A BASE LEGAL DO ESTUDO DE IMPACTOS AMBIENTAIS O EIA surgiu no Brasil em pleno Regime Militar. Assim, o país vinha de um período de euforia social incentivado pelo “Milagre Econômico Brasileiro”, onde o governo abertamente se declarara despreocupado com questões ambientais e abrira o território nacional para todo e qualquer investimento poluidor. Certamente, por pressão externa e, buscando adequar às tendências mundiais estabelecidas em Estocolmo-72, onde o país fora contra as ideias de preocupação ambiental apresentadas, o país lançou algumas, porém tímidas, alusões e implementações legais voltadas à proteção ambiental. Assim surgiu o EIA, quase que à sorrelfa,como se os responsáveis pela sua introdução no ordenamento jurídico desejassem escondê-lo a qualquer custo dos grupos de pressão da época. Frise-se também que o EIA foi criado sob o vigor de Constituição estranha e anterior a de 1988, ou seja, mais precisamente, à Emenda 1/69. O tratamento legal do EIA foi dado pela já citada Resolução 001/1986 do Conama, onde foi elegido como modalidade da Avaliação de Impacto Ambiental: Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA e1n caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: I - Estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento; II - Ferrovias; III - Portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos; IV - Aeroportos, conforme definidos pelo inciso 1, artigo 48, do Decreto-Lei nº 32, de 18.11.66; V - Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários; VI - Linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV; VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques; VIII - Extração de combustível fóssil (petróleo, xisto, carvão); IX - Extração de minério, inclusive os da classe II, definidas no Código de Mineração; X - Aterros sanitários, processamento e destino final de resíduos tóxicos ou perigosos; Xl - Usinas de geração de eletricidade, qualquer que seja a fonte de energia primária, acima de 10MW; XII - Complexo e unidades industriais e agro-industriais (petroquímicos, siderúrgicos, cloroquímicos, destilarias de álcool, hulha, extração e cultivo de recursos hídricos); XIII - Distritos industriais e zonas estritamente industriais - ZEI; XIV - Exploração econômica de madeira ou de lenha, em áreas acima de 100 hectares ou menores, quando atingir áreas significativas em termos percentuais ou de importância do ponto de vista ambiental; XV - Projetos urbanísticos, acima de 100ha. ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA e dos órgãos municipais e estaduais competentes; XVI - Qualquer atividade que utilize carvão vegetal, em quantidade superior a dez toneladas por dia. No início do artigo em tela, é dito que dependerá de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental toda atividade modificadora do meio ambiente. Assim, as atividades apresentadas, são apenas exemplificativas. À época da edição, como já dito, vivia-se uma antiga Constituição, a qual não fazia menção ou alusão alguma a qualquer interesse em ter o meio ambiente preservado. Assim vincular toda atividade modificadora do meio ambiente ao Estudo de Impacto Ambiental com a finalidade de obtenção de licença, o legislador incluiu de fato toda ação humana, pois qualquer que fosse a interação homem-ambiente, certamente haveria modificação ambiental. Com a Constituição atual, de 1988, vive-se sob um novo regime, mais democratizado e evoluído, com evidentes e inovadoras preocupações ambientais. Assim, desde sua promulgação, em 5/10 de 1988, qualquer disposição constante na legislação infraconstitucional deve-se adequar aos preceitos constitucionais, sob pena de inconstitucionalidade. A Lei 6938 de 1981 (PNMA) e suas decorrentes regulamentações, como as resoluções do Conama, foram recepcionadas pela atual Carta Maior, ou seja, em outras palavras, o texto de tais normas, apesar de anteriores à Constituição, estão em acordo e foram aceitos por ela para continuarem integrando o ordenamento jurídico nacional. Assim, o Art. 225 da CF/88 é cristalino: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. [...] IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; Assim, o texto afirma que será necessário estudo prévio de impacto ambiental (qualquer modalidade de AIA, visto que a palavra “estudo” é utilizada de forma ampla) apenas para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Então, com a nova realidade político-jurídica apresentada pela CF/88, a Resolução 001/1986 do Conama teve de se adequar de modo a exigir a apresentação do EIA/RIMA apenas quando houver significativa degradação ambiental. Neste sentido, em sede conclusiva, tem-se então que atualmente exige-se EIA apenas daquelas atividades ou empreendimento potencialmente causador de significativos danos (impactos negativos) ambientais. Como um instrumento da PNMA, não pode o EIA surgir como um entrave à liberdade de empreender, contrariando um dos mais sensíveis objetivos dessa política, que diz com a incessante busca da possível compatibilidade entre o desenvolvimento econômico-social e a preservação ambiental em sua qualidade e do equilíbrio ecológico. A visão de que Estudo