CHEIM JORGE & ABELHA RODRIGUES
Advogados Associados
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE CACHOEIRO
DE ITAPEMIRIM - ES
Proc. n.º: 011990356815
MARNY CHEIM SADER MALHEIROS, devidamente qualificada
à exordial, por meio de seus advogados ao final assinados, nos autos da ação em epígrafe
que move em face de COLA REPRESENTAÇÕES INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA , vem,
respeitosamente, à presença de V. Exa., inconformada com a r. sentença e com a r. decisão
que julgou os embargos de declaração interposto, interpor o presente
APELAÇÃO, o que faz em
RECURSO DE
conformidade com as razões em anexo.
Requer seja admitido o presente recurso, e após intimada a
parte contrária, seja remetido para o Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
Termos em que,
pede deferimento!
Vitória, 06 de novembro de 2000.
MARIA LÚCIA CHEIM JORGE
OAB-ES n.º: 1.489
MARCELO ABELHA RODRIGUES
OAB/ES 7.029
FLÁVIO CHEIM JORGE
OAB/ES 262-B
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Rua Ulisses Sarmento, n. 24, conj. 313, Ed. Leon Trade Center, Praia do Suá, Vitória-ES, Cep. 29.052-320, Tel/fax 0**.27.315-5121
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EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
COLENDA CÂMARA JULGADORA
EMINENTES MAGISTRADOS
.I.
PELA LISURA PROCESSUAL
Inaceitável, perante o ordenamento jurídico brasileiro, é a
decisão proferida em primeiro grau de jurisdição pelo eminente juiz de direito da 1º Vara
Cível de Cachoeiro do Itapemirim.
Seja simplesmente descartando todo o avanço legal e
doutrinário empreendido, no Brasil, na última década, seja desatendendo aos preceitos
consagrados, há décadas, em nosso Código de Processo Civil, proferiu o ilustre magistrado
uma sentença que poderia ser ―classificada‖ de inclassificável.
Não bastasse o desatendimento aos preceitos legais que regem
nossa sociedade, não se nota, na sentença que ora se impugna, a atenção aos fatos
meticulosamente acostados à petição inicial do autor e devidamente comprovados pelos
documentos que se fizeram constar anexos à exordial.
Que não se esqueça de mencionar a subversão da verdade
verificada na interpretação do laudo pericial e posteriores quesitos que, mesmo apontando
as terríveis falhas mecânicas do veículo, foi utilizado de forma a embasar uma quimérica ―má
utilização‖ do veículo automotor. Sem dúvidas, como se verá, até isso a sentença fez!
Não obstante existir como ―vontade concreta da lei‖ tão lauta
ignomínia jurídica, referta de erros, omissões e contradições, deve-se ainda evidenciar a
inexistência de conteúdo na decisão que julgou os Embargos de Declaração, opostos na
esperança de que, no mínimo, houvesse lógica e respeito aos ditames processuais na
sentença profligada.
A dita decisão dos Embargos, que não os acolheu, foi
simplesmente ―fundamentada‖ no número de laudas despendido pela apelante quando da
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feitura da irrespondida peça recursal – número este que se afigura minúsculo ante o vulto
huno e colossal das estultices colacionadas na sentença apelada, verdadeiras aberrações
jurídicas que serão demonstradas fartamente, tão logo termine este lamurioso e irresignado
clamor pela lisura processual. Gostaria-se imensamente de saber em qual dispositivo legal
de nosso ordenamento jurídico baseou-se o MM. Juiz para negar a elucidação de sua
confusa e omissa sentença, em função deste ou daquele número de páginas do instrumento
recursal. Noutras palavras: QUAL O NÚMERO DE LAUDAS LIMITE PARA A CONCESSÃO
DO PROVIMENTO PLEITEADO EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO? SERIA
REQUISITO
DE
ADMISSIBILIDADE?
QUAL
A
RELAÇÃO
DO
TAMANHO
DO
INSTRUMENTO RECURSAL COM O MÉRITO DOS EMBARGOS? A PRECITADA
DECISÃO É ALGO PIOR QUE OMISSA, PUERIL, PUSILÂNIME, ONÍRICA, DELIRANTE,
FEBRIL, E MANIFESTAMENTE ATÉCNICA E ANTIJURÍDICA - POR DISSONANTE DA
DISPOSIÇÃO INSERTA NO ART. 93, IX DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
De forma a comprovar a erronia desconcertante da mui
respeitável sentença, corroborada em seu borrão pela ulterior e igualmente desazada
decisão prolatada em sede de Embargos Declaratórios, pedimos vênia para demonstrar as
razões de fato e de direito que impeliram a Apelante a buscar a sacrossanta tutela
jurisdicional do Estado.
.II.
DOS FATOS
No dia 1º de julho de 1997, a apelante adquiriu da firma
apelada, um veículo Fiat Palio Weekend Stile, ano 1997, cor cinza, placa MPR - 9498, chassi
nº 9BD178858V0325400, mediante o pagamento de 24 parcelas mensais, e que vêm sido
adimplidas rigorosamente em dia, através do CONTRATO nº 648079-2, como provaram os
documentos acostados na inicial.
O referido veículo, adquirido zero quilômetro e com 22 parcelas
já quitados pela Requerente, logo nos primeiros meses de utilização começou a apresentar
graves e absurdos defeitos, bem como péssimo funcionamento.
No dia 23 de dezembro de 1997, às vésperas do Natal, a
Apelante levou seu veículo à Concessionária Apelada, porque o ar-condicionado estava
funcionando muito mal. Através da Autorização de Serviço nº 52436, o veículo deu entrada
na oficina da Requerida, e, embora previsto para ser reparado no mesmo dia, só no dia 29
de dezembro foi entregue à Apelante. O, automóvel, enfim, permaneceu na oficina da
Apelada por 6 dias!
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No dia 30 de dezembro de 1997, ou seja, um dia após ter saído
da Concessionária Apelada, a correia do ar condicionado rompeu-se e o veículo novamente
teve que voltar à concessionária Requerida, onde através da ORDEM DE SERVIÇO nº
52511, foi feita a substituição da peça.
Por mais incrível que possa parecer, no dia 06 de janeiro de
1998, o veículo voltou a apresentar o mesmo defeito, tendo retornado à concessionária
apelada, conforme comprova a ORDEM DE SERVIÇO nº 56606.
No dia 28 de janeiro de 1998, como os pneus se desgastavam
muito além do natural, os problemas com o ar-condicionado persistiam e estava
ocorrendo grande e espantoso vazamento de óleo, a Apelante e o seu marido procuraram a
oficina da Requerida. Através da ORDEM DE SERVIÇO Nº 53050, se observa que o veículo
retornou à concessionária no dia 28.01.1998, ali permanecendo por 4 dias, embora com
entrega prevista para 2 dias. Isso tudo apenas 22 ( vinte dois) dias depois do último
conserto!
Mal acabara de passar pelo dissabor de não poder utilizar seu
carro, o mesmo novamente começou apresentar problemas. Além do vazamento de óleo que
não foi resolvido, havia problemas com o interruptor de marcha apelada, e a carcaça de
alumínio fundido da caixa de marcha estava trincada.
Por isso, no dia 09.02.98 o carro foi levado novamente à oficina
da Concessionária-Apelada, e lá permaneceu por 15 DIAS, com o motor e a Caixa de
marcha no chão. O serviço foi feito através da ORDEM DE SERVIÇO Nº 53240.
Cumpre esclarecer, que, como das vezes anteriores, a Apelada,
nunca se preocupou em disponibilizar um veículo para que a Apelante pudesse continuar
exercendo suas atividades normais, nem para que seu marido pudesse dar prosseguimento
às suas atividades como representante comercial.
Como a revolta da Apelante estava se tornando incontrolável,
porque o carro já estava na concessionária há quatorze dias sem que o conserto fosse
efetuado, a Apelada autorizou a locação de carro, o que foi feito por 24 horas.
Por incrível que pareça, apesar da situação acima narrada,
onde o veículo ficou na oficina da Apelada por 15 dias, a Apelante e sua família foram
protagonistas, ainda mais uma vez, de uma situação constrangedora, no dia 25 de fevereiro
de 1998. Era quarta feira de cinzas, e estavam retornando de Marataízes onde passaram o
carnaval. Quando acabaram de descer do carro com os filhos, a Apelante e seu marido
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foram surpreendidos com uma pane elétrica, parando o carro simplesmente de funcionar,
apenas piscando os faróis e o painel quando tiravam a chave da ignição. Foi algo lastimável.
Já havia escurecido, e então o marido da Apelante ligou para a COMFIAT que mandou um
reboque às 21h:30m.
Embora a empresa Apelada não tenha fornecido
ordem de
serviço, o fato acima narrado foi provado no decorrer da ação, por prova testemunhal e
pericial, que verificaram a contabilidade da Requerida, do registro de entrada de veículo na
oficina.
Pouco tempo depois, ainda no prazo da garantia, o veículo
apresentou um problema no vidro elétrico da porta ao lado do motorista, tendo sido
substituída a máquina do vidro L.E., ORDEM DE SERVIÇO nº 55893, no dia 18 de junho de
1998.
Em 10 de agosto de 1998, na revisão de 20.000 Km, o veículo
foi levado à oficina da Requerida, que entre outros serviços, observou a persistência do
vazamento do óleo embaixo do motor, que apesar de vários consertos continuava dando
problemas. Dessa feita, o serviço foi efetuado através da ORDEM DE SERVIÇO nº 57026.
