Jurisprudência Corte Especial AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA N. 30-AM (2010/0157996-6) (f) Relator: Ministro Teori Albino Zavascki Requerente: Ministério Público Federal Requerido: Solange Maria Santiago Morais Advogado: Irineu de Oliveira e outro(s) Requerido: Benedito Cruz Lyra Advogado: Irineu de Oliveira e outro(s) EMENTA Ação de improbidade originária contra membros do Tribunal Regional do Trabalho. Lei n. 8.429/1992. Legitimidade do regime sancionatório. Edição de portaria com conteúdo correcional não previsto na legislação. Ausência do elemento subjetivo da conduta. Inexistência de improbidade. 1. A jurisprudência firmada pela Corte Especial do STJ é no sentido de que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza (Rcl n. 2.790-SC, DJe de 04.03.2010). 2. Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10. 3. No caso, aos demandados são imputadas condutas capituladas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 por terem, no exercício da Presidência REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de Tribunal Regional do Trabalho, editado Portarias afastando temporariamente juízes de primeiro grau do exercício de suas funções, para que proferissem sentenças em processos pendentes. Embora enfatize a ilegalidade dessas Portarias, a petição inicial não descreve nem demonstra a existência de qualquer circunstância indicativa de conduta dolosa ou mesmo culposa dos demandados. 4. Ação de improbidade rejeitada (art. 17, § 8º, da Lei n. 8.429/1992). ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar a ação de improbidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Eliana Calmon, Francisco Falcão e João Otávio de Noronha, e, ocasionalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi e o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. Convocados os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Raul Araújo e a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti para compor quórum. Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Rodrigo Alves Chaves. Brasília (DF), 21 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministro Teori Albino Zavascki, Relator DJe 28.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de ação de improbidade administrativa originária (fls. 03-11), proposta pelo Ministério Público Federal contra Solange Maria Santiago Morais e Benedito Cruz Lyra, juízes do Tribunal 20 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Regional do Trabalho da 11ª Região, objetivando a imposição das sanções previstas no art. 12, III, da Lei n. 8.429/1992. Proposta perante a 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, a ação veio a este Tribunal por força de decisão da Corte Especial, proferida no julgamento do AgRg na Rcl n. 2.115-AM (Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 16.12.2009 - fls. 907-915). Com a subida dos autos a esta Corte, o Ministério Público Federal em sua manifestação de fls. 931-946, suscitou, (a) preliminarmente, a incompetência desta Corte Superior para o julgamento originário da demanda; (b) e, subsidiariamente, seu regular prosseguimento. No julgamento do AgRg na AIA n. 30 (DJe de 10.02.2011), a Corte Especial indeferiu o pedido relativo à declaração de incompetência deste Tribunal. Foi interposto recurso extraordinário pelo Ministério Público Federal (fls. 996-1.015), o qual foi inadmitido (fls. 1.029-1.030). Essa decisão transitou em julgado em 09 de maio de 2011 (fl. 1.033). Afirmada a competência originária do STJ, cumpre proferir o juízo inicial de recebimento da ação, nos termos do art. 17, §§ 8º e 9º da Lei n. 8.429/1992. A petição inicial descreve os fatos nos seguintes termos: (...) III - DOS FATOS Trata-se de Representação n. 1.13.000.000750/2004-18 instaurada para apurar atos ilegais praticados pela Presidente do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região que caracterizam a ingerência indevida da requerida na atividade dos juízes de 1º grau do TRT/11ª Região. Consta da mencionada representação que a MM. Juíza Presidente e Corregedora do TRT/11ª Região, Dra. Solange Maria Santiago Morais, editou a Portaria n. 202 (fls. 322), com a finalidade de afastar do exercício de suas funções o Dr. Joaquim Oliveira de Lima, Juiz do Trabalho Substituto, no período de 06 a 12.03.2003, para que prolatasse quatro sentenças atrasadas relativas a processos da 3ª Vara do Trabalho de Manaus. No dia 08.09.2003, nova Portaria de n. 722 (fl. 322) foi editada, designando um auxiliar instituído para prolatar as sentenças que se encontravam atrasadas, uma vez que o Dr. Joaquim Oliveira de Lima não havia cumprido determinação da Portaria n. 202. E, ainda, editou uma terceira Portaria n. 814 (fl. 334) determinando o afastamento do Juiz do Trabalho Substituto, do dia 08.10.2003 ao dia 15.10.2003, para que o mesmo cumprisse definitivamente as pendências relativas aos processos das 3ª e 8ª Varas. Novamente, através da Portaria n. 855 (fl. 333) editada pelo MM. Juiz Benedito Cruz Lyra - Presidente em exercício do TRT da 11ª Região em 16.10.2003, foi prorrogado até o dia 19.10.2003 o afastamento do juiz substituto mencionado. E, RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 21 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pela quinta vez, a MM. Juíza Solange Maria Santiago Morais prorrogou até o dia 20.10.2003, por intermédio da Portaria n. 862 (fl. 332), os efeitos da supracitada Portaria n. 855. De acordo com a documentação apresentada, constata-se que o Juiz substituto mencionado foi afastado das sua funções por cinco Portarias, sendo quatro emitidas pela MM. Juíza Presidente e Corregedora do TRT da 11ª Região, e uma emitida pelo então Presidente do TRT-AM em exercício, MM. Juiz Benedito Cruz Lyra, sem a observância do princípio do devido processo legal, princípio este previsto na Constituição Federal. Houve, ainda, conforme consta na Representação, o afastamento sumário, do dia 07.10.2003 até 09.10.2003, da Juíza Substituta Ana Eliza Oliveira Praciano, em decorrência da Portaria n. 803 (fl. 18), motivada pelo fato de a magistrada ter deixado de prolatar 10 (dez) sentenças, relativas a processos da 13ª Vara do Trabalho de Manaus. Quando informada pela magistrada que as referidas sentenças já haviam sido prolatadas, ou seja, os motivos ensejadores da referida Portaria eram inexistentes, a Juíza Corregedora exigiu a emissão de uma certidão da Secretaria da 13ª Vara do Trabalho de Manaus, que atestasse a inexistência de sentenças a serem prolatadas. Somente no dia 09.10.2003, quando de posse do ofício enviado pela Secretaria da referida Vara, que atestava a inexistência do motivo que ensejou o afastamento da Juíza Substituta, a MM. Juíza Corregedora fez com que se publicasse nova Portaria revogando os efeitos da Portaria n. 803, ordenando a permanência da magistrada Ana Eliza Praciano como auxiliar da 2ª Vara do Trabalho de Manaus, conforme Portaria n. 780/2003 (fl. 19). Mais uma vez, no dia 20.01.2004, através da Portaria n. 51 (fl. 19), resolveu a Juíza Presidente e Corregedora afastar a Juíza Substituta Ana Eliza de Oliveira Praciano de suas funções, nos dias 21 e 22.01.2004, para que prolatasse quatro sentenças de embargos à execução, referentes a processos da 2ª Vara do Trabalho de Manaus. Não conformada com aquele afastamento, a MM. Juíza apenada interpôs recurso ordinário perante o Col. TST, obtendo em julgamento de cautelar incidental, o deferimento de medida liminar de suspensão do ato, em decisão do Min. José Luciano Castilho Pereira, que encontrava-se no exercício da Presidência. É de grande valia observar que, em seu despacho, o Ministro José Luciano argumentou que “como se observa pela leitura do artigo 42 da Loman, as únicas penas disciplinares admitidas são as de advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória e demissão”, concluindo que “verifica-se num exame apriorístico, como é próprio das liminares, que a citada Portaria sustentada na Resolução do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, impôs 22 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL à magistrada, ora requerente, penalidade sem respaldo legal, tornando-se dessa maneira, passível de reparos”. Na documentação apresentada, constata-se a intenção punitiva da magistrada ao emitir portarias de suspensão, uma vez que utilizou a expressão “puxão de orelha” para designá-las, conforme fl. 64. Tais irregularidades evidenciam a prática de atos de improbidade administrativa que violam princípios constitucionais da Administração Pública (...) (fls. 07-09). Os requeridos apresentaram suas manifestações por escrito (fls. 968-982), em conformidade com art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/1992. Alegam que: (a) não há amparo legal para aplicação da lei de improbidade administrativa em face de integrantes de Tribunal Regional do Trabalho, já que, por serem agentes políticos, somente podem ser “acusados de crime de responsabilidade”; (b) os atos não foram praticados com dolo, má-fé ou desonestidade, pois não tiveram qualquer intenção de contrariar a lei, bem assim, os princípios que regem a administração pública, tampouco objetivaram prejudicar, de qualquer maneira, os juízes. “Ao revés, (....) ficaram temporariamente desobrigados de exercitar as tarefas burocráticas da vara onde atuavam para se dedicar apenas a atualizar o seu trabalho de prolação de sentenças atrasadas”; (c) as Portarias foram editadas com base nos arts. 38, IX, do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região e 656, § 2º, da CLT, já que os juízes Ana Eliza e Joaquim Oliveira “estavam com diversas sentenças atrasadas, descumprindo expressamente o disposto no art. 35, II, da Loman”. Pedem, assim, a rejeição da petição inicial. O Ministério Público (fl. 1.035), por sua vez, reitera o pedido de recebimento da inicial nos termos do art. 17, § 9º, da Lei n. 8.429/1992. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Sem razão os requeridos quando sustentam que, por serem agente políticos - membros do Tribunal Regional do Trabalho -, não estão submetidos ao regime da Lei n. 8.429/1992, mas unicamente ao da Lei n. 1.079/1950, que trata de crimes de responsabilidade. Essa Corte Especial, na Rcl n. 2.790-SC, de que fui relator (DJe de 04.03.2010), deixou assentado que, excetuada a hipótese de RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 23 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA atos de improbidade praticados pelo Presidente da República, não há norma constitucional alguma que imunize os agentes públicos de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Na oportunidade, proferi voto nos seguintes termos: 1. Não está inteiramente pacificada no STF a questão relacionada com a legitimidade ou não do duplo regime sancionatório dos agentes políticos em decorrência de atos de improbidade. Em julgamento pioneiro sobre a aplicação ou não da Lei n. 8.429/1992 a Ministro de Estado, vingou no Supremo Tribunal Federal, por escassa maioria, o entendimento de que “o sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n. 8.429/1992), e o regime fixado no art. 102, I, c (disciplinado pela Lei n. 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados por agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição”, razão pela qual “somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos” (STF, Recl. n. 2.138, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 10.04.2008). A corrente contrária sustentou que a Constituição não impede, mas, ao contrário, admite expressamente (no § 4º do art. 37) a duplicidade de regime (civil e penal) para os ilícitos de improbidade. Ademais, nem todos os atos de improbidade previstos na Lei n. 8.429/1992 estão tipificados como crimes de responsabilidade pela Lei n. 1.079/1950, razão pela qual o duplo regime somente se configuraria, se proibido fosse, em relação às tipificações coincidentes, não quanto às demais. Mesmo para essa corrente, todavia, a aplicação da Lei n. 8.429/1992 deve ser mitigada em relação aos agentes políticos, para os quais não é admissível a imposição da sanção de perda do cargo ou de suspensão dos direitos políticos, ao menos em juízo de primeiro grau ou antes do trânsito em julgado. Relativamente a esses agentes, a referida Lei deve, portanto, ser adotada, mas com ablação dessas sanções. São ilustrativos desta polêmica, além dos votos proferidos naquele precedente e em outros julgados do STF, os que constam da ADI n. 2.860-0, Min. Pertence, DJ 19.12.2006. 2. Um ponto comum pode ser identificado nas duas correntes: implícita ou explicitamente, ambas reconhecem e procuram superar a perplexidade de submeter agentes políticos detentores dos cargos de maior nível institucional e de responsabilidade política do País (que, em matéria penal, têm foro por prerrogativa de função, mesmo por crimes que acarretam simples pena de multa pecuniária) à possibilidade de sofrerem sanção de perda do cargo ou 24 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL de suspensão de direitos políticos em processo de competência de juiz de primeiro grau. Ainda quando subordinada a aplicação da pena ao trânsito em julgado, o processo nem sempre teria condições de ser apreciado pelos Tribunais Superiores, cuja competência é restrita a hipóteses de ofensa à Constituição (STF) ou às leis federais (STJ), sendo-lhes vedado o reexame dos fatos da causa. Cada corrente dá a esse problema solução a seu modo: uma simplesmente imuniza os agentes políticos da aplicação da Lei de Improbidade e a outra afasta ou mitiga a aplicação das sanções mais graves, acima indicadas. Certamente por influência dessa preocupação comum, há nas duas correntes a invocação cumulativa de elementos argumentativos de natureza substancialmente diferente: fundamentos de ordem instrumental (regime de competência para julgar a ação de improbidade ou o crime de responsabilidade) são trazidos para sustentar conclusões de natureza material (duplicidade do regime jurídico do ilícito, sua tipificação e seus agentes). Percebe-se, outrossim, que disposições normativas infraconstitucionais, especialmente as da Lei n. 1.079/1950, são reiteradamente invocadas como elementos de argumentação para interpretar o sistema sancionador constitucional, invertendo, de certo modo, o sentido da hierarquia das normas, que deve ser vertical, mas de cima para baixo, e não o contrário. 3. Olhada a questão sob o ângulo exclusivamente constitucional e separados os elementos de argumentação segundo a sua natureza própria, é difícil justificar a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade (nos termos da Lei n. 1.079/1950 ou do Decreto-Lei n. 201/1967) estão imunes, mesmo parcialmente, às sanções do art. 37, § 4º, da Constituição. É que, segundo essa norma constitucional, qualquer ato de improbidade está sujeito às sanções nela estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos políticos. Ao legislador ordinário, a quem o dispositivo delegou competência apenas para normatizar a “forma e gradação” dessas sanções, não é dado limitar o alcance do mandamento constitucional. Somente a própria Constituição poderia fazê-lo e, salvo em relação a atos de improbidade do Presidente da República adiante referidos, não se pode identificar no texto constitucional qualquer limitação dessa natureza. 4. Realmente, as normas constitucionais que dispõem sobre crimes de responsabilidade podem ser divididas em dois grandes grupos: um que trata exclusivamente de competência para o processo e julgamento de tais crimes, estabelecendo foro por prerrogativa de função; e outro que dispõe sobre aspectos objetivos do crime, indicando condutas tipificadoras. Situado no primeiro grupo, o art. 52 estabelece que “compete privativamente ao Senado Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 25 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade”. Nos termos do art. 96, III, compete privativamente “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes (...) de responsabilidade (...)”. Segundo o art. 102, I, c, compete ao Supremo Tribunal Federal “processar e julgar, originariamente, (...) nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”. Nos termos do art. 105, I, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, “os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante Tribunais”. E, nos termos do art. 108, I, aos Tribunais Regionais Federais compete processar e julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, “os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, (...) e os membros do Ministério Público da União (...)”. Ora, não se pode identificar nessas normas do primeiro grupo – de natureza exclusivamente instrumental – qualquer elemento que indique sua incompatibilidade material com o regime do art. 37, § 4º, da Constituição. O que elas incitam é um problema de natureza processual, concernente à necessidade de compatibilizar as normas sobre prerrogativa de foro com o processo destinado à aplicação das sanções por improbidade administrativa, nomeadamente as que importam a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos. 5. O segundo grupo de normas constitucionais é o das que indicam o elemento objetivo da conduta caracterizadora do crime de responsabilidade. A teor do § 2º do art. 29-A, “constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: I - efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo; II - não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III - enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária”. E, nos termos do § 3º do mesmo artigo, “constitui crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito ao § 1º deste artigo”, segundo o qual “a Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores”. No caput do art. 50 tipifica-se como “crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada” de comparecimento de Ministro de Estado ou de “quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República” quando convocados pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, para “prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado”. Essas mesmas autoridades, a teor § 2º do mesmo art. 50, cometem crime de responsabilidade com “a recusa, ou o não atendimento, 26 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas”, em face de pedidos de informações feitos pelas Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. No art. 85, estabelece a Constituição que “são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais”. Segundo o § 6º do art. 100, “o Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade”. E, finalmente, no § 1º do art. 167 está determinado, “sob pena de crime de responsabilidade”, que “nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão (...)”. Como se percebe, a única alusão a improbidade administrativa como crime de responsabilidade, nesse conjunto normativo do segundo grupo, é a que consta do inciso V do art. 85, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados pelo Presidente da República contra a “probidade na administração”, dando ensejo a processo e julgamento perante o Senado Federal (art. 86). Somente nesta restrita hipótese, conseqüentemente, é que se identifica, no âmbito material, uma concorrência de regimes, o geral do art. 37, § 4º, e o especial dos arts. 85, V, e 86. É certo que não se pode negar ao legislador ordinário a faculdade de dispor sobre aspectos materiais dos crimes de responsabilidade, tipificando outras condutas além daquelas indicadas no texto constitucional. É inegável que essa atribuição existe, especialmente em relação a condutas de autoridades que a própria Constituição, sem tipificar, indicou como possíveis agentes do crime. Todavia, no desempenho de seu mister, ao legislador cumpre observar os limites próprios da atividade normativa infraconstitucional, que não o autoriza a afastar ou a restringir injustificadamente o alcance de qualquer preceito constitucional. Por isso mesmo, não lhe será lícito, a pretexto de tipificar crimes de responsabilidade, excluir os respectivos agentes das sanções decorrentes do comando superior do art. 37, § 4º. 6. O que se conclui, em suma, é que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (sujeitos, por força da própria Constituição, a regime especial), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria igualmente incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. O que há, inegavelmente, é uma situação de natureza estritamente processual, que nem por isso deixa de ser sumamente importante no âmbito institucional, relacionada com a competência para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas podem RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 27 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e à suspensão de direitos políticos. Essa é a real e mais delicada questão institucional que subjaz à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes políticos. Ora, a solução constitucional para o problema, em nosso entender, está no reconhecimento, também para as ações de improbidade, do foro por prerrogativa de função assegurado nas ações penais. Cumpre registrar, ademais, que o fato aqui imputado aos requeridos, Juízes de Tribunal Regional do Trabalho, não encontra tipificação como crime de responsabilidade. A disposição normativa de tipificação de membro de Tribunal de segundo grau é a do art. 39-A, parágrafo único da Lei n. 1.079, de 10 de abril de 1950, que se refere a desembargador como sujeito ativo e que remete aos crimes contra lei orçamentária, os quais, por sua vez, somente podem ser praticados pelo Presidente e respectivo substituto quando no exercício da Presidência do Tribunal. 2. Todavia, no caso, não há como superar positivamente o juízo de admissibilidade da ação. A jurisprudência pacificada no âmbito da 1ª Seção, que julga recursos da espécie, acompanhando entendimento maciço da doutrina especializada (v.g.: “Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência”, Fábio Medina Osório, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007; “Improbidade Administrativa”, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 296-299), enfatiza o entendimento de que não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, razão pela qual é indispensável, para a sua caracterização, que a conduta do agente seja dolosa (condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992), ou pelo menos eivada de culpa grave (condutas do artigo 10). Nesse sentido: ERes n. 479.812, 1ª Seção, de minha relatoria, DJ de 27.09.2010; EREsp n. 917.437, 1ª Seção, Min. Castro Meira, DJ de 22.10.2010; REsp n. 827.445, 1ª T., de minha relatoria, DJ de 08.03.2010; REsp n. 734.984-SP, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp n. 479.812-SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp n. 842.428-ES, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp n. 841.421-MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp n. 658.415-RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp n. 626.034-RS, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; e REsp n. 604.151-RS, de que fui relator para o acórdão, DJ de 08.06.2006, com a seguinte ementa: 28 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Administrativo. Improbidade. Lei n. 8.429/1992, art. 11. Desnecessidade de ocorrência de prejuízo ao erário. Exigência de conduta dolosa. (...) 2. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade administrativa à noção de desonestidade, de má-fé do agente público. Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a configuração de improbidade por ato culposo (Lei n. 8.429/1992, art. 10). O enquadramento nas previsões dos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade, portanto, não pode prescindir do reconhecimento de conduta dolosa. 3. Recurso especial provido. Em voto de relator nos ERes n. 479.812, 1ª Seção, DJ de 27.09.2010, acompanhado por unanimidade, registrei: Realmente, o princípio da legalidade impõe que a sanção por ato de improbidade esteja associada ao princípio da tipicidade. Reflexo da aplicação desses princípios é a descrição, na Lei n. 8.429, de 1992, dos atos de improbidade administrativa e a indicação das respectivas penas. Tais atos estão divididos em três grandes “tipos”, cujos núcleos centrais estão assim enunciados: “(...) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei” (art. 9º); ensejar, por “qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa (...),” a “perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei” (art. 10); e violar, por “qualquer ação ou omissão (...)”, “os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições” (art. 11). Apenas para as condutas do art. 10 está prevista a forma culposa, o que significa dizer que, nas demais, o tipo somente se perfectibiliza mediante dolo. A tal conclusão se chega por aplicação do princípio da culpabilidade, associado ao da responsabilidade subjetiva, por força dos quais não se tolera responsabilização objetiva nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas meramente culposas. O silêncio da lei, portanto, tem o sentido eloqüente de desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9º e 11. Deve-se considerar, a propósito, que o § 6º do art. 37 da Constituição, ao estatuir a regra geral da responsabilidade civil objetiva do Estado, preservou, quanto a seus agentes causadores do dano, a responsabilidade de outra natureza, subordinada a casos de dolo ou culpa. Sua responsabilidade objetiva, em conseqüência, demandaria, no mínimo, previsão normativa expressa, que, ademais, dificilmente se compatibilizaria com a orientação sistemática ditada pelo preceito constitucional. Não é por acaso, portanto, que, no âmbito da Lei n. 8.429/1992 (editada com o objetivo de conferir maior efetividade aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 29 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA eficiência, inscritos no caput do mesmo dispositivo da Constituição), há referência a “ação ou omissão, dolosa ou culposa” no art. 5º, que obriga ao ressarcimento do dano, em caso de lesão ao patrimônio público, e no art. 10, que descreve uma das três espécies de atos de improbidade, qual seja a dos atos que causam prejuízo ao erário. O silêncio da lei com respeito ao elemento subjetivo na descrição dos outros dois tipos de atos de improbidade - os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º) e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11) - certamente não pode ser interpretado como consagração da responsabilidade objetiva, diante de sua excepcionalidade em nosso sistema. Trata-se de omissão a ser colmatada a luz do sistema e segundo o padrão constitucional, que é o da responsabilidade subjetiva. 3. Pois bem. A presente ação de improbidade administrativa imputa a membros do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Solange Morais e Benedito Lyra) a prática do ilícito previsto no art. 11, I da Lei n. 8.429/1992 (“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”). Alegou-se que a requerida Solange Maria editou a Portaria n. 202 de 25 de fevereiro de 2003 (fl. 636), do seguinte teor: A Presidente e Corregedora do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, no uso de suas atribuições legais e regimentais, e Considerando que compete ao Presidente do Tribunal, na qualidade de Corregedor, exercer vigilância sobre o cumprimento dos deveres e sobre os prazos para prolação da sentença (art. 22, X. do Regimento Interno); Considerando, ainda, que o Exmo. Sr. Dr. Joaquim Oliveira de Lima, Juiz do Trabalho Substituto, deixou de prolatar sentenças em 4 (quatro) processos, cujas publicações encontram-se em atraso; Resolve Determinar o afastamento do Exmo. Sr. Dr. Joaquim Oliveira de Lima, Juiz do Trabalho Substituto, de suas funções, no período de 06 a 12.03.2003, especificamente para prolatar as 4 (quatro) sentenças atrasadas e relativas a processos da 3ª Vara do Trabalho de Manaus. Dê-se ciência. Publique-se. Solange Maria Santiago Morais Juíza Presidente do TRT da 11ª Região. 30 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Nessa linha, alegou-se que foram editadas as demais Portarias, de conteúdo semelhante, indicadas na inicial. À exceção da Portaria n. 855, assinada pelo requerido Benedito Lyra (no exercício da Presidência do TRT), todas foram editadas pela requerida Solange Morais, então presidente e corregedora daquele Tribunal, a saber: (a) Portaria n. 722 de 08 de setembro de 2003 (fl. 638): designa o magistrado Joaquim Oliveira para “auxiliar na 8º Vara de Manaus, no período de 09 a 18.09.2003, especificamente para prolatar as sentenças atrasadas e relativas a processos da 8ª Vara do Trabalho de Manaus” (fls. 638-642); (b) Portaria n. 814 de 08 de outubro de 2003 (fl. 645): determina o afastamento do juiz Joaquim Oliveira, “de suas funções, a partir das 9h30min do dia 08.10, até o dia 15.10.2003, para solucionar definitivamente as pendências relativas a processos das MM 8ª e 3ª Vara do Trabalho de Manaus”; (c) Portaria n. 855 de 16 de outubro de 2003 (fl. 646): prorrogou até o dia 19.10.2003 os efeitos da Portaria n. 814, “para solucionar definitivamente as pendências relativas a processos das MM 8ª e 3ª Varas do Trabalho de Manaus”; (d) Portaria n. 862 de 20 de outubro de 2003 (fl. 648): prorrogou até o 20.10.2003, mais uma vez, os efeitos da Portaria n. 814, “para solucionar definitivamente as pendências relativas a processos das MM 3ª Vara do Trabalho de Manaus”. (e) Portaria n. 803 (fl. 32): determina o afastamento da magistrada Ana Eliza Oliveira Praciano, “de suas funções, no período de 07 a 09.10.2003, especificamente para prolatar as 10 (dez) sentenças atrasadas e relativas a processos a 13ª Vara do Trabalho de Manaus”; e (f ) Portaria n. 51 de 20 de janeiro de 2004 (fl. 33-34): também determina o afastamento da juíza Ana Eliza, “de suas funções, nos dias 21.01 e 22.01.2004, especificamente para prolatar as 4 (quatro) sentenças de embargos à execução atrasadas e relativas a processos da 2ª Vara do Trabalho de Manaus”. Ora, a petição inicial, embora enfatize a ilegalidade dessas Portarias, em nenhum momento afirma ter havido conduta dolosa de parte dos demandados. No concernente ao elemento subjetivo da conduta, limitou-se o Ministério Público a referir que, ao editarem essas Portarias “para prolação de sentenças atrasadas”, os demandados intencionalmente aplicaram uma pena disciplinar - “uma vez que foi utilizada a expressão ‘puxão de orelha’” - não prevista no rol taxativo do art. 42 da LC n. 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e, assim agindo, “os magistrados ampliaram o rol de espécies de sanção punitiva para magistrados que porventura possuam pendências processuais”, com esses atos, “violaram um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 31 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA o da legalidade, uma vez que não observaram a determinação contida na lei (...) esse princípio significa que todo o administrador está, no exercício de sua atividade funcional, vinculado aos dispositivos legais, sob pena de prática de ato inválido” (fl. 10). Como se percebe, o fundamento da demanda tem relação com juízo sobre a legalidade do ato praticado, não com a improbidade da conduta de quem o praticou. Na verdade, cumpria ao autor da ação descrever de forma clara e verossímil que a conduta dos agentes foi movida, não com a intenção indicada nas Portarias, mas com a má intenção de desvirtuar dolosamente os princípios constitucionais que regem a administração da justiça. Nada disso consta da inicial, nem se pode deduzir da narrativa dos fatos. Pelo contrário, cumpre registrar que o próprio Pleno do Tribunal editou a Resolução Administrativa n. 129-A de 21 de outubro de 2003 (posterior à edição de algumas das Portarias objeto da ação de improbidade), “por unanimidade de votos”, em que resolveu manter “as providências tomadas pela Exma. Juíza Solange Maria Santiago Morais, Presidente e Corregedora do Tribunal, com relação ao atraso de sentenças e andamentos de processos, até que se esgotem suas funções como Corregedora” (fl. 616). Posteriormente, na sessão administrativa ocorrida no dia 13 de janeiro de 2004, o Pleno do Tribunal - considerando “o que ficou estabelecido na Resolução Administrativa n. 129-A/2003”, “que a Exma. Sra. Juíza Ana Eliza Oliveira Praciano se encontra com 8 (oito) sentenças em atraso desde o dia 19.12.2003, conforme informações da 2ª VT de Manaus” e “que a Exma. Sra. Juíza Presidente deu conhecimento ao Tribunal Pleno que a prolação das referidas sentenças vem sendo adiada desde o dia 30.10.2003 e que foi adiada mais uma vez para o dia 16.01.2004” (...) -, resolveu “autorizar que a Presidência tome as medidas cabíveis, quanto à regularização das aludidas sentenças” (Resolução Administrativa n. 13/2004 - fl. 719). Em suma: os atos praticados pelos demandados foram, direta ou indiretamente, chancelados pelos membros do TRT da 11ª Região que participaram das referidas sessões administrativas. Sinale-se que não foi colocada em dúvida a idoneidade da conduta desses demais integrantes daquele Tribunal. Em suma: o que a petição inicial descreve é, simplesmente, a prática de atos eivados de ilegalidade, não a prática de atos de improbidade. Ora, a ilegalidade, ainda que existente, por si só não autoriza a instauração de ação destinada a aplicar as severas sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992 para condutas eivadas de improbidade. 4. Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar a ação, nos termos do art. 17, § 8º, da Lei n. 8.429/1992. É o voto. 32 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL AÇÃO PENAL N. 565-TO (1999/0104851-6) Relatora: Ministra Eliana Calmon Autor: Ministério Público Federal Réu: Carlos Luiz de Souza Advogado: Haroldo Carneiro Rastoldo EMENTA Processual Penal. Ação penal originária. Delito de peculatodesvio. Art. 312, caput, do Código Penal. Elemento subjetivo do tipo não demonstrado. Denúncia rejeitada. 1. O MPF atribui ao denunciado a conduta de, no exercício do cargo de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins, ter desviado, em proveito de empresa particular, valor referente a honorários contratados com a finalidade de custear projeto de construção da sede da referida Corte Eleitoral. 2. Dos elementos de prova colhidos nos autos, tem-se que o denunciado tomou todas as cautelas que estavam a seu alcance para apurar o efetivo valor devido à empresa, não havendo indícios suficientes para fundamentar um juízo positivo de admissibilidade da exordial acusatória oferecida contra o acusado. 3. Denúncia rejeitada, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. A Corte Especial, por unanimidade, rejeitou a denúncia, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Raul Araújo, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedida a Sra. Ministra Laurita Vaz. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 33 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo para compor quórum. Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Cleber Lopes de Oliveira. Brasília (DF), 18 de maio de 2011 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministra Eliana Calmon, Relatora DJe 02.09.2011 RELATÓRIO A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, da lavra do Subprocurador-Geral da República Moacir Mendes de Sousa, nos seguintes termos: O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República in fine assinado, em atenção ao respeitável despacho de fls. 1.372 e com base na NC n. 159-TO em anexo, oferece denúncia contra 1. Carlos Luiz de Souza, brasileiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, com endereço no Palácio da Justiça Rio Tocantins, Praça dos Girassóis, s/n., Palmas-TO; 2. Renato Cintra, brasileiro, casado, funcionário público federal aposentado, residente e domiciliado na cidade de Palmas-TO; 3. Francisco Augusto Ramos, brasileiro, separado judicialmente, analista judiciário, natural de Propriá-SE, residente na Alameda 12, Casa 37, Quadra 108 Norte, Palmas-TO; 4. Pedro Lopes Júnior, brasileiro, casado, inscrição no Crea-SP n. 76.712D, residente e domiciliado na ARSE 13 QI J, Lote 02, Alameda 12, Palmas-TO; 5. Edison Eloy de Souza, brasileiro, casado, solteiro, arquiteto, com endereço residencial e comercial na Rua dos Chanés, 425, Moema, São Paulo-SP, pelos fatos a seguir descritos: O denunciado Carlos Luiz de Souza, contratou os serviços da empresa Modulor para elaboração do Projeto Arquitetônico do Edifício-Sede do TRE-TO, com dispensa de licitação sem observância das formalidades legais, previstas no artigo 25, c.c artigo 13 da Lei n. 8.666/1993, tendo, de outro lado, com o auxílio dos denunciados Renato e Francisco, pago o preço superfaturado, visto que 34 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL em valor correspondente ao dobro do previsto para o aludido serviço, com o que desviaram, em proveito alheio, no caso, em benefício da Modulor, dinheiro público de que tinham a posse em razão do cargo, no valor de R$ 83.995,72 (oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e dois centavos). Os denunciados Pedro Lopes Júnior e Edison Eloy de Souza, sócios e administradores da empresa Modulor, concorrendo, comprovadamente, para a contratação dos serviços com a indevida dispensa de licitação, beneficiaramse com a irregular celebração do contrato com o Poder Público, além de terem recebido o valor correspondente ao que foi desviado dos cofres públicos, pelos três primeiros denunciados. As condutas delituosas ocorreram do seguinte modo: Os autos dão notícia de que no ano de 1994, o então Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins, Desembargador Amado Cilton Rosa, foi advertido pelo TSE de que se não houvesse a elaboração do Projeto Arquitetônico do Edifício-sede do TRE-TO naquele ano, seria impossível a inclusão de verbas para a construção da referida sede do Tribunal no Orçamento de 1995. Verificando a impossibilidade de realizar a contratação do arquiteto para a realização do serviço, o então Presidente da Corte Regional Eleitoral fez expedir o Ofício n. 589/94-PR, de 05.08.1994, ao então Governador do Estado, Moisés Avelino, solicitando que lhe fornecesse o Projeto, o que fez acreditando que o atendimento do pleito seria efetuado mediante a execução do serviço por técnicos do quadro de pessoal do ente federativo. No âmbito do Poder Executivo, foi deflagrado procedimento licitatório, na modalidade Convite n. 583/94 - DEOCI, visando à elaboração do projeto completo para o Edifício-sede do TRE-TO, com área de 3.900 m², habilitando-se as empresas Modulor Arquitetura para a Vida S/C Ltda, Design Projetos e Execução e Colombo e Mariucci Eng. e Construções Ltda, sendo vencedora a Modulor, que cotou o preço de R$ 71.483,60 (fl. 1.038-1.041), homologado pelo despacho de fls. 1.054, do Secretário de Estado da Infra-estrutura, em 06 de setembro de 1994. Para realização dos serviços, foi celebrado o contrato entre a Secretaria Estado da Infra-estrutura Departamento de Obras - e a empresa Modulor Arquitetura para a Vida S/C Ltda (fls. 1.058-1.065). O valor foi empenhado, conforme Nota de Empenho n. 006800000, emitida em 11 de novembro de 1994 e firmada pelo Secretário de Estado, pelo Chefe da Seção de Empenho e pelo Coordenador de Finanças (fls. 1.057), sendo emitida Ordem de Serviço na mesma data (fls. 1.065). Houve um Termo Aditivo ao contrato, no valor de R$ 14.894,72, decorrente do acréscimo de área de 500 m² e Projeto de Ar Condicionado (fls. 1.071-2), sendo emitido um segundo Empenho n. 0118.00000, em 20.12.1994, de tal valor. Conforme visto às fls. 1.081. Os representantes da empresa Modulor, quarto e quinto denunciados, apresentaram ao TRE-TO um Anteprojeto do Edifício-Sede, o qual foi submetido à apreciação do Plenário pelo então Presidente Amado Cilton Rosa, sendo que, na oportunidade, os demais Membros do Tribunal e o Procurador-Regional RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 35 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Eleitoral apresentaram sugestões, que importaram em modificações do que havia sido projetado, tendo a referida empresa apresentado um novo Anteprojeto com as alterações sugeridas, o qual restou aprovado pelo Plenário, na sessão extraordinária do dia 10.11.1994 (fls. 801). O anteprojeto foi encaminhado ao Secretário de Administração, em 18.11.1994, para a realização das respectivas medições, feitas conforme relatório de fls. 1.068, sendo elaborada a planilha de pagamento (fls. 1.069). Tempo depois, o Diretor-Geral do TRE-TO, Wandelmir Rodrigues de Oliveira, informou ao então Presidente que os Representantes da empresa Modulor o procuraram solicitando o auxílio para interceder junto ao Estado para a viabilização do pagamento do serviço executado, sendo que a entrega do Projeto dependia apenas do cumprimento da obrigação pecuniária, ao que decidiu o Presidente não adotar qualquer medida nessa direção, sob o argumento de que a contratação se havia efetivado entre o Estado e a empresa, além do que já estava chegando ao final de seu mandato, esclarecendo, no entanto, que o TRETO encaminhou ao Senhor Governador do Estado, José Wilson Siqueira Campos, o Ofício n. 147/95-GP de 17 de março de 1995, firmado pelo então Presidente da Corte, Desembargador Liberato Póvoa, reiterando pedido de pagamento à empresa Modulor para que fossem liberadas as plantas, registrando não ter feito contratação com a empresa Modulor a não ser aquela relativa à confecção da maquete do Edifício-sede, cujo valor pago foi o de apenas CR$ 2.240,00, serviço este que foi contratado pelo então Diretor-Geral do Tribunal, Waldemir Rodrigues de Oliveira, precedido de consulta de preço junto a três empresas do ramo (fl. 552-554). Com o término do mandato do então Presidente Liberato Póvoa, assumiu a Presidência, o primeiro denunciado, Des. Carlos Luiz de Souza, no ano de 1996. Em 06 de dezembro de 1996, exarou despacho determinando que os arquitetos Pedro e Edison Eloy apresentassem o Projeto de Construção do Edifício-sede do TRE-TO, cujo anteprojeto já havia sido aprovado, em sessão Plenária, na gestão anterior (fls. 0103). Em 14 de novembro de 1996, o quarto denunciado Pedro Lopes, encaminhou correspondência ao primeiro denunciado informando que os projetos estavam praticamente prontos e que se tratava de “um projeto com 4.995,50 metros quadrados que, nos moldes de preço mínimo indicado pela Fundação Getúlio Vargas para o índice nacional de custos da construção civil, região Norte, em edifícios deste porte, estão estabelecidos a Quatrocentos e vinte e três reais e setenta e cinco centavos (R$ 423,75), por metro quadrado, totalizando em valores de outubro de 1996 em cento e sessenta e sete mil e novecentos e noventa e hum reais e quarenta e quatro centavos (R$ 167.991,44) correspondendo a oito por cento (8%) do valor estimado da obra. Em função de que os projetos estão prontos e para que nosso prejuízo não seja tanto, comprometemo-nos a entregar os projetos por estes valores mínimos. No aguardo de vossa manifestação, 36 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL externamos protestos de estima. Atenciosamente.” (fls. 105). Diante disso, o primeiro denunciado, à consideração de se tratar de anteprojeto já aprovado pelo Tribunal Pleno daquela Corte Eleitoral e sem o pagamento dos honorários relativos á sua elaboração, determinou a celebração do contrato e pagamento do serviço com dispensa de licitação, desprezando por completo aquele que havia sido realizado no âmbito do Poder Executivo, sob o fundamento de tratar-se de “profissionais especializados, isto é, que o seu nome tenha projeção fora de certos limites territoriais, que se não possa reunir com facilidade a sua área de atuação”. (fls. 912). Verifica-se, todavia, que os serviços contratados poderiam ser realizados por qualquer empresa que se dedicasse à elaboração de projetos arquitetônicos, tanto assim que no processo licitatório levado a efeito no âmbito do Poder Executivo e desprezado pelo primeiro denunciado, outras empresas concorreram ao certame Design e Colombo (fls. 1.053). Noutra vertente, segundo já havia noticiado nos autos e registrado no próprio despacho que ratificou a dispensa ou inexigibilidade de licitação, houve subcontratação, pela empresa Modulor a outras empresas, de grande porte dos serviços contratados pelo TRE-TO, o que não evidencia nem a singularidade do objeto nem a notória especialização dos profissionais, descumprindo-se, desse modo, o § 3º do artigo 13, da Lei n. 8.666/1993, haja vista que “A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato”. Assim, o primeiro denunciado, deliberadamente, realizou contrato de prestação de serviço de alto valor, com dispensa de licitação, quando esta era imprescindível, fazendo-o para encobrir as irregularidades constatadas no processo, pois chegou a afirmar, no próprio despacho que ratificou a dispensa de licitação, que as formalidades previstas na Lei n. 8.666/1993 não foram observadas. O dolo, no caso, é genérico e resulta da livre vontade de realizar a conduta fora das determinações legais, em prejuízo do erário público, perfeitamente demonstrado, tendo em vista que as contas do primeiro denunciado foram desaprovadas pelo TCU, obrigando-o a ressarcir o erário público do dano causado. Não satisfeito com a ilegal conduta de determinar a contratação de serviço sem a necessária licitação, com o auxílio dos segundo e terceiro denunciados, pagou preço superfaturado pela elaboração do Projeto. Como já demonstrado, participando do certame licitatório deflagrado pelo Governo do Estado para elaboração do projeto Arquitetônico do Edifício-sede do TRE-TO, a empresa Modulor, vencedora do concurso, cotou o preço do serviço em R$ 71.483,60. Como ocorreu acréscimo de área e posterior elaboração de Projeto de Ar condicionado, houve um aditivo no valor de R$ 14.674,72. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 37 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Pois bem. Embora o preço do serviço tenha sido inicialmente cotado pela própria Modulor em R$ 86.158,32 para uma área de 4.400 m², que elaborou o Projeto e o submeteu à aprovação do TRE-TO, em novembro de 1994, o primeiro denunciado deliberou por pagar, praticamente, pelo mesmo serviço - a área prevista no segundo contrato era de 4.955,50 m² - a importância de R$ 167.991,44. Pelo projeto que já havia sido elaborado ao preço de R$ 86.156,32, o primeiro denunciado determinou o pagamento de R$ 167.991,44. Não bastasse isso, ainda pagou por serviço não prestado. De fato. Segundo o que foi contratado, a empresa Modulor prestaria serviços de estudos e projetos, ou seja, a elaboração do Projeto Arquitetônico do Edifíciosede do TRE-TO que, segundo a Tabela de Honorários da FAEASP, utilizada pelos contratantes, deveriam ser remunerados à razão de 40% dos valores totais de honorários previstos para uma obra do porte do TRE-TO, ou seja, 10% do toral da obra, nos termos dos artigos 12 e 13 da aludida Tabela. Assim, se o valor total da obra era de R$ 2.099.893,10, o valor dos serviços de estudos e projetos prestados pela Modulor seria de R$ 83.995,72. Esta foi a conclusão do Acórdão n. 342/2007 - TCU - 1ª Câmara, verbis: Em verdade, a questão é muito simples. O valor dos serviços foi calculado com base no art. 12 da Tabela da Faeasp, sem levar em conta o art. 13 do mesmo instrumento (fls. 74-5). Foi esse deslize que causou o pagamento em dobro. Senão vejamos: O art. 12 da mencionada tabela preleciona, litteratim: artigo 12 - As taxas de honorários atinentes às classe I e II do art. 2º (arquitetura e construção civil), quando calculadas em função do custo previsto ou efetivo das obras ou serviços, obedecem ao critério adiante: Até 70 vezes o salário mínimo 19% 38 No montante de 175 “ 16% “ 350 “ 15% “ 560 “ 14% “ 930 “ 13% “ 1.400 “ 12% “ 2.500 “ 11% “ 3.500 “ 10,5% acima de 5.250” 10% Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O mencionado art. 13 assim dispões: Artigo 13 - Dos honorários totais, fixados no art. 12, que se refiram a trabalhos completos, cabem: § 1º - Para obras de serviços e arquitetura de construção civil: Estudos e projetos a- Estudo preliminar.......................... 3% b- Anteprojeto e estimativa........... 8% c- Projeto e memorial....................... 8% d- Detalhes de execução..................12% e- projetos complementares.......... 3% f- Projetos estruturais........................ 5% g- Especificação e orçamento.........1% Execução das Obras a- Direção e Administração............. 50% b- Controle de fornecimentos........ 5% c- Controle contábil............................ 5% É óbvio concluir que como os serviços prestados pela Modulor referiamse apenas ao grupo estudos e projetos, deveriam ter sido remunerados à razão de 40% dos Valores totais de honorários previstos para uma obra do porte do TRE-TO (10% do total da obra). Ora, se a remuneração por estudos e projetos era de 40% do total possível de ser cobrado - 10% - logo, aritmeticamente, seria de 4% do total do valor estimado para a obra (R$ 2.099.893,10) - o que resulta no valor de R$ 83.995,72. Desse modo, como o valor pago foi de R$ 167.991,44, concluímos que houve prejuízo aos cofres públicos, por pagamento a maior dos serviços prestados pela Modulor Arquitetura para a Vida, no valor de R$ 83.995,72. O responsável pagou e a empresa Modulor recebeu por serviços não prestados - execução de obras - visto que sua atuação se deu apenas na área de estudos e projetos. Cumpre ressaltar que os cálculos foram feitos com base na própria tabela utilizada pelo responsável. Não há interpretação, inferência, dedução ou comparação com outras. Pura e simplesmente a aplicação da tabela (fls. 1.291-1.292). RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 39 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Como demonstrado, o primeiro denunciado, deliberadamente, pagou a maior por serviços contratados e, o que é pior, não prestados, desviando, desse modo, dinheiro público, em benefício de terceiros, no valor de R$ 83.995,72. A Nota de Empenho n. 96NE00686, emitida em 29 de novembro de 1996, no valor de R$ 167.991,44, foi firmada pelo primeiro denunciado (fls. 749), tendo também firmado o Contrato de Prestação de Serviços de fls. 750-754. De seu turno, o segundo denunciado, que assumiu a função de Diretor-Geral do TRE-TO em meados de março de 1996, permanecendo no cargo até fevereiro de 1997, contribuiu efetivamente para a consumação da conduta, pois, segundo consta, foi quem diz ter realizado pesquisa de mercado para subsidiar a fixação do preço do serviço, pois, quando chamado a se manifestar sobre os valores cobrados pela Modular, dirigiu-se ao CREA-TO, onde obteve a informação de que o percentual de 8% calculado sobre o total da obra estava dentro da tabela, emitindo Parecer informando que aquela quantia se enquadrava na média do mercado (fl. 0131-0132), desprezando completamente o quanto determinado nos artigos 12 e 13 da Tabela FAEASP, utilizada nos cálculos, sendo certo que emitiu a informação que motivou o despacho do Desembargador Presidente que reconheceu e ratificou a inexigibilidade da licitação (fl. 1.335). A participação do terceiro denunciado nos fatos decorreu de sua condição de Secretário de Administração e Orçamento do TRE-TO, tendo em vista que assinou, juntamente, com o primeiro denunciado, a Nota de Empenho para o pagamento à Modulor (fls. 749), circunstância que criou a obrigação à Corte Regional Eleitoral de efetuar dispêndio financeiro indevido em benefício da empresa prestadora do serviço, quando deveria ter verificado a regularidade dos valores empenhados, em razão de suas atribuições funcionais, a despeito de eventualmente ter-lhe chegado às mãos já com a assinatura do Presidente do TRE-TO, não se tendo havido com a recomendável e necessária diligência no sentido de ter evitado o pagamento irregular que veio a ser concretizado, mesmo deste tendo ciência, conforme se acha relatado no seu depoimento prestado à Procuradoria da República no Estado do Tocantins, em referência feita no Acórdão do TCU (fl. 1.330). Os quarto e quinto denunciados, na condição de sócios da empresa Modulor Arquitetura para a Vida S/C Ltda, celebraram com o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins o “contrato de prestação de serviço técnico especializado na área da construção civil objetivando a realização de projeto do prédio que constituirá a sede própria do TRE-TO”, tendo-se beneficiado indevidamente da dispensa de licitação, sendo que, em decorrência, recebeu o valor superfaturado pelos serviços contratados, completamente dissociado do quando recomendado pela Tabela de honorários da FAEASP, pois foi remunerado como se tivesse executado obra quando, na verdade, prestou apenas serviço de estudos e projetos. O fato é que a ação conjunta de todos os envolvidos contribuiu para que a Instituição Pública celebrasse irregularmente contrato de prestação de serviços 40 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL visando fosse elaborado Projeto arquitetônico para a construção do Edifício-sede do TRE-TO, com dispensa de licitação, quando a situação assim o exigia, tanto que no âmbito da Administração Estadual o processo licitatório se fez instalar, a despeito de ter sido, posteriormente, desconsiderado, tudo levando a crer que se deveu ao não pagamento dos serviços originariamente contratados pelo Estado, para atender pedido do próprio Tribunal Regional Eleitoral. Não fosse isso bastante, por ocasião do pagamento dos serviços contratados, os cálculos dos valores devidos foram realizados com base em parâmetros não condizentes com a própria tabela de honorários profissionais utilizada (tabela da FAEASP), provocando erro no valor efetivamente dispendido - R$ 167.991,44, quando deveria ter sido a metade, ou seja, R$ 83.995,72 - com evidente prejuízo para os cofres públicos, conforme reconhecido pelas decisões proferidas pelo TCU às fl. 1.286-1.306 (Acórdão n. 3.860/2007) e 1.325/1.336 (Acórdão n. 3.860/2007Recursos de reconsideração). Assim agindo, o primeiro denunciado incorreu nas sanções do artigo 89 da Lei n. 8.666/1993 e artigo 312 c.c. artigo 29, ambos, do Código Penal; os segundo e terceiro denunciados infringiram o artigo 312 c.c. artigo 29, ambos, do Código Penal, e os quarto e quinto denunciados incidiram nas penas dos artigos 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993 e 312 c.c. artigo 29, ambos, do Código Penal, razão porque requer o Ministério Público Federal seja processada esta denúncia e instaurada a competente ação penal contra Carlos Luiz de Souza, Renato Cintra, Francisco Augusto Ramos, Pedro Lopes Júnior e Edison Eloy de Souza e que deverão ser notificados para os fins do artigo 4º da Lei n. 8.038/1990, prosseguindo-se nos ulteriores termos, com o recebimento da indicial acusatória, citação dos acusados para os demais atos do processo, até decisão final condenatória, ouvindo-se, na instrução, as pessoas adiante arroladas. Outrossim, tendo-se em conta que os segundo, terceiro, quarto e quinto denunciados não possuem privilégio de foro, a justificar que em relação a eles os fatos sejam apreciados e julgados por essa C. Corte Superior, requer-se o desmembramento do processo, com a remessa de cópia dos autos à Justiça Comum Estadual, para as providências cabíveis. (fl. 1.452-1.462) Notificados, os denunciados apresentaram resposta preliminar (Francisco Augusto Ramos - fl. 1.507-1.539; Carlos Luiz de Souza - fl. 1.542-2.077; Renato Cintra - fl. 2.143-2.156; Edison Eloy de Souza - fl. 2.248-2.278; Pedro Lopes Júnior - fl. 2.313-2.318). O denunciado Carlos Luiz de Souza, antes de adentrar no exame das imputações feitas pelo MPF, tece considerações sobre o contexto em que se deu a contratação da empresa responsável pela elaboração do projeto arquitetônico do TRE-TO, aduzindo que: RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 41 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a) quando assumiu a Presidência do TRE do Estado do Tocantins, as instalações físicas do referido órgão “eram totalmente inadequadas, contando com estrutura deficiente e cara, vez que eram pagos R$ 8.000,00 mensais a título de aluguel”; b) o projeto já estava pronto, tendo sido contratado pela administração anterior. Contudo, ante a inexistência de pagamento, o projeto não foi entregue; c) vislumbrando a perda de verba alocada no Orçamento da União para a construção do prédio havia a necessidade de se dar celeridade a essa obra; d) o escritório contratado pertence a um dos arquitetos responsáveis pela construção da capital; e) o Projeto arquitetônico foi elaborado durante a presidência de Desembargador Amado Cilton, tendo o réu apenas realizado o pagamento à empresa Modulor. Traçadas essas considerações, o acusado Carlos Luiz de Souza passa a examinar as acusações deduzidas pelo parquet, arguindo, em preliminar, a inépcia da denúncia em relação ao crime do art. 312 do Código Penal, sob o argumento de que inexiste qualquer indicação objetiva de responsabilização do réu. Alega que a exordial acusatória não indica nenhum elemento material ou prova do peculato, em flagrante violação do direito de defesa do acusado. Neste ponto, cita o HC n. 88.359, decidido pelo Min. Cezar Peluso. Argui a prescrição do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, aduzindo que enquanto o ato de dispensa da licitação é datado de 06.12.1996, a denúncia foi oferecida em 03.04.2009, posteriormente, portanto, à data em que a prescrição se consumou (07.12.2008). Afirma que a denúncia deve ser rejeitada, sob o argumento de que não houve superfaturamento tampouco dano ao erário. Assevera que a questão ora examinada foi objeto de ação de improbidade administrativa (Autos n. 2002.43.00.000003-5, processo que tramitou junto à 2ª Vara Federal de PalmasTO), demanda na qual, após longa instrução processual, concluiu-se pela inexistência de superfaturamento. Alega que, verificando o laudo do TC n. 013.054/2002-5 (fl. 196), chegase à conclusão de que o valor correto a ser cobrado seria de 4% sobre o valor da obra, sendo que os documentos de fl. 599-602 deixam claro que o preço do serviço ficou em 3,54% do valor da obra. 42 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Afirma que tomou o cuidado de determinar ao denunciado Renato Cintra, Diretor-Geral do TRE-TO à época dos fatos, que efetivasse pesquisa para constatação do valor, certificando aquele acusado que o montante cobrado era condizente com os valores de mercado. Assevera que o CREA-TO informou, inclusive, que o índice de 3,54% está dentro do índice nacional de preços para a realização de projetos arquitetônicos que, segundo a referida autarquia, varia entre 4% e 12%. Aduz que o IAB-TO consignou em Ofício juntado aos autos, que o valor praticado está dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil. Afirma que o Sr. José Eduardo Matheus Évora (funcionário do TSE, responsável pela fiscalização da obra), em depoimento prestado ao Juízo da 2ª Vara Federal de Palmas, declarou que não constatou nenhuma irregularidade na obra do prédio do TRE-TO. Afirma que o dano é elemento indispensável para a configuração dos crimes supostamente praticados pelo réu. Cita a APn n. 261-PB, a APn n. 375AP e a APn n. 281-RR. Alega que a denúncia não descreve de forma objetiva qualquer apropriação ou desvio de verba praticado pelo réu. Assevera que o serviço foi contratado, prestado, tendo o valor sido pago dentro do preço de mercado. Afirma que a dispensa de licitação foi efetivada em obediência aos requisitos previstos no art. 25 da Lei n. 8.666/1993. Alega que o cálculo referente aos honorários decorrentes da elaboração dos projetos não foram aleatórios ou superfaturados como descreve o MPF, tendo a verba sido calculada a partir de consulta a tabela do próprio CREA-TO. Afirma, ainda, que não há na denúncia um único elemento capaz de demonstrar o vínculo associativo entre os acusados. Por fim, requer a absolvição sumária do denunciado, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal. Na resposta apresentada por Edison Eloy de Souza, o denunciado pugnou pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime tipificado no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa irregular de licitação). Ouvido, o MPF opinou favoravelmente à decretação da prescrição (fl. 2.285-2.288), razão pela qual, em decisão de fl. 2.299-2.300, deferi o pedido do RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 43 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA acusado, estendendo os efeitos da extinção da punibilidade do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 aos demais denunciados. Atendendo a requerimento ministerial formulado na exordial acusatória, determinei, com fulcro no art. 80 do CPP, o desmembramento da presente ação penal, preservando a competência do STJ para julgar exclusivamente o denunciado Carlos Luiz de Souza, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (fl. 2.333-2.334). Notificado para os termos do art. 221, caput, do RISTJ, o MPF consignou que os documentos juntados pela defesa não infirmam a peça acusatória. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Verificada a prescrição do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 (decisão de fl. 2.299-2.300) e tendo em vista o desmembramento por mim determinado às fl. 2.333-2.334, resta para exame desta Corte a análise em torno da admissibilidade da denúncia oferecida pelo MPF contra Carlos Luiz de Souza, o único com foro especial nesta Corte. Imputa-se ao acusado a prática do delito de peculato-desvio, tipificado no art. 312, caput (2ª figura), do Código Penal, abaixo transcrito: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Sobre a adequação típica do delito de peculato-desvio, colho a seguinte lição de Cezar Bittencourt: O verbo núcleo desviar tem o significado, neste dispositivo legal, de alterar o destino natural do objeto material ou dar-lhe outro encaminhamento, ou, em outros termos, no peculato-desvio o funcionário público dá ao objeto material aplicação diversa da que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de outrem. (Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 13). Acerca do elemento subjetivo do tipo, o mencionado doutrinador preceitua que: 44 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Elemento subjetivo do crime de peculato é o dolo, constituído pela vontade de transformar a posse em domínio (...) O dolo deve abranger todos os elementos configuradores da descrição típica, sejam eles fáticos, jurídicos ou culturais. (...) É indispensável a presença do elemento subjetivo do tipo, representado pelo especial fim de agir (em proveito próprio ou alheio), presente em todas as modalidades. (op. cit, p. 16-17). Feitas essas considerações, depreende-se que o MPF acusa o denunciado de, no exercício do cargo de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins, ter desviado em proveito da empresa Modulor o valor de R$ 83.995,72 (oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e setenta e dois centavos), referente aos honorários pela execução do Projeto da construção da referida Corte Eleitoral. Afirma que, nos termos dos arts. 12 e 13 da Tabela da FAEASP (Federação das Associações de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo), os honorários para elaboração do Projeto arquitetônico deveriam ser calculados à razão de 4% do valor total da obra (orçada em R$ 2.099.893,10) e não em 8% do valor da obra, conforme indicado pela empresa Modulor, valor com o qual anuíram os denunciados Carlos Luiz de Souza e Renato Cintra (então Diretor-Geral do TRE-TO). O parquet assevera que o denunciado Carlos Luiz de Souza, ao concordar com o percentual cobrado pela Modulor, praticou o crime de peculato-desvio, já que autorizou o pagamento de R$ 167.991,44 em benefício da mencionada empresa quando, na verdade, o valor dos honorários devidos em razão da feitura do projeto era de R$ 83.995,72. Demonstrada a acusação feita pelo parquet, observa-se dos autos, que o denunciado Carlos Luiz de Souza, enquanto Presidente do TRE-TO, contratou a empresa Modulor para realização de estudos e projetos arquitetônicos com vistas à construção da futura sede da Corte Eleitoral (vale frisar que, conforme consta da peça acusatória, esta empresa já havia sido selecionada pelo Poder Executivo Estadual para elaboração do projeto completo do edifício sede do TRE, obra aprovada pelo Pleno do TRE no ano de 1994, mas que não foi levada a termo em razão do fim do mandato do então Presidente do Tribunal, Des. Amado Cilton). RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 45 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Contratada a empresa, o denunciado Carlos Luiz de Souza expediu, no dia 06.11.1996, ofício aos sócios da Modulor, solicitando que fosse apresentado o Projeto (fl. 103), providência atendida pelos quarto e quinto denunciados às fl. 105, documento no qual informam ao então Presidente do TRE-TO a dimensão do prédio e os honorários devidos pela execução do projeto, totalizando o montante de R$ 167.991,44 (cento e sessenta e sete mil, novecentos e noventa e um reais e quarenta e quatro centavos), correspondente a 8% do valor total da obra. Constata-se, então, que Carlos Luiz de Souza remete os autos do processo administrativo ao Diretor-Geral do TRE-TO, Renato Cintra, para que emita parecer sobre o montante cobrado, oportunidade em que este denunciado concorda com o valor proposto pela empresa Modulor, aduzindo que “após exaustivas pesquisas unto a profissionais da área de engenharia e arquitetura nesta cidade de Palmas, uma vez que o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de Tocantins - CREA-TO não possui tabela própria, pude constatar que o percentual cobrado por aqueles profissionais no tocante a Projeto e Memoriais oscila entre 5% cinco por cento) e 10% (dez por cento). Tal fato nos leva a crer que o percentual de 8% (oito por cento) cobrado pelo autor dos projetos e complementos identificado nestes autos está dentro da média razoável praticada nesta capital.” (fl. 131-132). Da leitura dos autos, observa-se que os autos do processo administrativo retornam ao então Presidente Carlos Luiz de Souza que, amparado no parecer emitido pelo Diretor-Geral do TRE-TO, determina a emissão de nota de empenho para que seja feito o pagamento dos valores cobrados pela empresa Modulor a título de honorários pela elaboração do projeto do edifício-sede da citada Corte Regional (fl. 143-146). Exposto o trâmite do processo administrativo instaurado no âmbito do TRE-TO com a finalidade de apurar o valor devido à empresa Modulor a título de verba honorária, entendo que não há elementos suficientes para fundamentar um juízo positivo de admissibilidade da exordial acusatória oferecida contra Carlos Luiz de Souza. Deflui-se dos autos, que o denunciado Carlos Souza, no exercício do cargo de Presidente do referido Tribunal Regional, tomou todas as cautelas que estavam a seu alcance para apurar o efetivo valor devido à empresa Modulor. Entendo que não se mostra razoável exigir de um Presidente do Tribunal Regional Eleitoral o conhecimento técnico necessário para apurar o valor devido a título de honorários em razão da elaboração de projeto de arquitetura. 46 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Carlos Luiz de Souza autorizou o pagamento da verba honorária no valor de R$ R$ 167.991,44, em razão de parecer emitido pelo Diretor-Geral do TRE-TO (servidor que tinha a atribuição de empreender diligências com a finalidade de aferir o real valor devido à Modulor). Advirto que o fato do TCU (Acórdão n. 342/2007 - fl. 1.614-1.640) ter julgado irregulares as contas prestadas pelo denunciado Carlos Luiz de Souza quando do exercício do cargo de Presidente do TRE-TO, condenando-o, solidariamente com Renato Cintra, ao pagamento da quantia de R$ 83.995,72 (oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e setenta e dois centavos), não vincula de forma alguma o exame em torno da adequação típica do delito imputado ao réu nestes autos, análise que, em razão do princípio da independência das instâncias, deve ser feita à luz do princípio da culpabilidade vigente no Direito Penal. Dos elementos de prova colhidos nos autos, não se pode extrair a conclusão de ter o denunciado Carlos Luiz de Souza agido (seja a título de dolo ou de culpa - fato que caracterizaria crime de peculato culposo) com o objetivo de desviar dinheiro público em prol da empresa Modulor. Se houve falha no cálculo da verba honorária (decorrente de dolo ou culpa), esta decorreu de conduta do então Diretor-Geral do TRE-TO, denunciado que, diante do desmembramento do processo, será processado pelo Juízo Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins-TO. Com essas considerações, nos termos do art. 395, III, do CPP, rejeito a denúncia oferecida contra Carlos Luiz de Souza. É o voto. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA N. 1.333-DF (2011/0004817-7) Relator: Ministro Ari Pargendler Agravante: Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza Advogado: Guilherme Navarro e Melo e outro(s) Agravado: União RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 47 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Requerido: Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região EMENTA Suspensão de execução de sentença. Incorporação de quintos referentes ao exercício de funções comissionadas anteriores ao ingresso na magistratura. Na Ação Rescisória n. 4.085-DF, tendo por objeto a decisão monocrática proferida no Recurso Especial n. 897.177-DF, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para “suspender até o final desta ação rescisória, a execução do acórdão rescindendo” (DJe de 27.06.2011). Suspensa a execução do acórdão rescindendo no âmbito da ação rescisória, já não subsiste o título executivo. Pedido de suspensão e agravo regimental julgados prejudicados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar prejudicados o agravo regimental e o pedido de suspensão, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Maria Thereza de Assis Moura e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Eliana Calmon, Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Teori Albino Zavascki e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Martins. Convocado o Sr. Ministro Benedito Gonçalves para compor quórum. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer. Brasília (DF), 1º de julho de 2011 (data do julgamento). Ministro Felix Fischer, Presidente Ministro Ari Pargendler, Relator DJe 28.09.2011 48 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL RELATÓRIO O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte decisão, in verbis: 1. Os autos dão conta de que a Associação dos Juízes Federais do Brasil ajuizou ação ordinária contra a União, requerendo a incorporação de “quintos referentes ao exercício de funções comissionadas anteriores ao ingresso na magistratura como vantagens pessoais dos juízes federais representados” (fl. 279). Julgado improcedente o pedido pelas instâncias ordinárias (fl. 292-299, 301-314 e 317-321), o Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática do Ministro Gilson Dipp, deu provimento ao recurso especial (fl. 327-331) - que transitou em julgado. Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza ajuizou ação de execução individual contra a União (fl. 234-237). O MM. Juiz Federal Substituto da 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dr. Pablo Zuniga Dourado, proferiu a seguinte decisão: O título executivo decorreu de decisão do Superior Tribunal de Justiça que se limitou a confirmar o pedido inicial do processo principal (Processo n. 2002.34.002641-2). Diante do curso processual acima relatado, é necessária prolação de decisão integrativa a fim de garantir o cumprimento da decisão do Superior Tribunal de Justiça e evitar tumulto processual. Em primeiro lugar, a sistemática remuneratória dos magistrados sofreu profunda alteração com a fixação do subsídio da magistratura nacional, em parcela única, pela Lei n. 11.143, de 26 de julho de 2005, a qual, em virtude do disposto no inciso XI do art. 37 da Constituição, estabeleceu o teto remuneratório para todo funcionalismo público. No que se refere especificamente à Magistratura, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 13, de 21 de março de 2006, regulamentou a questão: Art. 3º O subsídio mensal dos Magistrados constitui-se exclusivamente de parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, de qualquer origem. Art. 4º Estão compreendidas no subsídio dos magistrados e por ele extintas as seguintes verbas do regime remuneratório anterior: (...) VII - vantagens de qualquer natureza, tais como: RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 49 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (...) c) vantagens pessoais e as nominalmente identificadas (VPNI); (...) f ) quintos; e (...). Assim, até mesmo diante da natureza rebus sic stantibus da coisa julgada, pois trata de relação jurídica de trato sucessivo (art. 471, I, CPC), a obrigação de fazer deve ser cumprida com respeito ao “teto constitucional” (art. 37, XI, Constituição Federal c.c. Lei n. 11.143, de 26 de julho de 2005, e Resolução n. 13 do Conselho Nacional de Justiça). No que tange à obrigação de pagar quantia certa, o valor postulado a título de atrasados devem ser corrigidos monetariamente, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal, consoante expressamente postulado e acrescido de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês (Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, Art. 1º F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano), contados a partir da citação, embora não postulados, conforme determina entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (Súmula n. 254: Incluem-se os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a condenação). Ante o exposto, determino: a) a expedição de ofício ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, para incorporação, nos vencimentos da Exequente, do valor relativo aos quintos a que tem direito, a contar da data em que ingressou na magistratura, até o limite do “teto constitucional” (art. 37, XI, Constituição Federal c.c. Lei n. 11.143, de 26 de julho de 2005, e Resolução n. 3 do Conselho Nacional de Justiça); b) que a execução de quantia certa contra a Fazenda Pública prossiga com os seguintes parâmetros: o valor executado a título de atrasados deve ser corrigido monetariamente, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal e acrescido de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, contados a partir da citação (fl. 342-344). A União opôs embargos à execução e, concomitantemente, atravessou petições nos autos da execução, alegando, dentre outras questões, a inexigibilidade da obrigação de fazer (fl. 361-364 e 365-375), seguindo-se a seguinte decisão: A União juntou petição às fls. 165-168 e 169-179 requerendo que fosse determinado o desfazimento da obrigação de fazer do titulo exeqüendo: 50 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL a remessa dos autos a contadoria para a conferência dos cálculos, a suspensão dos processos de pagamento das requisições de pagamento expedidas, mesmo na hipótese de valores depositados mas ainda não sacados e a intimação do exeqüente, para devolução de eventual diferença encontrada pela Contadoria. Intimada a parte exeqüente se manifestou às fls. 184-198, requerendo o indeferimento de todos os requerimentos da União, bem como o desentranhamento da petição de fls. 130-164 para juntada nos autos dos embargos, a fim de poder exercer o seu direito de impugnação naquele processo. Verifico que a União pretende, em verdade, rediscutir a coisa julgada por via inadequada - simples petição -, e intempestivamente, pois não agravou da decisão integrativa do acórdão. Não há mais espaço para possíveis questionamentos acerca da sentença convolada em título executivo. Transitado em julgado, o comando judicial deve ser observado em sua integralidade, sob pena de inaceitável ofensa à coisa julgada. Caso os critérios eleitos pelo sentenciante do processo se mostrarem equivocados, cabe à União, no momento oportuno, esgrimir com tais alegações. Os argumentos alinhavados somente seriam possíveis enquanto pendente de julgamento o próprio processo cognitivo. A União não alegou essas questões em nenhuma das instâncias recursais. Não é crível que pretenda, somente agora, furtar-se de cumprir a decisão judicial soberanamente imutabilizada, a pretexto de não poder pagar mais do que supõe ter efetivamente devido. Ademais, é completamente desarrazoada a pretensão da executada no sentido de que, em última análise, seja empresada uma interpretação distorcida ao comando judicial perfectibilizado, a fim de que possa ser ele adequado aos seus interesses de caixa. É claro que nas condenações voltadas à expropriação do patrimônio público todo o cuidado deve ser observado, a fim de se evitar uma indevida usurpação daquilo que verdadeiramente pertence a toda sociedade. Entretanto, mais danosa à sociedade do que um possível prejuízo ao patrimônio público em razão do cumprimento de uma decisão judicial é a vulneração que a União pretende fazer incidir sobre um dos mais basilares princípios do Estado Democrático de Direito, qual seja, o do respeito à coisa julgada. O processo (fase) de execução deve seguir o iter previamente traçado na fase de conhecimento, razão pela qual não há razoabilidade na tentativa de - a fim de se fazer prevalecer entendimento pessoal (seja do executado, seja do julgador) em derredor da matéria já decidida -, amesquinhar-se a decisão RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 51 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA anterior com interpretações que com ela não se mostrem condizentes (AC n. 2006.38.10.002186-5-MG). Na sentença em primeira instância foi julgado improcedente o pedido da parte autora, sob o fundamento de não ser possível a incorporação, como agora quer a União, ato esse mantido em segunda instância. Contudo, em sede de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, em 28.11.2006, possibilitando, assim, a incorporação dos quintos pretendida pela Associação dos Juízes Federais (autora). A Resolução n. 13, de 21.03.2006, do CNJ já estava em vigor quando da prolação do acórdão. Contudo, o STJ determinou a incorporação dos quintos aos subsídios dos magistrados. Não é mais cabível discussão acerca da obrigação de fazer, tendo em vista o manto da coisa julgada. Como dito alhures, é irrelevante o entendimento do Juízo acerca da demanda no processo de conhecimento. A decisão de primeira instância integrativa da execução do julgado apenas fixou os parâmetros. Ordenou ao órgão a que está vinculado cada beneficiário que cumpra a decisão transitada em julgado do STJ incorporação de quintos ao subsídio -, com observância do limite do teto constitucional. Não houve agravo por qualquer das partes. O juiz acha-se adstrito à imutabilidade da coisa julgada e ao conteúdo do título executivo. Não merece acolhida a argüição de inexigibilidade da obrigação de fazer. Se há inconformismo com a coisa julgada, pertinente será o pedido de sua modificação por meio de ação própria, posto que simples petição não se presta a reexame de matéria de mérito (fl. 393-396). A União interpôs agravo de instrumento (fl. 206-231), a que foi negado seguimento (fl. 440-441) - decisão atacada por agravo regimental, pendente de julgamento. Ajuizado, então, pedido de suspensão de execução de sentença perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foi indeferido à base da seguinte motivação: Não satisfeita com as várias decisões que lhe foram desfavoráveis, vem à Presidência deste Tribunal pleitear o afastamento da efetividade do título executivo judicial. Ocorre que a suspensão de execução de sentença condenatória já transitada em julgado é incompatível com o instrumento jurídico cautelar previsto nos arts. 4º da Lei n. 8.437/1992 e 15 da Lei n. 12.016/2009. O § 9º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992 ilustra essa incompatibilidade ao prever que “a suspensão deferida pelo Presidente do tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal”. Nesse sentido já decidiram o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal (fl. 447-448). 52 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 2. Sobreveio o presente pedido de suspensão de liminar e sentença ajuizado pela União, alegando grave lesão à ordem público-administrativa, econômica e jurídica (fl. 01-31). Lê-se na petição: (...) o título executivo de forma alguma preceitua os parâmetros a serem fixados na conta de liquidação. Isso porque a decisão monocrática do e. Superior Tribunal de Justiça que transitou em julgado apenas declarou o direito dos associados. Nada mais, não fixou os limites temporais, nem as condições a que seja cumprido o julgado. Portanto, tais matérias são perfeitamente discutíveis em sede de execução (fl. 25-26). Por todo o exposto, pode-se concluir que: a) A manutenção dos efeitos da decisão acarreta grave lesão à ordem público-administrativa e à ordem econômica, bem como à ordem jurídica. b) Do ponto de vista da ordem público-administrativa, a decisão tumultua o sistema de remuneração dos juízes federais, cuja administração compete ao Conselho de Justiça Federal, nos termos do art. 106, par. único, inc. II, da CF/1988, impondo o pagamento de vantagens que se mostrarão indevidas à exequente. c) Quanto à ordem econômica, a manutenção da decisão acarreta o desembolso mensal de vultosas quantias que se mostram indevidas, em razão das alegações já trazidas à baila na presente peça. d) A decisão causa grave lesão também à ordem jurídica, em razão da violação frontal aos normativos mencionados, em especial à Emenda Constitucional n. 41/2003, Lei n. 11.474/2002, Lei n. 11.143/2005 e Resolução do CNJ n. 13. e) A incorporação em apreço encontra-se ainda pendente de definição em razão da interposição do Agravo de Instrumento n. 005667906.2010.4.01.0000-TRF1 e do ajuizamento da Ação Rescisória n. 4.085-STJ, ambos pela União (fl. 30-31). 3. Importantes que sejam as razões que a justificaram, a decisão que a União quer inibir foi atacada por recurso pendente de julgamento, e tudo recomenda que os efeitos dela sejam sustados até que se opere o trânsito em julgado. É preciso que isso fique claro: há fato novo a ser examinado no agravo de instrumento, qual seja, a proibição, no regime atual de remuneração de magistrados, da acumulação de subsídios com gratificações. Repita-se: fato novo superveniente ao julgamento das instâncias ordinárias, e portanto não examinado no recurso especial. Lesão, e grave, resultará à economia pública se o agravo de instrumento ou eventual recurso subseqüente for provido. Defiro, por isso, o pedido de suspensão (fl. 450-454). RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 53 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A teor das razões: A inadequação da via eleita pela União Federal decorre de duas razões inafastáveis, data venia: (i) não se trata de sentença proferida em processo de ação cautelar, ação popular ou ação civil pública e (ii) não se trata de sentença ainda passível de recurso, eis que já transitada em julgado. Com efeito, a decisão exequenda foi proferida em ação ordinária, no Recurso Especial n. 897.177, da relatoria do Ministro Gilson Dipp, contra a qual não houve qualquer recurso por parte da União Federal, transitando livremente em julgado. Inegável, portanto, que a ela não se aplica o permissivo do art. 271 do RISTJ ou mesmo do § 1º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992 (fl. 487). De início, é importante reiterar que não houve, rigorosamente, qualquer alteração seja da situação fática, seja da situação jurídica da Exequente que pudesse atrair a incidência do disposto no inciso I do art. 471 do Código de Processo Civil. É que quando deferido o pleito da Ajufe, em sede de recurso especial, em 28.11.2006, já se encontrava em plena vigência a Resolução n. 13-CNJ, datada de 21 de março de 2006, conforme observado pela Desembargadora Federal Relatora dos agravos de instrumento interpostos pela União Federal e pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nas decisões que negaram seguimento aos agravos e à suspensão de segurança. Logo, não há que se falar em mudança de situação jurídica por fato antecedente ou superveniente ao julgado exequendo. O que a União Federal busca, na verdade, é obter o que não conseguiu na execução, nos embargos, nos agravos interpostos contra decisões que lhe foram desfavoráveis e na Ação Rescisória n. 4.085, na qual a Relatora, Ministra Jane Silva, Desembargadora convocada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, negou a tutela antecipada para a suspensão de todas as execuções em andamento (fl. 391-393). Ademais, frise-se mais uma vez que a União Federal falta com verdade processual ao omitir que quedou-se inerte ao não interpor recurso próprio em face da decisão integrativa de fl. 343-345, que fixou os parâmetros da execução e determinou a incorporação dos “quintos” nos vencimentos da exequente, ora agravante. E ainda que tivesse ocorrido a alegada modificação da situação fática ou jurídica, a situação da cláusula rebus sic stantibus para se buscar a reforma ou mesmo supressão da sentença exequenda deve ser feita em ação própria, e não em simples petição nos autos da execução, mormente quando nada se alegou a respeito em sede de embargos nem se recorreu da decisão integrativa (fl. 488489). 54 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Por outro lado, também quanto ao seu mérito, não há de prosperar a pretensão da União Federal e, por via de consequência, merece ser reconsiderada ou cassada a decisão agravada, e isso por duas razões. A uma porque os denominados “quintos” não constituem remuneração, mas vantagem pessoal que não se confunde com verba remuneratória a que se refere a Constituição Federal em seu art. 39, § 4º. Perfeitamente possível, pois, aliás, como reconhecido judicialmente, seu pagamento juntamente com os subsídios devidos aos juízes federais. (...) A duas, porque está sendo observado o teto constitucional. De fato, em que pese não possuir caráter remuneratório, e não podendo, por isso mesmo, ser suprimida pelo advento da Resolução n. 13, do CNJ, a incorporação dos “quintos” está observando, rigorosamente, o teto constitucional regulamentado pelo mencionado normativo, cumprindo à risca o quanto determinado na decisão de fl. 343-345. Por fim, registre-se que não há grave lesão à ordem pública ou econômicoadministrativa como sustentado pela Requerente, na medida em que a incorporação da exequente - deferida judicialmente -, ora agravante, importa em despesa mensal de apenas R$ 5.495,10, (conforme se depreende das certidões às fl. 357 e 239). Não é crível que tal valor venha a causar grave lesão às finanças públicas (fl. 489-491). VOTO O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. A Associação dos Juízes Federais do Brasil ajuizou ação ordinária contra a União, requerendo a incorporação de “quintos referentes ao exercício de funções comissionadas anteriores ao ingresso na magistratura como vantagens pessoais dos juízes federais representados” (fl. 279). Julgado improcedente o pedido pelas instâncias ordinárias (fl. 292-299, 301-314 e 317-321), o Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática do Ministro Gilson Dipp, deu provimento ao recurso especial (fl. 327-331) - que transitou em julgado. Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza ajuizou ação de execução individual contra a União (fl. 234-237). O MM. Juiz Federal Substituto da 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dr. Pablo Zuniga Dourado, proferiu decisão, determinando: RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 55 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a) a expedição de ofício ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, para incorporação, nos vencimentos da Exequente, do valor relativo aos quintos a que tem direito, a contar da data em que ingressou na magistratura, até o limite do “teto constitucional” (art. 37, XI, Constituição Federal c.c. Lei n. 11.143, de 26 de julho de 2005, e Resolução n. 3 do Conselho Nacional de Justiça); b) que a execução de quantia certa contra a Fazenda Pública prossiga com os seguintes parâmetros: o valor executado a título de atrasados deve ser corrigido monetariamente, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal e acrescido de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, contados a partir da citação (fl. 344). A União opôs embargos à execução e, concomitantemente, atravessou petições nos autos da execução, alegando, dentre outras questões, a inexigibilidade da obrigação de fazer (fl. 361-364 e 365-375), seguindo-se a seguinte decisão: A União juntou petição às fls. 165-168 e 169-179 requerendo que fosse determinado o desfazimento da obrigação de fazer do titulo exeqüendo: a remessa dos autos a contadoria para a conferência dos cálculos, a suspensão dos processos de pagamento das requisições de pagamento expedidas, mesmo na hipótese de valores depositados mas ainda não sacados e a intimação do exeqüente, para devolução de eventual diferença encontrada pela Contadoria. Intimada a parte exeqüente se manifestou às fls. 184-198, requerendo o indeferimento de todos os requerimentos da União, bem como o desentranhamento da petição de fls. 130-164 para juntada nos autos dos embargos, a fim de poder exercer o seu direito de impugnação naquele processo. Verifico que a União pretende, em verdade, rediscutir a coisa julgada por via inadequada - simples petição -, e intempestivamente, pois não agravou da decisão integrativa do acórdão. Não há mais espaço para possíveis questionamentos acerca da sentença convolada em título executivo. Transitado em julgado, o comando judicial deve ser observado em sua integralidade, sob pena de inaceitável ofensa à coisa julgada. Caso os critérios eleitos pelo sentenciante do processo se mostrarem equivocados, cabe à União, no momento oportuno, esgrimir com tais alegações. Os argumentos alinhavados somente seriam possíveis enquanto pendente de julgamento o próprio processo cognitivo. A União não alegou essas questões em nenhuma das instâncias recursais. Não é crível que pretenda, somente agora, furtar-se de cumprir a decisão judicial soberanamente imutabilizada, a pretexto de não poder pagar mais do que supõe ter efetivamente devido. Ademais, é completamente desarrazoada a pretensão da executada no sentido de que, em última análise, seja empresada uma interpretação distorcida ao 56 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL comando judicial perfectibilizado, a fim de que possa ser ele adequado aos seus interesses de caixa. É claro que nas condenações voltadas à expropriação do patrimônio público todo o cuidado deve ser observado, a fim de se evitar uma indevida usurpação daquilo que verdadeiramente pertence a toda sociedade. Entretanto, mais danosa à sociedade do que um possível prejuízo ao patrimônio público em razão do cumprimento de uma decisão judicial é a vulneração que a União pretende fazer incidir sobre um dos mais basilares princípios do Estado Democrático de Direito, qual seja, o do respeito à coisa julgada. O processo (fase) de execução deve seguir o iter previamente traçado na fase de conhecimento, razão pela qual não há razoabilidade na tentativa de - a fim de se fazer prevalecer entendimento pessoal (seja do executado, seja do julgador) em derredor da matéria já decidida -, amesquinhar-se a decisão anterior com interpretações que com ela não se mostrem condizentes (AC n. 2006.38.10.002186-5-MG). Na sentença em primeira instância foi julgado improcedente o pedido da parte autora, sob o fundamento de não ser possível a incorporação, como agora quer a União, ato esse mantido em segunda instância. Contudo, em sede de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, em 28.11.2006, possibilitando, assim, a incorporação dos quintos pretendida pela Associação dos Juízes Federais (autora). A Resolução n. 13, de 21.03.2006, do CNJ já estava em vigor quando da prolação do acórdão. Contudo, o STJ determinou a incorporação dos quintos aos subsídios dos magistrados. Não é mais cabível discussão acerca da obrigação de fazer, tendo em vista o manto da coisa julgada. Como dito alhures, é irrelevante o entendimento do Juízo acerca da demanda no processo de conhecimento. A decisão de primeira instância integrativa da execução do julgado apenas fixou os parâmetros. Ordenou ao órgão a que está vinculado cada beneficiário que cumpra a decisão transitada em julgado do STJ - incorporação de quintos ao subsídio -, com observância do limite do teto constitucional. Não houve agravo por qualquer das partes. O juiz acha-se adstrito à imutabilidade da coisa julgada e ao conteúdo do título executivo. Não merece acolhida a argüição de inexigibilidade da obrigação de fazer. Se há inconformismo com a coisa julgada, pertinente será o pedido de sua modificação por meio de ação própria, posto que simples petição não se presta a reexame de matéria de mérito (fl. 393-396). Seguiu-se agravo de instrumento (fl. 206-231), a que foi negado seguimento (fl. 440-441) - decisão atacada por agravo regimental, pendente de julgamento. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 57 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A União pediu, então, a suspensão de execução de sentença perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (fl. 447-448), e renovou o pedido perante o Superior Tribunal de Justiça, alegando grave lesão à ordem públicoadministrativa, econômica e jurídica (fl. 01-31). 2. Na Ação Rescisória n. 4.085-DF, tendo por objeto a decisão monocrática proferida no Recurso Especial n. 897.177-DF, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para “suspender até o final desta ação rescisória, a execução do acórdão rescindendo”. O acórdão está assim ementado: Agravo regimental na ação rescisória. Magistratura. Quintos adquiridos em período anterior. Incorporação. Impossibilidade. Vantagem não prevista na Loman. Direito adquirido. Inexistência. Mudança de regime jurídico. Antecipação dos efeitos da tutela. Possibilidade. Preenchimento dos requisitos. 1. Há neste Superior Tribunal de Justiça julgados no sentido da possibilidade do servidor público, que teve incorporado aos seus vencimentos parcela remuneratória decorrente do exercício de função comissionada, chamada de “quintos”, continuar recebendo-a mesmo após o ingresso na magistratura. 2. Não obstante isso, o Supremo Tribunal Federal recentemente apreciou a quaestio iuris e concluiu pela impossibilidade de o magistrado perceber vantagem diversa daquelas previstas na Lei Complementar n. 35/1993 (Loman), e, no tocante aos quintos, enfatizou não haver direito adquirido a regime jurídico, sendo indevida a sua concessão. 3. Em atenção à compreensão firmada pelo Pretório Excelso, bem como a possibilidade de dano de difícil reparação, ante o entendimento de que vantagens de natureza alimentar não devem ser devolvidas, notadamente quando o seu pagamento decorre de provimento judicial transitado em julgado, considero presentes os requisitos necessários à antecipação dos efeitos da pretensão rescisória. 4. Agravo regimental provido (DJe de 27.06.2011). Suspensa a execução do acórdão rescindendo no âmbito da ação rescisória, já não subsiste o título executivo. 4. Recentemente o Supremo Tribunal Federal examinou a questão, concluindo pela impossibilidade de o magistrado receber vantagem diversa daquela prevista na Lei Complementar n. 35, de 1993. Especificamente quanto à incorporação dos “quintos”, enfatizou não haver direito adquirido a regime jurídico. 58 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Confira-se o julgado: Constitucional. Membro do Ministério Público. Quintos. Incorporação. Nomeação na magistratura. Vantagem não prevista no novo regime jurídico (Loman). Inovação de direito adquirido. Inexistência. 1. O Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento de que descabe alegar direito adquirido a regime jurídico. Precedentes. 2. Preservação dos valores já recebidos em respeito ao princípio da boa-fé. Precedentes. 3. Agravo regimental parcialmente provido (AgReg no Agravo de Instrumento n. 410.946-DF, DJe de 07.05.2010). Voto, por isso, no sentido de julgar prejudicados o pedido de suspensão e o agravo regimental. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.448-MG (2011/0036295-5) Relator: Ministro Presidente do STJ Agravante: União Agravado: Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais do Departamento de Polícia Federal Advogado: José Murilo Procópio de Carvalho e outro(s) Requerido: Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região EMENTA Pedido de suspensão de medida liminar. Inexistência de grave lesão ao interesse público. A falta de pessoal no âmbito de outras categorias funcionais da Polícia Federal não pode ser suprida pelos peritos criminais mediante exigência de atribuições estranhas à respectiva categoria. A Administração Pública deve se valer de outros meios para compensar a escassez de policiais em outras áreas de atividade, RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 59 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de modo que não acarreta lesão grave ao interesse público a decisão judicial que preserva os direitos de uma categoria funcional. Agravo regimental não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Gilson Dipp, Eliana Calmon, Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Sidnei Beneti e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão e a Sra. Ministra Nancy Andrighi e, ocasionalmente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Massami Uyeda. Convocados os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Mauro Campbell Marques para compor quórum. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer. Brasília (DF), 09 de junho de 2011 (data do julgamento). Ministro Felix Fischer, Presidente Ministro Ari Pargendler, Relator DJe 30.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a decisão de fl. 463-466, que indeferiu o pedido de suspensão à base dos seguintes fundamentos: Os peritos criminais são policiais federais. Por isso, salvo melhor juízo, estão sujeitos a escalas de plantão. A autoridade hierárquica pode estipular que o plantão seja cumprido na repartição ou em regime de sobreaviso. Mas daí não se segue que, durante o plantão, os peritos criminais devam exercer todas as funções próprias da Polícia Federal. A respectiva categoria funcional tem atribuições específicas. Para o exercício destas, os peritos criminais podem ser obrigados ao plantão, presencial ou em regime de sobreaviso. Outras atribuições não lhes podem ser exigidas, ainda que a falta de pessoal no âmbito de outras categorias 60 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL funcionais esteja comprometendo a segurança da repartição. A autoridade administrativa deve se valer de outros meios para compensar a escassez de policiais federais em outras áreas de atividades. A ordem e a segurança públicas constituem valores essenciais mas não podem ser mantidas à custa de uma determinada categoria funcional. Não acarreta, portanto, lesão grave ao interesse público a decisão judicial que preserva os direitos de uma categoria funcional (fl. 466). A teor das razões, in verbis: Como relatado na inicial do pedido de suspensão, a liminar deferida oferece lesão à ordem público-administrativa, porquanto interfere na auto-organização da unidade policial e impede o devido cumprimento das atribuições do órgão. Ademais, cria verdadeira classe diferenciada de policiais federais - em ofensa ao princípio da isonomia - e não atenta para a preponderância do interesse público sobre o privado. Além de ferir a ordem administrativa, a decisão oferece grave lesão à segurança pública e lesão de natureza financeira ao órgão policial. Isso porque a medida liminar deferida coloca, do dia para a noite, em situação de extrema vulnerabilidade o plano de segurança da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal em Minas Gerais. Aliás, é de se notar que a própria decisão agravada reconhece a existência de tais riscos, mas que deixa de suspender a segurança por entender que a “ordem e a segurança públicas constituem valores essenciais mas não podem ser mantidas à custa de uma determinada categoria funcional”. Ora, se evidenciado o risco à ordem e segurança públicas, há de ser deferido o pedido de suspensão. Quanto ao argumento de que a ordem e seguranças públicas não podem ser mantidas à custa de uma determinada categoria funcional, não se deve olvidar que os Peritos Criminais são policiais federais e, como tais, estão sujeitos às peculiaridades da carreira policial e são corresponsáveis pela segurança pública. Nesse passo, a realização de plantão no âmbito do Sistema de Segurança Geral - SSG, não consiste em gravame estranho à carreira, ainda que em tais plantões sejam realizadas tarefas outras que não apenas aquelas que lhes são exclusivas perícias criminais. (...) É de se notar, ainda, que, acaso mantida a decisão, estará em risco não apenas a ordem administrativa e segurança do órgão em Minas Gerais, mas em todo o País. Isso porque a decisão que se pretende suspender acaba por atingir não apenas a determinação contida na instrução de serviço oriunda da Superintendência Regional de Polícia Federal em Minas Gerais, mas também a própria Portaria n. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 61 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1.252/2010-DG-DPF, do Diretor-Geral da Polícia Federal, publicada no Boletim de Serviço n. 15, de 13.08.2010, que define e disciplina as regras gerais para o serviço de plantão da Polícia Federal e disposições sobre segurança das instalações, em âmbito nacional, na qual é prevista a participação de integrantes de todas as carreiras policiais. (...) Evidente, portanto, o potencial efeito multiplicador, porquanto poderão surgir ações não apenas de peritos criminais lotados em outros estados, mas também de outras carreiras policiais que entendam que a realização do plantão existente na unidade importa em exigência de atribuições estranhas às de suas respectivas carreiras. Não se esqueça que cada cargo tem efetivamente uma gama de atribuições específicas, mas que todos eles juntos compõem a carreira de policial federal, e, por conseguinte, são todos corresponsáveis pela segurança pública. Entender de forma diferente importa em grave risco à ordem administrativa e segurança pública (fl. 472-476). VOTO O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Conforme está dito na decisão agravada, a falta de pessoal no âmbito de outras categorias funcionais da Polícia Federal não pode ser suprida pelos peritos criminais mediante exigência de atribuições estranhas à respectiva categoria. A Administração Pública deve se valer de outros meios para compensar a escassez de policiais em outras áreas de atividade, de modo que não acarreta lesão grave ao interesse público a decisão judicial que preserva os direitos de uma categoria funcional. Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 1.317.993-RJ (2010/0107330-9) Relator: Ministro Felix Fischer Agravante: Serviços Médicos Assistenciais de Sertãozinho S/C Ltda. 62 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Advogado: Dagoberto José Steinmeyer Lima e outro(s) Agravado: Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS Procuradores: Cristiana Lopes Padilha e outro(s) Helena Dias Leão Costa EMENTA Agravo regimental no agravo em recurso extraordinário no agravo regimental no agravo de instrumento. Repercussão geral. Nova sistemática. Aplicação. Recurso cabível. Agravo regimental. Segundo a orientação da e. Suprema Corte, é definitiva a decisão prolatada por Tribunal que nega seguimento a recurso extraordinário com fundamento na nova sistemática da repercussão geral, a qual não desafia o agravo previsto no art. 544 do CPC, mas tão somente o agravo regimental (cf. Questão de Ordem em Agravo de Instrumento n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.02.2010). Agravo regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Massami Uyeda, Humberto Martins, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki e, ocasionalmente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima. Convocados os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino para compor quórum. Brasília (DF), 28 de abril de 2011 (data do julgamento). RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 63 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministro Felix Fischer, Relator DJe 16.05.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto por Serviços Médicos Assistenciais de Sertãozinho S/C Ltda. contra a decisão que não conheceu do agravo dirigido ao e. Supremo Tribunal Federal, por manifestamente incabível. Nas suas razões, alega o agravante, em síntese, que “a ora agravante interpôs o recurso competente - agravo nos próprios autos (...) - e que este agravo não pode deixar de ser conhecido por não ser manifestamente inadmissível ou por não atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada (...), na medida em que foi interposto tempestivamente perante o órgão judicante correto (entre outros pressupostos de recorribilidade atendidos) e que procedeu com a impugnação específica dos fundamentos da decisão atacada, conforme se verifica do excerto do Agravo acima transcrito” (fl. 377). É o relatório. Por manter a decisão agravada, submeto o feito à e. Corte Especial. VOTO O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Trata-se de agravo regimental contra a decisão que não conheceu do agravo dirigido ao e. Supremo Tribunal Federal, por ser considerado manifestamente incabível. Verifico, inicialmente, que o agravante não trouxe fundamentos novos suficientes para modificar a decisão atacada. A Lei n. 11.418/2006, adaptando-se à reforma constitucional resultante da Emenda Constitucional n. 45/2004, introduziu novos dispositivos ao Código de Processo Civil, dos quais cito os artigos 543-A e 543-B, com o propósito de regulamentar a repercussão geral, novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. 64 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Diante dessa nova orientação, são manifestamente incabíveis recursos direcionados à e. Suprema Corte, quando o e. Tribunal a quo aplica o instituto da repercussão geral. Foi por isso que no julgamento do AI n. 760.358 QO-SE (Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.02.2010), o e. Supremo Tribunal Federal considerou inadmissível a interposição de agravo de instrumento ou reclamação em face de decisão do e. Tribunal a quo que aplica a sistemática da repercussão geral, nos termos dos arts. 543-A e 543-B, ambos do CPC. Nesse caso, havia sido interposto agravo de instrumento contra decisão que julgou prejudicado o recurso extraordinário, em razão do disposto no § 3º do supracitado art. 543-B. De acordo com o em. Ministro Relator, Gilmar Mendes, a admissão de recursos direcionados ao e. STF, naquelas hipóteses analisadas sob o ângulo da repercussão geral, “significa confrontar a lógica do sistema e restabelecer o modelo da análise casuística, quando toda a reforma processual foi concebida de forma a permitir que a Suprema Corte se debruce uma única vez sobre cada questão constitucional”. Concluiu-se, portanto, que a única hipótese de remessa de recurso ao e. Supremo Tribunal Federal seria aquela prevista no artigo 543-B, § 4º, do CPC, qual seja, no caso de negativa de retratação pelo e. Tribunal de origem, quando o e. STF já tiver julgado o mérito do leading case, após o reconhecimento da existência da repercussão geral. Cabe registrar ainda que esse entendimento restou consolidado na Sessão Plenária de 19.11.2009, oportunidade em que foi resolvida a questão de ordem acima referida e julgadas as Reclamações n. 7.547-SP e n. 7.569-SP. Em relação a essas últimas, confira-se a ementa: Reclamação. Suposta aplicação indevida pela Presidência do Tribunal de origem do instituto da repercussão geral. Decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 576.336-RGRO. Alegação de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal e de afronta à Súmula STF n. 727. Inocorrência. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF n. 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento da Ação Cautelar n. 2.177-MC-QO-PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 65 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Supremo Tribunal Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação. (Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 11.12.2009). Dessa forma, descabida a interposição de agravo de instrumento, agravo nos próprios autos (Lei n. 12.322/2010), ou mesmo de reclamação, em face de decisões que avaliam a existência ou não de repercussão geral na origem. Em tais circunstâncias, na verdade, o recurso correspondente haveria de ser, se fosse o caso, processado como agravo regimental, a ser decidido pelo próprio Tribunal responsável pelo juízo de admissibilidade do recurso extraordinário. De todo o modo, ainda de acordo com o entendimento do Pretório Excelso, a conversão do agravo dirigido ao e. STF em agravo regimental apenas seria admitida para os agravos ou reclamações propostos em data anterior a 19.11.2009, momento em que a e. Corte Suprema consolidou a sua jurisprudência acerca do recurso cabível. Logo, após esse marco temporal, não se caberia mais cogitar sequer na aplicação do princípio da fungibilidade recursal para processar o agravo como regimental, uma vez que – reitere-se – por força do julgamento do AI n. 760.358 QO-SE (Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.02.2010) e das Reclamações n. 7.569-SP e n. 7.547-SP (Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 11.12.2009), restou dirimida eventual dúvida razoável a respeito do veículo processual adequado. Confira-se, a propósito, o seguinte precedente: Agravo regimental em reclamação. 2. Indeferimento da inicial. Ausência de documento necessário à perfeita compreensão da controvérsia. 3. Reclamação em que se impugna decisão do Tribunal de origem que, nos termos do art. 328A, § 1º, do RISTF, aplica a orientação que o Supremo Tribunal Federal adotou em processo paradigma da repercussão geral (RE n. 598.365-RG). Inadmissibilidade. Precedentes. AI n. 760.358, Rcl n. 7.569 e Rcl n. 7.547. 4. Utilização do princípio da fungibilidade para se determinar a conversão em agravo regimental apenas para agravos de instrumento e reclamações propostos anteriormente a 19.11.2009. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. 66 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL (Rcl n. 9.471 AgR-MG, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13.08.2010). Em síntese, tendo em vista a orientação firmada pela e. Suprema Corte, contra decisão que aplica a sistemática da repercussão geral é possível apenas a interposição de agravo regimental. Eventual agravo de instrumento ou reclamação, propostos nesses casos, somente deveriam ser convertidos em agravo regimental se anteriores a 19.11.2009. Nesse mesmo sentido, cito os seguintes e recentíssimos precedentes: Rcl n. 11.050-RJ (Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe de 14.02.2011); Rcl n. 11.076-PR (Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe de 14.02.2011); Rcl n. 11.005-MS (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 14.12.2010); Rcl n. 9.373 AgR-RS (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 30.11.2010); Rcl n. 10.544-SP (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 26.11.2010); Rcl n. 10.956-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 26.11.2010); Rcl n. 10.903-PR (Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 25.11.2010); Rcl n. 10.630GO (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 18.11.2010); Rcl n. 10.716-SP (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 08.11.2010); Rcl n. 10.772-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 08.11.2010); Rcl n. 10.623-RS (Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 11.10.2010); AI n. 812.055-SC (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 31.08.2010); Rcl n. 10.218-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 30.08.2010); Rcl n. 10.351RS (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.08.2010); Rcl n. 9.764-SP (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.08.2010); Rcl n. 9.647-MG (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 28.06.2010); Rcl n. 9.618-MG (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 28.06.2010); Rcl n. 9.673-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 28.06.2010); Rcl n. 8.996-AM (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.06.2010) e Rcl n. 8.695RS (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.06.2010). Com essas considerações, nego provimento ao agravo regimental. É o voto. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 685.267-MG (2011/0075297-7) Relator: Ministro Francisco Falcão Agravante: Preservar Madeira Reflorestada Ltda. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 67 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Advogados: José Carlos Ceolin Júnior e outro(s) Marco Vinicio Martins de Sá Agravado: Preservam Preservação de Madeiras Ltda. Advogado: Adilson Buchini e outro(s) EMENTA Processual Civil. Embargos de divergência. Embargos de declaração. Violação ao art. 535 do CPC. Omissão. Exame casuístico. Descabimento. Precedentes. I - É assente o entendimento jurisprudencial deste eg. Tribunal no sentido de ser insuscetível de revisão, no âmbito dos embargos de divergência, acórdão que discutiu violação ao art. 535, do CPC, tendo em conta que tal análise demanda um exame casuístico. Precedentes: AgRg na Pet n. 6.485-SP, Rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, DJe de 18.06.2009, AgRg nos EREsp n. 914.935-RO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe de 30.03.2009, AgRg nos EREsp n. 332.884-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJ de 28.11.2005. II - Agravo regimental improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A Corte Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Raul Araújo, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Gilson Dipp e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo para compor quórum. Brasília (DF), 1º de agosto de 2011 (data do julgamento). 68 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministro Francisco Falcão, Relator DJe 29.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Falcão: Preservar Madeira Reflorestada Ltda. interpõe agravo regimental, nos autos em epígrafe, contra decisão que proferi indeferindo liminarmente os embargos de divergência por ela interpostos, sob o fundamento de ser insuscetível de revisão na via eleita, possível violação ao art. 535 do CPC (fls. 786-8). Alega a agravante, em síntese, que a divergência foi efetivamente por ela demonstrada, sustentando que o acórdão deve se pronunciar sobre todos os temas suscitados, e que, não o fazendo, deve ser declarado nulo. É o relatório. Em mesa, para julgamento. VOTO O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A agravante não conseguiu infirmar o fundamento da decisão agravada. A jurisprudência desta eg. Corte de Justiça é pacífica no sentido da impossibilidade de se analisar possível violação ao art. 535 do CPC em sede de embargos de divergência, tendo em conta as peculiaridades das situações que envolvem o aresto embargado e o paradigma. Dessa forma, transcrevo as razões expendidas pela decisão agravada, que merece ser integralmente mantida, verbis: Há muito se tem reafirmado neste Tribunal que o juízo manifestado a respeito de estar ou não configurada omissão ou contradição do julgado embargado, é dizer, de ter sido ou não violado o art. 535, do CPC, é insuscetível de revisão nesta sede recursal, em razão da inviabilidade de se demonstrar, nessas hipóteses, a divergência de teses jurídicas, pressuposto de cabimento dos embargos do art. 546, do CPC. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 69 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A propósito, confiram-se alguns precedentes: Embargos de divergência. Similitude fática. Ausência. Violação ao art. 535 do CPC. Exame casuístico. Inviabilidade. 1. Ausente a indispensável similitude fática a autorizar o conhecimento dos embargos. O aresto embargado, ao analisar a situação específica dos autos, consignou não haver ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil. Já os julgados paradigmas, apreciando as particularidades das situações, concluíram que as Cortes de origem deixaram de analisar pontos indispensáveis às soluções das controvérsias, razão por que deram provimento aos recursos especiais para determinar o retorno dos autos aos Juízos de segunda instância. 2. A análise de ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil demanda um exame casuístico que não se mostra viável no âmbito de embargos de divergência. Precedentes da Corte Especial: AgRg nos EAg n. 870.867-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 09.03.2009; AgRg nos EREsp n. 1.028.595-PE, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJe de 1º.12.2008; AgRg nos EREsp n. 982.012-SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 1º.12.2008. 3. Agravo regimental não provido (AgRg na Pet n. 6.485-SP, Rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, DJe de 18.06.2009). Agravo regimental em embargos de divergência em recurso especial. Processo Civil. Acórdão embargado que encontra óbice processual e paradigma que enfrenta o mérito da causa. Ausência de divergência jurisprudencial. Falta de similitude entre os casos confrontados. Divergência não caracterizada. 1. Para a admissão dos embargos de divergência, mister se faz que as teses lançadas nos acórdãos confrontados sejam divergentes, bem como as hipóteses fáticas sejam semelhantes. Nessa linha, apenas são admitidos os embargos de divergência se o grau de cognição de ambos acórdãos, embargado e paradigma, é o mesmo. É dizer: os arestos devem ter dado o mesmo tratamento às espécies, seja conhecendo ou seja não conhecendo do recurso especial. (...) omissis. 3. No tocante à violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, as peculiaridades dos arestos embargado e paradigma inviabilizam a configuração da similitude fática entre as hipóteses confrontadas, condição necessária para a demonstração do dissídio jurisprudencial entre os órgãos julgadores desta Corte, o que impede, também nesse ponto, o conhecimento dos embargos de divergência. 70 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 4. Agravo regimental improvido (AgRg nos EREsp n. 914.935-RO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe de 30.03.2009). Processual Civil. Corte Especial. Embargos de divergência. Admissibilidade. Divergência não demonstrada. Ausência de similitude fática entre os casos confrontados. Necessidade de cotejo analítico. 1. A admissão dos embargos de divergência no recurso especial impõe o confronto analítico entre o acórdão paradigma e a decisão hostilizada, a fim de evidenciar a similitude fática e jurídica posta em debate, nos termos do art. 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o que não ocorreu na hipótese dos autos. 2. In casu, a embargante limitou-se a transcrever as ementas dos arestos indicados como paradigma, não realizando o necessário cotejo analítico para a demonstração da divergência, o que revela a ausência de pressuposto para conhecimento dos embargos de divergência. 3. Deveras, a análise acerca de suposta ofensa ao art. 535, CPC reclama exame de particularidades de cada caso concreto. Consectariamente, o cabimento de embargos de divergência quanto a este dispositivo, impõe que as questões tratadas nos acórdãos confrontados, as alegações recursais e os votos condutores dos julgados sejam idênticos, o que não ocorre na hipótese vertente. 4. Outrossim é assente na Corte que: “Não se aperfeiçoa a divergência no tocante ao art. 535 do CPC, porquanto o cerne da controvérsia gira em torno da constatação ou não de apresentar-se o acórdão omisso, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, exercício que se faz com base nas características de cada caso concreto, ou seja, dependendo das peculiaridades da demanda, haverá ou não, omissão a sanar. Na verdade não há divergência de teses.” (AgRg nos EREsp n. 435.288-SP, Corte Especial, DJ de 16.11.2004). (... omissis ...) 8. Agravo regimental improvido (AgRg nos EREsp n. 332.884-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJ de 28.11.2005, p. 169). Frente ao exposto, com base no art. 266, § 3º, do RISTJ, indefiro liminarmente os embargos de divergência. Em razão do exposto, nego provimento ao presente agravo regimental. É o voto. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 71 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO PENAL N. 266-RO (2003/0169397-8) Relatora: Ministra Eliana Calmon Embargante: Natanael José da Silva Advogado: Antônio Nabor Areias Bulhões e outro Embargante: Evanildo Abreu de Melo Advogado: José do Espírito Santo e outro(s) Embargado: Ministério Público Federal Interessado: Francisco de Oliveira Pordeus Interessada: Irene Becária de Almeida Moura Advogado: Romilton Marinho Vieira e outro(s) Interessado: Vitor Paulo Riggo Ternes Advogado: José Cleber Martins Viana e outro EMENTA Embargos de declaração. Processual Penal. Pedido de juntada de notas taquigráficas. Princípio da ampla defesa. Ausência de vícios contidos no art. 619 do CPP. Efeito infringente. 1. A juntada das notas taquigráficas somente deve ser autorizada na hipótese em que estas sejam indispensáveis para a compreensão do exato sentido e alcance do acórdão. 2. Inexistente qualquer hipótese do art. 619 do CPP, não merecem acolhida embargos de declaração com nítido caráter infringente. 3. Embargos de declaração opostos por Evanildo Abreu de Melo rejeitados. 4. Embargos declaratórios opostos por Natanael José da Silva acolhidos, sem efeitos modificativos quanto ao resultado do julgamento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. A 72 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Corte Especial, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração opostos por Evanildo Abreu de Melo e acolheu em parte os embargos de declaração opostos por Natanael José da Silva, sem efeitos modificativos, nos termos do voto da Senhora Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Raul Araújo, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo para compor quórum. Brasília (DF), 1º de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministra Eliana Calmon, Relatora DJe 25.08.2011 RELATÓRIO A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão assim ementado: Processual Penal. Embargos de declaração. Ausência de vícios contidos no art. 619 do CPP. Efeito infringente. 1. Não se conhece de recurso interposto via fac-símile quando não há, no prazo legal, posterior apresentação dos documentos originais. 2. Inexistente qualquer hipótese do art. 619 do CPP, não merecem acolhida embargos de declaração com nítido caráter infringente. 3. Embargos de declaração opostos por Francisco de Oliveira Pordeus não conhecidos. 4. Embargos de declaração opostos por Evanildo Abreu de Melo acolhidos, sem efeitos modificativos quanto ao resultado do julgamento. 5. Embargos declaratórios opostos por Natanael José da Silva rejeitados. Inconformado, Natanael José da Silva aponta omissão, sustentando que o aresto embargado não se pronunciou quanto ao pedido de juntada das notas taquigráficas do julgamento de fl. 2.595-2.701. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 73 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Afirma que não consta dos autos o voto divergente prolatado pelo Min. João Otávio de Noronha quanto à questão de ordem tampouco os pronunciamentos dos Ministros quando da fixação da pena. Cita os seguintes precedentes do STJ: EDcl no REsp n. 827.940-SP, o EDcl no HC n. 60.151-SP, EDcl no REsp n. 836.277-PR. Insurge-se Evanildo Abreu de Melo, reiterando os argumentos lançados nos anteriores declaratórios, aduzindo que a pena aplicada ao embargante é desproporcional. Assevera que foi punido com uma pena levemente mais branda que a aplicada ao principal réu da ação penal (Natanael José da Silva). Defende que a pena de reclusão aplicada ao embargante deveria ter sido reduzida na mesma proporção da redução da pena aplicada aos demais acusados. Por fim, requer o prequestionamento do art. 5º, LIV e LV, da CF/1988. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR NATANAEL JOSÉ DA SILVA Efetivamente, consta dos primeiros declaratórios requerimento formulado pelo embargante no qual se pleiteia a juntada das notas taquigráficas do julgamento de fl. 2.595-2.701. Do exame dos autos e à luz do princípio da ampla defesa, entendo necessária a juntada das notas taquigráficas que registraram o voto proferido oralmente pelo Min. João Otávio de Noronha no julgamento da questão de ordem formulada para analisar a competência do STJ diante do pedido de exoneração do embargante. No tocante à juntada das demais notas taquigráficas, refuto a pretensão do embargante, por ausência de prejuízo, já que as demais questões (inclusive a referente à fixação das penas) foram decididas, à unanimidade, pela Corte Especial (fl. 2.696-2.697), tendo sido juntados aos autos os votos proferidos pelos demais Ministros que se posicionaram sobre o tema (fl. 2.694 e 2.695). Nesse sentido, confira-se precedentes deste Tribunal: 74 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL Questão preliminar. Pedido de juntada de notas taquigráficas e abertura de novo prazo. Regra do art. 103 do RISTJ. Dispensabilidade. Celeridade processual. Mitigação. Caso. 1. A regra do artigo 103 do RISTJ, para evitar atraso na publicação dos acórdãos, vem sendo aplicada com mitigação, em observância ao princípio da celeridade processual. 2. A juntada aos autos das notas taquigráficas só deve ser deferida na hipótese em que estas sejam indispensáveis para a compreensão do exato sentido e alcance do acórdão, circunstância ausente na espécie. (...) 2. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no REsp n. 975.243-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 03.03.2011, DJe 28.03.2011). Processo Civil. Embargos de declaração no recurso especial. Erro material. Correção. Possibilidade. Notas taquigráficas. Juntada. Art. 103 do RISTJ. Mitigação. 1. Verificada a existência de erro material no acórdão, é de rigor o acolhimento dos embargos de declaração. 2. A regra do art. 103 do RISTJ, determinando a juntada das notas taquigráficas aos autos, vem sendo mitigada em nome do princípio da celeridade processual, para evitar atraso na publicação dos acórdãos. Precedentes. 3. A juntada aos autos das notas taquigráficas do julgamento somente deve ser determinada quando se mostrarem indispensáveis à compreensão do exato sentido e alcance do acórdão. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes. (EDcl nos EDcl no REsp n. 830.577-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 02.09.2010, DJe 11.11.2010). Habeas corpus. Processual Penal. Cerceamento de defesa. Alegação de nulidade por deficiência técnica pela não-oposição de embargos de declaração e ausência de notas taquigráficas na publicação do acórdão. Constrangimento ilegal não verificado. Ordem denegada. (...) 3. Não há falar em cerceamento de defesa na ausência de juntada das notas taquigráficas, quando todos os votos divergentes foram expressamente declarados e devidamente publicados junto ao acórdão respectivo, possibilitando às partes o pleno conhecimento do conteúdo decisório. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 75 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4. Ordem denegada. (HC n. 102.307-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 23.09.2008, DJe 03.11.2008). Sobre o tema, colaciono julgado da Suprema Corte: Recurso extraordinário. 2. Existência de intimação das recorrentes para efetuar o preparo do recurso reconhecida no acórdão embargado. Deserção. 3. Indeferimento de pedido de juntada da cópia das notas taquigráficas relativas ao julgado e transcrição da respectiva fita de áudio. 4. O julgado está devidamente composto com o Relatório, os votos do Relator e dos Ministros que se pronunciaram explicitando seu entendimento, devidamente rubricados, bem assim dele consta o Extrato da Ata. Regimento Interno do STF, art. 96, § 5º. 5. Efeito infringente do julgado. 6. Embargos de declaração rejeitados. (RE n. 253.455 AgR-ED-MG, Segunda Turma, Rel. Ministro Neri da Silveira, DJ 26.02.2002). EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR EVANILDO ABREU DE MELO Da leitura dos declaratórios, depreende-se que os argumentos lançados pelo recorrente foram examinados pelo julgado embargado. Verifica-se, portanto, que inexiste qualquer das hipóteses do art. 619 do CPP, restando patente a busca de efeitos infringentes por quem não se conformou com o resultado do julgamento. CONCLUSÃO Com essas considerações, rejeito os declaratórios opostos por Evanildo Abreu de Melo e acolho, em parte, os declaratórios opostos por Natanael José da Silva tão-somente para determinar a juntada das notas taquigráficas que registraram o voto oral proferido pelo Min. João Otávio de Noronha no julgamento da questão de ordem retromencionada. É o voto. 76 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA N. 5.493-US (2011/0125467-4) (f) Relator: Ministro Felix Fischer Requerente: Luiz Claudio Climaco II Advogado: Marcelo Beltrão da Fonseca e outro(s) Requerido: Justiça Pública EMENTA Sentença estrangeira contestada. Alteração do nome civil. Pedido adequadamente instruído. Deferimento. I - A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente (Resolução n. 9-STJ, art. 4º). II - Constatada, no caso, a presença dos requisitos indispensáveis à homologação da sentença estrangeira (Resolução n. 9-STJ, arts. 5º e 6º), é de se deferir o pedido. III - Precedentes do STJ (SE n. 5.194-US; SE n. 4.605-US; SE n. 4.262-FR; SE n. 3.649-US; SE n. 586-EX) e do STF (SE n. 5.955-EUA). Pedido homologatório deferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deferir o pedido de homologação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Eliana Calmon, Francisco Falcão e João Otávio de Noronha e, ocasionalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 77 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Convocados os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Raul Araújo e a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti para compor quórum. Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Bruno Moschetta. Brasília (DF), 21 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Ari Pargendler, Presidente Ministro Felix Fischer, Relator DJe 06.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de pedido de homologação de sentença estrangeira formulado por Luiz Claudio Climaco II, no qual se objetiva homologar o ato que autorizou a retificação de seu nome civil para “Louis Claude Nakamura Katzman”. O ora requerente, natural da cidade de Nova York, nos Estados Unidos, é filho de pai brasileiro e mãe norte-americana e “teve seu nascimento registrado nos Estados Unidos da América, nos termos da certidão de nascimento (...), reconhecida pelo Consulado Geral do Brasil em Nova York (doc. 02)” (fls. 03). Em 1994, o requerente, por razões profissionais, passou a residir no Brasil e lavrou o termo de Transcrição de sua certidão de nascimento no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais do Primeiro Subdistrito Sé de São Paulo Comarca da Capital (doc. 03). Em 27.10.2006, o requerente solicitou ao órgão judicial competente do Condado de Nassau, no Estado de Nova York (local em que era domiciliado, à época - fls. 29), a alteração de seu nome civil, nos termos que aqui se propõe, de “Luiz Claudio Climaco II” para “Louis Claude Nakamura Katzman”, pois, segundo alega, “como sempre foi conhecido na comunidade norte-americana em que residia” (fls. 03). Esse pedido foi “deferido por sentença proferida em 12.12.2006, transitada em julgado” (fls. 03). Em 2008, o requerente “manifestou sua opção pela nacionalidade brasileira, nos termos do artigo 12, inciso I, alínea c da CF, a qual foi devidamente homologada por sentença transitada em julgado, conforme certificado em 78 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL 26.03.2009 (doc 06)” (fls. 03). (Processo n. 2008.61.00.025055-7, 26ª Vara Cível, Seção Judiciária de São Paulo, Justiça Federal da 3ª Região). Em 2009, o requerente voltou a manter residência profissional nos Estados Unidos da América, onde praticava, segundo alega, “todos os atos de sua vida civil naquele país com o nome de ‘Louis Claude Nakamura Katzman (doc. 07).” (fls. 03), enquanto “em seu registro civil no Brasil, ainda conste o nome ‘Luiz Cláudio Climaco II’, razão pela qual (...) requer o presente pedido de homologação, para que os efeitos da Sentença Estrangeira sejam integralmente recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro” (fls. 03-04). Alega, ainda, na presente sede processual, que “a não homologação da Sentença Estrangeira levaria a uma situação teratológica, em que o Requerente teria nomes civis diferentes no Brasil e nos Estados Unidos da América”, razão pela qual estariam expostos (o Requerente e sua família) “a inúmeros problemas ao transitar entre os dois países, o que fazem com frequência, em razão da divergência entre seus documentos oficiais” (fls. 08). Sustenta, finalmente, que a “homologação da Sentença Estrangeira garantirá o respeito aos direito de personalidade do Requerente e de seus filhos, cujos patronímicos foram registrados no Brasil com base no nome civil retificado pela Sentença Estrangeira (doc. 04).” (fls. 08). A petição inicial foi instruída com a sentença de retificação de registro do requerente, proferida pelo Tribunal do Estado de Nova York - Condado de Nassau, com carimbo de cumprimento das disposições da ordem judicial para mudança de nome, datado de 1º de fevereiro de 2007, acompanhada de autenticação e tradução feita por tradutora juramentada no Brasil. A Presidência desta E. Corte Superior de Justiça determinou a citação por edital dos possíveis interessados no feito (fls. 132). Não houve manifestações (fls. 152). Os autos foram, então, remetidos à d. Subprocuradoria-Geral da República (fls. 153), que, vislumbrando possível ofensa à ordem pública e aos princípios da soberania nacional, opinou pela não homologação da presente sentença estrangeira, por entender que (i) “a modificação do nome é possível, apenas, em situações excepcionais, donde a regra geral é da inalterabilidade relativa do nome (art. 58, Lei de Registros Públicos)”, e (ii) a situação versada nestes autos “não parece ser justificativa suficiente apta a ensejar a alteração do nome e sobrenome” (fls. 155-156). RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 79 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Diante da impugnação da d. Subprocuradoria-Geral da República, o Requerente contra-argumentou que “não é objeto do presente feito a análise de mérito da Sentença Estrangeira, uma vez que a presença ou não dos requisitos que autorizam a mudança do nome do Requerente já foi verificada pelo competente juízo estrangeiro, que concluiu não existirem impedimentos ao pedido do Requerente, de modo que cabe a este E. STJ apenas a verificação dos requisitos formais e da inexistência de ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes” (fls. 164). Aduziu, ainda, que o “direito ao nome é considerado um direito fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, originando os consequentes direitos ao registro e à identificação pelo nome”, pois “o direito ao nome civil, (...) precede e é axiologicamente superior ao direito ao registro, de modo que não é o nome que deve refletir o registro civil, mas, ao contrário, é o registro civil que deve refletir, de forma fiel, o nome do indivíduo” (fls. 166). Em nova manifestação (173-174), a d. Subprocuradoria-Geral da República reiterou seu anterior pronunciamento, opinando pelo indeferimento do pedido de homologação da presente sentença estrangeira. Por meio do despacho de fls. 176, o em. Ministro Presidente determinou a distribuição dos presentes autos, em conformidade com o art. 9º, § 1º, da Resolução n. 9, do Superior Tribunal de Justiça. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Busca-se na presente sede processual a homologação da sentença do Tribunal do Estado de Nova York Condado de Nassau, transitada em julgado e que alterou o nome do requerente de “Luiz Claudio Climaco II” para “Louis Claude Nakamura Katzman”. O art. 5º da Resolução n. 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça elenca os requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira para que tenha eficácia no Brasil. São eles: I) haver sido proferida por autoridade competente; II) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; III) ter transitado em julgado; IV) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil. 80 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL O exame dos documentos juntados aos presentes autos revela que o Requerente atendeu aos requisitos acima elencados. Com efeito, no que concerne à competência do juízo, verifica-se que o Consulado-Geral do Brasil em Nova York, na fls. 23v, reconhece que o documento juntado aos autos é uma “Sentença Judicial expedida pela Suprema Corte do condado de Nassau, Estado de Nova York, Estados Unidos da América”. Quanto à regularidade na citação, tenho por suficientes as razões trazidas pela parte ora requerente, no sentido de que “não se aplica ao requerimento judicial de retificação do nome civil (...), por se tratar de procedimento de jurisdição voluntária, no qual não há ‘partes’ nem conflito de interesses” (fls. 05). Além disso, o requerente afirmou que “em cumprimento a dispositivo da Sentença Estrangeira, foi publicada no jornal Massapequa Post notícia referente ao deferimento do pedido (...), para dar ciência aos possíveis interessados, sem que tenha havido qualquer oposição, conforme atestado pela secretaria judicial” (fls. 05). Por sua vez, o trânsito em julgado do referido ato sentencial pode ser comprovado pelo cumprimento de todas as exigências formuladas na sentença homologanda, nos termos do carimbo da secretaria judiciária, datado de 1º de fevereiro de 2007 (fls. 24 e 30). Por fim, a sentença estrangeira está autenticada pela Vice-Cônsul brasileira nos Estados Unidos da América (fl. 23-verso) e acompanhada de tradução feita por tradutora pública juramentada no Brasil (fls. 27-31). Cabe verificar, agora, se a homologação da presente sentença estrangeira resultaria em ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes, uma vez que o art. 17 do Decreto-Lei n. 4.657/1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil), dispõe que: Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Vale destacar, ainda, que tal disciplina também foi tratada no art. 6º da Resolução n. 9-STJ, que regulamenta a competência do STJ para homologar sentenças estrangeiras e possui o seguinte conteúdo: RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 81 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública. Passemos, agora, à análise desses requisitos, uma vez que a SubprocuradoriaGeral da República entendeu que a homologação desta sentença estrangeira poderia resultar em ofensa à ordem pública e à soberania nacional (fls. 155-156). Para fundamentar tal conclusão, a d. Subprocuradoria-Geral da República destacou em seu pronunciamento que “a modificação do nome é possível, apenas, em situações excepcionais, donde a regra geral é da inalterabilidade relativa do nome (art. 58, Lei de Registros Públicos)” e “quanto ao sobrenome, são taxativas as hipóteses de alteração (...)”, mas, que, no caso “não vislumbro (...) estar o presente feito, incluído em um caso justificável”, pois “o fato de o requerente ser conhecido, sempre, como ‘Louis Claude Nakamura Katzman’ na comunidade norte-americana em que residia, não me parece ser justificativa suficiente apta a ensejar a alteração do nome e sobrenome” (fls. 155-156). Com a devida vênia, entendo que a d. Subprocuradoria-Geral da República, ao opinar pelo indeferimento do presente pedido, deixou de apontar dados concretos que dessem suporte à tese de que a homologação da presente sentença estrangeira resultaria em ofensa à ordem pública e à soberania nacional (tais como: criar embaraços a eventuais obrigações contraídas em solo brasileiro; dificultar a identificação de laços familiares, atrapalhar o andamento de ações judiciais que por ventura pudessem estar em curso contra o ora requerente, v.g.). Segundo se pode depreender da manifestação ministerial, a ofensa à ordem pública e à soberania nacional resultaria do fato de não estar prevista, no ordenamento jurídico nacional, a hipótese que justificou o deferimento do pedido de alteração do nome do requerente pela justiça americana, qual seja, o fato de o requerente ter sido sempre conhecido na comunidade norte-americana como “Louis Claude Nakamura Katzman”. Tal raciocínio, entretanto, não pode prosperar. A sentença estrangeira que se busca homologar foi proferida com fundamento nas leis vigentes no direito norte-americano, lá encontrando o seu fundamento de validade. Ademais, a ausência de previsão semelhante no ordenamento pátrio, além de não tornar nulo o ato estrangeiro, não implica, no presente caso, ofensa à ordem pública ou aos bons costumes. O legislador brasileiro, atento a essa possibilidade, estabeleceu, no artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução 82 Jurisprudência da CORTE ESPECIAL ao Código Civil), que “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”. Assim, a alteração do nome do ora requerente foi realizada sob a égide do direito norte-americano, eis que, à época, possuía domicílio naquele país. O que se pretende agora é tão somente a homologação do ato sentencial que deferiu o pedido de alteração do nome, para que tenha eficácia também no Brasil. Portanto, ao contrário do sustentado no segundo parecer da d. Subprocuradoria-Geral da República (fls. 173-174), a hipótese dos presentes autos não diz respeito a procedimento de alteração de registro civil brasileiro e, portanto, não está sujeita à sistemática da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973). A homologação do ato sentencial pelo Superior Tribunal de Justiça tem por objetivo possibilitar a produção, no Brasil, dos efeitos jurídicos deferidos pela atuação da justiça estrangeira. Nesse procedimento de contenciosidade limitada estão alheios ao controle do Superior Tribunal de Justiça exames relativos ao próprio mérito da causa ou a questões discutidas no âmbito do processo. Cumpridos os requisitos estabelecidos em lei e respeitados os bons costumes, a soberania nacional e a ordem pública, a sentença deve ser homologada. Vale referir que este Colendo Superior Tribunal de Justiça já deferiu pretensões semelhantes ou idênticas ao pedido formulado nesta sede processual, em ocasiões nas quais não houve sequer contestação. Nesse sentido: SE n. 3.649-US, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Presidente, DJE de 14.05.2010, que homologou a alteração do nome do requerente de “Frederico Ratliff e Silva”, para “Frederick Ratliff ”; SE n. 4.262-FR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Presidente, DJE de 11.05.2010, que homologou a alteração do nome da requerente de “Cecília Silveira Delehelle”, para “Racina Delehelle”; SE n. 586EX, Rel. Min. Barros Monteiro, Presidente, DJ de 19.05.2006, que homologou a alteração do nome da requerente de “Sebastiana Aparecida da Silva”, para “Cindy Kayla Silva”; SE n. 4.605-US, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Presidente, DJE de 25.11.2009, que homologou a alteração do nome do requerente de “André Micheal Egol”, para “André Micheal Tavares Valverde”; SE n. 5.194US, Rel. Min. Ari Pargendler, Presidente, DJE de 30.03.2011, que homologou a alteração do nome do requerente de “Ashelley Torrente Siqueira”, para “Kevin Ashelley Siqueira”. RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011 83 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Na homologação desses casos, não foi vislumbrada qualquer ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes, valendo ressaltar, ainda, que, em todos eles, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo deferimento do pedido (ou seja, o pedido de homologação não foi sequer contestado). Vale enfatizar, ainda, que, na homologação dos casos acima referidos, o Superior Tribunal de Justiça não considerou necessária a existência, na legislação pátria, de hipótese semelhante à que autorizou a alteração dos nomes dos requerentes perante a justiça estrangeira. Assim, a toda evidência, não é a ausência de previsão legal no direito brasileiro que impede a homologação da sentença estrangeira que altera o nome civil da pessoa com base na legislação alienígena. Também o Supremo Tribunal Federal, em momento anterior ao do advento da Emenda Constitucional n. 45, quando ainda detinha a competência para homologação de sentenças estrangeiras, deferiu pleito semelhante ao presente (SE n. 5.955-EUA, Rel. Min. Carlos Velloso, Presidente, DJ de 02.08.1999), homologando a sentença que permitiu a “Aparecida Cotrim Metro”, ou “Raquel Cida Metro” ou “Aparecida Cunha Metro” ou “Aparecida da Cunha Cotrim”, a assumir o nome de “Raquel Cida Metro”, ressaltando, naquela hipótese, que caberia à requerente providenciar a averbação, por carta de sentença, no registro civil. Por essas razões, entendo que o pedido de homologação da presente sentença estrangeira reúne os requisitos necessários ao seu deferimento, e, com a devida vênia ao que sustentado pela Subprocuradoria-Geral da República, não acarretará ofensa à ordem pública e à soberania nacional, pois, como já ressaltado, não se trata de alteração de registro civil brasileiro, mas de homologação de sentença que, legalmente fundada nas normas do país de origem, autorizou a mudança de nome civil do ora requerente. Sendo assim, por vislumbrar presentes os requisitos indispensáveis à homologação do pedido e por entender que a pretensão deduzida não ofende a soberania nacional, a ordem pública, nem os bons costumes, voto no sentido de se homologar a presente sentença estrangeira. É o voto. 84 Primeira Seção MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.334-DF (2010/0096959-0) Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha Impetrante: Célio de Souza Lima Advogado: Manoel Zeferino de Magalhães Neto Impetrado: Comandante do Exército Impetrado: Chefe do Departamento Geral do Pessoal Interessado: União EMENTA Mandado de segurança. Sargento do exército. Movimentação. Interesse da administração. Motivação insatisfatória. Elementos dos autos e informações favoráveis ao deferimento da ordem. – Ao Poder Judiciário, na sua atividade jurisdicional, não cabe ingressar no reexame do juízo de conveniência, oportunidade e discricionariedade da administração pública, aí incluída a administração militar em relação ao controle das movimentações dos servidores públicos militares. – Hipótese em que, entretanto, o ato coator está assentado em motivação genérica – “interesse da administração militar” –, que não satisfaz, no presente caso, o requisito da motivação e que, por isso, não tem força suficiente para se contrapor às informações prestadas pela própria administração militar, nos autos do processo administrativo, as quais convergem no sentido de se anular o ato de movimentação do servidor militar por absoluta necessidade do serviço. Mandado de segurança concedido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília (DF), 22 de junho de 2011 (data do julgamento). Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator DJe 05.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Mandado de segurança impetrado por Célio de Souza Lima, apontando como autoridades coatoras o Comandante do Exército e o Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, buscando anular o “ato administrativo que transferiu o autor para a guarnição do Rio de Janeiro-RJ”. A em. Ministra Eliana Calmon, à época relatora, indeferiu a liminar assim: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar inaudita altera parte, impetrado por Célio de Souza Lima, contra ato do Comandante do Exército e do Chefe do Departamento Geral de Pessoal, consubstanciado no indeferimento do pedido de reconsideração da decisão que determinou sua transferência ex officio. Alega o impetrante ter pleiteado a anulação de sua transferência para a Companhia do Comando da 1ª Região Militar do Rio de Janeiro, sendo o pedido de reconsideração indeferido, em 22 de fevereiro de 2010, pelo Chefe do Departamento Geral de Pessoal, ao argumento de não se enquadrar a hipótese em nenhuma das situações autorizadoras do art. 10 das IG 01-02, verbis: Art. 10. A anulação ou a retificação de uma movimentação somente pode ser efetuada caso ocorra uma das situações abaixo, a qual deve constar do ato: I - por ordem do Comandante do Exército; II - por absoluta necessidade do serviço; III - por motivo de saúde do militar ou de seu dependente; e IV - por inconveniência ou incompatibilidade de o militar servir na OM ou na guarnição de destino. Argumenta que o decisum fere direito líquido e certo na medida em que o próprio Comandante do 41º Bl Mtz de Jataí-GO foi claro ao expressar a “absoluta 88 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO necessidade de serviço” para a permanência do militar no Batalhão, fato que autorizaria a retificação ou anulação de sua transferência. Sustenta o autor ter recorrido administrativamente, dirigido-se ao impetrado, Comandante do Exército, pugnando pela anulação do ato de movimentação do autor do 41º Bl Mtz de Jataí-GO, sendo, mais uma vez, indeferido o pedido. Informa ter pedido lhe fosse fornecida cópia integral dos autos administrativos, NUP n. 64103.000003/2001-58 e n. 64103.000007/2010-36, obtendo apenas acesso ao primeiro procedimento, o qual traz a decisão que aponta a absoluta necessidade de serviço para sua permanência do impetrante em Jataí-GO. Entendendo presentes os pressupostos autorizadores da tutela de urgência, o fumus boni iuris, consubstanciado pelo direito exposto, e o periculum in mora, traduzido pela necessidade de retorno do impetrante o mais breve possível para desempenhar suas funções na em Jataí-GO, pede a concessão da medida liminar. Decido: A concessão da medida liminar exige demonstração do periculum in mora, que se traduz na urgência da prestação jurisdicional, bem como a caracterização do fumus boni iuris, ou seja, consistente na plausibilidade do direito alegado, de forma concomitante. Tendo em vista a existência de ato que, por si só, seria suficiente para retificar ou anular a decisão de transferência do autor, tem-se, em tese, o fumus boni iuris. Entretanto, pelo que dos autos consta, o impetrante já se encontra transferido para a Companhia do Comando da 1ª Região Militar do Rio de Janeiro, pois pugnou o seu retorno à cidade de Jataí-GO, inexistindo, neste ponto, o perigo da demora, uma vez ter o ato coator se consumado plenamente. Não demonstrada a existência de periculum in mora, inexistindo a urgência pleiteada, indefiro a liminar requerida. Solicitem-se as informações de estilo às autoridades coatoras. Que as informações sejam instruídas com cópia do Processo Administrativo NUP n. 64103.000007/2010-36, não fornecida ao impetrante. Após, ouça-se o MPF. Intimem-se. As informações foram prestadas (fls. 84-145), e o Dr. Wallace de Oliveira Bastos, Subprocurador-Geral da República, opinou pela concessão da segurança (fls. 155-160). É o relatório. RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 89 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O impetrante, 1º Sargento do Exército, irresigna-se por ter sido transferido, ex officio, do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado (41º BI Mtz), em Jataí-GO, para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. A referida movimentação consta do Aditamento da DCEM 3E ao Boletim do DGP n. 076, de 23.12.2009 (fl. 42). O pedido de reconsideração formulado pelo impetrante foi indeferido pelo Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, tendo em vista que o pleito do requerente não se enquadraria em nenhuma das situações autorizadas no art. 10 das IG 10-02 (fl. 39). Nas informações prestadas, afirmam as autoridades apontadas como coatoras, com base na legislação em vigor, (i) que o militar, após cumprir o tempo mínimo de permanência em “GU Esp”, poderá ser movimentado, de acordo com o interesse do serviço e a critério do “O Mov” (fl. 86); (ii) que as movimentações, em geral, visam, “prioritariamente, ao preenchimento de cargos e funções previstos no Quadro de Cargos Previstos (QCP), que estabelece todas as especialidades exigidas para o desempenho do cargo, no intuito de assegurar a existência do efetivo necessário à eficiência operativa e administrativa das Organizações Militares, podendo ser atendidos interesses individuais, quando for possível conciliá-los com as exigências do serviço” (fl. 86); (iii) que “quanto à existência de claros no Quadro de Cargos Previstos (QCP) do 41º BIMtz ( Jatái-GO), saliente-se que a decisão de seu preenchimento, ou não, é da competência exclusiva da Alta Administração de Pessoal do Exército, decorrente, dentre outras razões da eficiência administrativa e operacional e do percentual do efetivo que deva existir em cada OM, considerando-se sempre os interesses maiores da Instituição, com suas reais necessidades, conduzindo-os sem qualquer sentido de particularização, no contexto do cumprimento de uma Política de Pessoal determinada pelo Comandante da Força Terrestre”; (iv) que, “no caso concreto, o interesse público envolve justamente a segurança nacional, haja vista a questão relacionar-se com os serviços prestados pelas Forças Armadas, a quem compete determinar como se dará a distribuição de seu contingente, levandose em conta a necessidade e as condições de cada região” (fl. 90); (v) que, na linha da jurisprudência desta Corte, “mostra-se inviável o controle do juízo de conveniência e oportunidade da Administração na hipóteses de transferência de militares, sob pena de ofensa ao princípio da tripartição dos poderes” (fl. 90). 90 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Cita o RMS n. 13.151-PR, publicado em 10.12.2007, Sexta Turma, da relatoria da em. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Extraio do Despacho Decisório n. 078/2010, de 06.05.2010, do Comandante do Exército, que, in verbis: 3. No mérito: [...] – segundo o Regulamente de Movimentação para Oficiais e Praças do Exército (R-50), aprovado com o Decreto n. 2.040, de 21 Out 1996, movimentação é a “denominação genérica do ato administrativo realizado para atender às necessidades do serviço, com vista a assegurar a presença do efetivo necessário à eficiência operacional e administrativa das OM”; – por intermédio da movimentação, a Administração Militar busca o equilíbrio na distribuição do efetivo entre as diversas Organizações Militares (OM) da Força Terrestre e, ao mesmo tempo, proporciona ao militar vivência nacional, atributo de suma importância na vida castrense; – portanto, é da própria natureza e especificidades da profissão militar, a sujeição a movimentações para qualquer parte do País e até mesmo para o exterior; tal previsão consta no art. 2º do R-50, aprovado com o Decreto n. 2.040, de 1996, que prevê, ainda, a possibilidade de serem atendidos interesses individuais, quando for possível conciliá-los com as exigências do serviço; – nesse contexto, tendo o recorrente permanecido por mais de 16 (dezesseis) anos na guarnição de jataí, o Órgão Movimentador, observados os requisitos de habilitação militar necessários para o exercício do cargo, o efetivo previsto para a OM e, principalmente, o interesse do serviço, realizou o ato de transferência do militar; – quanto aos problemas de saúde na família, não há no processo inequívoca de que tais problemas sejam impeditivos para a concretização da movimentação; ademais, pelo que se infere da documentação carreada aos autos, o sogro do recorrente nem mesmo é seu dependente, consoante o preconizado na Lei n. 6.880, de 09 Dez 1980 (Estatuto dos Militares); – os argumentos relativos às situações labora do cônjuge do recorrente e discente de sua filha, também não o socorrem, porquanto não configuram situações que impossibilitem a transferência, tampouco afastam a submissão ao regramento militar pertinente, no caso, às normas que regulamentam a movimentação dos militares; (fls. 97-98). Efetivamente, não discordo do entendimento de que ao Poder Judiciário, na sua atividade jurisdicional, descabe ingressar no reexame do juízo de conveniência, oportunidade e discricionariedade da administração pública, aí RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 91 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA incluída a administração militar em relação ao controle das movimentações dos servidores públicos militares. Aqui, entretanto, verifico que a movimentação impugnada esbarra na legalidade. De fato, as Instruções Gerais para Movimentação de Oficiais e Praças do Exército – IG 10-02 (aprovada pela Portaria do Comandante do Exército n. 325, de 06.07.2000), juntadas às fls. 25-37, dispõem: Art. 2º Cabe ao Estado-Maior do Exército (EME) estabelecer as prioridades para completamento de claros das diversas Organizações Militares (OM) do Exército. Art. 3º Cabe ao Departamento-Geral do Pessoal (DGP) fixar os percentuais de efetivos, dentro de cada prioridade, em função das disponibilidades de recursos humanos. [...] Art. 10. A anulação ou a retificação de uma movimentação somente pode ser efetuada caso ocorra uma das situações abaixo, a qual deve constar do ato: I - por ordem do Comandante do Exército; II - por absoluta necessidade do serviço; III - por motivo de saúde do militar ou de seu dependente; e IV - por inconveniência ou incompatibilidade de o militar servir na OM ou na guarnição de destino. Já o Comandante do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado, no processo administrativo respectivo, manifestou-se pela permanência do impetrante no referido batalhão por flagrante interesse do serviço e da administração militar, apresentando a seguinte motivação: a. O referido militar foi indicado por esta OM e nomeado pela 11ª Região Militar para frequentar o estágio de Identificador de Corpo de Tropa no corrente ano, a fim de compor a Equipe de Identificação desta Organização Militar, conforme determinação contida na Portaria n. 133-DGP de 10 Jun 2008, tendo concluído-o com aproveitamento e considerado apto para o exercício das funções correspondentes, as quais passou a exercer efetivamente após a designação feita pela 11ª Região Militar, publicada no Boletim Regional n. 37, de 17 de setembro de 2009 e transcrita no Boletim Interno n. 189, de 15 de outubro de 2009, do 41º BI Mtz (documento anexo); [...] e. Tendo em vista a necessidade de composição/manutenção da equipe habilitada para o exercício das funções de Identificação de Corpo de Tropa nesta 92 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO OM, verifica-se que a permanência do referido sargento neste Batalhão atenderá, substancialmente, ao aprimoramento constante da eficiência da Instituição, pois já desempenha a função de Identificador de Corto de Tropa e também, em razão da absoluta necessidade do serviço e da imprescindibilidade e confiabilidade exigidas, pois desenvolve a coleta e lançamento dos dados no EBCorp (Banco de Dados Corporativos do Exército Brasileiro); f. Em que pese a necessidade do serviço demonstrada acima, o referido sargento foi inicialmente movimentado para a 20ª Companhia de Comunicações Paraquedista (Rio de Janeiro-RJ), conforme publicado no Adt da DCEM 3 Q ao Boletim do DGP n. 064, de 11 de novembro de 2009. g. Em face dessa movimentação, foi interposto requerimento de reconsideração de ato ao Senhor Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, o qual proferiu decisão revogando a respectiva transferência (Aditamento 3D ao Boletim DGP n. 074, de 16 de dezembro de 2009), com fundamento nos motivos alegados na informação deste Comando, determinando inclusive que o sargento deveria permanecer na sua OM (41ª BI Mtz), “na condição de adido como se efetivo fosse, aguardando abertura de claro/vaga, em caráter excepcional, atendendo aos motivos contidos na Informação n. 27-S1.3, de 18 de novembro de 2009, desta OM”. h. Posteriormente a essa anulação de transferência, o sargento em tela foi novamente movimentado para a Guarnição do Rio de Janeiro (Companhia de Comando da 1ª Região Militar – Rio de Janeiro-RJ), conforme Adt da DCEM 3E ao Boletim do DGP n. 076, de 23 de dezembro de 2009, tendo o Interessado ingressado com requerimento de reconsideração de ato dirigido ao Senhor Chefe do Departamento-Geral do Pessoal. i. Os motivos que levaram ao ingresso de novo requerimento de reconsideração de ato de movimentação de ato de movimentação foram os mesmos que fundamentaram a primeira anulação de movimentação do 41º BI Mtz à 20ª Cia. Com Pqdt (Informação n. 27-S1.3, de 18 de novembro de 2009, desta OM e exposição de motivos), porém, nesse novo requerimento os motivos elencados na informação (reproduzem os mesmos da primeira informação já citada) não foram alvo de apreciação, conforme se verifica na decisão publicada no Adt 5E - DCEM ao Boletim do DGP n. 014, de 22 de fevereiro de 2010, tendo sido analisados apenas os motivos constantes na exposição feita pelo militar, os quais levaram ao indeferimento do pedido de reconsideração de ato. k. Por fim, importa ressaltar que caso seja deferida a revogação da respectiva movimentação, além de atender ao principal motivo deste requerimento (absoluta necessidade do serviço), a permanência do militar nesta OM atenderá aos interesses particulares da família, na medida em que sua esposa, por ser filha única, presta auxílio direto aos pais, os quais possuem idade avançada. 3. Despacho Há coerência entre o requerido e a legislação vigente. Não há inconveniência para o serviço. Encaminhe-se (fls. 126-128). RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 93 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sem dúvida, diante do texto acima, que acabo de ler, a situação concreta impõe a concessão da ordem, sem que isso implique reexaminar a conveniência, a oportunidade e a discricionariedade. É que as decisões da autoridades apontadas como coatoras estão baseadas na alegação genérica de “interesse da administração militar”, sem mencionar quaisquer argumentos, particularidades, ou situações específicas que justifiquem a efetiva necessidade de movimentação do impetrante para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. Em outras palavras, a tese genérica de “interesse da administração militar” não satisfaz, no presente caso, o requisito da motivação e, por isso, não tem força suficiente para se contrapor à manifestação do Comandante do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado, que, diversamente, está assentada em argumentos concretos, em fatos, em informações reveladores da real necessidade de serviço para o retorno do impetrante ao 41º BI Mtz. Com isso, encontra-se presente a hipótese prevista no art. 10, inciso II, das Instruções Gerais para Movimentação de Oficiais e Praças do Exército – IG 10-02, segundo a qual a anulação ou a retificação de uma movimentação pode ser efetuada “por absoluta necessidade do serviço”. Ante o exposto, concedo a ordem para anular a movimentação do impetrante para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.434-DF (2010/0112746-3) Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha Impetrante: Rosendo Rodrigues Baptista Neto Advogado: Deise Mendroni Menezes e outro(s) Impetrado: Ministro de Estado da Justiça Interessado: União EMENTA Mandado de segurança. Administrativo. Processo Administrativo Disciplinar. Comissão Designada Superintendente Regional. Legalidade. Ausência de prejuízo. 94 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO – É legal a delegação de competência ao Superintendente Regional da Polícia Federal para designar membros de comissão disciplinar. Precedentes. – Só se declara a nulidade do processo administrativo disciplinar por vícios meramente formais quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso. Segurança denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília (DF), 14 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator DJe 23.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Mandado de Segurança preventivo, com pedido liminar, impetrado por Rosendo Rodrigues Baptista Neto contra ato supostamente ilegal a ser praticado pelo Ministro de Estado da Justiça. Diz o impetrante ocupar o cargo de policial federal e, submetido a processo administrativo disciplinar, apoiado em inquérito policial e ação penal pública, foi indiciado por falta disciplinar grave, consistente no fato de ter supostamente “se afastado do serviço por força de atestados médicos para trabalhar como segurança de pessoa de maus antecedentes criminais e que, anteriormente, havia sido presa por tráfico de drogas, recebido pagamentos periódicos da RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 95 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA referida pessoa, viajado ao exterior às suas expensas e auxiliado no transporte e introdução no país de valores, sem os registros legais, em evidente esquema de lavagem de dinheiro, condutas que, em tese, configuram as transgressões disciplinares tipificadas nos incisos VII, VIII, IX, XXVII, XLVIII e LIII do artigo 43 da Lei n. 4.878, de 03.12.1965” (fl. 02). Esclarece que, “subindo os autos a e. Corregedoria-Geral, em Brasília, sobreveio o Parecer n. 93/2010-CODIS/COGER/DPF, acompanhando o relatório opinativo da Comissão, o Despacho n. 240/2010-CODIS/COGER/ DPF aprovando-o e o Despacho n. 51.079/2010 – COGER-DPF, onde após a aprovação do despacho da CODIS, determinou a remessa dos autos ao Ministro da Justiça para decisão, tendo em vista penalidade punível com demissão (doc. 11-13)” (fl. 03). Alega nulidade absoluta do processo administrativo disciplinar aos argumentos, em síntese, de que a designação da comissão processante teria se dado após o fato, o que seria ilegal, e de que foi feita por agente incompetente. A medida liminar foi indeferida em 23 de julho de 2010 pelo Ministro Hamilton Carvalhido, no exercício da Presidência, por falta do fumus boni iuris e por confundir-se o pedido com o mérito da própria impetração. O Ministro de Estado da Justiça prestou informações em 12.08.2010 (fls. 301-472), defendendo a validade do processo administrativo disciplinar. O Ministério Público Federal, pelo parecer de fls. 475-480, opina pela denegação da ordem. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Tenho que a ordem deve ser denegada. Segundo o impetrante, a nulidade do procedimento administrativo decorreria de vício na designação da comissão processante, que teria sido esta criada com o objetivo específico de apurar o fato e constituída por agente incompetente. Em relação à incompetência do agente, a impetração não tem amparo na jurisprudência firmada pela egrégia Terceira Seção desta Corte, que entende 96 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO ser legal a delegação de competência ao Superintendente Regional da Polícia Federal para designar membros de comissão disciplinar. Confiram-se os seguintes precedentes: Mandado de segurança preventivo. Servidor público civil. Agente de polícia federal. Comissão permanente de disciplina. Designação. Processo Administrativo Disciplinar. Instauração. Competência. Superintendente Regional da Polícia Federal. Legalidade. Delegacia regional. Transformação. Superintendência Regional. Art. 53 da Lei n. 4.878/1965 c.c. art. 5º do Decreto n. 70.665/1972. Reinquirição de testemunha. Indeferimento. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Segurança denegada. I – O Superintendente Regional de Polícia Federal tem competência para designar os membros de comissão permanente de disciplina, bem como determinar a abertura de procedimento administrativo disciplinar, no âmbito da respectiva Superintendência. II – Interpretação do artigo 53 da Lei n. 4.878/1965 em conformidade com as novas denominações atribuídas aos órgãos e cargos que compõem a estrutura do Departamento de Polícia Federal, a partir da edição do Decreto n. 70.665/1972. III - É legal a delegação de competência atribuída ao Superintendente Regional para a designação dos membros integrantes das Comissões de Disciplina, contida no artigo 38, inciso XII, do Regimento Interno do Departamento de Polícia Federal, aprovado pela Portaria n. 1.825/2006, do em. Ministro de Estado da Justiça, por revelar típico ato de desconcentração administrativa. [...] Ordem denegada (MS n. 14.401-DF, Ministro Felix Fischer, DJe de 23.03.2010). Mandado de segurança preventivo. Agentes da polícia federal. Processo Administrativo Disciplinar. Superintendente Regional do Departamento de Polícia Federal. Designação dos membros da comissão processante. Possibilidade. Comissão temporária. Inobservância do art. 53, § 1º, da Lei n. 4.878/1965. Nulidade. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do MS n. 14.401-DF, firmou entendimento no sentido de ser legal a delegação de competência atribuída ao Superintendente Regional para a designação dos membros integrantes das Comissões de Disciplina. [...] 3. Segurança parcialmente concedida (MS n. 14.310-DF, Ministro Og Fernades, DJe de 10.09.2010). Tal orientação, no meu entender, deve ser mantida por esta Primeira Seção. RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 97 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em relação à designação da comissão processante após o fato, também improsperável a pretensão de reconhecimento de nulidade. O impetrante alega, no ponto, que houve ofensa ao princípio do juiz natural (Constituição Federal, art. 5º, incisos XXXVII e LIII), isso porque, “em que pese a portaria de constituição da Quinta Comissão denominá-la como ‘permanente’, o fato é que veio ela a ser instalada para apuração apenas da referida ‘operação império’, posto que encerrados os trabalhos foi a comissão destituída” (fl. 14). Ocorre que, reconhecida a competência da comissão processante pelos fundamentos já aduzidos, não há violação das garantias constitucionais relativas ao processamento por autoridade competente (CF, art. 5º, inciso LIII) e à proibição de juízos ou Tribunais de exceção (CF, art. 5º, inciso XXXVII). Além disso, as razões deduzidas no writ não apontam nenhum prejuízo efetivo advindo da designação da comissão processante posterior à defesa do servidor indiciado, pelo que se aplica, à espécie, o princípio “pas de nullité sans grief”. Com efeito, na esteira dos precedentes desta Corte, só se declara a nulidade do processo administrativo disciplinar por vícios meramente formais quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso. Confira-se, entre tantos julgados, recente acórdão da Segunda Turma: Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor público. Nulidades do PAD. Ausência de comprovação de prejuízo à defesa. Corrupção. Comprovação. Pena de demissão. Proporcionalidade com os fatos apurados. Segurança denegada. [...] 3. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento segundo o qual somente se declara nulidade de processo administrativo quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido (RMS n. 32.536PE, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 13.04.2011). Faço consignar, por fim, que, em memorial, a União informou que a demissão do impetrante consta da Portaria n. 3.064, de 24.09.2010, DOU de 27.09.2010, do Ministro de Estado da Justiça, o que tornaria sem objeto o presente mandado de segurança preventivo. Prejudicado, contudo, tal argumento, em razão da orientação firmada no REsp n. 817.846-MG, que cito entre outros. Diante disso, voto pela denegação da ordem. 98 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Senhor Presidente, nao vou divergir da maioria desta Seção. Vou só ressaltar meu ponto de vista, acompanhar o voto do eminente Relator e frisar que, em 09 de setembro do ano passado, sob minha relatoria, a douta Quinta Turma decidiu no sentido do meu voto, que agora ressalvo. 2. Acompanho o voto do Senhor Ministro Relator, ressalvando meu ponto de vista quanto a essa orientação. RECURSO ESPECIAL N. 1.213.082-PR (2010/0177630-8) Relator: Ministro Mauro Campbell Marques Recorrente: Fazenda Nacional Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Recorrido: Beneficiamento Santo André Ltda. Advogado: Pedro Henrique Igino Borges e outro(s) EMENTA Processual Civil. Tributário. Recurso Especial Representativo da Controvérsia (art. 543-C, do CPC). Art. 535, do CPC, ausência de violação. Compensação de ofício prevista no art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e no art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986. Concordância tácita e retenção de valor a ser restituído ou ressarcido pela Secretaria da Receita Federal. Legalidade do art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997. Ilegalidade do procedimento apenas quando o crédito tributário a ser liquidado se encontrar com exigibilidade suspensa (art. 151, do CTN). 1. Não macula o art. 535, do CPC, o acórdão da Corte de Origem suficientemente fundamentado. 2. O art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/1997, bem como as instruções normativas da Secretaria da Receita Federal que regulamentam a compensação de ofício no âmbito da Administração RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 99 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tributária Federal (arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF n. 21/1997; art. 24, da IN SRF n. 210/2002; art. 34, da IN SRF n. 460/2004; art. 34, da IN SRF n. 600/2005; e art. 49, da IN SRF n. 900/2008), extrapolaram o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, tanto em sua redação original quanto na redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005, somente no que diz respeito à imposição da compensação de ofício aos débitos do sujeito passivo que se encontram com exigibilidade suspensa, na forma do art. 151, do CTN (v.g. débitos inclusos no Refis, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997. Precedentes: REsp n. 542.938-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 18.08.2005; REsp n. 665.953RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 05.12.2006; REsp n. 1.167.820-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05.08.2010; REsp n. 997.397RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04.03.2008; REsp n. 873.799-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.08.2008; REsp n. 491.342-PR, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18.05.2006; REsp n. 1.130.680-RS Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.10.2010. 3. No caso concreto, trata-se de restituição de valores indevidamente pagos a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ com a imputação de ofício em débitos do mesmo sujeito passivo para os quais não há informação de suspensão na forma do art. 151, do CTN. Impõe-se a obediência ao art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997 e normativos próprios. 4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte 100 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO resultado de julgamento: “A Seção, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha, Francisco Falcão, Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciado o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira. Brasília (DF), 10 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Mauro Campbell Marques, Relator DJe 18.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial interposto com fulcro no permissivo do art. 105, III, a, da Constituição Federal de 1988, contra acórdão que entendeu ilegal a retenção de valor a ser restituído ou ressarcido quando o contribuinte manifesta a sua discordância em procedimento de compensação de ofício, previsto no art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986. O acórdão restou assim ementado (e-STJ fls. 516-520): Tributário. Compensação de ofício. Lei n. 9.430. Art. 73. Decreto n. 2.138. Discordância do contribuinte. Retenção. Ilegalidade. O Decreto n. 2.138, ao dispor sobre a compensação de ofício de tributos e contribuições sob administração da Secretaria da Receita Federal, admitindo a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento, até a liquidação do débito apurado pelo Fisco, desbordou dos limites da lei. O artigo 73 da Lei n. 9.430/1996, ao disciplinar a compensação realizada pela Secretaria da Receita Federal em procedimentos internos, não a autoriza a proceder a retenção do crédito a ser restituído ou ressarcido ao contribuinte, ante a discordância deste. Os embargos de declaração interpostos restaram acolhidos apenas para efeito de prequestionamento (e-STJ fls. 536-541). Alega a recorrente que houve violação aos arts. 535, II, do CPC; art. 7º e §§ do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (com a redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005); art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e art. 6º, do Decreto RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 101 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA n. 2.138/1997. Afirma que a compensação de ofício, bem como a retenção dos valores a serem restituídos ou ressarcidos quando há manifestação do contribuinte contrária à compensação, são procedimentos que estão de acordo com a legislação em vigor (e-STJ fls. 551-563). Contra-razões nas e-STJ fls. 570-585. Recurso regularmente admitido na origem (e-STJ fls. 588-589). Ao verificar que o tema do recurso é repetitivo no âmbito da Primeira Seção do STJ, exarei decisão submetendo o feito a julgamento pelo novo procedimento do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, regulamentado pela Resolução STJ n. 8/2008 (e-STJ fls. 597-598). Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso especial (e-STJ fls. 604-608). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): De início, afasto a ocorrência de violação ao art. 535, do CPC. Efetivamente, o acórdão prolatado pela Corte de Origem examinou de forma suficiente a causa e se encontra respaldado em fundamentação adequada. O Poder Judiciário não está obrigado a examinar expressamente todas as teses e artigos de lei invocados pelas partes, bastando proferir julgado suficientemente fundamentado. Em razão de prequestionamento implícito, conheço do recurso especial quanto à alegada violação ao art. 7º e §§ do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (com a redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005); ao art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e ao art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997. Examino o mérito. Diz o Código Tributário Nacional - CTN (Lei n. 5.172/1966) que a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo. In litteris: Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (Vide Decreto n. 7.212, de 2010). 102 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento. Certa é a obrigação a respeito da qual não paira dúvida sore sua existência. Líquida é a obrigação certa quanto a sua existência e determinada quanto ao seu objeto. Vencida é a obrigação que já pode ser exigida, ou seja, exigível. Regra geral, a compensação somente pode ocorrer entre dívidas certas, líquidas e exigíveis, tal é a disciplina do art. 369, do Código Civil de 2002 (antigo art. 1.010, do CC/1916) ao estabelecer que a compensação se efetua entre dívidas líquidas e vencidas. Veja-se: Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. No caso da compensação tributária, o CTN dispensou a exigibilidade do crédito do contribuinte ao permitir que ele compensasse crédito vincendo na forma da lei. No entanto, a exigibilidade não foi dispensada para os créditos tributários, que deverão ser sempre certos, líquidos e exigíveis para participarem de uma compensação. Pois bem, rege o Decreto-Lei n. 2.287/1986 que a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá compensar de ofício (ato vinculado) o valor a ser ressarcido ou restituído, com eventuais débitos do contribuinte beneficiado pela restituição ou ressarcimento. Transcrevo: Decreto-Lei n. 2.287/1986 (redação original). Art. 7º A Secretaria da Receita Federal, antes de proceder a restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional. § 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. § 2º O Ministério da Fazenda disciplinará a compensação prevista no parágrafo anterior. A compensação de ofício surgiu, portanto, como uma imposição legal ao Fisco Federal e sem a limitação para a compensação entre tributos de mesma espécie, pois na sua feitura a SRF deve obedecer ao art. 163, do CTN, que RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 103 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA estabelece de forma subsidiária as normas de imputação em pagamento próprias do Direito Tributário, a saber: Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária ou juros de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras, na ordem em que enumeradas: I - em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos decorrentes de responsabilidade tributária; II - primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos impostos; III - na ordem crescente dos prazos de prescrição; IV - na ordem decrescente dos montantes. A compensação voluntária somente passou a existir com a publicação do art. 66, da Lei n. 8.383/1991 (alterado pela Lei n. 9.069/1995), que autorizou a realização da compensação tributária diretamente pelo contribuinte, desde que para pagamento de débitos de períodos seguintes de tributos de mesma espécie daqueles que seriam restituídos, excepcionando as regras de imputação do art. 163, do CTN. O artigo de lei permitiu ao contribuinte também optar pelo pedido de restituição, situação na qual permaneceria aplicável o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (compensação de ofício), a impedir a restituição enquanto o contribuinte fosse devedor da Fazenda Nacional por crédito certo, líquido e exigível. Ipsis verbis: Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199) (Vide Lei n. 9.250, de 1995). § 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). § 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). § 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo ou contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na variação da UFIR (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). 104 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO § 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). Desse modo, permaneceu aplicável no período de vigência do art. 66, da Lei n. 8.383/1991, a imposição da compensação de ofício para os casos em que o contribuinte optou por pedido de restituição ou nas situações em que foi constatado crédito seu por restituição ou ressarcimento sem qualquer utilização voluntária por si efetuada. Posteriormente, a sistemática de compensação voluntária recebeu alterações pela Lei n. 9.430/1996, e, para disciplinar internamente a forma como se daria dentro da contabilidade pública a compensação de ofício prevista no Decreto-Lei n. 2.287/1986, entre tributos de espécies diversas, já que possuem destinações constitucionais distintas, foi publicado o art. 73, da Lei n. 9.430/1996. Disse o prefalado artigo de lei: Art. 73. Para efeito do disposto no art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos do contribuinte e a quitação de seus débitos serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria da Receita Federal, observado o seguinte: I - o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo ou da contribuição a que se referir; II - a parcela utilizada para a quitação de débitos do contribuinte ou responsável será creditada à conta do respectivo tributo ou da respectiva contribuição. Dentro da mesma Lei n. 9.430/1996 foi originalmente publicado também o art. 74, que permitiu ao contribuinte efetuar requerimento a fim de excepcionar as regras de imputação em pagamento previstas para a compensação de ofício (art. 163, do CTN) para quitar débitos de seu interesse fora daquela ordem de imputação e agora também de outros tributos que não fossem de mesma espécie. Transcrevo: Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração. A sistemática vigorou até o advento da Medida Provisória n. 66/2002 (convertida na Lei n. 10.637/2002) que realizou alterações no art. 74, da Lei RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 105 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA n. 9.430/1996 para criar a Declaração de Compensação, onde foi facultado ao contribuinte escolher os débitos e créditos próprios que pretende compensar. No entanto, em que pesem as sucessivas alterações legislativas, sempre foi preservada de forma subsidiária a compensação de ofício prevista no DecretoLei n. 2.287/1986 quando a SRF identificar valor a ser restituído ou ressarcido ao contribuinte que não houver sido voluntariamente compensado com qualquer débito seu. Sendo assim, dos artigos de lei citados extrai-se que a restituição ou o ressarcimento de tributos, por força do Decreto-Lei n. 2.287/1986, sempre esteve legalmente condicionada à inexistência de débitos certos, líquidos e exigíveis por parte do contribuinte, sendo dever da Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF efetuar de ofício a compensação sempre que o contribuinte não o fizer voluntariamente. Nessa linha de entendimento, foi publicado o Decreto n. 2.138/1997, que determinou fosse efetuada a notificação ao sujeito passivo antes da feitura da compensação de ofício a fim de que ele exercesse o direito que o art. 74, da Lei n. 9.430/1996, em sua redação original, lhe permitiu. Verbo ad verbum: Decreto n. 2.138/1997. Art. 6° A compensação poderá ser efetuada de ofício, nos termos do art. 7° do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, sempre que a Secretaria da Receita Federal verificar que o titular do direito à restituição ou ao ressarcimento tem débito vencido relativo a qualquer tributo ou contribuição sob sua administração. § 1° A compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para que se manifeste sobre o procedimento, no prazo de quinze dias, sendo o seu silêncio considerado como aquiescência. § 2° Havendo concordância do sujeito passivo, expressa ou tácita, a Unidade da Secretaria da Receita Federal efetuará a compensação, com observância do procedimento estabelecido no art. 5°. § 3° No caso de discordância do sujeito passivo, a Unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado. Com efeito, o Decreto n. 2.138/1997, ao determinar a notificação prévia do contribuinte para se manifestar a respeito do procedimento de compensação de ofício, criou uma verdadeira liberalidade, um benefício ao devedor, já que a legislação em vigor aqui examinada jamais condicionou a compensação de ofício a qualquer notificação prévia, muito menos à concordância do sujeito passivo, pois a compensação de ofício se trata de comando impositivo da lei 106 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO à Administração Tributária Federal sempre que não houver compensação voluntária pelo sujeito passivo. Nessa linha, relevante observar que o objetivo do Decreto n. 2.138/1997, ao estabelecer a obrigatoriedade da notificação prévia, foi o de direcionar situações que ensejariam a compensação de ofício para o caminho da compensação voluntária, oportunizando ao devedor indicar os débitos que tem preferência por liquidar. Outrossim, tal procedimento de notificação é salutar, pois traz o benefício de prevenir litígios administrativos e judiciais que naturalmente adviriam de uma compensação efetuada com o desconhecimento do contribuinte. À toda evidência, podem existir créditos tributários que o contribuinte entende por ilegítimos e que pretende discutir administrativamente ou judicialmente. Nesse contexto, a intenção do ato normativo foi a de que o contribuinte tomasse o rumo proposto pelo art. 74, da Lei n. 9.430/1996, em sua redação original, que lhe permitia efetuar requerimento a fim de escolher os débitos a serem quitados. É por tais motivos que foi possível ao Decreto n. 2.138/1997 prever que o silêncio do contribuinte é considerado como aquiescência ao procedimento de compensação de ofício, pois não fez uso da oportunidade que lhe foi dada (art. 6º, § 1º). Da mesma forma, foi possível prever que a discordância do procedimento permite a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado (art. 6º, § 3º). Ora, “Cui licet quod est plus, licet utique quod est minus” - “Quem pode o mais, pode o menos”. Se o Fisco Federal por lei já deveria (ato vinculado) efetuar a compensação de ofício diretamente, à toda evidência também deve reter (ato vinculado) o valor da restituição ou ressarcimento até que todos os débitos certos, líquidos e exigíveis do contribuinte estejam liquidados. O que não é admissível é que o sujeito passivo tenha débitos certos, líquidos e exigíveis e ainda assim receba a restituição ou o ressarcimento em dinheiro. Isto não pode. A lei expressamente veda tal procedimento ao estabelecer a compensação de ofício como ato vinculado quando faz uso das expressões “deverá verificar” e “será compensado” (art. 7º e § 1º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986). Nessa toada, a jurisprudência do STJ admite a legalidade dos procedimentos de compensação de ofício, desde que os créditos tributários em que foi imputada a compensação não estejam com sua exigibilidade suspensa em razão do ingresso em algum programa de parcelamento, ou outra forma de suspensão da exigibilidade prevista no art. 151, do CTN, ressalvando que a penhora não é forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 107 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ambas as Turmas que têm por competência julgar temas de Direito Tributário, transcrevo: Tributário. Crédito presumido de IPI na exportação. Ressarcimento de débito. Art. 4º da n. 9.363/1993. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. I - Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de créditos prêmio de IPI na exportação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos do contribuinte pelo Fisco. II - Recurso especial improvido (REsp n. 542.938-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 18.08.2005). Tributário. Impostos federais incidentes sobre a importação de mercadorias. Ressarcimento de crédito. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Compensação. Certeza e liquidez. Súmula n. 7-STJ. 1. Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de impostos federais incidentes sobre a importação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos do contribuinte. 2. Não é possível, em sede de recurso especial, analisar questão relativa a certeza e liquidez de suposto débito do contribuinte a título de IOF se, para tanto, for necessário reexaminar os elementos fáticos-probatórios considerados para o deslinde da controvérsia. Inteligência da Súmula n. 7-STJ. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido (REsp n. 665.953-RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 05.12.2006). Tributário. Agravo regimental. Recurso especial. Tributário. Ressarcimento e restituição. Não-obrigatoriedade de prévia compensação de ofício com débito parcelado. Ilegalidade do art. 34, § 1º, da Instrução Normativa SRF n. 600/2005. 1. O art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, não diz que os débitos parcelados devem necessariamente ser objeto de compensação de ofício com valores a serem objeto de restituição ou ressarcimento. 2. Na compreensão desta Corte, se há a suspensão da exigibilidade na forma do art. 151, do CTN, não há previsão legal para impor a compensação de ofício ao contribuinte. Essa imposição somente abrange os débitos exigíveis. Sendo assim, o procedimento previsto no art. 34, § 1º, da Instrução Normativa SRF n. 600/2005, que condiciona o ressarcimento à quitação do débito parcelado mediante compensação de ofício, transborda o disposto no artigos 73, da Lei n. 9.430/1996, art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, e art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997, apresentando-se ilegal. 108 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 3. Recurso especial não-provido (REsp n. 1.167.820-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05.08.2010). Tributário. Compensação. Parcelamento. 