EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/ PEDIDO LIMINAR O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seus Promotores de Justiça do GAESP - Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor que esta subscrevem, com fundamento e legitimado pelos arts. 1º, inciso III, 3º, 5º caput e §§ 1º e 2º, 6º, 37 caput, 127 caput, 129, incisos II e III e 196/198 da Constituição Federal; arts. 1º, caput e 25, inciso IV, alínea "a", da Lei Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); arts. 2º, § 1º, 4º caput, 7º, incisos I, II, IV e XII da Lei nº 8.080/90; art. 22 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); arts. 91, caput, 97, III e parágrafo único, 217, 219, 222, inciso IV e 223, inciso I, da Constituição do Estado de São Paulo; arts. 1º caput e 103, incisos I, VII, alínea "a" e VIII, da Lei Complementar Estadual n.º 734/93 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo); arts. 2º, §§ 1º e 2º, 3º, inciso IV, alíneas "a" e "c", 7º, 8º, inciso I, 12, inciso I, alíneas "a", "d" e "e" da Lei Complementar Estadual nº 791/95 (Código de Saúde do Estado de São Paulo); arts. 1º, inciso IV, 5º caput, 11, 12, 18 e 21, da Lei Federal n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública); arts. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, 82, inciso I, 84 caput e §§ 3º e 4º e 87 da Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); vem ajuizar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, observando-se o procedimento comum ordinário, em face do ESTADO DE SÃO PAULO, que deverá ser citado na pessoa do Excelentíssimo Sr. Procurador Geral do Estado, em seu Gabinete, situado à av. São Luiz, nº 99, 4º andar, nesta Capital, pelos motivos de fato e de direito a seguir descritos. I - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Constituição Federal, em seu artigo 129, II, determina ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias à sua garantia. A Carta Magna conceituou em seu artigo 197 que "são de relevância pública as ações e serviços de saúde". Essa conceituação teve como móvel possibilitar a atuação do Ministério Público frente aos Poderes Públicos, em prol da sociedade. A Constituição Federal, igualmente, em seus artigos 127 caput e 129, inciso III; a Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 91; a Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) em seu art. 25, inciso IV, alínea "a"; e a Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em seu art. 103, inciso VIII, cometem ao Ministério Público legitimação para o ajuizamento da ação civil pública para a defesa, em juízo, dos interesses difusos e coletivos. Ressalte-se que a conclusão da Organização Pan-americana da Saúde e do Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde, enumerada na Série Direito e Saúde nº 1 - Brasília, 1994, afirmou que "O conceito de ações e serviços de relevância pública, adotado pelo artigo 197 do atual texto constitucional, norma preceptiva, deve ser entendido desde a verificação de que a Constituição de 1988 adotou como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana. Aplicado às ações e aos serviços de saúde, o conceito implica o poder de controle, pela sociedade e pelo Estado, visando zelar pela sua efetiva prestação e por sua qualidade. Ao qualificar as ações e serviços de saúde como de relevância pública, proclamou a Constituição Federal sua essencialidade. Por "relevância pública" devese entender que o interesse primário do Estado, nas ações e serviços de saúde, envolve sua essencialidade para a coletividade, ou seja, sua relevância social. Ademais, enquanto direito de todos e dever do Estado, as ações e serviços de saúde devem ser por ele privilegiados. A correta interpretação do Artigo 196 do texto constitucional implica o entendimento de ações e serviços de saúde como conjunto de medidas dirigidas ao enfrentamento das doenças e suas seqüelas, através da atenção médica preventiva e curativa, bem como de seus determinantes e condicionantes de ordem econômica e social. Tem o Ministério Público a função institucional de zelar pelos serviços de relevância pública, dentre os quais as ações e serviços de saúde, adotando as medidas necessárias para sua efetiva prestação, inclusive em face de omissão do Poder Público". Dessa forma, está o Ministério Público legitimado para a propositura da presente ação civil pública. II – DOS FATOS O Hospital Heliópolis, denominado pela Secretaria de Estado da Saúde como "Unidade de Gestão Assistencial I", situado à rua Conselheiro Xavier, nº 276 – Heliópolis, nesta capital, é, segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo, uma unidade de saúde do Governo do Estado de São Paulo, tratando-se de estabelecimento que presta atendimento público de saúde, administrado pelo P oder Público Estadual, atendendo, principalmente, a população da região sudeste da capital e dos Municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema. Tradicionalmente, sempre foi referência para casos de traumatologia, atendendo, também, as seguintes especialidades: cabeça e pescoço, neuro, gastro, cirurgia geral, proctologia, vascular e tórax. É, ainda, destino de muitos pacientes oriundos de todo o Estado e até fora dele, principalmente em casos de emergência (Pronto Socorro) relacionados às áreas de cabeça e pescoço, gastro-cirurgias e outras. Assim, dentro do Sistema Único de Saúde, na esfera de competência do Estado de São Paulo, o Hospital Heliópolis desempenha fundamental papel na prestação de serviço de saúde pública, já que é estabelecimento hospitalar identificado como de referência, desempenhando atendimento chamado de média ou alta complexidade médica, para onde acorre significativa parcela da população que necessita de atendimento médico público. Neste quadro, deveria estar funcionando a plena capacidade, com taxa de ocupação média dentro dos parâmetros considerados ideais; contando com quadro completo de profissionais de saúde; com todos os equipamentos necessários e em perfeito funcionamento; com instalações adequadas, tudo de molde a cumprir a obrigação constitucional de garantir, dentro de sua competência e capacidade operacional, o acesso universal e igualitário dos cidadãos aos serviços de saúde, garantindo-lhes atendimento integral e de qualidade. Todavia, não é o que ocorre. Segundo o apurado nos autos de inquérito civil em anexo, o jornal "Folha de São Paulo", em julho de 1999, divulgou levantamento feito pelo Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Estado de São Paulo, que apontou déficit de médicos, desativação de leitos, falta de medicamentos e de material hospitalar em várias unidades hospitalares administrados pelo Governo Estadual. Especificamente quanto ao Hospital Heliópolis, aludido "Sindsaúde – SP" constatou a falta de medicamentos, entre os quais anti-hipertensivos, antibióticos, vitaminas e anti-inflamatórios, conforme se pode ver às fls. 21 do I.C.. Ante tal denúncia e após a instauração, de ofício, do inquérito civil público em anexo, solicitou-se manifestação a respeito do Diretor Clínico do Hospital Heliópolis e cópia da última vistoria feita naquela unidade pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. As respostas foram num mesmo sentido e demonstraram que a situação do Hospital Heliópolis é ainda pior do que fora alardeado pelo "Sindsaúde – SP". Com efeito, conforme vistoria realizada em novembro/1999 pelo CREMESP, o nível de atendimento do hospital, seja em quantidade, seja em qualidade, nega direitos básicos, indisponíveis e constitucionais dos cidadãos que necessitam do atendimento médico prestado naquela unidade, além de colocar sua saúde (e, via de conseqüência, sua própria vida) em risco iminente. Colhendo informações no local, os médicos do CREMESP souberam que o hospital sofreu corte de 20% nas verbas de seu orçamento em 1999; não havia contratos de manutenção para diversos equipamentos; falta freqüente de medicamentos, incluindo antibióticos; equipe de enfermagem insuficiente para a demanda de serviços do hospital... Vejamos mais detalhadamente a situação encontrada pelos médicos fiscais: 1. Centro Cirúrgico: a.equipamentos de monitoração de pacientes não são calibrados, gerando leituras que podem não corresponder à realidade clínica do paciente; b.não havia contrato de manutenção preventiva permanente desses equipamentos; c.sensores dos monitores quebrados, seguros por esparadrapos durante a prática anestésica, tornando não confiável a leitura do quadro do paciente; d.número de equipamentos (capnógrafo - lê o gás carbônico expirado; oxímetro - lê a saturação de oxigênio no sangue; cardioscópio - lê o batimento cardíaco) insuficiente para o número de salas; e.falta de drogas anestésicas; f.duas salas do centro cirúrgico desativadas, diminuindo a capacidade de atendimento; g.dificuldade para a realização de anestesia loco-regional (peridural), porque o diâmetro do catéter (haste oca, geralmente