Em 10 de setembro de 1998, um mês após essa revisão, mais
um grave incidente desagradável aconteceu com a Requerente, que saíra para ir à
costureira e fazer serviço bancário para o marido. De forma completamente inusitada, o carro
ficou superaquecido, saindo fumaça pelo motor e parou em pleno centro da cidade. A
Apelante ficou desesperada, achando que o carro estava pegando fogo, e inúmeros curiosos
se aproximaram. Houve grande tumulto, com várias pessoas se aglomerando à sua volta.
O carro foi rebocado para a oficina da Requerida e o serviço foi
realizado através da ORDEM De SERVIÇO nº 57810 de 10 de setembro de 1998.
Quando ainda nem estava refeita da lamentável situação acima
narrada, exatamente uma semana após (dia 17 de setembro de 1998), o veículo da Apelante
teve que ser rebocado novamente e a mesma passou por uma situação mais vexatória
ainda.
Passava das 21 horas, estava a Requerente com sua mãe e as
duas filhas, voltando de uma visita, quando o motor do carro ficou superaquecido e o carro
começou a enfumaçar, parecendo que ia se incendiar. As crianças se desesperaram,
ameaçando pular pela janela do carro, o comércio já tinha fechado e a Suplicante, mais uma
vez, ficou parada no meio da rua, com as pessoas se aglomerando à sua volta. Não tinha
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sequer um orelhão por perto, e a sorte da Apelante foi que uma pessoa amiga passou pelo
local e prontificou-se em telefonar para a COMFIAT que após 40 minutos veio rebocar o
veículo, às 22h30m aproximadamente. A Apelante e a sua família somente conseguiram
chegar em casa após às 23 horas! Dessa vez, o serviço foi feito através da ORDEM DE
SERVIÇO Nº 57993 de 17 de setembro de 1998.
NA SEQÜÊNCIA INTERMINÁVEL DE ABSURDOS, no mês
de dezembro de 1998, ou seja, após 3 meses da ocorrência dos fatos acima narrados, a
Apelante e toda a sua família, tiveram novamente o dissabor de sofrer com o defeito
apresentado pelo veículo. Era um domingo e a Apelante e toda a sua família foram à
rodoviária buscar uns amigos que chegavam de Vitória. Quando saía da garagem, o carro
não quis pegar e com ajuda de dois transeuntes que o empurraram, conseguiu sair do lugar.
Mal tinha chegado à Rodoviária, o veículo começou a ficar super aquecido e a enfumaçarse, com a temperatura chegando ao máximo, parando, conseqüentemente de funcionar. A
Apelante apanhou então um táxi com suas visitas, após ter empurrado o veículo para a
garagem de uns conhecidos que moram perto da rodoviária.
No dia seguinte, dia 14 de dezembro de 1998, foi apanhar o
carro, que após muito esforço conseguiu ligar e levou-o à concessionária, onde chegou com
ele todo esfumaçando e parecendo que ia incendiar-se.
A
Concessionária
Apelada
mandou
trocar
a
válvula
termostática, um termostato e um calço de motor, como se vê na ORDEM DE SERVIÇO Nº
59788 de 14.12.98 e a Nota Fiscal/Fatura nº 014690-2. Todavia, por esse serviços, a
Apelante teve que pagar à Apelada a quantia de R$ 327,92 (trezentos e vinte e sete
reais e noventa e dois centavos).
Ainda no mês de dezembro de 1998, como o motor do veículo
continuava com super aquecimento, dirigiu-se a Apelante à concessionária Apelada,
tentando procurar solucionar o problema, que persistia, apesar da reposição de peças pelas
quais havia pago mais de R$ 300,00 (trezentos reais) à requerida.
Para verificação e novo conserto do mesmo defeito, a Apelante
levou seu carro à oficina da Apelada no dia 23 de dezembro e no outro dia, às 8h30m seu
marido apanhou o carro, com o serviço feito pela ORDEM DE SERVIÇO Nº 60026 ( doc. 23).
Como haviam planejado anteriormente passar o Natal em
Marataízes, assim que apanhou o veículo, o marido da Apelante acondicionou a bagagem no
veículo, e foi rapidamente até o centro da cidade comprar alguns produtos alimentícios para
levar, enquanto a família acabava de se vestir.
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Para surpresa do marido da Apelante, o carro começou a
enfumaçar-se e parou completamente. Levantou-se o capô, e observou-se que a água do
radiador estava fervendo e o motor estava excessivamente quente. Mais uma vez, o veículo
da Apelante foi rebocado, na véspera do Natal.
A Apelante e toda sua família MAIS UMA VEZ deixaram de
passar o Natal onde pretendiam em razão de o veículo simplesmente parar de
funcionar.
Com a entrada do ano de 1999, a Apelante pensou que poderia
ter um pouco de paz, mas não houve jeito. O carro continuou apresentando problemas.
No dia 14 de janeiro do ano de 1999, novamente foi o carro
para a oficina da Apelada, para substituir a correia do ar condicionado, como se vê na
ORDEM DE SERVIÇO Nº 60469 de 14.01.99.
Já no dia 22.04.99, novamente e de forma interminável o
veículo apresentou defeito, parando de funcionar subitamente no meio da rua, e levado a
uma oficina particular, foi feita a revisão da parte elétrica.
Os fatos acima narrados e devidamente provados por
documentos emitidos pela própria Concessionária Apelada demonstram, exaustivamente a
real situação do veículo da Apelante, que adquirido zero quilômetro, não tem a mínima
condição de atender a finalidade para a qual foi comprado.
A Apelante e seus familiares têm sido submetidos à
situações realmente vexatórias e desagradáveis!!!!
Apesar das idas e vindas à oficina da Concessionária Apelada,
o veículo continua dando problemas, mesmo após os inúmeros consertos e reposições de
peças. O prejuízo patrimonial da Apelante é grande, com a impossibilidade de seu marido
não poder efetuar suas vendas regulamente, e, o prejuízo extrapatrimonial torna-se
incalculável face às inúmeras situações de transtorno e vexame pelas quais têm passado a
Apelante e sua família
Diante dessa situação, a apelante procedeu a regular
notificação da apelada, por meio da NOTIFICAÇÃO JUDICIAL Nº 011990289347, para que
a mesma, tendo em vista o que dispõem as normas contidas na Lei 8.078/90, substituísse o
veículo adquirido com vício de qualidade que o torna impróprio e inadequado ao consumo. A
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Apelada, reconhecendo de forma objetiva os problemas apresentados pelo veículo por ela
vendido, simplesmente ficou silente.
Dessa forma, somente restou à apelante o socorro à tutela
jurisdicional do Estado, que de forma inexplicável lhe foi desfavorável em 1º grau de
jurisdição, por meio de uma sentença nula, conforme teremos azo de comentar, em seguida.
Registre-se que mesmo após o ajuizamento da ação, o veículo
continuou a dar problemas e defeitos, conforme demonstram os documentos já anexados
aos autos.
.III.
DO DIREITO
.III.1
O TOTAL DESCONHECIMENTO DO I. MAGISTRADO A QUO ACERCA DA APLICAÇÃO
AS REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM
Veja-se o tamanho do vício combatido, transcrevendo alguns
trechos da respeitável sentença:
―Estabelece o art. 335, do CPC:
Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de
experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente
acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta,
o exame pericial
Seguindo os ditames do artigo em destaque e, confrontando a experiência
comum com o exame pericial, concluo que grande parte dos defeitos
reclamados pela apelante foram decorrentes do(s) impacto(s) sofrido(s) no
compressor do ar condicionado, o qual produziu reflexos quanto a danificação
de outras peças a ele acopladas‖.
Analise-se detidamente, portanto, os ditames do dispositivo
legal supracitado, para que esclareça-se alguns tópicos controvertidos, ou mal explanados
pelo decisum.
No que toca às regras de experiência comum, cumpre
observar que representam um norte a auxiliar a cognição do magistrado acerca das
alegações de fato aventadas pelos sujeitos parciais do processo. As regras de experiência
comum são aquelas que adquiridas pela aglutinação do senso comum, da observação
daquilo que ordinariamente acontece. Enfim, faz parte da cultura normal de que serão
livremente aplicadas no conjunto probatório, independentemente de prova das mesmas.
Assim, as REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM NÃO SE CONSTITUEM EM OBJETO DE
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PROVA, MAS SIM FAZEM PARTE DA PERSUASÃO RACIONAL DO JUIZ NA
FORMAÇÃO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.
Utiliza-se regras de experiência comum na situação de não
haver possibilidade de se aferir a verdade acerca da existência dos fatos por meio de
sua prova direta. São, portanto, REGRA SUBSIDIÁRIA na apreciação do conjunto fático
apresentado em determinada relação jurídica processual.
Será que, num processo onde foram demonstrados e
comprovados os fatos constitutivos do direito da apelante à demasia, deve-se basear o juiz
em regras de experiência comum?
Destrinçada a questão anterior, passe-se à parte referente às
regras de experiência técnica. Como faz sugerir o próprio adjetivo, regras de experiência
técnica são aquelas angariadas de algum conhecimento específico, de alguma ciência,
ofício, profissão, arte, filosofia e etc. São regras a respeito das quais, a menos que o juiz seja
especializado naquela área, ele não tem qualquer conhecimento ou pouco conhecimento, de
modo que deva solicitar, ainda que sem o pedido da parte (CPC, art. 130), para seu melhor
entendimento, a colaboração do perito, como se dessume pela rasa leitura do supracitado
artigo do CPC.
