente inespecíficos. Alguns pacientes queixam-se de cansaço fácil e adinamia. Nesta
fase, muitos pacientes apresentam níveis oscilantes de ALT. Devido ao caráter intermitente dessas elevações, muitas vezes é
necessário realizar-se dosagens laboratoriais repetidas de ALT, a fim de determinar-se com exatidão se o paciente apresenta ou
não elevações séricas persistentes da mesma.
Na avaliação inicial de todos os pacientes anti-HCV reagente e RNA do VHC positivo pala PCR devem ser solicitados os seguintes
exames: AST, ALT, fosfatase alcalina, gama GT, testes de função tireoidiana (TSH e T4 livre), perfil lipídico, glicemia de jejum, teste
de gravidez, testes de função renal, urina I, hemograma com plaquetas, tempo de protrombina, alfa-fetoproteína e US abdominal.
Indivíduos anti-HCV reagente e RNA do VHC positivo, independentemente do nível sérico da ALT, devem realizar
biópsia hepática.
23
Quando houver indicação de tratamento clínico com interferon alfa ou interferon peguilado ou do transplante hepático deve
ser realizado exame de genotipagem viral.
Para pacientes que vão receber tratamento com interferon peguilado devem ser realizadas dosagens quantitativas do RNA
viral no início do tratamento e a seguir na 12a semana de terapia. Assim, pacientes com genótipo 1 e com RNA-VHC negativo
na 12ª semana serão acompanhados até a 48ª semana quando deverão, então, realizar nova pesquisa qualitativa do RNA-VHC.
Se esta for negativa, indica que houve resposta virológica ao final do tratamento. Se a pesquisa do RNA-VHC for positiva nesta
ocasião o paciente será, então, rotulado como não-respondedor. Nova pesquisa do RNA do VHC pela PCR deverá ser realizada,
novamente, 6 meses após o final da terapia, nos respondedores, para avaliar se houve resposta virológica sustentada (RNAVHC negativo) ou se o paciente apresentou recaída (RNA-VHC positivo).
Se a pesquisa qualitativa do RNA-VHC for positiva na semana 12 e o paciente apresentar níveis normais de ALT (resposta
bioquímica), nova pesquisa qualitativa do RNA-VHC deveria ser efetuada na semana 24. Se esta for negativa o tratamento
deverá ser mantido, fazendo-se novos controles virológicos na semana 48 e, se for o caso, 6 meses após o final do tratamento
para avaliar-se o desenvolvimento de RVS ou se houve recaída. Se por outro lado, o RNA-VHC for positivo na semana 24, o
tratamento deverá ser descontinuado independentemente dos valores séricos da ALT e o paciente será considerado nãorespondedor. Pacientes que na semana 12 do tratamento apresentarem positividade para a pesquisa do RNA-VHC e níveis
elevados de ALT deverão ter seu tratamento suspenso.
Monitorização clínica e laboratorial durante o tratamento:
• Hemograma completo com contagem de plaquetas: 15/15 dias no primeiro mês de tratamento e mensalmente após;
• AST e ALT mensalmente;
• Função tireoidiana: trimestral e até seis meses após o término do tratamento;
• “Status” psicológico: avaliação mensal;
• Avaliação de métodos contraceptivos durante e até seis meses após o término do tratamento.
Tabela. Sugestão de monitoramento laboratorial na hepatite C crônica
24
Exame
do tratamento
Antes do início
do tratamento
ALT
Sim
AST
Sim
RNA-VHC qualitativo
(PCR) em infecções
por genótipos 2 ou 3
Sim
RNA-VHC qualitativo
(PCR) em infecções
por genótipo 1
Sim
Genotipagem
Sim
1º mês
15/15 dias
12a
semana
24ª semana
Fim do 48º mês
(Para genótipo 1)
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim e seis meses após
o final do tratamento
se for negativo
Sim e seis meses após
o final do tratamento
se for negativo
Sim se o RNA-VHC for
positivo e a ALT for
normal na semana 12
Sim e seis meses após o
final do tratamento se
for negativo
Mensal
Sim
Hemograma
Sim
Sim
Sim
Plaquetas
Sim
Sim
Sim
Tempo de
Protrombina
Sim
Creatinina
Sim
Teste de gravidez
Sim
Colesterol
Sim
Glicemia
Sim
Urina I
Sim
US abdômen
Sim
Sim para cirrose
Sim para cirrose
AFP
Sim
Sim para cirrose
Sim para cirrose
EDA
Sim para cirrose
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Neiva Sellan Lopes Gonçales e Fernando Lopes Gonçales Jr.
Grupo de Estudos das Hepatites - Infectologia/DCM/FCM/Unicamp.
Testes indiretos e diretos
Atualmente, duas categorias de testes são utilizadas para o diagnóstico de pacientes infectados pelo vírus da
hepatite C (VHC). Testes indiretos, que detectam anticorpos contra o VHC e testes diretos, que detectam, quantificam
ou caracterizam componentes da partícula viral, tais como a pesquisa do RNA do VHC e o teste de detecção do
antígeno do core do VHC.
Os anticorpos anti-HCV são habitualmente detectados utilizando-se ensaios imunoenzimáticos de terceira (EIA/
ELISA-3) e quarta (EIA/ELISA versão 4) gerações, os quais contêm antígenos do core e genes não-estruturais do
VHC. Nos testes de EIA que detectam o anti-HCV, disponíveis no mercado, a determinação da especificidade foi
maior que 99%. Já a sua sensibilidade foi de 95%-99%, sendo mais difícil de determinar devido à ausência de testes
padrão ouro de alta sensibilidade.
Diferentes testes baseados em reação em cadeia da polimerase (PCR) têm sido desenvolvidos para detectar
diretamente o RNA viral. A detecção qualitativa do RNA do VHC por transcrição reversa (RT) e PCR é geralmente
aceita como o teste mais sensível e padronizado, até agora. Apesar disso, existe variabilidade dos resultados entre
laboratórios, como pode ser evidenciado pela utilização de painéis internacionais de proficiência. A acurácia e a
confiabilidade dos resultados estão diretamente envolvidas com os procedimentos laboratoriais adotados na execução
dos testes. A falta de cuidados preliminares na coleta das amostras, associada com o tempo de preparo e separação
das amostras, pode ocasionar resultados incorretos. É de extrema importância que todos os procedimentos laboratoriais
obedeçam às Boas Práticas de Laboratório e sigam rigorosamente os protocolos padronizados pelos fabricantes dos
conjuntos diagnósticos e reagentes.
O uso cuidadoso da PCR padronizada para a detecção do RNA do VHC e dos testes EIA (especificidade aliada à
sensibilidade) fazem juntos o padrão ouro.
Estudos realizados em nosso meio mostram que em EIA repetidamente reagentes com a relação da densidade
ótica da mostra/valor de corte (DO/C) maior que três se associam a 100% de resultados verdadeiros positivos (valor
preditivo positivo) e apresentam em torno de 92% de positividade para o RNA do VHC por RT-PCR. O valor preditivo
positivo aumenta em relação à população estudada quando associado a fatores de risco, ALT elevadas e presença de
doença hepática.
Os testes de EIA apresentam excelente reprodutibilidade em pacientes imunocompetentes, porém em pacientes
hemodialisados e/ou imunocomprometidos a sensibilidade se reduz.
Em populações de baixo risco, como doadores de sangue ou em triagens populacionais aleatórias, que não
apresentam fatores de risco para aquisição de infecção pelo VHC, o EIA negativo é suficiente para excluir a presença
do VHC. Entretanto, resultados falsos-positivos podem ocorrer nestas populações. Nestes casos, a pesquisa do RNA
do VHC qualitativa deve ser realizada para confirmar o diagnóstico.
Em populações de alto risco, quando existe suspeita clínica de infecção pelo VHC, a positividade do EIA confirma
a exposição ao VHC. A pesquisa do RNA do VHC qualitativa deve ser realizada para identificar os indivíduos com
infecção crônica dos que eliminaram o VHC espontaneamente.
Em pacientes com hepatite crônica de causas desconhecidas com EIA anti-HCV negativo, em particular em
pacientes imunocomprometidos, a pesquisa do RNA do VHC qualitativa deve ser realizada. A presença do RNA do
VHC confirma o diagnóstico, porém um resultado negativo não exclui a infecção pelo VHC. Nestes casos, uma nova
pesquisa do RNA do VHC é recomendada, seis meses após a primeira investigação.
A detecção do antígeno do core do vírus da hepatite C através de um EIA pode ser uma alternativa no diagnóstico
precoce da infecção pelo VHC.
O “HCV core antigen ELISA” foi desenvolvido para ser utilizado como um teste sorológico de triagem, para
detecção do antígeno do core do VHC, principalmente no período de janela imunológica, quando não são detectados
os anticorpos. Este ensaio durante estudos realizados mostrou sensibilidade próxima dos testes de amplificação de
ácidos nucléicos (NAT) com uma diferença média de detecção de um a dois dias.
A partir deste ensaio, um novo ensaio foi desenvolvido para detectar e quantificar o antígeno do core do VHC.
Este novo ensaio através de modificações incorporadas como a dissociação de imunocomplexos, que permite a
detecção de antígenos livres e antígeno do core ligado a anticorpos, e a mudança na amplificação do sinal, através da
modificação do conjugado, aumentou a sensibilidade do teste. Estudos demonstram que este teste pode reduzir a
janela imunológica em 3,3 dias em relação ao teste anterior (HCV core antigen ELISA). Este aumento de sensibilidade
25
tem levado a um decréscimo significativo de 58 dias no período de janela imunológica. A diferença entre este EIA e
a PCR foi somente de 0,24 dias.
Pode-se considerar este teste como uma alternativa viável para a detecção direta da viremia, quando os testes de
NAT não podem ser utilizados por razões de custo, organização, emergência ou dificuldades logísticas.
Recentemente, um novo EIA para a detecção simultânea dos antígenos e anticorpos do VHC em um único ensaio
está sendo desenvolvido. Segundo alguns estudos preliminares, este ensaio apresenta alta sensibilidade e
especificidade, permitindo uma segurança adicional na detecção, quando o pico inicial do vírus decai, ponto este
onde os níveis de RNA podem cair abaixo do limite de detecção dos testes de NAT, especialmente quando da utilização
de amostras em pool.
Até o momento, nenhum teste de pesquisa de antígeno para o VHC está disponível para uso comercial em nosso
país.
Assim, estes testes poderão ser considerados como uma solução futura plausível, em triagens de doadores de
sangue, programas de transplantes de órgãos e em casos de exposição ocupacional, onde um diagnóstico rápido e de
baixo custo é necessário.
Os ensaios de detecção qualitativa do RNA do VHC são ferramentas importantes porque são significativamente
mais sensíveis que a maioria dos testes quantitativos. Os ensaios qualitativos estão baseados no princípio de
amplificação do alvo usando ou a PCR ou a amplificação mediada pela transcrição (TMA). O valor de corte (cutoff) do limite inferior de detecção do RNA do VHC destes ensaios comerciais é de 50 UI/mL e 6 UI/mL,
respectivamente. A especificidade destes ensaios excede a 99%. Um único teste positivo para o RNA do VHC confirma
a replicação ativa do VHC, mas um resultado negativo isolado não garante que o paciente não é virêmico. Um
seguimento clínico-laboratorial com a pesquisa do RNA do VHC deverá ser feito para confirmar a ausência de
replicação ativa do VHC. Uma vez confirmada a infecção pelo VHC, a repetição do teste qualitativo para o RNA do
VHC, em pacientes em seguimento clínico, porém sem tratamento, não apresenta nenhuma utilidade diagnóstica. A
maioria dos pacientes permanece virêmicos e um resultado negativo pode meramente refletir um declínio transiente
na carga viral abaixo do limite de detecção do ensaio utilizado.
A quantificação do nível de RNA do VHC pode ser feita pela amplificação do alvo (PCR) ou pela técnica de
amplificação do sinal (branched DNA - b DNA). Nestes ensaios comerciais, o valor de corte para quantificação do
RNA do VHC, no limite inferior, varia de 600 a 615 UI/mL, e o limite linear superior é de 850.000 UI/mL e 7.700.000
UI/mL. A padronização em UI não representa o número atual de partículas virais na preparação. Existem variações
significativas entre ensaios comerciais. A dinâmica de cada ensaio deve ser observada e diluições apropriadas do
material em análise devem ser feitas para garantir a acurácia da quantificação.
A determinação molecular dos genótipos do VHC pode ser feita pela análise direta da seqüência genômica, pela
hibridização reversa sobre sondas de oligonucleotídeos genótipo-específica. A hibridização reversa é um teste
comercial que permite a determinação fácil e rápida dos seis genótipos e seus subtipos. O ensaio é baseado nas
variações encontradas na região 5’não codificadora (5’NCR) de diferentes genótipos do VHC. Este ensaio permite a
interpretação em 100% dos casos. O seqüenciamento, considerado padrão ouro, baseado na região 5’NC, também
discrimina os tipos e subtipos do VHC com segurança. Esta metodologia, comercialmente disponível para pesquisa,
está associada a um programa de computador para análise e comparação dos produtos de PCR amplificados e
seqüenciados. O teste de genotipagem apresenta importância clínica, principalmente em relação ao tempo e resposta
à terapêutica com interferon.
Também pode ser feita a determinação sorológica dos genótipos pela detecção de anticorpos tipo-específicos,
usando um EIA competitivo (sorotipagem). Este ensaio permite interpretar os resultados em 90% dos casos de
pacientes imunocompetentes com hepatite crônica pelo VHC. A sensibilidade deste ensaio é menor em pacientes
hemodialisados e imunocomprometidos. Este teste identifica os genótipos, mas não os subtipos.
Infecção aguda e acidente perfurocortante
Após exposição ao VHC, os anticorpos anti-HCV podem ser detectados pelo EIA em 50% a 70% dos pacientes
no início dos sintomas, aumentando para aproximadamente 90% após três meses. O RNA do VHC pode ser detectado,
rotineiramente, no final da primeira até a terceira semana após exposição e está presente no início dos sintomas. A
ALT apresenta níveis acima dos valores normais de duas a oito semanas após a infecção e cursa concomitante com
o início das lesões hepatocíticas.
Transmissão vertical
Uma questão importante é como exatamente se define a transmissão materno-infantil da infecção pelo VHC.
Muitas crianças nascidas de mães com infecção crônica pelo VHC apresentam o anti-HCV detectável (IgG) no
sangue adquirido por transferência passiva placentária. Estes anticorpos adquiridos passivamente continuarão a ser
detectáveis na criança nos primeiros 12 a 15 meses de vida. Assim, o critério para identificar a transmissão materno-
26
infantil da infecção pelo VHC será a detecção do anti-HCV e do RNA do VHC no sangue da criança, após os 18
meses de vida.
Infecção crônica
Em pacientes com doença hepática crônica, o diagnóstico de hepatite crônica pelo VHC deve ser baseado na
detecção do anti-HCV e do RNA do VHC no sangue, usando técnicas de alta sensibilidade.
A perda do anti-HCV e a presença isolada do RNA do VHC é incomum em pacientes imunocompetentes com
hepatite crônica pelo VHC, porém pode ocorrer em hemodialisados e pacientes com profunda imunodeficiência.
Acompanhamento da terapêutica
Somente pacientes com RNA do VHC detectável devem ser considerados para o tratamento. A genotipagem deve
ser feita no início do tratamento para definir o tempo do tratamento. Isto porque os pacientes infectados pelo genótipo
2 e 3 devem ser tratados por 24 semanas, enquanto aqueles com infecção pelo genótipo 1 devem ser tratados por 48
semanas.
Uma grande limitação na avaliação dos pacientes com infecção crônica pelo VHC tem sido a falta de
padronização dos testes para detecção do RNA do VHC. Tem sido observada diferença importante nos ensaios
utilizados tanto em relação à sensibilidade (limite mínimo de detecção) como na dinâmica dos ensaios. Estas
diferenças não são somente observadas com os diferentes ensaios, mas também quando diferentes laboratórios
executam um mesmo ensaio. Com o intuito de padronizar e uniformizar os testes, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) e o Instituto Nacional de Padrões Biológicos e Controles dos EUA (National Institute for Biological
Standards and Controls - NIBSC) estabeleceram uma medida padrão denominada Unidade Internacional (UI).
Estudos comparativos entre métodos distintos têm demonstrado discordâncias entre eles, impedindo o manejo
dos pacientes com segurança e garantia dos resultados. Assim, é importante que durante todo o seguimento
clínico do paciente sob tratamento específico se utilizem sempre os mesmos ensaios e se possível o mesmo
laboratório.
A quantificação do RNA do VHC pode ser feita na amostra pré-tratamento e na 12ª semana com o propósito de
avaliar o valor preditivo de resposta terapêutica.
Um esquema alternativo que compatibiliza custo x benefício seria a realização do teste de detecção do RNA
do VHC qualitativo no lugar do quantitativo, no início do tratamento e na semana 12. Assim, se o resultado for
negativo na semana 12 do tratamento, não há necessidade de quantif icar-se a amostra pré-tratamento nem a
amostra da semana 12. Este resultado conf irma a efetividade do tratamento até aquele momento, dispensando
a quantif icação da amostra. No caso de um resultado positivo pelo teste qualitativo realizado na semana 12,
pode-se submeter novamente a amostra ao teste de pesquisa do RNA do VHC. Neste momento deverá ser
quantif icada a amostra pré-tratamento e a da 12ª semana e os resultados enviados ao clínico para avaliação da
efetividade da terapêutica.
A pesquisa do RNA do VHC qualitativa deverá ser feita no início do tratamento, ao final e seis meses após o
término do tratamento (resposta virológica sustentada).
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27
USO DA DINÂMICA VIRAL
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias HC/FMUSP. Ambulatório
e Laboratório de Hepatites (LIM 47). Área Temática de Hepatites Virais – SMS/São Paulo
A Dinâmica Viral, que será discutida considerando o VHC, é a análise do tempo decorrido para alterar a concentração viral
no sangue – cinética – induzida pela terapia. A partir dessa análise podemos concluir, ONDE, Quando e Como os vírions são
produzidos ou eliminados.