metálica) não era compatível com o bisel (diâmetro) da agulha; h.não havia exaustor de gases anestésicos, o que pode gerar a inalação desses gases pelos profissionais durante o trabalho; i.cilindros de oxigênio não estavam ancorados em carrinhos ou presos na parede, gerando perigo de acidentes, inclusive explosão; j) os dois desfibriladores (equipamentos usados na reversão da parada ou arritmia cardíaca) só funcionavam ligados à tomada (por falta de bateria) e o sincronismo (qualidade do equipamento que permite seu disparo automático no momento próprio, para reversão da arritmia cardíaca apresentada) não funcionava; 2- Recuperação Pós-Anestésica a.não possui desfibrilador (vide letra "j" supra), necessitando trazer, caso necessário para algum paciente, um dos existentes no Centro Cirúrgico que, diga-se, somente funcionam ligados à tomada; b.não conta com enfermeiros suficientes durante a manhã e a noite, ensejando que atividades próprias desse profissional sejam exercidas por pessoa sem habilitação técnica, ou a simples falta desse atendimento qualificado aos pacientes; 3- Pronto Socorro a.admissão de pacientes no Pronto Socorro: não há qualquer atividade informatizada (gerando demora no atendimento) e o serviço (preenchimento da ficha do pronto socorro) é feito por pessoas não qualificadas (auxiliares de serviço, alguns semi-alfabetizados), gerando o perigo dessa ficha ser mal preenchida, com informações equivocadas; b.falta de material cirúrgico para a equipe ortopédica, ensejando que pacientes que procuram o hospital, tradicional referência para casos de traumatologia, necessitem ser transferidos para outros hospitais. Todavia, há dificuldade em se obter tais vagas, além de que há dificuldades em se fazer essas transferências, por falta de ambulâncias ou de motoristas; c.equipamentos de emergência em mau estado e com quantitativos mínimos; d.falta freqüente de medicamentos, incluindo antibióticos; e.equipe de enfermagem insuficiente para a demanda de serviços; 4- Situação das Áreas Gerais a.consultórios de triagem (2) com ventilação precária e conjuntos incompletos para a lavagem das mãos (um não tinha sabão líquido e em ambos não havia toalhas de papel), situação causadora de risco de infecção hospitalar; b.um desses consultórios tinha infiltração de água na parede, que estava tomada por bolor, próximo ao divã clínico; c.consultório destinado à neurocirurgia com ventilação precária e pia sem toalha de papel; d.sala de isolamento (onde ficam os pacientes com doenças transmissíveis) no mesmo ambiente com o serviço de avaliação médica especializada, sem ventilação adequada, gerando contato entre pacientes eventualmente contaminados com outros; e.sala de observação com paredes revestidas de "aglomerado acústico" semi-destruído, com fraturas e buracos, situação que torna impossível a perfeita higienização do ambiente; f.sala de medicação (onde são aplicados os tratamentos prescritos e de inalação) sem armários ou gavetas para a guarda dos medicamentos; g.sala de emergências cirúrgicas (improvisada) sem cânulas (sondas de intubação, necessárias à assistência respiratória) infantis de todos os calibres; h.consultórios de cirurgia mal conservados, sem conjunto completo para lavagem das mãos e/ou com infiltrações na parede; i.consultório médico de ortopedia funcionando também como sala de gesso, impossibilitando o atendimento dos pacientes com privacidade; j.na sala de Eletrocardiograma o aparelho não conta com manutenção regular, além de que não há funcionários treinados para utilizá-lo à noite ou nos finais de semana; 5- Unidade de Emergências Médicas a.instalada em área pequena, encontrando-se com 22 leitos/macas, quando a capacidade planejada é de 10 leitos; b.falta de profissionais de enfermagem; c.más condições de funcionamento (falta de estrutura física, de materiais e de recursos humanos), gerando sérios problemas de infecção hospitalar; 6- Sala de Emergência a.instalações elétricas e hidráulicas prejudicadas; b.más condições de higiene; c.cardioscópio inoperante, pela falta do cabo que realiza a monitoração, que se encontrava quebrado; d.laringoscópio (aparelho com o qual se faz a intubação) com jogos incompletos de lâminas (acessório com o qual se afasta a língua do paciente para acessar as vias respiratórias), havendo notícia de constante falta de pilhas (sem as quais a luz não acende, impossibilitando a visualização da laringe), que são adquiridos pela chefe de enfermagem, com dinheiro