Análise das alterações da Lei do Inquilinato-tratamento da locação sob medida- “built to suit” Ministrante:Luciane Lopes Silveira A expressão Build-To-Suit (BTS) tem origem na língua inglesa Build-To-Suit (BTS) - Construir para Servir To build = construir; To built = construído; To suit = servir, acomodar Built to suit =construído para servir Build-To-Suit (BTS) designa o sistema para construção de imóveis com o conceito de ser construído para servir. Podemos entender também como um sistema que gera um imóvel sob encomenda, que foge à padronização comum do mercado, destinado a um perfil de locatário que não se satisfaz em se adaptar aos imóveis disponíveis no mercado, pois necessita que os imóveis se adaptem às suas exigências. Built to suit=BTS Identifica contratos de locação a longo prazo no qual o imóvel é construído para atender os interesses do locatário, já prédeterminado, considerando seu ramo de atividade e suas necessidades, o que caracteriza a construção com várias peculiaridades, enquanto o investidor/locador adquire o terreno e ergue a construção de acordo com as exigências do locatário, que o recebe por cessão temporária de uso mediante pagamentos mensais dos valores pactuados. Síntese usuário (locatário) empreendedor (locador) Desenvolvimento de um imóvel com implantação de projeto específico como investimento fluxo futuro de aluguéis = renda do investidor Fonte: www.cnf.org.br (Confederação Nacional das Instituições Financeiras). Há dois pontos importantes que norteiam este contrato: 1º) Prazo: O prazo da maioria dos contratos de BTS varia de 7 a 15 anos, sendo mais comum o prazo de 10 anos. No Brasil, é comum verificar-se o prazo de 10 anos como referencial para a maioria dos negócios em investimentos imobiliários. No entanto, cabe colocar que o prazo recomendado para análise da qualidade de empreendimentos de base imobiliária é de 20 anos. O período contratual deve se adequar ao investimento realizado pelo empreendedor e suas perspectivas de rentabilidade, pois uma possível desocupação do imóvel antes do prazo contratual pode prejudicar a qualidade do investimento. Em relação a esse sistema construtivo existem multas e garantias diferenciadas, sendo que as garantias contratuais que estão sendo utilizadas recaem na fiança bancária, que visa cobrir pelo menos 80% do contrato total. Fonte: www.cnf.org.br (Confederação Nacional das Instituições Financeiras). 2º) Valor do aluguel O valor do aluguel mensal está associado: a) ao prazo determinado fixado no contrato b) às especificidades do projeto para atender às necessidades do locatário (quanto mais específico, maior a dificuldade de garantir nova locação a outro locatário, razão pela qual o valor inicial costuma ser maior). c) à proporção do investimento, o que exige análises técnicas e comerciais para garantir a vantagem do investidor com o negócio, considerando o retorno do investimento, o nível de confiabilidade da locatária( capacidade de adimplemento) e na rentabilidade desejada na operação d) considerar que no caso de quebra de contrato, o valor do aluguel para outro usuário será o de mercado, já que se configurará em uma contratação convencional Vantagens para o locatário viabilização de projetos de empreendimentos imobiliários que atendam as rígidas normas estabelecidas pelos futuros usuários da construção e os prazos curtos para execução. evita a imobilização do capital da empresa que faz a locação em imóveis com instalações projetadas sob medida para atender necessidades funcionais a empresa-locatária pode direcionar os recursos para investimentos concentrados no seu próprio negócio o imóvel deverá ser construído de modo a atender às necessidades específicas, como: localização, área de terreno, área construída do imóvel, arquitetura, layout, infra-estrutura e aspectos específicos para utilização, adequando a edificação às necessidades peculiares do negócio a ser instalado. benefícios tributários pela apuração de despesa gerada pelo pagamento dos aluguéis. No âmbito fiscal, o pagamento mensal pode ser contabilizado como despesa operacional, gerando uma redução da carga tributária. não há envolvimento direto do locatário na gestão da construção ou reforma do imóvel “desimobilização” (desfazer o imobilizado), através da qual um proprietário vende o imóvel para um investidor, alugando de volta para utilização por