A representação gráfica desse fenômeno pode ser representada como se segue:
Carga
Viral
Equilíbrio
Fase 2
Fase 1
Tempo (horas/dias/semanas)
Equilíbrio (na infecção crônica): produção e liberação viral = eliminação/clareamento. A terapia acarreta um desequilíbrio.
Características de alguns vírus:
VHC: replicação elevada 1012 vírions por dia
Meia-vida curta: 1,5 a 4,6 h
VHB: 1011 e 24 horas, respectivamente
HIV: 1010 e 5,8 horas, respectivamente
Fase 1.
Caracterizada pela rápida redução da viremia. Reflete a eliminação dos vírus circulantes e a liberação de novos vírions.
Dura em geral as 24 h iniciais.
A Fase 1 é função direta de “⑀” que representa a eficácia antiviral do Interferon (⑀ = 1 equivale a 100% de bloqueio; = zero
a zero de bloqueio). A ribavirina não possui qualquer papel nessa fase, pois requer dias/semanas para atingir uma concentração
plasmática plena e uma saturação tecidual adequada.
Problema: Assume como verdade fatos nem sempre presentes ou comprovados. Por exemplo:
Assume que o Interferon atua desde sua 1ª administração e se mantém constante na 2ª fase. No entanto, as ações do IFN são
complexas e envolvem indução de genes que interagem com múltiplas vias celulares e que por sua vez, desencadeiam muitas
outras ações. Além disso, a farmacocinética do IFN administrado uma ou mais vezes por semana talvez nunca leve a uma
concentração constante.
Fase 2.
Reflete a taxa de morte ou clareamento das células infectadas (␦) somada a ⑀. A ribavirina atua nessa fase.
Problemas: ALT, o melhor marcador de necrose hepatocelular, usualmente se reduz nessa fase, quando esperaríamos uma
elevação! Provavelmente a redução da viremia reflete o declínio do número de células infectadas, resultante da erradicação
viral (cura da infecção) nos hepatócitos, sem morte celular por necrose ou apoptose.
Variações em ␦ podem refletir resposta de células T individuais ou clareamento de monta variável, a partir de sítios extrahepáticos. O modelo cinético não prevê essas possibilidades.
Fase 3 (“Plateau”).
Representaria uma fase de duração variável, onde há a interrupção na queda da viremia. Após o reestabelecimento de uma
resposta imunológica por parte do indivíduo, a viremia volta a decrescer.
28
Problema: Embora seja uma explicação atrativa, é pouco provável que isso ocorra. Existem alguns relatos de reconstituição
imune, mas fora da fase correspondente ao término do plateau.
Aplicações da cinética viral
A despeito das considerações feitas, o estudo da cinética viral é um modelo útil que pode otimizar a terapia.
Fase 1 e Fase 2.
A eficiência do IFN na Fase 1 seria dose-dependente. A elevação da dose (indução) nessa fase aumentaria a chance de RVS?
Os resultados são conflitantes. Embora a queda se acentue (particularmente para o genótipo 1), isso não se traduz em benefícios
posteriores (RFT ou RVS). Já na Fase 2, o prolongamento da terapia aumentaria a chance de eliminação de todas as células
infectadas e reduziria a recidiva? Os dados ainda são insuficientes, mas, pacientes portadores de fibrose avançada – F4 – ou com
preditividade ruim poderiam se beneficiar dessa estratégia.
Monitoramento da queda da viremia plasmática
Dose-teste com IFN: em avaliação, podendo ser considerada para protocolos clínicos e em pacientes cujo risco da terapia
seja elevado. Avalia a potência do IFN (⑀), permitindo a predição em 24 h, após a administração de uma dose-teste de IFN.
Terapia com IFN/Ribavirina: a predição só é possível na 24ª semana de terapia.
PegIFN/Ribavirina: o monitoramento na 12ª semana de terapia está estabelecido. Caso não ocorra uma queda maior ou
igual a 2 log, a terapia deve ser interrompida (VPN 97%-98%).
Hepatite C Aguda: uma queda contínua da viremia nas primeiras três a seis semanas após o início dos sintomas associa-se
com o clareamento viral espontâneo. Caso isso não ocorra estaria indicada a terapia.
Conclusão
A cinética viral é útil para a predição de resposta na 12ª semana de terapia com PEG-IFN, sendo a sua melhor indicação na
prática atual.
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ANATOMIA PATOLÓGICA
Evandro Sobroza de Mello e Venâncio Avancini Ferreira Alves
LIM-14 - Patologia Hepática, FMUSP
Raros são os casos de hepatite C biopsiados em sua fase aguda, ficando a atenção do patologista em grande parte focada na
forma crônica da doença. A hepatite aguda caracteriza-se pela presença predominante das alterações necroinflamatórias no
parênquima, em contraposição com a hepatite crônica, na qual a inflamação é predominantemente portal. O diagnóstico
histológico de hepatite crônica, através da biópsia hepática, permanece de extrema importância para a condução dos pacientes
infectados pelo VHC, pois é a pedra fundamental para a detecção da presença ou não de doença hepática causada pelo vírus e
da intensidade desta doença - soma-se, portanto, ao diagnóstico de infecção que é dado pelos métodos sorológicos.
O parâmetro básico para o diagnóstico histológico de hepatite crônica é a presença de infiltrado inflamatório portal,
predominantemente linfocitário, usualmente com número variável de plasmócitos e histiócitos. Esta inflamação está acompanhada
por grau variável de atividade periportal (também chamada de atividade de interface ou necrose em saca-bocados), atividade
parenquimatosa (lobular) e fibrose. Para caracterização do processo histológico, é essencial a realização, além da hepatoxilinaeosina, de uma coloração para colágeno (reticulina, tricrômico de Masson ou Picrosírius) e de uma coloração para ferro (Perls).
Existem diversos sistemas de classificação (graduação e estadiamento) das hepatites crônicas(4,9,11,13,18,21,34) várias delas de
importância histórica. De acordo com a Portaria n. 863 da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, de 4.11.2002, recomenda-
29
se o uso de uma de duas classificações de hepatites crônicas: a da Sociedade Brasileira de Patologia(13) ou a METAVIR.(1,4) Estas
duas classificações são na verdade muito similares, ambas levando em conta os aspectos básicos das hepatites crônicas já
destacados – atividade periportal, lobular e fibrose. Além delas, tem sido muito usada na literatura internacional a classificação
proposta por ISHAK em 1995(18) (que é uma atualização da classificação proposta por esse mesmo autor em 1981, que ficou
muito conhecida como classificação de Knodell,(21) que não deve ser mais usada). Uma tabela aproximada de correspondência
entre estes sistemas está exposta abaixo, tanto para a fibrose (alteração arquitetural) quanto para a atividade:
Fibrose (alteração arquitetural)*
SBP/SBH
METAVIR
ISHAK
0
1
2
3
4
0
1
2
3
4
Atividade**
0
1
1 ou 2
2 ou 3
3
0
1 ou 2
3
4 ou 5
6
0
1
2
3
4
0
1
2
3
4
* em ISHAK, o score de fibrose vai até 6, enquanto na METAVIR e na SBP/SBH
vai até 4.
**correspondendo à atividade periportal para SBP/SBH e ISHAK, e um misto de
periportal e lobular para METAVIR; na METAVIR, o score de atividade vai até 3
enquanto em ISHAK e SBP/SBH vai até 4.
Natureza e tamanho da biópsia hepática
Biópsias cirúrgicas feitas com pinças geram amostras subcapsulares e devem ser desencorajadas, pois os espaços-porta
nesta localização são frequentemente volumosos, sendo difícil ou impossível avaliar corretamente a presença de fibrose. Mesmos
durante ato operatório, portanto, a biópsia hepática deve ser obtida por agulha. Adicionalmente, a biópsia deve preferencialmente
ser obtida no começo da cirurgia, para evitar as alterações secundárias à manipulação cirúrgica.
Dados da literatura demonstram que o tamanho da biópsia obtida por agulha influencia enormemente o resultado de
sua análise.(8,10,15,33,35) Amostras com 3,0 cm ou mais de comprimento têm como resultado uma hepatite com atividade leve
em apenas 50% dos casos, com 1,5 cm em 60% e com 1,0 cm ou menos em quase 90% dos casos.(8) Outros autores
também têm considerado 1,5 cm como o tamanho mínimo ideal para diagnóstico em biópsia hepática por agulha.(35)
Agulhas de espessura fina também obtêm resultados inferiores.(8,33) Bedossa e cols.(3) apenas alcançaram apenas atingiram
um platô de precisão com 2,5 cm de comprimento. Portanto, deve ser considerado que biópsias com 1,5 cm de comprimento
são o mínimo necessário e idealmente devem ter 2,5 cm ou mais. Agulhas de calibre maior, como a trucut, também são
recomendadas.
Esteatose
Cerca de 50% das biópsias de pacientes com VHC apresentam esteatose.(17,40) Gradativamente tem-se tornado mais e mais
importante a avaliação da presença da esteatose, sua graduação e a avaliação da presença de esteato-hepatite
associada.(6,7,12,16,19,20,24,29-32,36,40)
O espectro esteatose, esteato-hepatite e cirrose tem sido designado doença gordurosa não alcoólica do fígado (DGNA). A
DGNA é comum na população geral, mas sua associação com o VHC é duas a três vezes maior do que seria esperado apenas ao
acaso.(24) Em pacientes com infecção crônica pelo VHC, a esteatose tem sido atribuída a uma série de fatores usualmente associados
à DGNA, incluindo elevado índice de massa corpórea, resistência à insulina e idade avançada.(16,26,31) As evidências também se
acumulam indicando que a esteatose contribui para a progressão da fibrose em um padrão similar àquele visto na DGNA.(7,16,17,40)
Tem sido sugerido que a esteatose possa também ser decorrente de efeito citopático viral, especialmente nos pacientes infectados
com genótipo do tipo 3. Em uma série de pacientes com genótipo 3 e esteatose, a resposta sustentada à terapia implicou em
regressão da esteatose em 91% dos casos, índice muito maior do que os 19% dos que não tiveram resposta sustentada,(6) dando
grande consistência ao efeito citopático como causa da esteatose. Outros autores têm obtidos resultados similares.(22,36)
Atualmente, portanto, é essencial a caracterização da esteatose e suas lesões relacionadas nos pacientes VHC+, em especial
a presença e quantificação da fibrose perissinusoidal e centrolobular característica da esteato-hepatite. Da esteatose tiramos a
30
lição de que a biópsia no paciente infectado pelo VHC é um instrumento para a detecção de doenças hepáticas associadas ou
não ao próprio vírus, e de que devemos estar preparados para outras (provavelmente menos freqüentes) que podem estar
presentes em um determinado caso.
Predição não-invasiva de fibrose e atividade
Esta é uma área em que alguns autores têm se aventurado recentemente na literatura.(2,5,25,27,28,38) Apesar de matematicamente
obter-se valores razoáveis de concordância entre uma combinação de testes sorológicos e dados clínicos com os resultados da
biópsia, ainda não se consegue prever com segurança o estado de um paciente em particular, o que por si só torna difícil ainda,
sob o nosso ponto de vista mas também o de outros,(2,14) substituir a avaliação direta do estado anatômico do parênquima
hepático por alguma forma de predição. A maior parte dos estudos enfoca exclusivamente a fibrose, aparentemente não se
obtendo dados consistentes quanto à atividade. Esta posição é reforçada pela baixa freqüência de complicações em pacientes
que são submetidos a biópsia hepática.(23,37,39)
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HEPATITE C AGUDA
Rodrigo Nogueira Angerami, Raquel Stucchi, Neiva Sellan Lopes Gonçales, Fernando Lopes Gonçales Jr.
Disciplina de Infectologia do DCM/FCM/Unicamp
A infecção pelo vírus da hepatite C (VHC) vem se consolidando ano a ano como uma das principais causas das hepatopatias
crônicas e, por esse motivo, constitui um dos maiores desafios de saúde pública em todo o mundo.
O alto percentual de evolução para a cronificação, com taxas variando de 55% a 85%,(1,6) associado a taxas moderadas de
resposta virológica sustentada ao tratamento específico, quando cerca de 54%-56% dos indivíduos tratados(2,7) conseguem
eliminar o vírus da hepatite C, tem sido objeto de crescente preocupação.
Deste modo, torna-se mandatória a definição de estratégias que visem minimizar tanto o surgimento de novos indivíduos
infectados quanto a cronificação da doença naqueles já acometidos pelo vírus, além, obviamente, de promover o incremento
das opções terapêuticas a ser disponibilizadas para o tratamento da hepatite C crônica.
Diante do exposto, a detecção precoce da infecção recente, ou seja, dos casos de hepatite C ainda em sua fase aguda,
sintomáticos ou não, vem sendo considerada uma importante medida a ser incorporada na prática clínica. Existem evidências
crescentes de que quando tratada precocemente, em sua fase aguda, as taxas de resposta virológica sustentada alcançariam
valores superiores a 80% e, em algumas situações, próximos de 98%.(5)
Vale ressaltar que, mesmo em indivíduos não tratados, o clareamento viral espontâneo poderia ocorrer em 15% a 45% dos
indivíduos infectados. Isso é mais freqüentemente observado nos casos sintomáticos de hepatite C aguda,(3,4) sobretudo naqueles
em que a icterícia está presente clinicamente.
Aparentemente, nas infecções causadas pelo genótipo 3 a probabilidade de clareamento viral espontâneo seria aumentada.(1,9)
Outro fator que parece contribuir com maiores taxas de clareamento viral espontâneo é uma resposta imune celular CD4mediada mais intensa na fase aguda.(11)
O clareamento viral espontâneo, quando observado, ocorre mais freqüentemente nas primeiras 12 semanas após o início
da doença.(7)
Inúmeros têm sido os esquemas terapêuticos propostos e avaliados para o tratamento da hepatite C aguda, variando da
monoterapia com interferon-␣ convencional ou na formulação peguilada à terapia combinada – interferon-␣ associado à ribavirina
– ambos com posologias variadas,(8,5,10) sendo alguns iniciados precocemente e com curta duração.(8) Contudo, independente do
esquema utilizado, verificou-se evidentes benefícios nos casos detectados e tratados de hepatite C aguda, sobretudo pelas
elevadas taxas de resposta virológica sustentada obtidas, mesmo quando monitoradas por longos períodos, através de técnicas
laboratoriais de elevada sensibilidade.(12)
Não existem, até o presente momento, estudos definindo o melhor esquema terapêutico a ser adotado, o melhor momento
para seu início e o tempo de duração ideal. Contudo, avaliamos que o tratamento sempre deve ser considerado nos casos de
hepatite C aguda e que deva haver um esforço contínuo no sentido de buscar diagnosticá-los o mais precocemente possível.
Entretanto, é fundamental que novos estudos, prospectivos e controlados, acerca da definição do melhor esquema terapêutico
a ser adotado e do tempo de seguimento pós-tratamento, devem ser elaborados.
Dentro do contexto de detecção precoce de possíveis casos de hepatite C aguda, inserem-se os acidentes com material de
risco biológico, envolvendo sobretudo profissionais da área da saúde. Via de regra, tais eventos relacionam-se com um alto
risco de infecção pelo VHC (risco estimado ao redor de 1,8%). Por esse motivo, consideramos ser fundamental a abordagem
cuidadosa, no sentido de detectar-se laboratorial e clinicamente, precocemente, os potenciais casos de hepatite C aguda decorrentes
desta via de transmissão. Para tanto, incluímos nesse capítulo, como sugestão para monitoramento de indivíduos expostos a
acidentes com material de risco biológico, um fluxograma de atendimento e seguimento.
32
33
Recomendações:
• Quem tratar
1. Indivíduos com quadro clínico de hepatite aguda, com elevação da ALT sérica e que apresentem o RNA-VHC positivo
por um período de 12 semanas após o início do quadro com ou sem sorologia anti-HCV positiva devem ser tratados. Os
pacientes com positividade para o RNA-VHC que se apresentam anti-HCV positivos devem apresentar exame anatomopatológico
do fígado com alterações compatíveis com hepatite aguda.
2. Indivíduos que tenham apresentado exposição de risco para a infecção pelo HCV, com ou sem soroconversão para o antiHCV, que passem a apresentar e mantenham RNA-HCV positivo no sangue por um período de 12 semanas após a exposição,
com ou sem manifestações clínicas e/ou laboratoriais. Populações de maior risco: acidentes perfurocortantes, hemodialisados
e usuários de drogas endovenosas.
• Quando iniciar
Doze semanas após o diagnóstico clínico (após o início dos sintomas) ou após a exposição infectante (no caso de indivíduos
assintomáticos).
• Como tratar
1. Monoterapia com peg-interferon nas doses habituais.
2. Associação com ribavirina não está indicada.
• Tempo de tratamento
24 semanas.
• Follow-up
24 semanas; HCV-RNA + ALT.
• Profilaxia
IFN profilático pós-exposição não recomendado.
• Hit early and hard?
1. Dose de indução?;
2. Início precoce (oito semanas)?;
3. Necessários estudos controlados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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14. Wiegrand J et al. Hepatology 2004;40(1):98-107.
34
TRATAMENTO DA HEPATITE C EM PACIENTES VIRGENS
Fernando Lopes Gonçales Jr.
Professor Associado da Disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Ciências Médicas da
Unicamp. Coordenador do Grupo de Estudos em Hepatites Virais da Disciplina de Infectologia do Departamento de
Clínica Médica da FCM/Unicamp
Indicações e contra-indicações do tratamento
Consideráveis avanços ocorreram nos últimos anos no tratamento específico da hepatite C. Em termos práticos, o
tratamento está claramente indicado em pacientes com hepatite C que tenham alto risco de progressão para cirrose e que
preencham os seguintes critérios:
• RNA-VHC detectável no soro pela PCR ou outro teste molecular;
• ALT persistentemente aumentada (> 1,5 x o valor normal);
• Biópsia hepática (realizada nos últimos dois anos) com grau de fibrose ≥ 2 (METAVIR ou SBP). Não está indicado o
tratamento quando não houver fibrose (F0). Nos casos de fibrose portal (F1) está indicado o tratamento se houver, no mínimo,
atividade necroinflamatória maior ou igual a A2 (Metavir ou SBP) e se o paciente apresentar dosagens de ALT persistentemente
elevadas em decorrência da infecção.