1. Os débitos incluídos em liquidação parcelada não devem ser considerados como vencidos para o fim da inclusão em compensação solicitada pelo contribuinte. 2. A homenagem ao princípio da legalidade não autoriza que, caracterizada a situação acima enfocada, a administração tributária inclua o débito parcelado para ser liquidado por compensação. 3. O débito tributário incluído no Refis sujeita-se, necessariamente, a ter sua exigibilidade suspensa. 4. Impossibilidade de o Fisco reter valores constantes no Refis, não-vencidos, para serem liquidados em regime de compensação. 5. Certidão expedida com base no art. 206 do CTN tem os mesmos efeitos da negativa de débitos. 6. Recurso da Fazenda Nacional não-provido (REsp n. 997.397-RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04.03.2008). Tributário. Violação ao art. 535, II, do CPC. Não-ocorrência. Prequestionamento implícito. Compensação de ofício pela Secretaria de Receita Federal de valores pagos indevidamente a título de PIS a serem restituídos em repetição de indébito, com valores dos débitos tributários consolidados no programa Refis. Impossibilidade. Opção do contribuinte. Art. 163 do CTN. Não-aplicação. 1. Afasto a alegada violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, uma vez que o acórdão guerreado se pronunciou de forma clara e suficiente sobre as questões que lhe foram apresentadas, ainda que de forma contrária às pretensões da recorrente. 2. Não é necessária a expressa alusão às normas tidas por violadas, desde que o aresto guerreado tenha se manifestado, ainda que implicitamente, sobre a tese objeto dos dispositivos legais tidos por violados, no caso dos autos, os arts. 7º, caput, e §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e 163 do Código Tribunal Nacional. 3. Esta Corte vem adotando entendimento no sentido de não ser possível que a Secretaria de Receita Federal proceda à compensação de ofício de valor a ser restituído ao contribuinte em repetição de indébito, com o valor do montante de débito tributário consolidado no Programa Refis, visto que os débitos incluídos no referido programa tem sua exigibilidade suspensa. 4. O disposto no art. 163 do CTN, que pressupõem a existência de débito tributário vencido para que se proceda a compensação, não é aplicável ao caso, pois o valor do débito tributário consolidado no Refis, além de ter sua exigibilidade RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 109 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA suspensa, será pago de acordo com o parcelamento estipulado, sendo opção do contribuinte compensar os valores dos créditos tributários a serem restituídos em repetição de indébito, com os débitos tributários consolidados no Programa Refis. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não-provido (REsp n. 873.799-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.08.2008). Tributário. Recurso especial. Créditos de IPI. Débitos inscritos no Refis. Compensação. Faculdade do contribuinte. Inaplicabilidade do art. 163 do CTN. 1. O art. 163 do CTN pressupõe a existência de débito tributário vencido, o que justifica a imputação ao pagamento imposta pela autoridade fiscal. Situação diversa é a que corresponde à compensação de créditos de IPI com débitos do contribuinte que estão sendo pagos no programa de recuperação fiscal - Refis. 2. A legislação de regência não obriga o contribuinte a compensar os valores de créditos escriturais do IPI com débitos consolidados inscritos no Refis. 3. Recurso especial não-provido (REsp n. 491.342-PR, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18.05.2006). Tributário. Compensação de ofício pela Secretaria de Receita Federal de valores pagos indevidamente a título de PIS e Cofins a serem restituídos em repetição de indébito, com valores dos débitos tributários consolidados no programa PAES. Impossibilidade. Art. 151, VI, do CTN. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. IN’S SRF n. 600/2005 e n. 900/2008. Exorbitância da função regulamentar. 1. Os créditos tributários, objeto de acordo de parcelamento e, por isso, com a exigibilidade suspensa, são insuscetíveis à compensação de ofício, prevista no Decreto-Lei n. 2.287/1986, com redação dada pela Lei n. 11.196/2005. (Precedentes: AgRg no REsp n. 1.136.861-RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 27.04.2010, DJe 17.05.2010; EDcl no REsp n. 905.071SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 11.05.2010, DJe 27.05.2010; REsp n. 873.799-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12.08.2008, DJe 26.08.2008; REsp n. 997.397-RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 04.03.2008, DJe 17.03.2008). 2. O art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986, com a redação dada pela A Lei n. 11.196/2005, prescreveu a possibilidade de compensação, pela autoridade fiscal, dos valores a serem restituídos em repetição de indébito com os débitos existentes em nome do contribuinte: Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional. 110 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO § 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. § 2º Existindo, nos termos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. § 3o Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo. 3. A IN SRF n. 600/2005, com arrimo no § 3º, do art. 7º, do referido Decreto-Lei, ampliou o cabimento da compensação de ofício prevista no § 1º, que passou a encartar também os débitos parcelados, verbis: Art. 34. Antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de crédito do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional relativo aos tributos e contribuições de competência da União, a autoridade competente para promover a restituição ou o ressarcimento deverá verificar, mediante consulta aos sistemas de informação da SRF, a existência de débito em nome do sujeito passivo no âmbito da SRF e da PGFN. § 1º Verificada a existência de débito, ainda que parcelado, inclusive de débito já encaminhado à PGFN para inscrição em Dívida Ativa da União, de natureza tributária ou não, ou de débito consolidado no âmbito do Refis, do parcelamento alternativo ao Refis ou do parcelamento especial de que trata a Lei n. 10.684, de 2003, o valor da restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação em procedimento de ofício. 4. A IN SRF n. 900/2008, por seu turno, revogando a Instrução Normativa anterior, dilargou ainda mais a hipótese de incidência da compensação de ofício, para abranger os débitos fiscais incluídos em qualquer forma de parcelamento, litteris: Art. 49. A autoridade competente da RFB, antes de proceder à restituição e ao ressarcimento de tributo, deverá verificar a existência de débito em nome do sujeito passivo no âmbito da RFB e da PGFN. § 1º Verificada a existência de débito, ainda que consolidado em qualquer modalidade de parcelamento, inclusive de débito já encaminhado para inscrição em Dívida Ativa, de natureza tributária ou não, o valor da RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 111 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação em procedimento de ofício. 5. A previsão contida no art. 170 do CTN confere atribuição legal às autoridades administrativas fiscais para regulamentar a matéria relativa à compensação tributária, dês que a norma complementar (consoante art. 100 do CTN) não desborde do previsto na lei regulamentada. 6. Destarte, as normas insculpidas no art. 34, caput e parágrafo primeiro, da IN SRF n. 600/2005, revogadas pelo art. 49 da IN SRF n. 900/2008, encontram-se eivadas de ilegalidade, porquanto exorbitam sua função meramente regulamentar, ao incluírem os débitos objeto de acordo de parcelamento no rol dos débitos tributários passíveis de compensação de ofício, afrontando o art. 151, VI, do CTN, que prevê a suspensão da exigibilidade dos referidos créditos tributários, bem como o princípio da hierarquia das leis. 7. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede qualquer ato de cobrança, bem como a oposição desse crédito ao contribuinte. É que a suspensão da exigibilidade conjura a condição de inadimplência, conduzindo o contribuinte à situação regular, tanto que lhe possibilita a obtenção de certidão de regularidade fiscal. 8. Recurso especial desprovido (REsp n. 1.130.680-RS Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.10.2010). De forma isolada, no sentido de admitir a legalidade da compensação de ofício mesmo quando o débito a ser compensado se encontra com exigibilidade suspensa, in litteris: Tributário. Crédito presumido de IPI na exportação. Ressarcimento de débito. Art. 4º da Lei n. 9.363/1996. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Parcelamento. Legitimidade da retenção prevista no art. 6º, § 3º, do Decreto n. 2.138/1997. I - Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de créditos prêmio de IPI na exportação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos do contribuinte pelo Fisco. Precedente: REsp n. 542.938-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 07.11.2005. II - De acordo com o § 3º do art. 6º do Decreto n. 2.138/1997: “a Unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado”, sendo legítima a sua aplicação à hipótese em tela, haja vista que o mero parcelamento do débito não constitui forma de extinção do crédito tributário. III - Recurso especial provido (REsp n. 768.689-RN, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 27.02.2007). 112 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO No exame da jurisprudência, observo que o REsp n. 938.097-PR, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008, comumente citado de forma errônea como posicionamento desta Casa em relação ao tema, não apreciou o mérito da questão, pois o recurso não foi conhecido em razão da aplicação da Súmula n. 283-STF, na forma do voto-vista proferido pelo Min. Teori Zavascki. Em razão de o relator ter mantido seus fundamentos apenas corrigindo o dispositivo, aquele julgado acabou por trazer ementa equivocada que não diz respeito efetivamente ao que foi ali apreciado. Transcrevo, in litteris: Tributário. Compensação. Direito do contribuinte. Impossibilidade do Fisco realiza-lá de ofício. Retenção de créditos tributários. Impossibilidade. Princípio da legalidade. 1. Inexiste dispositivo legal autorizando a Fazenda Nacional a proceder compensação tributária de ofício e, em caso de não-concordância do contribuinte com os valores encontrados, proceder a retenção dos respectivos créditos. 2. O Decreto n. 2.138, de 29.01.1997, em seu art. 6º, extrapolou a sua função regulamentadora. 3. A compensação é regida por dispositivos que consagram ser um direito do contribuinte, a quem lhe é outorgado a opção de realizá-la ou não. 4. A homenagem ao princípio da legalidade tributária não autoriza a prática de compensação de ofício pelo Fisco e a retenção de créditos do contribuinte. 5. Recurso especial não-conhecido (REsp n. 938.097-PR, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008). Voltando à evolução legislativa, atualmente, o mencionado DecretoLei n. 2.287/1986 está em vigor com as alterações recebidas por parte da Lei n. 11.196/2005 somente para sua adequação às novas competências e nova denominação atribuídas à SRF pela Medida Provisória n. 258/2005 que, muito embora tenha perdido a eficácia, foi sucedida pela Lei n. 11.457/2007. Transcrevo a redação do decreto-lei ainda em vigor com as alterações efetuadas, in verbis: Decreto-Lei n. 2.287/1986 (redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005). Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005). § 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005). RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 113 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA § 2º Existindo, nos termos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005). § 3º Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo (Incluído pela Lei n. 11.196, de 2005). No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF, os procedimentos aqui descritos foram disciplinados pelas seguintes instruções normativas: arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF n. 21/1997; art. 24, da IN SRF n. 210/2002; art. 34, da IN SRF n. 460/2004; art. 34, da IN SRF n. 600/2005; art. 49, da IN SRF n. 900/2008. Desta forma, o art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/1997, e instruções normativas da Secretaria da Receita Federal que regulamentam a compensação de ofício no âmbito da Administração Tributária Federal, extrapolaram o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, tanto em sua redação original quanto na redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005, somente no que diz respeito à imposição da compensação de ofício aos débitos do sujeito passivo que se encontram com exigibilidade suspensa, na forma do art. 151, do CTN (v.g. débitos inclusos no Refis, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997. No caso concreto, trata-se de restituição de valores indevidamente pagos a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ com a imputação de ofício em créditos tributários, não havendo informação de suspensão na forma do art. 151, do CTN. Impõe-se a obediência ao art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997. Ante o exposto, dou parcial provimento ao presente recurso especial para reconhecer, in casu, a legalidade dos procedimentos previstos no art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997 e normativos próprios. É como voto. 114 Primeira Turma AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.119.728-SP (2009/0112803-2) Relator: Ministro Francisco Falcão Agravante: Cooperativa Central dos Produtores de Cana de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo - Copersucar e outros Advogado: Hamilton Dias de Souza e outro(s) Agravado: Fazenda Nacional Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e outro(s) EMENTA Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira. Cooperativas. Isenção. Impossibilidade. Afronta aos arts. 535, incisos I e II, do CPC. Inocorrência. I - Inexiste omissão ou obscuridade no julgado de origem, porquanto o Tribunal a quo não se furtou de enfrentar devidamente as questões relevantes ao deslinde da causa, restando expostas as razões de convencimento, no sentido de que apesar da Lei n. 5.764/1971 consagrar que as receitas resultantes da prática de atos cooperativos estão isentas do pagamento de tributos, para o caso do IPMF as operações seriam realizadas perante a rede bancária geral, de modo que tributáveis as movimentações financeiras (sic). II - É entendimento assente neste Tribunal Superior que, quando se trata de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CPMF, todos os atos praticados pelas cooperativas estão sujeitos à sua incidência, por inexistir previsão legal específica acerca da imunidade a tal contribuição. Precedentes: REsp n. 241.641-RS, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 29.04.2002; EDcl no AgRg no REsp n. 324.045RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 04.02.2002 e REsp n. 328.775-RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 22.10.2001. III - Agravo regimental improvido. REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Francisco Falcão, Relator DJe 19.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de agravo regimental interposto por Cooperativa Central dos Produtores de Cana de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo - Copersucar e outros, contra decisão proferida pelo Exmo. Ministro Hamilton Carvalhido, que negou provimento ao recurso especial dos agravantes, para afastar a ofensa ao art. 535, incisos I e II, do CPC, bem como, no mérito, para insistir na incidência da CPMF sobre a movimentação bancária das cooperativas. Sustentam os agravantes a existência de omissão quanto às seguintes questões: que o pedido formulado no presente feito abrange exclusivamente a “exigência do IPMF nas movimentações e transmissões financeiras relativos a atos cooperativos realizados pelas Impetrantes, e respectivos lançamentos de débitos e créditos recíprocos” e foi juntada aos autos uma relação exaustiva das únicas movimentações financeiras objeto da impetração, todas elas (a) atinentes ao exercício do ato cooperativo e (b) cuja sujeição ao IPMF, assim, implicaria ônus fiscal superior àquele verificado no ato não cooperativo equivalente. Apontam obscuridade, porquanto as movimentações financeiras envolvendo terceiros (pagamentos de despesas em geral, aplicações financeiras etc.) não são objeto da impetração e sujeitaram-se regularmente à incidência do então IPMF. No mérito, repisam os argumentos relativos à incidência ilegal do IPMF sobre o ato cooperativo, em afronta aos arts. 79 e 87 da Lei n. 5.764/1971. É o relatório. Em mesa, para julgamento. 118 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA VOTO O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Em que pese aos argumentos expendidos pelos agravantes, a decisão agravada merece ser mantida. Com efeito, em seu recurso especial, os ora agravantes apontaram, em preliminar, afronta ao art. 535 do CPC, ao argumento de que o Tribunal de origem fora omisso e obscuro. Ocorre que, consoante muito bem delineado na decisão hostilizada, o Tribunal de origem sobre tal questão entendeu que, litteris: (...) De fato, consagra a Lei n. 5.764/1971 a não-sujeição do lucro das atividades cooperadas à tributação, em essência enquanto praticados atos “interna corporis”, entre os próprios entes cooperados, consagrados como atos cooperativos. Ou seja e com veemente justeza aos propósitos do associativismo cooperativo, o que a emanar daquela origem se põe a merecer proteção tributante. Todavia, para a espécie se deseja inseridas, como não-tributáveis, as movimentações financeiras realizadas perante a rede bancária em geral. (...) Logo, efetivamente tributáveis sob o enfoque do IPMF as movimentações a partir de 1994, em nada confundíveis com dispositivos da Lei em tela, arts. 85 a 88 e 111, avulta ausente capital ditame específico que viesse a excluir ditos créditos tributários, como de rigor, superior que se põe a estrita legalidade tributária, também para o tema. (...) (fl. 769 - grifos nossos). Sendo assim, não há de se falar em omissão nem em obscuridade no julgado de origem, haja vista que o Tribunal a quo, ao apreciar a demanda, manifestouse sobre todas as questões pertinentes à litis contestatio, fundamentando seu proceder de acordo com os fatos apresentados e com a interpretação dos regramentos legais que entendeu aplicáveis, demonstrando as razões de seu convencimento. No mais, é entendimento assente neste Tribunal Superior que, quando se trata de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF, todos os atos praticados pelas cooperativas estão sujeitos à sua incidência, por inexistir previsão legal específica acerca da imunidade a tal contribuição. Nesse sentido, os seguintes julgados, verbis: RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 119 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tributário. Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. Isenção. Cooperativa. Lei n. 5.764/1971. 1. Inexistindo previsão legal de isenção ou imunidade, seja na legislação ordinária, seja na Constituição Federal, os atos praticados pelas cooperativas, incluídos os atos cooperativos, estão sujeitos à incidência da CPMF. 2. Recurso não provido (REsp n. 241.641-RS, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, DJ de 29.04.2002, p. 167). Processual Civil. Embargos de declaração. Inexistência de irregularidades no acórdão. CPMF. Isenção. Cooperativas. Lei n. 5.764/1971. Atos vinculados à atividade básica da associação. 1. Os Embargos de declaração somente são cabíveis quando “houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, dúvida ou contradição” ou “for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o Juiz ou Tribunal” (incisos I e II, do art. 535, do CPC). 2. Inocorrência de irregularidades no acórdão quando a matéria que serviu de base à interposição do recurso foi devidamente apreciada no aresto atacado, com fundamentos claros e nítidos, enfrentando as questões suscitadas ao longo da instrução, tudo em perfeita consonância com os ditames da legislação e jurisprudência consolidada. O não acatamento das argumentações deduzidas no recurso não implica em cerceamento de defesa, posto que ao julgador cumpre apreciar o tema de acordo com o que reputar atinente à lide. 3. A egrégia Primeira Turma, ao julgar, à unanimidade, em 20.09.2001, o REsp n. 328.775-RS, com matéria idêntica à presente, postou-se no de que a transação financeira bancária, embora praticada por uma “cooperativa”, não se caracteriza como ato cooperativo. Este é, apenas, o concluído com os seus associados. Isenção tributária decorre expressamente de lei. O adequado tratamento tributário que a CF prevê para os atos cooperativos não colhe interpretação que alcance isenção tributária da CPMF. 4. Embargos rejeitados (EDcl no AgRg no REsp n. 324.045-RS, Rel. Ministro José Delgado, DJ de 04.02.2002, p. 303). Constitucional e Tributário. CPMF. Isenção. Cooperativas. Lei n. 5.764/1971. Atos vinculados à atividade básica da associação. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem enveredado no sentido de que a isenção prevista na Lei n. 5.764/1971 em c.c. o art. 111, RIR/80, art. 129, só alcança os negócios jurídicos diretamente vinculados à finalidade básica da associação cooperativa, não sendo, portanto, atos cooperativos, na essência, as aplicações financeiras em razão das sobras de caixa. A especulação financeira é fenômeno autônomo que não pode ser confundido com atos negociais específicos e com finalidade de fomentar transações comerciais em regime de solidariedade. 120 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 2. A transação financeira bancária, embora praticada por uma “cooperativa”, não se caracteriza como ato cooperativo. Este é, apenas, o concluído com os seus associados. 3. Isenção tributária decorre expressamente de lei. 4. O adequado tratamento tributário que a CF prevê para os atos cooperativos não colhe interpretação que alcance isenção tributária da CPMF. 5. Recurso improvido (REsp n. 328.775-RS, Rel. Ministro José Delgado, DJ de 22.10.2001, p. 279). Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o meu voto. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.191.681-RJ (2010/0078795-2) Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Agravante: União Agravado: Thiago dos Santos Gomes Advogado: Josemar Leal Santana - Defensor Público da União EMENTA Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Concurso público. Taifeiro da aeronáutica. Limitação de idade. A imposição de limite etário em concurso público para as forças armadas depende de lei em sentido formal. Impossibilidade da estipulação de critério restritivo por meio de edital ou regulamento. Precedentes do STJ. Orientação confirmada pelo STF no regime de repercussão geral. RE n. 600.885-RS. Declarada a não-recepção do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. Modulação temporal de efeitos. Ressalva da eficácia subjetiva. Atenção ao princípio da confiança. Agravo regimental desprovido. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 121 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. A Constituição de 1988 admite, expressamente, a limitação de idade para os certames de ingresso às Forças Armadas; no entanto, remete à Lei a definição dos requisitos restritivos de acesso. 2. A Lei n. 6.880/1980, editada ainda sob a égide da Carta de 1969, faz remissão aos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para a definição dos requisitos de ingresso aos seus quadros; todavia, considerando que o sistema constitucional vigente atribuiu ao legislador, com exclusividade, a missão de estabelecer os limites, dentre os quais o de idade, para o ingresso nas Forças Armadas, consolidou-se a orientação pretoriana de que somente a Lei, em sentido formal, pode estipular exigências deste jaez. Precedentes do STJ: AgRg no Ag n. 1.381.267-PR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe. 03.06.2011; AgRg no REsp n. 933.820-RS, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 17.12.2010; e REsp n. 1.186.889-DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe 02.06.2010. 3. Enfrentando a tormentosa questão da delegação a instrumentos normativos, diversos de lei em sentido formal, para a fixação dos critérios para ingresso nas Forças Armadas, o Pretório Excelso, recentemente, reiterou a orientação já consolidada, declarando a nãorecepção da expressão nos regulamentos da Marinha, do Exercito e da Aeronáutica, contida no art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 4. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 600.885-RS, em atenção ao princípio da segurança jurídica, tendo em mente os inúmeros certames, realizados desde de 1988, que fixaram limites etários com esteio no art. 10 da Lei n. 6.880/1980, optou pela modulação temporal dos efeitos da não-recepção do dispositivo; ressalvando, contudo, os direitos judicialmente reconhecidos. 5. A lenitiva ressalva justifica-se, sobremaneira, como instrumento de proteção e garantia em prol daqueles que confiaram na autuação do Poder Judiciário e se agasalharam na força de reiteradas manifestações das Cortes Superiores do país, respaldas pela Constituição da República. 6. Num contexto de pacífica orientação jurisprudencial, negar ao impetrante, que se socorreu da guarida ofertada pelo Poder Judiciário, o direito vindicado é o mesmo que negar ao cidadão a convicção de que pode confiar na estabilidade e eficácia dos atos jurisdicionais. 122 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 7. No caso em apreço, o autor atingiu o limite etário em 03.06.2006, enquanto o Edital estabelecia, como condição para participação no concurso público de admissão para o curso de formação de Taifeiros, que os candidatos não completassem 24 anos antes de 31.12.2006. Referida exigência afronta o principio da reserva legal, pois, conforme esclarece a sentença, baseia-se em Portaria do Comando da Aeronáutica, não tendo respaldo em lei em sentido estrito. Ademais, tomando-se em conta a natureza das atribuições regulares de um Taifeiro, assim como a proximidade da idade do impetrante daquela tida como máxima para o ingresso no cargo almejado, a limitação etária ofende, também, o princípio da razoabilidade. 8. Na situação apresentada nos autos, a segurança foi concedida na origem e, embora reformada no Tribunal Regional, foi restabelecida por decisão singular do douto Ministro Luiz Fux, fundada na diretriz jurisprudencial desta Corte; logo, já se incutiu no jurisdicionado uma legítima expectativa, justificada pela confiança, que merece ser protegida, consoante bem ponderou o Supremo Tribunal Federal ao se debruçar sobre o tema. 9. Em suma, a decisão agravada não confronta a orientação firmada pelo Pretório Excelso, ao revés, encerra a mesma tese jurídica de que apenas a lei, nos termos do art. 142, § 3º da Carta Magna, pode fixar os limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas; outrossim, não está em descompasso com a modulação temporal prescrita pelo guardião da Constituição, pois encontra abrigo na ressalva, expressa no julgamento do RE n. 600.885-RS, de atenção ao princípio da confiança, para não se deixar à mingua aquele que acorreu às portas do Poder Judiciário. 10. Agravo Regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 123 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Impedido o Sr. Ministro Benedito Gonçalves. Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator DJe 26.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de agravo regimental interposto pela União contra decisão de fls. 315-320, proferida pelo douto Ministro Luiz Fux, Relator do processo à época, sintetizada na seguinte ementa: Administrativo. Concurso público. Forças Armadas. Limitação de idade (etária). Condições de validade: previsão em lei em sentido formal e razoabilidade. Fixação por meio de edital ou regulamento. Inviabilidade. 1. A limitação etária para fins de ingresso no serviço público militar é válida desde que revestida de razoabilidade, em razão da natureza das atividades desempenhadas no cargo, observada a previsão em lei em sentido estrito. 2. A fixação de referida cláusula apenas no Edital do certame revela-se ilegal, uma vez que não pode restringir o que a lei não o fez. 3. Precedentes: REsp n. 1.186.889-DF, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 20.05.2010, DJe 02.06.2010; AgRg no REsp n. 980.644-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 19.11.2009, DJe 14.12.2009; REsp n. 1.067.538-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21.05.2009, DJe 03.08.2009; AgRg no REsp n. 995.041-RS, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 25.09.2008, DJe 15.12.2008; AgRg no REsp n. 946.264-SC, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 19.06.2008, DJe 18.08.2008. 4. Recurso especial provido. 2. A agravante aduz que a matéria em debate foi submetida ao exame do Supremo Tribunal Federal por meio de Recurso Extraordinário declarado como de repercussão geral. 3. Reitera suas alegações, advogando a tese de que é cabível a imposição de limite etário para acesso aos cargos das Forças Armadas. 4. É o relatório. 124 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. A questão posta nos autos circunscreve-se a possibilidade de se estabelecer, por meio de regramento administrativo, limitação etária para participação em certame para cargo público das Forças Armadas. 2. No caso em apreço, consoante destaca o Tribunal de origem, o ora recorrido impetrou Mandado de Segurança objetivando autorização para se inscrever no Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Taifeiros da Aeronáutica, o qual foi regido por Edital que estabeleceu como requisito para o ingresso na carreira a idade máxima de 23 anos até 31.12.2006, limite ultrapassado pelo candidato em 03.06.2006 (fls. 140). 3. A impetração, assim como as razões do Recurso Especial, com amparo em remansosa orientação jurisprudencial, explanam que não há dispositivo legal, em sentido estrito, que imponha limite máximo de idade para o acesso aos cargos, empregos e funções públicas no âmbito da Forças Armadas. 4. A Constituição da República de 1988, expressamente, admite a limitação de idade para os concursos de ingresso às Forças Armadas; no entanto, remete à Lei a definição dos requisitos restritivos de acesso. Confira-se: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (...). § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicandose-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (...). X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. 5. Constata-se, deste modo, que há explicita determinação constitucional da necessidade de previsão legal para a imposição de critérios para ingresso RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 125 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA nas Forças Armadas, não sendo legítima a regulamentação da matéria por instrumento infralegal. 6. A Lei n. 6.880/1980, editada ainda sob a égide da Carta de 1969, faz remissão aos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para a definição dos requisitos de acesso aos seus quadros; todavia, considerando que o sistema constitucional vigente atribuiu ao legislador, com exclusividade, a missão de estabelecer os limites, dentre os quais o de idade, para o ingresso nas Forças Armadas, consolidou-se a orientação pretoriana de que somente a Lei, em sentido formal, pode estipular exigências deste jaez. 7. A propósito, calha citar emblemáticos precedentes do Superior Tribunal de Justiça: Agravo regimental em agravo de instrumento contra inadmissão de recurso especial. Concurso para curso de formação de militar. Limite de idade. Previsão apenas em edital. Impossibilidade. Precedentes do STJ. Verbete n. 83 da Súmula desta Corte. Subsistente o fundamento do decisório agravado, nega-se provimento ao agravo (AgRg no Ag n. 1.381.267-PR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe. 03.06.2011). Agravo regimental no recurso especial. Violação do art. 535, II, do CPC. Fundamentação deficiente. Súmula n. 284-STF. Forças armadas. Concurso público. Limite de idade. Ausência de previsão em lei. Precedentes. 1. Quanto à suposta ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, observa-se que a irresignação não possui fundamentação adequada, pois a agravante se limitou a alegar contrariedade ao referido dispositivo, não tendo, todavia, desenvolvido tese a respeito ou demonstrado de que maneira o acórdão recorrido o teria violado. Assim, incide sobre a espécie o Enunciado da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. É válida a limitação de idade em concurso público para ingresso às Forças Armadas, desde que prevista em lei em sentido formal. Precedentes (AgRg no REsp n. 748.271-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 09.02.2009). 3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp n. 933.820RS, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 17.12.2010). Administrativo. Concurso de admissão ao estágio de adaptação à graduação de sargento. Prequestionamento. Súmula n. 211-STJ. 1. A ausência de prequestionamento no tocante à suposta contrariedade aos artigos 10 e 11 da Lei n. 6.880/1980, Estatuto dos Militares, impõe a incidência da Súmula n. 211-STJ. 126 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 2. O Tribunal a quo asseverou que apenas a lei, nos termos do artigo 142, § 3º da Constituição da República, pode fixar os limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas e não o edital do certame, sob pena de violação do princípio da reserva legal. Infirmar tal premissa demandaria interpretar dispositivo constitucional, providência que se mostra vedada, consoante as competências constitucionais atribuídas a esta Corte (artigo 105, inciso III, da CRFB). 3. Esta Corte, em situações em que foram superados os óbices do conhecimento, já assentou o entendimento de que a limitação de idade em concurso público para ingresso nas Forças Armadas é válida, desde que prevista em lei em sentido formal, não se mostrando compatível com o ordenamento jurídico a limitação etária prevista apenas no edital ou regulamento. Precedentes: AgRg no REsp n. 946.264-SC, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 18.08.2008; REsp n. 1.067.538-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 03.08.2009; Ag n. 1.273.421-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 03.03.2010; AgRg no REsp n. 946.264, Min. Felix Fischer, DJe de 18.08.2008; REsp n. 1.117.411-RS, Rel. Min. Nilson Naves, DJe de 05.02.2010; RMS n. 18.925-SC, Rel. Min. Felix Fischer, DJU de 1º.07.2005; RMS n. 14.154-RJ, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 28.04.2003. 4. Como o aresto recorrido está em sintonia com o que restou decidido nesta Corte, deve-se aplicar à espécie o contido na Súmula n. 83-STJ, verbis: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. O verbete sumular aplica-se aos recursos especiais interpostos tanto pela alínea a quanto pela alínea c do permissivo constitucional. 5. Recurso especial não conhecido (REsp n. 1.186.889-DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe 02.06.2010). 8. Referido entendimento sempre encontrou ecos no Supremo Tribunal Federal, confira-se: Constitucional e Administrativo. Agravo regimental em agravo de instrumento. Recurso extraordinário. Indicação do dispositivo autorizador. Ausência. Art. 321 do RISTF. Concurso público. Limite de idade fixado em edital e Decreto Estadual: impossibilidade. 1. A indicação correta do dispositivo constitucional autorizador do recurso extraordinário - artigo, inciso e alínea - é requisito indispensável ao seu conhecimento, nos termos do art. 321 do RISTF e da pacífica jurisprudência do Tribunal. 2. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que a exigência de limite de idade em concurso público deve estar prevista em lei formal, não suprindo esta exigência a previsão em edital ou Decreto Estadual. 3. Agravo regimental improvido (AI n. 804.624 AgR-PE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 21.10.2010). RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 127 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo regimental. Concurso público. Lei n. 7.289/1984 do Distrito Federal. Limitação de idade apenas em edital. Impossibilidade. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento (RE n. 559.823-DF AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 31.01.2008). 9. Enfrentando a tormentosa questão da delegação a instrumentos normativos, diversos de lei em sentido formal, da fixação dos critérios para ingresso nas Forças Armadas, o Pretório Excelso, recentemente, reiterou a orientação já consolidada, declarando a não-recepção da expressão nos regulamentos da Marinha, do Exercito e da Aeronáutica, do art. 10 da Lei n. 6.880/1980, nos seguintes termos: Direito Constitucional e Administrativo. Concurso público para ingresso nas forças armadas: critério de limite de idade fixado em edital. Repercussão geral da questão constitucional. Substituição de paradigma. Art. 10 da Lei n. 6.880/1980. Art. 142, § 3º, inciso X da Constituição da República. Declaração de não-recepção da norma com modulação de efeitos. Desprovimento do recurso extraordinário. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. O art. 142, § 3º, inciso X da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica do art. 10 da Lei n. 6.880/1980. 5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos (RE n. 600.885-RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, Tribunal Pleno - Repercussão Geral - DJe 30.06.2011). 128 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 10. A preclara Ministra Relatora do supra referido Recurso Extraordinário destacou que o ordenamento jurídico pátrio não permite que espaços fixados constitucionalmente como de tratamento exclusivamente legal, enquanto não ocupados pelo legislador, sejam regulamentados por meio de atos administrativos. Na oportunidade, teceu as seguintes considerações: No item específico, relativo à definição dos limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas, a fixação do requisito por regulamento ou edital - categorias de atos administrativos - esbarraria, ainda, na Súmula n. 14 deste Supremo Tribunal Federal, segundo a qual não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade, inscrição em concurso para cargo publico. Na espécie em pauta, tanto se mostra mais gravoso, porque a Constituição brasileira é, repita-se à exaustão, taxativa ao dispor que estes elementos, relativamente aos candidatos a ingressar nas Forças Armadas, se dará segundo o que a lei dispuser, sem ressalva a permitir que outra categoria de atos, menos ainda infra legais, pudesse curar o tema. (...). Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso extraodinário, declarar a não-recepção da expressão nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica do art. 10 da Lei n. 6.880/1980 e modular os efeitos desta decisão para preservar a validade dos certames realizados nas Forças Armadas e em cujos editais e regulamentos se tenha fixado limites de idade com base no art. 10 da Lei n. 6.880/1980, até 31 de dezembro de 2011, ressalvados eventuais direitos judicialmente reconhecidos. 11. Nesse passo, impende ressaltar que no aludido julgamento, em atenção ao princípio da segurança jurídica, tendo em mente os inúmeros certames, realizados desde de 1988, que fixaram limites etários com esteio no art. 10 da Lei n. 6.880/1980, optou-se pela modulação dos efeitos da não-recepção do dispositivo; ressalvando, contudo, os direitos judicialmente reconhecidos. 12. A lenitiva ressalva justifica-se, sobremaneira, como instrumento de proteção e garantia em prol daqueles que confiaram na autuação do Poder Judiciário e se agasalharam na força de reiteradas manifestações das Cortes Superiores do país, arrimadas pela Constituição da República. 13. Conforme depreende-se dos debates empreendidos no Supremo Tribunal Federal, por ocasião do já citado julgamento, aqueles que ingressaram em Juízo, exercendo a cidadania e acreditando no Judiciário, merecem ter amparadas suas situações pessoais, posto que não há lógica, jurídica ou pragmática, a justificar uma situação em que o Tribunal aquiesce a tese e o direito é negado. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 129 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 14. Num contexto de pacífica orientação jurisprudencial, hoje com a tese jurídica consagrada na Corte Suprema, negar ao impetrante, que se socorreu da guarida ofertada pelo Poder Judiciário, o direito vindicado é negar ao cidadão a convicção de que pode confiar na estabilidade e eficácia dos atos jurisdicionais. 15. No caso em apreço, o autor atingiu o limite etário em 03.06.2006, enquanto o Edital estabelecia, como condição para participação no concurso público de admissão para o curso de formação de Taifeiros, que os candidatos não completassem 24 anos antes de 31.12.2006. Referida exigência revela evidente afronta ao principio da reserva legal, pois, conforme esclarece a sentença, baseiase em Portaria do Comando da Aeronáutica, não tendo respaldo em lei em sentido estrito - ato emanado de processo legislativo. 16. Ademais, in casu, tomando-se em conta a natureza das atribuições regulares de um Taifeiro, assim como a proximidade da idade do impetrante daquela tida como máxima para o ingresso no cargo almejado, a limitação etária ofende, também, o princípio da razoabilidade. 17. Na situação apresentada nos autos, a segurança foi concedida na origem e, embora reformada no Tribunal Regional, foi restabelecida por decisão singular do douto Ministro Luiz Fux, fundada na diretriz jurisprudencial desta Corte; logo, já se incutiu no jurisdicionado uma legítima expectativa, justificada pela confiança, que merece ser protegida, consoante bem ponderou o Supremo Tribunal Federal ao se debruçar sobre o tema. 18. Cumpre assomar que o princípio da confiança, corolário do Estado Democrático de Direito e componente essencial para a promoção da previsibilidade do direito, tem o intento de proteger as expectativas legítimas do cidadão, que confiou, sobretudo, no Judiciário. 19. Em suma, a decisão agravada não confronta a orientação firmada pelo Pretório Excelso, ao revés, encerra a mesma tese jurídica de que apenas a lei, nos termos do art. 142, § 3º da Carta Magna, pode fixar os limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas; outrossim, não está em descompasso com a modulação temporal prescrita pelos guardiães da Constituição, pois encontra abrigo na ressalva, expressa no julgamento do RE n. 600.885-RS, de atenção ao princípio da confiança, para não se deixar à míngua aquele que acorreu às portas do Poder Judiciário. 20. Ante o exposto, nega-se provimento ao Agravo Regimental. 130 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 33.574-SP (2011/0008283-6) Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima Recorrente: Município de São Paulo Procurador: Maria Aparecida dos Anjos Carvalho e outro(s) Recorrido: Antonio Ascenção das Neves Advogado: Roberto Elias Cury EMENTA Constitucional. Recurso em mandado de segurança. Precatório. Parcelamento. Art. 78 do ADCT. Parcelas não adimplidas nas datas de vencimento. Ordem de sequestro de verbas públicas. Agravo regimental. Mandado de segurança. Termo inicial. Publicação do acórdão proferido pelo colegiado. Decadência. Não ocorrência. Precedentes. Recurso provido. 1. A ordem mandamental tem o escopo de tutelar direito comprovado de plano, sujeito à lesão ou ameaça de lesão por ato abusivo ou ilegal de autoridade. 2. “A publicação do acórdão do agravo regimental proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual se impugnou a decisão do Presidente do Tribunal que determinou o sequestro de verbas públicas para o pagamento de precatório, inicia o prazo para a impetração do mandado de segurança que objetiva impugnar o que fora decidido pelo colegiado” (RMS n. 31.807-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 07.10.2010). 3. No presente caso, o acórdão foi publicado em 13.08.2010 (fl. 578e) e impetrada a ordem mandamental em 1º.09.2010 (fl. 02e), ou seja, tempestivamente, nos termos do art. 23 da Lei n. 12.016/2009. 4. Recurso ordinário provido para, reconhecendo a tempestividade da ordem mandamental, determinar ao Tribunal paulista o julgamento do seu mérito, como entender de direito. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 131 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para, reconhecendo a tempestividade da ordem mandamental, determinar ao Tribunal Paulista o julgamento do seu mérito, como entender de direito, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciados os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Francisco Falcão. Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator DJe 24.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto pelo Município de São Paulo contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado assim ementado (fl. 571e): Mandado de segurança. Decadência. Ocorrência. Prazo que não se suspende, não se interrompe, não se prorroga. Doutrina. Súmula n. 632 do Colendo Supremo Tribunal Federal. Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo. Jurisprudência. Segurança denegada, cassada a liminar. Em suas razões, sustenta o recorrente desacerto do Tribunal de origem na extinção do mandado de segurança ao entendimento de ter-se operado a decadência, ainda que tempestivamente impetrada a ordem mandamental (fls. 582-591e). Apresentadas contrarrazões às fls. 594-601e, o recurso foi admitido na origem (fl. 611e). O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, opinou pelo provimento do recurso (fls. 621-624e). É o relatório. 132 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA VOTO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Versam os autos acerca de mandado de segurança impetrado em face do decisum colegiado proferido em sede de agravo regimental que manteve determinação de sequestro pela preterição na ordem de pagamento. O Tribunal de origem extinguiu o mandamus sem julgamento do mérito ao fundamento de ter-se implementado a decadência (fls. 569-576e). Daí o presente recurso, no qual sustenta o recorrente desacerto do Tribunal de origem. Assiste razão ao recorrente. De início, ressalta-se que a ordem mandamental ora pleiteada pelo recorrente tem o escopo de tutelar direito comprovado de plano, sujeito à lesão ou ameaça de lesão por ato abusivo ou ilegal de autoridade. Com efeito, “A publicação do acórdão do agravo regimental proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual se impugnou a decisão do Presidente do Tribunal que determinou o sequestro de verbas públicas para o pagamento de precatório, inicia o prazo para a impetração do mandado de segurança que objetiva impugnar o que fora decidido pelo colegiado” (RMS n. 31.807-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 07.10.2010). Nesse sentido: RMS n. 30.244-SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 27.08.2010. No presente caso, o acórdão foi publicado em 13.08.2010 (fl. 578e) e impetrada a ordem mandamental em 1º.09.2010 (fl. 02e), ou seja, tempestivamente, nos termos do art. 23 da Lei n. 12.016/2009. Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para, reconhecendo a tempestividade da ordem mandamental, determinar ao Tribunal paulista o julgamento do seu mérito, como entender de direito. É o voto. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 34.223-SP (2011/0099677-0) Relator: Ministro Benedito Gonçalves Recorrente: Fazenda Nacional RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 133 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Recorrido: União EMENTA Administrativo, Processual Civil e Tributário. Recurso ordinário em mandado de segurança. Impetração preventiva contra intimações judiciais destinadas à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que impõem a inscrição de débitos tributários (custas judiciais inadimplidas) em dívida ativa. Atos concretos que impõem obrigação de conduta administrativa. Defesa de prerrogativa legal. Adequação da via do mandamus. 1. Recurso ordinário em mandado de segurança impetrado, preventivamente, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional contra eventuais intimações judiciais, provenientes de juízos federais, que lhe imponham a obrigação de inscrever em dívida ativa débitos referentes às custas judiciais não adimplidas pelas partes vencidas, cujo montante seja inferior a R$ 1.000,00. 2. No caso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, indeferindo a inicial, denegou o mandado de segurança, por entender ser inadequada a via do mandamus, uma vez que “impetrado contra atos futuros e com o fito de assegurar provimento liminar de natureza normativa”. 3. O ato de inscrição em dívida ativa compete, exclusivamente, à Procuradoria da Fazenda Nacional, razão pela qual a pretensão mandamental que objetiva assegurar essa prerrogativa legal merece análise, porquanto eventuais intimações judiciais, impondo, diretamente, uma conduta administrativa à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional têm o condão de, concretamente, lesar direito líquido e certo decorrente de sua competência legal. Precedente: MS n. 26.381 AgR, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe-077. 4. Recurso ordinário provido para anular o acórdão a quo e determinar que o Tribunal de origem dê regular trâmite ao mandado de segurança, afastada a tese de inadequação da via eleita. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por 134 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança para anular o acórdão “a quo” e determinar que o Tribunal de origem dê regular trâmite ao mandado de segurança, afastada a tese de inadequação da via eleita, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 28 de junho de 2011 (data do julgamento). Ministro Benedito Gonçalves, Relator DJe 1º.07.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso ordinário interposto pela Fazenda Nacional contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou mandado de segurança preventivo em que objetiva a declaração do direito de não inscrever, em Dívida Ativa da União, os débitos referentes a custas judiciais cujo montante seja inferior a R$ 1.000,00. Eis a ementa do acórdão a quo: Agravo regimental. Mandado de segurança. Inadequação da via processual eleita. Indeferimento da inicial. Ausência de ilegalidade, abuso de poder ou ato judicial teratológico. 1. Indeferimento da inicial do mandado de segurança por inadequação da via processual eleita, porquanto impetrado contra atos futuros e com o fito de assegurar provimento liminar de natureza normativa, o que é vedado. 2. Ausente hipótese de patente ilegalidade, abuso de poder ou ato judicial teratológico. 3. Agravo regimental improvido. A recorrente alega o seguinte: [...] as decisões objeto da impetração estão sendo produzidas de forma repetitiva, no sentido de impor à Fazenda Nacional que promova a inscrição de valores irrisórios, causando-lhe potencial prejuízo, na medida em que a lei (art. 5º do Decreto-Lei n. 1.569/1977; art. 65, parágrafo único, da Lei n. 7.799/1989; art. 9ª, parágrafo único, da Lei n. 10.522/2002 e art. 1º, inciso I, da Portaria MF n. 49/2004) lhe garante o direito líquido e certo de não inscrever valores inferiores a R$ 1.000,00 (mil reais). RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 135 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA [...] Não se pode olvidar que a dispensa da inscrição e cobrança de valores inferiores a R$ 1.000,00 decorre do interesse público, seja com a finalidade de administrar o patrimônio da União com razoabilidade e proporcionalidade, no exercício da atividade de cobrança dos seus tributos e emolumentos, seja para colocar em prática os princípios constitucionais esculpidos no artigo 37 da Carta Política de 1988. [...] O caso em testilha consubstancia evidente ilegalidade, com clara perspectiva de dano irreparável para o Erário, razão pela qual não deve ficar sujeito a soluções pontuais analisadas caso a caso pelos da Corte Regional dada a impossibilidade de análise do grande volume de casos que aflorará com o mesmo desiderato, isso sem contar que na maioria dos casos a União não poderá recorrer, pois não faz parte da relação processual originária. [...] Assim sendo, equivocou-se o v. acórdão recorrido ao aplicar ao caso em foco o disposto no artigo 10 da Lei n. 10.016/2009, pois não é caso de indeferimento da inicial [...] Sem contrarrazões, conforme certificado à fl. 128. O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso ordinário (fls. 136 e seguintes), por entender que: (i) “o mandado de segurança não é cabível para obtenção de ordem genérica, fixando regras de conduta para o magistrado. Também não é possível a tentativa de coibir a edição de ato de maneira genérica, permanente e futura, pois na impetração preventiva é necessária a individualização e demonstração da iminente edição do ato que se busca ver impugnado” (fl. 138); e (ii) “a Súmula n. 267 do Supremo Tribunal Federal estipula não ser cabível mandado de segurança contra ato judicial que possa ser objeto de recurso próprio” (fl. 139). Autos conclusos em 06 de junho de 2011. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Em 25 de março de 2009, a União Federal impetrou mandado de segurança preventivo contra futuros atos a serem praticados pelos juízos federais das 1ª, 2ª, 3º, 4º, 5º, 6º da Circunscrição do Município de Santos-SP, materializados em ordem para inscrição em dívida 136 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA ativa de custas judiciais não recolhidas pelas partes vencidas e cujo montante é inferior a R$ 1.000,00. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, indeferindo a inicial do mandamus, denegou o mandado de segurança, nos seguintes termos: [...] No caso em tela, é evidente a inadequação da via eleita, porquanto o presente mandamus foi impetrado contra atos futuros e com o fito de assegurar provimento liminar de natureza normativa, o que é vedado. Outrossim, não envolvendo a hipótese ato judicial teratológico, patente ilegalidade ou abuso de poder, não há se cogitar da utilização do mandamus, medida de caráter excepcional. Dessa forma, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida quando do exame do pedido de liminar formulado. Desta feita, diante da ausência de interesse processual da impetrante, ora agravante, em decorrência da inadequação da via eleita, de rigor a manutenção da decisão que indeferiu a inicial do mandado de segurança, com fundamento no art. 10, caput, da Lei n. 12.016/2009, c.c. o art. 295, III, e o art. 267, VI, ambos do CPC, e o art. 33, XIII, do Regimento Interno desta Corte. A pretensão recursal merece prosperar. Como se sabe, as custas judiciais têm natureza tributária, especificamente de taxa. A esse respeito, vide: REsp n. 1.107.543-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 26.04.2010; REsp n. 1.097.307-RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.03.2009. Conquanto caiba ao julgador a condenação da parte vencida nas custas (v.g.: art. 20 do CPC), a inscrição em dívida ativa de eventual débito compete, exclusivamente, à autoridade administrativa competente, conforme dispõem o art. 201 do Código Tributário Nacional, o art. 12 da Lei Complementar n. 73/1993, o art. 2º, §§ 3º e 4º, da Lei n. 6.830/1980 e o § 5º do art. 39 da Lei n. 4.320/1964. Nesse contexto jurídico, no qual se observa que o ato de inscrição compete, exclusivamente, à Procuradoria da Fazenda Nacional, a pretensão mandamental que objetiva assegurar essa prerrogativa legal merece análise, porquanto eventuais intimações judiciais, impondo, diretamente, uma conduta administrativa à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional têm o condão de, concretamente, lesar direito líquido e certo decorrente de sua competência legal. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 137 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Mutatis mutandis, vide: Agravo regimental. Mandado de segurança preventivo. Competência. Tribunal de Contas da União. Ausência de caráter impositivo no ato coator. Impossibilidade de conhecimento do writ. Agravo improvido. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o Tribunal de Contas da União é parte legítima para figurar no pólo passivo de mandado de segurança apenas quando o ato impugnado estiver revestido de caráter impositivo. Nesse sentido o MS n. 24.001, Relator Maurício Correa, DJ 20.05.2002. 2. A especificação da autoridade coatora na petição inicial há de ser feita em função do órgão do TCU que tenha proferido a decisão impugnada no mandamus. Tanto o Presidente daquela Corte de Contas quanto os das respectivas Câmaras podem figurar como autoridades coatoras. O Supremo, no entanto, não faz essa distinção, conhecendo dos mandados de segurança impetrados contra o Presidente do TCU [MS n. 23.919, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 20.06.2003], contra os Presidentes de suas Câmaras [MS n. 25.090, Relator o Ministro Eros Grau, DJ 1º.04.2005 e MS n. 24.381, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 13.05.2004] ou, simplesmente, contra o Tribunal de Contas da União [MS n. 23.596, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 18.05.2001]. 3. O ato emanado do Tribunal de Contas da União deve impor diretamente determinada conduta ao órgão público, configurando a coação impugnável pelo writ. Em se tratando de mandado de segurança de caráter preventivo, a concessão da ordem pressupõe a existência de efetiva ameaça a direito, ameaça que decorra de atos concretos da autoridade pública [MS n. 25.009, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 24.11.2004]. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (MS n. 26.381 AgR, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe-077). Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para anular o acórdão a quo e determinar que o Tribunal de origem dê regular trâmite ao mandado de segurança, afastada a tese de inadequação da via eleita. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.111.092-MG (2008/0154191-6) Relator: Ministro Teori Albino Zavascki Recorrente: Donato Piccirillo e Cia. Ltda. e outros 138 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Advogado: Aci Heli Coutinho e outro(s) Recorrido: Estado de Minas Gerais Procurador: Carlos José da Rocha e outro(s) EMENTA Processual Civil. Ação rescisória. Regime de litisconsórcio. Acórdão rescindendo proferido em ação proposta mediante litisconsórcio ativo facultativo comum. Possibilidade de rescisão parcial. Inclusão de litisconsorte após o prazo decadencial de dois anos. Impossibilidade. Juízo rescisório formado por maioria. Ausência de interposição de embargos infringentes. Não exaurimento de instância. Súmula n. 207-STJ. 1. Segundo dispõe o art. 47 do CPC, “Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes”. Relativamente à ação rescisória, não havendo disposição legal a respeito, o litisconsórcio necessário somente ocorrerá se a sentença rescindenda não comportar rescisão subjetivamente parcial, mas apenas integral, para todas as partes envolvidas na ação originária. 2. Tratando-se de sentença proferida em ação proposta mediante litisconsórcio ativo facultativo comum, em que há mera cumulação de demandas suscetíveis de propositura separada, é admissível sua rescisão parcial, para atingir uma ou algumas das demandas cumuladas. Em casos tais, qualquer um dos primitivos autores poderá promover a ação rescisória em relação à sua própria demanda, independentemente da formação de litisconsórcio ativo necessário com os demais demandantes; da mesma forma, nada impede que o primitivo demandado promova a rescisão parcial da sentença, em relação apenas a alguns dos primitivos demandantes, sem necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais. 3. Em ação rescisória, não é cabível a inclusão de litisconsorte passivo facultativo após o transcurso do prazo de dois anos previsto no art. 495, consumado que está, em relação a ele, o prazo de decadência. 4. Conforme, o art. 488, I, do CPC, a ação rescisória comporta dois pedidos: o de rescisão propriamente dito e, cumuladamente, RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 139 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA quando for o caso, o de novo julgamento da causa. Isso significa dizer que o correspondente julgamento inclui não apenas o iudicium rescindens (= a rescisão, em sentido estrito, da decisão atacada), mas também o do iudicium rescissorium, referente ao pedido cumulado. É o que determina o art. 494 do CPC. Havendo juízo de procedência por maioria em qualquer deles individualmente, estará configurada hipótese de desacordo parcial, o que, por si só, enseja a interposição do recurso de embargos infringentes, como decorre do disposto na parte final do art. 530 do CPC. Incide, no caso, a Súmula n. 207 do STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no Tribunal de origem”. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido, apenas para julgar extinto o processo em relação a Comercial Oliveira Ltda. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe parcial provimento, apenas para julgar extinto o processo em relação a Comercial Oliveira Ltda., nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente o Dr. José Márcio Diniz Filho, pela parte recorrente: Donato Piccirillo e Cia. Ltda. e outros. Brasília (DF), 28 de junho de 2011 (data do julgamento). Ministro Teori Albino Zavascki, Relator DJe 1°.07.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido em ação rescisória. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou, por maioria, procedente o pedido de rescisão 140 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA e, por unanimidade, decidiu pela rejeição da preliminar de extemporaneidade da citação de todos os litisconsortes passivos necessários. Foram rejeitados os embargos de declaração opostos (fls. 804-808). Nas razões recursais (fls. 813-859), os recorrentes apontam ofensa aos seguintes dispositivos: (a) arts. 264 e 495 do CPC, pois em hipótese alguma é possível se deferir a inclusão de litisconsorte passivo necessário - no caso, a Comercial Oliveira Ltda. -, após o transcurso do prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória, uma vez que não se trata de mera correção de erro material ou emenda à petição inicial; e (b) arts. 485, V, do CPC, 10 e 13, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar n. 87/1996, 150, § 7º, 155, § 2º, I, IV e XI, da Constituição Federal e Súmula n. 343-STF, ao argumento de que (I) o ordenamento jurídico não permite a interposição de ação rescisória sob fundamento de que outro julgamento foi proferido em sentido contrário, devendo ser aplicada a orientação inserta na Súmula n. 343-STF; (II) não é hipótese de aplicação do entendimento firmado na ADI n. 1.831; e (III) deve ser reconhecido o direito à repetição de valores recolhidos a título de ICMS, em razão da sistemática da substituição tributária. Em contra-razões (fls. 1.032-1.052), o recorrido defende, preliminarmente, (a) preclusão da discussão sobre o momento de inclusão de litisconsórcio passivo necessário; (b) a ausência de exaurimento das instâncias ordinárias (Súmula n. 207-STJ); (c) a extemporaneidade do recurso especial; e (d) a necessidade de exame de matéria constitucional. No mérito, requer a manutenção do julgado. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. A controvérsia se situa em domínio jurídico infraconstitucional, independendo de exame de questões de índole constitucional. O recurso especial foi interposto tempestivamente e, nesses aspectos, atende aos requisitos de admissibilidade. 2. Há uma questão prejudicial às demais, que diz respeito à alegação de decadência pela tardia formação do litisconsórcio passivo. Essa matéria foi decidida por unanimidade pelo acórdão recorrido, razão pela qual, no particular, o recurso pode ser conhecido, independentemente da questão preliminar adiante enfocada. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 141 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A tese do recurso é de que, havendo na ação rescisória litisconsórcio passivo necessário, a propositura da ação deveria ter ocorrido no prazo de dois anos, em relação a todos os demandados, sob pena de decadência. Realmente, se o litisconsórcio passivo fosse necessário, a tese estaria correta e amparada em jurisprudência do STJ, como, v.g., na AR n. 2.009-PB, 1ª Seção, DJ de 03.05.2004, de minha relatoria, e nos EREsp n. 676.159-MT, Corte Especial, DJe de 30.03.2011, de relatoria da Min. Nancy Andrighi. Todavia, não é esta a hipótese dos autos. Não é correto afirmar que, em ação rescisória, o litisconsórcio passivo tem, sempre e invariavelmente, a natureza de litisconsórcio necessário, a impor a participação de todos os que figuraram na primitiva relação processual de que derivou a sentença rescindenda. Também na ação rescisória o regime é o do art. 47 do CPC: “Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes”. Ora, relativamente à ação rescisória, não há determinação legal a respeito, razão pela qual o litisconsórcio passivo necessário somente ocorrerá se o Tribunal tiver que decidir a causa de modo uniforme para todas as partes, ou seja, se a sentença rescindenda não comportar rescisão parcial, mas apenas integral, atingindo necessariamente a todos os figurantes da primitiva ação. Essa situação, todavia, nem sempre ocorre. Assim, relativamente a sentenças proferidas em ação proposta mediante litisconsórcio ativo facultativo comum, é evidentemente admissível sua rescisão parcial. É que, em casos tais, a primitiva ação, proposta por diversos autores, nada mais representa que uma cumulação de demandas que poderiam ter sido propostas separadamente e que foram aglutinadas numa única relação processual por mero interesse dos demandantes litisconsorciados (CPC, art. 46). Sobre o litisconsórcio comum facultativo, eis a lição didática do Professor Cândido Dinamarco: Aqui, não constituindo objeto do julgamento uma só é única situação jurídica substancial incindível, o processo tende a vários provimentos “somados em uma sentença formalmente única” – e isso será assim ainda quando haja algum pronunciamento incidenter tantum acerca de uma relação incindível (...). É o caso de várias vítimas de um só acidente rodoviário postulando condenação da mesma empresa ao ressarcimento; também o de uma ação de cobrança movida ao mutuário e ao fiador; ou uma de servidores à Fazenda Pública, visando a vantagens análogas. Em casos assim (...) o que se tem é uma pluralidade jurídica de demandas, também unidas só formalmente; cada um dos litisconsortes é parte legítima 142 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA apenas com referência àquela porção do objeto do processo que lhe diz respeito, e, conseqüentemente, entende-se que seu petitum se reduz a essa parcela. Tratase efetivamente de um cúmulo de demandas, não só subjetivo mas também objetivo, na medida em que à pluralidade de sujeitos corresponde uma soma de pedidos, todos eles amalgamados no complexo objeto que esse processo tem. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio, 8ª. ed., SP: Malheiros, p. 85-86). Ora, se a sentença rescindenda diz respeito a ação proposta em litisconsórcio ativo facultativo (que, como visto, constitui mero cúmulo de demandas que poderiam ser propostas separadamente e que comportam soluções diferentes), nada impede que também a ação rescisória - e, se for o caso, o novo julgamento da causa, de que trata o art. 494 do CPC - seja promovida ou dirigida por ou contra um, alguns ou todos os primitivos litisconsortes facultativos, sujeitos, aqui também, ao mesmo regime comum. Em outras palavras: qualquer um dos primitivos autores poderá promover a ação rescisória, independentemente da formação de litisconsórcio ativo necessário com o demais demandantes; da mesma forma, nada impede que o primitivo demandado promova a rescisão parcial da sentença, em relação apenas a alguns dos primitivos demandantes, sem necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais. É o que afirma a doutrina autorizada de Barbosa Moreira, a tratar da legitimidade passiva na ação rescisória: O Código não contém disposição expressa a respeito da legitimação passiva para a ação rescisória. O princípio geral, parece-nos, é o de que devem integrar o contraditório todos aqueles que eram partes no feito anterior, ao ser proferida a sentença (lato sensu) rescindenda. (...) Ressalve-se que, se se tratar de sentença objetivamente complexa, e o pedido de rescisão visar apenas um (ou alguns) dos distintos capítulos, será desnecessária a citação daquele(s) a quem, conquanto parte(s) no processo anterior, não diga(m) respeito o(s) capítulo(s) rescindendo(s). Assim, v.g., caso tenha havido denunciação da lide, e o denunciado queira rescindir a sentença na parte em que reconheceu, em face dele, o direito regressivo do denunciante, bastar-lhe-á, na rescisória, fazer citar este último. Análoga disciplina se observará se, no processo anterior, houve cumulação subjetiva de ações, com litisconsórcio sujeito ao regime comum, e só se pretende a rescisão no tocante a um (ou a alguns) dos litisconsortes. (MOREIRA, José Carlos Barbosa, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, arts. 476 a 565, 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 173-174). RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 143 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No mesmo sentido: FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil, v. I, 4ª. ed., RJ: Forense, p. 691. Comentando acórdão proferido em hipótese semelhante à dos autos, anotou, com inteira razão, Dilvanir José da Costa: A rescisão pode ser realmente de parte da decisão contra todos e não pode ser de toda a decisão contra parte dos litigantes. Mas faltou a seguinte hipótese possível e não prevista no voto: a rescisão pode ser de parte da decisão contra parte dos litigantes. E aqui está precisamente a hipótese desta ação. Em relação aos 10 integrantes da decisão rescindenda, não citados, a mesma restará intacta, o que é perfeitamente possível, por ser divisível o objeto da referida decisão: cada funcionário recebeu, através da sentença, um quota certa e separada de direitos, exeqüíveis com autonomia e independência, como prova a cópia da respectiva liquidação, anexada a fls. Logo, a rescisão só valerá em relação aos citados para esta ação e, portanto, o acórdão não será rescindido totalmente. Haverá divisão em relação às partes (subjetiva) e em relação aos respectivos objetos materiais autônomos (objetiva), por serem estes separados ou não comuns. Tanto que a sentença rescindenda resultou de um litisconsórcio facultativo por mera afinidade de questões por um ponto comum de fato ou e direito (forma mais simples, prevista no último inciso do art. 46). Nem chegou a ser por conexão de causas, cuja finalidade é evitar sentenças contraditórias. Outros funcionários, em situação idêntica, ajuizaram ações em outras varas e até perderam, com trânsito em julgado, como é notório. Os tratadistas citam as ações coletivas como esta, contra a Fazenda Pública, como exemplo típico de litisconsórcio facultativo por afinidade de questões (art. 46, IV), como se pode conferir em Celso Barbi, Comentários..., Forense, art. 46; Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas..., Saraiva, 1977, vol. 2º, p. 08, com apoio em Pontes de Miranda e Gabriel Rezende Filho. Aliás, Celso Barbi Acrescenta: “O litisconsórcio fundado no item IV é tipicamente reunião de várias ações em um só processo. Podiam ser propostas separadamente, em processos distintos. Mas a reunião em um só atende às exigências da economia processual” (Comentários..., n. 295). 3. A 3ª conclusão do Relator está correta: no litisconsórcio necessário e unitário devem ser citados todos os interessados, sob pena de ineficácia da sentença, que não pode valer em relação a uns e não valer em relação a outros. Resta saber se essa premissa geral se aplica à espécie. Data venia, não se aplica. Não se trata aqui, de um típico litisconsórcio necessário e unitário, cuja característica é a indivisibilidade do objeto litigioso, que é comum a todos os litigantes. Nesta ação os objetos são distintos e separados. A sentença rescindenda é divisível objetiva e subjetivamente. Atribuiu a cada litisconsorte facultativo, que se juntou a outros para demandar contra o Estado por simples economia processual, o direito individual (e não comum a todos) de ter o seu respectivo 144 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA cargo em comissão (em que se apostilou) equiparado a cargo do novo Quadro Permanente, com as mesmas atribuições. Em conseqüência, cada qual passou a receber os vencimentos ou proventos do novo cargo respectivo, bem como cada qual recebeu uma quantia certa e distinta de atrasados, conforme liquidação de sentença anexada a fls. Logo, o litisconsórcio nesta rescisória é divisível, objetiva e subjetivamente. A sentença contra os citados em nada afetará o direito dos 10 não envolvidos, em relação aos quais restará não rescindido o acórdão que os beneficiou (COSTA, Dilvanir José da. Do litisconsórcio necessário em ação rescisória, in Revista de Processo, n. 30, p. 280-281). Mutatis mutandis, é essa a situação verificada na presente hipótese. Ora, em se tratando de litisconsórcio passivo facultativo, a relação entre os sujeitos do processo é regida pela disciplina do art. 48 do CPC: Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros. Isto significa que, se a ação rescisória foi proposta, em relação a um dos litisconsortes passivos facultativos, fora do prazo de dois anos, de que trata o art. 495 do CPC, há, certamente, em relação a ele, o fenômeno da decadência. Nesse ponto, merece reforma o acórdão quanto à recorrente Comercial Oliveira Ltda. Todavia, esse mesmo fenômeno não alcança os demais litisconsortes passivos, em relação aos quais a ação foi tempestivamente proposta. 3. No que toca à ausência de exaurimento de instância, tem razão o recorrido. Na sistemática da Lei n. 10.352/2001, que deu nova redação ao art. 530 do CPC, são cabíveis embargos infringentes, entre outras hipóteses, contra acórdão não unânime, quando houver julgamento de procedência de pedido formulado em ação rescisória. Ora, conforme faz certo o art. 488, I, do CPC, a ação rescisória comporta dois pedidos cumulados, o de rescisão propriamente dito e o de novo julgamento da causa. Isso significa dizer que o correspondente julgamento inclui não apenas o iudicium rescindens (= a rescisão, em sentido estrito, da decisão atacada), mas também o do iudicium rescissorium, referente ao pedido cumulado. É o que determina o art. 494 do CPC. Não havendo unanimidade em relação ao juízo de procedência de qualquer deles individualmente, estará configurada hipótese de desacordo parcial, o que, por si só, já enseja a interposição do recurso de embargos infringentes, como decorre do disposto na parte final do art. 530 do CPC. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 145 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Foi isso o que ocorreu no caso: embora tenha havido unanimidade quanto ao juízo de rescisão (inclusive sobre o juízo negativo de decadência), houve votação por maioria quando ao pedido de novo julgamento da causa. Não tendo sido interposto, quanto a esse ponto, o recurso de embargos infringentes, ficou desatendida a exigência de exaurimento da instância ordinária, impedindo o conhecimento do recurso especial relativamente à matéria, a teor do que dispõe a Súmula n. 207-STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no Tribunal de origem”. 4. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e na parte conhecida, dou-lhe parcial provimento, apenas para julgar extinto o processo em relação a Comercial Oliveira Ltda., invertendo-se, em relação a ela, os ônus da sucumbência. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.179.848-MG (2010/0016320-1) Relator: Ministro Benedito Gonçalves Recorrente: Município de Poços de Caldas Procurador: Rita de Cássia Costa Souto e outro(s) Recorrido: Lucia Correa Netto Prezia - espólio Advogado: Sem representação nos autos EMENTA Processual Civil e Tributário. Recurso especial. Execução fiscal. Alegada nulidade por vício na intimação das partes para o leilão. Intimação do credor. Necessidade de reexame da matéria fática. Súmula n. 7-STJ. Intimação do devedor. Fundamento não atacado. Súmula n. 283-STF. Arrematação realizada e tornada sem efeito por iniciativa da Fazenda Exequente. Comissão do leiloeiro. Art. 23, § 2º, da LEF. Não incidência, tendo em vista que o fato dos autos não se subsume à norma. Despesa processual às expensas do credor. Princípio da causalidade. 146 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 1. Recuso especial pelo qual o município recorrente busca eximirse do pagamento da comissão ao leiloeiro e, para tanto, assevera que o processo está eivado de nulidades processuais concernentes à intimação do exequente e do executado para a realização da hasta pública, bem como que não é devida a aludida comissão nos casos em que a arrematação é posteriormente anulada. 2. Não é possível conhecer do recurso especial acerca de tese quanto à necessidade de intimação pessoal da Fazenda Pública, na medida em que o Tribunal de origem nem sequer conseguiu dos autos aferir se ela efetivamente ocorreu, ou não. A revisão do acórdão recorrido, nesse ponto, a fim de constatar a alega inexistência de intimação pessoal, pressupõe reexaminar o conjunto fático probatório constante do agravo de instrumento (art. 522 do CPC), o que é inviável ante o óbice da Súmula n. 7-STJ. 3. No que tange ao indicado defeito na intimação (por edital) do executado para a realização do leilão, depreende das razões recursais que o município não impugnou especificamente o fundamento condutor do acórdão recorrido, de que o acolhimento dessa nulidade não traria proveito ao próprio devedor, motivo por que aplicou à espécie o disposto no art. 249, § 1º, do CPC. Incide, nesse particular, a Súmula n. 283-STF. 4. Quanto ao cabimento da comissão do leiloeiro e a quem cabe o pagamento de tal ônus, extrai-se dos autos que a Fazenda Municipal requereu a realização da hasta pública da qual resultou efetivamente arrematado o bem penhorado. Todavia, o próprio ente público, ao perceber que o débito exequendo já se encontrava sob parcelamento, solicitou que a arrematação fosse tornada sem efeito e que a execução ficasse suspensa; em conseqüência disso, o arrematante também abriu mão do bem. 5. Tem-se, portanto, que, na espécie, a arrematação, embora realizada, não surtiu os efeitos almejados em decorrência de ato alheio à vontade do arrematante; circunstância essa que diferencia o caso em apreço da hipótese de subsunção ao art. 23, § 2º, da LEF. Isso porque não é razoável imputar ao arrematante o pagamento de despesas relativos a um ato processual que acabou sendo desfeito por iniciativa de outrem. Nesse mesmo sentido: REsp n. 86.506-RJ, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, DJ 13.04.1998. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 147 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 6. Não sendo o caso de aplicação da norma especial, deve-se observar a regra geral estabelecida no Código de Processo Civil, que, em seu art. 20, dispõe que o pagamento das despesas processuais, dentre as quais se encontra a comissão do leiloeiro, decorre da aplicação do princípio da causalidade (art. 20 do CPC). No caso concreto, o Tribunal de origem consignou que a Fazenda Pública permitiu a realização de arrematação desnecessária, na medida em que a exequente já tinha ciência de que o débito exequendo estava sendo adimplido de outra forma (parcelamento). Assim, detentora de informação prejudicial à realização do leilão, cabia à credora impedir a sua realização, motivo pelo qual ela deve, em face de sua comprovada culpa, devidamente apurada pela instância de origem, responder pelas despesas derivadas do ato processual que veio a ser desfeito. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negarlhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciados os Srs. Ministros Francisco Falcão e Napoleão Nunes Maia Filho. Brasília (DF), 23 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Benedito Gonçalves, Relator DJe 26.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto pelo Município de Poços de Caldas, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição da República, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado (fl. 115): 148 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Execução fiscal. Arrematação. Desistência. Comissão do leiloeiro. Sendo a Fazenda Pública a responsável pela realização do ato de arrematação que, posteriormente, foi anulado, deve arcar com o pagamento da comissão do leiloeiro. Nas razões do apelo nobre, o município recorrente, além de dissídio jurisprudencial, aponta violação dos arts. 22, § 2º, e 23, § 2º, da Lei n. 6.830/1980; e 687, § 5º, do Código de Processo Civil. Para tanto, alega que: a) a exequente e a executada não foram devidamente intimadas da realização do leilão, motivo pelo qual o processo deve ser anulado a partir de tal momento, fulminando, por conseguinte, a própria arrematação; b) a falta de intimação pessoal da Fazenda Pública não pode ser suprida por outros atos; e c) não é devida a comissão ao leiloeiro, pois, “uma vez anulado o praceamento, não devem remanescer efeitos deste ato anulado”. Sem contrarrazões (fl. 146). Juízo positivo de admissibilidade pelo Tribunal de origem à fl. 148. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Conforme relatado, por meio do presente recurso especial, o município recorrente busca eximir-se do pagamento da comissão ao leiloeiro e, para esse mister, assevera que o processo está eivado de nulidades processuais concernentes à intimação do exequente e do executado para a realização da hasta pública, bem como que não é devida a aludida comissão nos casos em que a arrematação é posteriormente anulada. Primeiramente, quanto à apontada nulidade de intimação da Fazenda exequente, consignou o acórdão recorrido, com grifos adicionados (fls. 118119): Inicialmente, registro que, de fato, o artigo 22 § 2º da Lei n. 6.830/1980 estabelece a intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública da realização do leilão. Contudo, no caso dos autos, a despeito de não ser possível aferir se houve ou não a intimação pessoal do procurador da Fazenda, verifica-se dos termos da petição de fl. 53 (Anexo n. 32) que a Fazenda Pública tinha amplo conhecimento das datas RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 149 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA designadas para os leilões, tanto que a própria exequente requereu a juntada da publicação, no jornal da cidade, do edital. Assim, não há que se falar em nulidade, por ausência de intimação pessoal do representante da Fazenda Pública, tendo em vista que o escopo do artigo legal que se traduz no conhecimento das datas dos leilões foi observado. Observa-se, desde logo, que o Tribunal local, dos elementos constantes dos autos, nem sequer conseguiu aferir a existência, ou não, da mencionada intimação pessoal. Frise-se, por oportuno, que a formação do agravo de instrumento é de responsabilidade exclusiva da Fazenda então agravante. Assim, não é possível conhecer do recurso especial acerca de tese quanto à necessidade de intimação pessoal, na medida em que para saber se ela, de fato, não ocorreu faz-se necessário reexaminar o conjunto fático probatório constante do agravo de instrumento (art. 522 do CPC), o que é inviável ante o óbice da Súmula n. 7-STJ. Acrescento, ainda, que as ponderações do acórdão recorrido no sentido de que a anulação do processo em face do vício de procedimento invocado exige, em face do princípio da instrumentalidade das formas, a comprovação de prejuízo, está em conformidade com a jurisprudência do STJ. A esse respeito, confiram-se os seguintes precedentes: Agravo regimental em agravo de instrumento. Processual Civil. Procurador autárquico. Intimação pessoal. Nulidade inexistente. Não comprovação do prejuízo. Não alegação opportuno tempore. Deficiência da fundação. Súmula n. 284-STF. Honorários advocatícios. Extinção sem julgamento do mérito. Perda do objeto superveniente. Incidência do Enunciado n. 83 da Súmula desta Corte Superior de Justiça. 1. Em tema de nulidades processuais, o Código de Processo Civil acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se dessume que somente há de se declarar a nulidade do feito, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente. 2. A não indicação expressa do momento da ausência de intimação pessoal do procurador autárquico vicia a motivação do recurso especial, inviabilizando o seu conhecimento. Incidência do Enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 3. Esta Corte Superior de Justiça, com fundamento no princípio da causalidade, é firme no entendimento de que, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios. 150 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 4. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” (Súmula do STJ, Enunciado n. 83). 5. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag n. 1.191.616-MG, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 23.03.2010). Processual Civil. Intimação pessoal. AGU. Nulidade. Inocorrência. Ação rescisória. Art. 485, V, do CPC e arts. 1º, 9º, 10 e 11 da Lei n. 4.870/1965. Reajuste preços. Setor sucro-alcooleiro. Súmula n. 343-STF. 1. A eventual nulidade de julgamento com base em negativa de vigência dos artigos 38 da Lei Complementar n. 73/1993 e 6º da Lei n. 9.028/1995 por falta de intimação pessoal do represente da Advocacia Geral da União da inclusão do feito em pauta de julgamento, admite temperamentos com base no princípio da instrumentalidade do processo, tendo em vista que seu advogado esteve presente à sessão e fez sustentação oral. Vencido o relator neste ponto, por entender que ficou demonstrado prejuízo para a União que requerera o adiamento da sessão para melhor análise da matéria. 2. Suprida a ausência das razões proferidas no voto vencido pela Desembargadora Selene Maria de Almeida sobre o ponto controverso (a ausência de revisor) com a juntada das notas taquigráficas, não há de se falar em violação do artigo 535 do Código de Processo Civil. 3. São reiteradas as manifestações jurisprudenciais quanto à inocorrência de violação ao art. 485, V, do Código de Ritos e aos arts. 1º, 9º, 10 e 11 da Lei n. 4.870/1965, no que diz respeito aos critérios de aferição de custos, de acordo com cálculo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, para fixação de preços dos produtos do setor sucro-alcooleiro. 4. “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais (Súmula n. 343-STF). 5. Recurso especial não provido (REsp n. 826.850-DF, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 18.12.2009). No que tange ao indicado defeito na intimação (por edital) do executado para a realização do leilão, depreende-se das razões recursais que o município não impugnou especificamente o fundamento condutor do acórdão recorrido, de que o acolhimento dessa nulidade não traria proveito ao próprio devedor, motivo por que aplicou à espécie o disposto no art. 249, § 1º, do CPC. Veja-se (fl. 119): No que tange à ausência de intimação da executada da realização dos leilões, o que se extrai dos autos é que foi tentada, consoante documentos de fls. 55-56, mas restou frustrada, em razão da sua mudança de endereço. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 151 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Neste aspecto e nos termos do art. 687, § 5º do CPC deveria ter sido publicado edital de intimação, o que não ocorreu. Tal fato, a meu ver, no entanto, não é capaz de gerar nulidade, nos termos do artigo 249, § 1º do CPC, tendo em vista a ausência de prejuízo a quem aproveita, já que o bem a ser arrematado sequer pertencia mais a executada, além de ter sido anulada a arrematação. Incide, pois, no particular, o óbice estampado na Súmula n. 283-STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”. No mérito, melhor sorte não socorre ao recorrente. Extrai-se dos autos que a Fazenda Municipal requereu a realização da hasta pública da qual resultou efetivamente arrematado o bem penhorado. Todavia, o próprio ente público, ao perceber que o débito exequendo já se encontrava sob parcelamento, solicitou que a arrematação fosse tornada sem efeito e que a execução ficasse suspensa; em conseqüência disso, o arrematante também abriu mão do bem. É o que se retira do voto condutor do acórdão recorrido (fl. 118-119): A Fazenda Pública requereu a designação de hasta pública (fl. 47) proferindo a Magistrada singular, a decisão de fl. 48, nomeando leiloeira oficial e designando “o dia 1º de abril de 2009, às 13:30 horas, para realização da primeira praça, e se necessário for, dia 15 de abril de 2009, às 13:30 para realização da segunda praça, no átrio do Fórum local” (fl. 48). O bem foi arrematado, conforme certidão de fl. 57, lavrando-se o auto de arrematação de fl. 59. A Fazenda Pública, então, peticiou nos autos, aduzindo “que a executada firmou os Termos de ‘Confissão de Débitos Fiscais’ inclusos, referentes aos Imóveis n. 00.01.015.0919.001 e n. 00.01.015.0919.0006, os quais foram celebrados anteriormente à hasta pública de 1º.04.2009, tendo a executada iniciado os pagamentos devidos anteriormente ao parcelamento”, requerendo, por isso, “a insubsistência da aludida hasta pública (fls. 72-74), pelos fatos ora expostos, requerendo também a suspensão do processo pelo prazo de 12 (doze) meses para o cumprimento do parcelamento noticiado” (fl. 60), o que foi deferido às fl. 65. Posteriormente, o arrematante peticionou nos autos, postulando alvará judicial “referente à devolução do dinheiro da arrematação, no valor de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), do leilão realizado dia 1º.04.2009, uma vez que o leilão foi suspenso devido ao pagamento feito pelo executado” (fl. 70), que culminou na decisão agravada de fl. 71, que intimou o exequente para, em 48 (quarenta e oito) horas depositar o valor da comissão da leiloeira. 152 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA [...] Feitas essas considerações, é de se consignar que a arrematação chegou a ser realizada, tendo sido prestado o serviço despendido pela leiloeira, o que gera o dever de pagamento da comissão, mas não como ônus do arrematante, tendo em vista que a desistência da arrematação não se deu por sua culpa. Na verdade, tenho que o responsável pela realização do ato de arrematação que, posteriormente, foi anulado, foi a Fazenda Pública, tendo em vista que apontou a existência de termo de confissão de débitos fiscais anteriormente a arrematação. Ademais, para o devido deslinde da presente quaestio, o que importa, é que a Fazenda Pública aceitou o pedido de confissão de dívida com parcelamento, mesmo que não formulado pela parte executada, tanto que requereu a insubsistência da hasta pública e a suspensão do processo. Ora, estando a exequente ciente da realização do parcelamento do débito fiscal, deveria ter requerido a suspensão do processo antes da realização dos leilões, evitando, assim, atos processuais desnecessários. Ponderados esses elementos, para a solução da presente controvérsia, cabe perquirir se é devida a comissão do leiloeiro e a quem cabe honrar com esse ônus. Inicialmente, deve-se destacar que, no presente caso, os serviço do leiloeiro foi efetivamente prestado, tendo sido arrematado o bem penhorado e depositado o respectivo valor à disposição do Juízo da execução. Além disso, a quebra na continuidade no procedimento de alienação, com consequente a transferência do bem ao arrematante, não derivou de nenhum vício de nulidade eventualmente existente no curso da execução, mas de manifestação da Fazenda credora de que débito já estava sendo adimplido, sendo, portanto, desnecessária a consecução daquela medida expropriatória. Tem-se, assim, que a tese de que o serviço prestado pelo leiloeiro pressupõe riscos decorrentes do próprio insucesso da hasta ou da invalidade do procedimento judicial que levou o bem à oferta pública não tem aplicação no caso em apreço, na medida em que a coisa foi regularmente levada ao leilão por pedido do credor e foi efetivamente arrematada; cumpridas, portanto, todas as incumbências previstas nos incisos do art. 705 do CPC, deve ser respeitada a justa remuneração do profissional que realizou o leilão. Por fim, cabe questionar, ainda, a quem cabe honrar tal ônus. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 153 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A aplicação do art. 23, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, segundo o qual compete ao arrematante pagar a comissão do leiloeiro, pressupõe que a consecução do ato expropriatório, com a transferência do domínio da coisa arrematada. Na espécie, entretanto, a arrematação, embora realizada, não surtiu os efeitos almejados em decorrência de ato alheio à vontade do arrematante; circunstância essa que diferencia o caso em apreço da hipótese de subsunção ao referido dispositivo legal. Na mesma esteira, não é razoável imputar ao arrematante o pagamento de despesas relativos a um ato processual que acabou sendo desfeito por iniciativa de outrem. A esse respeito, o STJ, há muito, já se manifestou: Processo Civil. Leilão. Anulação sem culpa do arrematante. Comissão do leiloeiro. O artigo 23, paragrafo 2º, da Lei n. 6.830, de 1980, supõe ou que a arrematação tenha se consumado ou que, pelo menos, tenha se frustrado por culpa do arrematante. Hipotese em que, tendo o leilão sido anulado, a requerimento da Fazenda Publica, em razão do superveniente cancelamento do credito tributario, o pagamento da comissão do leiloeiro não pode ser exigido do arrematante. Recurso especial não conhecido (REsp n. 86.506-RJ, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, DJ 13.04.1998). Conforme a regra geral estabelecida no Código de Processo Civil, em seu art. 20, o pagamento das despesas processuais, dentre as quais se encontra a comissão do leiloeiro, decorre da aplicação do princípio da causalidade (art. 20 do CPC). Em razão disso, é necessário perquirir quem deu causa à despesa processual realizada. No caso em apreço, conforme acima colacionado, o Tribunal de origem consignou que a Fazenda Pública permitiu a realização de arrematação desnecessária, na medida em que a exequente já tinha ciência de que o débito exequendo estava sendo adimplido de outra forma (parcelamento). Assim, detentora de informação prejudicial à realização do leilão, cabia à credora impedir a sua realização, motivo pelo qual ela deve, em face de sua comprovada culpa, devidamente apurada pela instância de origem, responder pelas despesas derivadas do ato processual que veio a ser desfeito. Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negolhe provimento. É como voto. 154 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA RECURSO ESPECIAL N. 1.210.778-SC (2010/0155894-0) Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima Recorrente: Graciela Conzatti Maçaneiro e outros Advogado: Alexandro Taqueo Koyama Recorrente: União Recorrido: Os mesmos EMENTA Administrativo. Processual Civil. Recurso especial. Servidor público. Matéria constitucional. Exame. Impossibilidade. Violação ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Militar. Morte em serviço. Homicídio culposo praticado por subordinado, dentro da unidade militar. Promoção post mortem. Cabimento. Reexame de matéria fática. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. Homenagens póstumas. Fundamento inatacado. Súmula n. 283-STF. Responsabilidade objetiva do Estado. Reconhecimento pelo Tribunal de origem. Indenização por danos morais. Compensação com as diferenças remuneratórias decorrentes da promoção post mortem. Impossibilidade. Naturezas jurídicas distintas. Necessidade de fixação autônoma da indenização por danos morais. Arbitramento total em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Juros moratórios incidentes sobre a verba remuneratória. Termo inicial. Óbito do ex-militar. Súmula n. 54-STJ. Ação ajuizada após a edição da MP n. 2.180-35/01. 