do próprio bolso; e.quantidade mínima de equipamentos, além de tomadas insuficientes para ligá-los; f.falta de medicamentos básicos, como penicilina, benzatina e outros antibióticos, gerando risco de infecção hospitalar; g.posto de enfermagem sem sabão líquido e toalha de papel, situação geradora de risco de infecção; h.falta de equipamentos básicos, como frascos para hemocultura, vidros para colher exames de laboratório e reagentes para realização de sorologia, tudo a diminuir a capacidade de diagnóstico dos pacientes e, por conseqüência, aumentando desnecessariamente seu tempo de internação; Como se percebe pelo relatório apresentado pelos Médicos Fiscais do Conselho Regional de Medicina, a situação do hospital Heliópolis, quanto ao atendimento aos necessitados daquele serviço essencial, é calamitosa e geradora de concreto e iminente risco à integridade física e moral daqueles pacientes. Mesmo o Diretor do Hospital Heliópolis, que por temor hierárquico poderia, como geralmente ocorre, tentar "maquiar" ou minimizar a situação daquela unidade de saúde do Poder Público Estadual, confirmou, em linhas gerais, o quadro dramático apresentado pelo Sindicado e pelo Conselho Regional, como se pode ver de fls. 43/45 do Inquérito Civil em anexo. III - DO DIREITO É princípio fundamental da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, sendo certo que seus objetivos fundamentais são, entre outros, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, além de promover o bem de todos (arts. 1º e 3º da CF). Além disso, todos os cidadãos têm direito à vida e à saúde, sendo obrigatório à administração pública observar os princípios da legalidade e da eficiência (arts. 5º, 6º e 37 da CF). É disposição legal em vigor que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (art. 2º, § 1º da Lei nº 8.080/90). Não custa lembrar, ainda, que o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração Direta e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS, sendo certo que essas ações e serviços do SUS obedecem, entre outros, aos princípios da universalidade de acesso, em todos os níveis de assistência, a qual deve ser integral, assim entendida como conjunto articulado e contínuo de ações e serviços curativos, individuais e coletivos, exigidos em cada caso e em todos os níveis de complexidade. Também são princípios a serem obedecidos pelos serviços públicos de saúde os da igualdade da assistência e o da capacidade de resolução em todos os níveis de assistência (arts. 4º e 7º da Lei nº 8.080/90). Afirma a Constituição Estadual de São Paulo que a saúde é direito de todos e dever do Estado, direito este que será garantido mediante acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis, bem como mediante atendimento integral ao indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde. Além disso, é diretriz do SUS neste Estado a universalização da assistência de igual qualidade com instalação e acesso a todos os níveis, dos serviços de saúde à população urbana e rural, sendo sua atribuição (do SUS) a assistência integral à saúde (arts. 219, 222 e 223 da Constituição do Estado de São Paulo). No mesmo sentido são as normas do Código de Saúde do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual nº 791/95). Todos os problemas anteriormente elencados em muito prejudicam a prestação de serviços por parte do Hospital Heliópolis, inclusive colocando em risco a vida e a saúde de seus usuários. Não fosse um Hospital tão importante, seria o caso de pleitear-se a sua interdição até que fosse regularizada a situação. No entanto, esta solução resultaria em prejuízo ainda maior aos destinatários dos serviços, que preferem - e têm direito, garantido na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional supracitada - um serviço deficiente e perigoso a um inexistente, bem como na definitiva acomodação do poder público. Não custa lembrar que um dos princípios que rege a administração pública é o da "continuidade do serviço público", que significa, na lição sempre precisa de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que "o serviço público, sendo a forma pela qual o Estado desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, não pode parar." (Direito Administrativo, ed. Atlas, 10ª ed., pág. 66). Fere-se naquela unidade, assim, na prestação do serviço público essencial e ininterrupto de Saúde, o princípio constitucional da eficiência, também definido pela mesma autora supramencionada como