• Está indicado o tratamento entre 12-70 anos de idade. Fora deste intervalo os pacientes poderão ser tratados em condições
especiais em centros de referência;
• A contagem de plaquetas deve estar acima de 50.000/mm3 para tratamento com interferon convencional e acima de
70.000/mm3 para interferon peguilado. Os neutrófilos, de preferência, devem estar acima de 1.500 mm3. Casos excepcionais
deverão ser tratados em centros de referência.
O tratamento também está indicado para pacientes em situações especiais como:
• Cirrose compensada
• Co-infecção HIV-HCV. Estes pacientes poderão ser tratados desde que obedeçam aos critérios gerais de tratamento e
estejam com quadro clínico e laboratorial relacionado ao HIV estáveis (ausência de infecção oportunista por pelo menos seis
meses, contagem de CD4 > 200 com carga viral < 5.000 ou contagem de CD4 > 500 independente da carga viral);
• Pacientes com hepatite C aguda
• Pacientes com abusos de substâncias (álcool ou drogas) devem ser incluídos nos protocolos de tratamento, se apresentarem
condições de aderência à terapêutica e receberem uma atenção multiprofisssional, se necessária;
• Pacientes com distúrbios psiquiátricos devem ter acompanhamento psiquiátrico regular e estar com sua doença controlada;
De maneira geral, não devem ser tratados:
• Pacientes com doenças extra-hepáticas não controladas (ex: angina grave, DPOC grave);
• Pacientes com cirrose descompensada;
• Pacientes com doenças auto-imunes não controladas;
• Mulheres grávidas ou que estejam amamentando;
• Pacientes que se recusarem a fazer uso de contraceptivos durante e seis meses após o tratamento com ribavirina;
• Pacientes não aderentes;
• Pacientes com doença psiquiátrica grave, não controlada, particularmente depressão com ideação suicida;
• Usuários de drogas ou alcoólatras ativos que sejam dependentes químicos e que não possam ser aderentes ou se beneficiar
da terapêutica;
• Pacientes com quadros convulsivos não controlados;
• Pacientes com ALT normal: Cerca de 30% dos pacientes com hepatite C crônica têm ALT normal e outros 40% apresentam
ALT < 2 vezes o maior valor normal. Embora a maioria apresente doença histológica leve, alguns podem progredir para fibrose
avançada, ou mesmo, cirrose hepática.(1) Por isto, no paciente com hepatite C que apresenta dosagens de ALT repetidamente
normais, é necessário que o clínico investigue a presença de anormalidades que indiretamente possam estar associadas a lesões
hepáticas. Estes deverão ser submetidos à biópsia hepática se apresentarem qualquer alteração que possa evidenciar a presença
de doença hepática como hepatomegalia, pancitopenia, plaquetopenia, leucopenia, ultra-sonografia com alterações compatíveis
com doença hepática crônica ou esteatose, bem como os pacientes que apresentarem infecção prolongada pelo HCV; o Grupo
de Consenso recomenda a biópsia para todos os portadores de Hepatite C crônica, a despeito dos valores de transaminases
normais ou alterados.
Resposta virológica à terapêutica
O objetivo do tratamento na hepatite C crônica é conseguir-se uma resposta virológica sustentada (RVS). Considera-
35
se que houve RVS quando não há detecção do RNA do HCV, no soro, pelo teste de RT-PCR, 24 semanas após a suspensão
da terapêutica.(2)
São considerados recidivantes os pacientes que apresentam resposta virológica ao final do tratamento (HCV-RNA
indetectável), mas que voltam a positivar o RNA do HCV, durante o seguimento. Não-respondedores são aqueles que
nunca obtêm negativação do RNA do HCV. Alguns não-respondedores apresentam uma substancial redução do RNA do
HCV (1 log unidade ou mais) durante a terapia e podem ser categorizados como respondedores parciais. Às vezes, os
não-respondedores apresentam uma negativação inicial do RNA do HCV, mas voltam a ficar positivos antes do final do
tratamento (“breakthrough”).
Esquemas terapêuticos na hepatite C crônica
Monoterapia com interferon-alfa: Na hepatite C crônica, o interferon-alfa exerce tanto um efeito antiviral quanto
imunomodulatório. A dose preconizada para o interferon-␣ é de três milhões de unidades, três vezes por semana,
administrado por via subcutânea, por um período de 24-48 semanas, dependendo do caso. A monoterapia com interferon␣ produz uma resposta virológica sustentada (RVS) que varia de 6%-20%.(3-8) Desde o consenso de Paris ficou estabelecida
a superioridade da associação do interferon com a ribavirina sobre a monoterapia com interferon no tratamento dos
pacientes com hepatite crônica pelo HCV.(5) Em grandes “trials”, a monoterapia com interferon por 48 semanas produziu
RVS de 9% entre pacientes com genótipo 1 e de 31% entre pacientes com genótipo 2 ou 3.(4,7-8) Entre pacientes com carga
viral alta (> 2.000.000 cópias/ml) a RVS foi de 10% e entre pacientes com carga viral baixa (< 2.000.000 cópias/ml) foi
de 30%. (4,7-8) A monoterapia com interferon-␣ está indicada em pacientes que não podem receber a ribavirina e deve ser
sempre realizada com o interferon peguilado.
Terapia combinada com interferon-alfa + ribavirina: O tratamento combinado padrão é realizado com a associação
de interferon-␣ mais ribavirina (análogo sintético de nucleosídeo). As doses preconizadas para o interferon-␣ são de três
milhões de unidades, três vezes por semana, administrado por via subcutânea, por um período seis a 12 meses, dependendo
do genótipo viral infectante. Para a ribavirina utilizam-se doses de 1.000-1.200 mg, por via oral, (se peso < 75 kg ou
peso > 75 kg, respectivamente) em duas tomadas diárias, devendo ser ingerida preferencialmente junto com alimentos. As
infecções pelo genótipo 1, 4 e 5, independentemente da carga viral, devem ser tratadas por 12 meses. As infecções pelos
genótipos 2 e 3 devem ser tratadas por seis meses. Com esta combinação 40%-43% do total de pacientes obtêm RVS.(3,4,7,8)
Em grandes ensaios clínicos, a terapia combinada de interferon-␣ mais ribavirina por 48 semanas produziu RVS de 29%
entre os pacientes infectados pelo genótipo 1 e de 65% entre pacientes infectados pelo genótipo 3.(4,7,8) Entre pacientes
com carga viral alta (> 2.000.000 cópias/ml) a RVS foi de 38% e entre pacientes com carga viral baixa foi de 45%.(4,7,8) As
RVS entre pacientes infectados com genótipo 1a e 1b foram similares, assim como as RVS observadas entre pacientes
infectados com os genótipos 2 e 3.(4,7,8)
Os estudos com interferon + ribavirina na hepatite permitiram concluir que os pacientes com genótipo 1 se beneficiam de
um tratamento mais prolongado, pois a RVS foi de 29% entre os tratados por 48 semanas contra 17% dos tratados por 24
semanas.(4,7,8) Isto não ocorre com os pacientes infectados pelos genótipos 2 e 3, para os quais se encontraram taxas similares de
RVS entre os tratados por 24 semanas (66%) ou por 48 semanas (65%).(4,7,8) O Grupo de Consenso recomenda a terapia com
interferon convencional para os genótipos 2 e 3.
Terapia combinada com interferon alfa peguilado + ribavirina: Recentemente uma nova formulação de interferon
começou a ser utilizada na hepatite C crônica: os interferons peguilados. Estes são compostos constituídos por uma molécula
de interferon que se liga co-valentemente a uma molécula de polietilenoglicol (PEG) que pode variar de peso molecular (os
dois produtos disponíveis apresentam peso molecular de 12 e de 40 kD). A peguilação altera as propriedades farmacocinéticas
do interferon, melhorando a absorção, reduzindo a eliminação renal e aumentando a meia-vida do medicamento, sem alterar
a atividade antiviral do interferon-␣. Com isto, há menor desenvolvimento de resistência, pois a droga se mantém em
concentrações mais elevadas e constantes na corrente sangüínea, produzindo melhor resposta terapêutica, principalmente
quando associado à ribavirina.(9-12)
Duas formulações de peguilados estão disponíveis: O interferon peguilado alfa-2a (40 kD) e o interferon peguilado alfa-2b
(12 kD). Estes compostos têm como vantagem a aplicação única semanal e produzem uma melhor taxa de RVS nas infecções
crônicas pelo HCV.(9-12)
Recentes “trials” examinaram a eficácia dos interferons peguilados associados à ribavirina no tratamento da hepatite C
crônica.(9-12) Os interferons peguilados mais a ribavirina foram mais efetivos que o interferon convencional sozinho ou combinado
a ribavirina ou que o interferon peguilado sozinho na obtenção de RVS.(9-12) No estudo que comparou o interferon peguilado alfa2b (dose = 1,5 ug/kg/semana) + ribavirina (dose=800 mg/dia) com o esquema de interferon alfa-2b convencional (dose = 3 MU,
três vezes por semana) + ribavirina (doses: 1.000-1.200 mg/dia) por 48 semanas, obteve-se RVS de respectivamente 54% e
47%.(9-11) No estudo que comparou o interferon peguilado alfa-2a (dose = 180 ug/semana) + ribavirina (dose = 1.000-1.200 mg/
dia), por 48 semanas, com o esquema de interferon alfa-2b convencional (dose = 3 MU, três vezes por semana) + ribavirina
(doses=1000-1200 mg/dia) obteve-se RVS de respectivamente 56% e 45%.(9,12) Os dois estudos comprovaram, portanto, que os
interferons peguilados associados à ribavirina produzem melhores RVS que o tratamento com interferon convencional + ribavirina
ou que o tratamento com interferon peguilado sozinho.(9-12)
36
Os dados dos estudos referidos acima mostraram que entre os pacientes com infecções produzidas pelo genótipo 1, o
interferon peguilado alfa-2b e o PEG-interferon alfa-2a associados à ribavirina, por 48 semanas, produziram RVS de
respectivamente 42 e 46%. Nos pacientes com infecções produzidas pelos genótipos 2 ou 3 o interferon peguilado alfa-2b
e o PEG-interferon alfa-2a associados à ribavirina, por 48 semanas, produziram RVS de respectivamente 82 e 76%.(9-12)
No estudo de Manns e cols. a RVS para pacientes com infecções pelos genótipos 2 ou 3, tratados com a associação de
interferon alfa 2b + ribavirina foi de cerca de 80%, muito próxima, portanto, da RVS obtida com o interferon peguilado
alfa-2b.(11) No estudo de Fried e cols. encontrou-se 61% de RVS com o esquema de interferon-alfa 2b mais ribavirina
contra 76% de RVS obtida com a associação de interferon peguilado alfa-2a mais ribavirina.(12) Entre pacientes considerados
mais difíceis de tratar (infectados pelo genótipo 1 e com carga viral > 2.000.000 cópias/ml) a RVS com o interferon
peguilado alfa-2a mais ribavirina foi de 41% contra 33% de RVS observada entre os tratados com a associação de interferon
convencional mais ribavirina.(12)
Fatores associados com maior sucesso foram: infecções com genótipos não-1, menores cargas virais pré-tratamento,
menor grau de fibrose ou inflamação na biópsia hepática e menor peso corpóreo ou menor superfície corporal. Entre
pacientes com genótipos 2 e 3, as taxas de RVS obtidas com a associação de interferon convencional e ribavirina foram
comparáveis às taxas de RVS obtidas com a associação de interferon peguilado mais ribavirina. Com isto, o interferon
convencional mais a ribavirina deve ser utilizado para tratar os pacientes com hepatite C crônica infectados com os
genótipos 2 e 3.(9) O período de 24 semanas parece ser suficiente para tratamento das pessoas infectadas com os genótipos
2 e 3, enquanto pacientes com genótipo 1 necessitam de 48 semanas de terapêutica. Em relação às doses dos medicamentos,
interferon peguilado e ribavirina, cabem algumas considerações. Estudos de monoterapia com o interferon peguilado
alfa-2b mostraram que há grande associação entre RVS e peso do paciente, assim como com a superfície corporal.(10,11)
Também em relação à dose de ribavirina notou-se que esta foi um fator independente associado a RVS, sendo esta maior
entre os pacientes que receberam doses de ribavirina maiores que 10,6 mg/kg. Com isto, preconizou-se que a dose mínima
de ribavirina deve ser de 10,6 mg/K/dia.(11) O Grupo de Consenso recomenda o interferon peguilado para o genótipo 1.
Qual o melhor interferon peguilado?
Não existem evidências científicas substanciais, neste momento, que indiquem haver superioridade de um interferon
peguilado sobre o outro em termos de resposta terapêutica. Por terem sido os ensaios clínicos realizados em populações
não homogêneas em termos demográficos, por envolverem pacientes com diferentes graus de lesão hepática, por estarem
os pacientes estudados infectados com diferentes genótipos e diferentes cargas virais e, principalmente, por terem sido
tratados com diferentes doses de ribavirina torna-se praticamente impossível uma comparação isenta e criteriosa dos
resultados obtidos. Neste sentido, os produtos devem ser considerados similares em termos de eficácia terapêutica para
tratamento da hepatite por vírus C. Recomenda-se que uma vez iniciada a terapia com um determinado produto deva a
mesma ser mantida com o mesmo até o final do tratamento, por não existirem dados científicos que respaldem a troca de
formulação do interferon peguilado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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37
RETRATAMENTO DA HEPATITE C:
NÃO-RESPONDEDORES E RECIDIVANTES AO
INTERFERON/RIBAVIRINA
1
Fátima Mitiko Tengan1, Evaldo Stanislau Affonso de Araújo1,2
Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do HC/FMUSP. Ambulatório e
Laboratório de Hepatites (LIM 47). 2Área Temática de Hepatites
Virais da SMS/São Paulo
A. Introdução
I. Definições
Não-respondedores
Pacientes que não conseguiram negativar o HCV RNA sérico ao final do tratamento, cujos esquemas consistiram de pelo
menos 3 milhões de unidades de interferon alfa, três vezes por semana, por 24 a 48 semanas.
Recidivantes
Pacientes que falharam em manter o HCV RNA sérico negativo após 24 semanas da suspensão do tratamento, em indivíduos
que demonstraram resposta ao final do tratamento.
II. Os estudos envolvidos nesta revisão seguiram os critérios:
- Ensaios clínicos randomizados e controlados;
- Metodologia: randomização adequada (alocação, cegamento, etc.)
- Características pré-tratamento dos pacientes: idade, sexo, genótipo e carga viral do HCV e a proporção de pacientes
com cirrose;
- Tempo de seguimento pós-suspensão do tratamento;
- Definição de não-reposta e recaída.
B. Não-responsivos ao interferon-alfa
I. Objetivos
• Qual é a resposta ao se repetir o esquema de monoterapia com interferon, comparando com placebo ou não intervenção
nesses pacientes?
• A dose, duração ou tipo de repetição do esquema de monoterapia são importantes na determinação da resposta ao
retratamento?
• Fatores pré-tratamento que possam predizer a resposta à monoterapia?
• Avaliar a eficácia e segurança da ribavirina isolada ou associada ao IFN-alfa em pacientes não-respondedores ou
recidivantes.
II. Resultados(1): utilização de IFN-alfa isolado
Não-respondedores
- Interferon aumentou a chance de resposta bioquímica comparado a não tratamento;
- Não houve resposta virológica;
- Doses maiores que três milhões de unidades (MU) três vezes por semana não ofereceram vantagem comparadas a 3
MU três vezes por semana para resposta bioquímica sustentada;
É mais provável obter resposta virológica sustentada (RVS) com 48 semanas de tratamento do que com 24;
Os eventos adversos não diferem significantemente com a dose ou duração do tratamento.
Recidivantes
- Nenhum dos “trials” comparou interferon com não tratamento;
Doses maiores que 3MU três vezes por semana não foram mais eficazes em conseguir resposta virológica sustentada do
que 3MU três vezes por semana;
- Duração de tratamento de 48 semanas foi mais eficaz em obter resposta virológica sustentada do que 24 semanas; mas
esteve associada a reduções de dosagem com maior freqüência;
- Nenhum dado sobre a evolução clínica ou histológica esteve disponível nesses estudos;
- Qualidade de vida e custo-efetividade: nenhum estudo relatou esses dados.
38
III. Resultados(2): utilização de IFN-alfa associado à ribavirina
- Comparando com placebo ou nenhuma intervenção, a monoterapia com ribavirina não ofereceu nenhum efeito sobre a
resposta virológica ou histológica; somente uma resposta bioquímica transitória;
- Comparando com interferon, a terapêutica combinada aumentou a chance de ocorrer uma resposta virológica sustentada
em 33% em recidivantes e 11% em não-respondedores;
- Independente de terapêutica prévia, a terapêutica combinada aumentou significativamente a chance de resposta
bioquímica sustentada ou de melhora histológica;
- A terapêutica combinada aumentou significativamente o risco de descontinuação do tratamento e aparecimento de vários
eventos adversos:
• anemia
• tosse
• dispnéia
• leucopenia
• faringite
• prurido
• rash
• redução de dose
• suspensão de tratamento
- Nenhum dos estudos relatou qualidade de vida, resposta histológica e ocorrência de depressão.
Conclusões
• A ribavirina associada a interferon deve ser considerada o tratamento de escolha para pacientes com hepatite C crônica
que são não-respondedores ou recidivantes à monoterapia com IFN.