de Impacto Ambiental (necessário ao licenciamento ambiental) tratase de um entrave proposital posto pela Lei e pelo “Governo” para se empreender, deve ser extinta da sociedade, uma vez que os elementos que fundamentam a necessidade do EIA estão totalmente a par do interesse social, perseguindo benefícios à sociedade. Por seu alto custo e complexidade, deve ser usado com parcimônia e prudência, de preferência para os projetos mais importantes sobre a ótica ambiental, ou seja, naqueles que realmente exerçam ou tenham potencial exercício de significativos danos ambientais. Não constituí tarefa fácil, entretanto, precisar o conceito de significativa degradação, dado que na implantação de um projeto sempre haverá alteração adversa das características do meio ambiente. Muitas vezes pó insignificante se reveste da maior significância. Como saber, então, se uma obra ou atividade será potencialmente causadora de significativa degradação sem ter antes um estudo de impacto ambiental? Observe-se que a própria Constituição Federal, ao se referir ao impacto ambiental, utilizou conceitos enunciados de forma vaga, tais como “potencialmente” e “significativa”, que geram a possibilidade de dois ou mais entendimentos – e, portanto, de atuação discricionária, ao cabo do processo hermenêutico (hermenêutica = interpretação da lei) da norma. Assim, há a possibilidade de análises, ou seja, juízos de valores subjetivos. Buscando-se então fugir da incômoda situação acima exposta, o critério escolhido pelo legislador brasileiro foi de elaborar uma lista positiva enumerando as obras e atividades capazes de produzir efeitos ambientais indesejáveis. Assim procedeu, basicamente, por meio do artigo 2º da Resolução 001/1986. Nesta ordem de ideias, nada obsta que o órgão ambiental, defrontando-se com atividade não constante no rol mencionado, mas capaz de sensível degeneração do ambiente, determine a realização do EIA. É o que ocorre, por exemplo, com a instalação de incineradores de lixo doméstico ou industrial, não citados pela resolução, apesar de seu grande potencial poluidor, com emissão de dioxinas, metais pesados, etc. Além também do órgão administrativo, também pode o judiciário suprir tal vácuo legal, qual seja, a não previsão de determinada atividade como causadora de significativo dano ambiental. Duas situações despontam para a aferição da gravidade do impacto ambiental de determinada atividade. A primeira diz respeito a esta atividade esta tipificada e prevista na norma legal vigente, o que passa a exercer vínculo ao administrador de forma que este não poderá escusar o EIA/RIMA. A segunda, por sua vez, diz respeito a atividades não previstas pela norma, todavia que exerçam ou possam exercer significativos impactos ambientais. Assim, chama-se então a discricionariedade, todavia longe da arbitrariedade, da Administração em determinar a necessidade do EIA/RIMA, se deve ser exigido ou não. Tem-se então uma complicadora questão. Nos casos expressos na norma como de necessário EIA, mesmo que, pelo porte e pelas peculiaridades do empreendimento, este não venha a oferecer significativa degradação ambiental, o Estudo de Impacto Ambiental deve ser realizado? Na doutrina tem prevalecido o entendimento de que as hipóteses de atividades estabelecidas pela Resolução 001/1986 do Conama, estão regidas pelo Princípio da Obrigatoriedade, segundo o qual, a Administração Pública deve, e não simplesmente pode, determinar a elaboração do EIA. Ou seja, o elenco constante no artigo 2º da resolução em estudo somente é exemplificativo para serem agregadas novas atividades, sendo porém, obrigatório quanto àquelas já constantes. Assim, não há que se falar em poder discricionário do Poder Público em determinar se determinado empreendimento, que exerça atividade elencada na presente norma, deva ou não apresentar EIA e o consequente RIMA. Em outras palavras, a doutrina entende que, naqueles casos previstos não há que se questionar se a atividade ou empreendimento exerce ou não degradação ambiental; se está na norma, deve ser obrigatoriamente realizado o EIA. Todavia, outras atividades que não estejam previstas e que exerçam significativo impacto ambiental devem ser incluídas como obrigatórias ao desenvolvimento do EIA. Assim, a norma é aberta apenas para a adição de novas atividades; e em momento algum para a supressão. Outro importantíssimo ponto a ser observado é a questão da prova em matéria ambiental, principalmente no que tange seu ônus. Primeiramente e antes de tudo é muito importante que façamos uma análise do que vem a ser ‘prova’.No Sistema Jurídico Brasileiro, prova é todo e qualquer tipo, meio ou coisa através do qual busca-se convencer o juízo (magistrado) a respeito da verdade de um fato, e assim da procedência do julgamento a favor da parte. A instrumentalidade das provas é prover fundamentos a fim do desenvolvimento do convencimento do julgador a respeito de determinado fato controvertido e de importância ao processo. Nestes termos determina o Art. 131 do CPC: Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento. São então, as provas, meios capazes de informar a verdade ao juiz sobre