aquele inserido na Constituição Federal pela Emenda nº 19 e que "impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar", colocando-se em risco a saúde e vida de inúmeros pacientes. Cabe, portanto, ao Estado de São Paulo zelar pela correta prestação do serviço público no Hospital Heliópolis, pois conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ao Poder Executivo, "cabe o poder indeclinável de regulamentar e controlar os serviços públicos, exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para a sua prestação ao público (STJ - 1ª T - RMS nº 7.730/96 - RS - Rel. Min. José Delgado, Diário da Justiça, Seção I, 27 out. 1997, p. 54.720). Dessa forma, a omissão do Governo Estadual vem gerando graves riscos à saúde pública e aos direitos daqueles que dela necessitam, competindo ao Judiciário a cessação dessa situação de iminente risco de lesão desses direitos. Neste sentido o art. 22 da Lei n. 8078/90, segundo o qual "Os órgão públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código". Não se trata, é bom lembrar desde logo, de adentrar-se na discricionariedade administrativa, pois a eficácia material da administração traduz-se no adimplemento de suas competências ordinárias e na execução e no cumprimento pelos entes administrativos dos objetivos que lhe são próprios. Em suma, quanto ao resultado daquilo que lhe foi atribuído constitucionalmente, principalmente na área de serviços de saúde pública, a Administração Pública, no caso Estadual de São Paulo, não tem discricionariedade, muito menos outra saída que não a de atingir aquilo que está previsto na lei, o que não está ocorrendo no presente caso. Trata-se, pois, de balizar a discricionariedade administrativa pelos preceitos constitucionais e legais, para que não se consagre a arbitrariedade e a ineficiência. Como salientado por Tomás-Ramón Fernández, deve-se "conceder à administração - nos limites casuisticamente permitidos pela Constituição - tanta liberdade quanto necessite para o eficaz cumprimento de suas complexas tarefas" (Arbitrariedad y discrecionalidad. Barcelona: Civitas, 1991. p. 117). Vislumbra-se, portanto, a necessidade do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV), em defesa dos direitos fundamentais e serviços essenciais previstos pela Carta Magna vida, dignidade da pessoa humana, saúde - garantir a eficiência dos serviços prestados pelo Hospital Heliópolis, inclusive responsabilizando as autoridades omissas, pois como salienta Alejandro Nieto, "quando o cidadão se sente maltratado pela inatividade da administração e não tem um remédio jurídico para socorrer-se, irá acudir-se inevitavelmente de pressões políticas, corrupção, tráfico de influência, violências individual e institucionalizada, acabando por gerar intranqüilidade social, questionando-se a própria utilidade do Estado" (La inactividad material de la administración. Madri: Documentacion adminsitrativa nº 208, 1986. p. 16). Repise-se que a Constituição Federal, em seu Art. 129, inciso II, confere ao Ministério Público a tarefa institucional de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos por ela assegurados. O Ministério Público tem um dever irrenunciável e impostergável de defesa do povo, cabendo-lhe exigir dos Poderes Públicos e dos que agem em atividades essenciais o efetivo respeito aos direitos constitucionalmente assegurados na prestação dos serviços relevantes e essenciais. O Art. 196 da Carta Magna estabelece a saúde como direito de todos e dever do Estado. O Art. 197, como já ressaltado, prescreve serem as ações e serviços de saúde como de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle. Como serviço essencial, dedução lógica é a de que devem ser observadas e cumpridas as normas vigentes, devendo um hospital ter organização e estrutura correlatas à sua condição, propiciando um atendimento adequado e satisfatório aos pacientes. Um hospital público de referência, ou seja, que deve atender pacientes oriundos de demanda expontânea e outros que lhe são encaminhados por outras unidades, estas sim sem condições de atender os casos mais complexos, não pode apresentar faltas gritantes de pessoal, de medicamentos, de materiais e de equipamentos, sob pena de pôr em risco a saúde e a vida desses pacientes, além de não cumprir, com a mínima eficiência, sua competência. E não se alegue, como certamente pretenderá a Administração Pública, a famosa série de dificuldades, como falta de interesse dos profissionais em trabalhar