ik e cols. Artigo AOriginal Substituições valvares em crianças menores de 12 anos Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 5), 1999 Evolução Imediata e Tardia das Substituições Valvares em Crianças Menores de 12 Anos de Idade Fernando Antibas Atik, Altamiro Ribeiro Dias, Pablo M. A. Pomerantzeff, Miguel Barbero-Marcial, Noedir Antonio Groppo Stolf, Adib Domingos Jatene São Paulo, SP Objetivo - Avaliar os resultados da substituição valvar em crianças <12 anos. Métodos - Entre jan/86 e dez/92, 44 crianças <12 anos foram submetidas a troca valvar no INCOR. Eram portadores de febre reumática 40 (91%) pacientes, 39 (88,7%) estavam em classe funcional III ou IV, 19 (43,2%) foram operados em caráter de emergência e 6 (13,6%) tinham fibrilação atrial. As próteses biológicas (PB) foram utilizadas em 26 (59,09%) pacientes e as mecânicas (PM) em 18 (40,91%). A valva mitral foi substituída em 30 (68,7%) pacientes, a valva aórtica em 8 (18,18%), a valva tricúspide em um (2,27%) e dupla troca, mitral e aórtica em 5 (11,36%) casos. Resultados - A mortalidade hospitalar foi de 4,54% (2 casos). No seguimento tardio médio de 5,82 anos, as reoperações ocorreram em 63,3% das PB e em 12,5% das PM (p=0,002). A endocardite ocorreu em 26,3% das PB e em nenhuma das PM (p=0,049). A trombose das PM ocorreu em 2 (12,5%) casos e hemorragia em um (6,25%) caso. O óbito tardio foi de 11,9% (5 casos) num período médio de 2,6 anos, sendo que quatro portavam PB e um PM (NS). A probabilidade estimada de sobrevida e livre de reoperação aos 10 anos foi de, respectivamente, 82,5% (± 7,1%) e 20,6% (± 15,9%). Conclusão - As próteses mecânicas mostraram menor índice de reoperação, de endocardite infecciosa e de mortalidade tardia. Parecem, portanto, ser o melhor substituto valvar para esta faixa etária. Palavras-chave: troca valvar, febre reumática, crianças Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP Correspondência: Fernando Antibas Atik - Av. Chibarás, 626/101 - 04076-003 São Paulo, SP Recebido para publicação em 25/2/99 Aceito em 11/8/99 A alta prevalência da febre reumática no nosso meio determina manifestações peculiares da doença, freqüentemente com graves disfunções valvares, já na infância e adolescência, muitas vezes associadas a quadros de atividade reumática sobre o músculo cardíaco. Por vezes, necessitam de intervenções cirúrgicas urgentes devido s importantes repercussões hemodinâmicas que determinam 1. Os procedimentos cirúrgicos conservadores, conduta primária nestes casos, muitas vezes não são factíveis, dadas as alterações patológicas encontradas nas valvas cardíacas. Por outro lado, as substituições valvares nesta faixa etária apresentam uma série de peculiaridades, especialmente quanto ao tipo e tamanho das próteses. O objetivo deste trabalho foi apresentar a evolução precoce e tardia do nosso serviço com as trocas valvares em crianças abaixo de 12 anos de idade, no sentido de eleger a prótese ideal para a faixa etária em questão. Métodos Foram analisados, retrospectivamente, 44 pacientes menores de 12 anos de idade submetidos a troca valvar no período de jan/86 a dez/92, no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Vinte e três (52,3%) eram do sexo masculino, com idades variando de 2 a 12 (média de 10) anos. A etiologia das valvopatias era reumática em 40 (91%) pacientes, degenerativa em 2 (4,5%) e congênita em 2 (4,5%). Vinte (45,5%) pacientes encontravam-se no pré-operatório em classe funcional IV da NYHA, 19 (43,2%) em classe funcional III e 5 (11,3%) em classe funcional II. Dezenove (43,2%) pacientes foram operados em caráter de emergência, 6 (13,6%) eram portadores de fibrilação atrial crônica e 13 (29,5%) exibiam sinais laboratoriais e cintilográficos de atividade reumática. As substituições valvares foram realizadas na posição mitral em 30 (68,2%)pacientes, em 