C. Não-responsivos à associação interferon-alfa e ribavirina
Os ensaios clínicos relacionados a esse tema que obedecem aos critérios iniciais são escassos; escolhemos analisar e
complementar os dados reportados por Bruno et al. (2004), Fried et al. (2004) e Shiffman et al. (2004).
Considerando os índices de resposta virológica dos interferons peguilados, quando comparados ao convencional (fig. 1), é
natural que esses sejam a escolha natural para a nova terapia.
100
Resposta virológica
Sustentada
HCVRNA (-), %
80
60
40
20
0
IFN
IFN
RBV
PEG-2a
RBV
PEG-2b
RBV
Figura 1. Resposta virológica e virológica sustentada a várias terapias utilizadas para a hepatite C
crônica (IFN, PEG, RBV).
39
Pacientes que não obtiveram RVS seguindo o tratamento com interferon isolado ou associado à ribavirina devem ser retratados,
portanto com interferon peguilado e ribavirina, embora os dados relativos a essa abordagem sejam ainda escassos.
Tabela 1
Resposta ao retratamento com Peginterferon alfa-2a e
RBN em pacientes não respondedores prévios
RVS, %
Terapia prévia
Raça
Interferon
30
Interferon e ribavirina
11
Branco
20
Hispânico
Genótipo
Viremia VHC
Cirrose
Negros
6
1
14
2 ou 3
60
<1.5 milhões IU/ml.
31
>1.5 milhões IU/ml.
6
sim
11
não
23
22
Krawitt El. et al. Hepatology. 2002;36(suppl 1):359A. HCV, hepatitis C virus; RVS, Resposta
virológica sustentada.
Finalmente, destacamos os dados preliminares do Estudo HALT-C, apresentados por Shiffman e col, que evidenciam 20%
de RVS para 212 participantes que completaram o seguimento inicial de 60 semanas (não-respondedores ao IFN ou IFN/
ribavirina e com cirrose ou fibrose avançada, como exige o estudo). Esses resultados contrastam com dados obtidos no Brasil,
onde em um estudo não controlado, multicêntrico, ainda não publicado, a RVS para os NR ao IFN convencional, em uma
análise tipo “Intention to treat (ITT)”, foi de 33,3% ou, analisando por genótipos, 21,4% para genótipo 1 e 63,6% para o gene
não 1. Ressalte-se que não havia cirróticos nessa casuística.
D. Não-responsivos ao interferon peguilado
Os ensaios clínicos relacionados a esse tema que obedecem aos critérios iniciais são escassos; escolhemos analisar e
complementar os dados reportados por Bruno et al. (2004), Fried et al. (2004) e Shiffman et al. (2004).
Comentários
• O retratamento de pacientes que falharam em alcançar uma RVS durante peginterferon mais ribavirina têm baixa
probabilidade de sucesso, exceto se os fatores que levam à não-responsividade sejam identificados e corrigidos (aderência,
abuso de álcool e de drogas, dose reduzida de ribavirina, etc.)
• Deve-se pensar em terapêutica de manutenção em dois grupos de pacientes: aqueles com recaída prévia que têm alta
probabilidade de continuar HCV RNA indetectável com essa terapêutica e aqueles com RV parcial e um declínio de 2 log ou
mais na carga viral do RNA do VHC sérico em relação ao basal pré-tratamento.
• A terapêutica de manutenção não deve ser considerada para pacientes que já desenvolveram complicações da cirrose,
não-respondedores com resposta nula ou não-respondedores com inflamação discreta e/ou fibrose portal.
40
E. Fatores predisponentes a não-responsividade
Uma proposta a ser considerada seria a de analisar os casos de acordo com seu Risco de Progressão nos próximos anos e
Preditividade, bem como a possibilidade de intervenção. Propomos assim:
Risco de progressão
Alto: F3 e F4
Baixo: F0 a F2
Preditividade
Ruim:
• Não-respondedores prévios ao interferon
• Genótipo 1
• Alta Carga Viral
• Ausência de queda CV de 2 logs na semana 12
• Raça negra
• Fibrose avançada
• Idade acima dos 50 anos
• Redução e/ou perda de doses (corrigir fatores desencadeantes: uso de droga, questões sociais, treinamento médico
inadequado com redução desnecessária da dose, etc.)
Favoráveis:
• Resposta Não Sustentada anterior
• Genótipo não 1
• Baixa Carga Viral
• Queda da VC maior de 2 logs na sem 12
• Caucasianos
• Pouca Fibrose
• Adesão e doses plenas
• Idade menor que 50 anos
Baseando-se nessa abordagem o seguinte fluxo decisório é proposto:
Retratamento?
Risco de
Progressão
(Fibrose)
F0 e F2*
Favorável
Predição de
Resposta
F3 e F4
Desfavorável
Favoráveis
(RNS, gene não-1,
viremia baixa, etc.)
Desfavoráveis
(NR, genótipo 1,
viremia elevada, etc.)
*F2: em que pese se tratar de pacientes já tratados, cujo grau de atividade inflamatória poderia ser alterado pela
mesma, julgamos que portadores de F2 com atividade inflamatória periportal maior que 2 já podem ser considerados para
novo tratamento.
41
Portanto, o retramento aos NR ou RNS para IFN e ribavirina estará indicado a todos os pacientes com
f ibrose acima de F3, ou F2 com atividade periportal maior que 2. Deverá ser realizada com interferon peguilado
associado à ribavirina, independentemente do genótipo, nas doses habituais, respeitando critérios de Resposta
Virológica Precoce e duração preconizada para Gen 1 e não 1. Os critérios de segurança são os mesmos para
pacientes virgens de terapia.
Devemos considerar que as recomendações acima foram feitas entre relatos ainda escassos, baseando-nos
principalmente nos esquemas que utilizam para nova terapia o interferon alfa peguilado associado à ribavirina, uma
vez que outras associações (timosina, micofenolato, amantadina, interferon de consenso) além de especulativas ou
em estudo, não estão acessíveis para utilização clínica de forma mais geral. Recentemente, a utilização de terapia
por períodos mais prolongados, que ultrapassam as 48 semanas, tem sido discutida, mas também inexiste evidência
para sua adoção ou recomendação nesse momento.
A Resposta Não Sustentada prévia permanece como principal fomentador para um novo tratamento, em particular
nos que possuem formas avançadas de doença, pois é o melhor preditivo de RVS na nova terapia.
Definição de fatores para decidir se o retratamento é necessário, uma reflexão
Apenas porque uma nova terapia, estabelecida ou experimental, está disponível para retratamento ou um fator
potencialmente corrigido foi identificado, isso não deve implicar que um paciente previamente não-respondedor
deva ser tratado. Além de compreender os mecanismos de ação do interferon, que possui nítidas limitações,
decorrentes de características genéticas e da interação com o hospedeiro, é necessário ao médico bom senso para
definir a necessidade da terapia e sua chance de êxito. Tal decisão não pode ser tomada sem o conhecimento da
severidade da lesão hepática e do risco de progressão para cirrose no futuro próximo. Portanto, se não houver
uma biópsia hepática recente, é necessário obtê-la antes de qualquer decisão – fato, naturalmente, desnecessário
se já houver a constatação prévia da cirrose estabelecida. Isso é essencial, pois o risco de progressão para um
paciente com formas histológicas brandas é pequeno em até, pelo menos, duas décadas. Embora seja aceitável
tratar um paciente, em particular se fatores passíveis de correção forem alterados, nessas circunstâncias,
recomendamos que fatores fixos, como elencamos acima, sejam absolutamente considerados no processo decisório.
O monitoramento clínico e laboratorial, esperando que novas drogas estejam disponíveis, é altamente recomendado
para os não-respondedores com pouca ou nenhuma fibrose hepática.
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ABORDAGEM DOS PACIENTES CO-INFECTADOS
Edgar de Bortholi Santos1, Maria Cássia Jacintho Mendes Correa2
1
IIER 2DMIP-HC/FMUSP
VHC e HIV compartilham os principais mecanismos de transmissão: parenteral, vertical e sexual. Dessa forma, a
prevalência do VHC na população soropositiva para o HIV vai depender dos fatores de risco envolvidos na transmissão
do HIV e do VHC, respectivamente.
Os pacientes com fatores de risco para transmissão parenteral (usuários de drogas e receptores de sangue e seus
derivados) apresentam alta prevalência de co-infecção HIV/VHC.
Dessa forma, pacientes infectados pelo HIV apresentam índices de prevalência para VHC muito superiores aos índices
da população em geral.
De maneira geral, cerca de um terço da população infectada pelo vírus HIV está também infectada pelo VHC (vírus
da hepatite C). Esses índices podem variar de 4% a 90%.
A evolução da hepatopatia causada pelo VHC é mais rápida na população co-infectada. Dessa forma, a cirrose
hepática, a insuficiência hepática e o hepatocarcinoma são muito mais freqüentes nessa população. Estes dados
revelam a importância e urgência de se realizar um tratamento seguro e eficaz contra a hepatite C neste grupo de
pacientes.
Além disso, o tratamento dessa afecção também diminui as chances de transmissibilidade desse vírus, contribuindo
dessa forma para um melhor controle de sua disseminação.
A seguir propomos um fluxograma para o manejo e tratamento da população co-infectada.
43
Diagnóstico laboratorial
Em todos os pacientes infectados pelo HIV, é fundamental a solicitação dos testes sorológicos para as hepatites virais A, B
e C. De modo geral, não se observam dificuldades para o diagnóstico sorológico das hepatites virais em pacientes infectados
pelo HIV. Eventualmente, pacientes com alto grau de imunodeficiência podem apresentar resultados falsos-negativos. Devido
a isto, pode-se solicitar exames de biologia molecular (HBV-DNA ou HCV-RNA) em pacientes infectados pelo HIV que
apresentem quadro clínico e/ou laboratorial sugestivo de hepatite viral, com sorologia repetidamente negativa e após descartar
outros diagnósticos. Deve ser lembrado a necessidade da solicitação da sorologia para o HTLV devido ao fato de apresentar o
mesmo mecanismo de transmissibilidade que os vírus hepatotrópicos, apesar de não se conhecer a importância da co-infecção
destes vírus com esta partícula viral.
Quanto maior a imunossupressão, maior a possibilidade de resultados falsos-negativos.
Portanto, uma única sorologia em pacientes infectados para o HIV não é critério suficiente para que se afaste a infecção
pelo HCV.
Biópsia hepática
A realização da biópsia hepática nos permite identificar o grau de envolvimento histológico da doença, de tal forma que
podemos contar com o real grau de estadiamento estrutural e necroinflamatório apresentado pelo paciente.
A biópsia também nos permite realizar o diagnóstico de outras co-morbidades eventualmente apresentadas por esta população:
esteatose hepática, infecções oportunistas, hepatites por outras etiologias.
Poderá detectar pacientes que não necessitem de tratamento (fígado reacional).
A biópsia de agulha é a preferida, pois permite a retirada de fragmentos de áreas distantes da cápsula de Glisson (as áreas
subcapsulares mostram muitas alterações inespecíficas). Além disso, a biópsia transcutânea deverá ser realizada com o auxílio
de ultra-sonografia ou tomografia computadorizada. Não se recomenda a realização deste procedimento na ausência destes
instrumentos (biópsia “as cegas”).
Deverão realizar biópsia hepática os pacientes candidatos a tratamento da hepatite C.
Em situações excepcionais, na impossibilidade de realização da biópsia hepática, a introdução da terapêutica deve ser
considerada.
Critérios para indicação da biópsia hepática
• Investigação clínica de outras condições que não hepatite C, a critério do médico assistente.
• Hepatite C crônica (HCV-RNA positivo)
• Doença hepática compensada (Child A)
• Contagem de plaquetas > 60.000/mm3
• Atividade de protrombina > 50%
• Ausência de contra-indicação ao uso de interferon e/ou ribavirina
Critérios de indicação de tratamento
• A indicação de tratamento específico será realizada levando-se em consideração a presença do RNA do VHC e o diagnóstico
histológico, e elevação das transaminases (preferencialmente a ALT). Pacientes com enzimas hepáticas dentro dos limites de
normalidade deverão ser encaminhados para centros de referência.
• Serão tratados os pacientes que apresentarem a presença do RNA do VHC, elevação de enzimas hepáticas e o seguinte
critério histológico: ≥ F2 e/ou atividade periportal ≥ A2.
Critérios de inclusão
• Idade de 18 a 65 anos
• Pacientes com diagnóstico de infecção pelo HIV, sem indicação de tratamento anti-retroviral
• Pacientes com diagnóstico de infecção pelo HIV, com indicação de tratamento anti-retroviral que apresentem linfócitos T
CD4+ maior que 200 cels. e doença estabilizada pelo HIV, de acordo com critérios estabelecidos pelo Consenso Brasileiro.
Critérios de exclusão
• Plaquetas < 50.000 mm3
• Neutrófilos < 1.500 mm3
• Hg < 11,0 g
• Deficiência de G6fosfato
• Hemoglobinopatias ou antecedente de anemia hemolítica
• Doença hepática descompensada
• Doenças metabólicas (diabetes mellitus, doença da tireóide, etc.) descompensadas ou não controladas
• Cardiopatias severas, história pregressa ou atual de doença arterial coronariana
44
• Renais crônicos
• Dependentes de álcool ou de drogas psicoativas
• Doenças auto-imunes, a critério médico
• Gestação ou amamentação
• Parceiros sexuais de mulheres grávidas ou pretendendo engravidar
• Antecedente de doença psiquiátrica: distúrbio bipolar, depressão grave, psicose ou qualquer outro antecedente
considerado grave.
• Presença de qualquer doença oportunista em atividade ou de qualquer sinal ou sintoma clínico inespecífico da infecção pelo
HIV (emagrecimento, febre, adenomegalia, etc.), que na opinião do médico assistente do paciente exija investigação apropriada.
Tratamento
• O tratamento de pacientes co-infectados HIV-VHC deve ser realizado por período e depende do tipo de genótipo infectante, sendo:
- Para o genótipo 1, 48 semanas (12 meses)
- Para o genótipo 2 e 3 com CD4 ≥ 350 24 semanas, nos pacientes com CD4 ≥ 200 e < 350 poderá ser de 24 a 48 semanas
ficando a critério médico o tempo de tratamento.
As drogas de escolha serão o interferon peguilado (1,5 mcg/kg/semanas para interferon peguilado alfa 2b e 180 mcg/sem
para interferon peguilado alfa-2a, ambos associados a ribavirina na dose de 11 a 15 mg/kg/dia.
- Pacientes com contra-indicação para o uso de ribavirina deverão receber interferon peguilado monoterapia, de acordo com
as doses acima assinaladas. Porém é importante enfatizar a necessidade da associação principalmente nos três primeiros meses
da terapêutica, podendo se utilizar de recursos outros que não a interrupção da ribavirina.
- Ainda não existem dados de literatura definitivos sobre o tempo adequado de tratamento para os pacientes co-infectados,
que apresentem genótipos 2 ou 3.
A recomendação de menor tempo de tratamento proposta neste consenso, é baseada na experiência com pacientes
monoinfectados pelo VHC.
Existem sim dados que indicam que a recaída da hepatite C é maior naqueles pacientes co-infectados com genótipo 3 do
que na população monoinfectada. Acredita-se que isso se deva a uma cinética viral do VHC, diferente nessa população. Dessa
forma, alguns autores propõem inclusive prolongar o tratamento dos pacientes co-infectados para 48 semanas, mesmo naqueles
com genótipos 2 e 3.
Dessa forma, o prolongamento do tempo de tratamento nesses casos poderia ser considerado.
ATENDIMENTO PACIENTES CO-INFECTADOS
HIV/VHC
Paciente
Anti-VHC ELISA
Neg.
Repetir se necessário
Neg.
Repetir se necessário
Positivo
RNA-VHC PCR
Positivo
Biópsia
Fígado Racional
Alterações Estruturais
Alterações Necroinflamatórias
Monitorar/Repetir Biópsia
TRATAR
Genótipo
Figura. Fluxo assistencial co-infecção HIV/VHC
45
Rotina de monitoramento ambulatorial
1ª Consulta
• Com sorologia positiva para HCV (com cut off)
1. Solicitar PCR qualitativo
2. Bioquímica com perfil hepático (TGO, TGP, GGT, FA, BTF, glicose, colesterol, amilase, ácido úrico)
3. Eletroforese de proteína
4. Coagulograma
5. Hemograma
6. Ultra-som abdominal
2ª Consulta (Pré-Tratamento)
1. Positividade para o PCR
2. Genotipagem
3. Biópsia hepática
4. TSH, T4 livre
5. Teste de gravidez (com termo de compromisso)
6. Coagulograma (TP/INR)
7. Eletroforese de proteínas
8. Eletrocardiograma
9. Alfa fetoproteína
10. FAN e Fator Reumatóide
11. Fundo de olho (se diabético ou HAS)
Monitorização laboratorial durante e após terapêutica
• Introdução da terapêutica
1. Hemograma semanal, nas primeiras duas semanas de tratamento, após mensal.
2. Exame clínico e Bioquímica mensalmente e seis meses pós tratamento.
3. TSH, T4 livre na 12ª semana, 6º mês, 12º mês e seis meses pós-tratamento.
4. Endoscopia Digestiva Alta (se F3/F4)
5. Ultra-sonografia 6º mês, 12º mês, e seis meses pós-tratamento.
6. Acompanhamento do CD4 se possível a cada dois meses durante o tratamento (ficando à critério médico sua
solicitação).
7. Dosagem de amilase e lactato durante o tratamento (á critério médico)
8. Coagulograma (TP/INR) 6º mês, 12º mês e seis meses pós-tratamento. Se F3/F4 mensal.
9. Alfa fetoproteína no 6º e 12º mês (se F3/F4)
10. Eletroforese de proteínas 12ª semana, 6º mês, 12º mês e seis meses pós-tratamento.
11. Refazer o PCR no 12º mês da terapêutica e se negativo repetir após seis meses do término do tratamento.
Efeitos colaterais
• Anemia: queda de pelo menos 2 g do Hb inicial e Hb < 10 Introduzir eritropoetina, mantendo até o limite dos três
primeiros meses, após se necessário diminuir a ribavirina para 50% da dose e aumentar progressivamente de acordo com a
tolerância do paciente.
