Uso da Cafeína na
Apnéia da Prematuridade
Eula Leisle Braz Lima
Fernanda Carvalho Oliveira
Dr. Paulo R. Margotto
Escola Superior de Ciências da Saúde
(ESCS/FEPECS/SES-DF)
Curso de Medicina – Internato em Pediatria (HRAS)
N ENGL J MED2006; 354: 2112-2121
Apnéia da Prematuridade
Cessação da respiração por mais de 15 segundos,
acompanhada por hipóxia ou bradicardia.
Acomete 85% dos neonatos com idade menor que
34 semanas.
Metilxantinas
Cafeína, Aminofilina, Teofilina
Potente estimulante respiratório.
Reduz a freqüência de apnéia associada à
imaturidade do SNC e a necessidade de ventilação
mecânica durante os primeiros 7 dias de terapia.
Geralmente prescrita para neonatos muito
prematuros até que atinjam 34 a 35 semanas de
idade gestacional pós concepcional (IGpc) , ou mais.
Metilxantinas
Embora seja uma das drogas mais prescritas a RN
prematuros, as evidências que apóiam essa conduta
são baseadas em poucos estudos, relativamente
pequenos e de curta duração.
Não são conhecidos benefícios adicionais ou riscos
potenciais a curto e a longo prazo.
Inibem os receptores de adenosina (a adenosina
tem efeito protetor cerebral durante a hipóxia e
isquemia) e aumentam o consumo de oxigênio.
Objetivos do Estudo
Estudar a curto e a longo prazo, a eficácia e
segurança do tratamento da apnéia da
prematuridade com metilxantinas em neonatos com
muito baixo peso ao nascer.
Avaliar a freqüência de displasia broncopulmonar,
enterocolite necrosante, retinopatia da
prematuridade e sinais ultra-sonográficos de
injúria cerebral e crescimento até o momento da
primeira alta hospitalar.
Objetivos
O objetivo principal do estudo é avaliar a
freqüência de óbito, paralisia cerebral, atraso
cognitivo, surdez e cegueira na idade corrigida de
18 a 21 meses e aos 5 anos de idade. Estes dados
só estarão disponíveis em Dezembro de 2006.
Metodologia
Estudo randomizado, placebo-controlado,
multicêntrico, cego, aprovado pelo comitê de ética
de cada centro clínico, com consentimento
informado por escrito.
Critérios de inclusão:
Peso de nascimento entre 500g e 1250g
Ser considerado candidato ao uso de metilxantina pelo
médico assistente nos primeiros 10 dias de vida
Principais indicações observadas: prevenção e tratamento
da apnéia e facilitar a extubação
Metodologia
Critérios de Exclusão:
Malformações congênitas que pudessem comprometer a
expectativa de vida ou o desenvolvimento neuropsicomotor.
Impossibilidade de acompanhamento prolongado.
Tratamento prévio com metilxantina.
Consentimento não obtido.
Foram estudados 2006 neonatos.
Randomização estratificada por computador de
acordo com cada centro de estudo.
Estratificação dos Grupos
Cegamento
Foi criado um comitê externo de segurança e
monitorização do estudo, responsável pela revisão
dos dados obtidos a cada 4 a 6 semanas.
Com exceção do comitê e do farmacêutico do
estudo, nenhum dos envolvidos na pesquisa ou na
assistência aos pacientes tinha conhecimento do
grupo a que cada um pertencia.
Intervenções
Dose de ataque: 20mg/Kg de citrato de cafeína IV
ou volume equivalente de solução salina no grupo
controle.
Dose de manutenção: 5 mg/Kg/dia, podendo ser
ajustada até 10mg/Kg/dia caso houvesse
persistência da apnéia. Ajuste semanal de acordo
com a mudança de peso.
As doses foram reduzidas ou suspensas na
presença de sintomas sugestivos de intoxicação.
A dose foi monitorada apenas pelos efeitos
clínicos, não foram medidos os níveis séricos.
Co-intervenções
O protocolo do estudo desencorajou
enfaticamente, o uso “open-label” (“rótulo
aberto”:uso adicional ) das metilxantinas ou outras
drogas com efeito estimulante sobre a respiração
(Doxapram).
Recomendou-se o uso de medidas não
farmacológicas para o controle da apnéia (CPAP,
oxigênio suplementar e ventilação mecânica com
entubação traqueal).
Critérios Diagnósticos
Displasia Broncopulmonar
Necessidade de oxigênio suplementar até a idade
gestacional pós-concepcional(IGpc) de 36 semanas.
Ecografia Transfontanelar
Realizada entre o 14º e o 28º dia de vida e entre a 34º e
36º semanas de IGpc nos RN que permaneceram
internados até essa idade.
Sinais de injúria cerebral: lesões hiperecogênicas
intraparenquimatosas, leucomalácia cística
periventricular, cistos porencefálicos, ventriculomegalia
com ou sem hemorragia intraventricular.
Critérios Diagnósticos
Enterocolite Necrotizante
Diagnosticada durante cirurgia, autópsia ou por achado de
pneumatose intestinal, gás hepatobiliar ou
pneumoperitônio na radiografia.
Retinopatia
Estagios definidos de acordo com a classificação
internacional.
Crescimento
Avaliação semanal do peso e perímetro cefálico.
Critérios Diagnósticos
Persistência do Canal Arterial
Documentada, mas não era objetivo do estudo.
Todos os critérios de diagnóstico e tratamento foram
definidos pelos médicos assistentes.
Não foram realizadas ecocardiografias seriadas em todos
os pacientes do estudo!!