8 (18,2%) na posição aórtica e em apenas um (2,3%) na posição tricúspide. Cinco (11,3%) pacientes foram submetidos a dupla troca valvar, mitral e aórtica. Doze pacientes já haviam sido submetidos a troca valvar Arq Bras Cardiol, volume 73 (nº 5), 419-423, 1999 419 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 5), 1999 A ik e cols. Substituições valvares em crianças menores de 12 anos mitral, sendo que dois deles por duas vezes; um portava prótese tricúspide e outro mitral e aórtica. As próteses mitrais prévias eram biológicas em nove e de dura-máter em um, sendo que os pacientes com duas operações tinham próteses mecânicas implantadas somente no segundo momento. Tanto o paciente com troca tricúspide quanto o submetido à dupla troca portavam próteses biológicas. O tempo médio decorrido da primeira intervenção foi de 4,3 anos para as próteses mitrais, 9 anos para a tricúspide e 2 anos para a dupla prótese. Três pacientes foram submetidos a procedimentos conservadores prévios sobre a valva mitral cuja durabilidade média foi de 3,3 anos. Quanto ao tipo de próteses utilizadas, das 44 operações incluídas no estudo, 26 (59,1%) pacientes receberam próteses biológicas (Biocor, INCOR, Labcor) e 18 (40,9%) mecânicas (St. Jude, Carbomedics, Omnicarbon, Sorin). Na posição mitral, houve predomínio das biológicas (18) em relação às mecânicas (12). Foram utilizadas cinco próteses biológicas contra três mecânicas na posição aórtica, uma mecânica na posição tricúspide e, dos cinco pacientes submetidos a dupla troca, três tinham próteses biológicas. Os procedimentos associados consistiram de plásticas da valva tricúspide em 11 pacientes, plásticas da valva mitral em quatro, biópsias do miocárdio em dois e trombectomia do átrio esquerdo em um caso. Foi necessária a ampliação do anel aórtico com pericárdio bovino em três pacientes para implante de próteses de números 21 em dois casos e 19 no outro. O tamanho das próteses implantadas nas diversas valvas cardíacas encontra-se na tabela I. Todos os pacientes foram operados com o uso da circulação extracorpórea, sob hipotermia entre 25 e 28 oC, sendo que a proteção miocárdica foi feita com solução cristalóide fria ou sangüínea. O tempo médio de perfusão foi de 102,3min, e de anóxia 70,5min. Foram encontrados os seguintes achados operatórios sobre as valvas cardíacas: retrações em 14, dilatação do anel em 9, rotura de cordas em 8, calcificação em 5, prolapso em 5, vegetações em 5, fibrose em 4, espessamento em 4 e alongamento de cordas em dois. Quanto às características macroscópicas sobre as próteses previamente implantadas, observamos calcificação em 12, dilatação do anel em 5, espessamento em 2, rotura em 2, estenose em 3, retração em um e escape perivalvar em um. Trinta e cinco (83,3%) pacientes foram seguidos ambulatorialmente por um período que variou de um mês a 11 anos (média de 5,82 anos). O seguimento tardio maior que 5 anos foi possível em 23 (54,8%) pacientes. Os pacientes submetidos a implante de prótese mecânica foram anticoagulados com warfarina sódica, mantendo níveis de RNI entre 2 e 2,5. Tabela I - Representação do tamanho das próteses implantadas nas diferentes valvas cardíacas Mitral Aórtica Tricúspide 420 19 1 21 3 5 23 1 5 25 1 1 1 27 9 1 29 11 31 9 33 1 Foram utilizados, na comparação entre os resultados imediatos e tardios das próteses biológicas e mecânicas, os testes estatísticos do qui quadrado e exato de Fisher. Consideramos estatisticamente significativos os valores de p<0,05. A estimativa da probabilidade de sobrevida e de não-reoperação foi realizada pelo método de Kaplan-Meier, sendo que o nível descritivo de probabilidade se refere à estatística de Log-Rank. Resultados O período pós-operatório foi marcado por síndrome de baixo débito cardíaco em 11 casos, arritmias cardíacas em 5, broncopneumonia em 5, coagulopatia