• Neutropenia abaixo de 1.000 neutrófilos
adicionar GM-CFS (granuloquine®). Se a queda se mantiver inferior a 500
neutrófilos, suspender o tratamento.
• Queda do CD4 maior que 25% do valor inicial e uma carga viral maior que 1 log reavaliar riscos, caso seja seu
paciente; não o sendo, entrar em contato com o médico do paciente para reavaliação de mudança terapêutica do HIV.
• A monoterapia com ribavirina pelos dados disponíveis atualmente não é recomendada.
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APRESENTAÇÃO DOS EFEITOS ADVERSOS MAIS FREQUENTES DO TRATAMENTO
DA HEPATITE C COM INTERFERON E RIBAVIRINA
Orlando Jorge Gomes da Conceição
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Um dos principais fatores para a obtenção de um melhor resultado do tratamento da hepatite C é a aderência do paciente. Esta
adesão ao tratamento sofre grande influência da tolerabilidade e os eventos adversos relacionados com as drogas empregadas no
tratamento. Entre os eventos mais freqüentes relacionados a interferon podemos encontrar: síndrome gripal, fadiga, alopecia, depressão
e outros distúrbios psiquiátricos, tosse, insônia, anorexia, tireoideopatia, reações no local da aplicação da injeção, distúrbios visuais,
anemia, neutropenia e trombocitopenia. Raramente são observadas colite, pancreatite e doença pulmonar grave. A ribavirina pode
provocar defeitos congênitos ou óbito fetal. Deve ser recomendada a prática de uso de anticoncepção em pacientes mulheres ou
parceiras de paciente masculino durante o período de tratamento e até seis meses após a conclusão do mesmo.
De uma forma geral, recomenda-se para o paciente em tratamento, que adote uma dieta balanceada, abstenção de ingesta de
bebida com álcool ou do uso de drogas ilícitas e mantenha rigoroso acompanhamento médico. A abordagem dos eventos
adversos deve sempre ter como objetivo a manutenção do tratamento, de preferência sem redução da dosagem das medicações.
Síndrome gripal
A síndrome gripal é constituída por uma combinação dos seguintes sinais e sintomas: febre, calafrios, dor muscular, dor
articular, cefaléia e fadiga. Refeições balanceadas e exercício podem auxiliar na fadiga. Os sintomas de dor podem ser tratados
com o uso de acetaminofeno ou antiinflamatórios não-esteróides (ibuprofeno). A ribavirina deve ser tomada com alimento para
reduzir o risco de náuseas. Diarréia associada a interferon pode ser tratada com hidratação, uso de antidiarréicos e dieta
obstipante. Recomenda-se a suplementação com um polivitamínico que não contenha ferro.
Alopecia
A queda de cabelo pode ocorrer, porém geralmente é de leve intensidade e o cabelo retorna ao normal após cessar a
terapêutica. A alopecia pode ser atenuada com corte cabelo curto. Existem relatos de pacientes que obtiveram sucesso com uso
de minoxidil.
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Insônia
Redução dos hábitos de sono pode ser um dos primeiros sinais de depressão. Limitação de cafeína e álcool associado ao
emprego de técnicas de relaxamento podem ser medidas iniciais. Permanecendo o sintoma podem ser utilizados
benzodiazepínicos.
Depressão
Muitos pacientes portadores de hepatite C possuem histórico de depressão ou desenvolvem o quadro durante o tratamento.
Os sintomas se iniciam geralmente a partir de quatro semanas de tratamento. A depressão pode se manifestar através de diversos
sintomas. Deve ser considerado quadro de depressão quando presentes a redução ou perda do interesse com duração superior a
duas semanas, associadas à presença de quatro dos seguintes achados: modificação no apetite; insônia ou hipersonia; fadiga;
agitação psicomotora ou lentificação; sentimento de perda ou culpa; concentração diminuída; ideação suicida.
O tratamento da depressão deve ser feito através de psicoterapia de apoio e utilização de antidepressivos, como fluoxetina,
sertralina ou paroxetina.
Anemia
A ribavirina freqüentemente leva a anemia que atinge níveis de risco para o paciente, com manifestação clínica que varia desde fadiga
até manifestações cardíacas. A recomendação padrão de abordagem da anemia é a redução da dose de ribavirina quando ocorre uma
queda da hemoglobina superior a 2,0 g/dl, sendo necessário atingir nível abaixo de 10 g/dl. A ribavirina deve ser interrompida quando a
hemoglobina cai abaixo de 8,0 g/dl. A primeira redução recomendada é a adequação da dose ao mínimo diário de 10,6 mg/kg.
A seguir, no sentido de não reduzir mais a dose de ribavirina, outra abordagem é a utilização de eritropoetina na dose de
4.000 unidades, via subcutânea, três vezes por semana. Realizar controle laboratorial semanal até a estabilização da dose. De
preferência, manter acompanhamento conjunto com hematologista.
Neutropenia
O emprego de interferon peguilado está associado com maior freqüência com neutropenia do que o interferon padrão,
resultando em redução da dose em até 20% dos pacientes tratados.
Quando a contagem de neutrófilos é inferior a 750/mm3 deve ser reduzida a dose de interferon. A redução da dose varia de
acordo com o tipo de interferon que está sendo empregado. No caso de PEG-interferon 2a reduzir a dose para 0,75 ml (135 ␮g)
uma vez por semana; no caso de PEG-interferon 2b reduzir para 1 ␮g/kg/semana. Se a queda atinge níveis abaixo de 500/mm3
o interferon deve ser interrompido.
Para evitar a redução ou interrupção do interferon pode ser utilizada filgrastina na dose de 300 mcg uma a três vezes por
semana, iniciando quando a contagem de neutrófilos cai abaixo de 1.000/mm3. Realizar controle laboratorial semanal até a
estabilização dos neutrófilos. De preferência, manter acompanhamento conjunto com hematologista.
Disfunção de tireóide
O tratamento com interferon pode causar ou agravar disfunção tireoidiana resultando tanto em hipo ou hipertireoidismo. A
função tireoidiana deve ser avaliada a cada três meses durante o tratamento e até seis meses após o término do mesmo.
Complicações oculares
Pacientes com retinopatia prévia, especialmente diabetes e hipertensão, devem realizar exame oftalmológico periódico.
Qualquer queixa de visão turva, redução ou perda de visão deve ser imediatamente avaliada pelo oftalmologista.
HEPATITE C – DESENVOLVIMENTO DE NOVAS
DROGAS E ENSAIOS CLÍNICOS
Antonio Alci Barone
Professor Associado DMIP - FMUSP. Médico Chefe do Ambulatório e Laboratório de Hepatites - LIM 47 - FMUSP
Embora as terapias atualmente disponíveis sejam eficientes em mais ou menos 50% dos pacientes, elas são muito caras,
prolongadas, associadas com muitos efeitos colaterais e não adequadas para alguns grupos de pacientes. Desta sorte, melhores
esquemas de tratamento são necessários.
Estudos pré-clínicos
1. Screening dos grupos de compostos potencialmente úteis ou desenho e síntese de novas moléculas baseados no
conhecimento de alvos potenciais dentro da estrutura conhecida;
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2. Testes rapidamente realizados para conhecer a potência e a toxicidade dos agentes potenciais, isto é, a seletividade dos
agentes e dos alvos;
3. Estabilidade e ligação protéica da entidade química devem ser avaliados sob várias condições;
4. Mecanismos de ação dos compostos devem ser explorados em condições apropriadas in vitro;
5. Estudos toxicológicos devem ocorrer em pelo menos duas espécies animais. Se o perfil toxicológico for aceitável, então
a droga entra na “lista quente” de candidatos;
6. Conhecimento do metabolismo do composto, através de estudos farmacocinéticos em animais;
7. Estudos de eficácia devem ser realizados em animais;
8. Finalmente, estudos de combinação de drogas in vitro e in vivo, seleção de vírus resistentes, adequação viral,
pirofosforolise e outros.
Eficácia
Atualmente, o uso da PCR quantitativa em tempo real em sistemas enzimáticos ou celulares pode determinar a potência relativa de
uma determinada droga de maneira rápida e reprodutível. Modelos de eficácia incluem cultura de tecidos e modelos animais nos quais o
VHC se replica de maneira eficiente e as moléculas antivirais podem ser testadas em sua capacidade de inibir a replicação viral.
Sistemas de cultura de tecidos: 1. cultura de hepatócitos humanos isolados de pacientes não infectados e infectados in vitro
com soro de pacientes infectados é o modelo mais próximo do fisiológico. 2. RNA replicons, que são partículas subgenômicas
da molécula do RNA do VHC que são capazes de iniciar e manter replicação em Huh7, que são linhas de células de hepatoma
humano mais fáceis de serem mantidas em cultura. São atualmente muito usadas para avaliar enzimas ou ácidos nucléicos
como alvos de novas moléculas.
Modelos animais: são uma ligação crucial entre os experimentos in vitro e ensaios clínicos em humanos. O chimpanzé é o
melhor modelo, porém apresenta problemas de manuseio, custo, disponibilidade e aspectos éticos. A tupaia (tree shrew) apresenta
viremia rara e transitória. Os camundongos com fígado “humanizado” são obtidos através de transplante de hepatócitos; esses
animais são capazes de apresentar infecção com altos níveis de RNA-VHC e mantê-las por semanas ou meses e podem transmitir
o vírus para outros receptores. Estão atualmente sendo testados com as novas drogas que obtiveram sucesso in vitro.
Farmacologia
Os estudos farmacológicos estão hoje sendo desviados para a demonstração precoce de atividade ou eficácia (prova de
conceito), através de métodos sofisticados que utilizam biomarcadores nas tomadas de decisão. Eles abreviam e auxiliam a fase
pré-clínica dessas pesquisas.
Toxicidade e interações de drogas
Há dois tipos principais de risco calculado ou seguro: 1. toxicidade baseada no mecanismo de ação; 2. toxicidade dependente
do composto, devida a ações secundárias da molécula em teste, não relacionadas com seu mecanismo de ação. A maioria das
interações entre drogas está relacionada com inibição ou indução da atividade enzimático do citocromo P450.
Ensaios clínicos
Após os árduos e longos processos pré-clínicos, alguns poucos compostos “sobreviventes” são incluídos na lista de “drogas
candidatas” para avaliação clínica, que inclui quatro tipos de ensaios, de fase I a fase IV, além das fases de cinética viral e resistência.
Alvos para novas terapias anti-VHC
Os alvos ideais são representados por estruturas do RNA e de proteínas virais por ele codificadas, que são essenciais para
o ciclo vital do VHC.
Regiões não codificadoras 5’ e 3’
As curtas regiões não codificadoras 5’ e 3’ do genoma do VHC contêm elementos estruturados do RNA que são de
importância relevante para iniciação da translação da proteína, assim como para reconhecimento específico das regiões
terminais das margens positiva e negativa da RdRp e subseqüente iniciação da transcrição do RNA. Duas estratégias podem
ser utilizadas: moléculas que clivam ou desestruturam os segmentos 5’ NC e 3’ NC ou desenvolvimento de pequenas moléculas
que se ligam especificamente a estruturas desses segmentos e podem inibir a translação ou o reconhecimento da RdRp.
Proteína p7
Embora sua função não seja totalmente conhecida, parece que ela forma canais iônicos na membrana do retículo endoplásmico
que são necessários para a replicação do VHC.
NS3 serina protease
Pertence à classe das quimiotripsinas e tem função na clivagem da poliproteína inicialmente sintetizada em proteínas
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funcionais. Sua estrutura tridimensional, em conjunto com o co-fator NS4A foi determinada por cristalografia de RX. São
reconhecidas extensas áreas de contato entre a poliproteína e a protease NS3 que representam locais distintos para ligação de
inibidores dessa enzima.
NS3 helicase
Sua função primária é não permitir o enrolamento (espiralamento) do RNA genômico durante a replicação.
NS5B RNAdependente-RNApolimerase (RdRp)
É uma proteína de 68 kDa que catalisa a síntese do RNA durante a replicação. Essa enzima apresenta um grande número de
interações moleculares que podem ser alvo de moléculas inibidoras.
Atualmente, os alvos mais promissores para o desenvolvimento de novas drogas parecem ser a NS3 serina protease e
NS5B RdRp.
Alvos alternativos
Outros mecanismos de infecção e doença podem ser adequados para futuros alvos de drogas. Esses objetivos podem ser: 1.
impedir a entrada do vírus na célula objetivando a estrutura receptora da célula ou; 2. interagindo com o sistema imune do hospedeiro
no sentido de neutralizar o vírus ou acelerando a morte da célula infectada ou ainda; 3. retardando ou revertendo a fibrogênese.
Ligação e entrada do vírus nas células
O genoma do VHC codifica duas lipoproteínas do envelope E1 e E2, as quais se imagina serem expressas como heterodímeros
não-covalentes na superfície viral. O mecanismo pelo qual o VHC entra nas células alvo não é conhecido. A glicoproteína E2
parece ser responsável pelo início da ligação e a E1 deve conter o peptídeo de fusão responsável pela fusão do vírus com as
membranas celulares. As moléculas das células do hospedeiro responsáveis pela ligação do VHC ainda não são definitivamente
conhecidas, porém algumas candidatas tem sido incriminadas, como a tetraspanina CD81, que interagiria com um receptor
classe B tipo 1 e moléculas de adesão específicas de células dendríticas e de fígado e linfonodos (DC-SIGN e L-SIGN). Um
papel também tem sido sugerido para os receptores de lipoproteína de baixa densidade (LDL). Um melhor conhecimento
desses fenômenos exigiria meios de cultura convencionais mais eficientes para o VHC.
Resposta imune
A resposta imune celular desempenha um importante papel na infecção pelo VHC e pode representar um alvo atraente para
intervenções terapêuticas. Na verdade, uma resposta vigorosa e multiespecífica CD4+ e CD8+ durante a hepatite C aguda estão
associadas com o clareamento viral e cura. A resposta de memória específica de células T se mantém por décadas. Por outro
lado, a falta dessa resposta ou a sua manutenção por tempo insuficiente estão associadas com a persistência da infecção e a
hepatite crônica. Nossos conhecimentos atuais deram origem a uma dúvida: deveria a terapia antiviral ser associada a uma
modulação da resposta imune na hepatite crônica por VHC?
Progressão da fibrose
Se o vírus não pode ser erradicado, outra abordagem alternativa seria diminuir a progressão da doença hepática. O evento patogênico
determinante da progressão da fibrose é a ativação das células estreladas (células de Hito). Esse processo se caracteriza pela produção
de quantidades aumentadas de matrix extracelular e a expressão de novo de alfa-actina de músculo liso, o que leva ao aumento da
fibrogênese. Esta se caracteriza pelo aumento significante no colágeno (tipo I > III > IV) e outros constituintes da matrix extracelular,
como laminina, fibronectina e proteoglicans. É uma processo de cicatrização complexo e integrado. Terapias antifibróticas novas e
específicas podem objetivar a redução e a remoção da injúria primária, inibindo a ativação das células estreladas, estimulando a
degradação da matrix, estimulando a apoptose das células estreladas ou diminuindo os efeitos de sua estimulação.
Novas drogas anti-VHC
Tabela 1. Drogas aprovadas e comercializadas para hepatite C
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Nome do produto
Marca
Interferon alfa-2a
Interferon alfa-2b
Interferon alfacon-I
Peginterferon alfa-2a
Peginterferon alfa-2b
Ribavirin
Rebetol
Roferon-A (Roche)
Intron A (Schering-Plough)
Infergen (InterMune)
Pegasys (Roche)
Peg-Intron (Schering-Plough)
Copegus (Roche)
Schering-Plough
Dose
3 MU 3 x semana, SC
3 MU 3 x semana, SC
9 ␮g 3 x semana, SC
180 ␮g 1 x semana, SC
1,0–1,5 ␮g/kg 1 x sem, SC
0,8–1,4 g/dia, oral
0,8–1,4 g/dia, oral
Tabela 2. “The HCV Pipeline” (Novas drogas para Hepatite C)
Nome do composto e descrição
Fabricante
Estado
Interferon alfa Oral IFN alfa
Multiferon Purified multisubtype human IFN alfa
Omega interferon IFN omega
Actimmune IFN gamma
Albuferon Fusion protein IFN alfa-albumin
Peg-alfacon Pegylated consensus IFN alfa
Transfersome containing IFN alfa
Viramidine Ribavirin prodrug
Levovirin L-isomer of ribavirin
Merimepodib (VX-497) IMPDH inhibitor
ANA-245 Oral IFN-like molecule
Maxamine Histamine immune modulator
Macrokine Chloride matrix immune modulator
Zadaxin Thymosin alfa immune modulator
ISIS-14803 Anti-IRES antisense oligonucleotide
NM-283 Nucleosidic RdRp inhibitor
JTK-003 Nonnucleosidic RdRp inhibitor
JTK-109 Nonnucleosidic RdRp inhibitor
HCV-371 RdRp inhibitor
BILN-2061 Protease inhibitor
UT-231-B Iminosugar p7 inhibitor
Civacir Pooled HClg
HepeX-C (XTL-002) Anti-HCV antibody
HCV vaccine Structural HCV protein vaccine
HCV E1 vaccine Recombinant E1 protein vaccine
HCV vaccine Vaccine with 5 T-cell epitope peptides
IDN-6554 (IV e oral) Anti-fibrotic pancaspase inhibitor
IP-501 Anti-fibrotic, purified phospholipid
Amarillo
Viragen
BioMedicines
InterMune
Human Genome Sci.