No caso presente, haveria sim, possibilidade de aplicar-se as
máximas de experiência técnica desde que houvesse (infelizmente não houve) interpretação
subsidiária da prova trazida e, repisa-se, se o referido MM. Magistrado tivesse, no
mínimo, um seu diploma de bacharel em engenharia mecânica e/ou elétrica, que não se
afigura razoável que interprete de tal modo tortuoso o parecer do perito, fundando suas
convicções em falácias em momento algum ratificadas pelas conclusões do técnico.
Quanto a isso, faça-se remissão expressa a alguns quesitos
respondidos pelo ilustríssimo Sr. Ailton Balliana da Mota, perito da causa.
Restando comprovado o choque ou impacto eventualmente
sofrido pelo compressor do ar-condicionado do veículo (resposta ao quesito nº 2 da
Apelante), vejamos qual ou quais dos inúmeros defeitos alegados e provados pela mesma
(vide ordens de serviço acostadas às fls. xxxx) poderiam ser relacionados à tal avaria. Eis a
resposta do perito a esta indagação:
“Problema de mau funcionamento do compressor do arcondicionado e a primeira troca da correia de acionamento deste
compressor, já que a polia poderia estar desalinhada, provocando
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um desgaste prematuro e consequentemente a quebra da mesma,
quanto à troca das demais correias, dentro dos critérios de um
sistema de gestão da qualidade, este serviço é considerado como
retrabalho”. (resposta ao quesito de número 3, formulado pela
Apelada).
Portanto, ínclito Desembargador Relator, vê-se sem qualquer
dificuldade que o vazamento do tanque de combustível, os rompimentos da correia do arcondicionado subseqüentes ao primeiro conserto, a ausência de proteção no motor (carter),
o trincamento na carcaça de alumínio da caixa de marcha, as inúmeras panes elétricas, os
problemas com a válvula termostática, com o termostato e com o calço do motor, além da
falha no interruptor da marcha-apelada e os vexantes e notórios casos de superaquecimento
do motor, absolutamente nada tem que ver com as fricções ocasionalmente infligidas
ao compressor do ar-condicionado.
Segundo afirmou o MM. Juiz, que se considera experto em engenharia
elétrica/ou mecânica, há umbilical ligação da fricção do ar condicionado (fato extintivo que
deveria ser provado pela apelada) e as mais de 08 panes elétricas no veículo! E tantos
outros defeitos apresentados naquele lixo que foi vendido ao consumidor.
Por sinal, parece que o MM. Magistrado, de cuja sentença ora
se apela, simples e inexplicavelmente olvidou a resposta do ilustríssimo Sr. perito ao quesito
de número 5, formulado pela Apelada. Vejamos o que ele diz acerca da responsabilidade
pelo dano provocado ao compressor do ar-condicionado. Eis o quesito:
“5 – Quais dos defeitos reclamados podem ter sido causados por
falha de projeto ou defeito estrutural?
R.: A quebra do ar condicionado, já que tal
componente foi montado na parte mais baixa
do veículo, abaixo até do próprio párachoque,
portanto,
o
mesmo
fica
muito
exposto a impactos e fricções pela situação
das ruas e estradas brasileiras, mostrando
que a montadora, na hora da tropicalização
deste projeto, não deu a atenção necessária
a este detalhe; que com certeza, nas estradas
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européias
não
provoca
problema
dessa
natureza. Outra evidência desta falha é que a
grade protetora do carter não é uma peça de
série deste veículo, e posteriormente a
própria concessionária tenha colocado no
veículo como uma solução complementar.”
Portanto Douto Desembargador Relator, se a responsabilidade
pela deterioração do compressor deve ser imputada a alguém, esse alguém é única e
exclusivamente a Apelada, tendo em vista o vínculo de solidariedade entre fabricante e
fornecedor, atribuído pelo art. 18 da lei nº 8078/90 c/c art. 7º, parágrafo único do mesmo
diploma, que tutela a qualidade dos produtos de consumo duráveis ou não duráveis,
mercanciados pela parte hipersuficiente.
.III.2
DA SUBVERSÃO DA VERDADE QUANTO AO USO NORMAL DO VEÍCULO PELA
APELANTE – DESCONHECIMENTO DA PROVA PERICIAL.
Embora já seja extensa a lista dos impropérios utilizados como
―fundamentação‖ à sentença combatida, não podemos nos furtar à análise de mais um dos
lamentáveis equívocos a que deu azo o Eminente Magistrado de 1º grau. Disse ele:
―Os
superaquecimentos
do
motor
foram
provocados
por
manobras impróprias da apelante ao transpor acentuados aclives
topográficos, mais que comuns nesta cidade, tanto que, não há
provas de reparos neste sentido”. (grifou-se)
Interessantíssimo é o argumento de que se utilizou o preclaro
magistrado para asseverar o fato de que o veículo da Apelante superaqueceu seu motor por
cinco vezes, em períodos que compreendem, inclusive, a estação hibernal.
Por seu entendimento, seriam as manobras impróprias da
Apelante, nos aclives da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, as responsáveis por tais
acontecimentos.
No
entanto,
por
ocasião
da
presente
apelação,
nos
perguntamos com certa dose de surpresa: COMO PÔDE O EXCELENTÍSSIMO JUIZ DE 1º
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GRAU CHEGAR A TÃO CONVINCENTE CONCLUSÃO, VISTO DIZER, DE FORMA ÓBVIA
E ULULANTE, A PERÍCIA ACOSTADA AOS AUTOS QUE NÃO HÁ NENHUM SINAL DE
USO INAPROPRIADO DO CONJUNTO EMBREAGEM-MOTOR, O QUAL SERIA O
PREJUDICADO NESTA SITUAÇÃO?
Vejamos, portanto, o quesito nº 3 formulado pela ora Apelante:
“3 – É possível comprovar que a apelante teria acelerado com o
pé na embreagem nas ladeiras, ou como diz a apelada,
„segurando o carro na ladeira só na embreagem‟?
R.: Não. Até por que não consta nos autos
nenhuma ordem de serviço ou nota fiscal da
troca de um disco de embreagem, peça esta,
a primeira a se danificar quando o condutor
do veículo possui o mau hábito dessa
prática.”
Ora, Eminente Desembargador Relator, se a prova pericial é
inconteste no sentido de que a utilização do veículo, pela Apelante, se dá em
consonância com os padrões normais de direção, como poderia ter o julgador de
primeiro
grau
aferido
que
manobras
impróprias
geraram
o
desagradável
superaquecimento?
Como ainda poderia ter ele categoricamente afirmado não
existirem provas de reparos relativos aos inúmeros superaquecimentos de motor, visto ter a
apelante anexado aos autos as ordens de serviço de n ºs. 57810 (10/09/98); 57993
(17/09/98); 60026 (23/12/98), respectivamente, docs. 19, 20 e 23 dos autos?
Ainda nesse diapasão, soa cômica a oração já transcrita, em
que o julgador diz serem os portentosos aclives e declives da bela Cachoeiro de Itapemirim
os responsáveis diretos pela persistente e inadmissível falha mecânica.
Um tanto curiosa é a percepção do fato de que a marca FIAT
tem seu nome composto pelas iniciais de ―Fabbrica Italiana di Automobili di Torino‖,
belíssima cidade ao norte da Itália, ladeada pelos imponentes Alpes Italianos.
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Torino, pelos brasileiros identificada como Turim, segundo nos
dá nota o eminente professor Antonio Depeccati1, é uma cidade topograficamente
identificada pela facúndia de acidentes geográficos, sendo 43% de seu território dominado
por montanhas e 30 % por colinas.
Encontrando-se a sede da empresa FIAT, onde foi concebido o
projeto do automóvel da apelante, em cidade tão íngreme, de topografia caracterizada por
elevadíssimos aclives, não seria de se esperar que todos os veículos do modelo Palio,
trafegando em Turim, apresentassem o tormentoso superaquecimento?
Havendo restado comprovada a utilização normal do veículo
pela apelante, forçosa é a ilação de que os automóveis da marca italiana, do modelo citado,
não são aptos para o tráfego em regiões de relevo acidentado. Como então a Suíça poderia
importar modelos da marca?
Também não seria de se esperar que todos os automóveis FIAT
Palio em utilização em Cachoeiro de Itapemirim, Belo Horizonte, Betim, Salvador e na Serra
Gaúcha, no Himalaia e em quaisquer outros pontos elevados do globo apresentassem um
constante superaquecimento?
O sucesso de vendas do modelo não comprova essa tese,
sendo lícito pensar, por conseguinte, que algo de sinistro se sucede com a mecânica do
veículo pomo desta discórdia. De outra parte, nem ―pega‖ muito bem para a própria apelada
e sua representada (FIAT), a afirmação rasa e infundada do MM. Magistrado de que esse
teria sido o problema do veículo. Fere, assim, a resposta do perito, e, por que não dizer,
máximas de experiência comum!
.III.3
DA CONTRADIÇÃO ACERCA DOS SUPERAQUECIMENTOS DO MOTOR
Realmente, somente nos é licito entender não se encontrar a
presente sentença, de modo algum, fundamentada. Este também parece ser o alvitre do
mestre paulista Nelson Nery Júnior ao explicar o significado de fundamentar. Senão
vejamos:
―Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o
convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem
implicação substancial e não meramente formal, donde é licito concluir que o
1
Professor de Língua Italiana da Universidade Federal do Espírito Santo.