longo prazo. Esta desimobilização de ativos libera capitais para reinvestimentos no próprio negócio, o que alavanca o desenvolvimento da empresa locatária. Vantagens para o locador/investidor prazo longo do contrato calculado de modo que o lucro obtido com o uso do imóvel cubra os custos do empreendimento o valor dos aluguéis pagos pelo locatário que solicitou o desenvolvimento do projeto garantem maior retorno ao investidor do que na locação convencional diversificação dos investimentos garantia de locação imediata , após a conclusão das obras, o que afasta o risco em assumir despesas com impostos e taxas, além das despesas inerentes à conservação. previsibilidade e segurança do fluxo projetado em relação à renda gerada pelo investimento, o que permite a securitização deste contrato, através da distribuição de títulos a investidores, que terão como lastro o pagamento das parcelas contratadas. Tratamento do contrato BTS antes da alteração da Lei do Inquilinato Tratava-se de um contrato atípico cuja celebração é autorizada pelo artigo 425 do Código Civil no âmbito da autonomia privada dos particulares. nos contratos atípicos utiliza-se as regras gerais e princípios gerais de direitos que sustentam os contratos Prevalência do pacta sunt servanda, qual seja, o contrato faz lei entre as partes, logo, há de prevalecer o negócio jurídico entre as partes quando estas atuarem sob a égide da boa fé. Sérias divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto à natureza do contrato Lei 12.744 de 19/12/2012 A fim de garantir tipicidade a este tipo de contrato foi editada a Lei nº 12.744, de 19 de dezembro de 2012, que alterou a Lei no 8.245, de 1991, e que veio dispor sobre o negócio jurídico “built to suit”, segundo o disposto no artigo 54-A: “Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei”. A modificação legislativa em relação ao art. 54-A e seus parágrafos é indispensável para a segurança jurídica desta modalidade contratual uma vez que a renúncia ao direito da revisional de aluguel enfrentava o risco de ser considerada cláusula nula de pleno direito em contratos de locação, nos termos do artigo 45 da lei n. 8.245/91, assim como cláusula para afastar a proporcionalidade da multa pela entrega antecipada do imóvel. A lei passou a regular o contrato built to suit, estabelecendo, diferentemente dos princípios protetivos ao locatário, maior amplitude à autonomia da vontade. As cláusulas livremente pactuadas são válidas e não padecerão de nulidade, porque o pressuposto das locações convencionais (vulnerabilidade do locatário) não está presente nos contratos built to suit. as disposições procedimentais previstas na lei 8.245/91 são aplicáveis aos contratos built to suit. Não serão válidas as cláusulas que afastem algumas dessas normas procedimentais. Por exemplo, a ação de despejo por falta de pagamento deve respeitar o direito do locatário de purgar a mora, não tendo valor eventual disposição contratual que retire do inquilino tal prerrogativa. § 1º Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação. Há a possibilidade de se ajustar a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato. A regra é acertada porque o valor da locação não corresponde necessariamente ao valor de mercado de ocupação, uma vez que nele costuma estar embutido também o investimento feito (construção ou reforma) para atender ao locatário. A cláusula garante a preservação do equilíbrio econômico do contrato. A revisão, nos moldes ditados pela Lei do Inquilinato (considerando como parâmetro o valor de mercado) acarretaria a falência do contrato e prejuízo aos envolvidos direta e indiretamente no negócio. Após o prazo determinado, o locatário passa a ter o direito de pleitear a revisão do aluguel se estiverem preenchidos os demais requisitos legais, pois o montante investido pelo locador já foi recuperado, porque estava diluído nos valores locatícios do contrato durante a sua vigência por prazo determinado. Daí a importância da equação preço do aluguel x prazo determinado do contrato que é a engenharia econômico-financeira traçada inicialmente que garante a sorte desta modalidade contratual. Art. 4º. Durante o prazo estipulado para duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel alugado. Com exceção ao que estipula o § 2º do art. 54-A, o locatário, todavia, poderá devolvê-lo, pagando a multa