naquele local, ou burocracia administrativa (necessidade de concorrência pública) para justificar sua comprovada ineficiência. A lei garante ao administrador público, em casos de urgência, os meios e a necessária discricionariedade para, entre aqueles (meios) disponíveis, escolher o ou os que melhor e mais rapidamente atinjam o resultado exigido pela Lei. O que a Lei quer, neste caso, é o atendimento médico universal, integral, igualitário e eficiente, dentro da competência recebida, dentro do S.U.S, pelo Hospital Heliópolis. O modo como o Governo Estadual o fará não deve interessar ao Ministério Público ou ao Judiciário, desde que se atinja o resultado imediatamente e, obviamente, dentro dos limites legais. Portanto, nem se alegue que o Ministério Público ou o Judiciário estejam pretendendo governar, ou retirar do Governante a discricionariedade inerente à atividade administrativa. O que se pretende com esta ação é garantir o resultado previsto na Constituição e nas normas infra-constitucionais quanto ao serviço de saúde prestado pelo Hospital Heliópolis. Cabe ao Governo Estadual, dentro de sua liberdade regrada (discricionariedade), valer-se dos meios que tiver à mão para alcançá-lo. Por fim, não se deve descartar duas importantes conseqüências da negligência do Poder Público para com o Hospital Heliópolis: o desânimo que tal situação gera aos profissionais que lá trabalham, entre eles médicos residentes em início de carreira que, tolhidos na possibilidade de prestar o devido atendimento à população, passam a, intimamente, querer "livrar-se" dela, além do sucateamento de importante unidade de referência médica, dificilmente reversível, principalmente pelo alto custo financeiro. IV - DO PEDIDO Diante de todo o exposto, o Ministério Público do Estado de São Paulo requer a citação do ESTADO DE SÃO PAULO (FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE SÃO PAULO), na pessoa do Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado para que, querendo, conteste no prazo legal a presente ação, sob pena de suportar os efeitos da revelia (CPC, art. 319), que deverá, ao final, ser julgada inteiramente procedente, para condenar o ESTADO DE SÃO PAULO (Fazenda Pública Estadual de São Paulo) à obrigação de fazer, no prazo de noventa (90) dias, consistente na implantação de serviço de conserto, manutenção, revisão e calibragem permanente de todos os equipamentos do Hospital Heliópolis; disponibilização de todos os equipamentos, em quantidade e qualidade exigidos tecnicamente pela demanda do hospital; disponibilização de todos os medicamentos e materiais necessários ao atendimento integral dos seus pacientes; adequação de todos os ambientes do hospital às normas técnicas pertinentes ao serviço em questão; preenchimento total do quadro de funcionários, em todos os níveis, previstos para aquele hospital, sem prejuízo de superar-se esse número, em caso de comprovada necessidade, tendo em vista a dinâmica desse tipo de serviço público. Especificamente, podemos ainda destacar as seguintes obrigações de fazer: a.calibrar todos os equipamentos de monitoração de pacientes; b.consertar todos os equipamentos quebrados do hospital e providenciar manutenção permanente de todos os equipamentos; c.suprir todas as salas e ambientes do hospital com os equipamentos necessários a cada tipo de atendimento ali prestado; d.reabastecer o hospital com número suficiente de drogas anestésicas; e.ativar todas as salas do centro cirúrgico; f.compatibilizar o diâmetro dos catéteres com as respectivas agulhas de anestesia peridural; g.instalar exaustor de gases no centro cirúrgico; h.ancorar os cilindros de oxigênio em carrinhos ou na parede; i.providenciar baterias para que todos os desfibriladores funcionem também fora das tomadas, restaurando o sincronismo em todos eles, inclusive os do centro cirúrgico; j.suprir o ambiente de recuperação pós-anestésica de desfibrilador próprio, nas mesmas condições acima salientadas; k.preencher o quadro completo de enfermeiros do hospital; l.informatizar a recepção de pacientes no pronto socorro e designar um escriturário ou profissional semelhante, capacitado para esse tipo de serviço; m.suprir a equipe ortopédica de todo o material cirúrgico especializado necessário; n.colocar todos os equipamentos de emergência existentes em bom estado de funcionamento; o.obter tantos outros equipamentos de emergência (capnógrafo, oxímetro, cardioscópio etc) quanto necessários à demanda do hospital; p.suprir