InterMune
IDEA
Ribapharm
Ribapharm/Roche
Vertex
Anadys
Maxim
Dimethaid
SciClone
Isis
Idenix
Akro
Akros
ViroPharma/Wyeth
Boehringer-Ingelheim
United Therapeutics
Nabi
XTL
Chiron/CSL
Innogenetics
Intercell
Idun
Indevus
Phase II
Phase II
Phase II
Phase II
Phase I
Phase I
Phase I
Phase II
Phase I
Phase II
Phase I
Phase II
Phase II
Phase III
Phase II
Phase I/II
Phase II
Phase I
Phase I
Phase II
Phase II
Phase I/II
Phase II
Phase I
Phase II
Phase II
Phase I
Phase III
Vários caminhos novos estão atualmente sendo explorados no desenvolvimento de drogas para a hepatite C; diferentes
drogas anti-VHC específicas e não-específicas atingiram a fase de desenvolvimento clínico.
Novos caminhos na terapia baseada em IFN e ribavirina
Os IFN humanos são classificados de acordo com a molécula à qual eles se ligam. Os IFN tipo 1 incluem alfa, beta, Omega
e tau. O tipo 2 é representado pelo IFN gama, com atividade antiviral, antifibrótica e imunomoduladora para as células Th1.
Recentemente, três novas citocinas semelhantes aos IFNs foram identificadas e denominadas Il-28A, IL-28B e IL-29. Elas são
induzidas por infecções e tem marcada atividade antiviral.
Novos IFNs. Modificações nos IFNs naturais incluem alterações na seqüência primária de aminoácidos, adição de
polietilenoglicol, alteração nos padrões de glicosilação e produção de proteínas de fusão.
Consensus IFN alfa é uma citocina de 2ª geração que contém os subtipos não alélicos mais freqüentes; é mais ativo in vitro
e igualmente eficiente em ensaios clínicos.
Outro novo IFN tem sido produzido pela mistura de 20 seqüências codificadoras de DNA originando uma molécula 285.000
vezes mais ativa.
Um novo Peg-IFN foi produzido com 20 kDa, assim como um Consensus Peg-IFN, ambos sendo testados.
Uma proteína de fusão do IFN-alfa 2 com albumina humana está também em ensaios pré-clínicos. Tem atividade similar
aos IFNs porém com grande melhora na farmacocinética.
O papel dos IFN gama e ômega na hepatite C também está sendo avaliado.
Indutores orais do IFN. O problema com estas drogas é garantir a liberação de doses adequadas de IFN no tecido hepático.
Estes agentes incluem substâncias de peso molecular relativamente alto como poli I: C e derivados do oligonucleotídeo CpG.
Em contraste, outras moléculas de baixo peso molecular apresentam as mesmas propriedades imunoestimuladoras, com uma
razoável possibilidade de absorção oral, como as imidazoquinolonas: o imiquimod e o resiquimod e os análogos nucleosídeos
ANA245 e ANA971. Todas essas drogas vem sendo avaliadas em ensaios clínicos de fase I.
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Moléculas semelhantes a ribavirina
Levovirin é um L-açúcar análogo da RBV com atividade imunomodulatória Th1/Th2 que, embora seja um isômero não
produz no metabolismo, os fosfatos metabólitos, não inibe o IMPDH do hospedeiro nem acumula nos eritrócitos. Já passou
pela fase pré-clínica e ensaios de fase I. Os estudos prosseguem.
Viramidina é uma prodroga, que é convertida em ribavirina pela adenosina deaminase. O fígado é rico neste enzima. Já se
encontra em estudos de fase III.
Outros inibidores do IMPDH como o ácido micofenólico (Cellcept) e VX-497 tem mostrado pouca atividade em estudos
preliminares.
Outras drogas imunomodulatórias
Têm sido usadas em combinação com IFN-alfa ou Peg-IFN-alfa, tais como o Hidroclorato de Histamina e Timosina-alfa1.
IL-10 e IL-12 falharam e mostraram benefícios e apresentaram toxicidade significativa.
Moléculas de inibidores antivirais específicos
Estruturas do RNA viral
ISIS 14.803 desoxinucleotídeo é complementar à região do IRES; ele diminui o RNA-VHC e os níveis de proteínas em
vários modelos in vitro e in vivo. Já foram relatados dois trials em fase II.
Ribozimas são moléculas de RNA catalíticos que clivam seqüências específicas de RNA. Heptazima é um ribozima sintética
estabilizada com 33-mer. Estudos de fase II mostram redução de 10% do RNA-VHC. Novas ribozimas estão sendo estudadas.
RNA interferência (RHAi) é a regulação inibitória da expressão gênica através de mediação, dentro da célula, por proteínas
naturais que são RNA de dupla-hélice. O desenho racional dessas moléculas permite essa “down regulation” de virtualmente
qualquer gene. Estão sendo avaliadas em fase pré-clínica.
Inibidores da p7
Derivados de iminoaçúcares que agem contra o vírus da diarréia bovina (flavivírus) mostraram recentemente a capacidade
de inibir a p7 (canais iônicos). Tem baixo perfil de toxicidade em animais e um desses compostos está sendo testado em fase II.
Inibidores da protease do VHC
A procura de inibidores da reação de clivagem NS2/NS3 tem sido desencorajada pela natureza hidrofóbica da proteína e
pela natureza autolítica da clivagem. Em contraste, vários inibidores baseados em peptídeos ou peptideomiméticos têm sido
desenvolvidos para a NS3 serina-protease e testados in vitro. Outros esforços em descobrir inibidores não peptídeos têm
sido realizados.
BILN 2061 é um inibidor da NS3 serina protease pequeno, seletivo e potente. Essa molécula tem mostrado um modo
competitivo de inibição para os genótipos 1a e 1b que se mantém em células humanas e, no sistema replicon, uma inibição
nanomolecular da replicação do RNA-VHC através do bloqueio do processamento protease-dependente da NS3. Tem sido
usada em estudos de fase II com excelente resultados.
VX-950, outro inibidor da NS3 serina protease deverá entrar brevemente em desenvolvimento clínico.
Inibidores da NS3 helicase
Algumas poucas moléculas têm sido relatadas com atividade in vitro, porém seus mecanismos inibitórios, especificidade e
potencial eficácia permanecem não esclarecidos.
Inibidores da RdRp do VHC
Podem ser classificados em três categorias: 1. Nucleosídeo análogos, cíclicos ou acíclicos, são usualmente fosforilados em
seus correspondentes trifosfato-nucleosídeos no citoplasma das células infectadas. São então incorporados pela polimerase
viral em seu ciclo de processamento da síntese do ácido nucléico levando a uma terminação precoce e inibindo o ciclo vital do
vírus. São semelhantes aos usados terapeuticamente em HIV, Hepatite B e herpesvírus; 2. Inibidores não-nucleosídeos de
interesse clínico tê sido descritos apenas para a transcriptase reversa do HIV; 3. Foscarnet (ácido fosfonofórmico) é o único
membro aprovado na classe dos análogos do pirofosfato e tem sido usado no tratamento de infecções por herpesvírus. Interagem
diretamente com o sítio de ligação do pirofosfato na polimerase viral.
Vários desses compostos possuem um perfil pré-clínico encorajador, incluindo a capacidade de inibir a replicação do VHC
em culturas de células.
Poucos inibidores da RdRp do VHC biodisponíveis estão em estudos em fase pré-clínica, entre eles o JTK-003, o JTK-109
e o NM283. Este último mostrou importante atividade no tratamento de chimpanzés e está entrando em trials de fase clínica.
Terapia imune
Imunoglobulina hiperimune anti-VHC (HCIg)
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Estudos em chimpanzés mostraram evidências que a neutralização de epitopos localizados na região hipervariável 1 do
gene do envelope do VHC previnem a infecção em animais suscetíveis. Ela poderia ser valiosa na proteção da reinfecção de
fígados transplantados. Ela tem sido obtida de 460 doadores de plasma anti-VHC-positivos, 5% IgG vírus-inativada, RNAVHC negativa. Ela é capaz de diminuir os níveis do RNA-VHC em animais cronicamente infectados e de impedir a infecção
aguda em animais suscetíveis. Existem ensaios clínicos em andamento em pacientes transplantados de fígado para estudar sua
farmacocinética e segurança.
Vacinas terapêuticas
Dados atuais sobre a resposta imune na infecção crônica sugerem que uma vacina terapêutica capaz de estimular as respostas
funcionais celulares TCD4+ e TCD8+ pode ser benéfica. Com esse objetivo, várias vacinas de polipeptídeos recombinantes e
de DNA plasmidial têm sido testadas em primatas subumanos e mostraram ser capazes de estimular uma resposta funcional dos
linfócitos CD4 e CD8.
Uma vacina recombinante E1/E2 mostrou-se capaz de estimular a indução de anticorpos neutralizantes para o VHC e
a resposta Celular TCD4+, prevenindo a infecção ou a evolução para a cronicidade em chimpanzés. Outra formulação,
baseada em proteína de fusão obtida de leveduras, utilizando seqüências de NS3-NS4-NS5-core de VHC genótipo 1
combinadas com adjuvante imunoestimulante (ISCOM) foi capaz de estimular respostas celulares TCD4+ e TCD8+ em
chimpanzés. Tem sido experimentada em pacientes com hepatite crônica para melhorar a resposta aos esquemas de IFNalfa + RBV. Outros experimentos mostraram que anticorpos anti-E1 estão ausentes na hepatite crônica mas aparecem em
títulos elevados em pacientes respondedores ao tratamento. Está sendo testada em fase I e II uma vacina produzida e
purificada com a proteína E1, usando o alúmen como adjuvante, com objetivo terapêutico e tem mostrado respostas
imunes humoral e celular.
Abordagens antifibróticas
A maneira mais eficiente de eliminar a fibrose e suprimir a sua causa primária. Portanto, a eliminação do vírus seria a
abordagem ideal. Entretanto, quanto esse objetivo não pode ser alcançado, algumas outras medidas são teoricamente possíveis:
reduzir a inflamação para diminuir o estímulo das células estreladas; deprimir diretamente a estimulação dessas células;
neutralizar as respostas proliferativa, fibrogênica, contrátil e pró-inflamatória das células estreladas; estimular a sua apoptose;
aumentar a degradação da matrix cicatricial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2.
3.
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Pawlotsky JM & McHutchinson. Hepatitis C. Development of new drugs and clinical trials: promises and pitfalls. Hepatology 2004;39(2):554-567.
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Diepoler HM. Interferon-alpha for hepatitis C: antiviral or immunotherapy? Journal of Hepatology 2004;40:1030-1031.
Sarisky RT. Non-nucleoside inihibitors of the HCV polymerase. Journal of Antimicrobial Therapy DOI:10.1093/jac/dkh319 (advance access published
June 9, 2004).
5. Rossi SJ & Wright TL. New developments in the treatment of hepatits C. Gut 2003;52:756-757.
CUSTO-EFETIVIDADE DA TERAPIA PARA HEPATITE C
Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
Ambulatório e Laboratório de Hepatites Virais/LIM 47 do DMIP-HC/FMUSP.
Área Temática de Hepatites Virais da SMS/São Paulo
Em relação ao primeiro consenso, poucas foram as alterações críticas ao processo geral de análise da custo-efetividade da
terapia. Ainda temos uma terapia modestamente eficaz, rica em efeitos adversos e cujo custo financeiro é elevado. Para tornar
a análise ainda mais complexa, consideramos os aspectos de “vida real” versus “Protocolos Clínicos”, as evidências de fatores
raciais, genéticos e comportamentais que decrescem a chance de resposta virológica e, recentemente, a demonstração clara da
persistência de partículas virais residuais em pacientes com resposta virológica e clínica, fato discutido em outro tópico pelo
Professor Barone e que demanda, no mínimo, atenção.
A despeito disso, há uma crescente busca pela demonstração da custo-efetividade da terapia com Interferon (convencional
e peguilado) e ribavirina. As experiências relatadas são de países europeus ou da América do Norte. Não só aspectos raciais,
genéticos e comportamentais podem interferir na efetividade da terapia mas, principalmente, o componente custo é muito
diferente de nossa realidade, onde em geral não só a assistência mas também os medicamentos tem custo “relativamente”
menor. Dessa maneira, a extrapolação desses dados para o Brasil é tarefa complexa e geralmente não reprodutível. Há uma
aparente desvantagem para o componente custo da terapia versus gastos com assistência, que no Brasil são menores. Devemos
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ainda ter em mente que o grande financiador da terapia no Brasil é o governo, em todas as esferas de gestão. No contexto de
atenção integrada, como preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a opção por determinadas políticas assistenciais
pode gerar iniqüidades para outras patologias e doentes, igualmente necessitados. Dessa forma não é uma tarefa fácil decidir
qual política deve ser adotada. Evidente que terapia 100% eficaz seria algo desejável e que penderia o pêndulo para o
tratamento. Enquanto isso não ocorre, a recomendação será a de fomentar pesquisas de custo-efetividade brasileiras, e
iniciativas tanto oficiais, quanto de grupos universitários,(1) já estão caminhando nesse sentido, e utilizar de forma bastante
racional os recursos disponíveis.
Em todos os aspectos, médicos, financeiros e do próprio paciente, é de se esperar menos controvérsia quando diante de um
quadro de um paciente com bastante fibrose hepática – fator consensual que determina um maior risco de complicações futuras
(insuficiência hepática e hepatocarcinoma). Nessa situação a terapia é claramente indicada. No entanto, a cada dia (conforme
a hepatite C se populariza) nos depararemos com mais pacientes diagnosticados em fases mais precoces. E nesse caso teremos
que decidir sobre a custo-efetividade da terapia.
Talvez a melhor referência que aborda sob esse prisma a questão é a publicação do Professor Joshua Solomon.(2) Em
um elegante modelo, que incorpora um sem número de variáveis e fatores de correção, ele hipotetiza um modelo de
decisão (Markov) para uma coorte de pacientes com hepatite C crônica detectada aos 40 anos de idade, com ALT elevada
e biópsia sem evidência de fibrose. Compara não terapia com estratégias de intervenção terapêutica usando monoterapia
(Interferon – IFN - e Interferon Peguilado – Peg), ou associação Ribavirina com IFN e Peg, por períodos de 24 a 48
semanas, de acordo com genótipo, sexo e resposta virológica precoce, que fomenta uma decisão de interrupção. Não só
avalia a custo-efetividade mas também a possibilidade de progressão da fibrose – considerando os modelos de História
Natural existentes. Seus elementos de análise são a expectativa de vida, custos totais ao longo da vida para as diferentes
estratégias e custo por ano de vida com qualidade. Ressalte-se que a possibilidade de re-tratamento, co-infecção com
HIV, terapia em usuários de drogas e portadores de fibrose avançada não foram incluídos. É um modelo endereçado
especificamente ao grande contingente que pode ser aleatoriamente diagnosticado e para o qual o custo-efetividade será
uma questão relevante.
O primeiro ponto digno de destaque é a pequena progressão da fibrose esperada para homens e mulheres sem fibrose inicial
(quando comparados aos portadores de fibrose portal e poucos septos no início do seguimento) seguidos por 30 anos. Finalmente,
a conclusão é de que as estratégias que consideram a associação IFN ou Peg/ribavirina são dominantes sobre a monoterapia. O
custo médio de Peg/Ribavirina para homens com genótipo 1 variou de 26.000 a 64.000 dólares/QALY (incremento de custo por
ano de vida com qualidade) e de 10.000 a 28.000 dólares para o genótipo não 1. Para mulheres foi de 32.000 a 90.000 e, 12.000
a 42.000 respectivamente. Como a maior parte deles não progredirão para fibrose avançada, os benefícios decorrem mais da
qualidade de vida (representa 60% a 75% do benefício associado à terapia), e qualquer fator que interfira com isso, por
exemplo, efeitos adversos, reduz significativamente o benefício da terapia. Do ponto de vista de incremento na expectativa de
vida, as intervenções foram pouco relevantes. Ressaltamos ainda que no bojo de seu artigo, Solomon compara seu trabalho a
outros dez estudos de custo efetividade terapia versus não intervenção. Há um único trabalho (Younossi et al.) que demonstrou
relação favorável a intervenção.
A subjetividade do benefício e a susceptibilidade à redução do mesmo por fatores externos que reduzam a qualidade de
vida, além dos elevados custos apresentados/QALY, recomendam que para esse grupo portador de doença mais branda, o
seguimento é medida aceitável e mais custo-efetiva.
Essa é uma análise econômica, porém, com consistência indiscutível pela incorporação de variáveis médicas e
componentes da História Natural essenciais. Em nossa opinião é uma ferramenta de tomada de decisão relevante, que
deve balizar o paciente, o médico e o gestor ao definir critérios de terapia para portadores de doença mais branda. Para os
demais, se não há benefício econômico demonstrado para a realidade brasileira, é necessário intervir nos portadores de
doença histologicamente mais avançada baseando-nos em aspectos médicos e nos dados oriundos de outros países que
denotam a custo-efetividade.(3,4)
O Grupo de Consenso é favorável a toda iniciativa cientificamente comprovada que favoreça a redução de custos e melhore
a adesão à terapia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Salomon Joshua A, Barone Antonio Alci, de Araújo Evaldo Stanislau, Affonso Dore, Gregory John, Goldie Sue J, Law Matthew, Mohamed Mostafa K,
Schwarzinger Michaël, Weinstein Milton C. Evaluating strategies to prevent HCV-related liver cancer. Project Period: 4/1/05 - 3/31/08 Sponsor: National
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hepatitis C. Aliment Pharmacol Ther 2003;(17):687-694.
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treatment of chronic hepatitis C. Gut 2003;(52):425-432.
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PERSISTÊNCIA DO VÍRUS DA HEPATITE C APÓS CURA ESPONTÂNEA
OU INDUZIDA POR TRATAMENTO
Antonio Alci Barone
Professor Associado DMIP - FMUSP. Médico Chefe do Ambulatório e Laboratório de Hepatites - LIM 47 - FMUSP
Embora o fígado seja o principal local de replicação do VHC, existem muitas evidências da propagação do vírus em
localizações extra-hepáticas, incluindo células do sistema linfático e do sistema nervoso central. No que diz respeito ao tecido
linfático, fitas positivas e negativas do RNA do VHC têm sido detectadas em células mononucleares do sangue periférico e da
medula óssea de indivíduos cronicamente infectados. Também tem sido demonstrado que ele pode se propagar em culturas de
células linfóides e que o vírus derivado é infeccioso. Clinicamente, a crioglobulinemia mista tipo II tem sido associada à
infecção pelo VHC, assim como alguns linfomas não-Hodgkin.