em 4, pericardite em 4, insuficiência renal aguda em 3, septicemia em 1 e acidente vascular cerebral isquêmico em um caso. Dois (4,5%) pacientes faleceram no pós-operatório imediato, ambos submetidos a troca valvar mitral por próteses mecânicas em caráter de urgência. A causa mortis foi choque cardiogênico nos dois casos, sendo que se apresentavam no pré-operatório com doença reumática ativa, edema agudo de pulmão e sinais clínicos de desnutrição. Um dos casos já tinha sido operado, evoluindo com coagulopatia na saída de circulação extracorpórea. A tabela II apresenta o óbito hospitalar, segundo o tipo de prótese utilizada. Não houve diferença estatisticamente significativa neste critério pelo número reduzido de pacientes. Durante o seguimento dos pacientes, a mais marcante complicação ocorreu em decorrência da calcificação das próteses biológicas em 14 (73,7%) casos, sendo que em três deles não havia disfunção valvar importante. A presença de endocardite infecciosa das próteses ocorreu em 5 (14,3%) casos, todos incidindo sobre as próteses biológicas, dado estatisticamente significativo (tab. III). Quanto às próteses mecânicas, as complicaç es ocorre- Tabela II - Diferenças entre as próteses biológicas e mecânicas quanto à mortalidade hospitalar Pacientes CF pré-operatória II III IV Mortalidade hospitalar Biológicas Mecânicas Total 26 18 44 4 12 10 0 1 7 10 2 5 19 20 2 (4,5%) CF- classe funcional da New York Heart Association. Tabela III - Diferenças entre as próteses biológicas e mecânicas quanto a morbidade e mortalidade durante a evolução tardia Pacientes Reoperação Endocardite infecciosa Mortalidade tardia Biológicas Mecânicas P 19 12 (63,2%) 5 (26,3%) 4 (21,1%) 16 2 (12,5%) 0 1 (6,3%) 0,002 0,049 0,342* * - não significativo estatisticamente. Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 5), 1999 A ik e cols. Substituições valvares em crianças menores de 12 anos ram em virtude de falhas no controle da anticoagulação, havendo trombose em dois casos (vide reoperações) e sangramento menstrual excessivo com choque hipovolêmico em um caso. Quatorze (40%) pacientes foram reoperados, sendo que 3 (8,6%) deles por duas vezes. A média de tempo entre a primeira e segunda operação foi de 4,5 anos e entre a segunda e a terceira de 1,5 ano. As próteses biológicas estavam presentes em 12 (63,2%) casos, sendo que em dois na posição aórtica e mecânicas em 2 (12,5%) casos, ambos na posição mitral. Houve diferença estatisticamente significativa entre o tipo de prótese e a possibilidade de reoperação (tab. III). As causas de reoperação nas próteses biológicas foram calcificação e estenose em 8 (66,7%) casos, calcificação e rotura em 2 (16,7%) casos, endocardite infecciosa em um (8,3%) caso e falha de fechamento da cúspide posterior em um (8,3%) caso por defeito de fabricação. As próteses mecânicas necessitaram de substituição devido a trombose nos dois casos. O tamanho das próteses não constituiu a causa da reoperação em nenhum dos pacientes, embora 4 dos 14 que foram reoperados tivessem recebido próteses de diâmetro maior. As curvas livres de reoperação (fig. 1) demonstram que a probabilidade estimada de manutenção das próteses originais após 2, 5 e 10 anos foi, respectivamente, de 93,7%, 64,2% e 20,6%. Quando se analisam estes resultados de acordo com o tipo de prótese utilizada (fig. 2), encontramos superioridade das próteses mecânicas em relação às biológicas (p=0,022). Cinco (11,9%) pacientes faleceram durante a evolução tardia, num período médio de 2,6 anos. Quatro pacientes portavam próteses biológicas. Um deles faleceu subitamente devido a arritmia cardíaca, sendo que a necropsia não revelou a causa mortis, nem anormalidades na prótese. Três apresentaram disfunç es secundárias calcificação precoce, tendo sido submetidos à reoperação. Um deles faleceu em decorrência de lesão