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juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a
base fundamental de sua decisão. Não se consideram ‗substancialmente‘
fundamentadas as decisões que afirmam ‗segundos documentos e
testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que lhe julgo
procedente o pedido‘. Essa decisão é nula porque lhe falta fundamentação.‖
2
(Grifo nosso)
A sentença, como qualquer decisão judicial, tem como requisito
necessário a lógica interna de sua motivação, qualidade que aferimos inexistente na peça
que ora combatemos. Uma qualquer desatenta leitura já nos deixa transparecer que sua
sobrevivência como pronunciamento jurisdicional apto é, no mínimo, agonizante, sufocante,
asfixiante... impossível. Totalmente contraditórios são os argumentos esgrimidos pelo
julgador, que decide como estivesse em um filme de suspense, ora pendendo para um final,
ora para o outro. Até alcançar a aposição do dispositivo, autor e apeladau parecem ter
chances de sucesso, somenos a jurisdição estatal, abruptamente subtraída de seu escopo
principal de aplicação justa do direito.
Dessa forma, por uma análise coerente, racional e lógica, devese entender que fundamentar contraditoriamente, é o mesmo que não fundamentar. Ora, se
fundamentar é: justificar, esclarecer, dizer ou deixar claros os motivos, os porquês de
determinada atitude, afigura-se injustificável e sem clareza uma decisão que, primeiramente,
afirma um fato com um sentido e logo depois afirma-o em sentido inverso, deixando, no
mínimo, em desnorteio os destinatários de tal julgado.
Aliás, justamente para sanar vícios dessa natureza é que
servem os embargos de declaração, como determina o art. 535, do CPC. Não custa ratificar
a indisfarçável omissão do digníssimo magistrado de 1º grau quando da oposição dos
embargos de declaração de fls. x/x. A decisão do referido magistrado, que negou provimento
aos embargos de declaração opostos pela ora Apelante, é qualquer coisa hilária, quase
tragicômica, não fosse o fato de que precisa-se apelar da referida decisão integrativa da
sentença. Mais parece uma personagem do exército de brancaleone, do tipo desajeitado,
aleijado, pífio mesmo.
Acerca da eficácia da sentença contraditória em sua fundamentação,
aproveitemos o escólio de ninguém menos que Moacyr Amaral Santos, em seus comentários
ao CPC:
―322. Clareza da decisão. _ A sentença deverá ser clara, pois que deverá ser
inteligível e insuscetível de interpretações ambíguas ou equívocas. A clareza
recomenda linguagem simples, em bom vernáculo, com aproveitamento,
quando for o caso, da palavra técnica, do vocabulário jurídico. Se ininteligível,
por absoluta falta de clareza, a sentença será ineficaz. Quando obscura, ou
mesmo contraditória, permitindo interpretações ambíguas ou equívocas,
poderá ser esclarecida, por meio de embargos de declaração‖
2
JÚNIOR, Nelson Nery Princípios do Processo Civil na Constituição Federal São Paulo : RT 5ª ed. 1999 p. 175
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...Por vários argumentos justifica-se a exigência da motivação da sentença.
Esta é ato de vontade, mas não ato de imposição de vontade autoritária, pois
se assenta num juízo lógico. Traduz-se a sentença num ato de justiça, da qual
devem ser convencidas não somente as partes, como também a opinião
pública. Portanto, aqueles e esta precisam conhecer os motivos da decisão,
sem os quais não tem elementos para convencer-se do seu acerto. Nesse
sentido diz-se que a motivação da sentença redunda de exigência de ordem
pública.
...Conforme doutrina dominante, a que aderimos (Frederico Marques, Lopes
da Costa, Gabriel de Rezende Filho), a falta de motivação acarreta a nulidade
3
da sentença...
A coesão lógica, que deve permear o teor dos julgados, é
qualidade que diz respeito ao requisito da fundamentação. Noutras palavras, a motivação de
decisões judiciais pautada por critérios ilógicos ou incongruentes equivale simplesmente à
não motivação. Vejamos então alguns trechos do combatido julgado, seqüências
absolutamente incompatíveis entre si:
“Observo que dos reparos discriminados nas referidas ordens de
serviços, constam substituições da correia do ar condicionado,
superaquecimento do motor, vazamentos de combustível, defeito
na caixa de câmbio, desgaste de pneus e revisões periódicas
cobertas pelo contrato de garantia, sendo que a preponderância
dos reparos deu-se quanto ao superaquecimento do motor e
substituição da correia do ar condicionado”
“...Concluo também que os superaquecimentos do motor foram
provocados por manobras impróprias da apelante ao transpor
acentuados aclives topográficos, mais que comuns nesta cidade,
tanto que, não há provas de reparos neste sentido...”
Como se disse, Eminente Relator, depois de ler o primeiro
parágrafo ter-se-ia a nítida impressão, senão a certeza da ratificação da condenação da
apelada, mas..., ao ler o segundo parágrafo, verifica-se justamente o oposto. Na verdade,
ainda que respeitáveis, porquanto oriundas de um magistrado, decisões como esta dificultam
o trabalho do profissional de direito, que, decerto, nem consegue interpretar ou entender o
que pretendeu o magistrado na sua exegese dos fatos. Como se disse alhures, é
inclassificável esta decisão, que está à margem das decisões justas ou injustas, senão
porque vazia de conteúdo e desprovida, no mínimo, de seriedade.
.III.4.
DA NÃO SUBSTITUIÇÃO DA CAIXA DE MARCHAS – DESCONHECIMENTO DA PROVA
PERICIAL.
Outro despautério, a inquinar de nulidade absoluta a mui digna
sentença que ora se impugna, está na seguinte assertiva do magistrado:
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―Da análise das provas carreadas, extraio que a apelante omitiu fatos
de sua responsabilidade, cujos fatos (sic!), tais como o impacto sofrido
pelo veículo e a troca da caixa de câmbio, deram origem aos demais
efeitos apresentados e reparados, sem dispêndios para a apelante‖.
Discurso insubsistente, monotonamente falacioso, mais um
sofisma colhido da fundamentação do julgado. Vejamos o que diz o ilustríssimo Sr. perito
sobre a possibilidade de a caixa de câmbio haver sido trocada. Eis o quesito de n.º 4,
formulado pela Apelante:
“4 – A caixa de câmbio foi trocada?”
“Pela
inspeção
no
veículo
não
foi
possível
identificar a troca ou não deste componente. A nota
fiscal n.º 9095 de 18/02/98 apresenta nos itens 1 e 2
que foram executados serviços sem contudo
mencionar a necessidade da troca de nenhum
componente da mesma. ..”
Mais uma vez, nosso eminente magistrado, técnico em
mecânica, parece ignorar solenemente a conclusão a que chegou o perito. Francamente,
não resta qualquer incerteza a respeito do total descumprimento, pelo órgão jurisdicional de
1º grau, do dever constitucional de fundamentar as decisões.
Aturdir a verdade acerca das alegações de fato articuladas pela
Apelante, desancando sem qualquer critério técnico todo o parecer do perito, não nos parece
sinônimo de motivar livremente sua convicção, a partir do plexo probatório produzido. Formar
o convencimento por conveniências outras que não a persuasão racional acerca da
existência deste ou daquele fato alegado, importa em simplesmente subtrair à publicidade os
verdadeiros motivos conducentes à prolação do veredicto. Proferir sentença tal como o fez o
digníssimo juiz de direito da 1ª Vara Cível de Cachoeiro de Itapemirim – do mesmo modo
como, diga-se de passagem, fê-lo ao proferir decisão interlocutória ante o desafio dos
Embargos de Declaração opostos pela Apelante – equivale a impor arbitrariamente as suas
convicções, não exibindo à opinião pública um sequer fator lógico que justificasse seu
canhestro entendimento.
Valhamo-nos do alvitre de ninguém menos que Teresa Arruda
Alvim Wambier, ferindo acuradamente a questão da coesão lógica dos julgados:
3
Santos, Moacyr Amaral. Comentários ao código de processo civil, Rio de Janeiro, Forense – 6ª Edição, 1994, pp. 402, 401.
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“ Na fundamentação, exporá o magistrado as razões de seu
conhecimento, de forma clara e de molde a que tantos quantos a
lerem tendam a chegar à mesma conclusão a que chegou. Tratase de dispositivo legal em que se manifesta e se concretiza de
forma inequívoca o princípio do livre convencimento motivado, da
mesma forma que ocorre no art. 131.”4
Diversa nem poderia ser a opinião prevalecente nos pretórios,
conforme constatamos pela leitura do seguinte acórdão:
“Toda prova é dirigida ao Juiz e somente a ele incumbe a sua
direção em ordem ao esclarecimento da controvérsia, não se
podendo imputar, face aos aspectos da cognição posta em Juízo,
que tal prova seja coimada de desnecessária. Outrossim, com a
liberdade de apreciação da prova, nos termos do art. 131 do
Estatuto, não pode, contudo, o Magistrado dispensar-se de
fundamentação quanto aos aspectos de sua convicção. (Ac. un.
Da 6ª Câm. do TJSP, de 12/05/1994, na Ap 219.448-1, rel. Des.
Munhoz Soares; Adcoas, de 10/12/1994, n.º 145.640).