6% ao ano. Sucumbência recíproca. Afastamento. 1. É vedado em sede de recurso especial o exame de suposta afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da República. 2. Tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta ao art. 535, I e II, do CPC, não se devendo confundir “fundamentação sucinta com ausência de fundamentação” (REsp n. 763.983-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 28.11.2005). RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 155 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. Militar morto em serviço em decorrência de homicídio culposo praticado por outro militar – condenado em sentença penal transitada em julgado –, que causou acidente automobilístico envolvendo viatura oficial dentro da unidade militar. 4. “Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos” (AgRg no REsp n. 670.453-RJ, Rel. Min. Celso Limongi, Des. Conv. do TJSP, Sexta Turma, DJe 08.03.2010). 5. Pedido de indenização de danos morais, decorrentes da não prestação de honras militares ao de cujus, afastado pelo Tribunal de origem com base em fundamentos de ordem fática, não infirmados no recurso especial. Súmulas n. 7-STJ e n. 283-STF. 6. Os pedidos de promoção post mortem e de indenização por danos morais possuem naturezas distintas, não se confundindo. Por conseguinte, a majoração da pensão instituída pelo falecido militar em favor de seus dependentes não tem o condão de compensar a indenização por danos morais. Incidência, por analogia, da Súmula n. 37-STJ. 7. “O sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo núcleo familiar, como em força centrífuga, atingindo cada um dos membros, em gradações diversas, o que deve ser levado em conta pelo magistrado para fins de arbitramento do valor da reparação do dano moral” (REsp n. 1.101.213-RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 27.04.2009). 8. “A indenização por dano moral não é um preço pelo padecimento da vítima ou de seu familiar, mas, sim, uma compensação parcial pela dor injusta que lhe foi provocada, mecanismo que visa a minorar seu sofrimento, diante do drama psicológico da perda a qual foi submetida” (REsp n. 963.353-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27.08.2009). 9. “Os danos morais indenizáveis devem assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de sopesar a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrável à luz da proporcionalidade da ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade” (REsp n. 1.124.471-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 1º.07.2010). 156 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 10. Indenização por danos morais fixadas em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), utilizando-se como parâmetro a Lei n. 12.257, de 12.06.2010 (que concedeu “auxílio especial”, de igual valor, aos dependentes dos militares das Forças Armadas falecidos durante o terremoto de janeiro de 2010 na República do Haiti), e nos seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 1.133.105-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.12.2009; REsp n. 1.109.303-RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 05.08.2009. 11. Indenização a ser dividida entre os autores na seguinte proporção: (a) Graciela Conzatti (viúva): R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais); (b) Matheus Maçaneiro (filho): R$ 100.00,00 (cem mil reais); (c) Gabriela Maçaneiro (filha): R$ 100.000,00 (cem mil reais); (d) Natalino José Maçaneiro (pai): R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais); (e) Valéria Maçaneiro (mãe): R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais). 12. Nas indenizações por danos morais, decorrentes da responsabilidade objetiva do Estado, incidem juros moratórios de 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001), a partir do qual, conforme disposto em seu art. 406, deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, qual seja, a Selic, ex vi a Lei n. 9.250/1995, a contar da data do óbito do militar (16.09.2003 – fl. 56e), conforme disposto na Súmula n. 54-STJ. 13. Manutenção dos juros moratórios fixados nas Instâncias em 6% ao ano, com base no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, sobre as diferenças decorrentes da majoração da pensão militar, uma vez que se trata de verba remuneratória e a ação foi ajuizada após a edição da MP n. 2.180-35, de 24.08.2001. Precedente do STJ. 14. Sucumbência recíproca afastada a fim de condenar a União ao pagamento das custas e despesas processuais eventualmente adiantadas pelos autores, e honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em 10% sobre o valor da condenação. Especificamente no que se refere às diferenças devidas a título de pensão militar, decorrente da promoção post mortem do ex-militar, a base de cálculo dos honorários deverá levar em consideração, de RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 157 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA acordo com o art. 260 do CPC, as prestações vencidas acrescidas de uma anualidade das vincendas. 15. Recurso especial da União não conhecido. Recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conheceu e dar parcial provimento ao recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros e não conhecer do recurso especial da União, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília (DF), 06 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator DJe 15.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Tratam-se de recursos especiais manifestados por Graciela Conzatti Maçaneiro e outros e pela União, com base no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal. Narram os autos que os primeiros recorrentes, respectivamente viúva, filhos, pai e mãe do Cabo do Exército Emerson Maçaneiro, incorporado em 04.02.1991 e falecido em 16.09.2003, em decorrência de acidente sofrido em serviço, ajuizaram ação ordinária em desfavor da União objetivando fosse ela condenada a: (i) conceder promoção post mortem do de cujus para a graduação de TerceiroSargento, com todos os seus efeitos financeiros, inclusive pretéritos, acrescidos de correção monetária e juros moratórios; (ii) promover as homenagens post mortem devidas ao falecido militar; (iii) pagar aos autores indenização por danos morais, em virtude da suspensão das homenagens post mortem devidas ao militar, 158 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA o que importaria em afronta à honra objetiva não apenas deste mas também de seus familiares, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), para cada um dos autores; (iv) pagar indenização por danos morais em razão do fato criminoso que resultou na morte do citado militar, praticado por um de seus subordinados durante a prestação do serviço militar, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para cada um dos autores (fls. 03-51e). Após regular processamento do feito, sobreveio a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, sob o fundamento de que: a) restaria comprovado nos autos a negligência e imprudência do falecido militar, uma vez que este, mesmo após constatar a embriaguês do Soldado Sabel, que conduzia a viatura, não exerceu sua superioridade hierárquica a fim de ordenar que o motorista deixasse o veículo, acompanhando-o no banco do carona, sendo certo, ainda, que não haveria provas de que houve insubordinação do referido Soldado; b) comprovado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva dos militares que ocupavam o veículo, não haveria como imputar à Administração qualquer responsabilidade pela morte do Cabo Maçaneiro; por conseguinte, também não seria devida a promoção post mortem, nos termos do disposto no art. 1º, § 2º, do Decreto n. 57.272/1965; c) a realização das homenagens post mortem estaria no âmbito de discricionariedade da Administração, tendo sido suspensa a salva de tiros por razões de segurança, e não em razão das circunstâncias do falecimento do militar. Outrossim, independentemente da vida pregressa do de cujus, sua morte se deu em circunstâncias que afastariam sua honra e, por conseguinte, as homenagens pleiteadas pelos autores (fls. 1.762-1.774e). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, reformou em parte a sentença tão somente para condenar a União a realizar a promoção post mortem do falecido militar, ao entendimento de que seria fato incontroverso que o acidente ocorreu em área militar durante a prestação de serviço, por culpa exclusiva do Soldado que conduzia o veículo (fls. 1.863-1.876e). O acórdão recorrido recebeu a seguinte ementa (fl. 1.875e): Administrativo. Militar morto em acidente em serviço. Promoção post-mortem. Reconhecimento. Responsabilidade objetiva do Estado. Ausência de salvas de tiro no enterro. Danos morais. Requisitos não preenchidos. 1. Há responsabilidade civil da União quando um de seus agentes concorre para a ocorrência de dano, presente o nexo causal. 2. Provada a ausência de culpa de militar no acidente que o vitimou fatalmente, faz ele jus à sua promoção post mortem. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 159 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados pelo acórdão de fls. 1.896-1.901e. Sustentam os primeiros recorrentes, além de dissídio jurisprudencial, violação aos seguintes dispositivos legais: a) arts. 186 e 927 do Código Civil, asseverando que a indenização por danos morais pleiteada na inicial não se confundiria com o direito à promoção post mortem reconhecida pelo Tribunal de origem, uma vez que a primeira encontra-se no plano da responsabilidade objetiva do Estado em relação aos atos praticados por seus agentes, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição da República, como no caso concreto, em que o militar faleceu em virtude de homicídio praticado por seu subordinado, causando graves transtornos aos seus familiares, ora recorrentes; b) arts. 137 e 138 do Decreto n. 2.247/1997 e 111 da Lei n. 6.880/1980, ao argumento de que, comprovada a inexistência do fato arguido pela Administração para negar ao de cujus as homenagens militares pleiteadas, seria de rigor reconhecer a nulidade de pleno direito da decisão que determinou a suspensão da salva de tiros requerida e sua consequente realização, como forma de resgatar o status dignitatis do falecido militar; c) arts. 186 e 927 do Código Civil, pois, comprovado que a suspensão das homenagens militares ocorreu por motivo inexistente, seria devida aos autores indenização por danos morais como forma de compensação pelas frustrações que lhes foram causadas; d) arts. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987 e 406 do Código Civil c.c. 161, § 1º, do CTN haja vista que os juros moratórios deveriam ser fixados em 1% ao mês. A União, por sua vez, alega contrariedade aos seguintes dispositivos: 1) arts. 535, I e II, do CPC, 5º, XXXIV, XXXV, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição Federal, uma vez que o Tribunal de origem, não obstante a oposição de embargos declaratórios, não teria sanado os vícios apontados no acórdão recorrido, o que importaria em negativa de prestação jurisdicional; 2) arts. 21 da Lei n. 3.760/1960, 1º, § 2º, do Decreto n. 52.737/1963, 1º do Decreto n. 57.272/1965 e 1º da Lei n. 5.195/1966, uma vez que não seria devida a promoção post mortem ao de cujus, uma vez que sua morte teria sido resultante de negligência e imprudência sua e de seu subordinado. Foram apresentadas contrarrazões (fls. 2.021-2.025e. e 2.032-2.041e). Recurso admitidos na origem (fls. 2.042-2.043e). 160 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da República Maurício Vieira Bracks, opinou pelo não conhecimento do recurso especial da União e pelo parcial conhecimento e, nesta extensão, pelo parcial provimento do recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO: De início, não se presta o recurso especial ao exame de suposta afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da República. Por sua vez, tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta ao art. 535, I e II, do CPC, não se devendo confundir “fundamentação sucinta com ausência de fundamentação” (REsp n. 763.983-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 28.11.2005). De outro lado, verifica-se que a Turma Julgadora, com base no conjunto probatório dos autos, firmou a compreensão no sentido de que o acidente que ceifou a vida do Cabo Maçaneiro ocorreu por culpa exclusiva do Soldado Sabel, que dirigia a viatura naquela oportunidade, o qual, inclusive, foi condenado por homicídio culposo. In verbis (fl. 1.869e): Verifico nos autos ser fato incontroverso ter o Cabo Maçaneiro falecido em acidente automobilístico em que o veículo onde era caroneiro estava sendo conduzido pelo Soldado Sabel, dentro de perímetro de área militar, durante a prestação de serviço. Verifico, também, que o Inquérito Policial Militar instaurado para apurar os fatos concluiu que o acidente foi de culpa exclusiva do Soldado Sabel (fls. 311-316 e 319), sendo posteriormente confirmado em sentença pela Justiça Militar (fls. 472-476). Para afastar sua responsabilidade, cabe à União demonstrar a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior. A ação da vítima para o desenrolar do evento danoso é fato que pode levar à atenuação ou RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 161 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA até mesmo à exclusão de sua responsabilidade. No presente caso, não vislumbro essa ocorrência (Grifo nosso). Destarte, rever tal entendimento demandaria o reexame de matéria fáticoprobatória, o que atrai o óbice da Súmula n. 7-STJ. Nesses termos, não conheço do recurso especial da União. Passo ao exame do recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros. Como narrado na inicial, os ora recorrentes, respectivamente viúva, filhos, pai e mãe do Cabo do Exército Emerson Maçaneiro, incorporado em 04.02.1991 e falecido em 16.09.2003, em decorrência de acidente sofrido em serviço, ajuizaram ação ordinária em desfavor da União objetivando fosse ela condenada a: (i) conceder promoção post mortem do de cujus para a graduação de TerceiroSargento, com todos os seus efeitos financeiros, inclusive pretéritos, acrescidos de correção monetária e juros moratórios; (ii) promover as homenagens post mortem devidas ao falecido militar; (iii) pagar aos autores indenização por danos morais, em virtude da suspensão das homenagens post mortem devidas ao militar, o que importaria em afronta à honra objetiva não apenas deste mas também de seus familiares, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), para cada um dos autores; (iv) pagar indenização por danos morais em razão do fato criminoso que resultou na morte do citado militar, praticado por um de seus subordinados durante a prestação do serviço militar, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para cada um dos autores (fls. 03-51e). Antes de iniciar o exame das teses recursais por eles deduzidas, faz-se necessário examinar, de ofício, questão acerca de sua legitimidade quanto ao pedido de indenização por danos morais, haja vista tratar-se de matéria de ordem pública. Embora a indenização por danos morais seja devida, em regra, apenas ao lesado direto, ou seja, a quem experimentou imediata e pessoalmente as conseqüências do evento danoso, há hipóteses em que outras pessoas a ele estreitamente ligadas também experimentam danos de forma reflexa – dano moral por ricochete ou préjudice d’affection –, em virtude dos laços afetivos e circunstâncias de grande proximidade, aptas a também causar-lhes o intenso sofrimento pessoal. De fato, “O sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo núcleo familiar, como em força centrífuga, atingindo cada um dos membros, em 162 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA gradações diversas, o que deve ser levado em conta pelo magistrado para fins de arbitramento do valor da reparação do dano moral” (REsp n. 1.101.213-RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 27.04.2009). Direito Civil. Responsabilidade civil. Compensação por danos morais. Legitimidade ativa. Pais da vítima direta. Reconhecimento. Dano moral por ricochete. Dedução. Seguro DPVAT. Indenização judicial. Súmula n. 246STJ. Impossibilidade. Violação de súmula. Descabimento. Denunciação à lide. Impossibildade. Incidência da Súmula n. 7-STJ e n. 283-STF. 1. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, a da CF/1988. 2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes. 3. Recurso especial não provido (REsp n. 1.208.949-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15.12.2010). Em tais situações, como ocorrido na espécie, verifica-se que os parentes da vítima não estão a pleitear em juízo indenização por danos morais devidas àquela, mas um direito personalíssimo. Tal conclusão também se aplica em relação aos genitores da vítima, na medida em que o fato desta, ao tempo de sua morte, já ter constituído família “não faz presumir que os laços afetivos entre eles tenham se enfraquecido, pois a diminuição da afetividade entre genitores e filhos, por ser contrária ao senso comum, é que exige comprovação concreta para fins de redução do valor arbitrado a título de compensação dos danos morais” (REsp n. 1.139.612-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 23.03.2011). Destarte, resta constatada a legitimidade dos membros da família do falecido militar para pleitearem a indenização por danos morais. Quanto ao pedido de realização das homenagens póstumas ao falecido militar, bem como de indenização por danos morais decorrentes de sua não concessão pela Administração Militar, nenhum reparo há ser feito ao acórdão recorrido. Com efeito, não se olvida que, “Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 163 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente público aos seus termos” (AgRg no REsp n. 670.453-RJ, Rel. Min. Celso Limongi, Des. Conv. do TJSP, Sexta Turma, DJe 08.03.2010). Ocorre que, no caso concreto, embora tenha restado reconhecido pela Turma Julgadora que um dos fundamentos indicados pelo Comandante do ex-militar – ocorrência de fortes chuvas no dia do sepultamento, que teriam impedido a realização da salva de tiros – não encontrasse amparo na prova testemunhal produzida nos autos, outras razões também teriam sido dadas para a não realização da referida cerimônia militar, estas não contestadas, a saber: (i) pouco espaço físico existente no local do sepultamento; (ii) número de pessoas presentes no local. In verbis (fls. 1.872-1.873e): Assim, mesmo que o Comandante da tropa do ex-militar tenha avisado à parte autora que seriam prestadas honras fúnebres com as salvas, estas são honras “complementares” e somente dirigidas às autoridades enumeradas no art. 111 acima, logo, acaso houvesse a possibilidade de realizá-las, essa decisão seria meramente ato discricionário da Administração Militar. No tocante, transcrevo trecho dos fundamentos da sentença: Ademais, à míngua de amparo legal, a realização das salvas fúnebres em homenagem ao Cb Maçaneiro estava circunscrita ao âmbito discricionário da autoridade superior. Esta, porém, resolveu suspender a salva de tiros por motivos de segurança (depoimentos das fls. 1.441-1.442). Bem verdade que o motivo alegado à fl. 1.441, ou seja, que “chovera no terreno onde foi realizado o sepultamento”, não encontra amparo na prova testemunhal colhida a fls. 1.475-80, do qual se apreende que por ocasião do sepultamento o tempo era bom. Contudo, segundo se pode colher do depoimento da testemunha Roberto Soares (fl. 1.479), na época Comandante da Guarda de Honras Fúnebres, outras razões foram dadas, na ocasião, para a não realização da salva de tiros, quais sejam, “pouco espaço existente no local do sepultamento e do número de pessoas que lá estavam presentes”. Em relação a tais razões, não se logrou demonstrar que elas não existiam e que a realização da salva de tiros não colocaria em risco as pessoas que lá se encontravam, em virtude do pouco espaço existente no local. Motivo pelo qual, à falta de elementos a apontar no sentido contrário, há de reputar-se legítima a conduta na suspensão da salva de tiros. Acrescente-se que, a teor do depoimento da fl. 1.441, do Cel. Luiz Carlos Pereira Gomes, à época Comandante do 23º BI, a suspensão da salva de tiros nada teve haver com as circunstâncias do acidente que vitimou o Cb Maçaneiro. Pois, segundo ele, “as honras militares não deixariam de ser prestadas em razão das circunstâncias em que ocorreu o acidente, até porque essas 164 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA circunstâncias somente chegaram ao conhecimento do depoente depois do sepultamento”. Assim, há de conferir-se crédito à alegação de que a salva de tiros foi suspensa por motivos de segurança e não em virtude das circunstâncias em que ocorreu o acidente em questão, porque estas, até então, não eram do conhecimento daquele que ordenou a suspensão. Descabível, portanto, indenização por danos morais em virtude da suspensão das salvas de tiros no enterro do ex-militar. Assim, considerando-se que tais fundamentos restaram inatacados pelos recorrentes, incide na espécie, nesse ponto, a Súmula n. 283-STF. Impende ressaltar, outrossim, que rever o entendimento firmado pelo Tribunal de origem demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STJ. Logo fica prejudicada a tese de dissídio jurisprudencial. Procede, contudo, a irresignação quanto à indenização por danos morais oriundos da morte do militar. Com efeito, o Tribunal de origem, a partir das provas carreadas aos autos, afastou a responsabilidade do de cujus pelo acidente que lhe ceifou a vida, uma vez que imputada exclusivamente ao militar que conduzia a viatura, reconhecendo, ato contínuo, “a presença de todos os elementos necessários à caracterização da responsabilidade da União, ação do agente, nexo causal e dano”. E ainda (fl. 1.897e): [...] Cabível, portanto, a majoração das pensões por morte, bem como a entrega das diferenças entre os proventos das patentes de Cabo e o de 3º Sargento, devendo ser afastada, todavia, a indenização por dano moral, uma vez que entendo que aquela recomposição pecuniária abrange o numerário necessário para indenizar o abalo sofrido. As parcelas devidas terão correção monetária pelos pelos índices oficiais e juros moratórios (Grifos nossos). Ocorre que, ao contrário do que restou decido pela Turma Julgadora, não há de se confundir os pedidos de promoção post mortem e de indenização por danos morais, porquanto, embora possuam o mesmo pressuposto fático – morte do militar em acidente em serviço para o qual não foi responsável –, possuem naturezas distintas. A promoção post mortem refere-se a um direito eminentemente material que é deferido ao militar que vier a falecer em determinadas circunstâncias, quando preenchidos os requisitos previstos nos dispositivos abaixo relacionados: RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 165 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Lei n. 3.765/1960 Art. 21. A pensão resultante da promoção post-mortem será paga aos beneficiários habilitados, a partir da data da promoção. Decreto n. 52.737/1963 Art. 1º. A promoção “post mortem” de que trata o art. 21 da Lei número 3.765, de 04 de maio de 1960 será concedida, no posto imediato e na data do falecimento ao militar do Exército que, em pleno serviço ativo, houver falecido ou vier a falecer em conseqüência de: I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou moléstia contraída nessa situação e que nela tenha sua causa eficiente; II - acidente em serviço ou moléstia dele proveniente. § 1º. Considera-se acidente em serviço o ocorrido com o militar na execução de: a) serviço para o qual haja sido designado; b) ordens recebidas, deveres ou obrigações funcionais; c) o deslocamento ou viagens a que for obrigado para o desempenho das missões acima referidas, exceto o trânsito normal diário entre sua residência e o local de trabalho. § 2º. Não será considerado acidente em serviço o que tiver resultado de crime, transgressão disciplinar, imperícia, imprudência ou desídia por parte do militar ou de subordinado seu, com sua aquiescência. § 3º. Os casos de que trata este artigo serão comprovados por documentos sanitários de origem, inquérito policial militar ou de ficha de evacuação. Os termos de acidente, partes de Unidades papeleta de tratamento em hospitais e enfermarias, registros de baixa etc., serão documentos subsidiários para estabelecer a situação. Decreto n. 57.272/1965 Art. 1º. Considera-se acidente em serviço, para todos os efeitos previstos na legislação em vigor relativa às Forças Armadas, aquele que ocorra com militar da ativa, quando: a) no exercício dos deveres previstos no art. 25 do Decreto-Lei número 9.698, de 02 de setembro de 1946 (Estatuto dos Militares); b) no exercício de suas atribuições funcionais, durante o expediente normal, ou, quando determinado por autoridade competente, em sua prorrogação ou antecipação; c) no cumprimento de ordens emanada de autoridade militar competente; d) no decurso de viagens em objeto de serviço, previstas em regulamentos ou autorizadas por autoridade militar competente; 166 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA e) no decurso de viagens impostas por motivo de movimentação efetuadas no interesse do serviço ou a pedido; f ) no deslocamento entra a sua residência e a organização em que serve ou o local de trabalho, ou naquele em que sua missão deva ter início ou prosseguimento, e vice-versa. Lei n. 5.195/1966 Art. 1º O militar que, em pleno serviço ativo, vier a falecer em conseqüência de ferimentos recebidos em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou em virtude de acidente em serviço será considerado promovido ao pôsto ou graduação imediata, na data do falecimento. Já o dano moral indenizável pelo Estado, por sua vez, encontra-se previsto nos arts. 186 e 927 do Código Civil c.c. 37, § 6º, da Constituição Federal, que têm a seguinte redação: Código Civil Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Constituição Federal Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Consoante o magistério de René SAVATIER, dano moral “é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 167 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc” (Traité de La Responsabilité Civile, vol. II, n. 525, Apud Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Editora Forense, RJ, 1989). Segundo o Yussef Said CAHALI, dano moral “é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (Dano Moral, 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 20). Destarte, a recomposição dos valores da pensão instituída pelo falecido militar em favor de seus dependentes não tem o condão de compensar a indenização por danos morais devida pela União, conforme dispõe a Súmula n. 37-STJ, por analogia: São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. Faz-se necessário, portanto, nesse ponto, reformar o acórdão recorrido a fim de, com base no art. 257 do RISTJ e na Súmula n. 456-STF, fixar a verba indenizatória. É sempre bom lembrar que “A indenização por dano moral não é um preço pelo padecimento da vítima ou de seu familiar, mas, sim, uma compensação parcial pela dor injusta que lhe foi provocada, mecanismo que visa a minorar seu sofrimento, diante do drama psicológico da perda a qual foi submetida” (REsp n. 963.353-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27.08.2009). Para tanto, “Os danos morais indenizáveis devem assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de sopesar a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrável à luz da proporcionalidade da ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da solidariedade” (REsp n. 1.124.471-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 1º.07.2010). Se é certo que eventuais acidentes em serviço envolvendo viaturas militares possam ser enquadrados dentro do risco inerente à própria atividade militar, não 168 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA é menos certo que deve ser considerada extremamente improvável que a morte de um militar ocorra em razão de homicídio praticado por um subordinado seu. No caso concreto, consoante constatado pelo Tribunal de origem (fl. 1.869e), o militar faleceu em razão de homicídio culposo praticado por outro militar, seu subordinado, e que resultou na condenação deste último pela Justiça militar (fl. 497e), tendo a respectiva sentença penal militar condenatória transitado em julgado em 1º.08.2006 (fl. 499e). Tendo em vista tal circunstância, entendo necessária a fixação da indenização dos danos morais no valor total de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Tal quantia é arbitrada utilizando-se como parâmetro inicial a indenização prevista na Lei n. 12.257, de 12.06.2010, concedida pela União aos dependentes dos militares mortos durante o terremoto de janeiro de 2010 ocorrido na República do Haiti, também no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), independentemente do posto/graduação que ocupavam e dos demais benefícios instituídos em favor de seus dependentes. In verbis: Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º. Esta Lei concede auxílio especial e bolsa especial aos dependentes dos militares das Forças Armadas falecidos durante o terremoto de janeiro de 2010 na República do Haiti. Art. 2º. Fica concedido auxílio especial aos dependentes dos seguintes militares das Forças Armadas falecidos durante o terremoto de janeiro de 2010 na República do Haiti: I - General-de-Brigada Combatente João Eliseu Souza Zanin; II - General-de-Brigada Combatente Emilio Carlos Torres dos Santos; III - Coronel Marcus Vinicius Macêdo Cysneiros; IV - Tenente-Coronel Francisco Adolfo Vianna Martins Filho; V - Tenente-Coronel Márcio Guimarães Martins; VI - Capitão Bruno Ribeiro Mário; VII - 2º. Tenente Raniel Batista de Camargos; VIII - Subtenente Davi Ramos de Lima; IX - Subtenente Leonardo de Castro Carvalho; X - 2º. Sargento Rodrigo de Souza Lima; RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 169 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA XI - 3º. Sargento Arí Dirceu Fernandes Júnior; XII - 3º. Sargento Douglas Pedrotti Neckel; XIII - 3º. Sargento Washington Luis de Souza Seraphin; XIV - Cabo Antonio José Anacleto; XV - Cabo Felipe Gonçalves Julio; XVI - Cabo Kleber da Silva Santos; XVII - Cabo Rodrigo Augusto da Silva; e XVIII - Cabo Tiago Anaya Detimermani. Parágrafo único. O auxílio especial será concedido sem prejuízo dos demais benefícios decorrentes da condição de militar das Forças Armadas. Art. 3º. O auxílio especial será no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por militar, dividido entre seus dependentes, em parcelas iguais nos termos desta Lei. Art. 4º. A bolsa especial de educação, no valor de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais), será concedida ao dependente estudante do ensino fundamental, médio ou superior até os 18 (dezoito) anos ou, em se tratando de estudante universitário, até os 24 (vinte e quatro) anos de idade, destinada ao custeio da educação formal, e será atualizada nas mesmas datas e pelos mesmos índices dos benefícios do regime geral de previdência social. Parágrafo único. O Ministério da Defesa editará as normas complementares necessárias para a execução do disposto neste artigo, inclusive quanto ao cadastramento dos dependentes estudantes e da comprovação da matrícula, frequência e rendimento escolar. Art. 5º. Para os fins desta Lei, considera-se dependente: I - o cônjuge; II - o companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar; III - os filhos e o menor sob guarda ou tutela até os 21 (vinte e um) anos de idade ou até 24 (vinte e quatro) anos de idade se estudantes em curso de nível superior; IV - os filhos inválidos, desde que a invalidez seja anterior à maioridade. § 1º. Na ausência dos dependentes referidos nos incisos I a IV deste artigo, o auxílio especial será devido à mãe e ao pai do militar. § 2º. O disposto neste artigo prescinde da efetiva dependência econômica ou dos critérios constantes na legislação militar. Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 170 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Tal fixação se mostra coerente com a situação concreta dos autos, não só porque a morte do militar ocorreu durante o serviço, mas em especial porque resultou de um homicídio culposo praticado dentro de unidade militar, em que o agente foi outro militar. O valor total da indenização também encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, no julgamento do REsp n. 1.133.105-RJ (Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.12.2009), o Superior Tribunal de Justiça confirmou o arbitramento realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que condenou o Município de Carmo-RJ a pagar indenização por danos morais de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) à mãe de vítima de homicídio culposo praticado por agente público da ré. A propósito, confira-se a ementa do referido acórdão: Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Morte do filho da autora. Baixa renda. Danos morais e materiais. Indenização e pensionamento. 1. Esta Corte tem reconhecido, continuamente, o direito dos pais ao pensionamento pela morte de filho, independente de este exercer ou não atividade laborativa, quando se trate de família de baixa renda, como na hipótese dos autos. 2. A revisão do valor da indenização somente é possível, em casos excepcionais, quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que, todavia, in casu, não se configurou. 3. Recurso parcialmente provido. Também no REsp n. 1.109.303-RS (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 05.08.2009), o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a condenação imposta à União – pagamento de indenização por danos morais, à mãe de militar vítima de homicídio culposo dentro de sua respectiva unidade militar, no valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) –, seria consonante com o princípio da proporcionalidade. Confira-se o respectivo acórdão: Processual Civil. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Militar. Vítima de homicídio em quartel. Sentença penal condenatória proferida pela Justiça Militar Federal. Danos morais e materiais. Prescrição. Inocorrência. Danos materiais e morais. Artigo 37, § 6º da Constituição Federal. Matéria constitucional. Nexo de causalidade. Redução do quantum indenizatório. Exorbitância. Inexistência. Juros moratórios. Cabimento. Tempus regit actum. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 171 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. A prescrição de ação indenizatória, por ilícito penal praticado por agente do Estado, tem como termo inicial o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Precedentes do STJ: AgRg no Ag n. 951.232-RN, Segunda Turma, DJ de 05.09.2008; REsp n. 781.898-SC, Primeira Turma, DJ 15.03.2007 e REsp n. 439.283-RS, Primeira Turma, DJ 1º.02.2006. 2. In casu, trata-se de Ação de Indenização ajuizada em face da União, em 04.11.2004, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, proferida pelo Juízo da 1ª Auditoria da 3ª CJM-Porto Alegre-RS, nos autos do Processo Penal Militar n. 22/98-0, em 31.08.1999 (fls. 73-79), a qual transitou em julgado em 2001, consoante noticiado pelo Juízo 6ª Vara Federal de Porto Alegre-SJ-RS (fl. 145), objetivando a reparação de danos morais e materiais decorrentes do falecimento de Soldado do Exército, vítima de homicídio por disparo de arma de fogo desferida por outro soldado, no período em que prestava Serviço Militar no 3º Regimento de Cavalaria de Guardas - Regimento Osório. 3. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual (Súmula n. 54-STJ). Precedentes: REsp n. 771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 489.439-RJ, DJ 18.08.2006; REsp n. 768.992-PB, DJ 28.06.2006. 4. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula n. 54-STJ) à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001). 5. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001) os juros moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a Selic, nos expressos termos da Lei n. 9.250/1995. Precedentes: REsp n. 688.536-PA, DJ 18.12.2006; REsp n. 830.189-PR, DJ 07.12.2006; REsp n. 813.056-PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp n. 947.523-PE, DJ 17.09.2007; REsp n. 856.296-SP DJ 04.12.2006; AgRg no Ag n. 766.853-MG, DJ 16.10.2006. 6. Deveras, é cediço na Corte que o fato gerador do direito a juros moratórios não é o ajuizamento da ação, tampouco a condenação judicial, mas, sim, o inadimplemento da obrigação. 7. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a definição legal dos juros de mora deve observância ao princípio do direito intertemporal segundo o qual tempus regit actum. 8. Consectariamente, aplica-se à mora relativa ao período anterior à vigência do novo Código Civil as disposições insertas no revogado Código Civil de 1916, regendo-se o período posterior pelo diploma civil superveniente (REsp n. 745.825-RS, DJ 20.02.2006). 9. Fundando-se o acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, 172 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional. 10. Controvérsia dirimida pelo C. Tribunal a quo à luz da Constituição Federal, razão pela qual revela-se insindicável a questão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial. Precedentes: REsp n. 889.651-RJ, DJ 30.08.2007; REsp n. 808.045-RJ, DJU de 27.03.2006; REsp n. 668.575-RJ, Primeira Turma, Relator Min. Luiz Fux, DJU de 19.09.2005. 11. In casu, restou assentado no acórdão proferido pelo Tribunal a quo: “A responsabilidade objetiva do Estado está inserida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, nos seguintes termos: ‘As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’. Da análise dos autos, resta incontestável o fato de que a presente ação versa sobre a responsabilidade objetiva. Fundada na teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva independe da apuração de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos. Assim, demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à administração e o dano, exsurge para o ente público o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. Não se perquire acerca da existência ou não de culpa da pessoa jurídica de direito público porque a responsabilidade, neste caso, é objetiva, importando apenas o prejuízo causado a dado bem tutelado pela ordem jurídica (...).” 12. A modificação do quantum arbitrado a título de danos morais somente é admitida, em sede de recurso especial, na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo, inocorrentes no caso sub judice. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: REsp n. 681.482-MG; Rel. Min. José Delgado, Relator(a) p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 30.05.2005; Ag n. 605.927-BA, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 04.04.2005; AgRg Ag n. 641.166-RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 07.03.2005; AgRg no Ag n. 624.351-RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 28.02.2005; REsp n. 604.801RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 07.03.2005; REsp n. 530.618-MG, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 07.03.2005; AgRg no Ag n. 641.222MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 07.03.2005 e REsp n. 603.984-MT, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 16.11.2004. 13. Sob esse enfoque assentou o Tribunal a quo, verbis: “Ultrapassada a questão do dano moral, deve-se adentrar para a fixação do quantum indenizatório, tendo em vista que a União pleiteia a redução dos valores arbitrados pelo magistrado de piso (300 salários mínimos para a mãe e 100 salários mínimos para a irmã). (...) Assim, ultrapassada esta questão, se faz necessário observar os princípios da RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 173 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA razoabilidade e proporcionalidade, bem como o valor arbitrado deve guardar dupla função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos sofridos, e uma segunda pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos semelhantes venham a ocorrer novamente e, ainda, definir a quantia de tal forma que seu arbitramento não cause enriquecimento sem causa à parte lesada. Nesse sentido entendo por manter a fixação realizada pelo magistrado singular. Contudo, conforme acima relatado, transformo a fixação de salários mínimos para valor monetário nominal, devendo a União pagar à mãe a quantia de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) e à irmã o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) obedecidos, é claro, os parâmetros do salário mínimo vigente à época da sentença, ou seja, R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais). 14. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC. 15. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. No caso concreto, o bem jurídico a ser reparado não é o valor “vida”, que é inestimável, cujo titular era a vítima do homicídio, mas, sim, a privação precoce do convívio com os familiares, ora recorrentes, em razão do lamentável evento danoso oriundo de conduta culposa de um agente público. Nessas circunstâncias, considerando-se o número de autores e o grau de parentesco de cada um deles com o falecido militar, assim como o impacto que a ausência deste terá na vida de cada um dos autores, em especial sua viúva e filhos menores, mostra-se razoável que a divisão do quantum total seja realizado da seguinte forma: a) Graciela Conzatti (viúva): R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais); b) Matheus Maçaneiro (filho): R$ 100.00,00 (cem mil reais); c) Gabriela Maçaneiro (filha): R$ 100.000,00 (cem mil reais); d) Natalino José Maçaneiro (pai): R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais); e) Valéria Maçaneiro (mãe): R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais). Quanto aos juros moratórios incidentes sobre referida indenização, devem eles ser fixados em 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001), a partir do qual, conforme disposto em seu art. 406, deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, qual seja, a Selic, ex vi a Lei n. 9.250/1995, tudo a contar da data do óbito do militar (16.09.2003 – fl. 56e), conforme disposto na Súmula n. 54-STJ. 174 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA Nesse mesmo sentido, confira-se o seguinte julgado: Processual Civil. Administrativo. Intervenção do Estado no domínio econômico. Responsabilidade objetiva do Estado. Fixação pelo poder executivo dos preços dos produtos derivados da cana-de-açúcar abaixo do preço de custo. Dano moral. Indenização cabível. Juros moratórios. Cabimento. Correção monetária devida. Pedido implícito. Expurgos. Tabela única. (...) 7. Consectariamente, tratando-se de ação de indenização ajuizada em 09.03.1990, tendo sido reconhecido o dano causado aos produtores de cana, açúcar e álcool, no período de março de 1985 a outubro de 1989, há que se corrigir monetariamente o quantum fixado a título indenizatório. (...) 10. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual (Súmula n. 54-STJ). Precedentes: REsp n. 771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 489.439-RJ, DJ 18.08.2006; REsp n. 768.992-PB, DJ 28.06.2006. 11. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula n. 54-STJ) à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001). 12. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001) os juros moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a Selic, nos expressos termos da Lei n. 9.250/1995. Precedentes: REsp n. 688.536-PA, DJ 18.12.2006; REsp n. 830.189-PR, DJ 07.12.2006; REsp n. 813.056-PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp n. 947.523-PE, DJ 17.09.2007; REsp n. 856.296-SP DJ 04.12.2006; AgRg no Ag n. 766.853-MG, DJ 16.10.2006. 13. Deveras, é cediço na Corte que o fato gerador do direito a juros moratórios não é o ajuizamento da ação, tampouco a condenação judicial, mas, sim, o inadimplemento da obrigação. 14. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a definição legal dos juros de mora deve observância ao princípio do direito intertemporal segundo o qual tempus regit actum. 15. Consectariamente, aplica-se à mora relativa ao período anterior à vigência do novo Código Civil as disposições insertas no revogado Código Civil de 1916, regendo-se o período posterior pelo diploma civil superveniente (REsp n. 745.825-RS, DJ 20.02.2006). 16. A correção monetária independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 175 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA evita, vale dizer: a correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se busca a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, a fim de se preservar o poder aquisitivo original. 17. A jurisprudência do STF, cristalizada na Súmula n. 562, é no sentido de que: “Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, dos índices de correção monetária”. 18. Outrossim, a correção monetária incide a partir do prejuízo (Súmula n. 43-STJ: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”). (...) 21. A inclusão da Selic a partir de janeiro de 2003, a título de correção monetária nas ações condenatórias em geral, consoante determinado na aludida Tabela corrobora o entendimento da aplicação exclusiva do referido índice a título de juros de mora, ex vi do artigo 406, do Código Civil de 2002, uma vez que, em virtude da natureza da Taxa Selic, revela-se impossível sua cumulação com qualquer outro índice, seja de juros, seja de atualização monetária. (...) 32. Recurso Especial provido (REsp n. 926.140-DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 12.05.2008). No que tange aos juros moratórios incidentes sobre as diferenças do valor do benefício, já reconhecidas pelo Tribunal de origem, correta sua fixação com base no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, tendo em vista sua natureza remuneratória e o fato de que a ação foi ajuizada em 19.06.2007 (fl. 02e). A propósito, cito o seguinte julgado: Ação de indenização. Morte de militar. Danos morais. Pensão. Ausência de prequestionamento. Súmula n. 282-STF. Nexo causal. Atividade relacionada ao serviço. Fundamento inatacado. Súmula n. 283-STF. Juros moratórios. Artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997. Impropriedade. Embargos declaratórios. Multa. (...) IV - O disposto no artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997 para fixação da taxa de juros moratórios, não se aplica à hipótese (indenização), por ser norma especial, de alcance limitado aos casos de pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos. Precedente: REsp n. 865.310-RN, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 27.11.2006. (...) 176 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA VI - Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido, somente no que diz respeito à multa (REsp n. 1.081.017-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 10.06.2009). Por fim, como consectário, há de ser afastada a sucumbência recíproca reconhecida pelo Tribunal de origem, a fim de condenar a União aos pagamentos das custas e despesas processuais eventualmente adiantadas pelos autores, e honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em 10% sobre o valor da condenação. Ressalta-se, todavia, especificamente do que diz respeito às diferenças devidas a título de pensão militar, decorrente da promoção post mortem do ex-militar, que a base de cálculo dos honorários deverá levar em consideração, de acordo com o art. 260 do CPC, as prestações vencidas acrescidas de uma anualidade das vincendas. Ante o exposto, não conheço do recurso especial da União. Por sua vez, conheço do recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros, dando-lhe parcial provimento, a fim de condenar a União a pagar-lhes indenização por danos morais decorrentes da morte Ex-Cabo do Exército Emerson Maçaneiro, arbitrada em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser dividida na forma especificada na fundamentação, acrescida, a partir da data do óbito (16.09.2003), de correção monetária e juros moratórios, estes fixados em 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001), e a partir de então, conforme disposto em seu art. 406, pela Taxa Selic, ex vi a Lei n. 9.250/1995. Condeno a União, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais eventualmente adiantadas pelos autores, e honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em 10% sobre o valor da condenação, assim considerada, especificamente no que se refere às diferenças devidas a título de pensão militar, de acordo com o art. 260 do CPC, as prestações vencidas acrescidas de uma anualidade das vincendas. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.239.027-DF (2011/0039392-0) Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho Recorrente: Instituto Cibrazem de Seguridade Social Cibrius RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 177 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Advogado: Guilherme Almeida Galdeano e outro(s) Recorrido: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra Procurador: Valdez Adriani Farias e outro(s) EMENTA Recurso especial. Processual Civil. Ausência de omissão. Ação de indenização. Danos decorrentes do cancelamento de TDA’s adquiridas no mercado mobiliário. Prescrição quinquenal reconhecida pelo Tribunal a quo. Termo a quo do prazo prescricional. Ciência do cancelamento dos títulos. Actio nata. Súmula n. 383-STF. Precedentes. Divergência jurisprudencial não demonstrada. Recurso especial desprovido. 1. Pretensão autoral voltada para a indenização pelos prejuízos decorrentes do cancelamento de Títulos da Dívida Agrária, adquiridos no mercado mobiliário secundário. 2. O Tribunal a quo manifestou-se fundamentadamente a respeito de todas as questões postas à sua apreciação, notadamente sobre a contagem do prazo prescricional, tendo decido, entretanto, contrariamente aos interesses do recorrente, o que não configura ofensa ao art. 535, II do CPC. 3. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo. 4. In casu, não há como acolher a tese de que o termo inicial do prazo prescricional somente se iniciou com a recusa da Administração em ofertar Certidão de Regularidade dos TDA’s (ocorrida em 29.07.1992), pois, antes desse fato, referidos títulos já haviam sido anulados por Portaria do Mirad publicada em 30.07.1988, com intimação pessoal do recorrente em 13.03.1990, sendo que nesta data surgiu o seu interesse e a sua possibilidade de requerer judicialmente o que entendia ser de seu direito. 5. Mesmo que contado o prazo de outro modo, com o reconhecimento de que o direito de ação nasceu a partir da sua 178 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA intimação do cancelamento dos TDA’s, e não da publicação da Portaria, como fez o Tribunal a quo, inafastável o acolhimento da prescrição, nos termos do art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 e da Súmula n. 383 do STF; isso porque, de 13.03.1990 até 30.11.1992 (data da impetração do mandado de segurança contra a decisão administrativa, que interrompeu o prazo prescricional) transcorreram 02 anos e 08 meses; por sua vez, de 31.08.1993 (trânsito em julgado do MS) até a propositura da presente ação (09.10.1996), passaram-se 03 anos e 02 meses, totalizando, ao final, mais de 05 anos. 6. O sugerido dissídio jurisprudencial não foi analiticamente demonstrado de acordo com os arts. 255, § 2º do RISTJ e 541, parág. único do Estatuto Processual Civil. 7. Recurso Especial desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília (DF), 18 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator DJe 26.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Recurso Especial interposto pelo Instituto Cibrazem de Seguridade Social - Cibrius em adversidade a acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região, assim ementado: Civil. Administrativo. Processual Civil. Aquisição de TDA’S posteriormente cancelados. Pretensão indenizatória. Prescrição quinquenal. Súmula n. 383-STF. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 179 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Devolução parcial do prazo prescricional após interrupção. Transcurso de mais de dois anos e meio após a interrupção prescricional. Períodos antecessor e predecessor à interrupção prescricional perfazendo mais de cinco anos. Ocorrência da prescrição. Extinção do processo com resolução do mérito. 1. Caso em que pretende o Autor ver-se indenizado pelos prejuízos decorrentes do cancelamento de Títulos da Dívida Agrária, série F, n. 036.641 a n. 643, adquiridos no mercado mobiliário secundário, tendo seu pedido parcialmente acolhido pelo Juízo a quo. 2. O art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 confere à Fazenda Pública a redução, à metade, do prazo prescricional devolvido ao interessado em razão de causa interruptiva. O Verbete Sumular n. 383 do STF, restringiu a abrangência desta disposição normativa para determinar a observância do quinquênio legal, de forma que a soma dos períodos anterior e posterior à interrupção prescricional perfaça cinco anos. 3. Em 30.07.1988, houve a publicação da Portaria Mirad n. 1.013/1988 que determinou o cancelamento dos TDA’s da Série F n. 036.636, posteriormente desdobrados. A interrupção do curso do prazo prescricional operou-se em 29.11.1989, pelo reconhecimento do direito do Autor por parte do Devedor, com o pagamento de juros, e, posteriormente, pela impetração de mandado de segurança, entre 30.11.1992 e 31.08.1993. 4. Ação ajuizada em 09.10.1996, mais de três após o reinício da fluência do lapso prescricional. De modo que, transcorridos mais de dois anos e meios após a última causa interruptiva e integralizados mais de cinco anos com a soma dos períodos que lhe antecedem e sucedem, é de se reconhecer a prescrição da pretensão autoral. 5. Provimento da remessa oficial e do apelo do Réu, para extinguir o processo com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, IV do CPC, pela ocorrência da prescrição. 6. Prejudicada a apelação do Autor. 7. Inversão dos ônus da sucumbência. (fls. 339). 2. Opostos Embargos Declaratórios, foram rejeitados (fls. 350-354). 3. Em seu Apelo Raro, fundado nas alíneas a e c do art. 105, III da CF, o Instituto sustenta, primeiramente, ofensa ao art. 535, II do CPC, porque o aresto dos Embargos Declaratórios não teria sanado os vícios demonstrados pelo recorrente quanto à negativa de vigência do disposto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, revelando negativa de prestação jurisdicional. 4. Aduz, ainda, violação ao art. 9º do Decreto n. 20.910/1932, em razão da equivocada valoração do fato jurídico relativo ao início do cômputo do 180 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA prazo prescricional, que, no caso, deve ser contado a partir da retenção dos TDA’s, adquiridos de boa-fé pela recorrente, e da recusa do Incra em pagá-los por suposta anulação anterior, o que somente ocorreu em 29.07.1992, quando o Instituto requereu certidão de regularidade das cártulas, negada pelo ente Administrativo. 5. Afirma, ainda, o seguinte: Bem verdade que foi publicada a Portaria Mirad n. 1.013/1988 que, segundo a Recorrida, supostamente teria cancelado os títulos em posse do Recorrente. No entanto, em momento algum esse ato administrativo interno - instrumento inadequado para tanto - se referiu ao Recorrente, o que, certamente, o impossibilitou de ter conhecimento do cancelamento dos títulos de sua posse. É certo que a publicação dessa portaria ou a própria intimação pessoal do Recorrente não tiveram o condão de encetar o curso da prescrição, pois, ele ainda não havia sido lesado, e acreditava no pagamento espontâneo pelo Incra. No entanto, impende destacar, como dito na inicial, que, após o pagamento dos juros, as cártulas ficaram em poder do Recorrido, tendo em vista que já se encontravam vencidas. Demonstra-se, então, que o Recorrente apenas teve o seu direito de receber o pagamento pelos títulos malferido com a recusa do pagamento pelo Recorrido, fato este que ocorreu em vinte e nove de julho de 1992, quando o primeiro, via seu Advogado, requereu administrativamente ao segundo a expedição de Certificados de Regularidade, sendo negado o pedido (fls. 376-377). 6. Cita, ademais, ementa de aresto prolatado por esta Corte que, segundo afirma, corrobora a sua tese (REsp n. 627.218-PR, Rel. Min. Luiz Fux), assim ementado, no que interessa: Processual Civil. Administrativo. Resgate de TDA´S. Intimação. Litisconsórcio. Publicação. Nome de um dos litisconsortes seguido da expressão “e outros” e nomes dos advogados. Suficiência. Ofensa ao art. 236, do CPC não caracterizada. Prescrição. Descumprimento de obrigação de medição de área. Juros moratórios. Expurgos inflacionários. Precedentes jurisprudenciais do STJ. (...). 4. O prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932, não poderia ser considerado enquanto persistisse a omissão do Incra, quanto à obrigação de medir a área desapropriada, condição necessária para a liberação dos 35.000 TDA’s. 5. Ademais, antes de recorrer ao Judiciário, o credor, ora recorrido, ingressou na via administrativa para lograr a imediata medição da área desapropriada e RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 181 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA conseqüente liberação dos títulos, como revela o requerimento de fl. 44, datado de 10.10.1989. 6. Deveras, nos termos do art. 4º do Decreto n. 20.910/1932, não corre prescrição durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-las. (...) (DJe 12.09.2005). 7. Com contrarrazões (fls. 425-438), o recurso foi inadmitido (fls. 457458), subindo a esta Corte por força do provimento do Ag n. 1.211.647-DF. 8. É o que havia de relevante para relatar. VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Para melhor esclarecer a controvérsia, merece ser transcrito o voto condutor do acórdão recorrido, que bem esclareceu os fatos indispensáveis e incontroversos relativos à presente demanda: Cuidam os autos de apelações interpostas pelo Instituto Cibrazem de Seguridade Social – Cibrius, Autor, e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, Réu, contra sentença que condenou o Réu/Apelante ao pagamento dos valores consignados nos Títulos da Dívida Agrária Série F n. 036.641 a n. 643, adquiridos pelo Autor/Apelante, corrigidos monetariamente, sem incidência de juros moratórios. (...). O Decreto n. 20.910/1932 disciplina a prescrição dos créditos de terceiros em desfavor da Fazenda Pública, cujo prazo restou fixado em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originem. Prevê, ainda, no art. 9º, a mitigação da eficácia de causas interruptivas sobre a prescrição em favor da Fazenda Pública, devolvendo ao credor apenas a metade do qüinqüênio acaso sobrevenha causa interruptiva. O Supremo Tribunal Federal, após pronunciar-se iterativamente acerca do alcance da disposição normativa inserta no art. 9º do Decreto n. 20.910/1932, editou o Verbete Sumular n. 383, cristalizando o entendimento de que A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo. Assim, o art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 confere à Fazenda Pública a retração do prazo prescricional em seu favor após a ocorrência de causa interruptiva, 182 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA desautorizando a devolução integral deste prazo ao credor. A Súmula n. 383, do STF, por sua vez, limitou a abrangência deste dispositivo, condicionando sua aplicação à integralização do qüinqüênio legal pelos períodos anterior e posterior à interrupção. A prescrição rege-se pelo princípio da actio nata, pelo qual o fato deflagrador do prazo prescricional é o nascimento do direito (art. 198, Código Civil). Ora, na espécie, a pretensão indenizatória emergiu com a publicação da Portaria Mirad n. 1.013/1988, em 30.07.1988 (fl. 49), que determinou o cancelamento dos títulos adquiridos pelo Autor. E a publicação do ato de cancelamento dos TDA’s em órgão oficial de imprensa é bastante para consubstanciar a emergência da pretensão indenizatória. A Lei n. 9.784/1999, que disciplina o procedimento administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispõe, em seu art. 26, § 4º, que a intimação dos atos administrativos que revelarem interesse a quantidade indeterminada de pessoas deve ser efetuada por meio de publicação oficial, como na hipótese vertente, uma vez que o sucessivo desdobramento e transferência de títulos de crédito impede a plena identificação dos seus portadores. De todo modo, foi o Autor pessoalmente intimado da retenção dos TDA’s, por meio do ofício Incra/DA/n. 071, de 13.03.1990 (fl. 26) e posteriormente instado a devolver o valor correspondente aos juros compensatórios indevidamente pagos após o cancelamento dos títulos, através do ofício Incra/DA/n. 110, de 10.04.1990 (fl. 47). Os telegramas acostados às fls. 47 e 48, de 29.07.1992, dão conta da impossibilidade de expedição de certidão de regularidade dos títulos em apreço, fazendo referência à Portaria Mirad n. 1.013/1988 e do ofício anteriormente enviado, o que não foi infirmado pelo Autor. O posterior pagamento dos juros compensatórios fixados nos TDA’s, em 29.11.1989 (fl. 21), contudo, configura hipótese de reconhecimento do direito pelo devedor, a determinar a interrupção da prescrição, nos termos do inciso V, do art. 172, do Código Civil de 1916, como asseverado pela i. Juíza de primeira instância. Entrementes, o Juízo primevo reconheceu que, em razão da superveniência de causa interruptiva, a data de publicação da Portaria Mirad n. 1.013/1988 não poderia ser considerada como deflagradora do curso prescricional, que foi retomado a partir de 1992, quando, supostamente, teria ocorrido o ato lesivo. Ora, o art. 173, do Código Civil de 1916, estatui que A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper. Se se reputa como causa interruptiva da prescrição o pagamento dos juros compensatórios, como reconhecimento inequívoco da pretensão autoral, então o lapso prescricional retoma sua fluência a partir desta data. Portanto, a eficácia interruptiva da prescrição retroage a 29.11.1989, data que deve ser considerada como termo inicial do lapso prescricional. A posterior RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 183 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA impetração do mandado de segurança pelo Autor, em 30.11.1992 (conforme certidão de fl. 90), em que postulou o reconhecimento da autenticidade dos TDA’s mencionados, teve o condão de interromper o prazo prescricional, até 31.08.1993, momento em que o acórdão nele proferido transitou em julgado (conforme certidão de fl. 106). Todavia, nos moldes do Verbete n. 383, da Súmula do STF, é de se reconhecer a ocorrência da prescrição, uma vez que o reinício da fluência do lapso preclusivo, coincidente com o trânsito em julgado do acórdão proferido no mandado de segurança, dista mais de dois anos e meio da propositura da presente ação, conforme protocolo aposto na prefacial (09.10.1996) e, concomitantemente, a soma de todos os períodos em que a prescrição correu validamente supera o período de cinco anos, computando-se os períodos antecessor e predecessor aos fatos interruptivos. Pelo exposto, dou provimento ao apelo do Réu, bem como à remessa oficial, para, com fulcro no art. 269, IV, extinguir o processo, com exame do mérito, em face da ocorrência da prescrição (fls. 333-336). 2. Por ocasião do julgamento dos Embargos Declaratórios, acrescentou-se: Ressalto que, embora a impetração de mandado de segurança pelo ora Embargante, em 30.11.1992, mediante o qual postulou o reconhecimento e autenticidade de TDA’s cancelados pelo Incra, de fato, tenha interrompido a fluência do prazo prescricional para o ajuizamento interposição da ação objetivando o pagamento dos referidos títulos até 31.08.1993, momento em que o acórdão nele proferido transitou em julgado, como sustenta o Embargante, ficou esclarecido no acórdão embargado que o prazo remanescente fica reduzido à metade, isto é, dois anos e meio, contados a partir do ato interruptivo, conforme art. 9º, do Decreto n. 20.910/1932 e Verbete Sumular n. 383 do STF. Não existem, portanto, as contradições ou obscuridades alegadas pelo Embargante (fls. 353). 3. Inicialmente, constata-se que o Tribunal a quo, ao contrário do alegado, manifestou-se fundamentadamente a respeito de todas as questões postas à sua apreciação, notadamente sobre a contagem do prazo prescricional, tendo decido, entretanto, contrariamente aos interesses do recorrente, que buscou, com os Embargos de Declaração, a mera reapreciação do mérito da causa. 4. Os Embargos de Declaração são modalidade recursal de integração e objetivam, tão-somente, sanar obscuridade, contradição ou omissão, de maneira a permitir o exato conhecimento do teor do julgado; não podem, por isso, ser utilizados com a finalidade de sustentar eventual incorreção do decisum hostilizado ou de propiciar novo exame da própria questão de fundo, em ordem a viabilizar, em sede processual inadequada, a desconstituição de ato 184 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA judicial regularmente proferido. Logo, em virtude da não-ocorrência de omissão, contradição ou obscuridade não se verifica a aludida ofensa ao art. 535, I e II do CPC. 5. Veja-se que a questão foi analisada à luz do art. 9º do Decreto n. 20.910/1932, sendo indispensável, no caso, a correta fixação do termo inicial do prazo prescricional. Os fatos incontroversos, são os seguintes: - em 08.01.1988, aquisição, por intermédio da Corretora de Câmbio e Valores Mobiliários Ltda., de 8.812 TDA’s; - em 30.07.1988, publicação da Portaria Mirad, n. 1.013/1988, cancelando os títulos adquiridos pelo Autor; - em 29.11.1989, pagamento dos juros compensatórios fixados nos TDA’s pela Administração; - em 13.03.1990, ofício intimando pessoalmente a Corretora da retenção dos TDA’s; - em 10.04.1990, intimação do Instituto para devolução dos juros compensatórios indevidamente pagos; - em 29.07.1992, negativa do pedido de Certidão de Regularidade dos TDA’s pela Administração; - em 30.11.1992, impetração de MS contra decisão indeferindo pedido administrativo de certidão de autenticidade dos TDA’s; - em 31.08.1993, trânsito em julgado da decisão do MS; - em 09.10.1996, ajuizamento da presente ação de indenização. 6. Ao meu sentir, não há como acolher a tese do recorrente, de que o termo inicial do prazo prescricional somente se iniciou com a recusa da Administração em ofertar Certidão de Regularidade dos TDA’s; isso porque, antes disso, referidos títulos já haviam sido anulados por Portaria do Mirad publicada em 30.07.1988. Ainda que não se reconheça a data dessa publicação como a do início do prazo prescricional, como fez o acórdão impugnado, uma vez que ela não prejudicou de pronto os interesses do recorrente, pois, posteriormente, houve o pagamento espontâneo dos juros pela Administração, em 29.11.1989, o fato é que o Instituto recorrente foi intimado pessoalmente da retenção das TDA’s em 13.03.1990 e, posteriormente, instado a devolver o valor correspondente aos juros compensatórios indevidamente pagos após o cancelamento, sendo que da referida intimação surgiu o seu interesse e a sua possibilidade de requerer judicialmente o que entendia ser de seu direito. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 185 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 7. Quando fez o requerimento Administrativo, a parte já tinha ciência inequívoca de que os seus títulos haviam sido cancelados, tendo sido inclusive instada a devolver o que havia recebido, segundo os órgãos administrativos, indevidamente. Assim, não pode pretender que a data da recusa do fornecimento da Certidão de Regularidade tenha sido a primeira a ferir o seu direito. 8. Como é cediço, o direito à indenização em face da Administração Pública exsurge com a efetiva lesão do direito tutelado, consoante o princípio da actio nata. Nesse sentido: Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Prescrição. Reconhecimento pela administração do direito à incorporação dos quintos pelos servidores públicos. Portaria n. 527/2004-JF-RN. Atraso nos pagamentos devidos. Prescrição regida pela princípio da actio nata. Marco inicial para pleitear o cumprimento das obrigações fixadas na Portaria. Momento em que se verifica a desatenção ao pagamento na data aprazada. Agravo regimental desprovido. 1. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo. (...) (AgRg no REsp n. 1.148.236-RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 14.04.2011). Processual Civil. Actio nata. Prescrição. Interrupção da prescrição. Inexistência. Súmula n. 7-STJ. Divergência jurisprudencial não configurada. Ausência de similitude fática. 1. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo (Precedente: AgRg no REsp n. 1.148.236-RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 07.04.2011, DJe 14.04.2011). (...). Agravo regimental improvido (AgRg no REsp n. 1.247.142-PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 1º.06.2011). Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Art. 535. Prescrição. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou vertente de que a contagem do prazo prescricional tem início apenas com a efetiva lesão do direito tutelado, segundo o princípio da actio nata, situação que se evidencia a partir do pagamento da obrigação principal em atraso sem a inclusão dos juros de mora e da correção monetária. 186 Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA 2. Agravo de Instrumento ao qual se nega provimento (AgRg no Ag n. 963.929MG, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.08.2010). 9. Outrossim, mesmo que contado o prazo de outro modo, com o reconhecimento de que o direito de ação nasceu a partir da sua intimação do cancelamento dos TDA’s (13.03.1990), inafastável o reconhecimento da prescrição, nos termos do art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 e da Súmula n. 383 do STF, segundo a qual a prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo. 10. Com efeito, de 13.03.1990 até 30.11.1992 (data da impetração do mandado de segurança contra a decisão administrativa, que interrompeu o prazo prescricional) transcorreram 02 anos e 08 meses; por sua vez, de 31.08.1993 (trânsito em julgado do MS) até a propositura da presente ação (09.10.1996), passaram-se 03 anos e 02 meses, totalizando, ao final, mais de 05 anos. 11. Por fim, o sugerido dissídio jurisprudencial não foi analiticamente demonstrado de acordo com os arts. 255, § 2º do RISTJ e 541, parág. único do Estatuto Processual Civil. Ressalte-se que a mera transcrição da ementa, no caso, é insuficiente para a verificação da semelhança de bases fáticas das hipóteses confrontadas; ao contrário, de sua leitura ressai que os casos são absolutamente diversos. 12. Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial. RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011 187 Segunda Turma AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.205.549-RS (2010/0146554-2) Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha Relator para o acórdão: Ministro Castro Meira Agravante: Fundação Nacional de Saúde - Funasa Procurador: Mariana Gomes de Castilhos e outro(s) Agravado: Francisco Evilásio Menezes de Souza Advogado: Paulo Rodrigo Petry da Silva e outro(s) EMENTA Processual Civil. Execução individual de sentença coletiva. Cobrança de anuênios decorrentes do reconhecimento do tempo de serviço laborado sob o regime celetista. Funasa. Ilegitimidade. Eficácia subjetiva da coisa julgada. Art. 472 do CPC. 1. A Funasa não possui legitimidade para figurar no polo passivo de execução de sentença proferida em ação coletiva proposta contra a União – sucessora do extinto Inamps –, por meio da qual se objetiva o cômputo do tempo de serviço laborado sob o regime celetista e o pagamento dos respectivos anuênios. 2. Nos termos do art. 472 do CPC, a sentença somente faz coisa julgada entre as partes que tenham figurado na relação processual a ela subjacente, não beneficiando nem prejudicando terceiros. É o que se convencionou chamar de eficácia subjetiva da coisa julgada. 3. Não cabe à Funasa responder por dívida constituída em nome da União e compreensiva dos cinco anos anteriores ao próprio ajuizamento da demanda, período em que o autor sequer estava vinculado a essa autarquia. 4. Os anuênios cobrados referem-se a período em que o embargado ainda estava vinculado ao extinto Inamps. Assim, são devidos pela União, como sucessora legal daquela autarquia, e não podem ser cobrados da Funasa, ainda que o embargado hoje a ela esteja vinculado, sobretudo se o trânsito em julgado operou-se exclusivamente contra a União. Precedentes das Turmas que compõem a Terceira Seção. 5. Agravo regimental provido, divergindo do eminente Relator. REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vistado Sr. Ministro Castro Meira, divergindo do Sr. Ministro Relator, por maioria, dar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Castro Meira, que lavrará o acórdão. Vencido o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Votaram com o Sr. Ministro Castro Meira os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques. Brasília (DF), 23 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Castro Meira, Relator para o acórdão DJe 06.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: A Fundação Nacional de Saúde Funasa agrava da decisão de fls. 99-100, em que neguei seguimento ao recurso especial, nos seguintes termos: Relativamente ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, não subsiste a ofensa alegada, uma vez que os embargos declaratórios foram rejeitados pela inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, tendo o Tribunal a quo, de forma fundamentada, dirimido as questões postas, embora de forma diversa da pretendida. É cediço que o julgador não está obrigado a responder a todos os questionamentos formulados pelas partes, cabendo-lhe, apenas, indicar a fundamentação adequada ao deslinde da controvérsia, observadas as peculiaridades do caso concreto, como ocorreu in casu. De outra parte, tampouco merece prosperar o recurso quanto à apontada violação do art. 472 do CPC. As autarquias e as fundações possuem personalidade jurídica própria e são dotadas de autonomia administrativa, jurídica e financeira. Nesse contexto, consoante anotado pelo aresto hostilizado, além da União, a Recorrente é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, uma vez que a ela subordinado o exequente, ora recorrido. À Fundação Federal competirá a averbação do reconhecido – nos autos da Ação n. 94.0001353-1 ajuizada pelo Sindiserf-RS contra o Inamps – tempo de serviço prestado sob o regime da CLT para o fim de percepção de adicional por tempo de serviço. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial (fls. 99-100). 192 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Sustenta a agravante que tem autonomia administrativa e financeira e que, portanto, não se confunde com a União ou com as demais autarquias ou fundações públicas federais. Aduz sua ilegitimidade passiva no feito por sucessão do Inamps. Afirma que, em situações idênticas, há julgados neste Tribunal que afastam a legitimidade da Funasa para as ações de execução. É o relatório. VOTO Ementa: Processual Civil. Administrativo. Servidor público. Tempo de serviço prestado sob regime celetista. Percepção de adicional por tempo de serviço. Funasa. Parte legítima para figurar no polo passivo. Subordinação do exequente. Alegado dissídio pretoriano. Não cabimento. Recurso especial fundamentado na alínea a do permissivo constitucional. Inovação recursal. – A agravante é parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que a ela está subordinado o exequente. À Fundação Federal competirá a averbação do reconhecido tempo de serviço prestado sob o regime da CLT para o fim de percepção de adicional por tempo de serviço. – Constitui inovação recursal a alegação de dissídio pretoriano em sede de agravo regimental, quando o especial foi interposto apenas com fundamento na alínea a do permissivo constitucional. Agravo regimental improvido. O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O presente recurso não trouxe nenhum argumento capaz de desconstituir os fundamentos do decisório agravado. Assim, nada obstante o empenho da parte, persisto no entendimento externado. Reafirmo que as autarquias e as fundações possuem personalidade jurídica própria e são dotadas de autonomia administrativa, jurídica e financeira. Nesse contexto, consoante anotado pelo aresto hostilizado, além da União, a ora agravante possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma vez que a ela subordinado o agravado. À Fundação Federal, portanto, competirá RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 193 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA averbar o reconhecido tempo de serviço prestado sob o regime da CLT para o fim de percepção de adicional por tempo de serviço. No que se refere à pretensa divergência jurisprudencial, o caso dos autos difere dos citados como paradigma no presente recurso. Ademais, o especial foi interposto tão somente com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, de forma que a alegação de dissídio em sede regimental constitui inovação recursal inadequada. Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental. VOTO-VISTA O Sr. Ministro Castro Meira: O Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Rio Grande do Sul ajuizou ação coletiva contra o extinto Inamps, por meio da qual pretendia, em benefício dos servidores substituídos, (a) ver declarado como tempo de serviço aquele realizado sob o regime da CLT e, consequentemente, (b) condenar a entidade ré ao pagamento do respectivo adicional por tempo de serviço (anuênio). Os pedidos foram julgados inteiramente procedentes. No curso do processo, o Inamps foi sucedido pela União, contra quem transitou em julgado o título judicial. Francisco Evilásio Menezes de Souza ajuizou execução de sentença em face da Fundação Nacional de Saúde - Funasa, que alegou, por meio de embargos, sua ilegitimidade passiva ad causam. A sentença acolheu o pleito de ilegitimidade, julgando procedentes os embargos, decisão reformada pelo TRF da 4ª Região, que proveu o apelo do embargado. Nas razões do recurso especial, a Funasa aponta violação do art. 472 do CPC, segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. Argumenta que o título executivo judicial é oponível à União, exclusivamente, como sucessora do extinto Inamps, mas não à Funasa, que inclusive já existia quando ajuizada a ação de conhecimento que gerou o título executivo. O eminente Relator Min. Cesar Asfor Rocha, em decisão singular, negou seguimento ao apelo, orientação ratificada com o não provimento do agravo regimental. 194 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria e chego à conclusão diversa. A Funasa não possui legitimidade para figurar no polo passivo de execução de sentença proferida em ação coletiva proposta contra a União – sucessora do extinto Inamps –, por meio da qual se objetiva o cômputo do tempo de serviço laborado sob o regime celetista e o pagamento dos respectivos anuênios. Nos termos do art. 472 do CPC, a sentença somente faz coisa julgada entre as partes que tenham figurado na relação processual a ela subjacente, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Poder-se-ia cogitar a flexibilização da regra, em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, se a Funasa estivesse sendo condenada a cumprir a obrigação de fazer requerida na ação cognitiva, isto é, de anotar nos registros funcionais do embargado o tempo de serviço laborado sob o regime celetista. Nesse caso, não haveria qualquer reflexo patrimonial imediato e o comando sentencial poderia ser facilmente cumprido, já que o embargado encontra-se, hoje, vinculado a essa autarquia federal. Ao que se depreende dos autos, a obrigação de fazer já foi há algum tempo formalizada, de modo que a execução de sentença de que ora se cuida abrange, apenas, a obrigação de pagar os respectivos anuênios, decorrentes da anotação do tempo de serviço laborado sob o regime celetista. Nesses termos posta a questão, não cabe à Funasa responder por uma dívida pretérita, constituída em nome da União (trânsito em julgado) e compreensiva dos cinco anos anteriores ao próprio ajuizamento da demanda, período em que o autor sequer estava vinculado à Funasa. Em outras palavras, sendo os anuênios cobrados anteriores à ação, referemse a período em que o embargado ainda estava vinculado ao extinto Inamps. Desse modo, são devidos pela União, como sucessora legal daquela autarquia, não podendo ser cobrados da Funasa, ainda que o embargado hoje a ela esteja vinculado. Em resumo, têm-se as seguintes premissas: (a) trata-se da cobrança de obrigação patrimonial pretérita (anuênios) vinculada ao extinto Inamps, e não de obrigação nova imputável à Funasa; (b) a União sucedeu o Inamps em direitos e obrigações, nos termos do art. 11 da Lei n. 8.689/1993; e RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 195 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (c) somente a União, como sucessora do Inamps, participou da ação cognitiva. Logo, a Funasa é parte ilegítima para figurar no polo passivo da execução, nos termos do que dispõe o art. 472 do CPC. Ademais, a matéria não é nova nesta Corte. As Turmas que compõem a 3ª Seção, à época em que lhes competia julgar as demandas sobre servidores públicos, examinaram questão semelhante relativa à execução individual dos 28,86% reconhecido judicialmente em ação coletiva (ação civil pública). Em diversos arestos, reconheceram a ilegitimação passiva da Funasa e afirmaram a legitimidade da União, como se observa dos seguintes precedentes, verbis: Recurso especial. Ministério Público Federal. Ação civil pública. União. Reajuste de 28,86%. Condenação genérica. Liquidação proposta pelo servidor. INSS. Pólo passivo. Ilegitimidade. I - A Autarquia federal não possui legitimidade para figurar no pólo passivo da liquidação e execução de sentença genérica, em ação civil pública, proferida contra União, na qual se objetivava o pagamento do reajuste de 28,86%, porquanto, por ser pessoa jurídica distinta da União, possui autonomia administrativa e financeira. II - O efeito erga omnes previsto no art. 16 da Lei n. 7.347, de 1985, não vai ao ponto de comprometer a situação jurídica de terceiro que não participou do pólo passivo da relação processual (art. 472, do CPC). Recurso especial provido (REsp n. 462.847-RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJ 30.10.2006). Administrativo e Processual Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Não indicação dos pontos omissos. Súmula n. 284-STF. Execução de sentença proferida na ação civil pública. Legitimidade passiva da União. Reconhecimento. Aplicação dos arts. 472, 474 e 568, inciso I, do CPC. Precatório da parte incontroversa. Possibilidade. Execução definitiva. Precatório parcial. Lei de Diretrizes Orçamentárias. Exigência do trânsito em julgado da sentença apenas para a inclusão das dotações orçamentárias dos precatórios já expedidos. Mero requisito formal. 1. Incide a Súmula n. 284-STF, quando o Recorrente se limita a argüir de forma genérica a existência de omissão, sem, contudo, apontar de maneira precisa quais os pontos pretensamente tidos como omissos. Precedentes. 2. Tendo transitado em julgado a sentença proferida na Ação Civil Pública n. 97.00.12192-5-RS, que determinou o pagamento do reajuste de 28,86% a todos os servidores públicos federais domiciliados no Estado do Rio Grande do Sul, 196 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA está preclusa a discussão sobre a legitimidade passiva da União, em virtude da imutabilidade da coisa julgada, nos termos do art. 474 do CPC. 3. A referida sentença condenatória, na qual teve apenas a União como Ré, fez coisa julgada entre as partes envolvidas no litígio (art. 472 do CPC), gerando um título executivo judicial, no qual se reconhece apenas a União como parte legítima para figurar no pólo passivo do processo de execução (art. 568, inciso I, do CPC). 4. A União possui legitimidade passiva ad causam no processo executivo, fundado na sentença proferida na Ação Civil Pública n. 97.00.12192-5-RS, promovido por servidores públicos federais autárquicos, a despeito da alegada autonomia e da personalidade jurídica distinta das Autarquias, uma vez que existe expressa previsão legal de vinculação dos orçamentos das Autarquias Federais com o da União, nos termos do art. 108 da Lei n. 4.320/1964. Precedente. 5. O art. 23, § 2º, incisos I e II, da Lei n. 9.995/2000 – Lei de Diretrizes Orçamentárias –, não impede a expedição do precatório parcial, apenas veda a inclusão das dotações orçamentárias necessárias ao pagamento dos precatórios, já expedidos pelo Poder Judiciário, caso os respectivos processos não estejam devidamente instruídos com os documentos exigidos pelo referido dispositivo legal. 6. Recurso especial desprovido (REsp n. 667.557-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 1º.08.2005). Os precedentes citados, no meu sentir, ostentam a melhor orientação sobre a controvérsia, razão por que os prestigio. Ante o exposto, rogando vênia ao eminente Relator, dou provimento ao agravo regimental. É como voto. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 32.930-SE (2010/0168380-9) Relator: Ministro Humberto Martins Recorrente: Ermesson Leite Advogado: Antônio Carlos Francisco Araújo Júnior Recorrido: Estado de Sergipe Procurador: Guilherme Augusto Marco Almeida e outro(s) RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 197 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA Constitucional. Administrativo. Servidor Público Estadual. Militar. Acumulação de cargos. Comprovada atuação na área de saúde. Art. 37, XVI, c, com o art. 42, § 1º, e art. 142, § 3º, II, todos da Constituição Federal. Interpretação sistemática. Possibilidade jurídica do pleito. Precedentes. Situação fática abrangida pelo art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares). 1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança em postulação acerca da possibilidade de acumular cargo militar da área de saúde com outra atividade privada congênere. A denegação fundou-se em duas razões. A primeira decorre do entendimento de que o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, veda o exercício de outra atividade aos servidores militares. A segunda decorre de que o cargo do recorrente não seria do quadro da saúde. 2. O acervo probatório trazido aos autos (fls. 30-31), informa que o recorrente atua na área de saúde. Alega no recurso que a acumulação é permitida pelo art. 37, XVI, c, da Constituição Federal, bem como pelo art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto Estadual dos Policiais Militares). 3. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que deve haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, nestes casos, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidores militares que atuem na área de saúde: RE n. 182.811-MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30.06.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, n. 331, 2006, p. 222-227. Neste sentido, no STJ: RMS n. 22.765-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 23.08.2010. Ademais, cabe frisar que a Lei n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares) permite a pleiteada acumulação. Recurso ordinário provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A 198 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque”. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator. Dr(a). Gervásio Fernandes de Serra Júnior, pela parte recorrida: Estado de Sergipe. Brasília (DF), 20 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Humberto Martins, Relator DJe 27.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por Ermesson Leite, com fundamento no art. 105, II, b, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, assim ementado (e-STJ, fls. 72-73): Mandado de segurança. Policial militar que atua como técnico de enfermagem junto ao Sesi. Aplicação da teoria da encampação para suprir a irregularidade representada pela indicação errônea da autoridade coatora. Impossibilidade de cumulação das atividades policiais com o emprego civil. Regras especiais que normatizam o serviço militar, em razão da essencialidade e natureza especial deste. Segurança denegada. 1. A indicação errônea da autoridade coatora conduz à extinção do mandamus. Todavia, tendo a defesa de mérito sido apresentada pelo órgão superior hierárquico, sem que haja alteração da competência, é cabível a aplicação da teoria da encampação para suprir a irregularidade. 2. O exercício da atividade policial deve ser desenvolvido sob o regime de dedicação integral, haja vista a natureza do serviços prestado, que exige a presença do policial qualquer momento do dia ou da noite, o que impossibilita a assunção de qualquer emprego no âmbito civil, salvo as exceções legalmente previstas no Estatuto dos Policiais. 3. Segurança denegada. Nas razões do recurso ordinário (e-STJ, fls. 85-96), descreve o recorrente que o ato coator é consubstanciado pela determinação para que opte pelo cargo que exerce na polícia, em razão de possuir outro emprego de técnico RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 199 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA de enfermagem no Sesi. Defende o impetrante que, apesar de ser técnico em segurança pública do Estado, exerce função de saúde no banco de sangue do hospital da corporação e que, portanto haveria possibilidade jurídica para acumulação, com base no art. 37, XVI, c, da Constituição Federal, bem como o art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto Estadual dos Policiais Militares). Contrarrazões (e-STJ fls. 125-160) nas quais alega que a Constituição Federal veda a acumulação de cargos públicos por militares, com força do art. 142, § 3º, II e VIII. E, ademais, aduz que a hipótese dos autos não se refere ao art. 37, XVI, c, da Carta Política, já que a acumulação pleiteada é de um cargo público com emprego privado, que seria impossível no regime castrense. Parecer do Subprocurador-Geral da República opina no sentido do provimento do recurso ordinário, em parecer com a seguinte ementa (e-STJ, fl. 170): Constitucional. Administrativo. Acumulação de cargos. Profissional da área de saúde. Cargo na área militar e em outra entidade. Técnico em enfermagem em hospital militar e no Sesi. Interpretação sistemática dos artigos 37, Inciso XVI, c, com o art. 42, § 1º e 142, § 3º, II, todos da Constituição Federal. Possibilidade. Precedentes STJ e STF. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do recurso ordinário. É, no essencial, o relatório. VOTO O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Assiste razão ao recorrente. Há que fixar as balizas fáticas da controvérsia. O recorrente é soldado de 1ª classe da Polícia Militar do Estado de Sergipe (e-STJ fl. 15), e possui emprego privado (e-STJ, fl. 16) em entidade para-estatal, no caso, o Serviço Social da Indústria (Sesi). Note-se que, no cargo militar, o recorrente atua na área de saúde, como se comprova nos autos (e-STJ fls. 30-31). Neste sentido, o opinativo do Parquet (e-STJ, fl. 173): Desta forma, como o impetrante não desempenha função tipicamente exigida para a atividade castrense, e sim atribuição inerente à profissão civil (técnico de enfermagem no Banco de Sangue do Hospital Militar), como está comprovado 200 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA pelos documentos assinados pelo impetrante “Requisição de Transfusão” e “Evolução de Enfermagem” (fls. 31-32) é possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar. Logo, a questão vertente não está cingida à fixação da possibilidade de acumular dois cargos, empregos ou funções estatais. O tema diz respeito à incidência, ou não, da proibição de exercer qualquer outra atividade profissional por servidores militares, mesmo que eles atuem, no caso, na área de saúde. O Tribunal de origem denegou a ordem, com base na interpretação de que o recorrente não pode acumular as atividades privadas com o cargo público, porquanto o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos militares dos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, estabelece que a posse em novo cargo civil enseja a passagem à reserva. Firma, ainda, que o exercício funcional dos servidores militares exige a dedicação integral que, no entender, ensejaria incompatibilidade, com base no art. 30, I, da Lei Estadual n. 2.066/1976. Por fim, o Tribunal de origem demonstra que a sua conclusão partiu da premissa fática, de que o servidor é militar e que exerce atividades de natureza castrense. Cito (e-STJ, fl. 80): Ademais, registro que o caso em voga não constitui a hipótese prevista no art. 28, § 3º, da Lei n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Sergipe), como quer fazer crer o impetrante. Aquele dispositivo, citado na exordial, excepciona o exercício de atividades no meio civil, para os policiais militares integrantes do Quadro de Saúde, o que não é o caso do impetrante, que é soldado. Pois bem. Decido. O douto parecer do Parquet Federal demonstra com ênfase que sobreveio alteração constitucional - art. 37, XVI, c, por força da Emenda Constitucional n. 34/2001 -, que ensejou alteração jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Relevante conferir os julgados aludidos: Recurso extraordinário. 2. Acumulação de cargos. Profissionais de saúde. Cargo na área militar e em outras entidades públicas. Possibilidade. Interpretação do art. 17, § 2º, do ADCT. Precedente. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 201 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (RE n. 182.811-MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30.05.2006, DJ 30.06.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, n. 331, 2006, p. 222-227). Recurso em mandado de segurança. Administrativo. Servidor Público Estadual. Enfermeira da polícia militar do Estado do Rio de Janeiro. Cumulação com o cargo de enfermeira no Município do Rio de Janeiro. Possibilidade. Interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, c, com o artigo 42, § 1º, e 142, § 3º, II, todos da Constituição Federal. 1. Diante da interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, alínea c, com o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, é possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis. 2. Recurso conhecido e provido. (RMS n. 22.765-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 03.08.2010, DJe 23.08.2010). Em síntese, os acórdãos indicam que, por interpretação sistemática, é possível acumular cargos militares com empregos ou funções públicas, desde que as atividades sejam sempre exercidas na área de saúde. No caso em tela, cabe frisar a existência de permissão jurídica para que os servidores militares da área de saúde possam exercer outra atividade, desde que haja compatibilidade. À semelhança do regime jurídico federal, o Estado de Sergipe também abarca a possibilidade no seu Estatuto dos Militares (Lei Estadual n. 2.066/1976), como bem sinaliza o MPF (e-STJ, fl. 174): Por fim, observa-se que o art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Sergipe) permite a acumulação de cargo na área civil dos profissionais integrantes do Quadro da Saúde, “no intuito de desenvolver a prática profissional”, sendo permitido o exercício da atividade técnica-profissional, no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço, e este dispositivo legal deve ser estendido a todos os policiais militares que atuem efetivamente não em atividade castrense típica, e sim, como é o caso do impetrante (técnico em enfermagem), em funções típicas da área da saúde, abrangendo, além de médicos, enfermeiros outros profissionais da área da saúde. Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário. É como penso. É como voto. 202 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA RECURSO ESPECIAL N. 818.978-ES (2006/0030548-2) Relator: Ministro Mauro Campbell Marques Recorrente: Ministério Público do Estado do Espírito Santo Procurador: Gabriel de Souza Cardoso e outro(s) Recorrido: Ziul Pinheiro - espólio Representado por: Maria Heloisa Pinheiro Advogado: Nelson de Medeiros Teixeira Interessado: Município de Cachoeiro de Itapemirim EMENTA Processual Civil. Desapropriação direta. Acordo f irmado entre as partes. Parte incapaz. Intervenção do Ministério Público. Ausência. Nulidade. Prejuízo. Não comprovação. 