iatrogênica da aorta durante a esternotomia mediana. Os outros dois evoluíram com endocardite infecciosa das próteses implantadas. Um paciente tinha prótese mecânica na posição mitral, tendo evoluído com trombose da mesma associado a acidente vascular cerebral. Foi submetido a retirada de trombos e, após, retroca da valva mitral por prótese biológica. Apresentou endocardite infecciosa da prótese com septicemia e choque cardiogênico. Não houve diferença estatisticamente significativa entre o tipo de prótese e a mortalidade tardia (tab. III). As curvas atuariais de sobrevida (fig. 3) demonstram que, após 2, 5 e 10 anos, a probabilidade estimada foi, respectivamente, de 93,3%, 82,5% e 82,5%. O grupo composto por portadores de próteses mecânicas foi superior ao de próteses biológicas (fig. 4), embora não tivesse atingido significância estatística. Dos 25 pacientes que tiveram seguimento até o mo- Fig. 1 - Estimativa da probabilidade de não reoperacão (método de Kaplan-Meier) – amostra total. Fig. 3 - Estimativa da probabilidade de sobrevida (método de Kaplan-Meier) – amostra total. Fig. 2 - Estimativa da probabilidade de não-reoperação (método de Kaplan-Meier) amostra estratificada por tipo de prótese. Fig. 4 - Estimativa da probabilidade de sobrevida (método de Kaplan-Meier) – amostra estratificada por tipo de prótese. 421 A ik e cols. Substituições valvares em crianças menores de 12 anos mento, a maioria apresenta-se em classe funcional I, 22 casos, sendo que em três deles há sinais ecocardiográficos de calcificação sem disfunção valvar. Os três pacientes restantes portam próteses biológicas em posição mitral e estão clinicamente em classe funcional II (2 casos) ou III (um caso). Apresentam degradação importante das próteses por calcificação com estenose e insuficiência acentuadas e aguardam nova reoperação. Discussão O tratamento cirúrgico das valvopatias em crianças e adolescentes é um desafio para o cirurgião. Assume características agravantes, em nosso meio, devido a alta prevalência da doença reumática. Muitas dessas crianças apresentam-se em graus avançados de insuficiência cardíaca (classe funcional III ou IV), em atividade reumática sobre o miocárdio, necessitando por vezes, de operações de emergência para correção de distúrbios hemodinâmicos importantes 2. A presença de operações prévias, conservadoras ou não, e graus variados de desnutrição, são outros fatores que têm levado este grupo de pacientes a uma alta taxa de mortalidade imediata e tardia, demonstrado neste trabalho, onde 88,7% dos pacientes estavam em classe funcional III/IV, 43,2% foram operados de emergência, 34,1% tinham operações cardíacas prévias, levando a uma mortalidade hospitalar de 4,5%. Os índices de mortalidade imediata na literatura consultada variaram de zero a 13%. Robbins e cols.3 definiram, como fatores de risco de mortalidade hospitalar, a idade menor que dois anos, a presença de operações prévias e a dupla troca valvar. Já Vosa e cols. 4 acreditam que a mortalidade esteja relacionada à correção de anomalias congênitas complexas ou ao grau de envolvimento miocárdico nos casos de valvopatia reumática e degenerativa. Em grande parte dos casos, existem graves alterações patológicas sobre as valvas cardíacas, o que impossibilita a realização de plásticas, tornando obrigatória a substituição por próteses. Este último procedimento assume uma série de aspectos controversos nas crianças em relação ao mesmo realizado em adultos 5. Devido ao tamanho reduzido do anel valvar, especialmente em crianças menores, é fundamental implantar próteses de tamanhos suficientemente grandes que permitam o crescimento somático sem a necessidade de reoperação por estenose funcional 1. Ibrahim e cols. 6 advogam que um tamanho mínimo ideal seria de 25mm para a posição mitral e de 21mm para a posição aórtica. Por vezes, torna-se