Resultados
Uso da Droga no Estudo, Uso de Metilxantinas
“Open-Label” e Co-intervenções
Dados preliminares até a Primeira Alta Hospitalar
Variação Ponderal nas Primeiras 4 Semanas do Estudo
Resultados (Grupo Cafeína)
Menor duração de CPAP, ventilação mecânica e
oxigênio suplementar.
Número menor de co-intervenções (Doxapram,
Corticóide pós-natal, transfusões).
Redução na freqüência de displasia
broncopulmonar.
Diminuição do ganho de peso nas três primeiras
semanas (em relação ao grupo placebo).
Redução da necessidade de terapia para
fechamento do canal arterial.
Resultados
Não houve diferença entre os grupos quanto à
frequência de:
Óbito até a primeira alta hospitalar
Enterocolite necrotizante
Sinais ultra-sonográficos de injúria cerebral
Retinopatia da prematuridade
Discussão
Esse artigo foi publicado antes do término do
estudo devido à importância clínica dos achados a
curto prazo.
O FDA aprovou o uso do citrato de cafeína para
tratamento da apnéia dos prematuros alertando
sobre a possível associação com o
desenvolvimento de enterocolite necrotizante
porém, o presente estudo não confirma essa
suspeita.
Discussão
Foi especulado que a incidência aumentada de
displasia broncopulmonar no grupo placebo foi
causada principalmente pela duração mais longa à
ventilação com pressão positiva.
O uso da cafeína aparentemente reduziu a
freqüência de persistência do canal arterial. Esse
achado foi inesperado e incidental, não constando
do protocolo inicial do estudo pois tal efeito nunca
havia sido sugerido previamente.
Discussão
É incerto se a cafeína promoveu o fechamento do
ducto arterial ou se o médico assistente estava
mais propenso a procurar e tratar a persistência
do canal arterial no grupo placebo devido à maior
necessidade de oxigênio complementar e ventilação
com pressão positiva.
Conclusão
A terapia com cafeína reduziu a incidência de
displasia broncopulmonar.
Exceto por uma redução temporária de ganho de
peso, a cafeína não mostrou riscos a curto prazo.
Nas doses utilizadas a incidência de toxicidade é
baixa.
Editorial
Eduardo Bancalari, M.D.
N Engl J Med 2006; 354:2179-2181
Embora os autores mencionem a eficácia da terapia
com cafeína como um dos objetivos do estudo, os
episódios de apnéia e hipoxemia não foram
incluídos, perdendo-se uma oportunidade de avaliar
a eficácia dessa terapia na redução da freqüência
de apnéia, principal indicação pela qual a cafeína é
prescrita.
Editorial
Eduardo Bancalari, M.D.
Na prática, os estimulantes respiratórios
geralmente não são prescritos até que o paciente
seja considerado próximo à extubação.
O critério utilizado no estudo, de introduzir a
cafeína dentro dos primeiros dez dias de vida,
excluiu muitos dos neonatos menores que
permanecem em ventilação mecânica por longos
períodos, sendo a cafeína prescrita quando já
desenvolveram dano pulmonar severo. Nesses
pacientes, é improvável que a cafeína possa
proteger contra a injúria pulmonar.
Editorial
Eduardo Bancalari, M.D.
Uma questão chave no estudo é até que ponto a
necessidade reduzida de suporte respiratório
relatada, reflete uma real uma real redução da
lesão pulmonar ou aumento do “drive” respiratório.
A redução na necessidade de ventilação mecânica
na terapia com cafeína não é uma surpresa. Esse
achado já foi demonstrado em estudos anteriores
sendo esse efeito atribuído ao aumento do “drive”
respiratório e da contratilidade diafragmática.
Esses efeitos, no entanto, não explicam a
necessidade diminuída de oxigênio suplementar, o
que sugere menor dano pulmonar em relação ao
grupo placebo.
Editorial
Eduardo Bancalari, M.D.
O que poderia explicar a menor injúria pulmonar no
grupo tratado com cafeína?
A cafeína promove uma redução da resistência e
aumento da complacência pulmonar com concomitante
redução na necessidade de oxigênio suplementar.
O efeito estimulante sobre o centro respiratório reduz a
necessidade de ventilação mecânica e consequentemente
o dano pulmonar induzido por pressão positiva.
A cafeína tem efeito diurético, reduzindo a congestão
pulmonar com melhora da mecânica ventilatória e troca
gasosa.
Possível ação antiinflamatória nos pulmões imaturos.
Editorial
Eduardo Bancalari, M.D.
Há evidência de que a persistência do ducto
arterial por longo período, nos prematuros, está
associada a uma deterioração da função pulmonar e
um aumento do risco de displasia broncopulmonar,
sendo possível, portanto, que o fechamento
precoce possa reduzir esse risco.
Um efeito intrigante relatado no estudo, é a
possibilidade de que o efeito protetor da cafeína
sobre o pulmão esteja relacionado ao fechamento
do ducto arterial. No entanto, este achado deve
ser visto com cautela, necessitando de outros
estudos para confirmação.
Editorial
Eduardo Bancalari, M.D.
Após quase 40 anos de pesquisas, sem sucesso,
para a prevenção da displasia broncopulmonar,
seria bem vinda a confirmação de que uma simples
medida farmacológica reduza sua incidência.
Este estudo sugere que a cafeína possa ter esse
efeito, pelo menos nos neonatos que não
necessitaram de entubação prolongada. No
entanto os resultados a longo prazo ainda estão
pendentes e devem ser avaliados antes que essa
terapia possa ser instituída como rotina para
prevenção da displasia broncopulmonar.
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