determinada alegação da parte em juízo. Não há como se falar em prova sem recorrermos ao ônus de sua produção, ou seja, o ônus da prova. Esse fenômeno lógico processual orienta quem é o responsável pela sustentação probatória de uma alegação ou conceito. Assim, a produção probatória segue uma sequência lógica e não é realizada como bem entender conveniente a parte. Em regra a produção da prova deve ser desempenhada pela parte que alega determinado fato em juízo. Todavia algumas provas são praticamente impossíveis, como seria o caso da parte que alega nunca ter estado em determinado lugar. Trata-se de uma prova difícil, até impossível de ser produzida. O que torna tal prova complicada é o fato da inexatidão ou indeterminação temporal; a palavra nunca expressa todo o tempo pretérito de vida da parte. Por outro lado, apenas a título exemplificativo, não seria menos difícil e totalmente possível a prova da alegação da parte que afirma não ter estado em determinado local em certo dia e hora. Pois, delimitando o tempo, poderão ser produzidas provas demonstrando que a pessoa estava em outro local naquele momento. Enfim, a prova é um instituto muito interessante do Direito, e também interessantíssimo, visto que é um elemento de suma importância na condução do processo e na orientação do magistrado ou julgador rumo a uma decisão plausível e que coadune com a verdade e a justiça. Todavia, com o advento da Lei 8.078/ 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, um novo instituto recebeu previsão legal no Ordenamento Jurídico Pátrio. O Art. 6º, inciso VIII da presente prevê a inversão do ônus da prova, nas seguintes linhas: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; […] O instituto da inversão do ônus da prova além de exponencial importância e praticidade ao Direito do Consumidor, foi subordinado também a entendimentos de que sua atuação e aplicação não se restringe apenas às relações consumeristas, chegando até a seara ambiental, tendo como justificativa para tal posição, o Princípio da Precaução Ambiental. Uma vez que não há previsão legal da inversão do ônus da prova no Ordenamento Jurídico Ambiental Brasileiro, o Direito Ambiental faz uso de tal instituto de forma subsidiária, buscando-o nas linhas do Código de Defesa do Consumidor. A inversão do ônus da prova nas questões ambientais tem como fundamento basilar o Princípio da Precaução, e se manifesta sempre que houver incerteza científica sobre o potencial lesivo ou danoso de determinada atividade econômica ao meio ambiente. O princípio supramencionado tem como escopo a proteção ambiental frente a potenciais e incertas possibilidades de dano, cientificamente desconhecidas. Em se tratando de tutela do meio ambiente o Princípio da Precaução determina que diante de situações de incerteza científica a respeito dos danos ambientais que possam ser causados pela implementação de determinada atividade econômica, devem ser tomadas medidas de precaução, no sentido de minimizar os riscos provenientes dessa atividade, para que o risco não se transforme em dano ambiental. A Lei 6938/81 que estabelece a Política Nacional do meio ambiente determina o que vem a ser atividade potencialmente causadora de dano ambiental. Segundo seu art. 3º da Lei 6.938/81, considera-se atividade potencialmente causadora de dano ambiental toda e qualquer atividade que altere as propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, e que tais alterações sejam causadas por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam a saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais. Assim, cabe ao autor do dano potencial provar que a atividade que pretende instalar não causará degradação ambiental significativa. A inversão do ônus de provar, com fulcro no princípio da precaução, é regra de direito material que determina que sempre que houver incerteza científica acerca da atividade econômica a ser implementada, deve-se, em homenagem a este princípio, inverter o ônus probatório para que o potencial poluidor prove que sua atividade não causará dano ao meio ambiente. O Art. 225 da Constituição Federal é expresso ao incumbir, além da coletividade, o Poder Público pela defesa e preservação ambiental. Assim, agindo o Poder Público frente a uma atividade potencialmente danosa ao meio ambiente, suas ações tem como finalidade o bem comum e o interesse público em matéria ambiental, qual seja, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida. Assim age legitimamente o Estado, cabendo então ao possível poluidor que deseja instalar suas atividades em determinado local, demonstrar ao Estado (interesse público) que suas atividades não terão significativos desdobramentos em matéria de danos ambientais. A demonstração, por meio de provas que sustentem e demonstrem que não haverão significativos danos ambientais decorrentes da instalação e funcionamento de determinada atividade é uma demonstração não somente ao Estado, mas sim para toda a coletividade, haja visto o Princípio da Gestão Democrática Ambiental: Toda matéria de interesse público relacionada ao meio ambiente deve ser conhecida e ter seu conhecimento possibilitado à população.