1. A discussão trazida à colação cinge-se em saber se o Ministério Público Estadual possui legitimidade para interpor recurso de apelação para impugnar sentença homologatória de acordo firmado entre as partes - uma delas, incapaz - em ação expropriatória da qual não participou como custus legis. 2. No caso dos autos, não se trata de desapropriação que envolva discussões ambientais, do patrimônio histórico-cultural ou qualquer outro interesse público para o qual o legislador tenha obrigado a intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade. Ao revés, cuidou-se de desapropriação por utilidade pública, em que apenas se discutia os critérios a serem utilizados para fixação do montante indenizatório, valores, ademais, aceitos pelos expropriados. 3. Quanto ao segundo argumento, no tocante à nulidade do acórdão no pertinente à não intervenção do Ministério Público para fins de preservação de interesse de incapaz, a jurisprudência desta Corte já assentou entendimento no sentido de que a ausência de intimação do Ministério Público, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, a não ser que se demonstre o efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica, à luz do princípio pas de nullités sans grief. Até mesmo nas RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 203 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA hipóteses em que a intervenção do Parquet é obrigatória, como no presente caso em que envolve interesse de incapaz, seria necessária a demonstração de prejuízo deste para que se reconheça a nulidade processual (Precedentes: REsp n. 1.010.521-PE, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 26.10.2010, DJe 09.11.2010; REsp n. 814.479-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 02.12.2010, DJe 14.12.2010). 4. Na espécie, o Ministério Público não demonstrou ou mesmo aventou a ocorrência de algum prejuízo que legitimasse sua intervenção. Ao revés, simplesmente pretende, por intermédio do recurso especial, delimitar absoluto interesse interveniente sem que indique fato ou dado concreto ou mesmo hipotético que sustente tal legitimidade. O prejuízo aqui tratado não pode ser presumido; precisa ser efetivamente demonstrado, o que não se deu no caso dos autos. 5. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator”. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 09 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Mauro Campbell Marques, Relator DJe 18.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido 204 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em acórdão nesses termos ementado (fl. 105): Apelação cível. Sentença homologatória. Desapropriação. Acordo firmado entre as partes. Ausência de interesse do Ministério Público em recorrer. Preliminar suscitada e acolhida. Julgado extinto o processo. 1. A sentença homologatória de acordo firmado em ação de desapropriação só pode ser anulada por ação própria. 2. O representante do Ministério Público, como fiscal da Lei, não tem interesse jurídico para interpor recurso do acordo feito pelas partes, pois decorre do direito de propriedade. 3. A homologação da transação não decide a respeito da conveniência, inexistindo interesse em recorrer com relação ao mesmo, razão pela qual acolhese a preliminar de ausência de interesse do Ministério Público, julgando extinto o feito com base no art. 267, VI, do CPC. O Ministério Público afirma, em suas razões recursais, violação do disposto no artigo 82, I e III, do CPC, ao fundamento de que seria imprescindível a intervenção do Parquet no feito, porquanto, além de tratar-se de ação de desapropriação, há interesse de incapaz a exigir sua presença nos autos. Sem contrarrazões. O recurso especial foi admitido na origem (fl. 164). O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso especial (fls. 173-176). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo que, à unanimidade, extinguiu o feito, sem julgamento de mérito, por considerar ausente o interesse recursal do Ministério Público, no caso em análise. A discussão trazida à colação cinge-se em saber se o Ministério Público Estadual possui legitimidade para interpor recurso de apelação para impugnar sentença homologatória de acordo firmado entre as partes - uma delas, incapaz - em ação expropriatória da qual não participou como custus legis. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 205 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Inicialmente, destaco que a jurisprudência genérica, que exclui a participação obrigatória do Ministério Público nos casos que não sejam de desapropriação para fins de reforma agrária, não pode ser traduzida na simples desnecessidade da intervenção do Parquet em situações específicas, em especial nas que envolvam direitos metaindividuais ou interesse da coletividade, como questões ambientais e fundiárias com conflitos territoriais. Todavia, no caso dos autos, não se trata de desapropriação que envolva discussões ambientais, do patrimônio histórico-cultural ou qualquer outro interesse público para o qual o legislador tenha obrigado a intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade. Ao revés, cuidou-se de desapropriação por utilidade pública, em que apenas se discutia os critérios a serem utilizados para fixação do montante indenizatório, valores, ademais, aceitos pelos expropriados. Assim, não havendo interesse público que indique a necessidade de intervenção do Ministério Público, a intervenção do Parquet não se mostra imperiosa, obrigatória a ponto de gerar nulidade insanável, como no caso dos autos. Ressalte-se, por oportuno, que se o Ministério Público tem liberdade para opinar, porque para tanto basta a legitimidade que a lei lhe confere para intervir, já para acionar ou recorrer é mister que o Ministério Público tenha interesse na propositura da ação ou na reforma do ato atacado: ele só pode agir ou recorrer em defesa do interesse que legitimou sua ação ou intervenção no feito. À guisa de exemplo, os seguintes precedentes: Processual Civil e Administrativo. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Desapropriação indireta. Intervenção do Ministério Público. Desnecessidade. 1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem examina as questões ditas omissas. 2. A ação de desapropriação indireta é ação de indenização, de cunho patrimonial, não havendo interesse público que justifique a intervenção do Ministério Público. 3. Recurso especial conhecido em parte e nesta parte provido (REsp n. 652.621RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 19.09.2005); Processual Civil. Recurso especial. Intervenção do Ministério Público em ação reparatória de danos morais. Desnecessidade. 1. Tratando-se de ação indenizatória por danos morais promovida em face do Estado por abuso de autoridade em face de denúncia promovida pelo Minitério 206 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Público, não se impõe a atuação do Parquet como custos legis, consoante jurisprudência da E. Corte (REsp n. 327.288-DF, 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 17.11.2003; AgREsp n. 449.643-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 28.06.2004; AgRg no REsp n. 258.798, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 11.11.2002; REsp n. 137.186, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10.09.2001). 2. O artigo 82, inciso III, do CPC, dispõe que compete ao Ministério Público intervir: “III - em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”. 3. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado “interesse público secundário”. Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau. 3. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio. 4. Deveras, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da administração. Nessa última hipótese, não é necessária a atuação do Parquet no mister de custos legis, máxime porque a entidade pública empreende a sua defesa através de corpo próprio de profissionais da advocacia da União. Precedentes jurisprudenciais que se reforçam, na medida em que a atuação do Ministério Público não é exigível em várias ações movidas contra a administração, como, v.g., sói ocorrer, com a ação de desapropriação prevista no Decreto-Lei n. 3.365/1941 (Lei de Desapropriação). 5. In genere, as ações que visam ao ressarcimento pecuniário contêm interesses disponíveis das partes, não necessitando, portanto, de um órgão a fiscalizar a boa aplicação das leis em prol da defesa da sociedade. 6. (...) 7. Ademais, a suposta nulidade somente pode ser decretada se comprovado o prejuízo para os fins de justiça do processo, em razão do Princípio de que “não há nulidade sem prejuízo” (“pas des nullités sans grief”). 8. Recurso especial desprovido (REsp n. 303.806-GO, desta relatoria, DJU de 25.04.2005 - grifei); Desapropriação. Indenização. Ministério Público. Intervenção. Face ao disposto no inciso III, do art. 82, do CPC, a intervenção do Ministério Público na causa em que figure como parte pessoa jurídica de direito público não é obrigatória. A obrigatoriedade dessa intervenção esta ligada ao fato da existência do interesse público. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 207 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso não conhecido (REsp n. 10.042-AC, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJU de 09.03.1992). No mesmo sentido, os seguintes julgados do Pretório Excelso: Ministério Público. Intervenção. Código de Processo Civil, art. 82, III, o só fato de existir interesse patrimonial da Fazenda Pública na causa não torna obrigatória a intervenção do Ministério Público. Necessidade de evidenciar-se a conotação do interesse público. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido e provido, para determinar que a Corte a quo julgue o mérito do recurso. Voluntário (RE n. 96.899-ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU de 05.09.1986); Ministério Público. Intervenção. Interesse público (conceito). Código de Processo Civil, art. 82, III (interpretação). A circunstancia de a pessoa de direito público ser parte na causa não constitui razão suficiente para a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público, se não evidenciada a conotação de interesse público. Na espécie, o princípio do art. 82, III, do CPC, não obriga a intervenção do Ministério Público pelo só aspecto de haver interesse patrimonial da Fazenda Pública. Recurso extraordinário conhecido e provido (RE n. 91.643-ES, Rel. Min. Rafael Mayer, DJU de 02.05.1980). Em sendo assim, o interesse público que obriga a intervenção do Parquet deve estar relacionado com o interesse geral, da coletividade, vinculado a fins sociais e às exigências do bem comum. Na ação expropriatória, embora se vislumbre um interesse público, não se há de ter como configurado o interesse geral a que acima nos referimos, até porque a discussão fica adstrita ao preço ou a vícios do processo judicial (art. 20 do Dec.-Lei n. 3.365/1941), uma vez que a utilidade pública, a necessidade pública ou o interesse social só poderiam ser debatidos em ação direta. Quanto ao segundo argumento, no tocante à nulidade do acórdão no pertinente à não intervenção do Ministério Público para fins de preservação de interesse de incapaz, a jurisprudência desta Corte já assentou entendimento no sentido de que a ausência de intimação do Ministério Público, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, a não ser que se demonstre o efetivo prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia jurídica, à luz do princípio pas de nullités sans grief. Até mesmo nas causas em que a intervenção do Parquet é obrigatória, como no presente caso em que envolve interesse de incapaz, seria necessária a demonstração de prejuízo deste para que se reconheça a nulidade processual (Precedentes: REsp n. 1.010.521-PE, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, 208 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA julgado em 26.10.2010, DJe 09.11.2010; REsp n. 814.479-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 02.12.2010, DJe 14.12.2010). Na espécie, o Ministério Público não demonstrou ou mesmo aventou a ocorrência de algum prejuízo que legitimasse sua intervenção. Ao revés, simplesmente pretende, por intermédio do recurso especial, delimitar absoluto interesse interveniente sem que indique fato ou dado concreto ou mesmo hipotético que sustente tal legitimidade. O prejuízo aqui tratado não pode ser presumido; precisa ser efetivamente demonstrado, o que não se deu no caso dos autos. Por todo o exposto, nego provimento ao recurso especial. RECURSO ESPECIAL N. 1.168.045-RS (2009/0066919-8) Relator: Ministro Herman Benjamin Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul Recorrido: Cooperativa Arrozeira Extremo Sul Ltda. Advogado: Edgar da Silva Carez e outro(s) EMENTA Processual Civil e Ambiental. Ação civil pública. Queima de casca de arroz. Poluição do ar. Art. 535 do CPC. Não violação. Danos causados aos moradores das proximidades. Condenação genérica. Quantificação em liquidação de sentença. Possibilidade. Arts. 95 e 97 do CDC c.c. o art. 21 da Lei n. 7.347/1985. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. As instâncias de origem reconheceram grave degradação ambiental decorrente da queima, por muitos anos, de casca de arroz. Afastada, no entanto, pelo Tribunal de Justiça a possibilidade de condenação genérica que fixe o an debeatur, mas deixe para a fase de liquidação a apuração do quantum debeatur a que tem direito cada uma das vítimas. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 209 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. Na hipótese de Ação Civil Pública relativa a interesses individuais homogêneos, com a finalidade de facilitar a proteção das vítimas e de agilizar a responsabilização do infrator, dispõe, expressamente, o Código de Defesa do Consumidor, na parte em que alterou a Lei da Ação Civil Pública: “Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados” (art. 95 – grifo acrescentado). 4. A condenação genérica poderá, posteriormente, ser liquidada tanto pelos sujeitos intermediários como pelas próprias vítimas ou seus sucessores (art. 97). 5. Reconhecida pelo juiz e Tribunal, in casu, a responsabilidade da ré por danos sofridos pelos moradores, a própria lei se encarrega de admitir que a quantificação em relação a cada um deles seja feita em liquidação e execução de sentença (arts. 95 e 97 do CDC, aplicáveis à Ação Civil Pública Ambiental por força do art. 21 da Lei n. 7.347/1995). Precedentes do STJ. 6. Recurso Especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)”. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 28 de setembro de 2010 (data do julgamento). Ministro Herman Benjamin, Relator DJe 14.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fls. 33-34): 210 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Direito público não especificado. Ação civil pública. Poluição ambiental. Responsabilidade civil objetiva e solidária. Emissão de fumaça por cooperativa arrozeira localizada em complexo industrial. Dano ambiental caracterizado. Dano moral ambiental. Afastamento. A responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente é objetiva, observado o teor do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, bem como solidária porque a existência de outras indústrias poluidoras não exonera a apelante de sua responsabilidade por ter contribuído para a degradação do meio ambiente, considerada a indivisibilidade do dano pelo caráter coletivo do direito a um meio ambiente equilibrado. Afastamento da condenação por dano moral ambiental porque não se está diante de nenhuma situação fática excepcional, que tenha causado grande comoção, afetando o sentimento coletivo, acrescido à circunstância de que não há irreparabilidade ao meio ambiente, o que é fundamental para a fixação do dano moral pleiteado. Precedentes do TJRS e STJ. Danos morais e materiais individualmente considerados. Liquidação de sentença. Impossibilidade. Falta de comprovação dos danos. Tratando-se de condenação por danos material e moral, sequer descritos, a prova do dano deve ser demonstrada no processo de conhecimento, não sendo possível se relegar a devida comprovação para a liquidação de sentença sob pena de prolatação de sentença condicional. Possibilidade de ajuizamento de ações pelos prejudicados, mediante alegação e comprovação dos danos, visando reparabilidade. Multa diária fixada. Possibilidade. Redução da multa. É possível a fixação de multa diária caso descumprida a decisão judicial, forte no que dispõe o art. 11 da Lei n. 7.347/1985, como forma de prevenção ao meio ambiente, uma vez que ação civil pública não pretende apenas condenar a apelante ao pagamento de indenização em dinheiro, mas também a abstenção de novas práticas lesivas, reduzindo-se o valor da multa anteriormente fixada. Precedente do TJRGS. Apelação parcialmente provida. O Ministério Público Estadual aponta ofensa: a) ao art. 535 do CPC, por omissão quanto à “aplicação integrada dos artigos 95 do Código de Defesa do Consumidor e 21 da Lei n. 7.347/1985” (fl. 77); e, ultrapassado o argumento da omissão, b) ao art. 95 do CDC c.c. art. 21 da Lei n. 7.347/1985, por, “não obstante reputar incontroversa a responsabilidade ambiental da Cooperativa Extremo RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 211 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sul Ltda. pela emissão irregular de fuligem, considerar inviável a condenação genérica quanto aos interesses individuais homogêneos veiculados na demanda civil pública” (fl. 78). O Recurso não foi admitido na origem, e subiu por força de decisão em Agravo de Instrumento. O MPF opinou pelo provimento (fl. 202). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos se referem a Ação Civil Pública movida pelo MPE contra empresa que realizava queima de casca de arroz e, por conta do desajuste de seus equipamentos e do sistema de filtração imperfeito, causava poluição do ar, com prejuízo ao meio ambiente e aos moradores de bairro próximo ao estabelecimento industrial. Anoto, em tópicos separados, os pontos essenciais da sentença e do acórdão. Em seguida, aprecio o pleito recursal. 1. Sentença A sentença analisou em profundidade as provas dos autos e concluiu pela responsabilidade da ré, pela ocorrência de danos morais e materiais e pelo nexo de causalidade (fl. 140, grifei): As provas que acompanham o inquérito civil, corroboradas pelas testemunhas ouvidas em juízo demonstram que a ré lançava grande quantidade de fumaça e resíduos no ar, o que deixou de acontecer no curso da demanda, justamente pela implantação do sistema de filtros de manga, muito mais eficientes no processo de filtragem da fumaça que o sistema de multiciclones, que antes eram utilizados. A própria ré reconhece a mudança do equipamento de filtragem. Restou também demonstrado que o vento jogava a fumaça e fuligem lançadas pela ré sobre a Vila São Carlos, sujando telhados, paredes e partes internas das casas, que inclusive tinham que ficar fechadas, e calçadas e se depositando também sobre a vegetação do local, o que provocou danos materiais e imateriais, especialmente à saúde, aos moradores do local e cercanias, bem como a fauna e flora da região. Embora possa ser discutida a extensão do dano, sua ocorrência é inqüestionável, eis que é conhecimento público que a fumaça e fuligem são 212 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA causadores desses tipos de danos. A perícia, a fl. 536, lista danos à saúde (desconforto, odores desagradáveis, doenças do aparelho respiratório), à vegetação, aos animais, redução de visibilidade, danos aos materiais (sujeira, desgaste, corrosão, deterioração de borrachas e produtos sintéticos, alteração da aparência de prédios e monumentos), desfiguração da paisagem e alteração das características climáticas. O juiz sentenciante afastou ainda o argumento de exclusão da responsabilidade da ré pelo fato de outras empresas da região também causarem a poluição (fl. 142): A própria perita, quando a inspeção nas instalações da ré, constatou que havia chaminés de outras empresa emitindo fumaça escura e poluidora. Todavia, poluição por lançamento de partículas sólidas na atmosfera, causada por várias empresas localizadas próximas umas das outras, não é situação cuja participação individual de cada empresa possa ser perfeitamente identificada e quantificada. Portanto, não é possível identificar a responsabilidade de cada um dos co-obrigados (empresas poluidoras). Assim, é obrigação indivisível por sua própria natureza (art. 258 do CC), estando obrigados à reparação dos danos, de forma solidária (art. 259 do CC), todos aqueles que para ela concorreram, independente do montante da sua participação. Portanto, a ré é responsável pela reparação total dos danos aos cidadãos e ao meio ambiente até 15.12.2005, data em foram colhidas amostras de material particulado das chaminé da caldeira e restou demonstrado emissão dentro dos padrões de 70 mg/Nm³ (fl. 494). Foi fixada “pena de pagamento de multa de R$ 50.000,00 por vez que for detectada emissão em níveis superiores” ao determinado na sentença (70mg/ Nm³ – fl. 144). Houve condenação ao pagamento de “R$ 200.000,00, corrigidos a partir de 27.12.2007 pelo IGPM e acrescidos de juros de 1% a contar da citação (24.08.2004), a título de reparação dos danos morais causados ao meio ambiente no período de 1989 a 2005, os quais deverão ser depositados em favor do Fundo Municipal do Meio Ambiente no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado” (fl. 145). Finalmente, no que interessa ao presente Recurso Especial, a sentença remeteu à liquidação a apuração do quantum indenizatório relativo aos danos materiais e morais causados a cada morador individualmente considerado (fl. 143): RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 213 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Quanto aos danos materiais e morais causados aos moradores e outras pessoas individualmente consideradas, deverão ser liquidados e executados em procedimentos individuais, movido pelo titular do direito, na forma do art. 97 da Lei n. 8.078/1990, aplicável ao caso em face do art. 21 da Lei n. 7.347/1985. Nesses procedimentos de liquidação, cada prejudicado exporá seus prejuízos individuais, com a garantia da ampla defesa à ré. Reitero que essa é a questão objeto do presente Recurso (análise, em fase de liquidação, dos danos individualmente sofridos). 2. Acórdão recorrido O acórdão recorrido relata e aprecia em detalhe as provas dos autos, especialmente os laudos técnicos e os depoimentos testemunhais (fls. 41-44): O representante legal da Arrozeira, Sr. Jairton Krüger Russo, ao se referir à fumaça produzida pelas empresas, mencionou que “Hoje a nossa, devido aos filtros, tem menos fumaça do que as outras, mas na época desse acontecimento era muito igual”, fl. 753. Valdemar da Silva Schwanz, morador da Vila São Carlos, referindo-se ao motivo da manifestação realizada, afirmou que “O grande motivo foi o alto índice de poluição que tinha ali no Bairro e a maior parte foi causado pela Cooperativa Extremo Sul por seus equipamentos com problemas (...), acrescentando que “(...) agora a gente vê que a firma está trabalhando e não está poluindo, agora estamos contentes com a reforma que teve lá”, observando, acerca da possibilidade de a poluição da ré ser maior porque estava mais próxima da vila, e que “(...) um dos fatores pode ser este, mas visualmente notava-se que ela era mais poluidora”, fls. 756-758. Ana Cláudia Duarte Lei ratifica a mesma versão, ao referir que “(...) a gente enxergava sair fumaça. (...) Era horrível porque sujava a roupa, tinha dias que ao passar pela rua que fica atrás da Extremo Sul, tinha que tapar os olhos, quando eles colocavam para funcionar a todo vapor, a gente saía com os olhos cheios de cinzas, as roupas brancas que estavam no arame ficavam pretas (...)”, acrescentando que, desde a manifestação feita junto à empresa, “Melhorou bastante, eu não tenho certeza, mas acho que a Extremo Sul não está mais poluindo (...)”, fls. 760-763. Lúcia Duarte Rosa afirma que, antes da apelante se instalar no local, a empresa, de propriedade de Helmut Tessmann, já havia problema de fumaça: “Tinha, mas não como teve aquela época. (...) Na época que nós fizemos a manifestação quem poluía mais era a Extremo Sul, era visível”, acrescentando também que “(...) Gradativamente vem melhorando. (...) estamos tendo problemas agora, mas não é com a Extremo Sul. Agora quem está poluindo, não posso dizer com certeza porque eu não estou lá dentro, mas pelo que dá pra ver é a Camil, mas não ao ponto do que a Extremo Sul poluía”, observando que “(...) antes de fazer tudo aquilo, fomos 214 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA várias vezes na Fepam, com o atual prefeito, que era vereador na época, nos levou. Um motorista da Câmara passou ali na Extremo Sul, tirou uma foto e levamos para mostrar para eles”, fl. 764-765. Raul de Moraes, dispensado do compromisso por ser prestador de serviço da empresa ré, ao ser questionado se constatava fuligem no chão da empresa, afirmou que “(...) É, se nota, porque às vezes a caldeira, mesmo com o sistema de multiciclone, em determinados momentos ela lança uma quantidade muito grande, um momento chamado de brasagem ou ramonagem, que o momento em que tu mexe com essas cinzas de uma forma mais forte para reativar a combustão, isso é uma previsão normal de ocorre na operação, neste momento ela larga, realmente, bastante e aí é impossível para o multiciclone segurar, este período dura de 10 a 30 segundos e ela larga muita fuligem, neste momento cai e quando tu olhar no pátio vai ter, não tem como não ter”, fl. 767. A respeito do sistema utilizado pela empresa ré à época das manifestações dos moradores, afirma que “O sistema anterior de filtragem é um processo chamado de multiciclone, (...) é um sistema de ciclonagem que retém a maior parte do material particulado, só que a eficiência desse processo atinge um determinado padrão, em que o filtro atinge um padrão mais elevado”, fl. 767. Quanto à emissão de material particulado oriundo dessa atividade industrial, referido por Raul Moraes, cabe destacar o esclarecimento feito pela Perita a respeito dos efeitos adversos causados, no sentido de que “(...) a poluição atmosférica pode resultar em impactos de alcances locais, regionais e globais. Os de impacto local, objeto de interesse direto deste trabalho, podem ser compreendidos como: Danos à saúde humana: desconforto; odor desagradável; doenças do aparelho respiratório – bronquite, enfisema, asma, câncer; asfixia; irritação dos olhos, garganta e mucosas entre outros. No entanto, importante dizer que a incidência de doenças pode estar associada a certos poluentes atmosféricos, mas também resultar de outras causas. Danos à vegetação: redução da fotossíntese; ataque à folhagem; alteração no crescimento e produção de frutos. Danos aos animais: diretamente, a partir dos poluentes atmosféricos, ou pela ingestão de vegetais contaminados. Redução da visibilidade, podendo ocasionar acidentes. Danos aos materiais: sujeira; desgaste; corrosão; deterioração da borracha e produtos sintéticos; enfraquecimento; alterações da aparência de prédios e monumentos. Desfiguração da paisagem. Alterações das características climáticas: maior precipitação; redução da radiação e da iluminação; aumento da temperatura O material particulado, especificamente, pode provocar doenças cardíacas e respiratórias (enfisema, bronquites); proporcionar o carreamento de poluentes tóxicos para os pulmões; a perda da visibilidade a qual pode ocasionar acidentes, lembrando-se da proximidade das indústrias à rodovia; sujeira de roupas e de prédios, interferindo na paisagem”, fls. 536-537. Em seguida, o TJ concluiu que, inquestionavelmente, houve “prova concreta dos prejuízos ambientais causados pela apelante” (fls. 41-44, grifei): RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 215 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Como se vê, a prova documental e testemunhal demonstra quais os danos causados pela empresa ré com a emissão da fumaça e fuligem, que se espalhavam tanto pelas dependências da indústria apelante, quanto nos arredores, expondo a comunidade local aos riscos decorrentes da fuligem, que se acumulavam na vegetação, roupas e na própria pele dos moradores, causando irritação nos olhos, problemas respiratórios, e a degradação visual do meio ambiente, sendo esta a prova concreta dos prejuízos ambientais causados pela apelante. Ademais, a Corte Estadual ratificou a responsabilidade objetiva do poluidor e o nexo causal (fls. 44-45 e 47, grifei): A responsabilidade do proprietário pelos danos causados ao meio ambiente é assentada pelo artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, e anteriormente pelo artigo 159 do antigo Código Civil, decorrendo da atividade econômica desenvolvida pela recorrente, causando danos a terceiros e é objetiva, observado o teor do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente: (...) Assim, devidamente assentada a responsabilidade pelo dano ambiental, não havendo negativa pela recorrente que emitia fumaça. O conjunto probatório autoriza a imputação de responsabilidade à ré pela poluição ambiental, tanto que depois de tomadas as medidas necessárias houve redução dos poluentes, de acordo com o que afirmaram os moradores ouvidos em audiência de instrução, conforme antes analisado. (...) Demonstrado, pois, o nexo causal entre a atividade da empresa apelante e o dano causado ao meio ambiente. A responsabilidade solidária e irrelevância, portanto, da existência de outros poluidores para a solução da presente demanda foi também aferida pelo TJ (fls. 46-47): Todavia, a existência de co-responsáveis não isenta a recorrente da responsabilidade pelos danos causados porque se trata de responsabilidade objetiva, na qual, para a responsabilização, é necessária, apenas, a comprovação da existência efetiva do dano e do nexo de causalidade, não importando investigar de quem é a culpa, e solidária, podendo o prejudicado escolher contra quem irá demandar. (...) Sendo assim, independentemente de haver outras indústrias emitindo fumaça por suas chaminés, tal fato não exonera a apelante de sua responsabilidade porque também contribuiu para a degradação daquele ambiente. 216 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Entretanto, o acórdão recorrido deu parcial provimento à Apelação da empresa para afastar, naquilo que importa ao presente Recurso Especial, a análise, em posterior fase de liquidação, da indenização pelos danos sofridos pelos moradores individualmente considerados. Eis o trecho em que o Tribunal afasta a possibilidade de apreciação, em fase de liquidação, dos danos morais e materiais causados aos moradores individualmente considerados (fl. 56), embora ressalve o direito de ação em via própria (fl. 57): Por outro lado, merece provimento a apelação no tocante à pretensão de afastar a condenação por danos morais e materiais aos moradores a ser solucionada em liquidação de sentença, na forma prevista pelo art. 97 do CDC em face do art. 21 da Lei n. 7.347/1985. Com efeito, não obstante se esteja diante de ação civil pública, deve ser observado que não é possível se relegar para a fase de liquidação de sentença a comprovação dos danos morais e materiais dos moradores da região, que sequer estão descritos na inicial, porque a prova de tais fatos deve ser feita na fase de conhecimento do processo, sob pena de prolatação de sentença condicional, o que não é possível, descumprindo-se o disposto no artigo 286 do CPC, além de dificultar o próprio exercício de defesa da recorrente pela falta de comprovação dos danos. (...) Conveniente ressaltar que os moradores prejudicados com a atividade poluidora da demandante, mediante a devida comprovação, podem demandar contra a recorrente, com amparo no artigo 16 da Lei n. 7.347/1985, conjugado com o artigo 103, I, do CDC, visando o ressarcimento dos danos materiais e morais alegados, merecendo provimento a apelação para o afastamento da condenação imposta. A multa em caso de poluição futura foi reduzida de R$ 50 mil para R$ 5 mil, “sem prejuízo de futuramente, em caso de persistência no descumprimento da decisão, ser devidamente modificada em sede de execução de sentença, de acordo com os prudentes critérios do eminente magistrado de primeiro grau” (fl. 59). Saliento que o Recurso Especial do MPE impugna, no mérito, apenas a parte do acórdão que impede a aferição dos danos, na fase de liquidação, em relação aos moradores individualmente considerados. Passo, a seguir, à análise dos argumentos recursais. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 217 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. Art. 535 do CPC Os aclaratórios opostos pelo MPE na origem pediram manifestação quanto à “aplicação integrada dos artigos 95 do Código de Defesa do Consumidor e 21 da Lei n. 7.347/1985” (fl. 77). Afirma que isso seria imprescindível para solução da demanda “afeta à indenização por danos envolvendo direitos individuais homogêneos” (fl. 90). Ocorre que, embora não tenha feito expressa referência ao art. 95 do CDC, o TJ apreciou indiscutivelmente a aplicação dos dispositivos consumeristas à Ação Civil Pública Ambiental, referindo-se expressamente ao art. 97 do CDC e ao art. 21 da Lei n. 7.347/1995 (fl. 56): Por outro lado, merece provimento a apelação no tocante à pretensão de afastar a condenação por danos morais e materiais aos moradores a ser solucionada em liquidação de sentença, na forma prevista pelo art. 97 do CDC em face do art. 21 da Lei n. 7.347/1985. Perceba-se, portanto, que a Corte Estadual emitiu inequívoco juízo a respeito da matéria jurídica afeita ao art. 95 do CDC, qual seja a generalização da condenação e conseqüente apreciação dos danos individuais na fase de liquidação. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Inexiste omissão e, portanto, houve prequestionamento, possibilitando análise de mérito no Recurso Especial. 4. Mérito: análise, em fase de liquidação, dos danos individualmente sofridos pelos moradores Como visto, a sentença remeteu à liquidação a apuração do quantum indenizatório relativo aos danos materiais e morais causados a cada morador individualmente considerado (fl. 143). O Tribunal de origem, entretanto, afastou essa possibilidade, pois “não é possível se relegar para a fase de liquidação de sentença a comprovação dos danos morais e materiais dos moradores da região”. Volto a transcrever o trecho do acórdão recorrido a que me refiro (fl. 56): 218 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Com efeito, não obstante se esteja diante de ação civil pública, deve ser observado que não é possível se relegar para a fase de liquidação de sentença a comprovação dos danos morais e materiais dos moradores da região, que sequer estão descritos na inicial, porque a prova de tais fatos deve ser feita na fase de conhecimento do processo, sob pena de prolatação de sentença condicional, o que não é possível, descumprindo-se o disposto no artigo 286 do CPC, além de dificultar o próprio exercício de defesa da recorrente pela falta de comprovação dos danos. Ocorre que o TJ afastou o disposto nos arts. 95 e 97 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, aplicáveis à Ação Civil Pública Ambiental por força do art. 21 da Lei n. 7.347/1995. Transcrevo os dispositivos do CDC: Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82. De fato, é natural que a condenação na Ação Civil Pública seja genérica, abrangendo a constatação do dano e remetendo à fase de liquidação a apreciação dos danos individualmente sofridos, que geram direitos individuais homogêneos em favor dos lesados. Esse é o abalizado entendimento de Ada Pellegrini Grinover: Nos termos do art. 95, porém, a condenação será genérica: isso porque, declarada a responsabilidade civil do réu e a obrigação de indenizar, sua condenação versará sobre o ressarcimento dos danos causados e não dos prejuízos sofridos. Isso significa, no campo de Direito Processual, que, antes das liquidações e execuções individuais (v. infra, comentário ao art. 97), o bem jurídico objeto de tutela ainda é tratado de forma indivisível, aplicando-se a toda a coletividade, de maneira uniforme, a sentença de procedência ou improcedência. (...) Enquadra-se no disposto no art. 586, § 1º do CPC, que contempla a condenação genérica como aquela que, reconhecendo em definitivo o direito, há de ser liquidada para “estabelecer o quantum, ou a res, ou o facere ou non facere” [citando Mauro Cappelletti] (“Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos”, in Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 9ª ed., 2007, p. 903-904). No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno: RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 219 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Por “condenação genérica” deve ser entendido o reconhecimento jurisdicional da lesão ou ameaça a direito e a imposição das consequências daí derivadas aos responsáveis sem necessidade de ser fixado, desde logo, o efetivo alcance desta responsabilização. Por outras palavras, a “sentença genérica” limita-se a indicar o an debeatur. O quantum, para os casos que reclama incidência do dispositivo, será objeto de cognição jurisdicional ulterior, na “liquidação” a que se refere o art. 97 do Código de Defesa do Consumidor (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil - vol. 2, tomo III. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 248). A Corte Estadual afastou a aplicação dos dispositivos pelo argumento de que não se pode “relegar para a fase de liquidação de sentença a comprovação dos danos morais e materiais dos moradores da região” (fl. 56). Sucede que não apenas a sentença, mas o próprio acórdão recorrido reconhece, linhas antes, a ocorrência dos danos morais e materiais sofridos pelos moradores! Esse aspecto não passou desapercebido ao Dr. Geraldo Brindeiro, ilustre Subprocurador-Geral da República que opinou no feito (fl. 201): (...) o dano aos moradores da localidade atingida pela atividade poluidora da recorrida foi expressamente reconhecido (...). Eis porque tomei a cautela de discorrer longamente a respeito da sentença e do acórdão recorrido: para demonstrar que o TJ não apenas ratificou a constatação de ocorrência de danos causados aos moradores, feita pelo juiz sentenciante, como foi além, analisando em profundidade os laudos técnicos e os depoimentos testemunhais. Transcrevo trechos exemplificativos retirados do voto-condutor proferido na Corte Estadual, que demonstram a incontrovérsia a respeito dos danos individualmente sofridos pelos moradores (fls. 41-44, grifei): Ana Cláudia Duarte Lei ratifica a mesma versão, ao referir que “(...) a gente enxergava sair fumaça. (...) Era horrível porque sujava a roupa, tinha dias que ao passar pela rua que fica atrás da Extremo Sul, tinha que tapar os olhos, quando eles colocavam para funcionar a todo vapor, a gente saía com os olhos cheios de cinzas, as roupas brancas que estavam no arame ficavam pretas (...)”, acrescentando que, desde a manifestação feita junto à empresa, “Melhorou bastante, eu não tenho certeza, mas acho que a Extremo Sul não está mais poluindo (...)”, fls. 760-763. (...) Quanto à emissão de material particulado oriundo dessa atividade industrial, referido por Raul Moraes, cabe destacar o esclarecimento feito pela Perita 220 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA a respeito dos efeitos adversos causados, no sentido de que “(...) a poluição atmosférica pode resultar em impactos de alcances locais, regionais e globais. Os de impacto local, objeto de interesse direto deste trabalho, podem ser compreendidos como: Danos à saúde humana: desconforto; odor desagradável; doenças do aparelho respiratório – bronquite, enfisema, asma, câncer; asfixia; irritação dos olhos, garganta e mucosas entre outros. No entanto, importante dizer que a incidência de doenças pode estar associada a certos poluentes atmosféricos, mas também resultar de outras causas. Danos à vegetação: redução da fotossíntese; ataque à folhagem; alteração no crescimento e produção de frutos. Danos aos animais: diretamente, a partir dos poluentes atmosféricos, ou pela ingestão de vegetais contaminados. Redução da visibilidade, podendo ocasionar acidentes. Danos aos materiais: sujeira; desgaste; corrosão; deterioração da borracha e produtos sintéticos; enfraquecimento; alterações da aparência de prédios e monumentos. Desfiguração da paisagem. Alterações das características climáticas: maior precipitação; redução da radiação e da iluminação; aumento da temperatura. O material particulado, especificamente, pode provocar doenças cardíacas e respiratórias (enfisema, bronquites); proporcionar o carreamento de poluentes tóxicos para os pulmões; a perda da visibilidade a qual pode ocasionar acidentes, lembrando-se da proximidade das indústrias à rodovia; sujeira de roupas e de prédios, interferindo na paisagem”, fls. 536-537. Como se vê, o TJ não aferiu apenas danos ambientais coletivos, em sentido amplo, mas também danos causados individualmente aos moradores da região, em relação à sua saúde, bem-estar, moradia, segurança e patrimônio, concluindo que (fls. 41-44, grifei): Como se vê, a prova documental e testemunhal demonstra quais os danos causados pela empresa ré com a emissão da fumaça e fuligem, que se espalhavam tanto pelas dependências da indústria apelante, quanto nos arredores, expondo a comunidade local aos riscos decorrentes da fuligem, que se acumulavam na vegetação, roupas e na própria pele dos moradores, causando irritação nos olhos, problemas respiratórios, e a degradação visual do meio ambiente, sendo esta a prova concreta dos prejuízos ambientais causados pela apelante. É evidente que não houve quantificação dos danos individualmente sofridos, pois a sistemática adotada pelo legislador foi de remeter esse levantamento à fase de liquidação, conforme os arts. 95 e 97 do CDC (antes transcritos), aplicáveis à Ação Civil Pública Ambiental por força do art. 21 da Lei n. 7.347/1995. Volto às palavras de Ada Pellegrini Grinover: E não há dúvida de que o processo de liquidação da sentença condenatória, que reconheceu o dever de indenizar e nesses termos condenou o réu, oferece peculiaridades com relação ao que normalmente ocorre nas liquidações de sentença. Nesta, não mais se perquire a respeito do an debeatur, mas somente RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 221 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA sobre o quantum debeatur. Aqui, cada liquidante, no processo de liquidação, deverá provar, em contraditório pleno e com cognição exauriente, a existência do seu dano pessoal e o nexo etiológico com o dano globalmente causado (ou seja, o an), além de quantificá-lo (ou seja, o quantum) (“Das Ações Coletivas...”, cit., p. 906). Rodolfo de Camargo Mancuso cita e ratifica a lição de Ada Pellegrini Grinover, pois, “se uma sentença coletiva não servir para facilitar o acesso à justiça, se os indivíduos forem obrigados a exercer, num processo de liquidação, as mesmas atividades processuais que teriam que desenvolver numa ação condenatória de caráter individual, o provimento jurisdicional terá sido inútil e ineficaz, não representando qualquer ganho para o povo” (Ação Civil Pública. São Paulo: RT. 11ª ed., 2009, p. 369). Isso porque a individualização dos danos no próprio processo coletivo tumultuaria inapelavelmente o feito e, provavelmente, prejudicaria a efetividade do provimento jurisdicional. Eis o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli: Tratando-se de interesses individuais homogêneos, a condenação proferida em ação civil pública ou coletiva será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos. Assim, a liquidação ou a execução da sentença poderão ser promovidas tanto pelos co-legitimados à ação coletiva, como pelos próprios lesados ou seus sucessores. Para não tumultuar o processo coletivo com centenas ou milhares de liquidações ou execuções individuais, o correto será que os lesados individuais extraiam as certidões necessárias e, munidos de seu título, promovam separadamente sua pretensão (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva; 18ª ed., 2005, p. 474-475). Assim também já se pronunciou o STJ: Ação coletiva. Associação de moradores. Produtos tóxicos. Contaminação. Água. Danos morais e materiais. Direitos individuais homogêneos. Caracterização. 1 - A quantificação dos danos morais e materiais fica relegada à liquidação de sentença e, por isso mesmo, não impede a subsunção da espécie à definição legal de direitos individuais homogêneos, caracterizados por um fato comum, no caso específico o vazamento de produtos tóxicos e a contaminação da água consumida pelos associados. 2 - Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a legitimidade ativa ad causam da recorrente. (REsp n. 982.923-PR, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 10.06.2008, DJe 12.08.2008). Direito do Consumidor e Processo Civil. Recurso especial. Ação coletiva. Entidade associativa de defesa dos consumidores. Legitimidade. Possibilidade 222 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA jurídica do pedido. Direitos individuais homogêneos. Cerceamento de defesa. Concessionárias de veículos e administradora de consórcio. Cobrança a maior dos valores referentes ao frete na venda de veículos novos. Restituição. (...) - Os direitos individuais homogêneos, por definição legal, referem-se a um número de pessoas ainda não identificadas, mas passível de ser determinado em um momento posterior, e derivam de uma origem comum, do que decorre a sua homogeneidade. (...) - Sendo o pedido genérico, a condenação não se particulariza em valores líquidos, razão pela qual é preciso proceder à sua liquidação e, posteriormente, à sua execução. Recursos especiais não conhecidos. (REsp n. 761.114-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 03.08.2006, DJ 14.08.2006 p. 280). De fato, reconhecida a responsabilidade do réu (art. 95 do CDC) e a existência de danos relacionados à saúde, ao bem-estar, à segurança, à moradia e ao patrimônio dos moradores, cabe a quantificação em relação a cada um deles em liquidação e execução de sentença, que “poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82” do CDC (art. 97 do mesmo Código). Assim, a correta interpretação dos dispositivos aplicáveis ao processo civil coletivo, no que tange à defesa dos direitos individuais homogêneos em juízo, leva à reforma parcial do acórdão recorrido. Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial, restabelecendo a sentença na parte em que remete à liquidação a apuração do quantum indenizatório relativo aos danos causados a cada morador individualmente considerado. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.251.664-PR (2010/0222888-0) Relator: Ministro Herman Benjamin Recorrente: Fazenda Nacional RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 223 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Recorrido: Boa Safra Indústria e Comércio de Fertilizantes Ltda. Advogado: André Gustavo Martins Gomes Farias e outro(s) EMENTA Tributário. Ilícito. Declaração incorreta de mercadoria importada. Multa. Inexistência de lacuna legislativa, dúvida, exagero ou teratologia. Exclusão pelo Judiciário. Impossibilidade. 1. Hipótese em que a contribuinte classificou incorretamente a mercadoria importada na Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM (fato incontroverso). 2. Também não há divergência quanto ao conteúdo da legislação que fixa a penalidade: “aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria (...) classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul” (art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002). 3. O Tribunal de origem, entretanto, afastou a penalidade prevista legalmente, por entender que não houve má-fé, nem prejuízo para o Erário, aplicando o disposto no art. 112 do CTN (interpretação mais favorável ao acusado). 4. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 5. No mérito, não há “dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade” (art. 112 do CTN), sendo inaplicável a interpretação mais favorável ao acusado. 6. O Judiciário não pode excluir a multa tributária ao arrepio da lei. A ausência de má-fé da contribuinte e de dano ao Erário é irrelevante para a tipificação da conduta e para a exigibilidade da penalidade (art. 136 do CTN). 7. A reprovabilidade da conduta da contribuinte é avaliada pelo legislador, ao quantificar a penalidade prevista na lei. É por essa razão que às situações em que há redução do imposto ou que envolvem fraude ou má-fé são fixadas multas muito mais gravosas que o 1% previsto para o simples erro na classificação da mercadoria importada. 224 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA 8. Caberia intervenção do Judiciário se houvesse exagero ou inconsistência teratológica, como na hipótese de multa mais onerosa que aquela prevista para conduta mais reprovável, o que não ocorre, no caso. 9. A Segunda Turma entende que o indeferimento do pedido recursal relativo ao art. 535 do CPC, ainda que subsidiário, implica provimento apenas parcial do Recurso, em caso de acolhimento do pleito principal. 10. Recurso Especial parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque”. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Herman Benjamin, Relator DJe 08.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto contra acórdão assim ementado (fl. 181): Tributário. Importação. Regime especial aduaneiro. Erro na classificação do produto. Multa. Desproporcionalidade. Art. 112 do CTN. 1. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpretase da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade. 2. Inexistindo qualquer evidência de má-fé na conduta do importador que caracterize fraude inequívoca, ou algum elemento concreto que indique alguma vantagem que adviria em favor da empresa pelos fatos ocorridos, bem RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 225 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA como inexistente diferença no recolhimento dos tributos devidos, é indevida a imposição da multa prevista no art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002. A Fazenda aponta ofensa: a) ao art. 136 do CTN, relativo à irrelevância da intenção do agente ou da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato, para fins de aplicação da sanção tributária (fls. 195-196); e b) ao art. 69 da Lei n. 10.833/2003 (fl. 196). Subsidiariamente, indica violação do art. 535 do CPC (fl. 198). Determinei a conversão do Agravo de Instrumento em Recurso Especial (fl. 214). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): A contribuinte declarou erroneamente a classificação fiscal de mercadoria (Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM) ao emitir Licença de Importação Substituta relativa a importação de produtos químicos valorados em R$ 661.340,33 (fls. 14 e 28). A fiscalização aplicou multa de 1% sobre o valor aduaneiro (penalidade de R$ 6.613,40), com base no art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002 (relativo aos arts. 69 e 81, IV, da Lei n. 10.833/2003 e ao art. 84, I, da MP n. 2.158-35/2001): Art. 636. Aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria (Medida Provisória n. 2.158-35, de 2001, art. 84): I - classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul, nas nomenclaturas complementares ou em outros detalhamentos instituídos para a identificação da mercadoria; ou (...) O TRF, apesar de reconhecer os fatos (declaração errônea), afastou a multa por entender que não houve má-fé, nem prejuízo para o Erário, aplicando o disposto no art. 112 do CTN (interpretação benigna em favor do infrator). Transcrevo trecho do acórdão recorrido (fls. 177, 178 e 180): A aplicação da multa prevista no art. 636, I, do Regulamento Aduaneiro, ocorreu em razão de descumprimento de obrigação tributária acessória, qual seja, a descrição inexata da mercadoria na declaração de importação. 226 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Pretende a parte autora demonstrar que não obteve nenhuma vantagem com o erro de digitação ocorrido na declaração de importação substitutiva e que este não gerou prejuízo para o Fisco. Relatou que o representante legal da empresa apenas incorreu em erro de digitação ao proceder a licença substitutiva (NCM n. 3104.20.90 - Cloreto de Potássio para n. 3104.20.10 - Cloreto de Potássio Granulado com teor mínimo de 60% de K2O a granel), em razão da quantidade a menor da mercadoria embarcada. (...) Não deixo de considerar que a classificação adequada da mercadoria importada é fundamental para que a Receita Federal dê andamento no despacho aduaneiro, uma vez que depende disso a verificação do enquadramento em regime aduaneiro especial drawback modalidade suspensão. Nesse contexto, afigura-se plenamente justificável a cautela e as solicitações de documentação por parte da Receita Federal, que está cumprindo seu papel no âmbito da atividade reguladora do Estado, no intuito de proteção do mercado interno. Ou seja, a razão da análise prévia da classificação correta está justamente na necessidade de haver, sobre certos produtos, um controle maior, visando, dentre outros objetivos, a adequada tributação, bem como o controle quanto à procedência do produto, em vista de acordos internacionais com outros países. Todavia, é necessária uma visão teleológica e sistemática da legislação aduaneira, a fim de verificar a conduta do importador diante das circunstâncias do caso, ainda mais quando se trata de penalidade. Inicialmente, calha destacar que, a teor do artigo 136 do CTN, a responsabilidade por infrações fiscais deve ser considerada, em regra, objetiva, inclusive para o terceiro solidariamente responsável. Contudo, o CTN contém atenuante à regra, que versa sobre princípios de interpretação e aplicação das infrações fiscais. Diz seu artigo 112 que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação”. Consoante tal permissivo, a jurisprudência pátria considera as circunstâncias materiais (casuística) do ilícito tributário, antes de aplicar (ou não) a pena de multa. Nesse sentido, é razoável o entendimento de ser desproporcional a imputação de multa quando o equívoco na classificação dos bens importados na DI não implica majoração de tributos, porquanto a conduta não implicaria dano ao erário. Veja-se, nesse sentido, o consignado pela eminente Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria no voto condutor da AMS n. 2003.72.08.010811-4-SC, Primeira Turma, DJU 09.02.2005. (...) RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 227 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Portanto, a caracterização da conduta da importadora está baseada em mera presunção (responsabilidade objetiva), o que é incabível para ensejar desclassificação de regime tributário e incidência de penalidade, devendo prevalecer a regra do art. 112 do CTN, que dispõe que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade. Perceba-se que houve prequestionamento implícito do art. 136 do CTN (suscitado no Recurso Especial), pois o TRF manifestou-se inequivocamente a respeito da responsabilidade por infrações em relação à intenção do agente e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos dos atos. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. No mérito, a Fazenda tem razão. Os fatos são incontroversos: a contribuinte classificou incorretamente a mercadoria importada na Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM. Tampouco há divergência quanto ao conteúdo da legislação que fixa a penalidade: “aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da mercadoria (...) classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul” (art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002, relativo aos arts. 69 e 81, IV, da Lei n. 10.833/2003 e ao art. 84, I, da MP n. 2.158-35/2001). O Tribunal de origem, entretanto, afastou a penalidade prevista legalmente, ao aplicar o disposto no “art. 112 do CTN, que dispõe que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade” (fl. 180). Ocorre que, como visto, não há qualquer “dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade” (art. 112 do CTN), sendo inaplicável a interpretação mais favorável ao acusado. O Judiciário não pode excluir a multa tributária ao arrepio da lei. A ausência de má-fé da contribuinte e de dano ao Erário é irrelevante para a tipificação da conduta e para a exigibilidade da penalidade. Esse é o conteúdo do art. 136 do CTN: 228 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. A reprovabilidade da conduta da contribuinte é avaliada pelo legislador, ao quantificar a penalidade prevista na lei. É por essa razão que às situações em que há redução do imposto ou que envolvem fraude ou má-fé são fixadas multas muito mais gravosas que o 1% previsto para o simples erro na classificação da mercadoria importada. Se houvesse, por exemplo, declaração de valor a menor, a penalidade poderia ser de 100% sobre a diferença (art. 633, I, do Decreto n. 4.543/2002). Como ocorreu simples erro na declaração, sem impacto financeiro para o Erário, a multa restringiu-se a 1% do valor aduaneiro. Nesse ponto, é interessante ressaltar que o debate nestes autos restringese aos R$ 6.613,40 fixados como multa, valor sem o desconto de 40%, em caso de parcelamento tempestivo, ou de 50%, em caso de pagamento a vista (fl. 27). O montante não é apenas relativamente baixo (a mercadoria, a que se refere a declaração incorreta, vale mais de meio milhão de reais), mas também implica antieconomicidade da própria demanda judicial. Caberia intervenção do Judiciário se houvesse exagero ou inconsistência teratológica, como na hipótese de multa mais onerosa que aquela prevista para conduta mais reprovável. Importante lembrar que o emprego da eqüidade somente é admitido, em Direito Tributário, “na ausência de disposição expressa” da legislação tributária (art. 108 do CTN). Ademais, como já dito, a interpretação mais favorável em favor do acusado somente é possível, na seara fiscal, “em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato, à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão de seus efeitos, à autoria, imputabilidade, ou punibilidade, à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação” (art. 112 do CTN). Nada disso se verifica, in casu, pois a norma afastada pelo Tribunal de origem é expressa, e não há dúvida alguma a respeito dos fatos ou da autoria. O que houve foi a exclusão da penalidade pecuniária por juízo eqüitativo do TRF, mesmo reconhecendo a tipicidade da conduta. O art. 108, § 2º, do CTN é expresso ao vedar a aplicação da eqüidade para afastamento do tributo. Com muito mais razão, a penalidade pecuniária não pode ser excluída ou reduzida com base em juízo subjetivo quanto à intenção do agente ou à ausência de dano ao Erário. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 229 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Nesse sentido, o art. 136 do CTN, antes transcrito, é expresso ao determinar que “a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”. Percebe-se, na hipótese, ofensa ao dispositivo legal, razão pela qual o acórdão recorrido deve ser reformado, para reconhecer a exigibilidade da multa prevista na legislação federal. A Segunda Turma entende que o indeferimento do pedido recursal relativo ao art. 535 do CPC, ainda que subsidiário, implica provimento apenas parcial do Recurso, em caso de acolhimento do pleito principal. Diante do exposto, dou parcial provimento ao Recurso Especial. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.262.673-SE (2011/0135977-2) Relator: Ministro Castro Meira Recorrente: Y B F (menor) Representado por: A L D F Advogado: Dalmo de Figueiredo Bezerra e outro(s) Recorrido: Colegio Appogeu Ltda. Advogado: Sem representação nos autos EMENTA Direito Processual Civil e Administrativo. Inscrição. Exame supletivo. Aprovação no vestibular. Determinação judicial. Aplicação. Teoria do fato consumado. 1. De acordo com a Lei n. 9.394/1996, a inscrição de aluno em exame supletivo é permitida nas seguintes hipóteses: a) ser ele maior de 18 anos e b) não ter tido acesso aos estudos ou à continuidade destes, no ensino médio, na idade própria, de sorte que é frontalmente contrária à legislação de regência a concessão de liminares autorizando o ingresso de menores de 18 anos em curso dessa natureza. 230 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA 2. É inadmissível a subversão da teleologia do exame supletivo, o qual foi concebido com o escopo de contemplar aqueles que não tiveram acesso ao ensino na idade própria ou, mesmo o tendo, não lograram concluir os estudos, não sendo por outra razão que o legislador estabeleceu 18 (dezoito) anos como idade mínima para ingresso no curso supletivo relativo ao ensino médio. 3. Lamentavelmente, a excepcional autorização legislativa, idealizada com o propósito de facilitar a inclusão educacional daqueles que não tiveram a oportunidade em tempo próprio, além de promover a cidadania, vem sendo desnaturada dia após dia por estudantes do ensino médio que visam a encurtar sua vida escolar de maneira ilegítima, burlando as diretrizes legais. 4. Sucede que a ora recorrente, amparada por provimento liminar, logrou aprovação no exame supletivo, o que lhe permitiu ingressar no ensino superior, já tendo concluído considerável parcela do curso de Direito. 5. Consolidadas pelo decurso do tempo, as situações jurídicas devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Aplicação da teoria do fato consumado. Precedentes. 6. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin (Presidente), Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Castro Meira, Relator DJe 30.08.2011 RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 231 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO O Sr. Ministro Castro Meira: Cuida-se de recurso especial interposto pelas alíneas a e c, do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, assim ementado: Reexame necessário. Processual Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Inscrição em exame supletivo. Aprovação em exame vestibular. Menor que pretende antecipar curso médio, mediante exame supletivo, visando matrícula em universidade. Impossibilidade. Art. 38, § 1º, II, da Lei n. 9.394/1996. Sentença reformada. Para se submeter a exame supletivo de conclusão de ensino médio, necessária idade mínima de 18 (dezoito) anos, conforme expressamente exige o art. 38, § 1º, II, da L. n. 9.394/1996, dispositivo que não afronta o art. 208, V, da CF (e-STJ fl. 85). Os embargos de declaração a seguir opostos foram rejeitados, em aresto assim sumariado: Embargos de declaração. Reexame necessário. Sentença de procedência em mandado de segurança. Reformada. Declaração de impossibilidade de menor antecipar curso médio, mediante exame supletivo, visando matrícula em universidade. Alegação de omissão no julgamento. Inexistência. Recurso de fundamentação vinculada. Imperativa necessidade de existência de um dos vícios: obscuridade, contradição ou omissão. Não se presta ao reexame do julgado. Ausentes quaisquer das hipóteses justificadoras do expediente, impõese a rejeição. Embargos declaratórios conhecidos, porém improvidos. - As razões trazidas pela embargante nos presentes aclaratórios não tem força suficiente para direcionar o órgão colegiado a orientação diversa da já por ele exaurida (e-STJ fl. 116). No especial, a recorrente, além da divergência jurisprudencial, alega violação do artigo 535 do CPC, porquanto o decisório impugnado foi omisso quanto à apreciação dos documentos que comprovam a ocorrência do fato consumado. Aduz, outrossim, infringência ao artigo 462 do CPC, posto que o direito à inscrição no curso supletivo e, posteriormente, à efetivação de matrícula no curso universitário foi-lhe assegurada por força de provimento judicial, posteriormente desconstituído. As contrarrazões não foram apresentadas (e-STJ fl. 167). 232 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Admitido o recurso especial (e-STJ fls. 168-169), subiram os autos a esta Corte. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): No tocante ao vício de fundamentação, verifica-se que o Tribunal Estadual apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não adotando a tese vertida pela recorrente. Não é demais lembrar que o julgador não está obrigado a responder a todos os argumentos trazidos pelas partes, mas apenas aqueles que entenda relevantes para a solução do conflito, o que, no caso, ocorreu. Nesse toar, vale lembrar que o STJ entende “não haver omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas partes, decide de modo integral a controvérsia posta” (REsp n. 938.417-MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 10.09.2007). Por outro lado, atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso no tocante à suposta ofensa ao art. 462 do Código de Processo Civil CPC e destaco, desde já, que a discussão não pode ser resumida aos reflexos da eventual alteração do aresto questionado sobre a situação fática da impetrante nos dias atuais – a célebre teoria do fato consumado –, haja vista que o arcabouço jurídico invocado na petição inicial e submetido à Corte de origem deve ser prestigiado, máxime diante da função uniformizadora conferida a este Superior Tribunal de Justiça. Caso contrário, este Superior Tribunal de Justiça correria o risco de tornarse uma terceira instância ordinária que, investigando única e exclusivamente o estado de coisas atingido a partir de um provimento liminar, relegaria a segundo plano as discussões sobre a interpretação da legislação infraconstitucional, o que, em demandas cujo objeto satisfaz-se de forma quase imediata – como no caso dos autos –, tornaria extremamente dificultosa a firmação de posicionamento sobre a tese considerada adequada. Assim sendo, independentemente das alegações articuladas em torno da teoria do fato consumado – cuja incidência nos casos concretos sempre deve (ou, pelo menos, deveria) ser diferida para o fecho da decisão judicial, como RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 233 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA acontecerá na espécie –, faz-se mister promover a análise da questão jurídica que repousa no cerne da demanda: é cabível que aluno do ensino médio que conta com menos de 18 (dezoito) anos inscreva-se em curso supletivo com o fito de obter certificado de conclusão e, assim, ingresse em instituição de ensino superior na qual logrou êxito no exame de admissão/vestibular? Com a devida vênia aos posicionamentos em contrário, penso que a resposta é negativa, sob pena de violar-se expressamente art. 38, § 1º, II, da Lei n. 9.394/1996: Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. § 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: (...) II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos. Não desconheço que aqueles que advogam tese oposta tem ciência dessa restrição legal, mas a mitigam com amparo no argumento de que a aprovação no exame vestibular anteriormente ao término do ensino médio seria uma prova hábil a demonstrar a capacidade já atingida pelo estudante para iniciar em curso de nível superior, homenageando, assim, o art. 208, V, da Carta Magna, o qual assegura acesso aos níveis mais elevados de ensino, conforme a capacidade de cada um. Respeitosamente, não me convence, seja porque não vejo campo interpretativo na dicção literal da norma em questão, seja porque escapa da finalidade precípua da educação. Com efeito, esse entendimento enfoca o ensino médio como mera ferramenta de acesso aos cursos superiores, esvaziando todo o planejamento concebido pelo legislador e implementado pela Administração para proporcionar aos cidadãos seu crescimento, a tempo e modo definidos de acordo com o desenvolvimento psíquico e intelectual do ser humano. Esse crescimento não se desenrola apenas no plano de dados, informações e demais conteúdos exigidos no exame vestibular. O ensino em todos os seus graus (fundamental, médio e superior) envolve também sociabilização e amadurecimento adquiridos tão-somente com a frequência efetiva dos alunos à escola e com a participação nas atividades 234 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA propostas, valores esses que devem ser perseguidos com afinco em nossa sociedade moderna, na qual, como se sabe, a dispersão de dados e o amplo acesso a informações decorrentes dos avanços tecnológicos não garante em absoluto a formação plena do cidadão. Como bem assinalou o acórdão contestado, “se há todo um pensar na educação, inclusive com corpo normativo coeso, como visto, com regramento próprio, constando as citadas elementares, não é possível dispensá-la. Muito menos reconhecer como ilegal ato que apenas cumpriu a sua determinação” (e-STJ fl. 90). Nesse passo, em homenagem à importância desempenhada pelo ensino escolar no ambiente macro, não vejo como a aprovação de um estudante em exame vestibular para uma das centenas de milhares de vaga oferecidas a cada ano no país seja capaz, por si só, a demonstrar que foram apreendidas todas as habilidades programadas para serem desenvolvidas no ensino médio, tampouco inteligência precoce e excepcional. Essa orientação que trata o ensino médio como mero instrumento poderia, em última análise, até mesmo torná-lo completamente inútil, um verdadeiro “inconveniente” ao atalho aos cursos superiores, não sendo ocioso lembrar que a garantia constitucional de acesso aos níveis mais elevados de ensino não deve ser interpretada de forma absoluta e sem a devida contextualização, revelandose como valor interpretativo essencial da legislação de regência que estabelece normas e parâmetros a fim de regulamentar a progressão do ensino. E agora vem outro ponto crucial da discussão, a saber, a completa subversão do exame supletivo, o qual foi concebido com o escopo de contemplar aqueles que não tiveram acesso ao ensino na idade própria ou, mesmo o tendo, não lograram concluir os estudos, não sendo por outra razão que o legislador estabeleceu como 18 (dezoito) anos como idade mínima para ingresso no curso supletivo relativo ao ensino médio. Nesse cenário, a excepcional autorização legislativa, idealizada com o propósito de facilitar a inclusão educacional daqueles que não tiveram a oportunidade em tempo próprio – infelizmente, realidade comum em nosso país – e promover a cidadania, vem sendo desnaturada cotidianamente por estudantes do ensino médio que visam a encurtar sua vida escolar de maneira ilegítima, burlando as diretrizes legais. Enfim, a conclusão jurídica atingida pela Corte de origem exsurge irrepreensível, pois conferiu a melhor exegese ao art. 38, § 1º, II, da Lei n. 9.394/1996. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 235 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Adentro, por derradeiro, a análise da teoria do fato consumado, alicerçada na primazia da realidade. Ao que se tem dos autos, Yandra Barreto Ferreira impetrou em 21.06.2010 mandado de segurança, com pedido de liminar, objetivando a sua imediata inscrição para realização de exame supletivo, posto que aprovada no exame vestibular antes de concluir o ensino médio. A liminar concedida em 30.06.2010, para “determinar que o impetrado proceda à matrícula da impetrante no curso de supletivo especial, em prazo que não inviabilize a matrícula no curso superior e emita certificado de conclusão no curso de aprovação” (e-STJ fls. 40-45) foi confirmada pela sentença de fls. 61-64. Tal contexto, qual seja, realização de exame supletivo, expedição de certificado de conclusão do ensino médio e matrícula no curso superior de aprovação (Direito), o qual já se encontra no segundo semestre, implica, segundo a jurisprudência deste STJ, a aplicação da Teoria do Fato Consumado, mormente porque o decurso de tempo consolida fatos jurídicos que devem ser respeitados, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Nesse sentido, os seguintes julgados: Administrativo. Mandado de segurança. Inscrição em exame supletivo. Possibilidade. Aprovação em exame vestibular. Situação fática consolidada. 1. A Lei n. 9.394/1996 exige o atendimento a dois requisitos para que seja aceita a inscrição de aluno em exame supletivo: a) ser ele maior de 18 anos e b) não ter tido acesso aos estudos ou à continuidade destes, no ensino médio, na idade própria. 2. Esta Corte tem entendido que, em caso de aprovação em exame vestibular no qual o candidato tenha-se inscrito por força de decisão em Mandado de Segurança, o estudante beneficiado com o provimento judicial não deve ser prejudicado pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu o direito pleiteado inicialmente. 3. Agravo Regimental não provido (AgRg no Ag n. 997.268-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10.06.2008, DJe 19.12.2008). Processual Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Artigo 535 do CPC. Violação não configurada. Declaração de inconstitucionalidade. Reserva de Plenário. Desnecessidade. Inscrição em exame supletivo. Possibilidade. Aprovação em exame vestibular. Situação fática consolidada. 236 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. Desnecessária a observância da reserva de plenário (art. 481 do CPC), pois não houve declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de origem, do dispositivo apontado (art. 38, § 1º, II, da Lei n. 9.394/1996), mas sua interpretação à luz dos princípios constitucionais. 3. A Lei n. 9.394/1996 exige o atendimento a dois requisitos para que seja aceita a inscrição de aluno em exame supletivo: a) ser ele maior de 18 anos e b) não ter tido acesso aos estudos no ensino médio, ou podido continuá-los, na idade própria. 4. Em caso como o dos autos, o STJ tem entendido, apoiado em aplicação conseqüencialista da norma e balanceamento de valores, que a aprovação em exame vestibular, no qual o candidato se inscrevera por força de decisum favorável em Mandado de Segurança, recomenda que o estudante não seja prejudicado pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu o direito pleiteado inicialmente. Hipótese em que o deferimento da liminar e a concessão da segurança à ora recorrida datam do ano 2004. 5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido (REsp n. 969.633-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1º.04.2008, DJe 04.03.2009). Processual Civil. Administrativo. Exame supletivo. Idade mínima. Aprovação no vestibular. Teoria do fato consumado. Precedentes do STJ. 1. O decurso de tempo consolida fatos jurídicos que devem ser respeitados, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Teoria do fato consumado. Precedentes desta Corte: REsp n. 686.991RO, DJ de 17.06.2005; REsp n. 584.457-DF, DJ de 31.05.2004; REsp n. 601.499-RN, DJ de 16.08.2004 e REsp n. 611.394-RN, Relator Ministro José Delgado, DJ de 31.05.2004. 2. In casu, o aluno aprovado em concurso vestibular, a despeito de não possuir a idade mínima de 18 (dezoito) anos exigida pelo art. 38, § 1°, II, da Lei n. 9.394/1996, obteve, em sede de liminar em mandamus, o direito de inscreverse em curso supletivo para fins de conclusão do ensino médio, viabilizando sua matrícula em Curso Superior. 3. Deveras, consumada a matrícula para o exame supletivo (Banco de questões) naquela oportunidade, o impetrante, ora Recorrente, obtendo êxito nos exames, logrou a expedição do seu certificado de conclusão do 2ª Grau, pelo que se impõe a aplicação da Teoria do Fato Consumado. 4. Recurso especial provido para manter incólume a sentença concessiva de segurança (REsp n. 900.263-RO, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13.11.2007, DJ 12.12.2007). RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 237 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Administrativo. Ensino superior. Matrícula. Conclusão do curso. Situação fática consolidada. 1. Havendo situação fática consolidada pelo decurso do tempo, não pode o estudante beneficiado com o provimento judicial sofrer com posterior desconstituição das decisões que lhe conferiram tal direito. Teoria do fato consumado. Precedentes. 2. Recurso especial provido (REsp n. 887.388-RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 06.03.2007, DJ 13.04.2007, p. 367). Dessa forma, conclui-se que, na espécie, a situação fática se mostra consolidada no tempo, sendo, pois, de imposição a aplicação da Teoria do Fato Consumado. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial. É como voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.278.731-DF (2011/0212186-7) Relator: Ministro Humberto Martins Recorrente: Indústria e Comércio Rei Ltda. Advogado: Luiz Alberto Bettiol e outro(s) Recorrido: Fazenda Nacional Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional EMENTA Processual Civil. Ausência de violação do art. 535 do CPC. Agravo de instrumento. Cópias obrigatórias. Certidão de intimação da decisão agravada. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios. Interpretação teleológica do art. 525, I, do CPC. Mandado de segurança. Necessidade de intimação pessoal do representante judicial da União. 1. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se 238 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA depreende da leitura do acórdão recorrido, que enfrentou o tema abordado na medida da pretensão deduzida, decidindo de modo integral a controvérsia. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, tem possibilitado a comprovação da tempestividade recursal por outros meios que não a certidão de intimação do acórdão recorrido. 3. No caso dos autos, a tempestividade do recurso foi atestada pela Corte Regional, conforme se extrai do seguinte trecho do acórdão recorrido: “A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador, constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade” (e-STJ fl. 527). 4. É firme a compreensão segundo a qual a prerrogativa de intimação pessoal é conferida aos procuradores da Fazenda Nacional, representantes da União em causas de natureza fiscal. Assim, quando a Fazenda Nacional, por intervenção espontânea, dá-se por intimada, antecipando-se à providência judicial, manifesta conhecimento inequívoco da decisão, correndo daí o seu prazo recursal. Recurso especial improvido. Medida Cautelar n. 17.609-DF prejudicada por perda de objeto. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman Benjamin, acompanhando o Sr. Ministro Humberto Martins, a Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso e julgou prejudicada a Medida Cautelar n. 17.609-DF por perda de objeto, nos termos do voto do Sr. MinistroRelator”. Os Srs. Ministros Herman Benjamin (voto-vista), Mauro Campbell Marques e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou, justificadamente, do julgamento o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 239 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Brasília (DF), 15 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Humberto Martins, Relator DJe 22.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto por Indústria e Comércio Rei Ltda., com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que deu provimento ao agravo de instrumento da Fazenda Nacional, cuja ementa é a seguinte (e-STJ fl. 531): Processo Civil. Alegação de descumprimento de acórdão em mandado de segurança com trânsito em julgado. Processo administrativo de revogação de registro especial para fabricação de cigarros. 1 – O objeto do mandado de segurança concerne a ato administrativo que cancelou inscrição da agravada em registro especial de empresas autorizadas a fabricar cigarros. 2 – Cumprida a ordem concessiva da segurança com o trânsito em julgado da sentença, viola os limites da coisa julgada discussão e decisão interlocutória sobre as condições de funcionamento da fábrica no município do Rio de Janeiro. 3 – Agravo de instrumento provido. Os embargos de declaração opostos pela recorrente foram rejeitados, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 1.273-1.281): Embargos de declaração. Tempestividade do recurso. Omissão. Inexistência. Ilegitimidade recursal da União (Fazenda Nacional). Inocorrência. Decisão que extrapola os limites da ação mandamental que se busca cumprir. Inexistência de contradição. 1. Os embargos de declaração constituem instrumento processual com o escopo de eliminar do julgamento obscuridade, contradição ou omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo acórdão ou, ainda, de corrigir evidente erro material, servindo, dessa forma, como instrumento de aperfeiçoamento do julgado (CPC, art. 535). 2. A preliminar de intempestividade do recurso da União foi examinada e afastada no voto condutor do acórdão, uma vez que a intimação pessoal do 240 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA representante judicial da União está expressamente demonstrada nos autos, sendo inequívoca a tempestividade do recurso interposto. 3. A legitimidade da Fazenda Nacional (União) para interpor o recurso constitui matéria pacífica, pois a autoridade impetrada não possui legitimidade recursal, devendo os recursos ser interpostos pela pessoa jurídica de direito público que suportará as conseqüências do cumprimento da decisão. 4. A determinação de cumprimento do comando contido na impetração é ato passível de impugnação por agravo de instrumento, desde que haja extrapolação do conteúdo decisório transitado em julgado como no caso examinado. 5. Inexistem omissões, contradições ou obscuridades a ser sanadas por meio dos embargos de declaração. 6. Embargos de declaração rejeitados. A recorrente alega, preliminarmente, ofensa ao art. 535, II, do CPC, porquanto, apesar da oposição dos embargos de declaração, o Tribunal de origem não se pronunciou sobre pontos necessários ao deslinde da controvérsia. No mérito, sustenta que o acórdão regional contrariou as disposições contidas no art. 525, inciso I, do CPC. Em síntese, sustenta que “a petição de fl. 260, tomado pelo v. acórdão recorrido como prova da tempestividade do agravo de instrumento da Fazenda Nacional não substitui a necessária certidão de intimação da decisão agravada exigida no art. 525, I, do Código de Processo Civil, tampouco se presta à finalidade daquela, que, para ter fé pública, há de ser expedida por serventuário da Justiça” (e-STJ fl. 1.925). Por fim, assevera que não é o caso de reexame do acervo probatório, “mas de valoração de um elemento de prova que teve influência na formulação do acórdão recorrido” (e-STJ fl. 1.295). Foram oferecidas contrarrazões ao recurso especial (e-STJ fls. 1.308-1.316), nas quais a Fazenda Nacional sustenta: a) ausência de prequestionamento; b) incidência da Súmula n. 7-STJ; e c) o agravo de instrumento interposto na origem era tempestivo. Sobreveio o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem (e-STJ fls. 1.320-1.321). Este Relator houve por bem dar provimento ao agravo de instrumento, para determinar a subida do presente recurso especial. É, no essencial, o relatório. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 241 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): SÍNTESE DA DEMANDA Na origem, cuida-se de agravo de instrumento interposto pela Fazenda Nacional contra decisão do juízo de primeiro grau que determinou o restabelecimento do “registro especial” da empresa ora recorrente, verbis: Fls. 491-53: Intime-se o Coordenado-Geral do Sistema de Fiscalização da Receita Federal para restabelecer o registro especial concedido à impetrante Indústria e Comercio Rei Ltda. pela sentença transitada em julgado de fls. 256-62 e 338. Está atendida a condição estabelecida no Item n. 02 da decisão de fl. 490 porque foi revogada a apreensão de parte das máquinas (termo de intimação - fls. 521-2). Cumprida a exigência prevista no art. 175 do RIPI/83 (possuir a empresa instalações adequadas ao tipo de atividade), não se justifica o cancelamento do registro. 2. Publique-se. Logo após, arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Em 06.09.2000 (e-STJ fl. 284). Na assentada do dia 22.04.2009, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela Fazenda Nacional, cancelando o registro da empresa. Isso porque a decisão agravada teria violado os limites objetivos da coisa julgada, porquanto “o que levou ao cancelamento do registro da agravada no município do Rio de Janeiro é fato jurídico distinto do que foi decidido na ação mandamental” (e-STJ fl. 529). Contra o mencionado acórdão foram opostos embargos de declaração pela empresa, os quais foram recebidos no seu efeito suspensivo e devolutivo, conforme decisão da lavra da Desembargadora Selene Maria de Almeida, de 05.08.2009 (e-STJ fls. 1.203-1.205). Por sua vez, os embargos de declaração opostos também foram rejeitados, no julgamento ocorrido em 25.11.2009. Irresignada, a empresa contribuinte interpôs o presente recurso especial, no qual aponta violação dos arts. 535 e 525, I, do CPC. Em 10.12.2009, decisão da Vice-Presidência do TRF da 1ª Região (Desembargador Federal Souza Prudente) deferiu o efeito suspensivo ao recurso especial até o seu julgamento no Superior Tribunal de Justiça, verbis: 242 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Em que pesem os termos do v. acórdão a que se reportam as peças de fls. 390396, integralizado pelas de fls. 598-606, da consulta dos elementos constantes destes autos, vejo presentes, na espécie, os pressupostos legais necessários para a concessão da tutela cautelar postulada pela autora, na medida em que, encontrando-se o referido julgado impugnado por meio de recurso especial, eventual cancelamento do registro da suplicante, autorizado judicialmente nos autos de origem, caracteriza periculum in mora, ensejador do deferimento da medida pretendida, sob pena de tornar-se ineficaz o resultado útil do julgamento do referido recurso especial, em caso de procedência da pretensão recursal ali formulada. Não se pode olvidar, de outra banda, que a pretensão recursal deduzida pela recorrente, ora autora, encontra-se, em princípio, em sintonia com o entendimento já consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, no sentido de que, “na formação do instrumento, a cópia da decisão agrava e da respectiva certidão de intimação constituem peças reputadas obrigatórias pelo § 1º do art. 544 do Código do Processo Civil” e de que “é dever do recorrente zelar pela correta formação do recurso especial, sendo de sua responsabilidade, inclusive, verificar se a peça contém todos os requisitos necessários, se nela estão contidas todas as folhas, e até mesmo, se está devidamente assinada” (AgRg no REsp n. 434.612-DF, DJ 28.10.2003)”. Com estas considerações, presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, defiro o pedido de tutela cautela mandamental, formulado na inicial, para conferir efeito suspensivo ao recurso especial interposto nos autos do Agravo de Instrumento n. 2000.01.00.119899-5-DF, restabelecendose, por conseguinte, a eficácia da decisão ali agravada, proferida nos autos de origem, até o julgamento do referido recurso, pelo colendo Superior Tribunal de Justiça (e-STJ fls. 219-220 do Apenso n. 03, grifo meu). Por outro lado, apesar de concedido efeito suspensivo ao recurso especial, em 28.10.2010, não foi ele admitido pelo então Vice-Presidente do TRF-1, Desembargador Federal Amilcar Machado. Dessa decisão, foi interposto agravo de instrumento pela empresa (Ag n. 1.410.551-DF), o qual foi provido para determinar a subida do recurso especial (DJe 21.06.2011). Impende salientar que, em 21.12.2010, a Fazenda Nacional ajuizou a medida cautelar (com pedido de contracautela) para subtrair o efeito suspensivo deferido ao recurso especial na origem (MC n. 17.609-DF). Após dar vista ao Ministério Público, indeferi o pedido de contracautela requerido pela Fazenda Nacional (DJe 14.04.2010). Decisão que foi objeto de agravo regimental, pautado para a sessão de hoje. Feita essa breve digressão, passo à análise do recurso especial. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 243 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC Inicialmente, inexistente a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se depreende da leitura do acórdão recorrido, que enfrentou o tema abordado nas contrarrazões ao recurso de agravo de instrumento da agravada, qual seja a intempestividade do recurso por ausência de juntada da certidão de intimação da decisão agravada. É o que se infere dos seguintes excertos do voto condutor do acórdão recorrido: A agravada suscita, em preliminar, que o agravo é intempestivo e está deficientemente fundamentado em razão da ausência de juntada de certidão de intimação e da data de sua realização, o que inviabiliza a aferição da tempestividade do recurso. Sem razão a peticionária. A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador, constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade. Rejeito, portanto, a preliminar aventada (e-STJ fl. 527, grifo meu). Acrescente-se que o Tribunal de origem ainda cuidou de refutar a existência da alegada omissão, conforme se extrai do trecho do voto/ementa do acórdão que apreciou os embargos: Não prospera a pretendida omissão suscitada pela embargante, uma vez que a tempestividade do recurso foi examinada e reconhecida pelo acórdão embargado. Para melhor demonstrar, transcrevo o texto do voto no que interessa ao deslinde desta questão: Preliminar. Intempestividade e formação deficiente do agravo. A agravada suscita, em preliminar, que o agravo é intempestivo e está deficientemente fundamentado em razão da ausência de juntada de certidão de intimação e da data de sua realização, o que inviabiliza a aferição da tempestividade do recurso. Sem razão a peticionária. A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador, constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade. 244 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Rejeito, portanto, a preliminar aventada. Como se vê, a pretendida intempestividade não existe, pois não se pode confundir a comunicação dirigida à autoridade apontada como coatora para esclarecer ao Juízo o cumprimento do comando sentencial, com a intimação do representante jurídico do ente estatal, que na hipótese, é pessoal e, como foi indicado no voto, apenas ocorreu em 21 de setembro de 2000, estando o recurso interposto em 04 de outubro de 2000, tempestivo. É desnecessário tecer considerações sobre o inciso I do artigo 525 do CPC, pois as cópias dos documentos necessários à aferição da tempestividade do recurso foram acostadas juntamente com a petição inicial, o que é flagrante, dada a própria indicação no voto da página onde foi possível aferir a tempestividade do recurso. Assim, a pretensa omissão apenas pode ser atribuída a uma desatenção na leitura do voto condutor, que foi expresso em relação ao exame da preliminar de intempestividade suscitada pela agravada. Portanto, a hipótese é de rejeição da preliminar de omissão suscitada pela embargante (e-STJ fl. 1.274). Não viola o art. 535 do CPC nem importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia colocada. É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu. DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 525, I, DO CPC Melhor sorte não assiste à recorrente. Em síntese, sustenta que “a petição de fl. 260, tomado pelo v. acórdão recorrido como prova da tempestividade do agravo de instrumento da Fazenda Nacional não substitui a necessária certidão de intimação da decisão agravada exigida no art. 525, I, do Código de Processo Civil, tampouco se presta à finalidade daquela, que, para ter fé pública, há de ser expedida por serventuário da Justiça” (e-STJ fl. 1.925). Assim estabelece o art. 525, inciso I, do Código de Processo Civil: RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 245 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída: I - obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II - facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis. [...] (grifo meu). Nota-se que se exige certidão de intimação da decisão recorrida para que se possa aferir a tempestividade do recurso interposto. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, tem amenizado o rigor da norma, possibilitando-se a comprovação da tempestividade recursal por outros meios que não a certidão de intimação do acórdão recorrido. Portanto, a ausência de peça obrigatória à formação do agravo de instrumento, quando se tratar da certidão de intimação de decisão agravada, pode ser irrelevante, caso seja possível, por outros elementos, constatar a tempestividade do recurso. Nesse sentido, as ementas dos seguintes julgados: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ausência de peça obrigatória. Certidão de intimação da decisão agravada. Comparecimento espontâneo. Ciência inequívoca. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios. 1. A retirada dos autos do cartório por procurador enseja a ciência inequívoca da parte, começando aí a contagem do prazo para recurso. 2. A jurisprudência do STJ releva a ausência de peça obrigatória à formação do agravo de instrumento quando se tratar da certidão de intimação de decisão agravada, caso seja possível aferir a tempestividade do recurso por outros meios. 3. Agravo regimental provido. (AgRg no Ag n. 1.314.771-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 17.02.2011, DJe 25.02.2011). Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Deficiência na fundamentação. Súmula n. 284-STF. Agravo de instrumento. Certidão de intimação da decisão agravada. Possibilidade da aferição da tempestividade por meio diverso. Princípio da instrumentalidade das formas. Aplicação. Habilitação de sucessores na fase de execução. Ausência de prejuízo. Fundamento não impugnado. Súmula n. 283-STF. Divergência jurisprudencial. Não-comprovação. Descumprimento dos requisitos legais. 246 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA 1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula n. 284-STF. 2. Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão de intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a comprovar a tempestividade do Agravo de Instrumento. Precedentes do STJ. 3. In casu, a Corte de origem considerou que o Agravo de Instrumento está corretamente instruído, porquanto, apesar da falta da certidão de intimação da decisão agravada, é aferível a tempestividade do recurso por outro meio, uma vez que a intimação da parte autora se deu pela aposição de ciência da decisão agravada pelo patrono dos ora recorridos. 4. O fundamento do Tribunal a quo, de que a habilitação dos herdeiros na execução não trouxe prejuízo ao processo, não foi atacado pela recorrente. Incidência, por analogia, da Súmula n. 283-STF. 5. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RISTJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base no art. 105, III, alínea c, da Constituição Federal. 6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.246.173-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24.05.2011, DJe 30.05.2011). Processual Civil. Recurso especial. Art. 535 do CPC. Violação. Inocorrência. Agravo de instrumento. Certidão de intimação da decisão agravada. Ausência. Tempestividade verificada por outra maneira. Possibilidade. Precedentes. Multa. Art. 538, § 1º do CPC. Exclusão. 1. A instância inferior analisou de modo claro e preciso o art. 544, § 1º do CPC, tanto é que afastou sua aplicação ao caso dos autos por manifesta impertinência, oportunidade em que aplicou a multa prevista no parágrafo único do art. 538 do Diploma Processual. Não restou, portanto, violado o art. 535 do CPC, eis que inexistente qualquer omissão a ser sanada. Neste contexto, e com base na fundamentação esposada, afasta-se a pretensa ofensa ao art. 544, § 1º daquele texto. 2. O inciso I do artigo 525 do CPC dispõe que o agravo de instrumento deve ser instruído com a cópia da intimação da decisão agravada, pois, de outra maneira, não será conhecido. Entretanto, a instrumentalidade processual permite que os RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 247 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA atos sejam considerados válidos, mesmo quando realizados de modo diverso, quando atingida a finalidade. 