Os métodos atualmente aprovados para uso clínico, baseados na PCR, tem sensibilidade para 1.000 partículas virais/ml
(= 500 IU/ml), enquanto outros mais sensíveis podem detectar até 52 partículas/ml (10 IU/ml). Isso implica em que pequena
quantidade de partículas no soro ou em células podem escapar à detecção. Outrossim, considerando a história natural da
infecção por VHC, existe a possibilidade de que o vírus na seja totalmente erradicado por ocasião da resolução clínica e
sorológica da hepatite. Esta situação pode ocorrer tanto após cura espontânea ou por terapia antiviral.
O linfotropismo é uma característica de muitos vírus RNA ou DNA capaz de induzir infecção persistente. Vários estudos,
incluindo aqueles com o vírus B (inclusive o vírus B da marmota) que é altamente hepatotrópico, têm mostrado que vírions
patogênicos podem persistir em baixos níveis em células do sistema linfático anos após a resolução da doença hepática.
Muitos estudos têm procurado demonstrar que indivíduos convalescentes de hepatite C podem continuar carregando o
VHC persistentemente. Assim, é importante saber se, embora o vírus esteja presente nas PBMC durante a infecção, sua presença
após a “cura” espontânea ou induzida por tratamento ocorra ou seja freqüente. Esse fato é extremamente relevante porque pode
ter implicações epidemiológicas e pode ser responsável pela reativação da doença após o tratamento ou em pacientes
imunocomprometidos, como ocorre com o VHB.
Um estudo recente examinou soro e PBMC de pacientes com resolução espontânea ou pós-tratamento da infecção crônica
pelo VHC, evidenciada pela resposta bioquímica e pelo clareamento do RNA-VHC determinado pelos métodos laboratoriais
convencionais. Nesse estudo, as amostras foram analisadas com RT e nested PCR, seguidos de Southern Blot do produto de
amplificação de probes específicos do VHC, com uma sensibilidade menor do que 10 partículas/ml. Além disso, as PBMC
coletadas em até 60 meses após a aparente resposta sustentada, foram submetidas à estimulação com IL-2 e mitógenos (PHA)
e à pesquisa de fitas negativas do RNA-VHC. Tanto as pesquisas no soro como nas PBMC foram POSITIVAS em TODOS os
pacientes investigados.
Foram estudados 16 pacientes, sendo 5 com evidência de infecção antiga e 11 tratados, todos considerados com RVS e
acompanhados de 12 até 60 meses após a “cura”. As pesquisas realizadas em sete células dendríticas (APC) foram positivas
em seis (6/7 = 86%), o que explicaria a manutenção do estímulo dos linfócitos TCD4+ e TCD8+, que persiste por muitos
anos após a “cura”.
Este, assim como outros estudos, mostram que o RNA-VHC pode persistir, embora em níveis muito baixos, no soro e nas
células mononucleares do sangue periférico por anos após a aparente resolução completa, clínica e virológica, da hepatite C
crônica. Se esses achados refletirem a existência de vírus biologicamente competente e infeccioso, essa persistência silenciosa
pode ter implicações epidemiológicas e patogênicas notáveis. Entre outras, estas pequenas quantidades de vírus podem levar
à reativação da hepatite C após o término do tratamento ou em decorrência de imunodepressões graves e podem ser
responsáveis pela manutenção de um nível subclínico de doença no fígado, levando a progressão da doença e sua manifestação
muitos anos após. Além disso, podem ser a fonte pela qual a infecção é transmitida pelo sangue ou doação de órgãos para
indivíduos suscetíveis. Por essas razões o Grupo de Consenso recomenda que, pelo menos, a cada dois anos os pacientes com
RVS sejam avaliados (avaliação clínica e função hepática).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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5. R-Viso AT, Barbosa TC, Yamamoto L, Fernandes ER, Brasil RA, Andrade HF, Duarte MIS, Barone AA. Portal CD4+ and CD8+ in situ quantification in chronic
hepatitis C as related to intensity of piece meal necrosis. 11th International Symposium on viral hepatitis and liver disease. Sydney, AUSTRALIA, 2003.
55
TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO PORTAL
Azzo Widman e Maria de Lourdes Capacci
HC/FMUSP
Hipertensão portal denomina o aumento da pressão hidrostática no sistema portal, cujo principal componente é a veia porta.
Os afluentes venosos, que o formam, procedem de dois territórios: o esplênico e o mesentérico com suas veias: esplênica e
mesentérica superior, respectivamente. Assim, conforme a localização do obstáculo ao fluxo sangüíneo, a hipertensão portal
pode ser classificada em:
a. global quando da dificuldade está no fígado ou no tronco da veia porta
b. segmentar quando há obstrução da veia esplênica ou mesentérica superior respectivamente.
A pressão neste sistema, que se apresenta seqüestrado das vias de acesso periféricas, somente pode ser aferida diretamente
só por meios invasivos (punção percutânea transepática da veia porta, punção esplênica e/ou dissecção laparotômica de algum
ramo da veia mesentérica).
Todavia, estes procedimentos são utilizados excepcionalmente na prática rotineira da caracterização da hipertensão portal,
sendo reservados para protocolos de pesquisa. A técnica empregada mais freqüentemente, apesar de ser operador-dependente, é a
ultra-sonografia que, no modo-B (morfologia) denuncia tanto irregularidades na forma e textura hepática, como a dilatação da
veia porta, próprias da cirrose. No modo Doppler, este exame avalia a direção e a velocidade do fluxo sangüíneo na veia porta,
quantificando os efeitos redutores que são causados pelo aumento da resistência à passagem transepática do sangue portal.
Da mesma forma a realização da endoscopia digestiva alta (EDA) permite observar varizes esofágicas que indicam a
permeação do sistema ázigo-portal (franqueado em conseqüência da hipertensão portal).
A vazão sangüínea de qualquer um dos troncos venosos digestivos, dificultada pelo obstáculo hepático e tangida pelo
aporte constante das artérias nutridoras, é a causa do aumento da pressão hidrostática que franqueia vias colaterais de comunicação
entre o território portal e a circulação sistêmica. Destas, a que mais freqüentemente se desenvolve é a retroperitoneal no
hipocôndrio E, comunicando o sistema esplênico à veia cava superior através da veia ázigos e induzindo, marginalmente, a
dilatação das veias esofágicas (varizes esofágicas). Todavia, deve ser levada em conta a permeabilização da veia umbilical e o
sistema mesentérico inferior (hemorroidárias).
O tratamento da hipertensão portal segmentar segue padrões diferenciados para cada caso: anastomose esplenorrenal distal
ou esplenectomia provocando a descompressão seletiva e/ou interrupção da circulação periesofágica.
O tratamento da hipertensão portal segmentar esplênica habitualmente é feito mediante esplenectomia, mas em condições
especiais é construída uma anastomose esplenorrenal distal. Esta situação, de um modo geral, ocorre na doenças inflamatórias
do pâncreas, não havendo comprometimento do fígado. Todavia, tanto esta modalidade de hipertensão portal, como a segmentar
mesentérica (devida à oclusão da veia mesentérica superior), só pode ser avaliada adequadamente em centros de tratamento de
casos de alta complexidade, pela raridade com que ocorrem e excepcionalidade da orientação terapêutica. Toda e qualquer
intervenção cirúrgica no abdome, nos casos de hipertensão portal, tem como conseqüência o aumento da dificuldade na realização
de futuro transplante hepático.
A hipertensão portal global, por sua vez e notadamente aquela devida ao obstáculo intra-hepático, apresenta características
especiais, pois sua base é a lesão hepática. Esta situação, além de ser responsável pela deterioração das funções hepáticas é a
raiz da dificuldade circulatória venosa transepática, que resulta no aumento da pressão hidrostática no sistema.
O tratamento da hipertensão portal global devida à lesão hepática pode ser feito de vários modos: cirúrgico, pela angiografia
intervencionista e/ou clínico.
O tratamento cirúrgico definitivo consiste na remoção do fígado lesado e é representado pelo transplante hepático (total ou
parcial, de cadáver ou intervivos).
Alternativamente, pode ser construída uma derivação ou “shunt” porto-sistêmico (fístula de Eck) representada pelas
anastomososes: porto-cava, mesentérico-cava, esplenorrenal proximal (central) e esplenorrenal distal (Warren). Estes métodos
terapêuticos, que são alternativos para o tratamento da hipertensão portal, apresentam limitações baseadas nas condições gerais
dos doentes (coagulopatia, ascite rebelde) e freqüentemente resultam na instalação de encefalopatia hepática de difícil controle.
Esta situação, somada à dificuldade técnica inerente ao método, obriga à análise cuidadosa de cada caso.
O tratamento pela angiografia intervencionista é realizado mediante a colocação de uma prótese intra-hepática, criando
uma anastomose porto-cava transepática (TIPSS – Transhepatic Internal Portosystemic Shunt). Em virtude da possibilidade de
oclusão da prótese, em tempos variáveis, este procedimento representa uma forma de tratamento provisório que exige controle
e supervisão constante.
Todavia, esta técnica radiológica, também pode ser utilizada para proceder à embolização esplênica progressiva, visando o
tratamento da plaquetopenia e do consumo excessivo dos fatores de coagulação humoral pelo hiperesplenismo satélite da hepatopatia.
Sua principal indicação é o tratamento das intercorrências devidas à hipertensão portal: ascite e HDA, em prováveis candidatos
ao transplante hepático.
56
A dificuldade terapêutica dos casos que apresentam plaquetopenia grave com o uso do interferon e a limitação que esta
complicação impõe ao tratamento, fazem com que a embolização esplênica seja considerada cada vez mais freqüentemente.
Entretanto, apesar de se esperar melhora laboratorial consistente, a pouca experiência adquirida até a atualidade, limita sua
inclusão rotineira nos algoritmos de tratamento da hepatite crônica por vírus C.
O tratamento clínico da hipertensão portal visa principalmente as complicações devidas à hipertensão portal: sangramento
das varizes esofágicas (hemorragias digestiva alta – HDA), encefalopatia e insuficiência hepática. Conforme sua ocorrência, o
tratamento destas ocorrências pode ser feito em caráter de urgência (hospitalização – UTI) ou eletivo (ambulatório).
A intenção deste artigo é sugerir as regras gerais do tratamento da hipertensão portal e ordenar sua aplicação comentando
a fisiopatologia; a escolha e a quantidade dos medicamentos a serem utilizados ficam a critério, tanto dos médicos atendentes,
quanto dos recursos ambientais.
As varizes esofágicas resultam da hipertensão portal, são acompanhadas de congestão venosa do estômago e o sangramento
desta região é tratado mediante tamponamento esofágico, esclerose endoscópica, redução da acidez gástrica (bloqueadores de
secreção cloridropéptica e alcalinos), uso de ␤-bloqueadores (propranolol, losartan, etc.), vasopressina (terlipressina, glipressin,
etc.), somatostatina e octreotida. Atualmente, não só na urgência, mas também no tratamento ambulatorial crônico, a intervenção
armada pode ser feita mediante esclerose e/ou ligadura elástica das varizes, cuja realização deve obedecer a um ritmo e orientação
estabelecidos pela experiência do Serviço de Endoscopia.
A encefalopatia hepática é resultante do grau variado de “shuntagem” porto-sistêmica e é causada por alteração encefálica,
que tem causa multifatorial. Um dos fatores que deve ser levado em consideração é a presença na circulação geral de produtos de
degradação de proteínas pelas bactérias intestinais e que deveriam ter sido metabolizados pelo fígado. Entretanto, esta complicação
também pode ser desencadeada por processos infecciosos (aparentes ou não), tratáveis mediante antibióticoterapia de largo espectro,
assim como esterilização intestinal. Mais freqüentemente, esta situação acontece devido a sangramento digestivo, uso de diuréticos,
hipopotassemia, ingestão protéica e pode ser complicada em pacientes com insuficiência renal associada.
Esta condição, habitualmente progressiva, é irreversível e demenciante, podendo apresentar-se em graus variados: subclínica (mínima – detectável por testes neuropsicométricos) e clínica (esquecimento, tonturas, desorientação psíquica, sonolência
e coma com variados graus de profundidade). Seu tratamento consiste em:
a. correção do fator desencadeante
b. adequação dietética com reorientação da ingestão protéica (substituição balanceada por proteína vegetal, peixe congelado,
carne de rã, produtos da soja) – observar presença de sangue originário da HDA.
c. aplicação parenteral de aminoácidos de cadeia ramificada (sol. de Fisher) na urgência (a 8% - 1.000 ml nas 24 h)
d. antibiose local intestinal (neomicina – 1,5 a 3,0 g nas 24 h) - observar a função renal, pois em torno de 1% é absorvida.
e. limpeza intestinal mediante uso de lactulona (acidificação colônica), leite de Magnésia e clister (água + glicerina) (menor
tempo de contato da substância com composição protéica degradável pelas bactérias intestinais).
O tratamento da insuficiência hepática segue padrões diferenciados e que devem ser atendidos concomitantemente
quando presentes:
a. síntese da albumina, cuja redução causa queda da pressão oncótica intravascular, provocando edemas periféricos e ascite,
quando associada à hipertensão portal. O tratamento das complicações desta carência consiste na aplicação parenteral de
sangue, plasma ou albumina humana e diuréticos (antialdosterona, bumetamida e natriurético) com atenção aos níveis de uréia
e creatinina. Em linhas gerais, a aplicação do sangue deve ser regida pela dosagem da hemoglobina que convém ser mantida em
torno de 10,0 g/l, levando em conta que a hipervolemia pode levar ao sangramento varicoso.
b. síntese dos produtos humorais de coagulação, cujo consumo aumentado pelo hiperesplenismo, associado à produção
reduzida, facilita a perpetuação dos fenômenos hemorrágicos. Seu tratamento é feito mediante a infusão dos fatores de coagulação
e aplicação de vit. K. A presença do TTPA alargado, representado pela atuação dos produtos não degradados do fibrinogênio e
que facilita a perpetuação de hemorragias indica a necessidade do uso de antifibrinolíticos.
c. punção abdominal para tratamento da ascite deve ser limitada a 3.000 ml, pois além de poder infectar a cavidade abdominal,
sua evacuação exagerada pode provocar descompensação hemodinâmica e insuficiência renal com aumento da mortalidade.
d. com o objetivo de diminuir os efeitos cerebrais da elevação da amônia, associa-se ao tratamento da descompensação
aguda ou crônica, leve ou grave, a associação de captadores de amônia como a l-ornitina – l-aspartato que pode prolongar a fase
compensada da insuficiência hepática.
O controle da insuficiência hepática e o tratamento da hipertensão portal de modo correto e o mais precoce possível,
possibilita melhorar a qualidade de vida aos pacientes cuja evolução até o transplante é habitualmente prolongada.
O diagnóstico das hepatopatias difusas, habitualmente intuído pelos exames clínicos e bioquímicos laboratoriais, é realizado
pela biópsia hepática que define e caracteriza a extensão da doença. Este procedimento, extremamente valioso, cuja realização
mais simplificada é obtida pela técnica percutânea, pode ser levado a termo em segurança, observando parâmetros de coagulação
(tempo de protrombina mínimo de 60% e contagem de plaqueta acima de 60.000).
A ultra-sonografia, utilizada para localização adequada do ponto de punção hepática, identificação da presença insuspeitada
de ascite, hemangiomas e cistos hepáticos volumosos, torna o procedimento mais seguro.
57
IMUNIZAÇÃO NO PACIENTE HEPATOPATA CRÔNICO
Raquel Stucchi
Unicamp
Vacina
N. Doses
Intervalo entre as Doses
Reforço
dT - dupla adulto (tétano/difteria)
3
30-60 dias; 6-12 m após a 2ª dose
10 anos
Poliomielite
3
30-60 dias; 6-12 m após a 2ª dose
não
Hepatite B
3 ou 4
> 30 d; > 180 dias após 1ª dose;
> 30 dias (0,1 e 2 m); 6-12 meses
qdo aHBs < 10 mUI
Hepatite A
2
6-12 meses
não
Hepa A + B
3
> 30 d; > 180 dias após 1ªdose
contra hepatite B)
qdo aHBs < 10 mUI (apenas vacina
Influenza
1
-
anual
Pneuno 23 -valente
1
-
5 anos se < 60 anos (1x)
Pneumo 7- valente
2
4-8 semanas
Pneumo 23, 6-8 sem após 2ª dose
7-valente. Repetir pneumo 23 após 5 anos
SCR (sarampo/caxumba/rubéola)
2
4-8 semanas
não
Varicela
1
-
não
Comentários
Todas estas vacinas estão disponíveis nos Centros de Imunobiológicos Especiais (CRIEs).
1. dT: considera-se que tendo o esquema básico de imunização da infância (5 doses) ou do adulto (3 doses realizadas em 6
a 12 meses) é necessária apenas uma dose de reforço, que deve ser repetida a cada dez anos.
2. Poliomielite: as 5 doses da infância são protetoras, não sendo indicado reforço. Em pacientes imunossuprimidos
indica-se a vacina de vírus inativado (injetável). Contatos familiares de pacientes imunossuprimidos devem receber a
vacina inativada.
3. Hepatite B: o esquema de 4 doses deve ser realizado quando se tem urgência na imunização, como por exemplo em
pacientes que serão submetidos a transplante de fígado em menos de 6 meses. Deve ser feito o controle de título de aHBs após
o esquema vacinal básico e depois anualmente para indicação de reforço de o título for inferior a 10 mUI. Aos não-respondedores
ao esquema básico (aHBs < 10 mUI) pode ser oferecido novo esquema de 3 doses IM.