Como não bastasse a miríade de infortúnios já elencados,
façamos mais uma observação acerca da maljeitosa sentença combatida. Por incrível e
incongruente que pareça, nosso digníssimo magistrado de 1º grau reconhece a condição da
Apelante como hipossuficiente, E INOBSTANTE ISSO, NÃO INVERTE O ÔNUS DA
PROVA; desrespeitando o preceito inserto no art. 6º, VIII da lei n.º 8078/90, cujo teor quadra
ser transcrito in totum:
―ART. 6º - SÃO DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR‖:
VIII – A FACILITAÇÃO DA DEFESA DE SEUS DIREITOS, INCLUSIVE
COM A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, A SEU FAVOR, NO
PROCESSO
CIVIL,
QUANDO,
VEROSSÍMIL
A
ALEGAÇÃO
A
CRITÉRIO
OU
DO
QUANDO
JUIZ,
FOR
FOR
ELE
HIPOSSUFICIENTE, SEGUNDO AS REGRAS ORDINÁRIAS DE
EXPERIÊNCIAS (grifou-se).
Reporte-se, às expressas, ao trecho de sua sentença em que
consigna a hipossuficiência da apelante, apenas para se clarificar o antagonismo ínsito ao
ato decisório do magistrado:
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―Certo é que, aqui
CONSIDERADA
A PARTE APELANTE-CONSUMIDORA É
COMO
HIPOSSUFICIENTE
ante
o
poderio
econômico da requerida e fabricante do veículo; todavia, os
julgamentos não podem ser norteados por sentimentalismos contrários
ao conjunto probatório, sob pena de invertermos os valores jurídicopositivos, em detrimento da segurança das relações de direito que
disciplinam nossa sociedade‖.
SENTIMENTALISMOS
CONTRÁRIOS
AO
CONJUNTO
PROBATÓRIO?! Honestamente, acredita-se que o conjunto probatório analisado pelo mui
digno juiz de 1º grau pertence a algum outro processo. Não se pode tomar como séria tal
alegação. Tudo quanto até agora se expôs é claro o suficiente em demonstrar o total
derribamento do conjunto probatório pela inteligência de nosso digníssimo magistrado de 1º
grau, que, sem quaisquer dificuldades, ignorou todas as conclusões obtidas pela perícia,
chegando a posicionamentos diametralmente opostos em relação aos sugeridos pelo
material probatório amealhado.
Outra coisa que o digníssimo juiz de 1º grau também parece
desconhecer é sua vinculação à lei consumeirista, no que diz respeito à inversão do ônus da
prova. O texto normativo é deveras cristalino ao dizer que o juiz deverá inverter o fastio
probatório, sempre que constatada a hipossuficiência do consumidor. Quanto a esta
característica, ordinariamente presente no pólo em que figura o consumidor - na relação
jurídica de consumo, cumpre ressaltar que restou expressamente reconhecida pelo
magistrado, conforme se vê da leitura do pronunciamento atacado, sendo no mínimo
surpreendente o descumprimento do ditame legal em função de – digamos –
―sentimentalismos‖, ou quaisquer outras convicções, medrados no peito do juiz.
Destarte, ante tudo quanto fora minudentemente exposto até
aqui, rogamos respeitosamente seja declarada a nula a sentença apelada, por ser
decisão inelutavelmente desprovida de fundamentação; aviltando, subseqüentemente,
a um só turno, os dispositivos 93, IX da CRFB, e 458, do CPC.
.III.5
DAS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor, com sua avançada
disciplina, desde há muito imprescindível para a sociedade brasileira, veio dar um fim às
inúmeras situações teratológicas que se verificavam nas relações entre fornecedor e
4
Wambier, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença, São Paulo, RT, 4ª Ed., p. 87.
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consumidor, como a que se originou da alienação do veículo objeto das angústias da
Apelante.
Felizmente, ao revés do que sucedia outrora, pode o
consumidor, hodiernamente, pleitear seus direitos e vê-los atendidos, desde que o intérprete
e aplicador da norma tenha o mínimo de lógica, bom senso e preparo para entender a letra e
finalidade das disposições da lei 8.078/90.
Indignado, em verdade, fica-se com os termos da sentença
proferida, fato que pode ser aferido pela leitura corrente da presente peça. Não se indigna
tão somente a injustiça gerada quanto ao caso concreto, visto que esta sabiamente poderá
ser reparada pelos ínclitos Desembargadores a quem incumbir o julgamento da presente
apelação.
Ruboriza o embuste ao processo e à jurisdição que, da forma
como foi prestada, é a própria negação aos termos do art. 5º, XXXV da Constituição Federal.
O que explicar ao jurisdicionado que lê a decisão, que lê as respostas do perito, que crê na
justiça clara e estampada do que restou provado nos autos, que acredita que se fará justiça
depois de longa espera, e, ao ouvir a notícia de seu advogado, quase tem um choque ao ser
informado de que ele autor, depois de tudo quanto foi provado e demonstrado, e até
reconhecido pela apelada, tem a notícia amarga de que, pasmem, foi condenado por má-fé!
É isso que faz com que a Justiça como um todo seja cuspida e deteriorada. Não são atos
que possam ser justos ou injustos dentro de um limbo de incerteza, mas sim decisões
perversas que tolhem o direito reclamado e qualquer direito a reclamar. O efeito futuro sobre
este jurisdicionado é a certeza de que a justiça é, antes de tudo, uma injustiça. É a última
porta que se fecha, com tranca e cadiado, para a solução dos problemas. Mais que isso, é a
porta que fecha e o tranca de modo a asfixia-lo numa vergonhosa condenação por má-fé.
Visando, portanto, clarificar o entendimento já sedimentado pela
doutrina e jurisprudência pátrias quanto à relação de consumo geradora de tantas máculas,
passemos à demonstração dos termos em que se assenta a pretensão legítima da Apelante.
.III.6
DA RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR
O Código de Defesa do Consumidor é de cartesiana clareza ao
prescrever a responsabilidade do fornecedor pelos bens ou produtos objeto de sua
mercancia, embora assim não tenha entendido o mui respeitável magistrado de 1º grau que,
inclusive, somente transcreveu o artigo 18 do CDC até o ponto em que interessava às suas
convicções – o caput do artigo – mais uma vez, portanto, maquinando versões acerca da
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existência de fatos e editando as palavras do direito segundo suas conveniências, em
conformidade com sua ―tese jurídica‖.
Prescreve o artigo citado, em seu caput , parágrafo 1º e incisos:
Art. 18 – Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não
duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou
quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a
que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do
recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária,
respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º - Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode
o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas
condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos
III – o abatimento proporcional do preço.
Inconteste é o direito que possui o consumidor de
substituir o produto por outro da mesma espécie, caso o vício verificado não tenha
sido sanado, pelo fornecedor, no prazo de 30 dias.
No caso da apelante, conforme aduzimos no tópico I, mais do
que o prazo de trinta dias para que fosse sanado vício único do veículo, deu-se muito maior
dispêndio de tempo para que fossem sanados vários defeitos ínsitos ao carro e que
levaram a apelante mais de treze vezes às oficinas da apelada, num interregno que,
inclusive, abrangeu período não mais coberto pela garantia.
Se um único vício não sanado no prazo de trinta dias dá ensejo
à substituição do produto, será possível que mais de onze vícios - dentre os quais diversos
se repetiram, se perpetuaram no tempo e até hoje são um motivo de tormenta para a
apelante – que geraram mais de treze idas à oficina, no intervalo de dezesseis meses, não
são fatos capazes de gerar a proteção legal requerida pela apelante?
Corroborando, no entanto, nosso entendimento estão o bom
senso, as interpretações literal, sistemática, normal e teleológica do CDC, e a jurisprudência
dos tribunais, que pedimos vênia para colacionar à presente peça:
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Vício de qualidade.
Automóvel. Não sanado o vício de qualidade, cabe ao consumidor a
escolha de uma das alternativas previstas no art. 18 § 1º, do CDC.
Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença que dera
pela procedência da ação, condenada a fabricante a substituir o
automóvel
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[Voto}
Uma vez constatados os defeitos, cumpria ao fornecedor,
transcorrido o prazo de 30 dias, providenciar imediata
substituição do veículo por outro que estivesse nas condições
esperadas por quem realiza negócio dessa espécie‖ (STJ RESP
185.836, 4ª T. Rel. Min. Ruy Rosado do Aguiar, D.J. 22.03.99, p. 211)
Na esteira do decisum do Superior Tribunal de Justiça, decidiu
o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, determinando a substituição do veículo
inadequado para o consumo, por outro igual ao que havia sido anteriormente adquirido.
Senão vejamos:
DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE CUMPRIMENTO DO
CONTRATO. VENDA DE VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO COM
VÍCIOS DE FABRICAÇÃO.
O art. 159 do CC, independentemente do que agora dispõe o Código
do Consumidor, já autoriza a integral reparação do dano patrimonial
decorrente de dolo ou culpa de outrem. Age com evidente culpa a
montadora que coloca no mercado veículo zero quilômetro com defeito
de fabricação para cuja correção se teria que, além de substituir-se
todo o monobloco, praticamente proceder-se a uma nova montagem
dele. Em tal caso, assiste ao adquirente o direito de receber outro
veículo zero, sem defeitos, ou o equivalente ao preço atual desse
mesmo veículo zero quilômetro, além de indenizar as perdas e danos
decorrentes da paralisação, no caso, lucros cessantes. Apelos
improvidos.
[Acórdão]
Ninguém ousará defender a tese de que a montadora que coloca no
mercado um veículo com defeitos estruturais, como in casu ocorreu,
não incorre em culpa – por imperícia, imprudência ou negligência – de
seus prepostos. E muito menos se atreverá a sustentar que um veículo
portador desse defeito não representa, por si mesmo, dano ao
patrimônio de quem o adquiriu. Relembre-se, com Sílvio Rodrigues –
autor aliás invocado no apelo da denunciada à lide- que é princípio do
Direito Contratual que os negócios devem-se processar num clima de
boa-fé. Daí decorre que ao vendedor cumpre fazer boa a coisa
vendida. Ou seja, ele responde pela coisa que aliena, a qual deve
corresponder à justa expectativa do comprador (...) É de menor
importância a questão da boa ou má-fé do vendedor, pois a ignorância
do vício não o exime de responsabilidade – art. 1.102 do CC‖.
