A LEPRA NUMA OBRA MEDIEVAL DE FICÇÃO: A HISTÓRIA DO MUI NOBRE VESPASIANO IMPERADOR DE ROMA1 Leprosy in a medieval romance: the history of the very noble Vespasiano emperor of Rome Maria Carlota Rosa2 RESUMO Considerada uma das formas de impureza já na Bíblia, a lepra estigmatizou por séculos aqueles que a contraíam. Ainda em meados da década de 90 do século XX, o Brasil, por exemplo, veria a própria denominação da doença ser alterada por Lei, que dispunha que, desde então, não teriam “curso nas repartições dos Governos, da União e dos Estados, quaisquer papéis que não observem a terminologia oficial [...] estabelecida, os quais serão imediatamente arquivados, notificando-se a parte” (Brasil, 1995). O presente trabalho focaliza um romance medieval que tem a lepra como desencadeadora de toda a ação, e procura observar a forma como a doença foi nele apresentada. Num mundo permeado pela religião, é estreita a relação da doença com o pecado. Nesse quadro, a única esperança de cura estava na fé em Deus, nos sacramentos e nas relíquias. PALAVRAS-CHAVE Vespasiano, lepra, Idade Média ABSTRACT Seen as a form of impurity since Biblical times, leprosy is still a pervasive stigma attached to the individuals who contract it. The stigma it provokes is even now so 1 Versão preliminar deste texto constituiu-se em trabalho final entregue à Prof. Doutora Diana Maul de Carvalho, no curso sobre História da Medicina (Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Faculdade de Medicina/ Departamento de Medicina Preventiva) no primeiro semestre de 2003. Agradeço seus comentários, bem como os dos Professores Paulo Feijó Barroso (UFRJ), Hilton Pereira da Silva (UFRJ) e Roland Schmidt-Riese (Univ. de Munique). Agradeço ainda a Isabel Cepeda (Biblioteca Nacional, Portugal) o comentário sobre a marca do impressor. Nas citações, o itálico indica o desenvolvimento de uma abreviatura no original; o sinal <&> representa o sinal tironiano para a conjunção “e”. Apesar de a Lei nº 9.010 (Brasil, 1995), sancionada pelo Presidente da República em 29 de março de 1995, dispor que, no Brasil, o termo lepra e seus derivados estão banidos da “linguagem empregada nos documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estadosmembros” (http://www.soleis.adv.br/hanseniase.htm), como o presente trabalho se volta para a História da Medicina, estaremos empregando a nomenclatura da época. Por esta razão não se encontrará aqui o termo hanseníase para a denominação da doença, nem doente de hanseníase, para a denominação do indivíduo acometido dessa patologia. Também seguiremos a tradição, e lepra lepromatosa não estará substituída por hanseníase virchoviana. 2 Maria Carlota Rosa. Doutora em Letras (Lingüística). Dept. de Lingüística e Filologia. Programa de Pós-Graduação em Lingüística. UFRJ/Faculdade de Letras - End.: Rua Flack, 101, casa 3, apt. 201 Riachuelo - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 20.960-150 - Tels.: (21) 2241-2800 / (21) 9977-8814 Fax :(21) 2270-1696 (trabalho) - e-mails: [email protected] / [email protected] CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE J A N E I R O , 13 (2): 459 - 470, 2005 – 459 MARIA CARLOTA ROSA impressive that in the middle of 1990’s Brazil suppressed by law one of the alternative names of the disease, and since then “leprosy” and its derived words were banned from any Brazilian document . This paper focuses on a medieval legend in which leprosy is the root cause of all action, and describes the way it was presented in it: as an incurable and mutilating disease, beyond the competence of the best physicians and surgeons of the Roman Empire, the result from an impious life. KEY WORDS Vespasian, leprosy, Middle Ages 460 – CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE J A N E I R O , 13 (2): 459 - 470, 2005