4. Pneumo 07- valente: apenas para crianças ou adultos com grande risco de infecção pneumocócica (pulmonares
crônicos).
5. SCR: indicada apenas para os suscetíveis. Pessoas nascidas antes de 1957 não necessitam desta vacinação. Contraindicada para pacientes imunossuprimidos.
6. Varicela: indicada apenas para os suscetíveis. Contra-indicada para pacientes imunossuprimidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
2.
3.
4.
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Stark K, Günther M, Schönfeld C, Tullius SG, Bienzle U. Immunisation in solid-organ transplant recipients. Lancet 2002;(16):957-965.
Imunobiológicos Especiais e suas Indicações, Ministério da Saúde (http://www.saude.gov.br/svs/imu/indicações.htm)
RASTREAMENTO DE CARCINOMA HEPATOCELULAR
Aline Gonzalez Vigani
Unicamp
Conclusões da Conferência de Barcelona-2000 EASL
Hepatite C e Cirrose Hepática
U.S + AFP/6m
Sem Nódulo
Nódulo Hepático
> 1 cm
< 2 cm
BX
< 1 cm
> 2 cm
AFP > 400 ng/mL
CT/RNM/Angiog.
Carcinoma Hepatocelular (CHC)
US/3m
AFP elevada
AFP normal
CT helicoidal
Ausência de CHC
Rastreamento US + AFP/6m
Pacientes com hepatite C crônica e cirrose hepática estabelecida têm risco aumentado para carcinoma hepatocelular (CHC).
Aproximadamente 80% dos pacientes com hepatite C aguda evoluem para hepatite crônica e destes 20% desenvolvem cirrose
e cerca de 1%-5% progridem para CHC. A incidência de CHC aumenta com a idade, mas isso pode apenas refletir o tempo de
duração da doença necessário para o desenvolvimento de cirrose. Existem relatos isolados de CHC em pacientes com infecção
pelo vírus da hepatite C (VHC) sem cirrose, mas acredita-se que esta apresentação seja infreqüente já que a grande maioria dos
pacientes com CHC apresenta fibrose hepática extensa como conseqüência de um longo processo de inflamação-necroseregeneração devido a infecção crônica viral.(1)
Em pacientes com cirrose e infecção pelo VHC a incidência anual de CHC varia entre 3% e 8%.(2-4)
Quando cirrose hepática está estabelecida os principais fatores de risco para CHC são sexo masculino e níveis de alfa feto
proteína (AFP) aumentados.
Os métodos utilizados para rastreamento de CHC são dosagem de AFP e ultra-som (US) abdominal. O primeiro não é muito
eficaz, pois tem sensibilidade de 39%-64% e especificidade de 76%-91%. O US abdominal é um método de rastreamento
melhor que a dosagem de AFP, tendo o primeiro uma sensibilidade superior a 70% e especificidade superior a 90%. É necessário
treinamento específico do ultra-sonografista para adquirir perícia suficiente para o rastreamento de CHC, já que a sensibilidade
é maior quando o exame é realizado por profissional adequadamente treinado. A utilização de tomografia computadorizada
para fins de rastreamento não é utilizada por ser dispendiosa.
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US abdominal e dosagem de AFP devem ser realizados a cada seis meses. Dados disponíveis demonstram que o tempo para
uma lesão indetectável atingir 2 cm é de aproximadamente quatro a 12 meses, portanto com o objetivo de detectar tumores
menores de 3 cm de diâmetro, esses exames devem ser realizados a cada seis meses.(6)
Quando ocorre a detecção de um nódulo hipo ou hiperecóico ao US ou aumento de AFP, a recomendação é para encaminhar
o paciente para um centro de referência para aprofundamento da investigação diagnóstica.
Estudos patológicos demonstraram que 50% dos nódulos com < 1 cm de diâmetro não são CHC.(7) Além disso, é
extremamente difícil realizar exames complementares em nódulos deste tamanho. Nestes casos, a conduta sugerida é
repetir o US a cada três meses, até que as lesões atinjam uma tamanho maior do que 1 cm, quando técnicas diagnósticas
adicionais podem ser aplicadas. A ausência de crescimento durante o período de seguimento não exclui uma natureza
maligna do nódulo porque CHC inicial pode levar mais de um ano para aumentar de tamanho. Quando o nódulo excede
1 cm de tamanho, provavelmente trata-se de CHC e esta condição deve ser investigada. Em nódulos de 1-2 cm de diâmetro
é recomendada a realização de biópsia porque as técnicas de imagem não têm acurácia suficiente para distinguir CHC de
outras condições malignas ou benignas.
A confirmação patológica pode ser obtida por citologia ou histologia, mas a combinação de ambas as técnicas oferece
acurácia mais alta. Para nódulos em torno de 2 cm as técnicas de imagem podem estabelecer o diagnóstico sem necessidade de
biópsia. Esta quando realizada apresenta um risco de até 5% de disseminação do tumor no trajeto da agulha o que converte uma
situação potencialmente curável em incurável. Malignidade não pode excluída, mesmo com biópsia negativa, para um nódulo
visível em exame de imagem.
Em um fígado com cirrose, CHC pode ser diagnosticado por dois achados coincidentes em ao menos dois exames de
imagem (US abdominal, tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética) com achados característicos em uma
lesão focal > 2 cm. Técnicas de imagem devem evidenciar hipervascularização arterial e a angiografia pode ser usada para este
propósito se outros métodos não estiverem disponíveis.
A decisão sobre realizar biópsia diagnóstica deve levar em conta o balanço entre os riscos potenciais do procedimento, o
impacto clínico do resultado, e o risco do tratamento invasivos (por exemplo transplante hepático).
A natureza de um nódulo pode ser confirmada pela detecção concomitante de um aumento na concentração de AFP.
Dados publicados sugerem usar valores em torno de 400 ng/ml para confirmação diagnóstica.(8) No entanto investigações
futuras podem reduzir este limite para valores mais baixos. Provavelmente considerando a comparação com valores obtidos
previamente a detecção do nódulo. Isto é relevante desde que pacientes com hepatite viral podem apresentar aumento transitório
da AFP coincidindo com exacerbações inflamatórias na ausência de CHC. Qualquer protocolo de rastreamento usando AFP
deve quase eliminar o potencial para resultados falso positivos em termos de diagnóstico para CHC nestas circunstâncias.
Não existem dados que suportem o uso de um limite específico para AFP para indicar investigações diagnósticas adicionais.
Em pacientes com AFP de base normal e aumento de 20 ng/ml durante o seguimento com US abdominal normal deve-se
realizar TC helicoidal para excluir CHC não detectado ao US. Em muitos casos. TC pode não mostrar lesão focal, mas o
aumento persistente de AFP classifica o paciente como indivíduo de risco muito alto. Desta forma a TC permite um exame
hepático inicial para comparar com imagens subseqüentes obtidas durante o seguimento. Se AFP aumenta permanentemente,
técnicas diagnósticas adicionais podem ser consideradas mas não existem algoritmos que possam ser sugeridos, porque não
há estudos relatados nessa área.
Os critérios diagnósticos para CHC são:
• Critério citoistológico
• Critério não-invasivo (restrito a pacientes cirróticos)
- Critério radiológico: duas técnicas (US, TC helicoidal, RNM e angiografia) com imagens coincidentes: lesão
focal > 2 cm com hipervascularização arterial.
- Critério combinado: uma técnica de imagem associada com AFP: lesão focal > 2 cm com hipervascularização e
AFP > 400 ng/ml.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INDICAÇÕES DE TRANSPLANTE DE FÍGADO NA HEPATITE C
Edson Abdala
Serviço de Transplante de Fígado HC/FMUSP
No Brasil foram estabelecidos critérios mínimos para inclusão de candidatos na lista de espera de transplante de fígado, e
publicados em Portaria do Ministério da Saúde em 14.5.2002 (Portaria MS541).
Indicações de transplante
1. Cirrose hepática Child-Pugh A desde que tenha apresentado um dos seguintes:
a. Hemorragia digestiva alta secundária a hipertensão portal (mais de dois episódios que tenham requerido transfusão de
sangue)
b. Síndrome hepatopulmonar com manifestação clínica
c. Encefalopatia portossistêmica
2. Cirrose hepática Child-Pugh B ou C, independentemente de complicações.
3. Carcinoma hepatocelular, restrito de fígado, com nódulo único de até 5 cm, ou com até três nódulos de 3 cm cada. O
estadiamento por mapeamento ósseo e tomografia de tórax é obrigatório.
4. Alta suspeita de doença maligna, sem massa tumoral identificada, com alfa-fetoproteína acima de 250 ng/ml, ou acima
de 100 ng/ml com aumento progressivo em três dosagens séricas consecutivas, mediante avaliação e autorização de Câmara
Técnica das Secretarias de Estado da Saúde.
5. Insuficiência hepática aguda grave (hepatite fulminante) com descompensação definida por um dos seguintes critérios:
a. O’Grady: INR (TP) > 6,5 ou Icterícia pelo menos sete dias antes da encefalopatia, INR > 3,5 e bilirrubina > 17 mg/dl
b. Clichy: encefalopatia graus III ou IV e fator V < 20% (até 30 anos) ou 30% (acima de 30 anos)
Contra-indicações absolutas de transplante
1. Hepatocarcinoma com trombos neoplásicos de ramos portais intra ou extra-hepáticos, ou com dimensões acima de 5 cm,
ou ainda com mais de três nódulos no parênquima hepático. Presença de metástases.
2. Alcoolismo ou uso de drogas ativos – deve haver período mínimo de seis meses de abstinência.
3. Presença de doença vascular avançada, com obstruções importantes de artérias carótidas ou viscerais.
4. Doença cardíaca ou pulmonar grave.
Contra-indicações relativas de transplante
1. Idade acima de 70 anos, sendo necessário, no Brasil, consultar a Câmara Técnica justificando a indicação de transplante,
após avaliação das condições do doente demonstrando a inexistência de alterações pulmonares, cardíacas a vasculares graves.
2. Infecção sistêmica, exceto quando o quadro é decorrente de colangite secundária a colestase relacionada à própria
hepatopatia que levou à indicação do transplante.
3. Insuficiência renal. Nestes casos, deve-se distinguir entre síndrome hepatorrenal e insuficiência renal crônica. No primeiro
caso a alteração é funcional e pode ser revertida pelo transplante, enquanto no segundo caso pode haver indicação de transplante
duplo, fígado-rim.
4. Insuficiência respiratória. É necessária também a distinção entre alteração da síndrome hepatopulmonar, que pode regredir
após o transplante, e lesão pulmonar crônica de outra etiologia, que pode apresentar piora durante a cirurgia ou no pós-operatório
imediato.
5. Condições psicossociais inadequadas, pela questão de aderência ao tratamento pós-transplante.
Distribuição de órgãos
No Brasil, as atividades de transplantes são coordenadas em âmbito estadual, pelas Centrais de Notificação, Captação e
Distribuição de Órgãos, mantendo-se lista única nacional. A distribuição de órgãos (fígado) é realizada por ordem cronológica,
de acordo com a data de inscrição na lista. Podem ser priorizados os casos de hepatite fulminante e os casos com indicação de
retransplante até 30 dias.
Em alguns países a distribuição de órgãos é feita por critério de gravidade, utilizando-se principalmente o modelo MELD
(Model for End Stage Liver Disease), que determina o risco de mortalidade em três meses. Discute-se que este modelo poderia
ser utilizado em nosso país.
61
MANUSEIO DO VHC PRÉ E PÓS-TRANSPLANTE DE FÍGADO
Edson Abdala
Serviço de Transplante de Fígado HC/FMUSP
Os pacientes com doença hepática crônica pelo vírus da hepatite C (VHC) correspondem a aproximadamente 50% da lista
de espera para transplante de fígado (tx). Após o tx, a sobrevida dos pacientes e dos enxertos é menor do que nas outras
indicações, e tem-se observado piora nos últimos anos.
Um dos problemas mais importantes após o tx é a recidiva da infecção (replicação viral), que ocorre em praticamente 100%
dos casos. Recidiva histológica tem sido descrita em até 70%, dentro de um ano. É inconsistente a correlação entre elevação de
enzimas e a recidiva histológica, o que leva à necessidade de biópsias protocolares.
A história natural da infecção pelo VHC após o tx apresenta características especiais. A recidiva viral é imediata, e a evolução
é mais rápida do que nos não transplantados. Vinte a 40% dos pacientes com hepatite evoluem para cirrose em cinco anos, e 60%
destes descompensam em três anos. Entre aqueles com cirrose descompensada, a sobrevida de três anos é menor do que 10%.
Classificação da recidiva do VHC após o tx
Recidiva
Características
Hepatite C aguda
Hepatite lobular com necrose focal. Ocorre, geralmente, em seis meses após o tx,
com incidência de até 70%.
Hepatite C crônica
Histologia semelhante à dos não transplantados. Atualmente, casuísticas com até 70% de
incidência em um ano de tx.
Hepatite C Colestática
Icterícia grave com rápida progressão para insuficiência hepática. Histologia com balonização de
hepatócitos, colestase intra-hepática e fibrose. Ocorre, geralmente, em seis meses após o tx, com
incidência de 1% a 10%.
Presença de rejeição
No contexto do tx, torna-se muito difícil o diagnóstico diferencial da recidiva do VHC com rejeição, lesões de preservação
do enxerto ou alterações biliares, que podem também estar associados.
Fatores de risco para gravidade de recidiva1 e para sobrevida2 após o tx
Fatores
Relacionados ao receptor
Sexo feminino2, idade2, não-brancos1,2, gravidade da doença hepática2
Relacionados ao doador
Idade1,2, doador vivo?, compatibilidade HLA?
Virológicos
Genótipo 1b?, carga viral pré-tx1, aumento precoce da carga viral pós-tx1, infecção por CMV1
Outros
Tempo de isquemia?, tempo de recidiva1, tratamento de rejeição (OKT3, pulso de corticóide)1
Possíveis fatores relacionados à pior evolução nos últimos anos
• Mudanças na imunossupressão básica (indução mais potente)
• Suspensão precoce de corticóide (três meses)
• Uso de doadores com idade mais avançada.
Orientação atual quanto à imunossupressão
Nem tão alta, precocemente, a ponto de causar aumento da carga viral, e nem tão baixa a ponto de permitir a ocorrência de
rejeição e o uso de bolos de corticóide. Suspender o uso de corticóide lentamente e após um ano do tx.
Abordagem terapêutica
1. Tratamento pré-transplante
A carga viral pré-tx é fator de risco bem determinado para gravidade da recidiva pós-tx. Deve-se, portanto, instituir o
tratamento antes do tx sempre que possível, com o objetivo primário de diminuir a carga viral.
62
Decisão sobre tratamento
Child-Pugh
MELD
Considerar em todos
Em casos selecionados
Contra-indicar
≤7
8-11
≥ 11
≤ 18
18-25
≥ 25
São, também, contra-indicações ao tratamento: pacientes com ascite, HDA, peritonite bacteriana espontânea ou encefalopatia.
Pela maior incidência de citopenias e menor tolerabilidade ao tratamento nestes pacientes (especialmente com interferon
peguilado), propõe-se o regime com doses inicialmente baixas e progressivas (LADR). Estudos utilizando este regime demonstraram
até 11% de resposta virológica sustentada (RVS) nos casos com genótipo 1, e 50% naqueles com genótipos 2 ou 3.
2. Profilaxia
Não há evidências de benefício do uso de imunoglobulina específica durante o tx.
3. Terapia preemptiva
Vários estudos foram realizados, indicando-se a terapia antiviral logo após o tx, antes do pico de viremia e do estabelecimento
de lesão histológica. Os resultados, entretanto, não foram satisfatórios, com RVS entre 10% e 25%, e índice de até 33% de
suspensão do tratamento por efeitos colaterais. Portanto, atualmente não se dispõem de dados para indicar a terapia preemptiva.
4. Tratamento pós-transplante
Pelas dificuldades para o tratamento pré-tx, e pela falta de evidências de eficácia de qualquer esquema profilático ou
preemptivo, o tratamento pós-tx passou a ser o alvo de atuação para o controle da evolução da infecção. Há, entretanto, muitas
questões não esclarecidas:
• Quando tratar – no momento da hepatite aguda ou da crônica?
• Tratar apenas os quadros graves (com fibrose ≥ 2)?
• Qual é o melhor esquema?
• Qual é o tempo de tratamento?
• Deve-se indicar manutenção prolongada?
Relatos de tratamento com interferon e ribavirina mostram até 20% a 30% de resposta, mas apenas a metade destes com
RVS. Estudos iniciais com interferon peguilado e ribavirina evidenciam índices melhores de resposta (26% de RVS), porém há
muita intolerabilidade ao tratamento. Há proposições de uso de doses menores (LADR) e de períodos mais prolongados de
tratamento.
Alguns fatores de baixa resposta ao tratamento com interferon peguilado e ribavirina são particularmente importantes nos
pacientes transplantados: genótipo 1, alta carga viral, fibrose avançada, idade, imunossupressão, não resposta a tratamento com
interferon e ribavirina pré-tx, doses inadequadas.
Com os dados atuais disponíveis, o esquema terapêutico não pode ser definitivamente estabelecido. Entretanto, sugere-se
fortemente que seja indicado para as recidivas crônicas com fibrose ≥ 2, sempre em protocolos de estudo clínico, especialmente
se a opção for por interferon peguilado.
Proposta de manuseio pós-transplante do VHC
1. Biópsia hepática
a. Independentemente de alterações de enzimas hepáticas:
Anual até cinco anos de tx
Após cinco anos de tx: a cada três anos
b. Sempre que houver alteração das enzimas hepáticas
2. Instituição de tratamento: se fibrose ≥ 2
3. Esquema terapêutico: interferon peguilado e ribavirina, doses inicialmente baixas, com aumento progressivo (LADR),
por 1 ano.
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HCV Infection: Preliminary Results of an Open Prospective Study.
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Hepatite C - Sociedade Brasileira de Infectologia