É óbvio e ululante o direito da apelante, que, nos termos de
nosso Código de Defesa do Consumidor faz jus a receber, como substituição ao seu, assim
digamos, ―veículo‖, outro de semelhante espécie, apto a exercer suas funções e atender as
expectativas de seus proprietários.
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.III.7.
DA VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO DO CONSUMIDOR, DE SUA
HIPOSSUFICIÊNCIA E DA NECESSÁRIA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Não obstante a quantidade e proficuidade do material probatório
acostado aos autos do processo n.º 011990356815, de cuja decisão ora se apela, faz a
apelante jus à inversão do ônus da prova, descrita no CDC em seu art. 6º, VIII, que segue,
in verbis:
―Art. 6º - São direitos básicos do consumidor.
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão
do ônus da prova, a seu favor, no processo civil quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiência‖.
A inversão do ônus da prova, mais do que somente uma
prerrogativa do autor hipossuficiente ou patentemente possuidor de determinado direito em
face do apeladau, é a verdadeira aposição da responsabilidade objetiva no Código de
Defesa do Consumidor.
Manifestando-se nesse sentido, Kazuo Watanabe leciona:
“Muitos críticos do Código entreviram nesse dispositivo um
agravamento da responsabilidade dos fabricantes, comerciantes
e prestadores de serviços, enfim, dos fornecedores em geral. Não
se deram conta, poapeladam, de que o projeto do Código estava a
adotar a responsabilidade objetiva, que constitui um regime
jurídico bem mais rigoroso que o de mera inversão ope iudicis do
ônus da prova, mormente com o estabelecimento de condições
para que esta inversão possa ser admitida”.
Na relação jurídica entre a apelante e a apelada resta
inescondível a hipossuficiência da primeira, que litiga contra nada menos que uma grande
revendedora de veículos, de uma das maiores multinacionais do mundo, a FIAT.
Corroboram nosso entendimento as sempre precisas palavras e
Kazuo Watanabe, que assim nos disserta:
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“Imaginemos um conflito de interesses entre consumidor e
montadora de veículos, que diga respeito a vício de fabricação do
veículo(...)
Numa relação de consumo como a mencionada, a situação do
fabricante é de evidente vantagem, pois somente ele tem pleno
conhecimento do projeto, da técnica, e do processo utilizado na
fabricação do veículo, e por isso está em melhores condições de
demonstrar a inocorrência do vício de fabricação. A situação do
consumidor é de manifesta vulnerabilidade, independentemente
de sua situação econômica”.
Constatada a hipossuficiência da apelante, e igualmente a
clarividente verossimilhança de suas alegações, imperativa é a inversão do ônus da prova,
que como nos indica o prestigioso doutrinador paulista Kazuo Watanabe, mais do que
simplesmente indica seu signo lingüístico, é verdadeira assunção da teoria da
responsabilidade objetiva da apelada.
Esta também parece ser a orientação do EG. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESPÍRITO SANTO:
Ementa: Direito do Consumidor – Prejuízo causado por
estabelecimento
bancário
à
correntista
–
Ação
de
indenização procedente – Apelação Cível
(...)
2) Mérito. 2.1) se a culpa é de natureza objetiva, nos termos
do art. 14 do Código de defesa do consumidor (Lei n.º
8078/90), há a inversão do ônus da prova, cumprindo ao
Apeladau demonstrar que a culpa pelo dano foi exclusiva
da Apelante. No caso vertente, tal prova não foi realizada;
ao contrário, durante a instrução provou-se a culpa da
Apelada. (TJES, ap. 36910003783, rel. Des. Nivaldo Xavier
Valinho, j. 19/12/95) (grifo nosso).
Não bastassem, portanto, a quantidade de documentos
comprobatórios das alegações da apelante e a esclarecedora perícia efetuada pelo
ilustríssimo senhor Ailton Balliana da Mota, ainda incorre a apelada em responsabilidade
objetiva, ou seja, independente de culpa.
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.III.8.
DOS FATOS IMPEDITIVOS ALEGADOS E NÃO PROVADOS PELA APELADA
Não bastassem as regras de direito processual consumerista
que asseguram a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, e fazem objetiva a
responsabilidade do fornecedor, CUMPRE AINDA DIZER QUE TODO O CONTEÚDO DA
DEFESA DA APELADA CARACTERIZOU-SE COMO INDIRETO EM RELAÇÃO AO
MÉRITO. POR SIMPLES LEITURA DA CONTESTAÇÃO OFERECIDA, INFERE-SE O
CARÁTER DE EXCEÇÃO INDIRETA QUE TIMBROU TODA A RESPOSTA. EXCEÇÃO, NO
SENTIDO DE DEFESA DE MÉRITO INDIRETA, IMPORTA NA ACEITAÇÃO DO(S) FATO(S)
ALEGADO(S) PELO AUTOR, COM OPOSIÇÃO DE FATOS OUTROS QUE OS INFIRMEM,
QUER POR DEMONSTRAREM A INEXISTÊNCIA DO DIREITO ALEGADO, QUER POR
DEMONSTRAREM SUA MODIFICAÇÃO, OU TÃO SOMENTE A SUPERVENIÊNCIA DE
CIRCUNSTÂNCIAS IMPEDITIVAS DA EFICÁCIA JURÍDICA PRETENDIDA.
Consabido dispositivo, colhido do diploma processual civil, é o
que consta de seu art. 333, II, segundo o qual incumbe ao réu-apelado provar a existência
dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos que opõe ao direito do autor. Assim,
conforme depreendemos da leitura do referido artigo, CABERÁ AO APELADO PROVAR
AQUILO QUE DIZ, COISA QUE EM MOMENTO ALGUM FEITA PELA REQUERIDA, senão
vejamos:
Nas suas argumentações alegadas na defesa, a apelada
usou dois caminhos: a) reconheceu, sem contestar, os defeitos do carro; b)
reconheceu os defeitos, apelado atribuiu-os à responsabilidade da apelante que teria:
a) Batido num buraco ou meio-fio; e
b) Feito os concertos em firma ―mecânica‖ não especializada.
Evidentemente, a eventual batida no compressor do arcondicionado – incidente que, como depura-se da análise dos quesitos, é de
responsabilidade única da apelada, que não adaptou seu produto às condições precárias
das estradas brasileiras – não tem, como restou comprovado, qualquer relação com os
defeitos no interruptor da marcha-apelada, na carcaça de alumínio fundido da caixa de
marcha, no acionador do vidro elétrico dianteiro direito, na válvula termostática e no calço do
motor, no sensor interno da temperatura do motor, etc., etc.
No que é pertinente ao superaquecimento, problema perene no
automóvel da apelante, outro fato impeditivo fora alegado pela apelada, qual seja o de que a
apelante faria mau uso de seu veículo, sobrecarregando o conjunto embreagem-motor, ao
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segurá-lo, debreando, nos aclives de Cachoeiro. Curioso notar que a perícia afastou de
plano essa possibilidade, detectando a perfeita condição do disco de embreagem –
primeira peça a danificar-se pelo mau vezo da prática imputada à apelada. Parece-nos que,
pela enésima vez, o magistrado superou o ―desinformado‖ perito em sua análise técnica
acerca das condições apresentadas pelo automóvel; simplesmente reiterando - ipsis literis –
os argumentos vazios apresentados pela apelada.
Outra falácia esgrimida pela apelada, consiste em atribuir a
apelante a responsabilidade pelos ―demais defeitos apresentados‖ – sem contudo especificar
quais - em virtude de ―haver a requerente efetuado consertos em oficinas mecânicas não
autorizadas ou de má qualidade técnica‖. Ressalte-se que a apelada cingiu-se a atribuir a
responsabilidade por alguns defeitos, dentre os vários ocorridos, ao comportamento
da apelante, qual, o de levar o automóvel a oficinas “ruins ou simplesmente não
autorizadas”, sem no entanto ousar apontar quais dos incontáveis vícios mecânicos
poderiam decorrer de tal comportamento. Notório blefe de quem não tem com o que
argumentar, e fantasia, engendrando quimeras destituídas de qualquer razoabilidade.
Ainda quanto a este inverídico nexo de causalidade inventado
pela apelada, interessante notar que a perícia nada constatou de irregular, ou de anormal, na
estrutura física do automóvel. Isto é, se de algum modo um conserto mal empreendido pela
apelante - que contratasse esta ou aquela oficina de ―fundo de quintal‖ – fosse o responsável
pela falha mecânica x ou y, TAL CERTAMENTE NÃO HAVERIA DE PASSAR
DESPERCEBIDO PELO CRIVO DO PERITO; NO ENTANTO, NADA CONSTA, NESSE
SENTIDO, DAS CONCLUSÕES DO TÉCNICO ACOSTADAS AOS AUTOS.
Assim, como não bastasse todo o aparato legal em que baseiase o pleito da apelante, como não fossem suficientes para seu êxito na lide as regras
processuais consumeiristas supracitadas – quais a que atribui responsabilidade objetiva aos
fornecedores pelos danos morais e materiais havidos em função de seus produtos e a que
inverte o ônus da prova em favor do consumidor - hipossuficiente – ainda teríamos,
forçosamente, que atender aos preceitos legais positivados pelo CPC, todos, como visto,
amplamente favoráveis à situação da requerente.