o hospital de todos os medicamentos padronizados; q.providenciar todos os recipientes de sabão líquido e dispensadores de toalhas de papel necessários a todos os conjuntos de lavagem de mãos; r.reparar todos os vazamentos e infiltrações de água do prédio; s.providenciar correta ventilação de todos os ambientes do hospital; t.retirar todos os revestimentos e superfícies que impeçam a perfeita higienização dos hambientes, trocando-os por superfícies laváveis, conforme padrões técnicos; u.providenciar todos os armários e gavetas necessários à guarda dos medicamentos; v.garantir a privacidade de atendimento em consultório a todos os pacientes; w.possuir funcionários treinados para utilização de todos os equipamentos que funcionem à noite ou durante os finais de semana; x.higienizar adequadamente todos os ambientes; y.instalar tomadas suficientes na sala de emergência; z.suprir o hospital de todo o material e insumos necessários ao seu perfeito funcionamento. Nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/95, requer-se seja o requerido condenado ao cumprimento das diversas obrigações de fazer supra-elencadas, determinando-se o cumprimento das atividades devidas sob pena de cominação de multa diária no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) em caso de descumprimento de qualquer das obrigações acima mencionadas (genérica ou especificamente), quantia que deverá ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo art. 13 daquela Lei. O atendimento de saúde em hospitais, por guardar estreita relação com a manutenção da vida humana, é sempre relevante e urgente. Diante da urgência reclamada pela espécie, aguarda-se pela concessão liminar da antecipação da tutela pretendida , nos termos do disposto no artigo 273, inciso I, do CPC e artigo 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, aplicável por força do art. 21 da Lei nº 7.347/85. A medida liminar urge e impera, porquanto o provimento da pretensão, a final, poderá ser inócuo para prevenir os danos causados à saúde pública, uma vez que a população destinatária está exposta aos riscos de um Hospital que deixa de prestar serviço de saúde adequado. Relevante é o fundamento da lide e presentes o "fumus boni juris" e o "periculum in mora". Presentes a aparência do bom direito e o perigo da demora. Conforme já foi exaustivamente ressaltado, a prestação do serviço de saúde é serviço de relevância pública, e por isso o requerido deve exercê-lo de modo apropriado aos usuários. A obrigação da prestação adequada desse serviço essencial deve ser cumprida plenamente e satisfazer a demanda. O perigo da demora também está suficientemente ressaltado nesta petição inicial. Existe justificado receio de ineficácia do provimento final, razão pela qual é preciso que seja concedida liminarmente e com urgência a tutela pleiteada. Há sério risco à vida e à saúde dos usuários, facilmente evitável se o Poder Público for compelido a atuar em prazo razoável. Requer-se, finalmente, seja oficiado de forma circunstanciada ao Conselho Regional de Medicina para, decorridos trinta (30) dias do término do prazo fixado, antecipadamente ou ao final, para o cumprimento das obrigações de fazer, seja providenciada visita para constatação do efetivo cumprimento da ordem judicial, sob pena de incidência da multa diária a ser fixada. Requer-se, por fim, que as intimações do Ministério Público sejam realizadas pessoalmente, na forma da lei, na rua Major Quedinho nº 90, Centro, São Paulo, ou em outro endereço em que esteja sediado este Grupo de Atuação Especial de Saúde Pública e da Saúde do Consumidor. Protesta-se pela produção de provas, por todos os meios admitidos em direito, sobretudo pela juntada de novos documentos e perícias, além de oitiva de testemunhas e peritos, caso se faça necessário. Em virtude de expressa previsão legal de dispensa de custas, tanto para o demandante quanto para o demandado, e da vedação constitucional ao recebimento de honorários advocatícios por parte do Ministério Público, deixa-se de se postular nesse sentido. Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Termos em que, P. e E. Deferimento. São Paulo, 21 de agosto de 2000. Cesar Pinheiro Rodrigues João Luiz Marcondes Junior Promotores de Justiça do Grupo de Atuação Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor – GAESP – Órgão de Execução do Ministério Público do Estado de São Paulo – Rua Major Quedinho, 90, 6º andar, Centro, São Paulo, tel. 256-2287.