pactuada, proporcional ao período de cumprimento do contrato, ou, na sua falta, a que for judicialmente estipulada. § 2º Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação. O dispositivo permite que o valor da multa pela extinção antecipada do contato corresponda à totalidade dos aluguéis vincendos. Garante-se, assim, que, finda a locação antecipadamente, por iniciativa do locatário, o locador possa reaver o valor que investiu no bem, inclusive porque ele pode enfrentar dificuldades para encontrar outros pretendentes para locar o mesmo bem, já que a compra, construção e/ou reforma foi feita por encomenda do locatário, de acordo com as peculiaridades exigidas por este. “ A devolução do imóvel, em pleno curso do contrato, tiraria do empreendedor–construtor o maior atrativo do negócio, que é a certeza da percepção dos aluguéis, pelo prazo necessário ao retorno do capital investido”. Sylvio Capanema de Souza. A Locação do Imóvel Urbano e seus Novos Modelos. Revista da EMERJ, v. 13, nº 50, 2010 A entrega antecipada é a resilição unilateral, e está amparada no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil que respalda o conceito de locação neste formato, cuja rescisão somente poderá ser efetivada pelo usuário antes do prazo quando transcorrido o período equivalente à natureza e vulto dos investimentos realizados. Parágrafo 3º - vetado “§ 3o Desde que devidamente registrado o contrato de locação no registro de títulos e documentos da situação do imóvel, os valores relativos aos aluguéis a receber até o termo final contratado serão livremente negociáveis pelo locador com terceiros, na forma dos arts. 286 a 298 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), responsabilizando-se o locatário e eventuais garantidores pelo respectivo adimplemento.” Razões do veto “Ao exigir que o contrato seja levado ao Registro de Títulos e Documentos, o dispositivo cria ônus adicional, contrário à própria finalidade do projeto. Ademais, a supressão do dispositivo não obstrui a cessão de crédito nos termos da legislação vigente.” CONSIDERAÇÕES FINAIS Superadas incertezas doutrinárias e jurisprudenciais, embora escassas diante deste modelo locatício que ainda é novo no Brasil, o legislador decidiu por submetê-lo ao regime da Lei 8.245/91, ainda que respeitando eventuais cláusulas atípicas Vislumbra-se na estrutura interna do sistema BTS uma promessa de locação, feita pelo terceiro interessado, que assim evita imobilizar expressivo capital na compra do terreno e na construção, além da vantagem de poder se instalar em imóvel adequado às suas necessidades físicas, cujas especificações são por ele formuladas. A contraprestação paga pelo locatário não remunera somente a utilização (cessão da posse e uso do bem), mas também: -aquisição do terreno pelo investidor; -a construção por encomenda -a captação de recursos no mercado Ultrapassa os limites de mera relação locatícia, razão pela qual o texto de lei o tipifica como um contrato de locação mas, ao mesmo tempo afasta o regramento comum a este microsistema legal, admitindo a liberalidade de contratar em face da complexidade deste tipo de avença, que se apresenta como uma rede contratual – “coligação de contratos de forte dependência destinada a organizar uma operação econômica unitária”* Rede contratual BTS= Financiamento ou Securitização (em alguns casos) + Empreitada + Locação. * Luciano de Camargo Penteado”Redes contratuais e Contratos Coligados”, in Direito Contratual Temas Atuais. Ed. Método. Características do contrato disciplina legal mínima, enquadrado como modalidade de locação não residencial, admite o princípio da autonomia privada-liberdade de contratar – pacta sunt servanda deve considerar os princípios da boa-fé e da função social do contrato (arts 421 e 422 do CCB). o dirigismo contratual que apresenta-se com força na Lei do Inquilinato, tem menor incidência neste tipo de locação Preservação da manutenção do equilíbrio econômicofinanceiro Valorização dos “Fundos Imobiliários, que se destinam ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, tais como a construção de imóveis, aquisição de imóveis prontos, e de projetos que viabilizem a sua locação, instituídos pela Lei 8.668/93, regulamentada pela Instrução CVM 472/08. Este sistema autoriza a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários-CRI’s, o que é da competência