Vejamos, por oportuno, julgados do 2º TRIBUNAL DE ALÇADA
CÍVEL DE SÃO PAULO e do COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
PROVA – FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO
DIREITO DA APELANTE – ÔNUS DA APELADA – EXEGESE DO
ART. 333, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
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Nos termos do art. 333, II, do Código de Processo Civil, incumbe ao
réu o ônus da prova quanto à existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito da Apelante, de sorte que, quando
precária ou insuficiente, impõe-se a procedência da ação. (2º
TACivSP, ap. 479.161, 5ºC., Rel. Juiz Antonio Maria, j. 16/04/97).
EMENTA – Processual Civil. Ônus da Prova. Art. 333, II, do CPC. –
Incontroversos os fatos constitutivos do direito, ao Apeladau incumbia
provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo (art.
333, II, CPC). – Recurso Especial não conhecido. (STJ, Resp.
137.620-SC, 6ª T., Rel. Min. William Patterson, j. 07/10/97).
Queda-se estupefatos ante à curiosidade que se inflige, e
pergunta-se: com fulcro em qual diploma processual o digníssimo magistrado de 1º grau deu
tal distribuição do ônus probatório aos litigantes?
Que espécie de justiça é esta que abalroa as conclusões
periciais e quaisquer outros meios de prova, atropelando igualmente a estrita legalidade,
para pender, sem qualquer justificativa haurida no transcurso do contraditório, a favor
daquele que apenas conjetura toda a sua tese jurídica?
.III.9.
DO DANO MORAL
O Código de Defesa do Consumidor diz, expressamente, em
seu art. 6º, inc. VI, que são direitos básicos do consumidor: a efetiva prevenção e reparação
de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
Estabelece, assim, o diploma acima que o consumidor tem o
direito assegurado de ser indenizado, não só pelos prejuízos de natureza patrimonial, mas
também de natureza moral, causados pelo produto por ele vendido ou pelo serviço por ele
prestado.
Os prejuízos causados pela Consessionária apelada, pela
venda de produto defeituoso para a apelante, extrapolam em muito a mera indenização dos
prejuízos de ordem material.
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A simples substituição do veículo por ela vendido, por outro,
não terá o condão de ressarcir integralmente os prejuízos provocados.
Os transtornos emocionais provocados pelo fato de a apelada
ter colocado no mercado um veículo COMPLETAMENTE IMPRÓPRIO PARA O FIM A QUE
SE DESTINA foram sofridos de perto pela apelante.
Os fatos acima mencionados demonstram claramente o
sofrimento e a amargura sofridos não só pela apelante, mas também por toda sua família.
Basta lembrar, por exemplo, que no Natal de 1997, a Apelante ficou sem o carro, pois o
mesmo estava consertando na oficina da apelada. Já no ano seguinte, 1998, o absurdo se
repetiu, pois toda a sua família foi impedida de passar o Natal onde pretendiam em razão de
o carro simplesmente parar de funcionar. Tudo isso sem levar em conta as inúmeras vezes
que o veículo deixou a apelante e suas filhas ―a pé‖ em pleno Centro da cidade de Cachoeiro
de Itapemirim, sob uma temperatura de 40 º graus.
Não se pode também deixar de lembrar o sentimento de
indignação da apelante, em razão de ter adquirido um veículo 0 KM e ter que levá-lo mais de
13 vezes para o conserto.
O dano moral sofrido pela apelante é aferido, no caso presente,
de forma completamente objetiva. Para se chegar a essa conclusão, basta que qualquer
pessoa se coloque em seu lugar, que certamente poderá imaginar o que é adquirir um carro
0 KM e ficar ―a pé‖ mais de 10 vezes, e Ter que levar esse carro para o conserto mais de 13
vezes. Tudo isso, sem se esquecer que até hoje o veículo vem apresentando os mesmos
defeitos.
Quanto ao dano moral se deve também ressaltar que, mesmo
antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, a sua reparação já era
expressamente prevista pela Constituição Federal, no art. 5º, incs. V e X.
Wilson de Mello da Silva, uma das maiores autoridades sobre o
assunto, em sua basilar obra sobre ―o dano moral e sua reparação‖, observa, com acuidade,
que no dano moral:
―o seu elemento característico é a dor, tomado a termo em seu sentido
amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos, quanto os
morais
propriamente ditos.
Danos morais,
pois,
seriam
exemplificativos, os decorrentes da ofensa à honra, ao decoro, à paz
interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de
qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal‖.
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Da mesma forma, o não menos ilustre Aguiar Dias, salienta
que:
―Não é o dinheiro, nem a coisa comercialmente reduzida a dinheiro,
mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física e moral,
em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa,
atribuída à palavra dor o mais largo significado‖.
O
dano
moral
é,
em
sua
expressão
mais
completa,
verdadeiramente irreparável, porque ―o sofrimento não tem preço‖. Entretanto, tal
constatação não importa em possa admitir a apelada colocar no mercado um produto sem as
mínimas condições a que se destina, causando grande transtorno e sofrimento para a
apelante.
O valor desse bem é incalculável, porém a reparação do dano
causado pode ser estimada atendendo à extensão do fato, bem como a capacidade
econômica da apelada.
A propósito, Georges Ripert salienta:
―Não que as vítimas fiquem satisfeitas ou consoladas com o
pagamento; o que visa a condenação é a punição do autor – tem
caráter exemplar e não indenizador‖
Tal caráter de exemplo e sanção é, na espécie, fundamental.
Deve, por isso, ser a apelante indenizada, em consonância com a jurisprudência pátria,
uníssona ao afirmar que a existência do dano moral, tratando de presunção iure et de iure,
independe de prova:
―O ressarcimento do dano moral independe de reflexos patrimoniais.
Basta a ofensa à honra para gerar o direito à indenização. Ele está
ínsito, presumido ‗iuris et de iuris‘, na ofensa à honra‖. ( RT 413/143)
―O dano simplesmente moral, sem repercussão no patrimônio não há
como ser provado. Ele existe tão-simplesmente pela ofensa, e dela é
presumido, sendo o bastante para justificar a indenização‖ ( RT
681/163).
Outro não é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de
Justiça:
―A indenização resultante de dano moral não demanda a comprovação
do reflexo patrimonial que é de outra ordem...
questão sobre o ressarcimento por dano moral à pessoa jurídica não
comporta exame sob o prisma do direito probatório‖ (RESP nº 57.830,
Rel. Min. Costa Leite, DJU 29.05.95)
Segundo Carlos Alberto Bittar, in ―Reparação Civil por Danos
Morais‖ – RT, 1994, p. 69:
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―em caso de fixação do quantum como reparação de dano moral, a
determinação do valor há que se fazer através de verba dotada de
carga impositiva, em função das possibilidades do lesante e das
condições do lesado, e sempre à luz das circunstâncias fáticas, como
se vem observando na jurisprudência, a fim de que ganhe efetividade,
na prática, o caráter inibidor do sancionamento‖.
Carlos Alberto Bittar, clarissimamente deixa anotado que a
indenização visa a impedir que o ofensor volte a praticar atos lesivos aos direitos
constitucionais do ofendido, tendo finalidade punitiva.
A carga punitiva na presente ação deve ser ressaltada, porque
a apelada estava plenamente ciente de que o veículo por ela vendido não tinha a
menor condição de ser colocado no mercado, a não ser, é claro, que entenda que todos
os veículos vendidos devem NATURALMENTE apresentar todos os defeitos acima
mencionados.
Veja-se que, mesmo após a notificação judicial promovida pela
apelante, a apelada
não tomou qualquer providência quanto à substituição do veículo.
Sequer teve o bom senso de responder à apelante, que na qualidade de consumidora
mereceria ao menos um esclarecimento a respeito do produto a ela vendido.
A inexistência de qualquer resposta à notificação caracteriza de
forma cabal o entendimento da apelada de que a circunstância de ter colocado um veículo
no mercado naquelas condições é um ato normal e corriqueiro. Isso certamente tem que ser
levado em conta, para a fixação do dano moral, tendo em vista a carga punitiva acima
mencionada.
Ao lado da carga punitiva também deve ser levado em conta o
fato de a concessionária apelada ser uma grande empresa e pertencente a um dos maiores
grupos empresariais do país.
No caso vertente, a indenização deverá considerar, além do
caráter punitivo e das condições do lesante, as circunstâncias fáticas existentes no caso
contrário.
Imaginemos um consumidor que compre e pague em dia todas
as altas prestações de um carro 0 KM, atualmente valendo cerca de R$ 27.000 (vinte e sete
mil reais), que antes dos 10.000 Km, comece a dar tantos problemas que:
a) Seja preciso ir à concessionária mais de 13 vezes;
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b) Tenha que ficar até hoje levando o carro para consertar defeitos que nunca foram
solucionados no período em que o carro estava na garantia;
c) Veja seus filhos gritando e ameaçando se lançarem pela janela do automóvel, apavorados
com a quantidade de fumaça que saía do veículo quando o mesmo apresentou graves
defeitos elétricos;
d) Fique com medo de sair com o carro à noite, porque é bem provável que ele irá deixá-lo a
pé;
e) Tenha que desprogramar sua viagem de Natal porque o carro foi para a concessionária
consertar defeitos que o impediam de utilizá-lo, em dois Natais seguidos;
f) Tenha de esperar, até às 22h30m pelo reboque, juntamente com os seus filhos em uma
rua deserta, trancada no carro por causa da insegurança, porque este deu um defeito
elétrico; (enfumaçou-se);
g) A Apelante (consumidora) vire motivo de chacota local, pelos vexames que tem passado
por causa dos problemas que acontecem com seu veículo.