necessária a ampliação do anel aórtico, realizada em três casos nesta série com boa evolução precoce e tardia, livre de reoperação. Nenhum dos pacientes deste estudo necessitou de reoperação relacionada diretamente com o tamanho reduzido das próteses, o que pode ser explicado, como em outros artigos 1, onde predominam portadores de febre reumática, cuja doença freqüentemente leva a insuficiência valvar associada à dilatação do anel. O tipo de prótese a ser implantada tem sido motivo de 422 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 5), 1999 discussão há décadas. Porém, a maioria dos autores defende a utilização exclusiva das próteses mecânicas nesta faixa etária 7. Esta tendência é explicada pelo fato de que a evolução tardia das biopróteses demonstrou uma alta taxa de complicações relacionadas à degradação com calcificação precoce, necessitando de reoperação 8-10. Antunes e cols. 11 encontraram somente 19% dos pacientes de sua casuística vivos com suas próteses originais após sete anos de seguimento. A taxa de degeneração foi de 22,4% pacientes-ano quando comparados com falha estrutural de 4% pacientesano em adultos. Na nossa experiência, a probabilidade dos pacientes manterem as biopróteses originais foi de 47,5% e 13,2%, aos 5 e 10 anos de seguimento, respectivamente. Este processo de biodegradação não é inócuo, pois leva muitos pacientes à morte na fila de espera para nova operação, problemática não rara no nosso meio. Além disso, a morbimortalidade na reoperação é elevada, como demonstrado na nossa experiência, com 25% de mortalidade e sem mencionar os custos hospitalares mais elevados. As causas da calcificação das biopróteses têm sido atribuídas a surtos reumáticos repetidos, que levariam a um aumento da atividade da fosfatase alcalina com aumento do turnover do cálcio 12, além do processo de preservação das próteses porcinas com glutaraldeído facilitar este depósito. O mecanismo patológico é a calcificação e fibrose das cúspides, levando a deformidades e rigidez com estenose valvar. Em virtude disso, a maioria dos estudos tem mostrado casuísticas com o uso exclusivo de próteses mecânicas, refletindo a tendência atual. Os resultados tardios mostram menor índice de mortalidade, com morbidade aceitável, relacionada principalmente a alterações de coagulação, sendo o método de anticoagulação o principal objeto de discussão. O tipo de prótese mecânica não tem influído nesses bons resultados, apesar de que os grupos são constituídos preferencialmente por portadores de cardiopatias congênitas 5,6,13,14. Harada e cols. 5, utilizando a prótese de St. Jude, não tiveram mortalidade precoce, sendo que a probabilidade estimada de sobrevida aos 10 anos foi de 90,8% e, a livre de complicações no mesmo período, de 84,7%. Ibrahim e cols. 6 mostram resultados ainda melhores com a mesma prótese, sem a presença de reoperação e/ou mortes tardias. Na nossa experiência, utilizando diversos tipos de prótese mecânica em várias posições valvares, verificamos que a curva livre de reoperação aos 5 e 9 anos foi de 92,3% e 61,5%; a curva de sobrevida nos mesmos períodos foi de 91,6%. Já os trabalhos que estudam pacientes reumáticos 1,2,12, considerados por muitos autores como mais graves que os portadores de cardiopatias congênitas, exibem resultados similares aos anteriores. Antunes e cols. 1, em casuística de 352 pacientes menores de 20 anos submetidos a troca valvar por prótese mecânica, obtiveram mortalidade precoce de 6,3% e tardia de 5,3% pacientes-ano, sendo significativamente maior no subgrupo submetido à dupla troca valvar. A curva atuarial de sobrevida aos sete anos foi de 76% e a curva livre de reoperação de 88%; resultados interessantemente semelhantes do ponto de vista estatístico a um grupo de adultos operados no mesmo período. Na nossa casuística, a probabi- A ik e