exclusiva das companhias securitizadoras, dos quais podem servir de lastro aluguéis de shoppings centers e aluguéis comerciais, especialmente os decorrentes de operações estruturadas pelo sistema built to suit. Sylvio Capanema de Souza . A Locação do Imóvel Urbano e seus Novos Modelos Revista da EMERJ, v. 13, nº 50, 2010 A companhia securitizadora de recebíveis, mediante recebimento dos créditos transferidos pelo locador, lhe antecipará o valor do contrato e transformará os créditos de aluguéis em lastro de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI's) colocando-os no mercado, distribuindo-os a investidores, na forma da Lei n. 9.514/1997. Em geral, os investidores organizam-se em uma Sociedade de Propósito Específico (SPE)- personalidade jurídica formada para a execução de determinado empreendimento previamente identificado e em prazo limitado. Ficam responsáveis pela aquisição de terreno e implementação do empreendimento, o que inclui aprovação do projeto, licenças e alvarás, construção e viabilização de recursos e contratação de construção, em geral, por empreitada global. A empresa contratante tem autonomia para fiscalizar a obra e assegurar-se de que o projeto, com o qual tem um comprometimento contratual, se desenvolva da forma especificada. Por isso, é comum contratar uma gerenciadora para acompanhar a obra. Contratos Built To Suit - Um Estudo Da Natureza, Conceito E Aplicabilidade Dos Contratos De Locação Atípicos No Direito Brasileiro. Rodrigo Ruete Gasparetto, Scortecci Editora 1ª edição - 2009 - o contrato será desenvolvido por especialistas em áreas variadas, como por exemplo, corretores do mercado imobiliário, finanças, arquitetura, planejamento de espaço, engenharia de avaliações, urbanismo, engenharia civil, marketing, contabilidade, ... - é possível oferecer ao final do contrato a opção de compra pelo valor de mercado na época, ou também pode constar no contrato de locação a opção de compra do imóvel ao final do período por valor pré-determinado, corrigido monetariamente com base em determinados índices. Os contratos firmados no período anterior à vigência da Lei 12.744/12 eram tratados como se atípicos fossem, de modo que os Tribunais – em sua maioria – entendiam que a elas não se aplicava a Lei de Locações de Imóveis Urbanos, mas o Código Civil, prevalecendo o que havia sido estipulado pelos contratantes. Agora, como há permissão para que valha sempre e prevalentemente o acordado, os contratos anteriores à Lei 12.744/12 continuarão sendo regulados da mesma forma que outrora – o que implica dizer que a eles não se aplicam as restrições impostas pela Lei 8.245/91. No sistema BTS os contratantes estabelecem suas obrigações antes mesmo do início da construção. Se houver algum fato que altere as condições pactuadas, ocasionando uma onerosidade excessiva para uma das partes, deverá ser aplicada a cláusula rebus sic stantibus (teoria da imprevisão), possibilitando revisão contratual, trazendo novamente para a relação jurídica o equilíbrio pretendido. Para o êxito do modelo BTS é indispensável: a) que o tempo de duração do contrato seja suficientemente longo para que o locador recupere o que investiu e realize sua remuneração ( análise da rentabilidade) ; b) que o valor do aluguel considere a complexa equação que garanta uma remuneração global pelo empreendedor observado um período para amortizar o investimento do locador, e não possa ser reduzido no prazo determinado; c) que seja vedada a denúncia antecipada do contrato, por iniciativa do locatário, salvo pagando adequada multa compensatória. O contrato de built-to-suit só se mostra viável se todas as figuras que direta ou indiretamente influenciaram em sua consolidação estiverem seguras de que a retribuição mensal, que remunera o capital investido, não sofrerá redução e muito menos solução de continuidade, caso contrário, o investidor realizaria outros negócios, e a sociedade locatária teria que suportar o investimento nos seus próprios imóveis. Para concluir, vale lembrar de Sam Walton, o fundador da Wal-Mart – grande usuária de imóveis “built-to-suit” e a ela locados por terceiros -, que disse: “Estou no negócio de vendas a varejo, não no negócio de imóveis. Se tiver que construir uma loja eu o farei. Mas, em seguida, a venderei”. Fonte: Ivan Tauil – Jornal Valor Econômico, ed. 11.04.2008 www.forumimobiliario.com.br/