Ao lado disso, e sem prejuízo do que se disse, deve-se também
considerar o previsto no parágrafo único do art. 1.547 do Código Civil, que traça o quantum
de indenização nas hipóteses de dano moral por injúria ou calúnia. Tal critério, certamente,
também deverá ser atendido e utilizado como parâmetro para a fixação do dano moral. Eis o
que dispõe referido dispositivo:
―Art. 1.547. (...)
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagarlhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal
respectiva ( art. 1.150)‖.
O prof. Galeno Lacerda, em parecer publicado na RT 728,
analisa minuciosamente as referências do direito brasileiro para a fixação de danos morais,
concluindo ser absolutamente aplicável em casos tais, a regra do art. 1.547, CC, que fixa um
valor de até 10.800 salários mínimos, e que deve, segundo ele, nortear a fixação do quantum
do dano moral.
Por outro lado espera-se, também, que se observe o disposto
no art. 948, CC, que assim dispõe: ―nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais
favorável ao lesado‖.
.III.10.
DA ALEGAÇÃO DE MÁ-FÉ E DA CONDENAÇÃO CONSTANTE DA SENTENÇA.
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Depois de toda a situação vergonhosa, humilhante e ultrajante
por que passou a apelante, chega a ser revoltante a simples menção, por parte da apelada,
de que estaria agindo de má-fé.
Sua condenação como litigante de má-fé - ainda mais - por
meio da sentença ora combatida, se assemelha a um ultraje ao direito e à própria sociedade
que, como garantia final de segurança social, entende ser a Jurisdição estatal o abrigo da
justiça.
Se o tom da assertiva é de revolta, simplesmente é a
correspondência fiel ao constrangimento e decepção gerados pela relação de consumo que
objetivou a aquisição do veículo pomo da discórdia e seus desdobramentos.
Revolta supervenientemente aguçada pela absurda alegação
de má-fé, baseada em absurdos fatos simplesmente não provados pela apelada e refutados
pela perícia, clarividente em sua análise.
Ao menos que seja má-fé requerer seja reconhecido um direito
latente e deveras provado, se afigura uma aberração a condenação em litigância de má-fé,
proferida pelo insígne magistrado de 1º grau.
Nelson Nery Júnior, em seu ―Código de Processo Civil
Comentado‖, precisamente define o litigante de má-fé:
―É a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa,
com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o
improbus litigator , que se utiliza de procedimentos escusos com o
objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer,
prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o
feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são
exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no
CPC 14‖.
As precisas palavras acima apostas levam a concluir,
contrariamente ao digníssimo magistrado de primeiro grau, ser litigante de má-fé a parte
apelada, que no desenvolver de suas atividades processuais feriu a norma do art. 17, pelo
menos em seus incisos I e II.
Pelo contrário, se se analisar todo o desenvolver do presente
processo, tomando nota do elemento probatório, marcadamente as provas carreadas pela
apelante e a perícia judicial, não há a mínima hipótese de que tenha agido a apelante com
má-fé, sendo essa acusação a perpetuação da antijuridicidade do comportamento da
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concessionária apelada, que assim também se utiliza do processo para conseguir objetivo
ilegal.
Ou será que vender veículo impróprio para o uso, ser notificada
sobre tanto, nada fazer a respeito, ignorando a lei 8.078/90 e ainda aduzir, sem provar, a
culpa da apelante não é a utilização do processo para a consecução de objetivo ilegal.
É legal, pela lei nacional, vender produto inapto para as
finalidades a que se destina e não proceder à sua troca? Não é bem isso o que afirma o
Código de Defesa do Consumidor e bem antes dele o próprio estatuto civil.
Assim sendo, é simplesmente absurda a condenação da
apelante por litigância de má-fé, assim como na multa do art. 18 pelos ―prejuízos que a parte
contrária sofreu‖.
Nelson Nery Júnior, ao comentar o alcance do termo
―prejuízos‖, no artigo supra citado, estabelece:
―A expressão está aqui por perdas e danos (CPC 16), nela
compreendidos o prejuízo efetivo bem como o que razoavelmente se
deixou de ganhar (CC 1056)‖
Ora, ínclito Desembargador Relator, a apelada além de nada
perder com a infinidade de vezes em que trocou peças ou realizou serviços no malsinado
veículo, visto que o fazia devido à sua própria incompetência em fornecer um produto
decente ao consumidor, ainda obteve ganhos com sua própria inaptidão: como se vê na
ORDEM DE SERVIÇO Nº 59788 de 14.12.98 e na Nota Fiscal/Fatura nº 014690-2. A
apelante teve que pagar a apelada, por serviços realizados em seu assim digamos ―veículo‖,
a quantia de R$ 327,92 (trezentos e vinte e sete reais e noventa e dois centavos), conforme
comprovam os documentos acostados à inicial.
Ao contrário de ter prejuízos, ainda lucrou a apelada com sua
torpeza, sendo portanto fora de qualquer hipótese se falar, também, em lucros cessantes.
Quais seriam estes? Será que são lucros cessantes aqueles que a apelada deixou de auferir
quando a apelante, convencida de que o automóvel 0 KM que comprara simplesmente era
um ―sucatão‖, não mais o levou à oficina da requerida? Afinal, a apelante devia ser seu
melhor cliente. Qual é o carro apto para suas finalidades que, num interregno de quatorze
meses necessita ir mais de 13 vezes à uma oficina?
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Vê-se, portanto, não ser plausível a condenação por prejuízos
da apelada, visto que nunca, em qualquer absurda hipótese, ele existiu, seja na forma de
danos emergentes ou lucros cessantes.
.IV.
CONCLUSÃO
Diante de tudo o que se expôs acima, conclui-se que:
1) A r. sentença apelada é ―inclassificável‖, não só porque não atende às exigências da lei
processual, em função de se ter afastado inquestionavelmente dos fatos, do direito e prova
pericial exposta nos autos, comprometendo assim a lisura processual;
2) Os fatos que motivaram a demanda são simples e incontroversos. A autora adquiriu um
veículo zero quilômetro ―top de linha‖ que não possui condições de ser utilizado. A ré
confirmou a existência de todos os defeitos, mas imputou a causa dos mesmos à própria
autora.
3) Como se depreende dos autos, os defeitos existentes dependem de exame técnico, razão
pela qual foi requerida, deferida e realizada a prova pericial, a qual concluiu, expressamente,
que a autora não contribuiu para a existência dos defeitos;
4) O I. Magistrado ―a quo‖, em conduta desconexa, e julgando-se profundo conhecedor de
engenharia mecânica (apesar de não ser engenheiro), entendeu que mesmo tendo o Sr.
Perito afirmado que a Autora não ocasionou os defeitos, tendo dito ainda que os mesmos
poderiam ter sido resultantes de defeito de fábrica, inexplicavelmente, aplicou o art. 335
(máximas de experiência comum) do CPC, para o fim de negar a conclusão do laudo, dar
pelo improvimento do pedido e ainda atribuir culpa à autora, condenando-a, inclusive, em
litigância de má-fé;
5) O Magistrado ―a quo‖, em total desconhecimento da legislação em vigor, mesmo
reconhecendo a hipossuficiência do consumidor, deixou de aplicar a inversão do ônus da
prova, violando a um só tempo o art. 6º, VIII, do CDC. Destarte, no julgamento do presente
caso, bastaria que o I. Magistrado aplicasse o Art. 333, II, do CPC, já que caberia ao réu
(fornecedor) a prova do fato extintivo (impeditivo) do autor — culpa do autor (consumidor). O
magistrado violou ambos os dispositivos legais.
6) Sob qualquer ótica que se olhe, a condenação da autora, ora apelante, em litigância de
má-fe, é de ruborizar o mais leigo dos operadores do direito. A autora foi taxada como
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litigante de má-fé, sub color de que teria omitido a sua autoria sobre os defeitos do carro.
Mas grave é que nem mesmo a perícia concluiu que os defeitos pudessem ser imputados à
autora. Ainda, nem só por isso, do modo como foi colocado pelo I. Magistrado, qualquer
decisão de improcedência deveria ocasionar sempre a condenação do autor por má-fé,
porque em última análise não se teria comprovado o direito afirmado. Melhor seria, pois, que
se adequasse a presente sentença à teria concreta da ação, onde somente se tem direito de
bater nas portas do Poder Judiciário, aquele que realmente tenha o direito declarado na
sentença. Essas razões demonstram que a r. sentença também nesse ponto merece ser
reformada, restando apenas lamentar, mais uma vez, nas palavras de Machado de Assis, em
Dom Casmurro: ―Ao vencedor as batatas‖.
Ante o exposto, requer-se seja recebido e provido o presente
recurso de apelação, para o fim específico de reformar in totum a r. sentença apelada,
afastando-se a condenação na litigância de má-fé e condenando a ré em conformidade com
o pedido na petição inicial.
Termos em que,
pede deferimento!
Vitória, 06 de novembro de 2000.
MARIA LÚCIA CHEIM JORGE
OAB-ES n.º: 1.489
MARCELO ABELHA RODRIGUES
OAB/ES 7.029
FLÁVIO CHEIM JORGE
OAB/ES 262-B
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