cols. Substituições valvares em crianças menores de 12 anos Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 5), 1999 lidade estimada de sobrevida e de livre de reoperação foi aos cinco anos de 91,6% e 92,3%, respectivamente. O método de anticoagulação é tema controverso a ser superado. A propensão ao trauma, o desejo de engravidar, a presença de fibrilação atrial e as dificuldades em manter um nível terapêutico por problemas psicológicos de adesão ao tratamento ou sócio-econômicos são os fatores responsáveis. Este último aspecto é de especial importância no nosso meio, onde freqüentemente não existe acompanhamento clínico e laboratorial do nível de anticoagulação, o que predispõe ao aparecimento de tromboembolismo por um lado, e de fenômenos hemorrágicos de outro. Em virtude da perigosa irregularidade do tratamento anticoagulante, Abid e cols. 12 contraindicam tal terapêutica num subgrupo especial de pacientes em ritmo sinusal e hemodinamicamente estáveis, não tendo observado aumento das complicações. Verrier e cols. 15 sugerem que crianças em ritmo sinusal, portadoras de próteses aórticas, possam ser seguramente tratadas com aspirina e/ou dipiridamol, porém com resultados controversos entre os diversos autores. Cabalka e cols. 13 apresentaram incidência de trombose relativamente elevada, precoce no seguimento (entre 3 a 6 meses), tendo ocorrido somente em pacientes sem medicação, preconizando, assim, anticoagulação precoce durante 6 a 9 meses para os portadores de prótese mitral, quando preferem reduzir os níveis terapêuticos, já que após este momento, a incidência de sangramento superpõe o risco de tromboembolismo. Robbins e cols. 3, entretanto, utilizam anticoagulantes orais em todos os pacientes, independentemente da posição valvar. Adotando a mesma conduta, obtivemos trombose da prótese em 12,5% e hemorragia em 6,25% dos pacientes, todos com uso irregular da medicação. Os problemas dentários, as infecções de vias aéreas superiores e os traumatismos em crianças reforçam-nos para a vigorosa profilaxia da endocardite infecciosa nas próteses valvares. Neste trabalho, 5 (14,3%) pacientes, todos portadores de próteses biológicas, evoluíram com endocardite, sendo que três deles, como conseqüência, faleceram. Esta grave complicação tem ocorrido em outros relatos 13, com freqüência pouco menor que a nossa, mas com evolução semelhante. Embora a incidência seja similar quanto ao tipo de prótese 16, Robbins e cols. 3 obtiveram maior número com as mecânicas, contrariamente ao nosso estudo. Entretanto, as amostras são limitadas para conclus es definitivas. Estudos recentes 17,18 têm mostrado experiência com os homoenxertos e a operação de Ross na valvopatia aórtica. Os resultados, num número selecionado de pacientes, são encorajadores, com boa evolução imediata. Contudo, tratase de uma técnica pouco difundida entre os cirurgi es, tecnicamente trabalhosa, de resultados duvidosos nos centros sem experiência. Conclui-se que a substituição valvar em crianças é um procedimento de alto risco num grave grupo de pacientes, com mortalidade imediata e tardia consideráveis. A calcificação precoce, com alto índice de reoperaç es num curto espaço de tempo, torna a utilização de biopróteses inviável neste grupo etário. As próteses mecânicas mostraram menor índice de reoperação, de endocardite infecciosa e de mortalidade tardia. O rigoroso controle da anticoagulação e a prevenção da endocardite infecciosa são os únicos meios de reduzir suas complicações tardias. Parece, portanto, ser o melhor substituto valvar para esta faixa etária, mesmo em populações com controle precário de anticoagulação, onde métodos alternativos poderiam ser utilizados. Agradecimentos Às senhoras Rita Helena Antonelli Cardoso e Carine Sovalli pela análise estatística realizada. 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