3. Ante a impossibilidade de verificar-se a tempestividade do agravo por modo diverso, deve ser mantida a decisão recorrida. Embora admissível a comprovação da tempestividade recursal por outros meios, não se pode reconhecê-la com base apenas no “ciente” aposto pelo advogado. 4. Não deve prevalecer a incidência da multa de 1% aplicada com base no parágrafo único do art. 538 do CPC, pois os embargos de declaração não restaram protelatórios. 5. Recurso especial provido em parte. (REsp n. 683.504-SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 23.08.2005, DJ 19.09.2005, p. 286). No caso dos autos, a tempestividade do recurso foi atestada pela Corte Regional, ao reconhecer que a intimação da União, por seu representante judicial (Fazenda Nacional), deu-se em 21.09.2000 (e-STJ fl. 294), conforme se extrai do seguinte trecho do acórdão recorrido: A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador, constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade (e-STJ fl. 527). Registre-se que decisão agravada somente determinou a notificação da autoridade coatora para restabelecer o registro da ora recorrente, verbis: Fls. 491-53: Intime-se o Coordenado-Geral do Sistema de Fiscalização da Receita Federal para restabelecer o registro especial concedido à impetrante Indústria e Comercio Rei Ltda. pela sentença transitada em julgado de fls. 256-62 e 338. Está atendida a condição estabelecida no Item n. 02 da decisão de fl. 490 porque foi revogada a apreensão de parte das máquinas (termo de intimação - fls. 5212). Cumprida a exigência prevista no art. 175 do RIPI/83 (possuir a empresa instalações adequadas ao tipo de atividade), não se justifica o cancelamento do registro. 2. Publique-se. Logo após, arquivem-se os autos com baixa na distribuição. Em 06.09.2000 (e-STJ fl. 284). Por sua vez, o órgão de representação judicial da União (Fazenda Nacional) somente teve conhecimento da decisão que determinava o restabelecimento do registro especial da empresa por meio do Ofício SRF/COFIS/GAB n. 2000/00386, de 20 de setembro de 2000 (e-STJ fl. 32), o qual solicitava providências urgentes. 248 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA Desse modo, por intervenção espontânea, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional se deu por intimada no dia 21.09.2000 (e-STJ fl. 294), dia seguinte ao do citado ofício. Sendo razoável concluir, conforme constato pela Corte Regional, que o agravo de instrumento é tempestivo, porquanto interposto em 04.10.2000 (e-STJ fl. 02). Logo, se a tempestividade do recurso pode ser aferida por outros meios, é dispensável a juntada da certidão de intimação, o que não viola o disposto no art. 525, I, do CPC. O inciso V do art. 12 da Lei Complementar n. 73/1993 afirma que “à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente: (...). V - representar a União nas causas de natureza fiscal”. Por sua vez, os arts. 35 e 38 da Lei Complementar n. 73/1993 determinam que o representante judicial da União será intimado pessoalmente, verbis: Art. 35. A União é citada nas causas em que seja interessada, na condição de autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, na pessoa: I - do Advogado-Geral da União, privativamente, nas hipóteses de competência do Supremo Tribunal Federal; II - do Procurador-Geral da União, nas hipóteses de competência dos Tribunais Superiores; III - do Procurador-Regional da União, nas hipóteses de competência dos demais Tribunais; IV - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da União, nas hipóteses de competência dos juízos de primeiro grau. Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos. É firme no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a compreensão segundo a qual a prerrogativa da intimação pessoal é conferida aos procuradores da Fazenda Nacional. Nesse sentido, cito precedentes: AgRg no Ag n. 1.318.904BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 26.05.2011; REsp n. 869.169-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.08.2008, DJe 16.09.2008; EREsp n. 1.048.993-PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Corte Especial, julgado em 07.04.2010, DJe 19.04.2010. Importante ter em mente que o órgão de representação judicial da União (Fazenda Nacional) é diferente da autoridade coatora. Assim, o prazo recursal RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 249 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA somente se inicia com a intimação do representante judicial da União, não da simples ciência da autoridade coatora. Conforme já decidido por esta Corte superior, não é bastante a ciência da sentença concessiva da ordem pela autoridade impetrada, revelando necessária a intimação pessoal do representante judicial da União. A propósito: Processual Civil. Artigos 458 e 535 do CPC. Intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública. Mandado de segurança. Apelação. Obrigatoriedade. 1. Analisadas pela Corte a quo todas as questões relevantes postas em julgamento de maneira adequada e suficiente ao deslinde do litígio, rechaçase as prefaciais de nulidade do acórdão recorrido e de negativa de prestação jurisdicional. 2. Consoante disposto nos artigos 38 da Lei Complementar n. 73/1993 e 6º da Lei n. 9.028/1995 revela-se imperativa a intimação pessoal do Procurador da Fazenda Nacional, nas ações em que seja interessada, autora, assistente, recorrente ou recorrida, não sendo bastante a ciência da sentença a quo concessiva da ordem pela autoridade impetrada. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 844.793-MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 17.08.2006, DJ 29.08.2006, p. 157). Na hipótese dos autos, acolheu-se a tese da intimação do próprio representante judicial, que, por intervenção espontânea, deu-se por intimado. Em outras palavras, o Procurador da Fazenda Nacional se antecipou à providência judicial, abrindo mão da intimação pessoal, manifestando conhecimento inequívoco da decisão, correndo daí, portanto, o seu prazo recursal, não havendo qualquer contradição com o julgado acima mencionado. DA MEDIDA CAUTELAR N. 17.609-DF A Medida Cautelar n. 17.609-DF foi ajuizada pela Fazenda Nacional no intuito de subtrair o efeito suspensivo deferido ao recurso especial na origem (pedido de contracautela). Todavia, observo que o efeito suspensivo somente foi concedido até o julgamento do recurso especial, verbis: Com estas considerações, presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora, defiro o pedido de tutela cautela mandamental, formulado na inicial, para conferir efeito suspensivo ao recurso especial interposto nos 250 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA autos do Agravo de Instrumento n. 2000.01.00.119899-5-DF, restabelecendose, por conseguinte, a eficácia da decisão ali agravada, proferida nos autos de origem, até o julgamento do referido recurso, pelo colendo Superior Tribunal de Justiça (e-STJ fls. 220 do Apenso n. 03, grifo meu). Desse modo, o não provimento do recurso especial ora apreciado, acarreta, por consequência lógica, a prejudicialidade da cautelar proposta pela Fazenda Nacional, uma vez que o julgamento do presente apelo, de modo desfavorável à empresa, retira a eficácia suspensiva deferida na origem. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial, fazendo parte integrante deste acórdão o voto-vista do Min. Herman Benjamin. Medida Cautelar n. 17.609-DF prejudicada por perda de objeto. É como penso. É como voto. VOTO-VISTA Ementa: Processual Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Omissão. Não-ocorrência. Agravo de instrumento. Art. 522 do CPC. Cópias obrigatórias. Certidão de intimação. Possibilidade de comprovação da tempestividade por outros elementos. Interpretação teleológica do art. 525, I, do CPC. Mandado de segurança. Necessidade de intimação pessoal do representante judicial da União. Precedentes do STJ. 1. Não há violação ao art. 535 quando o julgador decide, integral e motivadamente, a questão jurídica controvertida. 2. Se o Tribunal puder verificar, por outros elementos acostados, a tempestividade do Agravo de Instrumento, é dispensável a certidão de intimação, à luz da interpretação teleológica do art. 525, I, do CPC. Precedentes do STJ. 3. No que tange à necessidade de intimação pessoal do representante judicial da União, aplica-se o disposto na LC n. 73/1993, que determina, expressamente, que as citações e intimações deste ente, nas causas de seu interesse, incluindo-se, evidentemente, os Mandados de Segurança, sejam realizadas nas pessoas ali indicadas (arts. 35 e 38). É a partir dessa intimação que se inicia o prazo recursal. Precedentes: REsp n. 776.667-SE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.03.2007, DJ 26.04.2007; REsp n. 869.169-SP, RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 251 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.08.2008. 4. Tal orientação, atualmente pacífica, já era acolhida em julgados contemporâneos ao acórdão recorrido, tanto no STJ, quanto nos Tribunais Regionais Federais (REsp n. 78.175-PE, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 24.04.1997, DJ 1º.09.1997, p. 40.796; TRF3, Ag n. 96.03.040396-2, Sexta Turma, Relatora Mairan Maia, Julgamento: 09.08.2000). 5. Encontra-se, até mesmo, posição em favor da atribuição de efeitos de intimação pessoal, equivalente à realizada por oficial de justiça, à intervenção pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional, que, antecipando-se à providência judicial, dá-se por intimada. Logicamente, nessa hipótese, o prazo para a interposição do recurso tem, como termo inicial, o momento em que o advogado público comparece aos autos, haja vista a precedência deste ato à intimação por mandado (TRF4, Ag n. 1998.04.01.020390-7, Segunda Turma, Relator Vilson Darós, DJ 06.09.2000). 6. Ressalto, a propósito, a existência de precedente da Segunda Turma, REsp n. 844.793-MG, Rel. Ministro Castro Meira, no qual se fez a distinção entre o momento da ciência da autoridade coatora e o da intimação do representante judicial da União. No presente caso, o ato processual acolhido como termo inicial do prazo recursal foi a intimação do próprio representante judicial, de modo que não há contrariedade ao entendimento deste órgão julgador. 7. Conforme cópia do documento de fl. 537 dos autos originais, apresentada pela PGFN, o qual serviu de referência para o Tribunal Regional Federal identificar o instante da formalização da intimação pessoal do órgão, vê-se, claramente, ao contrário do registro eletrônico e digitalizado constante no sistema do STJ, que a data do protocolo foi, de fato, 21 de setembro de 2000. 8. Em síntese: a intimação pessoal do representante judicial da União pode ser suprida por sua intervenção espontânea, registrada nos autos, na hipótese em que ele antecipa-se à providência judicial, manifestando conhecimento do teor da decisão, contando-se, a partir daquele ato, por óbvio, o prazo recursal. 252 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA 9. Se, nos termos da Lei Complementar n. 73/1993, o representante da Fazenda Pública deve ser intimado pessoalmente e, não obstante essa garantia, abre mão da intimação por oficial de justiça, é dessa data que corre o prazo para a interposição de recurso. 10. Recurso Especial não provido. O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que julgou Agravo de Instrumento, conforme o entendimento assim ementado: Processo Civil. Alegação de descumprimento de acórdão em mandado de segurança com trânsito em julgado. Processo administrativo de revogação de registro especial para fabricação de cigarros. 1 - O objeto do mandado de segurança concerne a ato administrativo que cancelou inscrição da agravada em registro especial de empresas autorizadas a fabricar cigarros. 2 - Cumprida a ordem concessiva da segurança com o trânsito em julgado da sentença, viola os limites da coisa julgada discussão e decisão interlocutória sobre as condições de funcionamento da fábrica no município do Rio de Janeiro. 3 - Agravo de Instrumento provido (fl. 531). Os Embargos de declaração foram rejeitados, nos termos da ementa a seguir: Embargos de declaração. Tempestividade do recurso. Omissão. Inexistência. Ilegitimidade recursal da União (Fazenda Nacional). Inocorrência. Decisão que extrapola os limites da ação mandamental que se busca cumprir. Inexistência de contradição. 1. Os embargos de declaração constituem instrumento processual com o escopo de eliminar do julgamento obscuridade, contradição ou omissão sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo acórdão ou, ainda, de corrigir evidente erro material, servindo, dessa forma, como instrumento de aperfeiçoamento do julgado (CPC, art. 535). 2. A preliminar de intempestividade do recurso da União foi examinada e afastada no voto condutor do acórdão, uma vez que a intimação pessoal do representante judicial da União está expressamente demonstrada nos autos, sendo inequívoca a tempestividade do recurso interposto. 3. A legitimidade da Fazenda Nacional (União) para interpor o recurso constitui matéria pacífica, pois a autoridade impetrada não possui legitimidade recursal, RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 253 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA devendo os recursos ser interpostos pela pessoa jurídica de direito público que suportará as conseqüências do cumprimento da decisão. 4. A determinação de cumprimento do comando contido na impetração é ato passível de impugnação por agravo de instrumento, desde que haja extrapolação do conteúdo decisório transitado em julgado como no caso examinado. 5. Inexistem omissões, contradições ou obscuridades a ser sanadas por meio dos embargos de declaração. 6. Embargos de declaração rejeitados (fls. 1.273-1.281). A recorrente alega violação dos arts. 535, II, e 525, I, do CPC. Afirma, preliminarmente, que o Tribunal a quo incorreu em omissão, pois, mesmo interpostos Embargos de Declaração, deixou de se pronunciar sobre questões relevantes à resolução da controvérsia. No mérito, questiona a tempestividade do Agravo de Instrumento julgado na origem, sob o fundamento de que a prova documental acolhida para a aferição do termo inicial do prazo recursal não supre a exigência feita pelo art. 525, I, do CPC: a juntada de cópia da certidão da respectiva intimação. Contra-razões apresentadas às fls. 1.308-1.316. Após o juízo negativo de admissibilidade, deu-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar a subida do Recurso Especial. O e. Ministro Relator Humberto Martins desproveu o presente recurso, nos termos do voto cuja ementa apresenta a seguinte redação: Processual Civil. Ausência de violação do art. 535 do CPC. Agravo de instrumento. Ausência de peça obrigatória. Certidão de intimação da decisão agravada. Intimação pessoal do representante da Fazenda Pública. Ciência inequívoca. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios. 1. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se depreende da leitura do acórdão recorrido, que enfrentou o tema abordado na medida da pretensão deduzida, decidindo de modo integral a controvérsia. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas, tem possibilitado a comprovação da tempestividade recursal por outros meios que não a certidão de intimação do acórdão recorrido. 3. No caso dos autos a tempestividade do recurso foi atestada por meio da manifestação de ciência do Procurador da Fazenda Nacional, conforme se extrai do seguinte trecho do acórdão recorrido: “A intimação da União na hipótese é 254 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA pessoal e dirigida ao Procurador, constando manifestação de ciência datada de 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade” (e-STJ fl. 527). Colhe-se do entendimento exposto que não teria havido violação ao art. 535 do CPC, porquanto a questão supostamente omitida, a saber, a intempestividade do Agravo de Instrumento, foi devidamente enfrentada, tanto no primeiro acórdão, quanto naquele que apreciou os Embargos. Com relação à alegada ofensa ao art. 525, I, do CPC, o e. Ministro Humberto Martins assentou, com base em precedentes desta Corte e no princípio da instrumentalidade das formas, ser admissível a comprovação da tempestividade recursal por outros meios que não a certidão de intimação da decisão recorrida. Dada a complexidade da controvérsia, pedi vista dos autos. É o relatório. Expostas as questões em debate, manifesto-me em relação a cada uma delas. 1. Violação do art. 535 do CPC: ausência de omissão A recorrente aponta ofensa ao art. 535 do CPC, afirmando que o Tribunal Regional Federal, embora provocado, persistiu na omissão quanto ao disposto no art. 525, I, do CPC, especificamente a exigência de que o Agravo de Instrumento seja instruído com cópia da certidão de intimação da decisão agravada. A análise do acórdão recorrido revela que a falta de comprovação da tempestividade recursal, pela ausência da certidão de intimação, foi devidamente apreciada. Confira-se: A agravada suscita, em preliminar, que o agravo é intempestivo e está deficientemente fundamentado em razão da ausência de juntada de certidão de intimação e da data de sua realização, o que inviabiliza a aferição da tempestividade do recurso. Sem razão a peticionária. A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador, constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade (fl. 527). Instado a emitir juízo acerca do mandamento contido no art. 525, I, do CPC, o Tribunal Regional afirmou, no julgamento dos Embargos: RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 255 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Não prospera a pretendida omissão suscitada pela embargante, uma vez que a tempestividade do recurso foi examinada e reconhecida pelo acórdão embargado. Para melhor demonstrar, transcrevo o texto do voto no que interessa ao deslinde desta questão: (...) Como se vê, a pretendida intempestividade não existe, pois não se pode confundir a comunicação dirigida à autoridade apontada como coatora para esclarecer ao Juízo o cumprimento do comando sentencial, com a intimação do representante jurídico do ente estatal, que na hipótese, é pessoal e, como foi indicado no voto, apenas ocorreu em 21 de setembro de 2000, estando o recurso interposto em 04 de outubro de 2000, tempestivo. É desnecessário tecer consideração sobre o inciso I do art. 525 do CPC, pois as cópias dos documentos necessários à aferição da tempestividade do recurso foram acostadas juntamente com a petição inicial, o que é flagrante, dada a própria indicação no voto da página onde foi possível aferir a tempestividade do recurso (fl. 1.274). Verifico que não houve violação ao art. 535, afinal o Tribunal a quo decidiu, integral e motivadamente, a questão jurídica controvertida, inexistindo omissão acerca do que prescreve o art. 525, I, do CPC. Sobre a suposta deficiência na instrução do traslado, cumpre frisar, consta no acórdão recorrido que “as cópias dos documentos necessários à aferição da tempestividade foram acostadas juntamente com a petição inicial”, de modo que não há falar em negativa de prestação jurisdicional. 2. Violação do art. 525, I, do CPC: a interpretação teleológica do dispositivo permite que a comprovação da tempestividade seja realizada por outros elementos, além da certidão de intimação A resolução da controvérsia pressupõe a interpretação do mandamento contido no art. 525, I, do CPC, segundo o qual a petição do Agravo de Instrumento deve ser instruída, obrigatoriamente, “com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado”. O Agravo de Instrumento é um recurso interposto contra decisões interlocutórias, diretamente perante o Tribunal ad quem (arts. 522 e 524 do CPC). Por inaugurar autos distintos dos principais do processo, a lei impõe sejam juntadas as cópias necessárias à compreensão do litígio, à comprovação 256 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA do atendimento dos requisitos de admissibilidade recursal, e à identificação das partes e dos seus advogados. Nesse sentido, a cópia da certidão da intimação da decisão recorrida é exigida com a finalidade de possibilitar a análise da tempestividade recursal. No presente caso, o Tribunal Regional, examinando as cópias que instruem o Agravo, identificou o momento em que se deu a intimação pessoal do representante da União, refutando a alegação de intempestividade (fl. 527). Em outros termos, o órgão julgador entendeu que o traslado foi devidamente composto com todas as peças obrigatórias exigidas pelo CPC. A exigência irrestrita de juntada da cópia da certidão da respectiva intimação privilegia a interpretação literal do inciso I do art. 525, em detrimento da interpretação teleológica do dispositivo. Isso porque, vale ressaltar, “A certidão da intimação da decisão serve para aferição da tempestividade do recurso” (Luiz Guilherme Marinoni, Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 538). Portanto, se o Tribunal puder verif icar, por outros elementos acostados, a tempestividade, é possível dispensar a certidão de intimação. Este é o entendimento da jurisprudência do STJ. Por todos: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ausência de peça obrigatória. Certidão de intimação da decisão agravada. Comparecimento espontâneo. Ciência inequívoca. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios. 1. A retirada dos autos do cartório por procurador enseja a ciência inequívoca da parte, começando aí a contagem do prazo para recurso. 2. A jurisprudência do STJ releva a ausência de peça obrigatória à formação do agravo de instrumento quando se tratar da certidão de intimação de decisão agravada, caso seja possível aferir a tempestividade do recurso por outros meios. 3. Agravo regimental provido. (AgRg no Ag n. 1.314.771-DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 17.02.2011, DJe 25.02.2011). Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Deficiência na fundamentação. Súmula n. 284-STF. Agravo de instrumento. Certidão de intimação da decisão agravada. Possibilidade da aferição da tempestividade por meio diverso. Princípio da instrumentalidade das formas. Aplicação. Habilitação de sucessores na fase de execução. Ausência de prejuízo. Fundamento não impugnado. Súmula n. 283-STF. Divergência jurisprudencial. Não-comprovação. Descumprimento dos requisitos legais. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 257 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula n. 284-STF. 2. Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão de intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a comprovar a tempestividade do Agravo de Instrumento. Precedentes do STJ. 3. In casu, a Corte de origem considerou que o Agravo de Instrumento está corretamente instruído, porquanto, apesar da falta da certidão de intimação da decisão agravada, é aferível a tempestividade do recurso por outro meio, uma vez que a intimação da parte autora se deu pela aposição de ciência da decisão agravada pelo patrono dos ora recorridos. (...) 6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.246.173-PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24.05.2011, DJe 30.05.2011). É oportuno destacar que, no precedente da Segunda Turma acima citado, AgRg no REsp n. 1.246.173-PE, de minha relatoria, decidiu-se que a falta da certidão de intimação poderia ser suprida por outro instrumento hábil, inclusive pela aposição de ciência da decisão agravada pelo advogado da parte, que é justamente a hipótese do presente feito. No caso em tela, o Tribunal Regional Federal reconheceu que a intimação pessoal do Procurador da Fazenda Nacional efetivou-se pela manifestação de ciência, datada de 21 de setembro de 2000 (fl. 294). A decisão agravada foi proferida em 06 de setembro de 2000, tendo determinado apenas a notificação da autoridade coatora para restabelecer o registro especial pleiteado pela impetrante, nos seguintes termos: Decisão: Fls. 491-53: Intime-se o Coordenador-Geral do Sistema de Fiscalização da Receita Federal para restabelecer o registro especial concedido à impetrante (...). Está atendida a condição estabelecida no Item n. 02 da decisão de fl. 490 porque foi revogada a apreensão de parte das máquinas (termo de intimação - fls. 5212). Cumprida a exigência prevista no art. 175 do RIPI/83 (possuir a empresa instalações adequadas ao tipo de atividade), não se justifica o cancelamento do registro. 2. Publique-se. Logo após, arquivem-se os autos com baixa na distribuição (fl. 284 - grifos no original). 258 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA A certidão de fl. 292 atesta que foi intimada no dia 08 de setembro de 2000 a autoridade apontada como coatora, que, por sua vez, expediu ofício, no dia 20 de setembro de 2000, cientificando o Procurador-Chefe da Fazenda Nacional do Distrito Federal do teor da decisão, além de solicitar urgência no emprego das providências cabíveis (fl. 32). A formalização da intimação do Procurador da Fazenda Nacional, como visto, é datada, justamente, no dia seguinte ao do aludido ofício, ou seja, 21 de setembro de 2000 (fl. 294). Interpôs-se o Agravo de Instrumento em 04 de outubro de 2000 (fl. 02), antes do término do prazo, que se encerraria no dia 11 de outubro de 2000, a contar da manifestação em que se deu por intimado, sem a qual não havia sequer sido fixado o termo inicial para recorrer. Diante desse contexto, é razoável concluir que o protocolo da intimação da Procuradoria ocorreu, de fato, em 21 de setembro de 2000, um dia após a comunicação feita pela autoridade coatora, fato, aliás, atestado pelo Tribunal Regional Federal, a quem compete a delimitação do contexto fático-probatório. Ademais, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com a finalidade de esclarecer esta questão, apresentou cópia do documento de fl. 537 dos autos originais, o qual serviu de referência para o Tribunal Regional Federal identificar o instante da formalização da intimação pessoal do órgão, possibilitando ver, claramente, ao contrário do registro eletrônico e digitalizado constante no sistema do STJ, que a data do protocolo foi, de fato, 21 de setembro de 2000. No que tange à necessidade de intimação pessoal do representante judicial da União, prevalece o disposto na LC n. 73/1993, que determina, expressamente, que as citações e intimações deste ente sejam realizadas, nas causas em que interessado, nas pessoas apontadas nos arts. 35 e 38, verbis: Art. 35. A União é citada nas causas em que seja interessada, na condição de autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, na pessoa: I - do Advogado-Geral da União, privativamente, nas hipóteses de competência do Supremo Tribunal Federal; II - do Procurador-Geral da União, nas hipóteses de competência dos Tribunais Superiores; III - do Procurador-Regional da União, nas hipóteses de competência dos demais Tribunais; IV - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da União, nas hipóteses de competência dos juízos de primeiro grau. Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 259 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tal orientação é confirmada pela jurisprudência desta Corte: Processual Civil. Mandado de segurança. Decisão concessiva liminar. Intimação pessoal do representante da Fazenda Pública. Lei Complementar n. 73/1993. Imprescindibilidade. 1. A autoridade coatora, no mandado de segurança, é notificada para prestar as informações necessárias ao deferimento ou indeferimento da liminar pleiteada. Indeferido o pedido de liminar, o rito mandamental prossegue normalmente com a oitiva do Ministério Público como custos legis, mas sem a intervenção do procurador da Fazenda até ser proferida a sentença concessiva ou denegatória da segurança. 2. Por outro lado, deferida a tutela in limine litis, contra esta decisão é cabível agravo de instrumento, cuja legitimidade para a interposição do recurso é do procurador da Fazenda, nos casos em que a autoridade coatora for o Delegado da Receita Federal ou o próprio Ministro da Fazenda. 3. Subtrair a possibilidade de interpor agravo de instrumento contra a decisão que concede ou denega a liminar em mandado de segurança, ressoa incompatível com os cânones da ampla defesa e do devido processo legal; cláusulas albergadas pela Constituição Federal. 4. A Lei do Mandado de Segurança admite integração do CPC na parte em que não há incompatibilidade com a lex specialis. 5. Há nítida distinção entre o prazo para prestar informações e o prazo para recorrer, este último regulado pelo Código de Processo Civil, tanto mais que da sentença do mandamus cabe apelação e da decisão interlocutória de urgência, o agravo. Em ambos os casos, por força da LC n. 73/1993 e 6º da Lei n. 9.028/1995, o termo a quo do prazo recursal pressupõe a intimação do representante da Fazenda não eliminada pela exegese do art. 3.º da Lei n. 4.348/1964, porquanto diploma anterior às leis retrocitadas. 6. É assente na jurisprudência que “A lei do mandado de segurança (Lei n. 1.533/1951, art. 7ª, I), em reforço da celeridade - uma das tônicas do instituto rompeu com a sistemática anterior (Lei n. 191/1936, art. 8º, § 1º, e CPC, art. 332, II). Basta, assim, que se ‘notifique’ o órgão coator. O órgão não ‘representa’ a pessoa jurídica. Ele é ‘fragmento’ dela (Otto von Gierke). Desse modo, não se pode falar em ‘litisconsórcio necessário’ entre órgão (autoridade coatora) e a pessoa jurídica (ré)” (REsp n. 29.582, Sexta Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 27.09.1993). Ora, não havendo litisconsórcio, tem-se que a parte é a entidade pública a que pertence a autoridade coatora, de regra, carente de legitimatio ad processum, tese que reforça a necessidade de intimação da pessoa de direito público para recorrer, máxime à luz da novel Carta Federal que privilegia sob a fórmula pétrea a ampla defesa, o contraditório e o due process of law. 260 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA 7. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é remansosa no sentido de que o recurso cabível contra decisão que defere ou indefere liminar em mandado de segurança é o agravo de instrumento, em face da nova sistemática introduzida pela Lei n. 9.139/1995, a qual alterou os arts. 527, II, e 588, do CPC. Precedentes das 1ª, 2ª, 3ª, 5ª e 6ª Turmas desta Corte” (REsp n. 426.439, Rel. Min. José Delgado, DJ de 09.09.2002). 8. A disciplina da Lei n. 4.348/1964 colide com o art. 131 da Carta Federal, que determina que a organização e funcionamento da Advocacia Geral da União é regulada por Lei Complementar. 9. Consectariamente, é aplicável o comando do art. 38 da LC n. 73/1993, que determina que as intimações e notificações dos Procuradores da Fazenda Nacional devem ser feitas pessoalmente (Precedentes: REsp n. 882.857-SP, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 17.11.2006; REsp n. 881.781-MG, Rel. Min. Humberto Martins, DJU de 30.10.2006; e REsp n. 285.806-PR, Segunda Turma, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 1º.09.2003). 10. Recurso especial provido. (REsp n. 776.667-SE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.03.2007, DJ 26.04.2007, p. 219). Processual Civil. Recurso especial. Mandado de segurança. Concessão. Necessidade de intimação pessoal do representante judicial da União. Reexame necessário. Prevalência do duplo grau de jurisdição. 1. O Tribunal de origem não conheceu da apelação por entender que o prazo para a interposição de recurso contar-se-ia da intimação da autoridade coatora e por aplicar à espécie o § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil no concernente ao reexame necessário de sentença concessiva de mandado de segurança. 2. A necessidade de intimação pessoal das liminares concedidas em sede de mandado de segurança, o que reforça a imperatividade da intimação da sentença, é confirmada na redação dada pela Medida Provisória n. 2.180/2001 ao § 4º, do art. 1º, da Lei n. 8.437/1992, que determina: “Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será imediatamente intimado”. Precedentes: REsp n. 833.394-SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 23.04.2007; REsp n. 883.830-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27.02.2007, DJ 09.03.2007; REsp n. 601.251-CE, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 19.10.2004, DJ 04.04.2005; REsp n. 285.806-PR, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 10.06.2003, DJ 1º.09.2003. 3. “É inaplicável ao mandado de segurança o § 2º do art. 475 do CPC, inserido pela Lei n. 10.352/2001, pois a regra especial, contida no art. 12, parágrafo único, da Lei n. 1.533/1951, prevalece sobre a disciplina genérica do Código de Processo Civil (art. 2º, § 2º, da LICC)”. (REsp n. 788.847-MT, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 261 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Calmon, DJ de 05.06.2006, p. 279). Precedentes: REsp n. 833.394-SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 23.04.2007; REsp n. 604.050-SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24.05.2005, DJ 1º.07.2005; REsp n. 655.958-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 09.11.2004, DJ 14.02.2005. 4. Impõe-se a reforma do aresto recorrido com a determinação do retorno dos autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga o julgamento da apelação e proceda ao reexame necessário da sentença. 5. Recurso especial provido. (REsp n. 869.169-SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.08.2008, DJe 16.09.2008). Com efeito, não se pode confundir a notificação da autoridade coatora para prestar informações com a necessidade de intimação pessoal do representante judicial da pessoa jurídica, cuja competência foi atribuída constitucionalmente à Advocacia-Geral da União (art. 131 da Constituição da República), segundo a disciplina da LC n. 73/1993. Desse modo, o prazo para recurso apenas se inicia a partir deste último ato processual, e não da simples ciência daquela autoridade. À época da interposição do Agravo de Instrumento, tanto o Superior Tribunal de Justiça, como os Tribunais Regionais Federais já possuíam precedentes que adotavam a mesma orientação acolhida pela Relatora do acórdão recorrido, no sentido da obrigatoriedade da intimação pessoal do representante judicial da União. Encontra-se, até mesmo, posição em favor da atribuição de efeitos de intimação pessoal, equivalente à realizada por oficial de justiça, à intervenção pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional, que, antecipando-se à providência judicial, dá-se por intimada. Logicamente, nessa hipótese, o prazo para a interposição do recurso tem, como termo inicial, o momento em que o advogado público comparece aos autos, haja vista a precedência deste ato à intimação por mandado. Confira-se: Processual Civil. Mandado de segurança. Procurador do Estado. Intimação via imprensa, e não pessoalmente. Recurso especial interposto fora do prazo legal. Recurso não conhecido. I - Ao contrario do advogado da União, do procurador da Fazenda Nacional (art. 38 da Lei Complementar n. 73/1993), do defensor publico (art. 44 da Lei Complementar n. 80/1994), e do Ministerio Publico (art. 41 da Lei n. 8.625/1993), o procurador do Estado, do Distrito Federal e do municipio, salvo excecões previstas em lei (verbi gratia, art. 25 da Lei n. 6.830/1980), não fazem jus ao beneficio da intimação pessoal, sendo válida a intimação efetuada via imprensa. 262 Jurisprudência da SEGUNDA TURMA II - Recurso especial não conhecido por ser intempestivo. (REsp n. 78.175-PE, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 24.04.1997, DJ 1º.09.1997, p. 40.796). Ementa: Agravo de instrumento. Apelação em mandado de segurança. LC n. 73/1993. Art. 38. Intimação pessoal do Advogado da União e do Procurador da Fazenda Nacional. A autoridade impetrada representa a União até o momento de prestar as informações que instruem o mandado de segurança. Com a prolação da sentença, deve a Procuradoria da União ser pessoalmente intimada acerca dos atos processuais que carecem de conhecimentos técnico-jurídicos. O prazo para a interposição do recurso inicia-se com a intervenção pessoal do Procurador da Fazenda Nacional, sendo a exigência suprida no momento em que o Procurador assinou o livro de carga para a retirada dos autos (TRF4, Ag n. 1998.04.01.0203907, Segunda Turma, Relator Vilson Darós, DJ 06.09.2000). Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Intimação pessoal do Procurador da Fazenda Nacional. Necessidade. Lei Complementar n. 73/1993 e Lei n. 9.028/1995. 1. Nas causas de natureza fiscal, a representação judicial da União compete à Procuradoria da Fazenda Nacional. 2. O procurador da Fazenda Nacional tem a prerrogativa de intimação pessoal, nos termos do artigo 6º da Lei n. 9.028/1995. 3. Agravo de instrumento provido. (TRF3, Ag n. 96.03.040396-2, Sexta Turma, Relatora Mairan Maia, Julgamento: 09.08.2000). Ressalto, a propósito, a existência de precedente da Segunda Turma, REsp n. 844.793-MG, Rel. Ministro Castro Meira, no qual se fez a distinção entre o momento da ciência da autoridade coatora e o da intimação do representante judicial da União: Processual Civil. Artigos 458 e 535 do CPC. Intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública. Mandado de segurança. Apelação. Obrigatoriedade. 1. Analisadas pela Corte a quo todas as questões relevantes postas em julgamento de maneira adequada e suficiente ao deslinde do litígio, rechaçase as prefaciais de nulidade do acórdão recorrido e de negativa de prestação jurisdicional. RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011 263 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. Consoante disposto nos artigos 38 da Lei Complementar n. 73/1993 e 6º da Lei n. 9.028/1995 revela-se imperativa a intimação pessoal do Procurador da Fazenda Nacional, nas ações em que seja interessada, autora, assistente, recorrente ou recorrida, não sendo bastante a ciência da sentença a quo concessiva da ordem pela autoridade impetrada. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 844.793-MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 17.08.2006, DJ 29.08.2006, p. 157). No presente caso, o ato processual acolhido como termo inicial do prazo recursal foi a intimação do próprio representante judicial, de modo que não há contrariedade ao entendimento deste órgão julgador. Reconhecido o valor legal da prova – ou seja, que a tempestividade do Agravo de Instrumento pode ser aferida por outro elemento, além da certidão de intimação, bem como que a manifestação de ciência pessoal nos autos, pelo representante judicial, é meio idôneo a tanto – o afastamento da conclusão do Tribunal a quo exigiria o revolvimento fático-probatório, procedimento vedado a este Tribunal Superior, nos termos da Súmula n. 7-STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Em síntese: a intimação pessoal do representante judicial da União pode ser suprida por sua intervenção espontânea, registrada nos autos, na hipótese em que ele antecipa-se à providência judicial, manifestando conhecimento do teor da decisão, contando-se, a partir daquele ato, por óbvio, o prazo recursal. Se, nos termos da Lei Complementar n. 73/1993, o representante da Fazenda Pública deve ser intimado pessoalmente e, não obstante essa garantia, abre mão da intimação por oficial de justiça, é dessa data que corre o prazo para a interposição de recurso. Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial. É como voto. 264 Segunda Seção CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 114.952-SP (2010/0211320-6) Relator: Ministro Raul Araújo Suscitante: Pantanal Linhas Aéreas S/A - em recuperação judicial Advogado: Anie Carvalho Ferreira da Silva Casaroli e outro(s) Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP Suscitado: Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP Interessado: Fernando Antônio Simão - espólio Advogado: Tomás Alexandre da Cunha Binotti Interessado: Pantanal Linhas Aéreas S/A - em recuperação judicial EMENTA Conflito de competência. Recuperação judicial. Crédito sujeito à recuperação. Crédito líquido. Não inclusão no plano. Habilitação. Faculdade. Impossibilidade de prosseguimento da execução individual durante o trâmite da recuperação. 1. Nos termos do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. 2. Se o crédito é ilíquido, a ação deve prosseguir no Juízo trabalhista até a apuração do respectivo valor (art. 6º, § 2º, da Lei n. 11.101/2005). Porém, se o crédito já foi apurado, pode ser habilitado na recuperação judicial. 3. Nos termos do art. 10 da Lei n. 11.101/2005, o crédito líquido não habilitado no prazo de quinze dias após a publicação do edital será recebido na recuperação na condição de habilitação retardatária, sendo da competência do Juízo da Recuperação estabelecer a forma como será satisfeito, sob pena de não ser adimplido durante o trâmite da recuperação, mas somente após seu encerramento, já que as execuções individuais permanecem suspensas. 4. A habilitação é providência que cabe ao credor, mas a este não se impõe. Caso decida aguardar o término da recuperação para prosseguir na busca individual de seu crédito, é direito que lhe assegura REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a lei. Porém, admitir que alguns credores que não atenderam ou não puderam atender o prazo para habilitação de créditos submetidos à recuperação (arts. 7º, § 1º, e 52, § 1º, III, da LF) prossigam com suas execuções individuais ofende a própria lógica do sistema legal aplicável. Importaria em conferir melhor tratamento aos credores não habilitados, além de significar a inviabilidade do plano de reorganização na medida em que parte do patrimônio da sociedade recuperanda poderia ser alienado nas referidas execuções, implicando, assim, a ruptura da indivisibilidade do juízo universal da recuperação e o desatendimento do princípio da preservação da empresa (art. 47 da LF), reitor da recuperação judicial. 5. Conflito conhecido, em face da impossibilidade de dois diferentes juízos decidirem acerca do destino de bens pertencentes à empresa sob recuperação, para declarar a competência do Juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP. ACÓRDÃO Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, e o voto dos Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Luis Felipe Salomão, no mesmo sentido, a Segunda Seção, por unanimidade, decide conhecer do conflito de competência e declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São PauloSP, o primeiro suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Massami Uyeda (art. 162, § 2º, RISTJ). Brasília (DF), 14 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Raul Araújo, Relator DJe 26.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de conflito positivo de competência, com pedido de liminar, suscitado por Pantanal Linhas Aéreas S/A - em recuperação 268 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO judicial, em face do Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP e do Juízo de Direito da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP. Diz a suscitante que em 15.01.2009 foi deferido seu pedido de processamento de recuperação judicial (fl. 25), com a posterior aprovação e homologação do plano. Apesar disso, o Juízo da 54ª Vara do Trabalho, mesmo cientificado desses fatos, teria determinado o bloqueio de valores em conta, nos autos da execução trabalhista movida pelo Espólio de Fernando Antônio Simão, interferindo na competência do Juízo da Recuperação (fl. 41). Requereu fosse deferida liminar para determinar o sobrestamento da execução em trâmite no juízo trabalhista suscitado, bem como para anular os atos constritivos efetivados, com a imediata liberação dos valores bloqueados. A liminar foi parcialmente deferida tão somente para determinar o sobrestamento da execução manejada pelo Espólio de Fernando Antônio Simão, em curso no Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo (fl. 64). Vieram as informações do Juízo da Recuperação que esclareceu, verbis: Num exame feito por este Juízo neste momento, da relação de credores apresentada pelo administrador judicial, não se verifica a indicação do crédito de Fernando Antonio Simão - Espólio, lembrando-se que só estará obrigado a se submeter aos seus efeitos caso seu crédito tenha sido constituído anteriormente a seu ajuizamento (fls. 77-78). O Juízo da 54ª Vara do Trabalho deixou de prestar informações, apesar da reiteração do ofício enviado (certidão de fl. 86). A Subprocuradoria-Geral da República opina pela competência da Justiça especializada, em parecer assim sintetizado: Conflito de competência. Justiça Comum Estadual e Justiça do Trabalho. Recuperação judicial. Execução trabalhista. Respectivo crédito não incluído no plano de recuperação. Não sujeição à competência do juízo da recuperação. Pela competência do Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP (fl. 83). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Nos termos do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 269 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA data do pedido, ainda que não vencidos. Assim, todas as obrigações assumidas antes da data do pedido de processamento da recuperação a ela se submeterão, com exceção das ressalvas constantes da própria lei (art. 49, §§ 3º e 4º, dentre outras). Para se encontrar qual a data do pedido de recuperação judicial, é necessário se socorrer do art. 263 do Código de Processo Civil, que estabelece que se considera proposta a ação na data da distribuição quando houver mais de uma vara competente para seu conhecimento na mesma comarca. No caso dos autos, em que há mais de uma vara competente na mesma comarca, o pedido de recuperação judicial da suscitante foi distribuído em 18 de dezembro de 2008 (consulta ao sítio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), devendo ser esta a data considerada para verificação da submissão dos créditos aos efeitos da recuperação judicial. A reclamação trabalhista em epígrafe foi proposta em 1999 (Processo n. 2.715/1999), sendo julgada parcialmente procedente em 06.06.2000 (consulta ao andamento do processo no sítio do Tribunal Regional Federal da 2ª Região), estando o crédito, portanto, submetido à recuperação judicial. Como se vê na decisão que determina a constrição dos saldos bancários da suscitante, e na consulta ao andamento processual, a reclamação ajuizada por Fernando Antônio Simão está em fase de execução, havendo, portanto, crédito líquido sendo exigido da sociedade recuperanda (fl. 41). Nesse contexto, nos termos do art. 10 da Lei n. 11.101/2005, o crédito líquido não habilitado no prazo de quinze dias após a publicação do edital previsto no art. 52 da LF será recebido na recuperação na condição de habilitação retardatária, sendo da competência do Juízo da Recuperação estabelecer a forma como será satisfeito, sob pena de não ser adimplido durante o trâmite da recuperação, mas somente após seu encerramento, já que as execuções individuais permanecem suspensas. Cumpre lembrar que “Se o nome do credor constar da relação publicada no edital, não há necessidade de habilitação; se não constar, o credor estará alertado para o prazo de habilitação, nos termos do art. 7º, § 1º, devendo, portanto, providenciar a habilitação de seu crédito.” (Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Coordenadores: Osmar Brina CorrêaLima e Sérgio Mourão Corrêa-Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 379). Nesse sentido: 270 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Processual Civil. Conflito positivo de competência. Juízo de Direito e Juizado Especial Cível. Processo de recuperação judicial (Lei n. 11.101/2005). Ação de indenização. Danos morais. Valor da condenação. Crédito apurado. Habilitação. Alienação de ativos e pagamentos de credores. Competência do Juízo da Recuperação Judicial. Precedentes do STJ. 1. Com a edição da Lei n. 11.101/2005, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. 2. Após a apuração do montante devido, processar-se-á no juízo da recuperação judicial a correspondente habilitação, sob pena de violação dos princípios da indivisibilidade e da universalidade, além de desobediência ao comando prescrito no art. 47 da Lei n. 11.101/2005. 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro (RJ). (CC n. 90.160-RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado em 27.05.2009, DJe de 05.06.2009). Confira-se, também, lição de Fábio Ulhoa Coelho, verbis: Suspendem-se as execuções individuais contra o empresário individual ou sociedade empresária que requereu a recuperação judicial para que eles tenham o fôlego necessário para atingir o objetivo pretendido da reorganização da empresa. A recuperação judicial não é execução concursal e, por isso, não se sobrepõe às execuções individuais em curso. A suspensão, aqui, tem fundamento diferente. Se as execuções continuassem, o devedor poderia ver frustrados os objetivos da recuperação judicial, em prejuízo, em última análise, da comunhão dos credores (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 38-39). Vale ressaltar que ainda que já tenha sido homologado o quadro geral de credores, a Lei n. 11.101/2005 prevê a habilitação dos créditos submetidos à recuperação (ação ordinária). Confira-se a redação do art. 10, § 6º, da Lei de Recuperações e Falências, verbis: Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias. (...) § 6º - Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitarem seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 271 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito. Confira-se a lição de Manoel Justino Bezerra Filho, verbis: Sem embargo, a rigor, a Lei não estabelece limite temporal para a habilitação retardatária, de tal forma que, em tese, até o momento da extinção da recuperação (art. 63) ou da extinção das obrigações na falência (art. 159), é possível receber habilitações (como habilitação ou como resultado de julgamento em ação de rito ordinário), as quais serão normalmente processadas, para fins de inclusão no quadro-geral de credores, na categoria que a lei reserva para aquele crédito. Tanto é assim que o próprio § 6º menciona a possibilidade de ajuizamento de ação ordinária para tal fim, sem limitação temporal (Lei de Recuperação de Empresas e Falências Comentada - Lei n. 11.101/2005 - Comentário artigo por artigo. 5ª ed. São Paulo: RT, 2008). Como se vê, a habilitação é providência que cabe ao credor, mas a este não se impõe. Caso decida aguardar o término da recuperação para prosseguir na busca individual de seu crédito, é direito que se lhe assegura (salvo se a recuperação judicial for convolada em falência). Porém, admitir que alguns credores que não atenderam ao prazo para habilitação de créditos submetidos à recuperação (arts. 7º, § 1º, e 52, § 1º, III, da LRF) prossigam com suas execuções individuais ofende a própria lógica do sistema legal aplicável, pois importaria em conferir melhor tratamento aos credores não habilitados. Não é por outra razão que o caput do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 fala em suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, e não somente em suspensão das execuções cujos créditos estão mencionados na relação de credores. Também o art. 49 da LRF estabelece que todos os créditos existentes na data do pedido se submetem à recuperação, e não somente aqueles constantes da relação de credores. Fosse assim, o credor que tivesse a “sorte” de não estar incluído na relação nominal de credores (art. 52, § 1º, II, da LRF), poderia optar por não habilitar seu crédito e, assim, prosseguir com sua execução individual, enquanto os mencionados na relação elaborada pelo administrador judicial teriam de renegociar seus créditos, se submetendo aos prazos da recuperação. Essa situação, além de criar privilégios entre credores titulares de créditos semelhantes, poderia implicar também a própria inviabilidade do plano de 272 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO reorganização, na medida em que parte do patrimônio da sociedade recuperanda poderia ser alienada nas referidas execuções, com dois juízos decidindo acerca do destino do mesmo patrimônio. A propósito: Conflito de competência. 1. Conflito e recurso. A regra mais elementar em matéria de competência recursal é a de que as decisões de um juiz de 1º grau só podem ser reformadas pelo tribunal a que está vinculado; o conflito de competência não pode ser provocado com a finalidade de produzir, per saltum, o efeito que só o recurso próprio alcançaria, porque a jurisdição sobre o mérito é prestada por instâncias (ordinárias: juiz e tribunal; extraordinárias: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). 2. Lei de Recuperação Judicial (Lei n. 11.101, de 2005). A Lei n. 11.101, de 2005, não teria operacionalidade alguma se sua aplicação pudesse ser partilhada por juízes de direito e juízes do trabalho; competência constitucional (CF, art. 114, incs. I a VIII) e competência legal (CF, art. 114, inc. IX) da Justiça do Trabalho. Conflito conhecido e provido para declarar competente o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. (CC n. 61.272-RJ, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, julgado em 25.04.2007, DJ de 25.06.2007, p. 213). Assim, não seria observado o princípio da conservação da empresa, reitor da recuperação judicial, bem como o princípio da universalidade e unicidade do juízo da recuperação, que assim é definido por Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro, ao comentar o art. 3º da Lei n. 11.101/2005, verbis: O juízo universal da recuperação judicial está vinculado aos princípios da universalidade e da unidade. Uma vez concedida, será aberto um leque de procedimentos que estarão sujeitos a uma direção única. O principio da unidade tem por finalidade a eficiência do processo, evitar repetições de atos e contradições. Seria inviável mais de uma recuperação, por isso a exigência da lei de um único processo para o mesmo devedor. O principio da universalidade está na previsão de um só juízo para todas as medidas judiciais, todos os atos relativos ao devedor empresário. Todas as ações e processos estarão na competência do juízo da recuperação (...) (in Curso Avançado de Direito Comercial - 3ª edição - RT - 2006, p. 462). Nesse contexto, os valores constritos na execução em epígrafe devem ser colocados à disposição do Juízo de Direito onde se processa o plano de reabilitação da empresa, devendo ser expedida certidão pela Justiça especializada para que o credor, caso tenha interesse, possa habilitar seu crédito na recuperação. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 273 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ante o exposto, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP. VOTO-VISTA A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de conflito positivo de competência em que é suscitante Pantanal Linhas Aéreas S.A., em recuperação judicial, e suscitados o Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP e o Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP, porque, não obstante homologado pela Justiça Comum o plano de recuperação judicial da suscitante, o Juízo Laboral teria dado continuidade à prática de atos de execução. Ação: reclamação trabalhista, ajuizada pelo espólio de Fernando Antônio Simão em desfavor da suscitante, julgada procedente pela Justiça Laboral, resultando na homologação de um crédito de R$ 2.817,29 a favor do reclamante. Recuperação judicial: em 25.09.2009 o Juízo Estadual homologou plano de recuperação judicial apresentado pela suscitante (fls. 39-40, e-STJ). Execução: a despeito de a suscitante ter informando sobre a homologação do seu plano de recuperação judicial (fls. 30-37, e-STJ), a Justiça do Trabalho prosseguiu com a execução do crédito, sob o argumento de que “o art. 6º, caput, da Lei n. 11.101/2005 é expresso ao definir que o curso das ações fica suspenso a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial. No § 4º do mencionado artigo, está definido que a suspensão jamais excederá 180 dias. (...) a ré teve deferido o processamento da recuperação judicial em 13.01.2008, de forma que o prazo de 180 dias acima mencionado expirou em 11.07.2008, possibilitando assim a continuidade do processo de execução” (fl. 43, e-STJ). Voto do Relator: conhece do conflito para declarar competente o Juízo da Recuperação Judicial, ressalvando que, mesmo não incluído no rol de credores ou não se habilitando no prazo de 15 dias previsto no art. 10 da Lei n. 11.101/2005, pode o credor se habilitar de forma retardatária. Revisados os fatos, decido. Cinge-se a lide a determinar a existência de conflito positivo de competência na realização, pela Justiça do Trabalho, de atos de execução, após a Justiça Comum ter deferido o processamento de recuperação judicial da empresa reclamada. 274 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO O STJ possui entendimento assente no sentido de que, uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, é do Juízo cível respectivo a competência para tomar todas as medidas de constrição e de venda de bens integrantes do patrimônio da empresa, sujeitos ao plano de recuperação. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: CC n. 103.025-SP, 2ª Seção, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 05.11.2009; CC n. 100.922-SP, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 26.06.2009; CC n. 88.661-SP, 2ª Seção, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 28.05.2008); e CC n. 61.272-RJ, 2ª Seção, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 25.06.2007. O Juízo laboral houve por bem determinar o prosseguimento da execução afirmando ter decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2002. Ocorre que o prazo previsto no mencionado dispositivo legal referese apenas ao período de processamento do pedido de recuperação judicial, conforme se infere do próprio caput da norma. Com a aprovação do plano, há novação de todos os créditos nele contemplados, nos termos do art. 59, caput, da Lei n. 11.101/2005, de sorte que não se pode cogitar do restabelecimento das execuções trabalhistas. De acordo com o art. 62 da Lei n. 11.101/2005, após a concessão da recuperação judicial, eventual execução específica somente poderá ser requerida pelos credores em caso de descumprimento do plano e após o prazo de 02 anos previsto no art. 61 da Lei n. 11.101/2005. Essa questão, aliás, já foi objeto de apreciação pelo STJ, no julgamento do AgRg no CC n. 110.250-DF, 2ª Seção, minha relatoria, DJe de 16.09.2010, tendo ficado decidido que “superado o prazo de suspensão sem que tenha havido a aprovação do plano de recuperação, devem as ações e execuções individuais retomar o seu curso, até que seja aprovado o plano ou decretada a falência da empresa” (sem destaques no original). Na hipótese específica dos autos, o plano de recuperação foi homologado em 25.09.2009 (fls. 39-40, e-STJ), enquanto a determinação de prosseguimento da execução trabalhista se deu quase 06 meses depois, em 19.03.2010, invadindo, pois, a esfera de competência da Justiça Cível. Não bastasse isso, e como bem ressalvou o i. Min. Relator, pouco importa o fato do crédito executado não ter sido incluído no rol de credores. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 275 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Conforme salientei no julgamento do CC n. 117.407-SP, “a Lei de Recuperações Judiciais e Falências é diploma que contém regras de ordem pública, inderrogáveis pela simples vontade das partes, não sendo possível ao devedor excluir um credor que, por imposição legal, deva obrigatoriamente ser abrangido pelo plano. Da mesma forma, não é dado ao credor indevidamente excluído do plano optar por executar individualmente o devedor, agindo paralelamente à recuperação judicial”. Com efeito, a exegese lógico-sistemática da Lei n. 11.101/2005 permite inferir que os créditos trabalhistas devem necessariamente estar contidos no plano de recuperação judicial. O teor de vários dos seus dispositivos – notadamente os arts. 26, I (inclui os credores trabalhistas como classe específica integrante do comitê de credores), 37 § 5º (autoriza os sindicatos de trabalhadores a representar seus associados na assembleia-geral de credores), 41 (relaciona os credores trabalhistas como uma das classes a compor a assembleiageral de credores), 51, IX (exige que a petição inicial do pedido de recuperação seja instruída com a relação de todas as reclamações trabalhistas nas quais figure o devedor) e 54 (fixa o prazo máximo de um ano para que o plano de recuperação judicial programe o pagamento de créditos derivados da legislação do trabalho vencidos até a data do pedido) – evidencia a importância dos créditos de natureza trabalhista e a especial proteção a eles conferida, do que só pode resultar a indispensabilidade de que sejam incluídos no plano de recuperação judicial. Sérgio Campinho bem anota que, afora as exclusões expressamente apontadas na própria Lei n. 11.101/2005 – da qual não fazem parte os créditos trabalhistas – “encontram-se sujeitos à recuperação judicial todos os demais créditos existentes na data do pedido, vencidos e vincendos” (Falência e recuperação de empresa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 144). Por outro lado, para a hipótese eventual de exclusão indevida de um credor, o art. 7º e seguintes da Lei n. 11.101/2005 facultam a apresentação de impugnações e/ou habilitações, podendo essa última ser inclusive retardatária, sempre com vistas à preservação de créditos que devam necessariamente ser incluídos no plano de recuperação. Assim, o fato de o reclamante Fernando Antônio Simão não constar do rol de credores homologado pelo Juízo da Recuperação não autoriza o Juízo do Trabalho a realizar atos executórios objetivando a satisfação de crédito passível de habilitação – ainda que de forma retardatária – na recuperação judicial. 276 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Ao assim proceder, o Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP invadiu a esfera de competência do Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP. Forte nessas razões, acompanho na íntegra o voto do i. Min. Relator, para reconhecer a existência de conflito positivo e declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP. RECURSO ESPECIAL N. 1.117.614-PR (2009/0068833-5) Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti Recorrente: Altair Luiz Ehrlich Advogado: Júlio Cesar Dalmolin e outro(s) Recorrido: Banco do Brasil S/A Advogado: Fernando Alves de Pinho e outro(s) Interessada: Federação Brasileira de Bancos Febraban - “amicus curiae” Advogado: Luiz Rodrigues Wambier e outro(s) EMENTA Processual Civil. Recurso especial. Ação de prestação de contas. Prazo decadencial. Art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. Não incidência. Recurso representativo da controvérsia. 1. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre o prazo decadencial para a reclamação por vícios em produtos ou serviços prestados ao consumidor, não sendo aplicável à ação de prestação de contas ajuizada pelo correntista com o escopo de obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos bancários. 2. Julgamento afetado à Segunda Seção com base no procedimento estabelecido pela Lei n. 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos) e pela Resolução-STJ n. 8/2008. 3. Recurso especial provido. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 277 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, a Seção, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha, que negava provimento ao recurso especial. Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, o prazo de decadência do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à ação de prestação de contas ajuizada com o escopo de se obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos bancários. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora. A Sra. Ministra Nancy Andrighi já havia votado com a Sra. Ministra Relatora. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (art. 162, § 2º, RISTJ). Afirmou suspeição o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 10 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora DJe 10.10.2011 RELATÓRIO A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Cuida-se de recurso especial interposto por Altair Luiz Ehrlich contra o acórdão de fls. 190-214, integrado por aquele juntado às fls. 226-233, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos: Apelação cível. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Preliminares de não-conhecimento do recurso, de ilegitimidade passiva ad causam, de impossibilidade jurídica do pedido e de ausência de interesse de agir afastadas. Direito pessoal do correntista em promover a ação de prestação de contas. Prescrição vintenária. Irregularidades nos serviços prestados pelo banco. Prazo decadencial de 90 (noventa) dias para sua reclamação (artigo 26, II, do CDC). Vício aparente de fácil constatação. Insurgência quanto ao período das contas a serem prestadas. Resoluções do 278 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Banco Central. Insubsistência. Regra prevalente do Código Civil. Custos oriundos do fornecimento de novos extratos. Ônus a ser suportado pela instituição financeira. Recurso adesivo. Honorários advocatícios. Majoração. Impossibilidade. Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo desprovido. Em suas razões, alega o recorrente, em síntese, a violação do art. 26, II, do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento central de que “trata-se de um direito pessoal do recorrente, e não de vícios aparentes, ou seja, o recorrente possui o direito de exigir a prestação de contas dos lançamentos, que possuem natureza diversa, em sua conta corrente”, razão pela qual conclui que “não é possível a aplicação do prazo decadencial estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, mas sim o prazo prescricional previsto no Código Civil” (fls. 237249). Aponta, ainda, divergência jurisprudencial em relação ao tema. Contrarrazões juntadas às fls. 269-277 (e-STJ). O recurso foi admitido na origem como representativo da controvérsia, nos moldes do art. 543-C, § 1º, do Código de Processo Civil. No parecer de fls. 276-279, o Ministério Público Federal, baseado em precedentes desta Corte, opina pelo provimento do recurso especial. Às fls. 317-331, a Febraban junta petição requerendo a sua admissão no feito, na qualidade de amicus curiae. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Analiso, inicialmente, o pedido de intervenção no feito formulado pela Febraban. Observo que, muito embora a decisão que admitiu o presente recurso como representativo da controvérsia tenha sido publicada em 10 de dezembro de 2010, a aludida petição somente foi apresentada no dia 1º de abril do ano corrente, após a inclusão do processo na pauta de julgamento. Indesejável, portanto, via de regra, a admissão do amicus curiae em tais situações, porque a apresentação tardia do pedido de admissão no processo pode, em muitos casos, subverter a marcha processual, com excessivo número de sustentações orais e incidentes, ou até mesmo, a prática ensina, de adiamento do julgamento. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 279 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A propósito, destaco os seguintes precedentes: Agravo regimental. Ação direta de inconstitucionalidade manifestamente improcedente. Indeferimento da petição inicial pelo relator. Art. 4º da Lei n. 9.868/1999. (...) 4. O amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até a data em que o Relator liberar o processo para pauta. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (ADI n. 4.071 AgR, Relator: Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em 22.04.2009, DJe-195 Divulg 15-10-2009 Public 16-10-2009 Ement Vol-02378-01 PP-00085 RTJ VOL-00210-01 PP-00207). Processual Civil. Agravo regimental. Controle de constitucionalidade concentrado. Admissão de amicus curiae. Prazo. Segundo precedente da Corte, é extemporâneo o pedido para admissão nos autos na qualidade de amicus curiae formulado após a liberação da ação direta de inconstitucionalidade para julgamento. Agravo regimental ao qual se nega provimento (ADI n. 4.067 AgR, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe071 23-04-2010). Tendo em vista, todavia, o inegável grau de representatividade da requerente admito sua intervenção a partir do presente momento, no estado em que se encontram os autos, sem adiamento do julgamento. Ultrapassada a preliminar, cinge-se a controvérsia à verificação da incidência da regra estabelecida no art. 26, II, do Código de Defesa do Consumidor, à ação de prestação de contas ajuizada pelo ora recorrente, cliente da instituição financeira ora recorrida, visando a obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos, os quais reputa indevidos, em conta corrente de sua titularidade. O Tribunal de origem entendeu que a cobrança abusiva de taxas, tarifas e outros encargos corresponde a um vício no serviço prestado pelo banco, de fácil constatação, razão que determinaria o prazo decadencial de 90 (noventa) dias para o direito de o cliente reclamá-lo. Por outro lado, quanto aos demais lançamentos não correspondentes a serviços prestados pelo banco aplicou o prazo de prescrição das ações pessoais previsto no art. 177 do Código Civil de 1916 (20 anos). 280 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO A jurisprudência desta Corte Superior possui, contudo, entendimento consolidado no sentido de que o artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor não tem aplicação em ação de prestação de contas ajuizada com o objetivo de se obter esclarecimentos sobre lançamentos efetuados em conta corrente de cliente bancário. A propósito, os seguintes precedentes: Agravo regimental em recurso especial. Ação de prestação de contas. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Independentemente do fornecimento de extratos bancários e da prova de prévio pedido de esclarecimento, se há dúvida quanto à correção dos valores lançados na conta, há interesse processual na ação de prestação de contas. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.021.221-PR, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 03.08.2010, DJe 12.08.2010); Consumidor e Processual Civil. Agravo no recurso especial. Ação de prestação de contas. Prazo decadencial. Não-aplicação do CDC. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência. Não tem qualquer interferência com o julgado que se limitou a afirmar a ausência de provas sobre a correção dos lançamentos que justificaram o saldo devedor. Agravo no recurso especial não provido. (AgRg no REsp n. 1.045.528-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21.08.2008, DJe 05.09.2008). Direito do Consumidor. Prestação de contas ajuizada em face de instituição financeira. Cobrança não contratada de taxas e tarifas bancárias. Direito de repetição. Prazo decadencial do art. 26, CDC. Inaplicabilidade. Na hipótese de vício, os prazos são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa) dias para produto ou serviço durável. Já a pretensão à reparação pelos defeitos vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 5 (cinco) anos. O pedido para repetição de taxas e tarifas bancárias pagas indevidamente, por serviço não prestado, não se equipara às hipóteses estabelecidas nos arts. 20 e 26, CDC. Repetir o pagamento indevido não equivale a exigir reexecução do serviço, à redibição e tampouco ao abatimento do preço, pois não se trata de má-prestação do serviço, mas de manifesto enriquecimento sem causa, porque o banco cobra por serviço que jamais prestou. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 281 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Os precedentes desta Corte impedem que a instituição financeira exija valores indevidos, mesmo que tais quantias não tenham sido reclamadas pelos consumidores nos prazos decadenciais do art. 26, CDC. Diante deste entendimento, de forma análoga, não se pode impedir a repetição do indébito reclamada pelo consumidor. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.094.270-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 02.12.2008, DJe 19.12.2008). No sistema do Código de Defesa do Consumidor, são vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, ou lhes diminuam o valor, ou apresentem divergência com as indicações constantes da embalagem ou publicidade (CDC, art. 18). Como exemplo de serviço viciado, menciona Júlio Cesar Bacovis aqueles que apresentam características com funcionamento falho ou inadequado e que, portanto, não correspondem às expectativas de quem contratou; assim a aplicação de veneno para matar o mato que não atinge tal objetivo, o telhado que em vez de ser consertado continua com infiltração de água em outro ou no mesmo lugar (Prescrição e Decadência no Código de Defesa do Consumidor - Análise Crítica, publicado na Revista Jurídica, n. 379, maio de 2009). Já o defeito ocorre, segundo o art. 12, § 1º, do CDC, quando o produto não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, sua apresentação, o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação. Portanto, defeito é a combinação de vício e dano ao patrimônio ou a própria pessoa, conclui o mencionado autor. Nem todos os conflitos de interesse ocorridos no âmbito de relações contratuais regidas pelo Código de Defesa do Consumidor podem ser enquadrados como dizendo respeito a vício ou defeito do produto ou serviço, de modo a ensejar a incidência dos prazos de decadência (art. 26) ou de prescrição (art. 27) estabelecidos no referido diploma legal. Estando fora dos conceitos legais de vício ou defeito, aplica-se o prazo de prescrição do Código Civil. A propósito do tema, Leonardo de Medeiros Garcia disserta: Indagação importante é se a norma disposta no art. 27 estaria limitada ao “acidente de consumo”, ou seja, à ocorrência de vícios de qualidade por insegurança; ou se poderia ser aplicada a toda e qualquer ação indenizatória (porquanto, prescricional) oriunda de relação de consumo, como por exemplo, 282 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO indenização por inadimplemento contratual ou por danos morais sem que haja potencialidade de causar acidente. Ao que parece, o CDC não desejou disciplinar toda espécie de responsabilidade. Somente o fez em relação àquelas que entendeu ser específicas para as relações de consumo. Nesse sentido é que deu tratamento diferenciado para a responsabilidade pelo fato e por vício do produto e serviço, deixando outras modalidades de responsabilidade serem tratadas em normas específicas ou no Código Civil. (...) O art. 27 é claro no sentido de delimitar sua aplicação às situações concernentes à “reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo,” ou seja, a aplicação da norma é restrita às hipóteses de acidente de consumo. (...) Assim, com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, entendo que as demais ações condenatórias (que não envolvam acidente de consumo) oriundas das relações de consumo têm os respectivos prazos estabelecidos pelo Código Civil ou leis específicas, cuja aplicação é subsidiária. Corroborando a tese exposta, destaca a Minª. Nancy Andrighi que “importa ponderar que o fato de o CDC ter regulado duas novas categorias de responsabilidade: do vício e do fato do produto, não exclui aquelas previstas no CC. Ao contrário, havendo multifárias formas de se gerar dano, a coexistência de diferentes responsabilidades é medida que se impõe como pressuposto de justiça (...) Assim, ainda que haja relação de consumo, podem haver outras espécies de responsabilidade (legal, contratual, extracontratual) que não tratou o CDC. Com esta consideração, ao exegeta não se impõe o trabalho de tentar subsumir toda e qualquer situação fática danosa às responsabilidades regradas no código consumerista. Não reunidos os pressupostos destas, há que se invocar por extensão o Código Civil para que se cumpra o postulado ético “ onde há dano deve haver reparação. (GARCIA, Leonardo de Medeiros. DIREITO DO CONSUMIDOR: código comentado, jurisprudência, doutrina, questões, Decreto n. 2.181/1997. 6ª ed. rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2010.) Da jurisprudência deste Tribunal cito, dentre outros, os seguintes precedentes: Civil. Acidente de veículo. Seguro. Indenização. Recusa. Prescrição ânua. Código Civil, art. 178, § 6º, II. Inaplicabilidade à espécie do Código de Defesa do Consumidor, art. 27. I. Em caso de recusa da empresa seguradora ao pagamento da indenização contratada, o prazo prescricional da ação que a reclama é o de um (1) ano, nos termos do art. 178, parágrafo 6º, inciso II, do Código Civil. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 283 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II. Inaplicabilidade do lapso prescricional qüinqüenal, por não se enquadrar a espécie do conceito de “danos causados por fato do produto ou do serviço”, na exegese dada pela 2ª Seção do STJ, uniformizadora da matéria, ao art. 27 c.c. os arts. 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. III. Recurso especial conhecido e provido (grifos nossos). (REsp n. 207.789-RJ, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, julgado em 27.06.2001, DJ 24.09.2001, p. 234). Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ministério Público. Plano de saúde. Interesse individual indisponível. Reajuste. Cláusula abusiva. Prescrição. Art. 27 do CDC. Inaplicabilidade. Lei n. 7.347/1985 omissa. Aplicação do art. 205 do CC/2002. Prazo prescricional de 10 anos. Recurso não provido. 1. A previsão infraconstitucional a respeito da atuação do Ministério Público como autor da ação civil pública encontra-se na Lei n. 7.347/1985 que dispõe sobre a titularidade da ação, objeto e dá outras providências. No que concerne ao prazo prescricional para seu ajuizamento, esse diploma legal é, contudo, silente. 2. Aos contratos de plano de saúde, conforme o disposto no art. 35-G da Lei n. 9.656/1998, aplicam-se as diretrizes consignadas no CDC, uma vez que a relação em exame é de consumo, porquanto visa a tutela de interesses individuais homogêneos de uma coletividade. 3. A única previsão relativa à prescrição contida no diploma consumerista (art. 27) tem seu campo de aplicação restrito às ações de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, não se aplicando, portanto, à hipótese dos autos, em que se discute a abusividade de cláusula contratual. 4. Por outro lado, em sendo o CDC lei especial para as relações de consumo – as quais não deixam de ser, em sua essência, relações civis – e o CC, lei geral sobre direito civil, convivem ambos os diplomas legislativos no mesmo sistema, de modo que, em casos de omissão da lei consumerista, aplica-se o CC. 5. Permeabilidade do CDC, voltada para a realização do mandamento constitucional de proteção ao consumidor, permite que o CC, ainda que lei geral, encontre aplicação quando importante para a consecução dos objetivos da norma consumerista. 6. Dessa forma, frente à lacuna existente, tanto na Lei n. 7.347/1985, quanto no CDC, no que concerne ao prazo prescricional aplicável em hipóteses em que se discute a abusividade de cláusula contratual, e, considerando-se a subsidiariedade do CC às relações de consumo, deve-se aplicar, na espécie, o prazo prescricional de 10 (dez) anos disposto no art. 205 do CC. 7. Recurso especial não provido. (REsp n. 995.995-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 16.11.2010) 284 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Como exemplo de vício de serviço bancário, poderia eu figurar a hipótese de um investidor que solicitasse a aplicação de seus recursos em determinado tipo de investimento de risco e o empregado do banco o aplicasse em caderneta de poupança ou vice-versa. Não reclamado pelo correntista o equívoco na prestação do serviço no prazo decadencial de 90 dias, perderia o direito de postular ressarcimento por eventual prejuízo ou diferença de rendimentos. Igualmente ocorreria vício de serviço, se o banco deixasse de promover o débito em conta de fatura previamente agendada, caso em que o cliente teria o prazo de 90 dias para reclamar dos prejuízos causados pela falha na prestação do serviço. Já o débito em conta corrente de tarifas bancárias não se enquadra no conceito legal de vício de quantidade ou qualidade do serviço bancário e nem no de defeito do serviço, ligado este, por expressa definição legal, à falta de segurança que dele legitimamente se espera. Trata-se custo contratual dos serviços bancários, não dizendo respeito à qualidade, confiabilidade ou idoneidade dos serviços prestados. A explicitação das tarifas debitadas em conta corrente do consumidor, assim como dos demais tipos de lançamentos a crédito e a débito efetuados, por meio de prestação de contas, destina-se à verificação da legalidade da cobrança (ou do direito à repetição ou compensação), direito pessoal, portanto, que tem como prazo de prescrição (e não de decadência) o mesmo da ação de prestação de contas em que solicitada esta explicitação e também o mesmo prazo da ação de cobrança correspondente. De fato, o escopo da ação de prestação de contas em casos tais não é a reclamação de vícios (aparentes ou de fácil constatação) no fornecimento de serviço prestado. Não se cuida, também, de reclamação a propósito da idoneidade dos extratos mensais já encaminhados pelo banco. Pretende-se esclarecimentos sobre os lançamentos efetuados em conta corrente, o que a jurisprudência sumulada do STJ entende ser direito do cliente bancário, independentemente dos extratos periodicamente recebidos (Súmula n. 259). A ação de prestação de contas constitui-se em medida anterior, prévia, para eventual solicitação da compensação ou repetição dos lançamentos efetuados em sua conta, sujeitandose, pois, ao prazo de prescrição estabelecido no Código Civil. Nesse passo, relembro a lição deixada pelo saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 685.297-MG: RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 285 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência. Não tem qualquer interferência com o julgado que se limitou a afirmar a ausência de provas sobre a correção dos lançamentos que justificaram o saldo devedor. Não se trata de nenhum vício, mas, sim, de falta de prova do que o banco pretende cobrar. (...), imaginar que os correntistas ficariam inibidos de contestar débito resultante de lançamentos unilaterais pela aplicação do dispositivo equivaleria a conceder uma autorização em branco para a formação dos débitos a partir do fornecimento de extratos bancários mensais. Não se pode impedir que o correntista, diante de ação de cobrança ajuizada pelo banco, conteste os lançamentos a salvo da decadência prevista no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. (...) Na mesma linha foi o entendimento foi consagrado pela 1ª Seção desta Corte, no julgamento do REsp n. 1.144.354-RJ, submetido ao rito dos recursos repetitivos, conforme se verifica do seguinte acórdão: Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Tarifa de água e esgoto. Restituição de tarifa de esgoto paga indevidamente. Prescrição regulada pelo Código Civil. Agravo não provido. 1. Relativamente ao prazo prescricional, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 09.09.2009, mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC, ao julgar o REsp n. 1.113.403-RJ, concluiu que, em se tratando de pretensão para a restituição de tarifa de serviço paga indevidamente, não há como aplicar a norma inserta no art. 27 CDC, que cuida da reparação de danos causados por defeito na prestação de serviços, sendo cabível, portanto, a incidência da regra prevista no Código Civil. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.144.354-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, data da pub. DJe 23.02.2011). Logo, tendo o consumidor dúvidas quanto à lisura dos lançamentos efetuados pelo Banco, é cabível a ação prestação de contas, sujeita ao prazo de prescrição regulado pelo Código Civil, imune ao prazo decadencial estabelecido no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que esta não se confunde com a reclamação por vício no produto ou no serviço, prevista no mencionado dispositivo legal. Registro, por fim, que a alegação feita em memorial da Febraban de que, caso afastada a aplicação do art. 26, II, do CPC, seja estabelecido, alternativamente, o prazo para a prestação de contas em 03, ou no máximo, 286 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO 05 anos, adotando-se com fundamento os arts. 206, § 3º, IV, do Código Civil (pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa) ou 27 do CDC (reparação de danos por fato do produto ou do serviço) é matéria não devolvida ao conhecimento do STJ no presente recurso especial. Com efeito, o acórdão recorrido aplicou a decadência do art. 26 do CDC apenas para o correntista reclamar das tarifas e outros encargos relativos à cobrança dos serviços bancários. Para a prestação de contas referente aos demais lançamentos, julgou incidente a prescrição vintenária, com base no art. 177 do Código Civil revogado, sem recurso por parte do banco. A inovação trazida no memorial também não foi cogitada nas contra-razões ao recurso especial, na qual se sustentou, ao revés, que o prazo de prescrição da ação de prestação de contas seria realmente vintenário, mas que passado o prazo de decadência de 90 dias não mais se poderia exigir a devolução de possível valor indevido (fl. e-STJ 272). A tese assentada para os efeitos previstos no art. 543-C, do CPC, é, pois, a de que o prazo de decadência estabelecido no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à ação de prestação de contas ajuizada com o escopo de se obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos bancários. Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, determinando, após a publicação do acórdão, a comunicação ao Presidente e aos Ministros integrantes das Turmas da 2ª Seção desta Corte, bem como aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais, para os procedimentos previstos no art. 543-C, parágrafo 7º, incisos I e II, do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei n. 11.672/2008, e no art. 5º, incisos I, II, e III da Resolução-STJ n. 8/2008. É como voto. VOTO-VISTA A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto por Altair Luiz Ehrlich, com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF/1988, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - TJ-PR. Ação: de prestação de contas ajuizada pelo recorrente em face do Banco do Brasil S.A., tendo por objeto a apresentação de esclarecimentos e documentos relativos ao contrato de manutenção de conta-corrente que o recorrente mantém junto à instituição financeira recorrida (e-STJ fls. 04-20). RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 287 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sentença: julgou procedente o pedido do recorrente, a fim de condenar o Banco do Brasil a prestar as contas mencionadas na inicial (e-STJ fls. 112-115). O recorrido interpôs recurso de Apelação (e-STJ fls. 119-131) e o recorrente apresentou recurso adesivo, com a finalidade de majorar a verba de sucumbência (e-STJ fls. 160-167). Acórdão: o TJ-PR deu parcial provimento à apelação do recorrido e negou provimento ao recurso adesivo interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 185-213): Apelação cível. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Preliminares de não-conhecimento do recurso, de ilegitimidade passiva ad causam, de impossibilidade jurídica do pedido e de ausência de interesse de agir afastadas. Direito pessoal do correntista em promover a ação de prestação de contas. Prescrição vintenária. Irregularidades nos serviços prestados pelo banco. Prazo decadencial de 90 (noventa) dias para sua reclamação (artigo 26, II, do CDC). Vício aparente de fácil constatação. Insurgência quanto ao período das contas a serem prestadas. Resoluções do Banco Central. Insubsistência. Regra prevalente do Código Civil. Custos oriundos do fornecimento de novos extratos. Ônus a ser suportado pela instituição financeira. Recurso adesivo. Honorários advocatícios. Majoração. Impossibilidade. Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo desprovido. Embargos de Declaração: interpostos pelo recorrente para efeitos de prequestionamento (e-STJ fls. 216-222), foram rejeitados (e-STJ fls. 226233). Recurso Especial: alega violação do art. 26, II, do CDC, bem como divergência jurisprudencial. Segundo o recorrente, a prestação de contas é “um direito pessoal do recorrente”, de maneira que “não é possível a aplicação do prazo de decadência estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, mas sim o prazo prescricional previsto no Código Civil” (e-STJ fls. 237-249). Exame de Admissibilidade: o i. Des. Vidal Coelho, presidente do TJ-PR, admitiu o recurso especial como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C, § 1º, do CPC, e determinou a remessa dos autos ao STJ (e-STJ fl. 293). Decisão unipessoal: considerando a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, a i. Min. Maria Isabel Gallotti afetou o julgamento deste recurso à 2ª Seção, suspendendo o processamento dos recursos especiais que tratem de tema análogo (e-STJ fls. 309-310). 288 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Parecer do MPF: de lavra do i. Subprocurador-Geral da República João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, opina pelo conhecimento e provimento do Recurso Especial (e-STJ fls. 302-305). Petição: a Federação Brasileira de Bancos - Febraban requereu sua admissão como amicus curiae, aduzindo que “a existência de recentíssimos acórdãos, unânimes, da 4ª Turma” demonstra a impossibilidade de processamento do presente Recurso Especial sob o regime previsto pelo art. 543-C do CPC. No mérito, sustenta a aplicação do prazo decadencial do art. 26, II, do CDC à espécie dos autos, pois “o esclarecimento sobre os lançamentos realizados integra o serviço durável de conta corrente, de modo que qualquer inadequação relativa a tais esclarecimentos revela inadequação do serviço” (e-STJ fls. 317385). Voto da Relatora: a i. Min. Maria Isabel Gallotti deu provimento ao recurso especial, sob o fundamento de que “a explicitação das tarifas debitadas em conta corrente do consumidor, por meio da prestação de contas, é pressuposto da verificação da legalidade da cobrança (ou do direito à repetição ou compensação), direito pessoal, portanto, que tem como prazo de prescrição o mesmo da ação de prestação de contas em que solicitada esta explicitação e também o mesmo prazo da ação de cobrança correspondente.” É o relatório. Cinge-se a lide a determinar se o direito do correntista em pleitear a prestação de contas da instituição financeira está sujeito ao prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC ou ao prazo prescricional regulado pelo Código Civil. Apesar de já ter sido objeto de diversas manifestações desta Corte, o tema ainda suscita divergências. A questão, portanto, se amolda perfeitamente aos propósitos do procedimento do art. 543-C do CPC, cujo objetivo é unificar o entendimento e orientar a solução de lides futuras, conferindo maior celeridade à prestação jurisdicional. Além do acórdão trazido pelo recorrente para demonstrar o dissídio jurisprudencial – proferido no julgamento do REsp n. 685.297-MG, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29.08.2005 – existem outros precedentes desta Corte no sentido de que “é vintenária a prescrição da ação de prestação de contas”, à qual não se aplica o prazo decadencial previsto no art. 26 do CDC (REsp n. 37.526-CE, 3ª Turma, Rel. Min. Cláudio Santos, DJ de 08.08.1994). No mesmo sentido: REsp n. 1.033.241-RS, 2ª Seção, Rel. Min. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 289 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Aldir Passarinho Junior, DJ de 05.11.2008; REsp n. 1.094.270-PR, 3ª Turma, de minha relatoria, DJe de 19.12.2008; AgRg no REsp n. 708.073-DF, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 15.03.2010). Tanto a Febraban (amicus curiae) quanto o Banco do Brasil alegam a incidência da norma do art. 26, II, do CDC à espécie. Assim, o prazo decadencial para que o consumidor de serviços bancários reclame por vícios aparentes em relação ao fornecimento de produtos e serviços expira em 90 (noventa) dias após a data de recebimento dos extratos. A exata compreensão da controvérsia demanda, antes de mais nada, a constatação de que, da relação jurídica estabelecida entre o banco e seus clientes, emergem dois direitos absolutamente distintos: (i) o de solicitar a prestação de contas, que tem por base a gestão de recursos alheios e não pressupõe a ocorrência de nenhum ilícito; e (ii) o de reclamar por eventuais vícios, seja eles ocultos seja aparentes. As ações de prestações de contas ajuizadas pelos consumidores de serviços bancários buscam verificar a regularidade da gestão dos recursos financeiros que estes mantêm junto à instituição financeira, ou seja, representam o exercício de um direito individual, decorrente da administração de bens e interesses do correntista por terceiro. Assim, embora seja necessário reconhecer que os bancos, via de regra, disponibilizam extratos periódicos com as principais transações efetuadas pelo correntista, essa providência não os exime da prestação das contas de sua gestão. Isso porque esses extratos são demonstrativos unilaterais, que muitas vezes trazem códigos de difícil compreensão para relacionar os encargos cobrados, porém sem especificá-los detalhadamente. Esta Corte já teve a oportunidade de afirmar que “o titular da conta tem (...) legitimidade e interesse para ajuizar ação de prestação de contas contra a instituição financeira, sendo esta obrigada a prestá-las, independentemente do envio regular de extratos bancários” (REsp n. 258.744-SP, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 07.11.2005). Com efeito, a emissão periódica dos extratos de conta-corrente não elide a obrigação de prestar contas. Esses extratos, infelizmente, são por vezes vagos, genéricos e contêm dados ininteligíveis. Assim, “a prestação de contas não significa a simples apresentação material daquelas, mas é todo um instrumento de determinação da certeza do saldo credor ou devedor daquele que administra e guarda bens alheios, sendo certo que a prestação amigável de contas (...) não impede a ida a juízo daquele que tem direito de exigi-la” (Bortolai, Edson Cosac. Da ação de prestação de contas. São Paulo: Saraiva, 3ª. Ed., 1988, p. 95). 290 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Como ressalvado inicialmente, a análise da alegação de suposta ofensa ao art. 26, II, do CDC exige que se distinga o direito à prestação de contas do direito a reclamar por vícios do serviço. O pressuposto da prestação de contas não é a existência de ato ilícito ou de vício – seja ele oculto seja aparente – mas consubstancia meramente um dever geral inerente ao contrato de gestão de patrimônio alheio. Esse dever geral de prestar contas, que não encontra regulação específica no CDC, é disciplinado pelo Código Civil, inclusive no que tange à prescrição, não obstante a relação entre o banco e seus correntistas seja, essencialmente, de consumo. O direito de reclamar por vícios, por sua vez, não se confunde com as hipóteses nas quais o correntista pretende que o banco preste contas dos contratos entre eles firmados. Eventuais vícios ou ilícitos, inclusive, podem ser constatados apenas nessa prestação de contas ou até mesmo serem identificados independentemente dela, o que evidencia a autonomia de um direito frente ao outro. Nesse contexto, anoto que o lançamento de débitos indevidos pela instituição financeira nem sempre é considerado um vício do serviço bancário, especialmente diante da definição que o CDC confere à prestação defeituosa dessas atividades. Caso seja verificada a cobrança abusiva de encargos, por exemplo, o debate terá por objeto a ilegalidade dessa arrecadação face ao contrato celebrado entre correntista e o banco. Não se trata, portanto, de defeito na acepção do art. 20 do CDC. Segundo o Prof. Zelmo Denari, “os serviços padecem de vício de qualidade quando são impróprios ao consumo, ou seja, quando se mostram inadequados para os fins que dele se esperam ou não atendam às normas regulamentares de prestabilidade”, ou, ainda, “quando houver disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária” (Grinover, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, Universitária, 2001, p. 192). Além do mais, ainda que fosse admitido o entendimento segundo o qual os débitos indevidos constituem vícios na prestação do serviço bancário, é evidente que essa falha nem sempre pode ser qualificada como um vício aparente ou de fácil verificação, especialmente quando só constatada no decorrer da segunda fase da ação de prestação de contas. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 291 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Conclui-se que, para fins de estabelecimento da tese repetitiva - nos termos do art. 543-C - a ação de prestação de contas proposta por correntista em face de instituição financeira deriva da gestão de patrimônio alheio, independentemente da natureza da relação jurídica subjacente, razão pela qual a prescrição deve obedecer aos dispositivos do Código Civil, excluída a aplicação da norma do art. 26 do CDC. Do recurso representativo A sentença julgou procedente o pedido inicial, a fim de condenar o Banco do Brasil à prestação das contas pleiteadas pelo recorrente. O TJ-PR, contudo, deu parcial provimento à apelação da instituição financeira, reconhecendo a decadência do direito do recorrente e aduzindo que “em se tratando de eventual irregularidade na cobrança dos serviços bancários, tem o correntista o prazo de 90 (noventa) dias para interpor sua reclamação, diante de vício aparente e de fácil constatação, no produto ou serviço prestado pela instituição financeira” (e-STJ fl. 205). Assim, o recurso especial há de ser provido para, com base nos fundamentos e conclusões contidos nos itens anteriores, afastar a alegação de decadência do direito do recorrente, de modo a restabelecer a Sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Toledo-PR. Forte nessas razões, acompanho na íntegra o laborioso voto da i. Min. Relatora e dou provimento ao recurso especial. QUESTÃO DE ORDEM A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Eu persisto no entendimento de que foi adequadamente posto como repetitivo, para que seja decidida apenas a questão concernente à aplicação do prazo de decadência previsto no art. 26, do CDC. A questão do prazo de prescrição não consta do recurso e, portanto, não foi afetada, nada interferindo com o presente julgamento, data vênia. QUESTÃO DE ORDEM O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: Manterei a minha sugestão, Sr. Presidente, de julgarmos na Seção, sem o efeito repetitivo, apenas para definirmos a tese. 292 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO QUESTÃO DE ORDEM O Sr. Ministro Raul Araújo Filho: Sr. Presidente, acompanho a eminente Relatora. Também sou pela manutenção do repetitivo. VOTO-VISTA O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Trata-se de Recurso Especial processado como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, no qual se discute a incidência do prazo decadencial previsto no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor nas ações de prestação de contas ajuizadas pelo consumidor, fundadas em contrato de abertura de crédito em conta-corrente. 2.- Narram os autos que Altair Luiz Ehrlich interpôs Recurso Especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (Relatora Desembargadora Maria Mercis Gomes Aniceto), proferido em autos de Ação de Prestação de Contas ajuizada pelo recorrente contra o Banco do Brasil S/A, objetivando a obtenção de esclarecimentos relativos às movimentações feitas no contrato de abertura de crédito em conta-corrente firmado pelas partes. O pedido foi julgado procedente (e-STJ fls. 112-115) para condenar o ora recorrido a prestar as contas requeridas, na forma do art. 917 do Código de Processo Civil, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), sob pena de não poder impugnar as contas que o autor apresentar, nos termos do art. 915, § 2º, do Código de Processo Civil. Inconformadas, apelaram as partes ao e. Tribunal a quo, que conferiu parcial provimento ao recurso da instituição financeira, acolhendo a prejudicial de mérito alegada, para reconhecer a decadência do direito do recorrido, e negou provimento ao apelo adesivo do autor, em Acórdão assim ementado (e-STJ fls. 191-192): Apelação cível. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Preliminares de não-conhecimento do recurso, de ilegitimidade passiva ad causam, de impossibilidade jurídica do pedido e de ausência de interesse de agir afastadas. Direito pessoal do correntista em promover a ação de prestação de contas. Prescrição vintenária. Irregularidades nos serviços prestados pelo banco. Prazo decadencial de 90 (noventa) dias para sua reclamação (artigo 26, II, do CDC). Vício aparente de fácil constatação. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 293 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Insurgência quanto ao período das contas a serem prestadas. Resoluções do Banco Central. Insubsistência. Regra prevalente do Código Civil. Custos oriundos do fornecimento de novos extratos. Ônus a ser suportado pela instituição financeira. Recurso adesivo. Honorários advocatícios. Majoração. Impossibilidade. Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo desprovido. 3.- Embargos de Declaração interpostos pelo recorrente (e-STJ fls. 216222) foram rejeitados (e-STJ fls. 226-233). 4.- As razões de Recurso Especial apontam ofensa ao artigo 26, II, do Código de Defesa do Consumidor, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta o recorrente, em suma, que não pode ser aplicado, no caso, o prazo de decadência estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, por tratar-se a hipótese do direito pessoal do correntista de exigir a prestação de contas dos lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Argumenta que, ainda que se entenda pela aplicação do dispositivo em comento, deve-se considerar que os vícios existentes são ocultos, devendo o prazo decadencial de 90 dias incidir apenas após o trânsito em julgado da ação de prestação de contas. 5.- Contra-arrazoado (e-STJ fls. 269-277), o Recurso Especial foi admitido na origem como representativo da controvérsia (e-STJ fls. 293). 6.- O Ministério Público Federal opinou, por intermédio do e. Subprocurador-Geral da República Dr. João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho pelo conhecimento e provimento do Recurso Especial. 7.- A Ministra Maria Isabel Gallotti, e. Relatora, deu provimento ao Recurso Especial, sendo acompanhada pela e. Ministra Nancy Andrighi. 8.- Após proferido o voto da e. Ministra Nancy Andrighi, foi suscitada Questão de Ordem, tendo a Segunda Seção, por maioria, decidido manter o julgamento do processo como recurso repetitivo. 9.- O e. Ministro João Otávio de Noronha proferiu, então, voto divergente sem, contudo, apresentar, até este momento, suas razões de decidir. É o relatório. 10.- Inicialmente, cumpre consignar que não foram trazidas para esta Corte, por meio do Recurso Especial interposto, as discussões a respeito da possibilidade jurídica do pedido de prestação de contas e do interesse de agir do correntista, muito embora tenham sido tratadas pelo Acórdão recorrido, fazendo-se, com relação a esses tópicos, a necessária ressalva do meu ponto 294 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO de vista pessoal, uma vez que, nesses pontos, tenho entendimento divergente daquele adotado pelo Acórdão recorrido e da jurisprudência firmada neste Tribunal sobre a matéria, pois entendo não ser cabível a prestação de contas em casos como o presente. 11.- Com relação à questão tratada no Recurso Especial, a matéria, como já observado pelas Eminentes Ministras Relatora e Nancy Andrighi, já está pacificada no âmbito da Segunda Seção desta Corte. 12.- Como visto, o Acórdão recorrido diverge do entendimento deste Tribunal no sentido de que o artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Isso porque o dispositivo em comento refere-se à decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos, o que não se amolda à hipótese em tela. Nesse sentido: Agravo regimental em recurso especial. Ação de prestação de contas. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Independentemente do fornecimento de extratos bancários e da prova de prévio pedido de esclarecimento, se há dúvida quanto à correção dos valores lançados na conta, há interesse processual na ação de prestação de contas. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.021.221-PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 03.08.2010, DJe 12.08.2010); Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Ação de repetição de indébito. Contratos bancários. Prescrição vintenária. Incidência. Prazo decadencial do art. 26, II, do CDC. Inaplicabilidade. Precedentes. Agravo improvido. (EDcl no Ag n. 1.130.640-PR, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 09.06.2009, DJe 19.06.2009); Agravo regimental. Recurso especial. Decisão monocrática. Artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil. Possibilidade. Ação de prestação de contas. Decadência. Artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Decisão agravada mantida. Improvimento. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 295 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Nos termos do artigo 557, § 1º-A, do CPC, com redação dada pela Lei n. 9.756/1998, o Relator poderá dar provimento ao recurso especial quando o Acórdão recorrido estiver em divergência com a jurisprudência desta Corte. II - O artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Isso porque o dispositivo em comento refere-se à decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos, o que não se amolda à hipótese em tela. III - O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. (AgRg no REsp n. 1.064.246-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 05.03.2009, DJe 23.03.2009); Agravo regimental. Recurso que não logra infirmar os fundamentos da decisão agravada. Ação de prestação de contas. Direito do correntista. Lançamentos. Conta-corrente. Art. 26 da Lei n. 8.078/1990. Inaplicabilidade. 1. Mantém-se na íntegra a decisão recorrida cujos fundamentos não foram infirmados. 2. O prazo decadencial de que trata o art. 26, II e §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.078/1990 não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua contacorrente. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.053.734-PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 09.12.2008, DJe 18.12.2008); Direito do Consumidor. Prestação de contas ajuizadas em face de instituição financeira. Cobrança não contratada de taxas e tarifas bancárias. Direito de repetição. Prazo decadencial do art. 26, CDC. Inaplicabilidade. - Na hipótese de vício, os prazos são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa) dias para produto ou serviço durável. Já a pretensão à reparação pelos defeitos vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 05 (cinco) anos. - O pedido para repetição de taxas e tarifas bancárias pagas indevidamente, por serviço não prestado, não se equipara às hipóteses estabelecidas nos arts. 20 e 26, CDC. Repetir o pagamento indevido não equivale a exigir reexecução do serviço, à redibição e tampouco ao abatimento do preço, pois não se trata de má-prestação do serviço, mas de manifesto enriquecimento sem causa, porque o banco cobra por serviço que jamais prestou. 296 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO - Os precedentes desta Corte impedem que a instituição financeira exija valores indevidos, mesmo que tais quantias não tenham sido reclamadas pelos consumidores nos prazos decadenciais do art. 26, CDC. Diante deste entendimento, de forma análoga, não se pode impedir a repetição do indébito reclamada pelo consumidor. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.094.270-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 02.12.2008, DJe 19.12.2008); e Ação de cobrança. Saldo devedor. Impugnação dos lançamentos. Art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. Art. 333, I e II, do Código de Processo Civil. 1. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência. Não tem qualquer interferência com o julgado que se limitou a afirmar a ausência de provas sobre a correção dos lançamentos que justificaram o saldo devedor. Não se trata de nenhum vício, mas, sim, de falta de prova do que o banco pretende cobrar. Outrossim, imaginar que os correntistas ficariam inibidos de contestar débito resultante de lançamentos unilaterais pela aplicação do dispositivo equivaleria a conceder uma autorização em branco para a formação dos débitos a partir do fornecimento de extratos bancários mensais. Não se pode impedir que o correntista, diante de ação de cobrança ajuizada pelo banco, conteste os lançamentos a salvo da decadência prevista no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. 2. O autor é que tem de provar o seu direito ao crédito, quando impugnado pelo réu, compelido o banco a juntar documentos que comprovem a veracidade dos lançamentos. Se os documentos juntados não comprovam, o autor não pode cobrar o débito que se mostrou insubsistente. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 685.297-MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 07.06.2005). 13.- Com estas observações, acompanha-se o voto da e. Relatora. VOTO O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): Sr. Presidente, ouvi atentamente os debates. A questão ora objeto de análise vinha sendo suscitada por força de decisões unipessoais do Ministro Aldir Passarinho Junior, que entendia aplicável o Enunciado da Súmula n. 7-STJ para as ações de prestação de contas relativas a taxas e tarifas bancárias, nas quais o Tribunal local constatava a decadência RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 297 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA do direito do autor, aplica-se o artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, relativo à decadência para reclamar vícios aparentes e de fácil constatação. Houve, efetivamente, um grande número de causas relacionadas a prestação de contas bancárias que fizeram com que eu, inclusive, pensasse em alteração da jurisprudência consolidada desta Corte. Contudo, o voto da eminente Relatora, Ministra Maria Isabel, é bastante elucidativo e permite verificar que a jurisprudência é realmente sólida em não admitir a aplicação do artigo 26, inciso II, do CDC para as ações de prestação de contas. Certamente, a decadência é a perda do direito material pela inércia da parte que deveria praticar determinado ato dentro de um lapso temporal específico para preservar seu direito e não o fez. O pressuposto é que se não houve interesse do consumidor em buscar a reparação do dano, inviável seria permitir o que o fornecedor ad perpetum se responsabilize pelo produto/serviço. Após vasta pesquisa jurisprudencial, verifiquei que somente nos processos de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, aplicou-se o entendimento no sentido de que a decadência estabelecida pelo art. 26, II do CDC, deve incidir para as ações de prestação de contas quando se tratar de reclamação proveniente de “vícios aparentes ou de fácil constatação”. O Ministro Aldir alegava que, em relação às tarifas bancárias decorrentes de serviços prestados pela instituição financeira, é inverossímil supor que exista alguma irregularidade se o cliente aceitou os débitos que foram feitos em sua conta, sob esse título, posto que tais débitos são facilmente identificados nos extratos e discriminados através de rubricas específicas. Em todos os precedentes existentes, o Ministro Aldir aplicou o Enunciado da Súmula n. 7-STJ, informando que seria inviável revolver matéria fáticoprobatória para concluir de forma contrária ao entendimento exarado pelo Tribunal de origem, que, baseado nas provas constantes dos autos, entendeu que taxas e tarifas bancárias são consideradas vício aparente e de fácil constatação, posto que verificáveis de plano pela simples leitura dos extratos mensais. Assim estão ementados os inúmeros julgados: Civil e Processual Civil. Agravo regimental. Ação de prestação de contas. “Vícios aparentes ou de fácil constatação”. CDC, art. 26, II. Decadência. Análise da matéria fática colacionada. Recurso especial. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. 298 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO I. Tratando-se de “vícios aparentes ou de fácil constatação” (art. 26, II, do CDC), aplica-se à ação de prestação de contas o prazo decadencial de 90 (noventa) dias. II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” Súmula n. 7-STJ. III. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.032.789-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 18.11.2010, DJe 1º.12.2010). Confiram-se outros acórdãos deste mesmo relator, que retratam, no mesmo sentido o posicionamento acima explicitado: AgRg no REsp n. 1.076.590-PR; AgRg no REsp n. 1.100.211-PR; AgRg no REsp n. 1.100.245-PR; AgRg no REsp n. 1.101.361-PR; AgRg no REsp n. 1.103.213-PR; AgRg no REsp n. 1.103.351-PR; AgRg no REsp n. 1.106.884-PR; AgRg no REsp n. 1.033.123PR; AgRg no REsp n. 1.050.160-PR; AgRg no REsp n. 1.063.220-PR; AgRg no REsp n. 1.109.682-PR; AgRg no REsp n. 1.076.196-PR; AgRg no REsp n. 1.033.841-PR; AgRg no REsp n. 1.054.298-PR; AgRg no REsp n. 1.079.523PR; AgRg no REsp n. 980.205-PR; AgRg no REsp n. 1.054.018-PR e AgRg no REsp n. 1.137.725-PR. Entretanto, no outro extremo, inúmeros são os julgados que rechaçam a aplicação do mencionado artigo do Código Consumerista, ainda mesmo em ação de prestação de contas. Confiram-se precedentes de minha relatoria: Agravo regimental em recurso especial. Ação de prestação de contas. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Independentemente do fornecimento de extratos bancários e da prova de prévio pedido de esclarecimento, se há dúvida quanto à correção dos valores lançados na conta, há interesse processual na ação de prestação de contas. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1.021.221-PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 03.08.2010, DJe 12.08.2010). Sucessivos: AG n. 1.369.280-PR; AG n. 1.262.438-PR; AG n. 1.255.674PR; AG n. 1.242.838-PR; REsp n. 1.064.116-PR e REsp n. 1.198.857-PR Precedentes de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha: RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 299 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo regimental. Recurso que não logra infirmar os fundamentos da decisão agravada. Ação de prestação de contas. Direito do correntista. Lançamentos. Conta-corrente. Art. 26 da Lei n. 8.078/1990. Inaplicabilidade. 1. Mantém-se na íntegra a decisão recorrida cujos fundamentos não foram infirmados. 2. O prazo decadencial de que trata o art. 26, II e §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.078/1990 não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua contacorrente. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.053.734-PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 09.12.2008, DJe 18.12.2008). Sucessivos: AgRg no REsp n. 1.116.916-PR; AgRg no REsp n. 1.106.587PR e AgRg no REsp n. 1.100.222-PR. Precedentes de relatoria do Ministro Sidnei Benetti: Agravo regimental. Recurso especial. Decisão monocrática. Artigo 557, § 1º-A, do Código de Processo Civil. Possibilidade. Ação de prestação de contas. Decadência. Artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. Decisão agravada mantida. Improvimento. I - Nos termos do artigo 557, § 1º-A, do CPC, com redação dada pela Lei n. 9.756/1998, o Relator poderá dar provimento ao recurso especial quando o Acórdão recorrido estiver em divergência com a jurisprudência desta Corte. II - O artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Isso porque o dispositivo em comento refere-se à decadência do direito de reclamar pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos, o que não se amolda à hipótese em tela. III - O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. (AgRg no REsp n. 1.064.246-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 05.03.2009, DJe 23.03.2009). Sucessivos: AgRg no REsp n. 1.139.972-PR; AgRg no REsp n. 960.784-RJ; AgRg no REsp n. 1.096.841-PR; AgRg no REsp n. 1.033.886-PR; AgRg no REsp n. 1.051.992-PR; AgRg no REsp n. 1.054.507-PR e AgRg no REsp n. 1.064.288-PR. 300 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Precedentes de relatoria do Ministro Massami Uyeda: Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Ação de repetição de indébito. Contratos bancários. Prescrição vintenária. Incidência. Prazo decadencial do art. 26, II, do CDC. Inaplicabilidade. Precedentes. Agravo improvido. (EDcl no Ag n. 1.130.640-PR, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 09.06.2009, DJe 19.06.2009). Sucessivos: AgRg no REsp n. 1.125.959-PR; AgRg no REsp n. 1.099.849PR; AgRg no REsp n. 1.053.850-PR e AgRg no REsp n. 1.064.284-PR. Precedentes de relatoria da Ministra Nancy Andrighi: Direito do Consumidor. Prestação de contas ajuizada em face de instituição financeira. Cobrança não contratada de taxas e tarifas bancárias. Direito de repetição. Prazo decadencial do art. 26, CDC. Inaplicabilidade. - Na hipótese de vício, os prazos são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa) dias para produto ou serviço durável. Já a pretensão à reparação pelos defeitos vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 05 (cinco) anos. - O pedido para repetição de taxas e tarifas bancárias pagas indevidamente, por serviço não prestado, não se equipara às hipóteses estabelecidas nos arts. 20 e 26, CDC. Repetir o pagamento indevido não equivale a exigir reexecução do serviço, à redibição e tampouco ao abatimento do preço, pois não se trata de má-prestação do serviço, mas de manifesto enriquecimento sem causa, porque o banco cobra por serviço que jamais prestou. - Os precedentes desta Corte impedem que a instituição financeira exija valores indevidos, mesmo que tais quantias não tenham sido reclamadas pelos consumidores nos prazos decadenciais do art. 26, CDC. Diante deste entendimento, de forma análoga, não se pode impedir a repetição do indébito reclamada pelo consumidor. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.094.270-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 02.12.2008, DJe 19.12.2008). Processual Civil. Consumidor. Agravo no recurso especial. Ação de prestação de contas. Prazo decadencial. Não-aplicação do CDC. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 301 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Recurso não provido. (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.011.822-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16.10.2008, DJe 03.11.2008). Ademais, é necessário ressaltar, que para aquele que pleiteia a prestação de contas, a ação divide-se em duas fases. A primeira corresponde à discussão da obrigatoriedade do réu prestar contas ou não e, a segunda fase diz respeito ao exame do conteúdo das contas apresentadas, com vistas à apuração da existência de saldo em favor de uma ou de outra parte. Entendo que, na primeira fase da ação de prestação de contas, não se discute sobre vícios no fornecimento de serviços, daí porque de decadência não se poderia cogitar. Humberto Theodoro Júnior leciona: No caso, entretanto, em que a ação é proposta pela parte que invoca para si o direito de exigir contas, a causa torna-se mais complexa, provocando o desdobramento do objeto processual em duas questões distintas. Em primeiro lugar, ter-se-á que solucionar a questão prejudicial sobre a existência ou não do dever de prestar contas, por parte do réu. Somente quando for positiva a sentença quanto a essa primeira questão é que o procedimento prosseguirá com a condenação do demandado a cumprir uma obrigação de fazer, qual seja, a de elaborar as contas a que tem direito o autor. Exibidas as contas, abre-se uma nova fase procedimental destinada à discussão de suas verbas e à fixação do saldo final do relacionamento patrimonial existente entre os litigantes. Descumprida a condenação, incide um efeito cominatório que transfere o réu para o autor a faculdade de elaborar as contas, ficando o inadimplente da obrigação de dar contas privado do direito de discutir as que o autor organizou (CPC, art. 915, § 2º) (Curso de Direito Processual Civil, vol. III, p. 86, 26ª edição). Adroaldo Furtado Fabrício, aduz: Como é da tradição do direito nacional, o procedimento se estrutura em duas fases bem distintas, cada qual com seu objeto próprio. Na primeira, a atividade processual se orienta no sentido de apurar-se se o réu está ou não obrigado a prestar contas ao autor: essa questão e apenas ela constitui a parte do mérito a ser solucionada na fase inicial. Não está em causa, ainda, o problema de saber-se quem deve a quem, e quanto: esse tema envolve o tema o exame das próprias 302 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO contas a serem prestadas se consideradas devidas, exame do qual resultará a definição da posição econômica das partes uma em face da outra. E é bem de verse que só depois de estabelecer-se a existência da obrigação de prestar contas atribuída ao demandado, e por conseqüência fazer-se que elas venham aos autos, poderá tornar-se objeto de controvérsia e julgamento o conteúdo delas e a decorrente apuração de saldo. Essa é a segunda fase. Fácil também é entenderse que a questão envolvida na primeira fase é preliminar (não prejudicial) da que vai ser tratada na segunda, pois ao exame desta só se há de chegar se for positiva a solução dada àquela outra (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII, tomo III, p. 316, 2ª ed). Portanto, a rigor, só se deve examinar, nesta fase, a pretensão relativa à prestação de contas quanto ao direito do correntista de exigi-la, sujeita, como se sabe, exclusivamente à prescrição. Assim, para os simpatizantes da corrente que afasta a aplicabilidade do artigo 26 do CDC, temos entendido que, enquanto não estiver prescrita a ação principal - sobre a qual poderá ter efeito a prestação de contas pleiteada -, devida é a prestação de contas, nos termos dos artigos 914 e seguintes do Código de Processo Civil. Certamente, a decadência prevista no art. 26, inciso do CDC não guarda relação com o objeto da ação de prestação de contas, pois, sendo esta um direito pessoal, se sujeita, tão somente, aos prazos do Código Civil. Desta forma, a pretensão de prestação de contas está sujeita ao prazo prescricional para o exercício das pretensões de direito pessoal previsto no Código Civil, devendo ser observado o disposto no artigo 177 do Código Civil de 1916 e nos artigos 205 e 2.028 do Código Civil atual. Saliento, ainda, apenas para acalorar o debate, que temos aplicado, em larga escala, o prazo prescricional vintenário para as ações de prestação de contas que visam os expurgos inflacionários, isto porque, tratando-se de discussão do próprio crédito, que deveria ter sido corretamente pago, o prazo prescricional seria de vinte anos, uma vez que não se refere a juros ou a quaisquer prestações acessórias. Confira-se: Processual Civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Prestação de contas. Súmula n. 259-STJ. Detalhamento das ontas. Desnecessidade. Emissão de extrato. Irrelevância. Prescrição vintenária. Fundamento. Inovação. Inadmissibilidade. Desprovimento. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 303 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (AgRg no Ag n. 1.003.498-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 14.10.2008, DJe 17.11.2008). Civil. Processual Civil. Ação de prestação de contas. Prescrição. É vintenária a prescrição da ação de prestação de contas. (3ª Turma, REsp n. 37.526-CE, Rel. Min. Cláudio Santos, unânime, DJU de 08.08.1994). Ademais, é preciso mencionar que o próprio § 1º do art. 26 do CDC delimita que a contagem do prazo decadencial somente tem início a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, circunstância esta que não estaria configurada nos casos de prestação de contas judicial requerida pelo consumidor (Súmula n. 259-STJ): “A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária.” Assim, irrefutável a tese de que, se é necessária a prestação de contas para que o consumidor verifique a existência de lançamentos indevidos, e que, eventualmente, geraram um saldo devedor em sua conta corrente, por certo que não se poderia falar em vícios aparentes e de fácil constatação. A situação, de todo modo, se analisada sob o aspecto consumerista, somente poderia ser vista sob a perspectiva de vício oculto, ou seja, aquele que somente no futuro (com a efetiva prestação de contas), será conhecido pelo correntista, posto que apenas a partir daí poderia ter curso o prazo decadencial para que o consumidor reclame do vício, nos termos do artigo 26, § 3º do CDC. Por fim, esta Corte tem entendimento assente no sentido de que, mesmo tendo recebido extratos emitidos pelo banco, assiste ao correntista o direito de pleitear judicialmente prestação de contas. Confira-se: Processual Civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Correntista. Prestação de contas. Interesse. Questão pacífica. Súmula n. 259-STJ. Multa. Artigo 557, § 2º, do CPC. Desprovimento. I. “Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional firmou entendimento no sentido de que o correntista tem direito de solicitar informações acerca dos lançamentos realizados unilateralmente pelo banco em sua conta-corrente, a fim de verificar a correção dos valores lançados. O titular da conta tem, portanto, legitimidade e interesse para ajuizar ação de prestação de contas contra a instituição financeira, sendo esta obrigada a prestá-las, independentemente do envio regular de extratos bancários.” (4ª Turma, REsp n. 258.744-SP, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 07.11.2005). 304 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO II. Agravo desprovido com aplicação de multa. (AgRg no Ag n. 1.204.104-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 16.09.2010, DJe 1º.10.2010). Agravo regimental. Agravo de instrumento. Prestação de contas. Emissão de extratos pela instituição financeira. Irrelevância. Detalhamento dos lançamentos controvertidos na petição inicial. Desnecessidade. 1. Esta Corte tem entendimento assente no sentido de que, mesmo tendo recebido extratos emitidos pelo banco, assiste ao correntista o direito de pleitear judicialmente prestação de contas. Precedentes. 2. “O direito do correntista de solicitar informações sobre lançamentos realizados unilateralmente pelo Banco em sua conta-corrente independe da juntada de detalhes sobre tais lançamentos na petição inicial.” (AgRg no Ag n. 814.417-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 19.03.2007). 3. Agravo Regimental desprovido. (4ª Turma, AgRg no Ag n. 691.760-PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, unânime, DJU de 10.12.2007). Processual Civil. Ação de prestação de contas. Recurso especial. Prequestionamento. Ausência. Súmulas n. 282 e n. 356-STF. Honorários advocatícios. Interesse. Lançamentos em conta-corrente. Dúvidas. Fornecimento de extratos. Súmula n. 7-STJ. I. Inadmissível recurso especial na parte em que debatida questão federal não enfrentada no acórdão a quo, nos termos das Súmulas n. 282 e n. 356-STF. II. Independentemente do fornecimento de extratos de movimentação financeira dos recursos vinculados a contrato de crédito em conta-corrente, ou de simples depósito, remanesce o interesse processual do correntista para a ação de prestação de contas em havendo dúvida sobre os critérios considerados. Precedentes. III. Conclusões do aresto recorrido quanto ao montante dos honorários advocatícios e inépcia do pedido, todavia, que não têm como ser afastadas sem que se proceda à análise dos fatos da causa, com óbice na Súmula n. 7-STJ. IV. Recurso especial não conhecido. (4ª Turma, REsp n. 424.280-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 24.02.2003). Louvando o trabalho que fez a eminente Ministra Relatora, de um cotejo bem analítico e cuidadoso de todos os ângulos da questão, rogando vênia à divergência, acompanho Sua Excelência, no sentido de dar provimento ao recurso especial. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 305 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO-VOGAL O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, acompanho o voto da eminente Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial. RECURSO ESPECIAL N. 1.199.782-PR (2010/0119382-8) Relator: Ministro Luis Felipe Salomão Recorrente: Elisangela da Costa Fernandes Advogado: Leandro Luiz Zangari e outro(s) Recorrido: Banco do Brasil S/A Advogado: Jorge Elias Nehme e outro(s) Interessada: Federação Brasileira de Bancos Febraban - “amicus curiae” Advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes e outro(s) EMENTA Recurso especial representativo de controvérsia. Julgamento pela sistemática do art. 543-C do CPC. Responsabilidade civil. Instituições bancárias. Danos causados por fraudes e delitos praticados por terceiros. Responsabilidade objetiva. Fortuito interno. Risco do empreendimento. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por 306 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Para efeitos do art. 543-C, do CPC, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos - porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizandose como fortuito interno. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Afirmou suspeição o Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Sustentou, oralmente, o Dr. Jorge Elias Nehme, pelo recorrido Banco do Brasil S/A. Brasília (DF), 24 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Luis Felipe Salomão, Relator DJe 12.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Elisângela da Costa Fernandes ajuizou em face do Banco Nossa Caixa S/A ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais, noticiando que teve o nome negativado em órgãos de proteção ao crédito por indicação da instituição ré, a qual teria permitido que terceira pessoa estelionatária abrisse conta-corrente em nome na autora, tendo sido inclusive fornecido talonário de cheques à falsária. Em razão disso, vários cheques foram emitidos sem provisão de fundos, resultando no inadimplemento que deu causa à negativação. O Juízo de Direito da Comarca de Alto Paraná-PR julgou parcialmente procedente o pedido, apenas para declarar a inexistência da dívida e determinar a exclusão do nome da autora dos órgãos de proteção ao crédito. O pedido de indenização foi julgado improcedente, tendo entendido o juízo sentenciante que a conta-corrente foi aberta mediante falsificação perfeita dos documentos da autora, circunstância que afastaria o dever de indenizar (fls. 160-165). RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 307 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em grau de recurso de apelação, a sentença foi mantida, em síntese, pelos mesmos fundamentos, os quais foram sintetizados na seguinte ementa: Apelação (1). Ação declaratória de negativa de débito c.c. responsabilidade civil. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Abertura de conta corrente. Golpe de terceiros que com má-fé utilizam certidão de nascimento da vitima para confecção de carteira de identidade ideologicamente falsa no Estado de São Paulo. Inexistência de erro grosseiro. Exceção à regra do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Culpa exclusiva de terceiro. 1. A instituição bancária que inscreve em órgão de proteção ao crédito nome de consumidora com a qual nunca contratou, não responde na modalidade objetiva quando ficar comprovada a inexistência de erro grosseiro na falsificação de documento, dando origem a nova carteira de identidade ideologicamente falsa. 2. Quando a falsidade ideológica decorre da culpa de terceiro que utiliza cópia original da certidão de nascimento da apelante para a confecção de carteira de identidade no Estado de São Paulo, portanto, materialmente autêntica e, de posse dela, o falsário promove abertura de conta corrente. Nessas condições, diante da ausência de erro grosseiro não responde a instituição bancária pelos danos morais reclamados. Recurso conhecido e não provido. Apelação (2). Ação declaratória de negativa de débito c.c. responsabilidade civil. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Fraude na abertura de conta corrente. Declaração de inexigibilidade do contrato de empréstimo em relação à autora. Prática de fraude. Diante da ausência de vontade da Autora para a prática do ato, a qual foi vítima de terceiro falsário, impõe-se a declaração de inexigibilidade do contrato firmado com o Apelante. Recurso conhecido e não provido (fls. 250-266). Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 275-283). Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, no qual o recorrente sustenta, além de dissídio, ofensa ao art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), arts. 186 e 927, parágrafo único, ambos do Código Civil de 2002, e art. 515 do Código de Processo Civil. O recorrente alega, em síntese, que a responsabilidade da instituição financeira ré é objetiva, fundamentada na teoria do risco do empreendimento, independentemente de culpa. Sustenta ainda que o acórdão recorrido, para 308 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO afastar o dever de a instituição indenizar, apoiou-se em fundamento não alegado pela parte ré. Contra-arrazoado (fls. 356-363), o especial foi admitido na origem (fls. 400-402). Noticia-se, à fl. 356, a incorporação da instituição ré (Banco Nossa Caixa S/A) pelo Banco do Brasil S/A, em razão do que foi retificada a autuação dos autos. Verificando a multiplicidade de recursos que ascendem a esta Corte versando idêntica controvérsia, afetei o julgamento do presente feito ao rito do art. 543-C do CPC, para que este Colegiado aprecie a questão relativa à responsabilidade civil de fornecedores de serviços ou produtos - no caso, instituição financeira - por inclusão indevida do nome de consumidores em cadastros de proteção ao crédito, em razão de fraude praticada por estelionatários - no caso, abertura de conta-corrente mediante utilização de documentos falsos. A Federação Brasileira de Bancos - Febraban, como amicus curiae, manifestou-se no seguinte sentido: a) Não há responsabilidade da instituição financeira diante da fraude praticada por terceiros ante a inexistência de ilícito praticado e nexo de causalidade. b) A inscrição da negativação pela instituição financeira é exercício regular do direito do fornecedor. c) A responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor é afastada quando provada a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro a teor da lei e da jurisprudência desta Corte. d) Não há defeito na prestação de serviço ou hipótese de incidência de responsabilização objetiva pelo risco, prevalecendo a boa-fé do Banco (fls. 427428). O Ministério Público Federal, mediante parecer elaborado pelo Subprocurador-Geral da República Pedro Henrique Távora Niess, opina pelo provimento do recurso especial, ao fundamento de que “a pactuação de contratos bancários, mediante fraude praticada por terceiro/falsário, por constituir risco inerente à atividade econômica das instituições financeiras, não elide a responsabilidade destas pelos danos daí advindos” (fl. 483). É o relatório. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 309 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A responsabilidade civil das instituições bancárias é tema que atravessa décadas no cenário jurídico brasileiro, tendo o STJ, tal como o STF, jurisprudência razoavelmente firme nesse aspecto. É da década de 60, por exemplo, a Súmula n. 28-STF, segundo a qual: “O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”. O mencionado verbete possuía como suporte jurídico a idéia de risco do empreendimento ou da profissão, como ficou claro no voto do relator do RE n. 3.876-SP, um dos precedentes que deram origem à Súmula. Como razões de decidir, o relator, Ministro Anibal Freire, mencionou a sentença de piso nos seguintes termos: Em caso como o dos autos, em que não há culpa do suposto emissor, nem do sacado, este deve suportar os prejuízos do pagamento do cheque falso, porque isto é um dos riscos de sua profissão, porque o pagamento é feito com seus fundos, porque o crime de falsidade foi contra ele dirigido e porque ao suposto emissor era impossível evitar que o crime produzisse seus efeitos (RE n. 3.876, Relator(a): Min. Anibal Freire, Primeira Turma, julgado em 03.12.1942). Ainda que o conteúdo da Súmula n. 28-STF esboce algo de responsabilidade objetiva, revelava-se nítida a atenuação da responsabilidade da instituição financeira, na medida em que havia possibilidade de afastamento desta, em caso de culpa concorrente do correntista. Nessa esteira, foi o voto proferido pelo Ministro Orozimbo Nonato, no sentido de que, em relação a cheque falsificado, “em princípio, o Banco é responsável pelo seu pagamento, podendo ilidir ou mitigar sua responsabilidade, se provar culpa grave do correntista” (RE n. 8.740, Relator(a): Min. Orozimbo Nonato, Segunda Turma, julgado em 18.11.1949). Essa visão histórica apenas para assinalar a tendência sinalizada pela Corte Suprema, antes da vigência do Código Consumerista. Todavia, atualmente, a elisão da responsabilidade do banco, por exemplo, por apresentação de cheque falsificado, não se verifica pela mera concorrência de culpa do correntista. 310 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO É que o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, somente afasta a responsabilidade do fornecedor por fato do serviço quando a culpa do consumidor ou de terceiro for exclusiva, verbis: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: [...] II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. No caso de correntista de instituição bancária que é lesado por fraudes praticadas por terceiros - hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de crédito clonado, violação do sistema de dados do banco -, a responsabilidade do fornecedor decorre, evidentemente, de uma violação a um dever contratualmente assumido, de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes. Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há responsabilidade objetiva da instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso e a pecha acarretou dano ao consumidor direto. Nesse sentido, confira-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho: Muito se tem discutido a respeito da natureza da responsabilidade civil das instituições bancárias, variando opiniões desde a responsabilidade fundada na culpa até a responsabilidade objetiva, com base no risco profissional, conforme sustentou Odilon de Andrade, filiando-se à doutrina de Vivante e Ramela (“Parecer” in RF 89/714). Neste ponto, entretanto, importa ressaltar que a questão deve ser examinada por seu duplo aspecto: em relação aos clientes, a responsabilidade dos bancos é contratual; em relação a terceiros, a responsabilidade é extracontratual (Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 417). 3. Situação que merece exame específico, por outro lado, ocorre em relação aos não correntistas. Com efeito, no que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para abertura de conta-corrente ou retirada de cartão de crédito, e em razão disso é negativado em órgãos de proteção ao crédito, não há propriamente uma relação contratual estabelecida entre eles e o banco. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 311 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser objetiva. Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara a consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como “fatos do serviço”, verbis: Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. É nesse sentido o magistério de Cláudia Lima Marques: A responsabilidade das entidades bancárias, quanto aos deveres básicos contratuais de cuidado e segurança, é pacífica, em especial a segurança das retiradas, assinaturas falsificadas e segurança dos cofres. Já em caso de falha externa e total do serviço bancário, com abertura de conta fantasma com o CPF da “vítima-consumidor” e inscrição no Serasa (dano moral), usou-se a responsabilidade objetiva da relação de consumo (aqui totalmente involuntária), pois aplicável o art. 17 do CDC para transforma este terceiro em consumidor e responsabilizar o banco por todos os danos (materiais e extrapatrimoniais) por ele sofridos. Os assaltos em bancos e a descoberta das senhas em caixas eletrônicos também podem ser considerados acidentes de consumo e regulados ex vi art. 14 do CDC (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários do Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 424). 4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, tratando-se de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC, como, por exemplo, “culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros”. As instituições bancárias, em situações como a abertura de conta-corrente por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou violação de sistema de computador por crackers, no mais das vezes, aduzem a excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo quando as fraudes praticadas são reconhecidamente sofisticadas. Ocorre que a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 185). 312 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO É a “causa estranha” a que faz alusão o art. 1.382 do Código Civil Francês (Apud. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 926). É o fato que, por ser inevitável e irresistível, gera uma impossibilidade absoluta de não ocorrência do dano, ou o que, segundo Caio Mário da Silva Pereira, “aconteceu de tal modo que as suas consequências danosas não puderam ser evitadas pelo agente, e destarte ocorreram necessariamente. Por tal razão, excluem-se como excludentes de responsabilidade os fatos que foram iniciados ou agravados pelo agente” (Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 305). Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a responsabilidade por acidente de consumo: Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável. O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I) (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 256-257). Na mesma linha vem entendendo a jurisprudência desta Corte, dando conta de que a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, insere-se na categoria doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso mesmo, previsíveis e, no mais das vezes, evitáveis. Por exemplo, em um caso envolvendo roubo de talões de cheque, a Ministra Nancy Andrighi, apoiada na doutrina do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, assim se manifestou: RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 313 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Não basta, portanto, que o fato de terceiro seja inevitável para excluir a responsabilidade do fornecedor, é indispensável que seja também imprevisível. Nesse sentido, é notório o fato de que furtos e roubos de talões de cheques passaram a ser prática corriqueira nos dias atuais. Assim, a instituição financeira, ao desempenhar suas atividades, tem ciência dos riscos da guarda e do transporte dos talões de cheques de clientes, havendo previsibilidade quanto à possibilidade de ocorrência de furtos e roubos de malotes do banco; em que pese haver imprevisibilidade em relação a qual (ou quais) malote será roubado. Aliás, o roubo de talões de cheques é, na verdade, um caso fortuito interno, que não rompe o nexo causal, ou seja, não elide o dever de indenizar, pois é um fato que se liga à organização da empresa; relaciona-se com os riscos da própria atividade desenvolvida (cfr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Responsabilidade civil no Código do consumidor e a defesa do fornecedor, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 293). Portanto, o roubo de malote contendo cheques de clientes não configura fato de terceiro, pois é um fato que, embora muitas vezes inevitável, está na linha de previsibilidade da atividade bancária, o que atrai a responsabilidade civil da instituição financeira (REsp n. 685.662-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 323). O raciocínio tem sido o mesmo para casos em que envolvem roubo de cofre, abertura de conta-corrente ou liberação de empréstimo mediante utilização de documentos falsos, ou, ainda, saques indevidos realizados por terceiros. Nesse sentido são os seguintes precedentes: Direito Processual Civil e do Consumidor. Recurso especial. Roubo de talonário de cheques durante transporte. Empresa terceirizada. Uso indevido dos cheques por terceiros posteriormente. Inscrição do correntista nos registros de proteção ao crédito. Responsabilidade do banco. Teoria do risco profissional. Excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços. Art. 14, § 3º, do CDC. Ônus da prova. - Segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ, o fato de terceiro só atua como excludente da responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível. - O roubo do talonário de cheques durante o transporte por empresa contratada pelo banco não constituiu causa excludente da sua responsabilidade, pois trata-se de caso fortuito interno. - Se o banco envia talões de cheques para seus clientes, por intermédio de empresa terceirizada, deve assumir todos os riscos com tal atividade. - O ônus da prova das excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços, previstas no art. 14, § 3º, do CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, § 3º, também do CDC. 314 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Recurso especial provido. (REsp n. 685.662-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 323). Agravo regimental em agravo de instrumento contra a inadmissão de recurso especial. Indenização por danos morais. Abertura de conta corrente por terceiro. Inscrição indevida em órgão de restrição ao crédito. Dever de indenizar reconhecido na decisão ora agravada. [...] [...] 3. O nexo de causalidade entre a conduta do banco e o dano decorre do reconhecimento da abertura de conta corrente, em agência do agravante, em nome do autor/agravado, mediante fraude praticada por terceiro falsário, o que, à luz dos reiterados precedentes deste Pretório, por constituir risco inerente à atividade econômica das instituições financeiras, não elide a responsabilidade destas pelos danos daí advindos. [...] (AgRg no Ag n. 1.235.525-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 07.04.2011, DJe 18.04.2011). Agravo regimental. Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Inscrição em cadastro de proteção ao crédito. Abertura de conta-corrente. Documentos falsificados. Danos morais. Dever de indenizar. Decisão agravada mantida. Improvimento. I - A falsificação de documentos para abertura de conta corrente não isenta a instituição financeira da responsabilidade de indenizar, pois constitui risco inerente à atividade por ela desenvolvida. (REsp n. 671.964-BA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJe 29.06.2009). Precedentes. [...] (AgRg no Ag n. 1.292.131-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 17.06.2010, DJe 29.06.2010). Recurso especial. Competência vara especializada. Direito local. Responsabilidade civil. Abertura de conta corrente. Documentação falsa. Inclusão indevida nos cadastros de proteção ao crédito. Indenização. Necessidade. Julgamento ultra petita. Inocorrência. Valor arbitrado a título de danos morais. Redução. [...] 2. A falsificação de documentos para abertura de conta corrente não isenta a instituição financeira da responsabilidade de indenizar, pois constitui risco inerente à atividade por ela desenvolvida. RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 315 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Precedentes. [...] (REsp n. 671.964-BA, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 29.06.2009). Recurso especial. Dano moral. Inclusão indevida em cadastro restritivo de crédito. Abertura de conta corrente e fornecimento de cheques mediante fraude. Falha administrativa da instituição bancária. Risco da atividade econômica. Ilícito praticado por terceiro. Caso fortuito interno. Revisão do valor. Violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Recurso parcialmente provido. 1. Inescondível a responsabilidade da instituição bancária, atrelada ao risco da própria atividade econômica que exerce, pela entrega de talão de cheques a terceiro, que mediante fraude, abriu conta bancária em nome do recorrido, dando causa, com isso e com a devolução do cheque emitido, por falta de fundos, à indevida inclusão do nome do autor em órgão de restrição ao crédito. 2. Irrelevante, na espécie, para configuração do dano, que os fatos tenham se desenrolado a partir de conduta ilícita praticada por terceiro, circunstância que não elide, por si só, a responsabilidade da instituição recorrente, tendo em vista que o panorama fático descrito no acórdão objurgado revela a ocorrência do chamado caso fortuito interno. [...] (REsp n. 774.640-SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado em 12.12.2006, DJ 05.02.2007, p. 247). Direito Civil. Penhor. Danos morais e materiais. Roubo/furto de jóias empenhadas. Contrato de seguro. Direito do Consumidor. Limitação da responsabilidade do fornecedor. Cláusula abusiva. Ausência de indício de fraude por parte da depositante. [...] IV - Na hipótese dos autos, em que o credor pignoratício é um banco e o bem ficou depositado em cofre desse mesmo banco, não é possível admitir o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar. Há de se levar em conta a natureza específica da empresa explorada pela instituição financeira, de modo a considerar esse tipo de evento, como um fortuito interno, inerente à própria atividade, incapaz de afastar, portanto, a responsabilidade do depositário. Recurso Especial provido. (REsp n. 1.133.111-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 06.10.2009, DJe 05.11.2009). 316 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Consumidor. Saque indevido em conta corrente. Cartão bancário. Responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. Inversão do ônus da prova. - Debate referente ao ônus de provar a autoria de saque em conta corrente, efetuado mediante cartão bancário, quando o correntista, apesar de deter a guarda do cartão, nega a autoria dos saques. - Reconhecida a possibilidade de violação do sistema eletrônico e, tratandose de sistema próprio das instituições financeiras, ocorrendo retirada de numerário da conta corrente do cliente, não reconhecida por este, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser ilidida nas hipóteses do § 3º do art. 14 do CDC. - Inversão do ônus da prova igualmente facultada, tanto pela hipossuficiência do consumidor, quanto pela verossimilhança das alegações de suas alegações de que não efetuara o saque em sua conta corrente. Recurso não conhecido. (REsp n. 557.030-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 16.12.2004, DJ 1º.02.2005, p. 542). Agravo regimental no agravo de instrumento. Princípio da unirrecorribilidade. Assalto a banco. Morte. Responsabilidade civil. Risco da atividade econômica. Dano moral. Valor. 1. Conforme a jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte, a interposição de dois recursos pela mesma parte contra a mesma decisão impede o conhecimento do segundo recurso interposto, haja vista a preclusão consumativa e a observância ao princípio da unirrecorribilidade das decisões. Precedentes. 2. A jurisprudência do STJ tem entendido que, tendo em conta a natureza específica da empresa explorada pelas instituições financeiras, não se admite, em regra, o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar, considerando-se que este tipo de evento caracteriza-se como risco inerente à atividade econômica desenvolvida. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag n. 997.929-BA, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 12.04.2011, DJe 28.04.2011). Recurso especial. Contrato de aluguel de cofre. Roubo. Responsabilidade objetiva. Cláusula limitativa de uso. Abusividade. Inexistência. Delimitação da extensão dos direitos e deveres das partes contratantes. Recurso especial improvido. I - Os eventos “roubo” ou “furto”, ocorrências absolutamente previsíveis, a considerar os vultosos valores mantidos sob a guarda da instituição financeira, que assume profissionalmente todos os riscos inerentes à atividade bancária, não consubstanciam hipóteses de força maior, mantendo-se, por conseguinte, RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 317 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA incólume o nexo de causalidade existente entre a conduta negligente do banco e o prejuízo suportado por seu cliente; [...] (REsp n. 1.163.137-SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 14.12.2010, DJe 03.02.2011). 5. Em casos como o dos autos, o serviço bancário é evidentemente defeituoso, porquanto é aberta conta-corrente em nome de quem verdadeiramente não requereu o serviço (art. 39, inciso III, do CDC) e, em razão disso, teve o nome negativado. Tal fato do serviço não se altera a depender da sofisticação da fraude, se utilizados documentos falsificados ou verdadeiros, uma vez que o vício e o dano se fazem presentes em qualquer hipótese. 6. Portanto, para efeitos do que prevê o art. 543-C do CPC, encaminho a seguinte tese: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de contacorrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 7. No caso concreto, o acórdão recorrido entendeu por bem afastar a responsabilidade do banco pela abertura de conta-corrente em nome da ora recorrente, ao fundamento de se tratar de fraude sofisticada de difícil percepção. Tal entendimento testilha com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, que possui, inclusive, precedente específico para o caso (REsp n. 964.055-RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 28.08.2007, DJ 26.11.2007, p. 213). Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que o abalo moral é in re ipsa e que é possível a fixação de indenização por danos morais em até 50 (cinquenta) salários mínimos. Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp n. 971.113-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 23.02.2010; AgRg no Ag n. 889.010-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 11.03.2008. Nada obstante, o caso ora em exame não revela nenhuma excepcionalidade a ponto de justificar o arbitramento da indenização no patamar máximo adotado nesta Corte. 318 Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO Cuida-se de situação corriqueira, em que o consumidor tem seu nome negativado em razão de fraudes praticadas por terceiros, não constando dos autos consequências outras que extravasem os danos normalmente verificados. Assim, entendo razoável o arbitramento de indenização por danos morais no patamar de R$ 15.000,00, com correção monetária a partir dessa data (Súmula n. 362) e juros moratórios desde o evento danoso (Súmula n. 54). Com valores próximos, confiram-se os seguintes precedentes: AgRg no Ag n. 1.095.337-GO, Rel. Ministro Raul Araújo; AgRg no Ag n. 1.095.939MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; AgRg no Ag n. 1.189.673-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti; REsp n. 696.717-SE, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 02.10.2008, DJe 24.11.2008; AgRg no Ag n. 777.185-DF, Rel. Ministro Fernando Gonçalves. A cargo da ré, custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados em 15% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC). 8. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial. É como voto. VOTO A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Sr. Presidente, gostaria apenas de acrescentar aos fundamentos do eminente Relator que verifico a responsabilidade do banco também com apoio no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, segundo o qual haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. É precisamente o caso de risco da atividade econômica desenvolvida pelos bancos. Quanto à extensão da responsabilidade, especialmente o arbitramento do valor da indenização por dano moral, entendo que se deve verificar, na análise de cada caso, de um lado, a gravidade dos danos sofridos pelas vítimas, e, de outro, a conduta do banco, diante do evento. Com efeito, o banco, diante da notícia da falsidade, pode ter tomado imediatamente uma providência para deixar de cobrar a dívida contraída pelo falsário, excluir o nome da vítima de cadastros negativos, devolver valores sacados por estelionatários, entre outras providências. Esta conduta mais ou menos diligente do banco deve ser levada em conta, para diminuir ou majorar o RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011 319 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA valor da indenização por dano moral ou, até mesmo, para afastar o dano moral, se o banco imediatamente resolver o problema da vítima. Em outros casos, todavia, o que se verifica é que o banco, mesmo sabendo da falsidade, não toma providência alguma para limpar o nome da vítima, não impede a continuidade das cobranças, ela tem que entrar com uma ação na Justiça, obter antecipação de tutela, nem sempre cumprida prontamente, e ficar anos esperando com restrições de crédito de toda ordem. Nestes casos, o valor da indenização por dano moral deve ser mais alto. Na hipótese ora em exame, concordo com a indenização arbitrada pelo Ministro Relator. Acompanho o Sr. Ministro Relator e, no caso concreto, dou provimento ao recurso especial. 320 Terceira Turma RECURSO ESPECIAL N. 312.661-SP (2001/0033637-0) Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Recorrente: Jacqueline Franca Advogado: Irapuan Mendes de Morais e outro Recorrido: Roberto Spadari Advogado: José Ulisses Peruch e outro(s) EMENTA Recurso especial. Direito Processual Civil. Embargos de terceiro. Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência. Violação de enunciado de súmula. Impossibilidade. Art. 515 do CPC. Apelação. Matéria impugnada. Efeito devolutivo amplo. Fraude à execução. Súmula n. 375-STJ. Má-fé dos adquirentes reconhecida pelas instâncias ordinárias. Fundamento inatacado. Súmula n. 283STF. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que incabível a análise de recurso especial, por quaisquer das alíneas do permissivo constitucional, que tenha por fundamento violação de enunciado ou súmula. 3. O art. 515, caput e § 1º, do Código de Processo Civil autoriza o Tribunal a apreciar amplamente a matéria impugnada nas razões de apelação, bem como todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. 4. A teor da Súmula n. 375-STJ, o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente, esta última soberanamente reconhecida pelas instâncias ordinárias. 5. Restando inatacados os fundamentos esposados no acórdão recorrido quanto à má-fé dos adquirentes, é de se aplicar, por analogia, REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA o óbice da Súmula n. 283-STF, a inviabilizar o conhecimento do recurso especial. 6. O registro da penhora, não obstante ser do conhecimento da embargante, conforme afirmou nos autos, faz publicidade erga omnes da constrição, de modo que, a partir dele, são ineficazes, perante a execução, todas as posteriores alienações do imóvel, inclusive as sucessivas. Precedentes. 7. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator DJe 26.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial interposto por Jacqueline França, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. Noticiam os autos que a ora recorrente opôs embargos de terceiro tendo em vista a penhora levada a efeito nos autos de execução movida por Roberto Spadari, ora recorrido, contra Carlos Eitutis e Roseli Zenaro Eitutis. Segundo narra a embargante na inicial, Em julho de 1995, Carlos Wanderlei Borges França e sua mulher, pais da embargante, pretendendo adquirir o imóvel objeto da penhora de fls. 45 dos Autos da Execução n. 96/93, fez as pesquisas de praxe para verificar se contra o titular de domínio, então vendedor, havia alguma medida judicial que pudesse 324 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA comprometer a negociação. Também procurou saber se contra o mesmo imóvel incidia algum gravame judicial ou extra-judicial que pudesse colocar em risco o negócio. Nada havendo que pudesse colocar em risco a aquisição a ser efetuada pelos pais da embargante, os mesmos, compromissaram a aquisição do referido imóvel, através de pagamentos parcelados, como se verifica dos anexos documentos, por preço considerado e de acordo com os valores então praticados no mercado. Assim, em cumprimento desse compromisso, em 28 de dezembro de 1995, o executado consumou a venda do bem objeto da penhora para Carlos Wanderlei. Em 21 de junho de 1996, Carlos Wanderlei veio a vender referida propriedade para Isaias Girelli e sua mulher. Tendo em vista o ato de apreensão de fls. 45, Isaias Girelli entendeu ter sido ludibriado em sua boa-fé e veio a novamente alienar dito imóvel à pessoa da ora embargante. Por sua vez, o exequente Roberto Spadari, requereu a penhora desse bem, conforme auto de fls. 45, requerendo, também, fosse declarada a figura processual da fraude de execução, declarando, também, a ineficácia das alienações havidas pelos executados, atingindo, por conseguinte, o título de Isaias Girelli e, por fim, o título da ora embargante. Pelo despacho de fls. 120, V. Exa. afastou manifestação de Isaias Girelli e reconheceu a prática de Fraude de Execução na alienação havida para Carlos Wanderlei, determinando o cancelamento dos registros imobiliários (fls. 02-03). Aduziu a embargante que é parte legítima para defender a posse que ostenta em decorrência da qualidade de titular do direito de propriedade que lhe confere seu título aquisitivo. Sustentou que não há falar em fraude à execução, porquanto o primeiro compromisso de compra e venda, entabulado entre Carlos Eitutis e sua esposa e Carlos Wanderlei Borges França e cônjuge, deu-se em 28.12.1995, data anterior à propositura da ação executiva. Argumentou, ainda, que a falta de registro do referido compromisso não impede a defesa da posse por meio de embargos de terceiro, invocando o disposto na Súmula n. 84-STJ. Requereu, por fim, a procedência dos embargos com o levantamento da penhora. Em contestação, o recorrido refutou as alegações deduzidas na inicial, considerando caracterizada a figura da simulação, estampada “na própria folha de matrícula onde o pai da Embargante para esconder a falcatrua, passa o imóvel RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 325 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA a uma outra pessoa e esta à Embargante” (fl. 38). Segundo argumenta, “não fosse a simulação, o pai da Embargante teria passado diretamente para o nome da mesma, sem envolver o nome dele e de mais um, como ocorreu” (fl. 38). Atribui à embargante a figura de “laranja” a intermediar negócio viciado pela simulação. Tem por evidenciada também a fraude à execução, sob os seguintes argumentos: O executado alienou o bem teoricamente em 29.01.1996, todavia a ação de execução foi proposta em 19.01.1996, assim os protestos levados a efeito já tinham ocorrido antes desta data. A dívida já existia muito antes, terminado em 24.08.1995 em um termo de confissão irretratável e irrevogável para o exequente. Os protestos dos títulos já tinham acontecido em 23.11.1995, como é verificado nos Autos n. 3.144/95, em trâmite perante o 6º Ofício local (fl. 38). O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os embargos de terceiro (fls. 51-52). Inconformada, a autora da demanda manejou recurso de apelação (fls. 5867). A Sexta Câmara de Férias do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, por unanimidade de votos dos seus integrantes, negou provimento ao recurso, em aresto assim ementado: Embargos de terceiro. Fraude executória reconhecida nos autos da execução, atingindo, por decisão intercorrente ali proferida, as alienações posteriores. Matéria reagitada nos embargos pela última adquirente. Possibilidade de sua apreciação. Fraude realmente configurada. Rejeição dos embargos decretada em primeiro grau. Recurso improvido (fl. 107). Os primeiros embargos de declaração opostos foram acolhidos parcialmente apenas para correção de erro material (fls. 119-121). Novos embargos declaratórios opostos foram rejeitados (fls. 132-134). Nas razões recursais, alega a recorrente, além de dissídio jurisprudencial com a Súmula n. 84-STJ, violação dos seguintes dispositivos com as respectivas teses: (a) art. 515 do Código de Processo Civil - ao argumento de que era defeso ao Tribunal de origem a apreciação do mérito dos embargos de terceiro se o magistrado de primeiro grau considerou preclusa a matéria por já ter sido 326 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA apreciada em decisão anterior; (b) art. 458, inciso II, do Código de Processo Civil - sustentando que o acórdão recorrido padece de vício de nulidade por deficiência de fundamentação; (c) art. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil - porque teria havido negativa de prestação jurisdicional no julgamento dos embargos declaratórios; (d) art. 593, inciso II, do Código de Processo Civil - tendo em vista que ausentes os requisitos caracterizadores da fraude à execução, especialmente pelo fato de a execução ter sido proposta em data posterior à alienação do bem penhorado e (e) art. 1.046 do Código de Processo Civil - sob a alegação de que forçoso o acolhimento dos embargos de terceiro. Decorrido sem manifestação o prazo para as contrarrazões (fl. 151), e admitido o recurso na origem (fls. 153-155), subiram os autos a esta colenda Corte. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do especial. De início, inviável o acolhimento da pretensão recursal no tocante ao art. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil. O Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo fato de o acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte. Sobre o tema, o seguinte precedente: Civil e Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Embargos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional (...). 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC (...). (AgRg no Ag n. 1.160.319-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 26.04.2011, DJe 06.05.2011). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 327 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Pelas mesmas razões, não é o caso de ausência de fundamentação a ensejar a nulidade do julgado por contrariedade ao art. 458, inciso II, do CPC, mas, sim, motivação contrária aos interesses da recorrente. Quanto ao tema, há muito se encontra pacificada a jurisprudência desta Corte no sentido de que, “se os fundamentos do acórdão não se mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam. Não pode confundir ausência de motivação com fundamentação contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 16.11.1994, DJ 12.12.1994 p. 34.335). No que respeita à Súmula n. 84-STJ, esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que incabível a análise de recurso especial, por quaisquer das alíneas do permissivo constitucional, que tenha por fundamento violação de enunciado ou súmula de Tribunal Superior. Nesse sentido: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Seguro. Invalidez permanente. Exame de violação à enunciado de súmula. Impossibilidade. (...). I - Refoge à competência do Superior Tribunal de Justiça apreciar alegada violação de enunciado de Súmula em sede de Recurso Especial, uma vez que o mesmo não se insere no conceito de lei federal, previsto no artigo 105, II, a, da Constituição Federal. (...) Agravo Regimental improvido. (AgRg no Ag n. 1.320.143-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 28.09.2010, DJe 21.10.2010). Agravo regimental no agravo de instrumento. Divergência jurisprudencial. Não demonstração. Enunciado n. 13 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Dissídio com súmula. Impossibilidade. Relação processual não formalizada. Enunciado n. 240-STJ. Inaplicabilidade. (...) 2. O dissídio jurisprudencial com súmula não autoriza a interposição do recurso especial fundado na letra c do permissivo constitucional. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 1.135.323-SP, Rel. Min. Raul Araújo Filho, Quarta Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 18.06.2010). 328 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Também não prospera a alegada violação do art. 515 do Código de Processo Civil. Referido dispositivo, em seu caput e § 1º, permite ao Tribunal a análise ampla da matéria impugnada nas razões de apelação, bem como de todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. No caso dos autos, a sentença de primeiro grau, ainda que, em um primeiro momento, tenha mencionado a impossibilidade de reexame dos pressupostos para a configuração da fraude à execução, fazendo referência à preclusão, teceu considerações acerca da ineficácia das alienações, julgando improcedentes os embargos de terceiro (fls. 52-54). Ademais, o acórdão recorrido decidiu a demanda com base nos fatos narrados nas razões de apelação interposta por terceiro adquirente do imóvel, apresentando solução compatível com o princípio do tantum devolutum quantum appellatum. Nesse contexto, não está a merecer nenhuma censura o acórdão recorrido, que, provocado pelas razões de apelação, apreciou o mérito da demanda como consequência natural do efeito devolutivo do recurso. Quanto ao mais, cinge-se a irresignação recursal, tão somente, ao argumento de que não há falar em fraude à execução pelo fato de a demanda ter sido proposta em data posterior à alienação do bem constrito pela penhora. Aludida orientação, a propósito, não discrepa da jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, conforme se verifica no seguinte precedente: Locação. Agravo regimental no recurso especial. Embargos de terceiro. Alienação do bem imóvel pelo devedor no curso da execução. Ausência do registro da penhora. Não elidida a presunção de boa-fé do terceiro adquirente. Fraude à execução não caracterizada. Súmula n. 375-STJ. Agravo regimental desprovido. 1. A orientação pacífica deste Tribunal é de que, em relação a terceiros, é necessário o registro da penhora para a comprovação do consilium fraudis, não bastando, para tanto, a constatação de que o negócio de compra e venda tenha sido realizado após a citação do executado (REsp n. 417.075-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 09.02.2009). 2. A matéria está sumulada nos termos do Enunciado n. 375 do STJ, segundo o qual o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 329 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 3. Se a embargada/exequente, por quase 10 anos, quedou-se inerte sem providenciar a averbação da penhora na matrícula do imóvel é de se afastar a presunção relativa da ocorrência de fraude à execução, competindo ao credor o ônus da prova da alegada má-fé em relação ao terceiro/adquirente. Precedentes: REsp n. 1.143.015-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 30.08.2010; AgRg no Ag n. 922.898-RS, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 25.08.2010; AgRg no REsp n. 801.488-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 18.12.2009; e AgRg no REsp n. 1.177.830-MG, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 22.04.2010. 4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 963.297-RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 05.10.2010, DJe 03.11.2010 - grifou-se). Processual Civil e Civil. Agravo nos embargos de declaração no recurso especial. Embargos de terceiro. Ausência do registro da penhora. Fraude à execução. Não configuração. Súmula n. 375-STJ. - Segundo o entendimento pacificado pelo STJ por meio da Súmula n. 375, “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. - Agravo nos embargos de declaração no recurso especial não provido (AgRg nos EDcl no REsp n. 1.190.782-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18.08.2011, DJe 25.08.2011 - grifou-se). Com efeito, a Súmula n. 375-STJ, consolidou o entendimento no sentido de que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (grifou-se). A questão, portanto, merece ser analisada sob um dos dois enfoques, já que alternativos. De início, a primeira parte do enunciado torna-se irrelevante para a solução deste litígio, pois a primeira venda do bem se deu antes da penhora, e não após. Com isso, para a caracterização da fraude à execução, resta ser reconhecida a má-fé dos adquirentes. É, em essência, o que se extrai dos seguintes arestos: Fraude de execução. Precedentes da Corte. 1. Como já assentou precedente de que Relator o Ministro Eduardo Ribeiro a “fraude à execução pressupõe uma de duas situações: a alienação de imóvel na pendência de uma demanda, circunstância que só se caracteriza com a citação válida ou após o registro da penhora; e caso não se demonstre a má-fé do adquirente” (REsp n. 235.639-RS, DJ de 08.03.2000). 330 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA 2. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 625.235-RN, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 21.09.2004, DJ 25.10.2004, p. 344 - grifou-se). Processual Civil. Execução. Embargos de terceiro. Fraude à execução. Configuração. Exigência de prévia inscrição da penhora. Acórdão Estadual. Má aplicação do art. 600, I, do Código de Ritos. I. Inexistindo prévio registro da penhora, não se caracteriza a fraude à execução se inidentificado conluio com o adquirente. II. Recurso especial conhecido em parte e provido (REsp n. 626.067-RS, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Rel. p/ acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 02.12.2004, DJ 13.06.2005, p. 312 - grifou-se). Processo Civil. Recurso especial. Deficiência na fundamentação. Acórdão recorrido que se afina à jurisprudência do STJ. Súmula n. 83-STJ. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Inexistência. Fraude à execução. S. n. 375-STJ. Boa-fé do adquirente demonstrada com a apresentação de certidões de distribuição obtidas no domicílio da alienante e no local do imóvel. - É inadmissível o recurso especial deficientemente fundamentado. Súmula n. 284-STF. - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n. 83-STJ. - Não há ofensa ao art. 535 do CPC se o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes. - O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Súmula n. 375-STJ. - Sem o registro da penhora, o reconhecimento de fraude à execução depende de prova do conhecimento, por parte do adquirente do imóvel, de ação pendente contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência. Precedentes desta Corte. (...) - Recurso Especial improvido (REsp n. 1.015.459-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.05.2009, DJe 29.05.2009 – grifou-se). Processual Civil. Execução. Ônus hipotecário. Pedido de preferência. Penhora não registrada. Alegação de fraude à execução. Inexistência de inscrição da penhora. Boa-fé presumida do credor hipotecário. Violação dos arts. 167, 169 e 240 da Lei n. 6.015/1973 e 711 do CPC. Hipótese anterior à Lei n. 8.953/1994. Súmula n. 375-STJ. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 331 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. A Lei dos Registros Públicos, em seus arts. 167, 169 e 240, determina que seja feito o registro (atualmente, averbação) da penhora de imóvel no registro público competente, para que ela tenha eficácia erga omnes. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n. 8.953/1994, ante a ausência do registro da penhora, a decretação da fraude à execução depende da prova de máfé do terceiro, na hipótese, do credor hipotecário. Tema que foi consolidado com a edição da Súmula n. 375-STJ. 3. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 316.242-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Rel. p/ acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.08.2010, DJe 26.10.2010 - grifou-se). No caso, as instâncias ordinárias efetivamente concluíram pela existência de má-fé por parte dos adquirentes, conforme se colhe da decisão proferida nos autos do processo de execução que reconheceu a fraude à execução, mantida integralmente tanto pela sentença quanto pelo acórdão proferido em sede de embargos de terceiros, e não impugnada, ressalta-se, pela ora recorrente: Na declaração de fraude à Execução é desnecessária a verificação do Consiliun Fraudis, que é presumido (RT 624/116). Não obstante é clara a má-fé dos executados que já tinham vários títulos protestados à época anterior a lavração da escritura. O mesmo se diga do adquirente que teria dispensado expressamente a apresentação de certidões sobre os vendedores, acrescendo-se por fim o preço declarado. Conforme se verifica nos autos nenhum outro bem do patrimônio dos devedores sobrou para garantir a dívida, caracterizando-se então a hipótese do inciso II do art. 593 do CPC (fls. 15-16 – grifou-se). De fato, tomando por base o comportamento do homem médio, zeloso e diligente no trato dos seus negócios, bem como a praxe na celebração de contratos de venda e compra de imóveis, é de se esperar que o adquirente efetue, no mínimo, pesquisa nos distribuidores das comarcas de localização do bem e de residência do alienante, e não dispensando expressamente as certidões sobre os vendedores e o bem como ocorreu na hipótese. Como se não bastasse, o Tribunal local, além de ratificar a sentença, aditou tal conclusão, conforme se extrai da seguinte passagem: Ora, está mais do que evidenciada a fraude executória, reconhecida na execução e reafirmada na r. sentença (...) Por certo que a ineficácia decorrente daquela fraude executória afeta as alienações posteriores, sendo de se ressalvar que a embargante, 332 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA filha de Carlos Vanderlei Borges França – exatamente o primeiro comprador do imóvel penhorado – não poderia, de forma alguma, alegar desconhecimento daquele fato, pelo que sequer pode invocar aquisição de boa-fé (...) (fl. 110 - grifou-se). Verifica-se, portanto, que mesmo não tendo havido a prévia penhora, as instâncias ordinárias, soberanas na análise fática da causa, reconheceram a ausência de boa fé dos adquirentes, situação suficiente para a fraude à execução, tornando ineficaz os negócios jurídicos realizados. Não se há esquecer, ainda, que tal fundamento, suficiente por si para manter a conclusão do acórdão recorrido, não restou impugnado nas razões do apelo nobre, motivo pelo qual a pretensão recursal encontra-se também inviabilizada pela aplicação, por analogia, da Súmula n. 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, calha o seguinte precedente: Direito Civil. Processual Civil. Recurso especial. Locação. Cerceamento de defesa. Não-ocorrência. Matéria fática. Exame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. Litigância de ma-fé. Fundamento inatacado no acórdão recorrido. Súmula n. 283-STF. Fiança. Exoneração. Não-ocorrência. Precedente do STJ. Dissídio jurisprudencial. Inexistência. Súmula n. 83-STJ. Recurso especial conhecido e improvido. (...) 3. No que tange à suposta litigância de má-fé da recorrida, verifica-se que os recorrentes não infirmaram os fundamentos esposados no acórdão recorrido, segundo os quais tal tema estaria precluso, porquanto somente argüido no recurso de apelação. Súmula n. 283-STF. (...) 7. Recurso especial conhecido e improvido (REsp n. 908.374-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 11.12.2008, DJe 02.02.2009 grifou-se). De qualquer modo, não caberia, pela via recursal eleita, a reapreciação da existência ou não de má fé por parte dos adquirentes, por exigir revolvimento probatório, o que, nos termos do Enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, é vedado a esta Corte. A propósito: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Embargos de declaração. Omissão. Não ocorrência. Fraude à execução. Aquisição de imóvel. Má-fé do adquirente. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 333 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Comprovação. Ausência. Súmulas n. 7 e n. 375-STJ. Registro da penhora. Inexistência. Recurso não provido. 1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia não se configura violação ao art. 535 do CPC. 2. “O reconhecimento de fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou de prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375STJ). 3. Concluir-se, na hipótese dos autos, pela existência de má-fé da parte agravada importa, necessariamente, no reexame de fatos e provas soberanamente delineados pelas instâncias ordinárias. Incidência da Súmula n. 7-STJ. 4. A inexistência, ademais, do prévio registro da penhora ao tempo da escrituração do imóvel afasta a pretensão reformatória. 5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag n. 1.163.297RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 04.08.2011, DJe 15.08.2011 - grifou-se). Processo Civil. Alienação de bem arrestado. Ciência do comprador. Ineficácia do negócio em relação ao exeqüente. Embargos de terceiro. Manutenção de posse. Descabimento. Questão de prova. Súmula n. 7-STJ. I - A alienação de um bem penhorado ou sujeito a outro tipo de constrição judicial, por si só, não constitui fraude à execução prevista no artigo 593, II, do Código de Processo Civil, mas “é ineficaz em relação ao exeqüente porque decorre da circunstância de o bem estar submetido ao poder jurisdicional do Estado, através de ato público formal e solene”. II - Afirmado pelo acórdão recorrido que, na data da celebração da compra e venda, tinha o embargante conhecimento da constrição judicial pendente sobre a aeronave, é de ser indeferido o pedido de manutenção de posse, questão cuja revisão encontra óbice no Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte. Recurso especial não conhecido (REsp n. 690.005-MG, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 27.09.2005, DJ 17.10.2005, p. 293 - grifou-se). Direito Processual Civil. Execução de alimentos. Fraude de execução. Requisitos. Citação válida do devedor. Prova da Insolvência. Ciência dos adquirentes a respeito da ação em curso. Embargos de declaração. Reexame de provas vedado. (...) - Para caracterização da fraude de execução prevista no art. 593, inc. II, do CPC, ressalvadas as hipóteses de constrição legal, necessária a demonstração de dois requisitos: (i) que ao tempo da alienação/oneração esteja em curso uma ação, com citação válida; (ii) que a alienação/oneração no curso da demanda seja capaz de reduzir o devedor à insolvência. Precedentes. 334 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA - Dessa forma, se o Tribunal de origem entende que os requisitos da fraude de execução estão presentes, a modificação do julgado esbarra na proibição de se analisar fatos e provas em sede de recurso especial. Recurso especial não conhecido (REsp n. 862.123-AL, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.05.2007, DJ 04.06.2007, p. 351 - grifou-se). Agravo regimental no recurso especial. Processo Civil. Fraude à execução. Compra e venda de imóvel penhorado. Ausência de registro da penhora. Não configuração de ma-fé. Súmula n. 7. (...) 2. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375STJ). 3. Em nenhum momento do acórdão recorrido, afirmou o Tribunal Estadual ter sido comprovada a má-fé do recorrente, em que pese ter insinuado a ocorrência de desídia. Sendo assim, não é possível nesta via especial afirmar estar nos autos comprovada a má-fé do embargante, por incidência do óbice da Súmula n. 7-STJ. (...) 5. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 907.559-RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe 31.08.2011). Por fim, ainda que tais óbices pudessem ser afastados, o que não é o caso, registra-se que, quando da realização da compra e venda do imóvel pela ora recorrente, esta já possuía ciência inequívoca do registro da penhora, conforme mesmo afirma (fl. 60), o que, por consequência, já invalida o negócio jurídico realizado. Com efeito, o registro faz publicidade erga omnes da constrição judicial e a partir dele são ineficazes, perante a execução, todas as alienações posteriores do imóvel. A propósito, os seguintes julgados que bem elucidam a questão: Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Embargos de terceiro. Alienação do bem pelo devedor no curso da execução. Ausência do registro da penhora. Presunção de boa-fé do terceiro adquirente. 1. Afasta-se violação do art. 535 do CPC, quando a instância de origem analisa adequada e suficientemente a controvérsia objeto do recurso especial. 2. Em se tratando de bem imóvel, é lícito que se presuma a boa-fé do terceiro que o adquire, se nenhuma constrição judicial estiver anotado no registro RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 335 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA imobiliário, presunção que se estende aos posteriores adquirentes, se houver alienações sucessivas. 3. O registro faz publicidade erga omnes da constrição judicial e a partir dele é que serão ineficazes perante a execução todas as alienações posteriores do imóvel. 4. Recurso especial não provido (REsp n. 1.143.015-MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 30.08.2010 - grifou-se). Civil. Recurso especial. Art. 105, inciso III, da CF. Embargos de terceiro. Adquirente de boa-fé. Ausência de registro da penhora. Prévio conhecimento do embargante acerca do gravame não comprovado. 1. À luz da sedimentada jurisprudência desta Corte Superior, nos termos do art. 659, § 4º do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.953/1994 é exigível a averbação da penhora no cartório de registro imobiliário para que passe a ter efeito erga omnes e, nessa circunstância, torne-se eficaz para impedir a venda a terceiros em fraude à execução. 2. Inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe ao exeqüente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento da ação ou da constrição judicial, agindo, assim, de má-fé (Precedentes: REsp n. 742.097-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 28.04.2008; REsp n. 493.914SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 05.05.2008; e AgRg no REsp n. 1.046.004MT, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 23.06.2008; REsp n. 494.545-RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki). 3. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 753.384-DF, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Quarta Turma, julgado em 1º.06.2010, DJe 07.10.2010 - grifou-se). Processo Civil. Alienação de bem penhorado. CPC, art. 659, § 4º, com a redação da Lei n. 8.953/1994. Efeitos do registro da penhora. 1. Sem o registro da penhora não se podia, mesmo antes da vigência da Lei n. 8.953/1994, afirmar, desde logo, a má-fé do adquirente do imóvel penhorado. Com o advento do § 4º do art. 659 do CPC (redação dada pela Lei n. 8.953/1994), nada de substancial se operou a respeito. 2. Convém evitar a confusão entre (a) a fraude à execução prevista no inciso II do art. 593, cuja configuração supõe litispendência e insolvência, e (b) a alienação de bem penhorado (ou arrestado, ou seqüestrado), que é ineficaz perante a execução independentemente de ser o devedor insolvente ou não. Realmente, se o bem onerado ou alienado tiver sido objeto de anterior constrição judicial, a ineficácia perante a execução se configurará, não propriamente por ser fraude à execução (CPC, art. 593, II), mas por representar atentado à função jurisdicional. 3. Em qualquer caso, impõe-se resguardar a situação do adquirente de boa-fé. Para tanto, é importante considerar que a penhora, o seqüestro e o arresto são 336 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA medidas que importam, em regra, a retirada do bem da posse de seu proprietário. Assim, é lícito que se presuma, em se tratando de bem móvel, a boa-fé do terceiro que o adquire de quem detenha a posse, sinal evidente da ausência de constrição judicial. A mesma presunção milita em favor de quem adquire bem imóvel, de proprietário solvente, se nenhum ônus ou constrição judicial estiver anotado no registro imobiliário, presunção que, com maior razão, se estende aos posteriores adquirentes, se houver alienações sucessivas. É presunção juris tantum, cabendo ao credor o ônus de desfazê-la. O registro, porém, faz publicidade erga omnes da constrição judicial, de modo que, a partir dele, serão ineficazes, perante a execução, todas as posteriores onerações ou alienações do imóvel, inclusive as sucessivas. 4. Recurso especial desprovido (REsp n. 494.545-RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 14.09.2004, DJ 27.09.2004, p. 214 - grifou-se). Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 737.000-MG (2005/0049017-5) Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Recorrente: Ângela de Lima e outro Advogados: Flávio Couto Bernardes Flávio de Mendonça Campos e outro Luiz Guilherme de Melo Borges Recorrido: Marcelo da Silva Cataldo e outro Advogado: Belmar Azze Ramos - defensor público Interessado: Savoi Sena Arquitetura e Construções Ltda. e outro EMENTA Recurso especial. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel proposta contra a construtora e seus sócios. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 28, caput e § 5º, do CDC. Prejuízo a consumidores. Inatividade da empresa por má administração. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 337 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel movida contra a construtora e seus sócios. 2. Reconhecimento pelas instâncias ordinárias de que, em detrimento das consumidoras demandantes, houve inatividade da pessoa jurídica, decorrente da má administração, circunstância apta, de per si, a ensejar a desconsideração, com fundamento no art. 28, caput, do CDC. 3. No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard doctrine, bastando a caracterização da dificuldade de reparação dos prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária. 4. Precedente específico desta Corte acerca do tema (REsp n. 279.273-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 29.03.2004). 5. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar -lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator DJe 12.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de ação ordinária de resolução de contrato de promessa de compra e venda proposta por Ângela de Lima e outra em face de Savoi Sena Arquitetura e Construções Ltda. e seus sócios, Marcelo da Silva Cataldo e outros. 338 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA A pretensão deduzida nos autos diz respeito à pretensão de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel firmado entre as partes, bem como de restituição do sinal e das parcelas pagas, diante da paralisação e abandono das obras por parte da construtora. Requereram as autoras, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, a fim de alcançar o patrimônio dos seus sócios. Em primeiro grau de jurisdição, foi determinada a desconsideração da personalidade jurídica, com base no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, “não só em decorrência da aparente inatividade da ré, como também da má administração promovida pelos sócios, facilmente comprovada pela paralisação das obras do citado edifício” (fls. 145). Ao final, os pedidos foram julgados procedentes. O extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais deu provimento à apelação interposta por três dos sócios (Marcelo da Silva Cataldo, Geraldo Gabriel de Paiva e Roberto Rodrigues Maia), reconhecendo a impossibilidade de desconsideração da personalidade jurídica e, conseqüentemente, a ilegitimidade dos apelantes para figurarem como réus na demanda. Eis a ementa do julgado: Ação de rescisão de contrato. Desconsideração da personalidade jurídica. Ausência de provas. - Só se verifica a responsabilidade pessoal dos sócios por dívida da sociedade, se se provar, em processo regular, com ampla possibilidade de defesa, o excesso de poderes ou infração da lei. - Os bens dos sócios somente respondem pela condenação, se comprovado que os mesmos, na qualidade de sócios-gerentes, praticaram atos com excesso de poderes ou infração da lei, provocando prejuízos a terceiros (fls. 105). O aresto desafiou dois embargos de declaração, ambos desacolhidos. As autoras interpuseram, então, recurso especial, com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal. Nas razões do especial, alegaram as recorrentes violação ao art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que (a) houve prejuízo a consumidores, o que, por si só, autoriza o disregard, de acordo com a teoria menor da desconsideração; bem como (b) a má administração da sociedade decorre de fatos incontroversos e reconhecidos pela Corte de origem, quais sejam: “paralisação da obra, paralisação da própria empresa, dissolução irregular de seu estabelecimento, sem que fossem deixados bens suficientes para satisfação RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 339 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA dos credores, e fuga de três de seus quatro sócios da praça onde a empresa atuava” (fls. 156). Aduziram, ainda, ofensa ao art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de que “deveria o TAMG, no limite, caso entendesse realmente insuficiente a prova produzida, aplicar o art. 6º, VIII, do CPC, de molde a permitir a inversão do ônus” (fls. 158). Houve oferecimento de contra-razões. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas, a irresignação recursal das autoras merece acolhida. Cinge-se a controvérsia, neste momento processual, à verificação da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, a fim de alcançar o patrimônio de seus sócios, ora recorridos. No Direito brasileiro, disputam o regulamento legislativo dessa matéria, em se tratando de relações contratuais de direito privado, os enunciados normativos do art. 50 do Código Civil e do art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, verbis: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Acerca da conciliabilidade e do âmbito de incidência dos mencionados dispositivos legais, esta Terceira Turma, em emblemático precedente, envolvendo a explosão de shopping center na Cidade de Osasco-SP, com voto vencedor da eminente Ministra Nancy Andrighi, teve a oportunidade de decidir: 340 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Responsabilidade civil e Direito do Consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos. (REsp n. 279.273-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 29.03.2004). Em comentário a este julgado, observa André Luiz Santa Cruz Ramos (Direito Empresarial Esquematizado, São Paulo: Método, 2010, p. 353-354): RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 341 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Nesse acórdão, o STJ entendeu: (i) que a regra geral sobre a disregard doctrine no Brasil é o art. 50 do Código Civil; e (ii) que para a aplicação da teoria da desconsideração é preciso, “para além da prova da insolvência”, a demonstração do desvio de finalidade (que a relatora associa à concepção subjetivista) ou da confusão patrimonial (que a relatora associa à concepção objetivista). (...) A análise do acórdão também deixa claro que o STJ entendeu que, no direito do consumidor e no direito ambiental, aplica-se a disregard doctrine quando há o mero prejuízo do credor (por haver regras legais específicas nesse sentido) (...). Por fim, registre-se que o acórdão faz uso das expressões teoria maior e teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que foram lançadas por Fábio Ulhoa Coelho, mas que hoje não são usadas nem mesmo por ele nas últimas edições de sua obra. A expressão teoria maior é usada para identificar a regra legal geral que admite a desconsideração quando há abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50 do Código Civil). Por outro lado, a expressão teoria menor é usada para identificar as regras legais específicas que admitem a desconsideração quando há o mero prejuízo do credor, ou seja, a simples insolvência da pessoa jurídica (art. 28, § 5º, do CDC, e art. 4º da Lei n. 9.605/1998). Destarte, resta claro que, no contexto de uma relação de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, por meio da disregard doctrine, a partir da caracterização da configuração de prejuízo de difícil e incerta reparação em decorrência da insolvência da sociedade. Na espécie, é nítida a dificuldade na reparação do prejuízo experimentado pelas autoras, ora recorrentes, consubstanciado, nos termos da sentença prolatada em primeiro grau de jurisdição, na circunstância de que, “conquanto tenha sido estipulado no contrato a data de 28.02.1999 para a entrega da construção do prédio e respectivas unidades imobiliárias, livre e desembaraçada de quaisquer ônus e gravames, os réus não cumpriram o avençado, eis que a obra permanece completamente paralisada, a despeito das autoras terem quitado o valor inicial do contrato e mais 30 (trinta) parcelas, de um total de 36 (trinta e seis)” (fls. 144). Possível, pois, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, com fundamento no art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor. Ainda que assim não fosse, a desconsideração, in casu, poderia ser determinada com base no caput do dispositivo legal em apreço. 342 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Com efeito, nos termos do segundo acórdão integrativo proferido pela Corte de origem, “existe, nos autos, vistoria comprovando que a construção do imóvel adquirido pelas recorrentes foi indevidamente paralisada, desde praticamente o seu início (f. 134) e, também, fortes indícios de que a sociedade vendedora do bem se dissolveu de forma irregular, não se tendo, inclusive, localizado todos os seus sócios, tornando-se necessário que a maioria destes fosse representada, nestes autos, por curador especial” (fls. 140-141). Destarte, resta claro que, em detrimento dos consumidores, houve inatividade da pessoa jurídica decorrente, quando menos, de má administração, circunstância apta, de per si, a ensejar a aplicação da disregard doctrine. Correto, pois, o magistrado sentenciante ao determinar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré. Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, restabelecendo os comandos da sentença prolatada em primeira instância, inclusive quanto aos ônus sucumbenciais. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 935.003-BA (2006/0267942-5) Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva Recorrente: Apotex do Brasil Ltda. Advogados: Flávio Luiz Yarshell e outro(s) Carlos Roberto Fornes Mateucci e outro(s) Maise Gerbasi Morelli Paulo Roberto Murray José Luiz Cabello Campos e outro(s) Recorrido: DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos Ltda. e outros Advogado: Arnaldo Rocha Mundim Júnior Interessado: Alberto Murray Neto Advogado: Carlos Roberto Fornes Mateucci e outro(s) RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 343 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EMENTA Recurso especial. Direito Processual Civil. Ação de indenização. Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência. Prequestionamento. Ausência. Súmula n. 211-STJ. Retificação de voto. Possibilidade, até a proclamação do resultado final do julgamento. Agravo retido. Matéria preliminar ao julgamento da apelação. Cláusula compromissória e laudo arbitral. Reexame de cláusulas contratuais e de provas. Inviabilidade. Súmulas n. 5 e n. 7-STJ. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e doutrina. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211 do STJ). 3. Nos órgãos colegiados dos Tribunais, enquanto não encerrado o julgamento - pela proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos - qualquer dos seus membros pode retificar o voto anteriormente proferido, inclusive quanto a questões preliminares já apreciadas. 4. O agravo retido, apesar de constituir recurso distinto da apelação, com objeto e fundamento próprios, possui sua apreciação condicionada, não só à reiteração expressa nas razões ou na resposta da apelação, mas também à própria admissibilidade do recurso de apelação. Constitui, portanto, matéria preliminar ao julgamento da apelação. 5. As conclusões da Corte de origem acerca da inaplicabilidade da cláusula compromissária ao caso dos autos, bem como da ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta ação de indenização e o conflito que gerou a instalação do juízo arbitral, decorreram inquestionavelmente do exame das cláusulas insertas no acordo de quotistas e da análise do conjunto probatório dos autos. A revisão desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do recurso especial, nos termos das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ. 344 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA 6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e nesta parte negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator DJe 28.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial interposto por Apotex do Brasil Ltda., com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Noticiam os autos que, em fevereiro de 1999, foi celebrado “contrato de compra de cotas” entre DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza Andrade, José do Patrocínio de Andrade Filho e Elmeco Prod. Med. Ltda., como vendedores, e a recorrente, na condição de compradora, visando a transferência de 51% (cinquenta e um por cento) das cotas emitidas e em circulação do capital da sociedade Ibfarma Indústria de Biotecnologia Farmacêutica Ltda. (fls. 172-198, vol. 1). Na mesma ocasião, foi celebrado “acordo de cotistas” entre as mesmas partes (fls. 685-695, vol. 4). Em 1º.03.1999, a Ibfarma Indústria de Biotecnologia Farmacêutica Ltda., por meio da celebração de “protocolo de intenções”, promoveu associação com a ora recorrente buscando o “desenvolvimento de indústria para fabricação de produtos farmacêuticos no Estado da Bahia” (fls. 76-80, vol. 1). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 345 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Na data de 14.12.2000, foi instituída arbitragem, a pedido da Apotex, tendo sido proferido, em 15.01.2002, laudo do Tribunal Arbitral (fls. 2.349-2.384, vol. 12). Já em 12.02.2001, DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza Andrade e José do Patrocínio de Andrade Filho - sócios integrantes da Ibfarma ajuizaram ação de indenização contra a ora recorrente, Alberto Murray Neto e o Banco do Nordeste do Brasil S.A., objetivando condenação dos réus pelos prejuízos que teriam experimentado em virtude da gestão que inquinaram de “temerária e fraudulenta” a cargo da Apotex (fls. 36-46, vol. 1). Referida ação deu origem física aos presentes autos. Contestada a demanda, sobreveio decisão interlocutória rejeitando as preliminares arguidas (fls. 2.248-2.250, vol. 12), o que ensejou a interposição de agravos retidos pela Apotex e por Alberto Murray Neto (fls. 2.304-2.310 e fls. 2.340-2.348, vol. 12). O juízo de primeiro grau, na sentença, afastou as preliminares e julgou procedente o pedido (fls. 2.408-2.418, vol. 13). Inconformados, apelaram o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fls. 2.4242.434, vol. 13), a Apotex do Brasil Ltda. (fls. 2.437-2.453, vol. 13) e Alberto Murray Neto (fls. 2.460-2.486, vol. 13). Incluído o processo em pauta, na sessão do dia 30.09.2003, foi proferido voto pela Relatora “acolhendo a preliminar de carência de ação e extinguindo o processo sem julgamento do mérito em relação à apelação de Apotex do Brasil Ltda., e o voto da revisora apreciando em blocos os agravos retidos da Apotex do Brasil Ltda. e Alberto Murray Neto, acolhendo ambos e extinguindo o processo sem julgamento do mérito (...), pediu vista o Des. José Milton Mendes de Sena” (fl. 2.553, vol. 13). Prosseguindo o julgamento, na sessão do dia 04.11.2003, assim ficou registrado na respectiva certidão: “Acolheu-se por unanimidade o agravo retido em relação à Apotex, extinguindo-se o processo sem conhecimento de mérito, rejeitando-se por maioria o agravo retido de Antônio Murray, em seguida suspendeu-se o julgamento do processo para designação de um Relator, para o julgamento do mérito” (fl. 2.553, verso - vol. 13). Na sessão do dia 28.09.2004, foi o processo retirado de pauta para conferir oportunidade às partes de manifestação acerca de documentos juntados aos autos (fls. 2.620, 2.717-2.718, vol. 14). 346 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Designado novo relator, em virtude da aposentadoria da relatora originária, foi o feito mais uma vez submetido a julgamento, em 16.08.2005, tendo sido consignado o seguinte resultado parcial: Avaliando a questão do reexame do agravo retido, admitiu por maioria rever o resultado, para rejeitar o agravo retido da Apotex do Brasil, reconhecida a sua legitimidade ao processo. Rejeitadas as preliminares de cerceamento de defesa e nulidade de sentença, por unanimidade, transferindo para o mérito o julgamento da terceira preliminar de falta de responsabilidade de Alberto Murray Neto, no mérito, o relator negou-se provimento aos recursos de Alberto Murray Neto, Apotex do Brasil e do BNB - Banco do Nordeste do Brasil S.A. - Após o voto da revisora dando provimento aos recursos de: Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do Brasil S.A., negando provimento ao recurso da Apotex do Brasil. O relator, reconsiderando seu voto aderiu a manifestação da revisora, para dar provimento aos recursos de Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do Brasil S.A., mantendo a decisão que negou-se provimento ao recurso da Apotex do Brasil, após o que pediu vista dos autos o Des. Eduardo Jorge - 3º julgador (fl. 2.840, verso, vol. 15). Levado novamente em pauta, na sessão do dia 06.09.2005, foi concluído o julgamento do processo e lavrado o acórdão, nos seguintes termos: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 17.291-5/2003, de Salvador-BA, figurando como partes apelantes Banco do Nordeste do Brasil S/A, Apotex do Brasil Ltda. e Alberto Murray Neto, e apelados DPM - Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza Andrade e José Patrocínio Andrade Filho. Acordam os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, por maioria, vencido o Des. Eduardo Jorge Mendes de Magalhães, a colher novos votos e negar provimento ao agravo retido da Apotex do Brasil Ltda., reconhecida a sua legitimidade no processo. E por unanimidade: rejeitadas as preliminares de cerceamento de defesa e nulidade da sentença; transferido para o mérito o julgamento da 3º preliminar de falta de responsabilidade de Alberto Murray Neto. No mérito, deu-se provimento aos recursos de Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do Brasil S/A, à unanimidade, invertendo-se o ônus da sucumbência no particular; e negou-se provimento ao recurso da Apotex do Brasil Ltda., à unanimidade, com a fixação de uma indenização por danos morais em valor equivalente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, atualizável, a partir desta data, segundo às variações do INPC (fl. 2.846, vol. 15). O arestou ficou assim ementado: RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 347 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Processo Civil. Apelação cível. Má administração de sociedade. Dívida contraída. Danos sofridos. Responsabilidade configurada. Indenização. Sentença procedente. 1. Caracterizada a direção temerária de empresa pelo controlador, e desta conduta acarretando danos para os sócios minoritários, age com acerto a sentença que condena o gestor ao pagamento de indenização. 2. O mandatário, por não agir em nome próprio, mas segundo as diretrizes e interesses do mandante, não responde pessoalmente pelos atos praticados. 3. Não há ilicitude, em princípio, no ato de demandar em juízo contra aquele que figura contra avalista de título de crédito. 4. Procedente o pedido de indenização por danos morais, deve seu valor ser fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, não se concebendo seja esta parcela indenizatória quantificada em sede de liquidação de sentença (fl. 2.845, vol. 15). Os embargos de declaração opostos por Alberto Murray Neto (fls. 2.865-2.867, vol. 15) e pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fls. 2.878-2.879, vol. 15) foram acolhidos para “fixar em valor equivalente a 50 (cinquenta) salários mínimos os honorários de sucumbência devidos pela parte autora, solidariamente, a cada um dos referidos Embargantes” (fl. 2.891, vol. 15). Já os embargos de declaração opostos pela Apotex do Brasil Ltda. (fls. 2.8702.876, vol. 15) e pela DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos Ltda. (fls. 2.881-2.888, vol. 15) foram rejeitados. Eis a ementa do acórdão: Processual Civil. Embargos de declaração em apelação cível. Honorários de sucumbência. Parâmetros. Art. 20, § 4º, CPC. Inexistência de pontos contraditórios ou omissos no acórdão embargado. Pretensão de devolução de matéria. Impossibilidade. 1. Se a hipótese não contempla condenação, devem os honorários de sucumbência ser fixados segundo a apreciação eqüitativa do julgador, como dispõe o art. 20, § 4º, do CPC. 2. A estreita via dos embargos de declaração não autoriza a devolução de matéria já decidida (fl. 2.890, vol. 15). Opostos novos embargos de declaração pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fls. 2.900-2.902, vol. 15), foram rejeitados (fls. 2.904-2.907, vol. 15). Nas razões do especial (fls. 2.924-2950, vol. 15), alega a ora recorrente violação dos seguintes dispositivos com as respectivas teses: (i) artigos 267, incisos V e VII, do Código de Processo Civil e 31 da Lei n. 9.307/1996 porque teria o Tribunal de origem desconsiderado a cláusula arbitral que regia o conflito entre as partes, bem como o processo resolvido pelo Tribunal Arbitral; (ii) artigos 46 e 47 do Código de Processo Civil - ao argumento de que não há litisconsórcio necessário entre a recorrente e o Banco do Nordeste do Brasil; 348 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA (iii) artigos 463, 523, 556 e 557 do Código de Processo Civil - entendendo não ser possível a renovação do julgamento do agravo retido, cujo resultado já havia sido publicado; (iv) artigos 496, incisos I e II, 522 e 523 do Código de Processo Civil - sustentando que o julgamento do agravo retido não se confunde com o julgamento da apelação; (v) artigo 462 do Código de Processo Civil - defendendo a ausência de questões novas aptas a interferir no julgamento realizado ou modificar os votos já proferidos no agravo retido; (vi) artigo 330 do Código de Processo Civil - suscitando cerceamento do seu direito de defesa ao ser impedido de produzir provas, em especial, com relação à: “(1) ciência e anuência dos Recorridos quanto a todos os atos praticados; (2) inexistência de atos de má-gestão ou ilícitos; (3) inexistência de prejuízos” (fl. 2.931, vol. 15) e (vii) artigos 458, inciso II, e 535, inciso II, do Código de Processo Civil - por negativa de prestação jurisdicional ao deixar o Tribunal de origem de se manifestar em sede de embargos declaratórios acerca de contradição apontada no julgado recorrido. Com as contrarrazões (fls. 3.079-3.092, vol. 16) e não admitido o recurso na origem (fls. 3.113-3.120, vol. 16), foi provido o recurso de agravo de instrumento para melhor exame do recurso especial em decisão da lavra do Ministro Ari Pargendler (fl. 3.147, vol. 16). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Não merecem acolhida as pretensões da recorrente. Da alegada negativa de prestação jurisdicional De início, inviável o acolhimento da pretensão recursal no tocante ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil. Segundo a recorrente, o Tribunal de origem teria partido da “premissa (equivocada) de que o processo arbitral tinha causa de pedir diferente do processo judicial” (fl. 2.947, vol. 15). Logo, não poderia, no seu entendimento “ter adotado como razão de decidir as conclusões do laudo arbitral” (fl. 2.948, vol. 16). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 349 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sob sua ótica, referida contradição enseja ausência de fundamentos e deveria ter sido sanada em sede de embargos declaratórios. O que se verifica dos autos, entretanto, é que o Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo fato de o acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte. Sobre o tema, o seguinte precedente: Civil e Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento. Embargos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional. (...) 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC (...). (AgRg no Ag n. 1.160.319-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 26.04.2011, DJe 06.05.2011). Pelas mesmas razões, não é o caso de ausência de fundamentação a ensejar a nulidade do julgado por contrariedade ao art. 458, inciso II, do CPC, mas, sim, motivação contrária aos interesses da recorrente. Quanto ao tema, há muito se encontra pacificada a jurisprudência desta Corte no sentido de que, “se os fundamentos do acórdão não se mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam. Não pode confundir ausência de motivação com fundamentação contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 16.11.1994, DJ 12.12.1994 p. 34.335). Da ausência de prequestionamento No tocante ao conteúdo normativo do art. 330 do Código de Processo Civil, não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo implícito, apesar de opostos embargos de declaração. Com efeito, o Tribunal de origem, em sede de embargos declaratórios, instado a se manifestar acerca da nulidade do processo em função do julgamento 350 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA antecipado da lide, anotou tratar-se a irresignação de “autêntica inovação, uma vez que não foi suscitado na apelação qualquer cerceamento ao princípio da ampla defesa, do qual é corolário o direito à produção de provas” (fl. 2.896, vol. 15). Por esse motivo, ausente o prequestionamento, incide o disposto na Súmula n. 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”. Do apontado vício no julgamento Nas razões do especial, a recorrente defende a tese de que o julgamento do agravo retido não se confunde com o da apelação, de modo que impossível a renovação do julgamento do agravo retido, cujo resultado já havia sido anunciado publicamente. A teor do art. 556 do Código de Processo Civil, “Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor”. Este Superior Tribunal, interpretando referido dispositivo, firmou orientação no sentido de que, nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos. Enquanto não encerrado o julgamento, qualquer dos seus membros, inclusive o relator, pode retificar o voto anteriormente proferido. Nesse sentido: Processual Civil. Recurso especial. Retificação do voto após proclamado o resultado do julgamento. Impossibilidade. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que, nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos. Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retificar o voto anteriormente proferido. Nesse sentido são os seguintes precedentes: HC n. 22.214-SP, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25.11.2002, p. 250; REsp n. 351.881-PB, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 07.06.2004, p. 216; REsp n. 258.649-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 13.09.2004, p. 173; HC n. 64.835-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ 13.08.2007, p. 393; REsp n. 1.080.189-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 20.10.2008; AgRg no REsp n. 704.775-SC, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29.03.2010. 2. Recurso especial provido. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 351 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (REsp n. 1.086.842-PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 14.12.2010, DJe 10.02.2011). Agravo regimental no Resp. Processual Civil. Execução provisória de título executivo judicial constituído em ação rescisória. Liquidação por arbitramento processada no Tribunal de Justiça. Quantum debeatur. Critério utilizado na perícia. Voto divergente. Embargos infringentes conhecidos e providos. Impossibilidade de modificação do julgamento após proclamação do resultado. Ofensa aos artigos 463 e 556 do CPC configurada. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. Acolhidos os embargos infringentes, por meio dos quais o Tribunal resolveu apreciar a “impugnação”, determinando que fosse feita nova perícia por entender que o laudo pericial, que serviu de base para os cálculos de liquidação, não se ateve ao decidido no acórdão da ação rescisória, não poderia o Tribunal recorrido, após a proclamação daquele julgamento, proceder à sua modificação, sob pena de ofensa aos artigos 463 e 556 do CPC. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 704.775-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04.03.2010, DJe 29.03.2010). Administrativo. Processo Civil. Ação indenizatória contra a Fazenda Pública. Prazo quinquenal. Retificação de voto pelo relator. Possibilidade, até a proclamação do resultado do julgamento. 1. Nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos. Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retificar o voto anteriormente proferido. (...) 3. Recurso especial desprovido. (REsp n. 258.649-PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 17.08.2004, DJ 13.09.2004, p. 173). A doutrina corrobora tal posicionamento ensinando que, enquanto não concluído o julgamento, qualquer magistrado integrante do órgão colegiado poderá modificar o seu voto, inclusive quanto a questões preliminares já apreciadas. A propósito, NERY e NERY, em seus comentários: Qualquer juiz do órgão colegiado poderá alterar o seu voto, enquanto não terminado o julgamento. Isto pode ocorrer inclusive quanto à matéria preliminar, se for de ordem pública. Isto porque a questão de ordem pública não está 352 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA sujeita à preclusão do CPC 471, de sorte que, a qualquer tempo, enquanto não terminado o julgamento, o juiz pode voltar atrás e mudar o seu voto quanto à preliminar de ordem pública ou quanto ao próprio mérito do recurso ou ação originária. A mudança de voto pode ser feita até o momento imediatamente anterior à proclamação do resultado. Anunciado o resultado, tem-se por terminado o julgamento e não poderá mais haver alteração de voto (Código de Processo Civil comentado, 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 1.008). Conclui-se, portando, que até a proclamação do resultado da votação de todas as questões suscitadas nos recursos submetidos ao colegiado é viável a retificação dos votos sem nenhuma afronta aos dispositivos apontados como malferidos. Daí porque não há falar em proclamação de resultado parcial do julgamento coletivo aperfeiçoando-se este, tão somente, com a proclamação do resultado final acerca de todas as questões debatidas: preliminares e de mérito. Sobre o ponto, oportuna a anotação de Humberto Theodoro Júnior: Há dois atos de publicação no julgamento colegiado de Tribunal: o primeiro se dá quando se completa a votação e o presidente proclama, na sessão de julgamento, o resultado a que a Turma julgadora chegou (isto é, a conclusão do “acórdão”); nesse momento se tem por cumprida e acabada a prestação jurisdicional a cargo do Tribunal, motivo pelo qual não mais poderão os juízes alterar seus votos. O segundo ato de publicação se dá depois que o relator redige o texto do acórdão já proclamado na sessão pública de julgamento, e consiste na divulgação das respectivas conclusões pela imprensa oficial (art. 564). (...) (Código de Processo Civil anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 647). No caso dos autos, houve renovação do julgamento do agravo retido, após sucessivas suspensões do julgamento - primeiro em razão de pedido de vista, depois em virtude da aposentadoria da relatora originária e, por último, para conferir às partes oportunidade de manifestação acerca de documentos juntados aos autos -, ocasião em que foram colhidos novos votos e alterado o resultado do julgamento do agravo retido. Somente na sessão seguinte foi efetivamente concluído o julgamento de todas as questões e proclamado o resultado final do acórdão, conferindo publicidade ao julgamento colegiado. O fato de tratar-se, no caso concreto, de matéria arguida em sede de agravo retido não apresenta nenhuma particularidade apta a afastar o referido entendimento. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 353 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA É que o agravo retido, apesar de constituir recurso distinto da apelação, com objeto e fundamento próprios, possui, a teor do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, sua apreciação condicionada não só à reiteração expressa nas razões ou na resposta da apelação, mas também à própria admissibilidade do recurso de apelação. Nesse rumo: Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional. Matéria suscitada em momento inoportuno. Inexistência. Embargos de declaração intempestivos. Impugnação via agravo retido. Apelação extemporânea. Recursos não conhecidos. Tempestividade dos aclaratórios. Matéria preclusa. Recurso improvido. (...) 2. Agravo retido. Ausência de autonomia recursal. Apreciação pela Corte originária. Condição: conhecimento da apelação. Relação de dependência do agravo retido para com o apelo. 3. Apelação intempestiva não conhecida pelo Tribunal de origem. Consequência: não conhecimento da matéria deduzida no agravo retido extemporaneidade dos aclaratórios. 4. Intempestividade dos embargos de declaração. Impugnação por meio de agravo retido. A simples interposição do agravo retido não tem o condão de tornar os embargos de declaração tempestivos, porquanto não há no ordenamento jurídico regra que confira tal efeito ao agravo apresentado na modalidade retida. 5. Agravo retido. Interrupção de prazo. Inocorrência. Somente os aclaratórios interpostos tempestivamente possuem a aptidão de interromper o prazo recursal. In casu, os motivos que conduziram a extemporaneidade dos embargos de declaração não foram apreciados pelo Tribunal a quo. 6. Recurso improvido. (REsp n. 709.426-BA, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 07.10.2010, DJe 20.10.2010). A respeito, a doutrina de José Carlos Barbosa Moreira: (...) o agravo retido, já se registrou, não está sujeito a deserção. Se, todavia, deserta ficar a apelação, e por isso não subir ao Tribunal, é claro que tampouco subirá o agravo. O mesmo se dirá de qualquer outra hipótese em que a apelação tenha barrada a sua marcha no juízo a quo. Por outro lado, mesmo que a apelação suba, o agravo retido não será apreciado se daquela não puder conhecer o órgão ad quem: nesse caso, com efeito, a sentença haverá transitado em julgado no momento em que ocorreu a causa de inadmissibilidade (...), e nenhum sentido teria reexaminar a solução de questão incidente. Significa isso que, embora o 354 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA agravo deva em princípio ser julgado antes da apelação (“preliminarmente”, reza o texto), dele não se ocupará o Tribunal sem antes certificar-se de que a apelação é admissível (Comentário ao Código de Processo Civil. v. 5. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 504-505). Nessa linha, os ensinamentos de Pontes de Miranda, com as atualizações de Sérgio Bermudes: Se não houver apelação, o agravo retido não subsiste, mas ele se julga antes dela, de sorte que primeiro se decide o agravo e depois a apelação. Pode, entretanto, ocorrer a necessidade de se verificar se, efetivamente, se interpôs apelação válida ou eficaz, como não acontecerá na hipótese de inexistência dela (v.g., juntou-se aos autos, por equívoco, a apelação interposta de outra sentença), da sua intempestividade, ou de desistência. Se houve fato ou ato processual suscetível de apagar a apelação, ou se apelação não se interpôs, incumbe a verificação dessas circunstâncias, antes do julgamento do agravo, cujo conhecimento pressupõe a apelação (Comentários ao Código de Processo Civil. t. 7. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 244). O agravo retido constitui, portanto, matéria preliminar ao julgamento da apelação, de modo que se encontra intimamente vinculado ao seu julgamento (nesse sentido, cite-se ainda: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. v. 5. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 175; FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 7. São Paulo: RT, 2001, p. 215, e MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. v. 4. Campinas: Millennium, 1999, p. 198). Nesse contexto, nada impedia mesmo os julgadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia de, apresentado novamente o processo, após a suspensão da sessão, renovar o julgamento do agravo retido e rejeitá-lo. Da cláusula compromissória e do laudo arbitral Segundo a recorrente, teriam as instâncias ordinárias desconsiderado a cláusula arbitral que regia o conflito entre as partes, bem como o laudo arbitral, que, se respeitados, ensejariam a extinção do processo sem resolução do mérito, a teor do que dispõe o art. 267, incisos V e VII, do Código de Processo Civil. A seu ver, “a cláusula VIII (Item n. 8.10) do contrato de transferência de cotas societárias e a cláusula X (Item n. 10.2) do contrato de cotistas determinam RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 355 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que os conflitos entre as litigantes devem ser resolvidos mediante arbitragem perante a Câmara de Comércio Brasil/Canadá” (fl. 2.932, vol. 15). Também argumenta que foi reproduzida perante o Poder Judiciário “rigorosamente a mesma demanda” (fl. 2.934, vol. 15) resolvida pelo Tribunal Arbitral. É certo que após o advento da Lei n. 9.307/1996 - Lei de Arbitragem, a eleição da convenção de arbitragem, seja na modalidade de cláusula compromissória seja na de compromisso arbitral, passou a afastar, obrigatoriamente, a solução judicial do conflito. Daí porque o art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil passou a prever a extinção do processo sem resolução de mérito diante da existência de convenção de arbitragem. Nesse sentido, a lição de Carlos Alberto Carmona: Até o advento da Lei n. 9.307/1996, somente o compromisso arbitral teria o condão de instituir o juízo arbitral. Exceção feita às hipóteses tratadas na Convenção de Genebra, a cláusula compromissória, sempre tida entre nós como mero pacto de contrahendo, não servia para afastar a competência do juiz togado, e muito menos tinha o condão de instituir o juízo arbitral: quando muito, serviria para obrigar a parte renitente a celebrar compromisso arbitral, daí seu inafastável caráter de pré-contrato, que para muitos não gerava efeito algum. A nova lei põe fim a este estado de coisas, tratando num mesmo capítulo - e sob a mesma rubrica - tanto a cláusula como o compromisso. A mudança não é apenas formal, como se percebe, pois doravante tanto a cláusula como o compromisso são aptos a afastar a jurisdição estatal e a instituir a arbitragem, sendo de insistir que não há mais obrigatoriedade de firmarem os litigantes um compromisso arbitral; (...) (Arbitragem e Processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 87). Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar nesse sentido: Processual Civil. Recurso especial. Cláusula arbitral. Lei de Arbitragem. Aplicação imediata. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato internacional. Protocolo de Genebra de 1923. - Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito. - Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda 356 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as normas processuais têm aplicação imediata. - Pelo Protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compromisso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais conflitos à arbitragem, ficando afastada a solução judicial. - Nos contratos internacionais, devem prevalecer os princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica a análise da cláusula arbitral sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923. Precedentes. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido. (REsp n. 712.566-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 407). Processual Civil. Arbitragem. Obrigatoriedade da solução do litígio pela via arbitral, quando existente cláusula previamente ajustada entre as partes neste sentido. Inteligência dos arts. 1º, 3º e 7º da Lei n. 9.307/1996. Precedentes. Provimento neste ponto. Alegada ofensa ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 791.260-RS, Rel. Ministro Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ-BA), Terceira Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 1º.07.2010). Ocorre que, no caso dos autos, o Tribunal de origem, à luz da prova dos autos e dos termos das cláusulas contratuais, concluiu que (i) a cláusula compromissória firmada entre as partes não afastou a solução judicial do conflito nos moldes como colocado na presente ação e (ii) não há identidade entre a causa de pedir e o pedido da presente ação de indenização e a matéria submetida ao juízo arbitral. É o que se extrai da leitura do voto condutor do acórdão, merecendo destaque os seguintes trechos: Melhor analisando o feito, entendo que o agravo retido interposto pela apelante Apotex não merece provimento, com o que revejo posição já externada anteriormente. E assim o faço por estar absolutamente convencido de que a cláusula compromissária firmada entre os Apelados e a apelante Apotex não afasta do Poder Judiciário a apreciação do conflito colocado nesta ação. Isso porque enquanto a cláusula compromissária reservou para o juízo arbitral a competência para conhecer e julgar conflitos decorrentes de obrigações contratuais ajustadas no contrato de quotistas, a causa de pedir dos ora Apelados gira em RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 357 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA torno de potencial violação, por parte dos Apelantes, à lei e ao contrato social, o que redundaria na prática de ato ilícito ensejador de responsabilidade civil, cuja procedência, aliás, foi reconhecida pelo juízo a quo. Não bastasse a ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta demanda e do conflito que resultou na instalação do juízo arbitral, é forçoso reconhecer, como muito bem observou o Prof. Humberto Theodoro Júnior em seu parecer, que “pelo menos em um ponto pode se dizer que existe litisconsórcio necessário unitário que estaria a impedir que a sentença arbitral produzisse efeitos válidos: quanto à responsabilidade contratual dos sócios administradores antigos ou novos em face do financiamento celebrado com o Banco do Nordeste. De fato, se o que se pretendeu declarar na sentença arbitral foi a titularidade passiva de uma relação obrigacional que tem por credor a instituição financeira que sequer foi intimada a aceitar o compromisso arbitral, não se pode recusar a existência de um litisconsórcio necessário-unitário desrespeitado e capaz de retirar toda a validade da sentença (fl. 2.849, vol. 15) (grifo nosso). Nesse contexto, o que se vê é que as conclusões da Corte de origem acerca da inaplicabilidade da cláusula compromissária ao caso dos autos, bem como da ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta ação de indenização e o conflito que gerou a instalação do juízo arbitral, decorreram inquestionavelmente do exame das cláusulas insertas no acordo de quotistas e da análise do conjunto probatório dos autos. A revisão desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do recurso especial, nos termos das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ. Ante todo o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento. É o voto. VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Srs. Ministros, cumprimentando os eminentes Advogados pelas sustentações orais, já havia tido conhecimento prévio do voto do eminente Relator. Acuso o recebimento dos memoriais, mas a decisão aqui apresentada pelo Sr. Ministro Relator é consentânea com o meu entendimento. Conheço em parte do recurso especial, mas nego-lhe provimento. 358 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA RECURSO ESPECIAL N. 1.106.625-PR (2008/0259499-7) Relator: Ministro Sidnei Beneti Recorrente: Mauricio Urbanetz Advogado: Suzana Valenza Manocchio e outro(s) Recorrido: Nelson Leandro de Souza Advogado: Fernanda Fortunato Mafra e outro(s) EMENTA Direito Civil. Teoria dos atos jurídicos. Invalidades. Título executivo extrajudicial. Notas promissórias. Agiotagem. Princípio da conservação dos atos e dos negócios jurídicos redução dos juros aos parâmetros legais com conservação do negócio jurídico. 1. - A ordem jurídica é harmônica com os interesses individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão. A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos seus efeitos, estabelece que até mesmo as normas cogentes destinam-se a ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social, respeitados os negócios jurídicos realizados. Deve-se preferir a interpretação que evita a anulação completa do ato praticado, optando-se pela sua redução e recondução aos parâmetros da legalidade. 2. - O Código Civil vigente não apenas traz uma série de regras legais inspiradas no princípio da conservação dos atos jurídicos, como ainda estabelece, cláusula geral celebrando essa mesma orientação (artigo 184) que, por sinal, já existia desde o Código anterior (artigo 153). 3. - No contrato particular de mútuo feneratício, constatada, embora a prática de usura, de rigor apenas a redução dos juros estipulados em excesso, conservando-e contudo, parcialmente o negócio jurídico (artigos 591, do CC/2002 e 11 do Decreto n. 22.626/1933). 4. - Recurso Especial improvido. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 359 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Sidnei Beneti, Relator DJe 09.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Mauricio Urbanetz interpõe recurso especial com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Relator o Desembargador Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima, cuja ementa ora se transcreve (fls. 117-118): Apelação cível. Embargos à execução. Título executivo extrajudicial. Notas promissórias. Sentença “extra petita”. Inocorrência. Agiotagem. Decretação de nulidade da execução. Desnecessidade. Redução. Valor da execução. Sucumbência recíproca. Inocorrência. Pedido sucessivo. Recurso parcialmente provido. 1 - O Juízo monocrático não deixou de apreciar todas as questões levantadas, bem como não decidiu além do pedido, não ultrapassando os limites da ação. 2 - O reconhecimento da prática da agiotagem, por si só, não implica na nulidade das notas promissórias objeto da execução, haja vista a possibilidade de anulação da cobrança de juros usurários com a redução da execução a medida legal. 3 - O valor de R$ 1.808,00 (um mil, oitocentos e oito reais) não representa o valor do primeiro empréstimo realizado, eis que resulta do valor principal acrescido dos juros remuneratórios. Assim, merece reforma a r. sentença, a fim de que sejam considerados os valores originalmente contratados. 4 - Não há que se falar em sucumbência recíproca quando, havendo pedido sucessivo, um deles é deferido na íntegra. 360 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA 2. - O Recorrente alega que as três notas promissórias que instruem a execução contra ele intentada pelo Recorrido são nulas, porque contêm a juros superiores àqueles legalmente permitidos em verdadeira caracterização de agiotagem. 3. - Segundo sustenta, o Tribunal de origem, ao deixar de anular os títulos em questão e autorizar o prosseguimento da execução pelo valor real da dívida, com exclusão dos juros abusivos, teria violado os artigos 1º do Decreto n. 22.626/1933, que tratam de limitação de juros remuneratórios, o artigo 145, II, do Código Civil de 1916, aplicável a espécie, que afirma ser nulo o ato jurídico quando ilícito for o seu objeto e o artigo 11 do referido Decreto n. 22.626/1933, nos termos do qual deve ser considerado nulo de pleno direito o contrato celebrado com infração das disposições contidas naquela norma. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4. - Mauricio Urbanetz opôs embargos à execução proposta Nelson Leandro de Souza, alegando, basicamente, que as notas promissórias indicadas como títulos executivos seriam nulas. Isso porque espelhavam um mútuo celebrado entre particulares no qual estipulados juros ilegais, caracterizadores de agiotagem. Nesses embargos requereu (fls. 13): b) o reconhecimento da nulidade das notas promissórias emitidas pelo Embargante e o acolhimento destes embargos para o fim de ser julgada extinta a execução promovida com base nelas. c) quanto menos, pede, sucessivamente, o acolhimento destes embargos para o fim de ser reconhecida a nulidade das promissórias e reduzida a dívida nelas estampadas para o valor originariamente emprestado, delas excluíndo-se os juros cobrados pelo Embargado. 5. - A sentença julgou procedente em parte os embargos, para, sem anular as promissórias, determinar o prosseguimento da execução, mediante recálculo da obrigação, com exclusão dos juros abusivos (fls. 66-68). 6. - O Tribunal de origem deu parcial provimento à apelação do embargante, apenas para esclarecer que, como havia sido acolhido o pedido sucessivo por ele formulado, os ônus de sucumbência deveriam correr inteiramente por conta do exequente embargado. Quanto ao mais, manteve a sentença. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 361 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 7. - Em sede de recurso especial procura, como relatado, ver reconhecida a nulidade do negócio jurídico firmado com a consequente anulação das notas promissórias. 8. - A Lei da Usura (Decreto n. 22.626/1933) em seu artigo 1º, proíbe expressamente a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal. Ao tempo do Código Civil de 1916, essa taxa legal era aquela prevista no artigo 1.062 daquele diploma, de 0,5% ao mês. Conclui-se, assim, que eram tidos por usurários e, portanto, contrários à lei, os juros estipulados acima a 1% ao mês (12% ao ano). 9. - As instâncias de origem, reconhecendo a verossimilhança das alegações apresentadas pelo embargante, concluíram de forma definitiva pela existência dessa ilegalidade. 10. - Nos termos do artigo 145, II, do Código Civil de 1916 e do artigo 166, II, do Código vigente, é nulo o ato jurídico (lato sensu) quando ilícito for o seu objeto. 11. - Não se discute, nesta sede, questões de ordem processual, como a possibilidade de prosseguimento do processo de execução com base em títulos que tenham sido parcialmente desconstituídos judicialmente. Importa saber, nesta oportunidade, se a invalidação do ato jurídico que tenha um objeto ilícito é medida que se impõem de forma total e inafastável ou se, tal como decidiu o Tribunal de origem, é possível, de alguma forma, salvá-lo. 12. - De início é preciso ter presente que a ordem jurídica não é inimiga dos interesses individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão. A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos, determina que mesmo as regras cogentes existem apenas ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio social. Por isso o ordenamento somente sanciona quando e na medida em que os valores ou interesses impregnados na norma o exijam. Não se pode esquecer que contrato é apenas a veste jurídica de uma operação econômica, pelo que sobreleva o interesse da própria coletividade na manutenção dos efeitos dos negócios jurídicos realizados com vistas à estabilidade social e segurança jurídica. Sempre que possível, portanto, deve-se evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o aos parâmetros da legalidade. 362 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA 13. - O Código Civil, por exemplo, está impregnado de dispositivos que celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. Muito além de um punhado esparso e assistemático de regras inspiradas em uma mesma orientação, a preocupação com a manutenção dos atos jurídicos aproveitáveis foi encarecida pelo legislador de forma expressa e genérica ao dispor, no capítulo V do Código, intitulado “Da Invalidade do Negócio Jurídico” que “Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável” (artigo 184). Essa orientação já existia, por sinal, desde o Código Civil anterior, que, em seu artigo 153, dispunha: “A nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável”. 14. - No caso dos autos, a petição dos embargos à execução narra que o recorrente tomou o empréstimo em questão para atender necessidade premente da empresa de engenharia e consultoria de que é sócio. Nessa situação lembra-se logo do artigo 157 do Código, que estabelece como hipótese de anulabilidade do negócio jurídico a figura da lesão, assim compreendida como a assunção de obrigação manifestamente desproporcional em razão de necessidade premente ou de inexperiência. O parágrafo 2º desse mesmo dispositivo, nitidamente inspirado no princípio da conservação dos atos jurídicos, preceitua que “Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito”. 15. - Dentre as inúmeras hipóteses concretizadoras desse princípio, merece destaque especial o instituto conhecido como “conversão substancial do negócio jurídico” previsto nos artigos 169 e 170 do Código: Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo. Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. 16. - Na hipótese em testilha não há elementos para afirmar com segurança que os juros estipulados no contrato podem ser reduzidos aos patamares legais com base no instituto da conversão, sobretudo porque não se tem como apurar se o mutuante teria celebrado o negócio nesses termos. 17. - Também não é possível afirmar que o negócio deve ser preservado com base no § 2º, do artigo 157, porque não se tem notícia de que o mutuante tenha RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 363 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA concordado com a redução do proveito. Muito pelo contrário, na impugnação aos embargos, ele pleiteou pela improcedência total dos pedidos ali formulados. 18. - Com efeito, mesmo em relação à regra do artigo 184, não se tem uma subsunção perfeita, do fato à norma, porque não é possível afirmar que o mútuo em questão teria uma parte válida e outra inválida. O valor dos juros, com efeito, é da essência da espécie contratual destacada, é elemento estruturante do contrato e não pode ser cindido em partes. ZENO VELOSO, a respeito do tema, ensina que a redução do negócio jurídico às sua parte válida não pode ocorrer quando sobressair um aspecto unitário do ato. Isto é, quando patente que as partes somente o teriam ajustado se fosse válido em seu conjunto, consequentemente não admitindo seu fracionamento. Nessas hipóteses prevalecerá o reconhecimento da nulidade de todo o negócio (VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 95). Na mesma linha, MARCOS BERNARDES DE MELLO entende que mesmo que a separação do negócio em partes seja possível objetivamente, a finalidade do negócio não pode ser desfigurada pela redução, entendendo que, nesse caso, a invalidade total será a regra (MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 64). 19. - Em todo caso, sem dúvida mesmo quando afastada a aplicação desses dispositivos, ainda restaria regra do artigo 591, que, de forma expressa, autoriza a redução dos juros pactuados em excesso (por particulares), independentemente do que teriam as partes convencionado se soubesses da ilegalidade que inquinava o contrato. Confira-se: Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406 (...). 20. - Nem se diga que o artigo 591 do Código Civil de 2002 seja inaplicável ao caso presente, porque celebrado o do negócio jurídico à época da vigência do Código anterior. O comando legal em questão é apenas a explicitação de um princípio jurídico que já existia, como visto, desde o Codex passado (artigos 148 e 153, por exemplo). Não por outro motivo se admite, por exemplo, desde há muito, a revisão dos contratos de mútuo bancário para redução de encargos abusivos, como juros de mora superiores à taxa legal, correção monetária por índice não autorizado, 364 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA cumulação de comissão de permanência com correção monetária etc. Nesses casos sempre se admitiu a declaração de nulidade parcial do contrato, com manutenção das partes válidas e na proporção em que eram válidas. 21. - E, para aplacar qualquer dúvida, quanto à possibilidade de redução dos juros aos patamares legais, cumpre conferir o que dispõe o artigo 11 do Decreto n. 22.626/1933, curiosamente apontado violado pelo próprio recorrente. Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais. Ora, se ao devedor é assegurada a repetição do que houver pago a mais é porque o que foi corretamente, dentro do que autorizado pela norma, não deve ser repetido. E se não deve ser repetido é porque deve ser mantido. Se a lei tivesse imposto a anulação de todo o negócio jurídico ela teria dito que a infração aos seus termos implicaria a resolução do contrato, com restituição das partes ao estado anterior. Não foi isso, porém, o que o legislador disse. Lê-se na norma, repita-se, que será repetido, isto é, devolvido, apenas o que foi pago a maior. 22. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial. RECURSO ESPECIAL N. 1.110.506-DF (2008/0274511-0) Relator: Ministro Sidnei Beneti Recorrente: Evandro Diniz Cotta e outros Advogado: José Carlos de Almeida e outro(s) Recorrido: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil Previ Advogado: Carolina Carvalhais Vieira de Melo e outro(s) EMENTA Direito Civil. Previdência privada. Reserva de poupança. Execução. Atualização da dívida. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 365 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1. - Os índices previstos para juros e correção monetária pelo estatuto da empresa de previdência privada só podem incidir durante o período da contratualidade. Isso precisamente porque o contrato já previa que, até o desligamento do plano, as contribuições pessoais vertidas pelos associados deveriam ser reajustadas por esses índices. 2. - Após o término do contrato, não podem ser aplicados os índices estipulados pelas partes com exclusividade para o período de vigência do contrato. Depois do desligamento dos associados, devem ser aplicados, a depender da situação, quando tão-somente, os juros de mora no índice legal e a correção monetária oficial. 3. - Recurso especial improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Sidnei Beneti, Relator DJe 09.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Evandro Diniz Cotta e outros interpõem recurso especial com fundamento na alínea c do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relatora a Desembargadora Nídia Correa Lima, cuja ementa ora se transcreve (fls. 784): Direito Civil e Processual Civil. Embargos à execução. Plano de previdência privada. Previ – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil. Preliminares de intempestividade e de deserção afastadas. Pagamento de correção monetária sobre as contribuições pessoais com base no IPC. Juros e 366 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA correção monetária contratuais. Limite. Data do desligamento. Sucumbência mínima. Art. 21, parágrafo único, do CPC. 1. Não há necessidade de renovação do pedido de gratuidade de justiça em sede de apelação, tampouco de recolhimento do preparo, porquanto nos termos do art. 9º da Lei n. 1.060/1950, o benefício concedido compreende todos os atos do processo até decisão final do litígio e abrange todas as instâncias. 2. O pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária está previsto no contrato devendo incidir sobre as contribuições pessoais vertidas que não foram pagas por ocasião do resgate. Entretanto, tais encargos contratuais deverão incidir sobre o capital das contribuições pessoais vertidas tão somente até a data de desligamento do empregado do quadro social da empresa empregadora. 3. Verificado que a parte embargada decaiu de parte mínima da pretensão executória, deve a parte embargante arcar com a integralidade do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, conforme dispõe o art. 21, parágrafo único, da Lei Processual Civil. 4. Preliminares rejeitadas. Recursos de apelação e recurso adesivo conhecidos e não providos. 2. - Os embargos de declaração opostos (fls. 796-798) foram rejeitados (fls. 801-807). 3. - Os recorrentes alegam, em síntese, que os juros remuneratórios previstos no Estatuto da empresa recorrida devem incidir sobre as diferenças das contribuições previdenciárias não apenas até a data do desligamento do empregado do quadro da Previ, mas até o efetivo pagamento das diferenças apontadas. Nesse sentido aponta dissídio jurisprudencial, colacionando precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Ressalta que a orientação preconizada no acórdão paradigma visa a assegurar a incidência de juros e correção também no espaço de tempo que vai do desligamento do plano até a citação. Esse posicionamento seria mais isonômico, tendo em vista que os sócios remanescentes, que não se desligaram do plano, continuam recendo os juros contratuais. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4. - A situação fática dos autos é bem delineada na seguinte passagem da sentença (fls. 704-705): RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 367 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Trata-se de Embargos à execução opostos por Previ - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil em face do alegado excesso de execução promovida por Evandro Diniz Cotta e outros. A questão controversa reside apenas nos índices de correção e juros aplicados pelos exequentes, que no entender da executada, causaram o excesso na execução. Foi determinado que se aplicassem na correção monetária do saldo devedor da contribuição pessoal vertida pelos embargado, por ocasião de seus desligamentos do plano de previdência privada administrado pela embargante, os expurgos inflacionários relativos aos meses de junho de 1987, janeiro de 1989, março de 1990, abril de 1990, maio de 1990, fevereiro de 1991 e março de 1991. Não há controvérsia em relação aos índices a serem aplicados na correção da dívida reconhecida, discordando as partes em relação à metodologia a ser empregada na elaboração dos cálculos e encargos acessórios a serem considerados. 5. - Na sentença propugnou-se pela seguinte solução (fls. 705): Devem ser considerados os juros remuneratórios, segundo a regulamentação contratual e juros moratórios previstos desde o inadimplemento de cada uma das prestações, até o efetivo pagamento, com a correção monetária do valor apurado, a partir da aplicação do INPC. No que concerne à aplicação de juros moratórios e correção monetária, a regulamentação advém de normas de ordem pública. Já em relação aos juros remuneratórios, os mesmos são os especificados no contrato, e são previstos desde a admissão do réu, como segurado até o seu efetivo desligamento do plano, devendo recompensar o capital aplicado, nos termos do contrato. 6. - O Tribunal de origem, negou provimento à apelação, reiterando que (fls. 790): No mérito, afirmaram os embargados que a inclusão dos juros e da correção monetária previstos nos estatutos após o saque parcial ocorrido, até a data em que foram efetivamente pagas as cotas retidas indevidamente, não podem ser considerados excesso de execução. Quanto à irresignação dos apelantes, importante ressaltar que assim como ocorre com a aplicação da correção monetária, o Estatuto da Previ também prevê o pagamento de juros contratuais, a teor do disposto no art. 9º, alínea a. Pois bem, considerando que o pagamento dos juros remuneratórios está previsto no contrato, para o caso de desligamento, impõe-se reconhecer que sua incidência também é devida com relação à diferença dos valores da correção monetária sobre as contribuições pessoais vertidas que não foram pagas por ocasião do resgate. Entretanto, mencionados juros e correção monetária 368 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA contratuais deverão incidir sobre o capital das contribuições pessoais vertidas tão somente até a data de desligamento do empregado do quadro social da Previ, sob pena de configurar bis in idem, razão pela qual a exclusão dos valores calculados em período posterior é medida que se impõe. 7. - O acórdão paradigma trazido no recurso especial, de sua parte, assinala que (fls. 815): No tocante ao recurso dos autores, que diz respeito ao período de incidência dos juros remuneratórios de 6%, é de se salientar que os mesmos são previstos no estatuto da ré, em seu artigo 9º e, ao contrário do que ficou estipulado na sentença, deve ser calculado até o efetivo pagamento das diferenças apontadas. 8. - Como se vê, a controvérsia posta no presente recurso especial está em saber se as diferenças devidas em razão da restituição a menor das contribuições de previdência privada podem ser reajustadas com os juros remuneratórios contratualmente estabelecidos, mesmo após o desligamento do sócio até a data do efetivo pagamento, ou se, ao contrário, tais juros somente poderiam incidir durante o período de vigência do contrato. 9. - No caso dos autos, a Previ foi condenada a pagar aos recorrentes valor correspondente à diferença de correção monetária incidente sobre as contribuições pessoais por eles vertidas ao plano de previdência privada. Sucede que o próprio plano de previdência, tendo em conta a sua finalidade precípua, já previa, em seu estatuto, a incidência de juros e correão monetária sobre os valores ordinariamente depositados pelos associados. 10. - Dessa forma é que, na fase de execução, foi considerado, pela contadoria judicial, segundo se infere da sentença, que, sobre a diferença devida em cada mês (expurgos inflacionários relativos aos meses de junho de 1987, janeiro de 1989, março de 1990, abril de 1990, maio de 1990, fevereiro de 1991 e março de 1991) deveriam incidir os índices de atualização previstos no estatuto da empresa, até o desligamento dos associados recorrentes. 11. - Os recorrentes pleiteiam que esses índices devem ser aplicados, também após o encerramento do contrato. O Tribunal de origem disse que isso não poderia acontecer por dois motivos: a) porque as estipulações do contrato só podem ter validade para o período da sua vigência, e b) porque haveria bis in indem. 12. - É de se reconhecer, não merece reparos o posicionamento do acórdão recorrido. De fato, só faz sentido a aplicação dos índices previstos RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 369 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA para juros e correção monetária pelo estatuto da empresa durante o período da contratualidade. Isso precisamente porque durante esse período o contrato já tinha por finalidade o incremento monetário das contribuições pessoais vertidas pelos associados. Após o término do contrato, não podem, naturalmente, ser aplicados os índices previstos pelo contrato com exclusividade para o período de sua vigência. Depois do desligamento dos associados, devem ser aplicados, a depender da situação, quando muito, os juros de mora no índice legal e a correção monetária oficial. 13. - Perceba-se que o Tribunal de origem, quando se referiu a um possível bis in idem que deveria ser evitado, deixou transparecer, que (pelo menos após a citação na ação de cobrança do valor pago a menor), já deveriam correr os juros de mora e a correção monetária nos índices previstos por lei. Segundo se pode inferir, era justamente a incidência em duplicidade dessa atualização (uma vez pelos índices do contrato e outra pelos índices legais) que se pretendeu evitar. 14. - Destaque-se que o dissídio jurisprudencial em que assentado o recurso especial não permite discutir o termo inicial da incidência dos juros e da correção monetária. Não se pode examinar, assim, se a atualização dos valores devidos deve se iniciar logo após o desligamento dos associados ou se isso deve acontecer apenas a partir da citação no processo de conhecimento. 15. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial. RECURSO ESPECIAL N. 1.129.344-SP (2009/0142123-6) (f) Relator: Ministro Massami Uyeda Recorrente: Manufatura de Brinquedos Estrela S/A Advogado: Arnoldo Wald e outro(s) Recorrido: Mattel INC e outro Advogados: Patricia Guimarães Hernandez Luiz Fernando Henry Sant’anna Advogada: Maria Helena Ortiz Bragaglia e outro(s) 370 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA EMENTA Recurso especial. Estrela X Mattel. Parceria para comercialização de brinquedos no Brasil. Ação de indenização por danos morais e materiais. Suposta prática de concorrência desleal e responsabilidade pré-contratual. Negativa de prestação jurisdicional. Não-ocorrência. Alegação genérica de omissão no julgado. Incidência do Enunciado n. 284-STF. Análise de matéria constitucional pelo STJ. Impossibilidade. Revelia. Julgamento antecipado da lide. Pleito de produção de provas. Não-atendimento. Cerceamento de defesa. Ocorrência. Recurso especial provido. I - Todas as questões suscitadas pela recorrente Estrela foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada; II - A alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional atrai a incidência do disposto na Súmula n. 284-STF; III - Este Egrégio Superior Tribunal de Justiça não se presta à análise de matéria constitucional; IV - Ocorre cerceamento de defesa quando, ocorrida a revelia da ré e indeferido o pedido de produção de provas formulado pela autora, o Juiz julga antecipadamente a lide e conclui que a autora não comprovou os fatos constitutivos de seu direito; V - Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Massami Uyeda, Relator DJe 22.09.2011 RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 371 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO O Sr. Ministro Massami Uyeda: Os elementos dos autos dão conta de que Manufatura de Brinquedos Estrela S.A. ajuizou ação pelo rito ordinário em face de Mattel INC. e outro, objetivando em síntese, a condenação das rés ao pagamento de indenização solidária por perdas e danos morais, materiais e lucros cessantes, em razão de suposta prática de concorrência desleal, bem como responsabilidade pré-contratual derivada do fim da parceria empresarial travada pelas partes ao longo de vários anos para a produção e comercialização de brinquedos no Brasil. A revelia dos recorridos Mattel e outro foi decretada pelo acórdão de fls. 605-609, em sede de agravo de instrumento julgado pelo egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Após a instrução processual, o r. Juízo de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado de São Paulo julgou improcedente a demanda (fls. 8.010-8.017, volume n. 41). Interposto recurso de apelação pela Estrela (fls. 8.019-8.049), e apresentadas contra-razões pela Mattel e outro (fls. 8.058-8.076), o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao apelo, conforme assim ementado: Contrato. Validade. Obrigações assumidas livremente pelas partes. Ausência de coação ou má-fé. Aliciamento não comprovado. Concorrência desleal não configurada. Autora que não logrou demonstrar os fatos alegados. Recurso improvido (fl. 8.126). Opostos embargos de declaração pela Estrela (fls. 8.152-8.160), foram eles desacolhidos (fls. 8.164-8.170). No presente recurso especial, interposto pela Estrela, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c, em que alega negativa de vigência dos arts. 165, 319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, inciso I, 458, 471, 473 e 535, inciso II, do Código de Processo Civil; 159 e 160 do Código Civil de 1916; 20, 21 e 29 da Lei n. 8.884/1994, busca a recorrente a reforma do r. decisum, sustentando, em síntese (fls. 8.174-8.215): (i) Preliminarmente, negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista a existência de omissões no acórdão recorrido relativamente aos arts. 165, 319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, 458, 471 e 473 do Código de Processo Civil, 159 e 160 do Código Civil, 20, incisos I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, 372 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n. 8.884/1994, e 5º, incisos LIV e LV, 93, inciso IX, e 173, § 4º, da Constituição Federal de 1988, bem como deficiência na fundamentação do julgado, que não teria apreciado “um dos principais fundamentos jurídicos do pedido da Estrela: a incidência da Lei de Defesa da Concorrência (n. 8.884/1994)”; (ii) Ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que a recorrente teria insistido na realização da audiência de instrução e julgamento, bem como na oitiva das testemunhas e da perita judicial, postulações não atendidas pelo r. Juízo de Direito a quo, alegando a recorrente, ainda, que, “não é possível afastar a produção de provas requeridas pela parte e, ao mesmo tempo, rejeitar sua pretensão por ausência de comprovação”; (iii) Ofensa à coisa julgada, tendo em vista que a realização de audiência de instrução e julgamento já havia sido determinada em despacho saneador transitado em julgado, não podendo o r. Juízo de Direito a quo decidir novamente questões já decididas e atingidas pela preclusão. Assevera, assim, que, saneado o processo, deferindo-se as provas a serem produzidas, não poderia o Magistrado ter antecipado o julgamento da lide, mas sim deveria ter designado audiência de instrução e julgamento; (iv) Desconsideração dos efeitos da revelia, porquanto as recorridas teriam apresentado contestação intempestiva, sendo que deveria o acórdão ter reputado como verdadeiros os fatos alegados pela recorrente (confissão ficta da recorrida); (v) Por fim, caso superadas as questões preliminares, requer o reconhecimento do direito à indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes, por força da alegada responsabilidade pré-contratual das recorridas, que teriam praticado atos ilícitos e de infração à legislação de defesa da concorrência. As recorridas Mattel e outro apresentaram contra-razões ao recurso especial, alegando, preliminarmente, ausência de prequestionamento, incidência do Enunciado n. 7 da Súmula-STJ e não-comprovação do dissídio jurisprudencial. No mérito, requereu a manutenção das conclusões do acórdão recorrido (fls. 8.345-8.361, Volume n. 43). A Presidência da Seção de Direito Privado do e. Tribunal de Justiça de São Paulo negou seguimento ao recurso especial (fls. 8.363-8.365), decisum objeto de agravo de instrumento interposto perante o STJ, ao qual foi dado provimento, tendo sido determinada, por esta Relatoria, a subida do recurso especial (fl. 8.457). É o relatório. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 373 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Inicialmente, anota-se inexistir ofensa ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, porquanto, relativamente aos arts. 165, 319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, 458, 471 e 473 do Código de Processo Civil, 159 e 160 do Código Civil, 20, incisos I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n. 8.884/1994, há alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional, sem a indicação específica da pretensa omissão, contradição ou obscuridade do aresto recorrido, caracteriza deficiência de fundamentação do recurso especial a atrair a incidência do disposto na Súmula n. 284-STF. Já em relação à pretensa omissão do julgado em relação aos arts. 20, incisos I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n. 8.884/1994, veja-se que todas as questões suscitadas pela recorrente Estrela foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada ao caso concreto, conforme se extrai do seguinte excerto do acórdão de embargos de declaração, in verbis: Relativamente ao mérito, isto é, dizer que não tratou o acórdão da concorrência desleal, isso não é verdade. Foi observado que não se trata de concorrência desleal, mesmo porque o ardil invocado como ocorrente não restou reconhecido. Tratar-se-ia de embuste maquinado durante trinta anos. E a concorrência teria havido por ato da própria autora, que afastou seu produto por entender mais vantajosa comerciar aquele obtido por concessão de uso da requerida. De qualquer sorte, se isso satisfaz a embargante, fica esclarecido que não houve, no entender da Turma julgadora, concorrência desleal (fl. 8.170). É entendimento assente que o órgão judicial, para expressar sua convicção, não precisa mencionar todos os argumentos levantados pelas partes, mas, tãosomente, explicitar os motivos que entendeu serem suficientes à composição do litígio, sendo esta a hipótese dos autos. Bem de ver, outrossim, no tocante à alegação de omissão do acórdão quanto aos arts. 5º, incisos LIV e LV, 93, inciso IX, e 173, § 4º, da Constituição Federal de 1988, que este Egrégio Superior Tribunal de Justiça não se presta à análise de matéria constitucional, cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional, já que o art. 105, inciso III, da Constituição Federal prevê o cabimento do especial apenas quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência (ut, entre outros, REsp n. 72.995-RJ, relator Ministro Aldir 374 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Passarinho Júnior, DJ de 14.06.2004; n. 416.340-SP, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 22.03.2004 e n. 439.697-ES, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 30.06.2003). Superada a preliminar de negativa de prestação jurisdicional, passa-se à análise da tese suscitada pela autora/recorrente Estrela de que teria havido cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide sem que fosse oportunizada a produção de prova requerida pela autora/recorrente e sem que se considerassem os efeitos da revelia dos recorridos. Nesse ponto, o inconformismo recursal merece prosperar. Com efeito. In casu, veja-se que a recorrente Estrela (autora), formulou pedido de intimação do perito para esclarecimentos acerca do laudo por ele apresentado (o que foi indeferido pelo r. Juízo de Direito a quo), tendo peticionado nos autos manifestando sua pretensão de julgamento antecipado da lide, com o reconhecimento integral da procedência do pedido em razão da ocorrência da revelia dos recorridos Mattel e outro (rés). Alternativamente, caso não houvesse o julgamento antecipado da lide, a recorrente Estrela requereu a designação de audiência de instrução e julgamento, onde seriam produzidas provas periciais e testemunhais, para comprovar os fatos constitutivos de seu direito (fl. 7.968, Volume n. 41). Registre-se, por oportuno, que tal pedido formulado pela Estrela, ao contrário do entendimento das instâncias ordinárias, não pretendeu vincular o r. Juízo de Direito a quo para que julgasse a causa em favor da recorrente, mas apenas objetivou a análise do pedido alternativo de dilação probatória, caso o pedido principal - qual seja, a procedência integral do pedido da recorrente em face do reconhecimento da revelia da recorrida e da veracidade dos fatos alegados na inicial -, não fosse acatado para fins de julgamento antecipado da lide. Contudo, apesar do pedido alternativo formulado pela recorrente Estrela, o r. Juízo de Direito a quo julgou a lide antecipadamente, no sentido de sua improcedência, sem considerar como verdadeiros os fatos alegados pela recorrente Estrela e sem possibilitar a esta a produção de provas necessárias à comprovação do direito por ela postulado. Nesse ponto, é importante consignar que a ocorrência da revelia não tem necessariamente como consectário lógico o julgamento no sentido da RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 375 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA procedência do pedido - haja vista a relatividade da presunção de veracidade dos fatos alegados. Por esse motivo, caso não reconheça a veracidade dos fatos alegados na inicial, deve o julgador, com vistas à formação de sua convicção e para que sejam observados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, possibilitar à parte autora a produção das provas constitutivas do seu direito, o que, na espécie, não ocorreu. Ademais, a relação jurídica havida pelas partes envolve constituição de sociedade de fato, cuja comprovação, em princípio, depende da produção de prova testemunhal, que foi previamente requerida pela autora/recorrente Estrela à fl. 7.968, Volume n. 41. É certo, ainda, que a jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que não é admissível antecipar o julgamento da lide, indeferindo a produção de prova necessária ao deslinde da controvérsia, para, posteriormente, desprover a pretensão com fundamento na ausência daquela prova cuja produção não foi permitida, porquanto tal conduta implica infração aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (ut REsp n. 436.027-MG, relator Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, DJ de 30.09.2010). Assim sendo, dá-se provimento ao recurso especial, para reconhecer a ocorrência de cerceamento de defesa e decretar a nulidade da sentença e dos atos decisórios subsequentes, determinando-se o retorno dos autos à origem para que seja possibilitada a produção das provas requeridas pela recorrente Estrela, prejudicada a análise das demais questões. É o voto. VOTO-VISTA O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Presidente, pedi vista dos autos para o seu melhor exame. A Manufatura de Brinquedos Estrela S/A ajuizou ação ordinária em face da Mattel INC. – que lhe licenciara, por longos anos, com exclusividade, a fabricação e a comercialização de seus produtos no Brasil – e da Mattel Comercial de Brinquedos Ltda. – que passou a desenvolver as atividades antes licenciadas. Postulou, na sua petição inicial, o pagamento de lucros cessantes e de indenização por danos materiais e morais, por terem as rés, antes, durante e 376 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA após o término das relações comerciais, praticado atos que se enquadrariam no conceito de concorrência desleal. Em que pese a revelia das rés, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confirmando a sentença do juízo de primeiro grau, julgou improcedentes os pedidos. No seu recurso especial, afirmou a Estrella S/A, preliminarmente, a nãoeliminação, pelo Tribunal de origem, das omissões indicadas em embargos de declaração; a ocorrência de cerceamento de defesa e de violação à coisa julgada; a ausência de fundamentação no acórdão recorrido; e a desconsideração dos efeitos da revelia. No mérito, sustentou a procedência dos pedidos veiculados na petição inicial. O eminente Ministro Massami Uyeda, relator do recurso, após afirmar não haver o Tribunal de origem se omitido a respeito de questões relevantes para o julgamento da causa, reconheceu a ocorrência do cerceamento de defesa, nos seguintes termos: Ocorre cerceamento de defesa quando, ocorrida a revelia da ré e indeferido o pedido de produção de provas formulado pela autora, o Juiz julga antecipadamente a lide e conclui que a autora não comprovou os fatos constitutivos do direito. Inicio apreciando a alegação de cerceamento de defesa, cuja prática, se confirmada, precederia a suposta não-eliminação, pelo Tribunal de origem, das omissões indicadas em embargos de declaração. Enquanto que a Estrella S/A afirma ter o juízo de primeiro grau indeferido o seu pedido de produção de provas, promovido o julgamento antecipado da lide, mas lhe atribuído o ônus da não-comprovação dos fatos constitutivos do direito, as sociedades integrantes do Grupo Mattel sustentam exatamente o oposto, que a própria autora teria postulado o julgamento antecipado. Esta disparidade reflete o pedido formulado pela autora na fl. 7.968 dos autos: Por todo o exposto e considerando-se os efeitos da revelia, requer o julgamento do processo no estado em que se encontra, com o reconhecimento integral da procedência do pedido. Caso assim não entenda V. Exa, que então se digne designar data para a realização da audiência de instrução e julgamento, RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 377 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA se reservando a autora no direito de arrolar oportunamente as testemunhas e eventualmente solicitar o comparecimento da Sra. Perita para prestar os esclarecimentos necessários (grifo da autora). Nada obstante, para o reconhecimento do cerceamento de defesa afirmado pela autora, importa – especialmente diante da revelia das rés – menos a atuação das partes e mais a do magistrado, a quem compete a direção do processo (art. 125 do CPC). Neste aspecto, dispõe o art. 330 do CPC, in verbis: Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; II - quando ocorrer a revelia (art. 319). Ao comentar o inciso II deste dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11ª Ed., rev., ampl. e atual. até 17.02.2010. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 626) relembram a impropriedade da utilização do vocábulo “revelia”, quando o correto seria a menção a “efeitos da revelia”. De fato, o julgamento antecipado da lide, com base no inciso II do art. 330 do CPC, exige, além da perda do prazo para contestar, a decretação dos efeitos da revelia, reputando o magistrado, nos termos do art. 319 do CPC, “verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”. No caso dos autos, no entanto, o juízo de primeiro grau, mesmo não considerando provados, ou “verdadeiros”, os fatos constitutivos do direito da autora, julgou antecipadamente a lide. Com isto, ao ratificar os fundamentos e o comportamento do juízo de primeiro grau, que procedeu como se houvesse decretado a ocorrência dos efeitos da revelia, abreviando a fase de dilação probatória, contrariou o Tribunal de origem o disposto no art. 330, II, do CPC, cerceando o direito da autora produzir provas. Ressalto a relevância da prova testemunhal para o presente caso, em que submetida ao Poder Judiciário a apreciação de controvérsia singular, com causa de pedir complexa, composta por diversos fatos, como o repentino abandono de projetos pela parte ré, a inesperada não renovação de licenças ou o abusivo aliciamento de funcionários da autora. 378 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA A bem da verdade, ainda que se pudesse considerar contraditório o pedido formulado pela parte autora na fl. 7.968 dos autos, a prudência recomendava a designação de audiência de instrução, resguardando o válido desenvolvimento do processo. Assim sendo, acompanho o eminente Relator, dando provimento ao recurso especial para decretar a nulidade da sentença e dos atos decisórios subsequentes, determinando o retorno dos autos à origem para que seja assegurada a possibilidade de produção das provas requeridas pela recorrente. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.152.541-RS (2009/0157076-0) Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino Recorrente: Maria Cecília de Castro Baraldo Advogado: Sérgio Moacir de Oliveira Cruz e outro(s) Recorrido: Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre Advogado: Cristina Garrafiel de Carvalho Woltmann e outro(s) EMENTA Recurso especial. Responsabilidade civil. Dano moral. Inscrição indevida em cadastro restritivo de crédito. Quantum indenizatório. Divergência jurisprudencial. Critérios de arbitramento equitativo pelo juiz. Método bifásico. Valorização do interesse jurídico lesado e das circunstâncias do caso. 1. Discussão restrita à quantificação da indenização por dano moral sofrido pelo devedor por ausência de notificação prévia antes de sua inclusão em cadastro restritivo de crédito (SPC). 2. Indenização arbitrada pelo Tribunal de origem em R$ 300,00 (trezentos reais). 3. Dissídio jurisprudencial caracterizado com os precedentes das duas Turmas integrantes da Segunda Secção do STJ. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 379 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 4. Elevação do valor da indenização por dano moral na linha dos precedentes desta Corte, considerando as duas etapas que devem ser percorridas para esse arbitramento. 5. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. 6. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, atendendo a determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz. 7. Aplicação analógica do enunciado normativo do parágrafo único do art. 953 do CC/2002. 8. Arbitramento do valor definitivo da indenização, no caso concreto, no montante aproximado de vinte salários mínimos no dia da sessão de julgamento, com atualização monetária a partir dessa data (Súmula n. 362-STJ). 9. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 10. Recurso especial provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 13 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator DJe 21.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de ação ordinária de cancelamento cumulada com indenização por danos morais 380 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA movida por Maria Cecília de Castro Baraldo em desfavor da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre - CDL, em razão de ter seu nome cadastrado no banco de dados da demandada, sem que houvesse prévia comunicação. Na primeira instância, a ação foi julgada extinta por ausência de legitimidade passiva da ré. Irresignada, a ora recorrente manejou recurso de apelação, tendo o eminente Relator, Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, em decisão monocrática dado provimento ao reclamo, nos seguintes termos: Apelação cível. Inscrição em órgão de proteção ao crédito. Danos morais e pedido de cancelamento de registro. Legitimação passiva. Prescrição trienal. Notificação prévia. Endereço distinto. Ônus da prova. Prejuízo in re ipsa. Exclusão do apontamento. 1. É a CDL de Porto Alegre parte legítima para responder pelos registros efetuados por outros integrantes do sistema, à medida que disponibiliza a consulta e divulgação do mesmo. 2. Não encontra-se prescrita a pretensão de reparação civil por ato ilícito, uma vez que do elemento probatório encontrado nos autos presume-se que o demandante apenas tomou conhecimento das inclusões desabonatórias em 22.11.2007, vindo a ajuizar a demanda já em 27.11.2007. 3. Quando o endereço para onde remetido o aviso de cadastramento restritivo diverge daquele informado pelo autor na inicial, é ônus da demandada comprovar que o local foi o fornecido pelo credor associado, configurando hipótese de excludente de culpa de terceiro. Prova não realizada nos autos, gerando o dever de indenizar. Dano moral in re ipsa. 4. A falta de notificação prévia autoriza igualmente o cancelamento do aponte negativo. Rejeitada a preliminar e provida a apelação em decisão monocrática (e-STJ fl. 131). A parte autora, inconformada com o valor fixado a título de indenização por danos morais, interpôs agravo interno perante o Órgão Colegiado, que restou desprovido pela Nona Câmara Cível do Tribunal de Origem. Daí adveio o presente recurso especial, com fundamento na alínea c do permissivo constitucional, em que a ora recorrente sustenta que o montante indenizatório foi fixado em valor irrisório, aduzindo divergência jurisprudencial quanto ao ponto. Colaciona julgados em defesa de sua tese. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 381 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Requer, dessa forma, o provimento do recurso especial, a fim de elevar o quantum fixado a título de indenização por danos morais. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Preliminarmente, deve-se ressaltar a comprovação e caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC c.c. o art. 255 do RISTJ, em face da notória discrepância entre o valor arbitrado a título de danos morais em razão da inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito pelo acórdão recorrido e os precedentes desta Corte, o que justifica a excepcional intervenção do STJ para o controle do montante da indenização. A questão relativa à reparação dos danos extrapatrimoniais, especialmente a quantificação da indenização correspondente, constitui um dos problemas mais delicados da prática forense na atualidade, em face da dificuldade de fixação de critérios objetivos para o seu arbitramento. Em sede doutrinária, tive oportunidade de analisar essa questão, tentando estabelecer um critério razoavelmente objetivo para essa operação de arbitramento judicial da indenização por dano moral (Princípio da Reparação Integral – Indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 275-313). Tomo a liberdade de expor os fundamentos desse critério bifásico em que se procura compatibilizar o interesse jurídico lesado com as circunstâncias do caso. I – Tarifamento legal Um critério para a quantificação da indenização por dano extrapatrimonial seria o tarifamento legal, consistindo na previsão pelo legislador do montante da indenização correspondente a determinados eventos danosos. A experiência brasileira, porém, de tarifamento legal da indenização por dano moral não se mostrou satisfatória. O próprio CC/1916 continha dois casos de tarifamento legal em seus artigos 1.547 (injúria e calúnia) e 1.550 (ofensa à liberdade pessoal), estatuindo, que, quando não fosse possível comprovar prejuízo material, a fixação de indenização deveria corresponder ao “dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva”. 382 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Esta Corte, em função do valor absurdo alcançado, firmou entendimento, com fundamento nos postulados normativos da proporcionalidade e da razoabilidade, no sentido da inaplicabilidade desse tarifamento legal indenizatório, inclusive porque a remessa feita pelo legislador do CC/1916 à legislação penal era anterior ao próprio Código Penal de 1940, mais ainda em relação à reforma penal de 1984. A recomendação passou a ser no sentido de que os juízes deveriam proceder ao arbitramento eqüitativo da indenização, que foi também a orientação seguida pelo legislador do CC de 2002 ao estabelecer a redação do enunciado normativo do parágrafo único do art. 953: Parágrafo único - Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso. Outra hipótese muito importante de tarifamento legal indenizatório encontrada no Direito Brasileiro era a prevista pela Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/1967), que, em seus artigos 49 e segs., regulava a responsabilidade civil daquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, causar danos materiais e morais. Em relação aos danos materiais, estabelecia, em seu art. 54, que a indenização tem por finalidade restituir o prejudicado ao estado anterior ao ato ilícito, acolhendo, assim, expressamente o princípio da reparação integral. Porém, em relação aos danos morais, estabelecia, no art. 51, um limite indenizatório, que, para o jornalista profissional, variava entre dois e vinte salários mínimos, conforme a gravidade do ato ilícito praticado. Em relação à empresa jornalística, o valor da indenização, conforme indicado pelo art. 52, poderia ser elevado em até dez vezes o montante indicado na regra anterior. Com isso, o valor máximo da indenização por danos morais por ilícitos civis tipificados na Lei de Imprensa poderia alcançar duzentos (200) salários mínimos. Passou a ser discutida, a partir da vigência da CF/1988, a compatibilidade desse tarifamento legal indenizatório da Lei de Imprensa com o novo sistema constitucional, que, entre os direitos e garantias individuais, em seu art. 5º, logo após regular o princípio da livre manifestação do pensamento, assegurou “o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (inciso V ), bem como estabeleceu que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 383 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA assegurado direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (inciso X). A jurisprudência do STJ, após longo debate, com fundamento no disposto nessas normas do art. 5º, incisos V e X, da CF/1988, firmou o seu entendimento no sentido de que foram derrogadas todas as restrições à plena indenizabilidade dos danos morais ocasionados por atos ilícitos praticados por meio da imprensa, deixando de aplicar tanto as hipóteses de tarifamento legal indenizatório previstas nos artigos 49 a 52, como também o prazo decadencial de três meses estatuído pelo art. 56 da Lei da n. 5.250/1967. Consolidada essa orientação, houve a edição da Súmula n. 281 em que fica expressa essa posição firme do STJ no sentido de que “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista pela Lei de Imprensa”. Com isso, com fulcro nas normas constitucionais, a jurisprudência culminou por consagrar a determinação da reparação integral dos danos materiais e morais causados por meio da imprensa. Nessas hipóteses de tarifamento legal, seja as previstas pelo CC/1916, seja as da Lei de Imprensa, que eram as mais expressivas de nosso ordenamento jurídico para a indenização por dano moral, houve a sua completa rejeição pela jurisprudência do STJ, com fundamento no postulado da razoabilidade. II – Arbitramento equitativo pelo juiz O melhor critério para quantificação da indenização por prejuízos extrapatrimoniais em geral, no atual estágio do Direito Brasileiro, é por arbitramento pelo juiz, de forma eqüitativa, com fundamento no postulado da razoabilidade. Na reparação dos danos extrapatrimoniais, conforme lição de Fernando Noronha, segue-se o “princípio da satisfação compensatória”, pois “o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a um preço”, mas “será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou integridade física” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 569). Diante da impossibilidade de uma indenização pecuniária que compense integralmente a ofensa ao bem ou interesse jurídico lesado, a solução é uma reparação com natureza satisfatória, que não guardará uma relação de equivalência precisa com o prejuízo extrapatrimonial, mas que deverá ser pautada pela eqüidade. 384 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Na Itália, Valentina di Gregório, a partir da norma do art. 1.226 do Código Civil italiano, ressalta a presença da eqüidade integrativa, pois a norma confere poderes ao juiz para proceder eqüitativamente à liquidação do dano (lucros cessantes, danos futuros – art. 2.056), inclusive dos danos morais, nos seguintes termos: Art. 1.226 (Valutazione equitativa del danno): “Se il danno non può essere provato nel suo preciso ammontare, è liquidato dal giudice com valutazione equitativa (art. 2.056). Refere Valentina di Gregório que a Corte de Cassação italiana deixa claro que não se trata de decidir por eqüidade, conforme autorizado pelo art. 114 do CPC italiano para alguns casos, mas de liquidação eqüitativa do dano, considerando os seus aspectos objetivos, a sua gravidade, o prejudicado, a condição econômica dos envolvidos, deixando claro que, embora a avaliação seja subjetiva, deve ser pautada por critérios objetivos (GREGORIO, Valentina di. La valutazione eqüitativa del danno. Padova: Cedam, 1999, p. 04). Em Portugal, Almeida Costa chama também a atenção para aspecto semelhante, afirmando, com fundamento no art. 496, n. 03, do CC português, que a indenização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser pautada segundo critérios de eqüidade, atendendo-se “não só a extensão e a gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação econômica deste e do lesado, assim como todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução eqüitativa”. Ressalva apenas que esse critério não se confunde com a atenuação da responsabilidade prevista no art. 494 do CC português (correspondente ao parágrafo único do art. 944 do CC/2002), pois esta norma pode ser utilizada apenas nos casos de mera culpa, enquanto o art. 496, n. 03, mostra-se aplicável mesmo que o agente tenha procedido com dolo (COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 2004, 554). No Brasil, embora não se tenha norma geral para o arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial semelhante ao art. 496, n. 03, do CC português, tem-se a regra específica do art. 953, parágrafo único, do CC/2002, já referida, que, no caso de ofensas contra a honra, não sendo possível provar prejuízo material, confere poderes ao juiz para “fixar, eqüitativamente, o valor da indenização na conformidade das circunstâncias do caso”. Na falta de norma expressa, essa regra pode ser estendida, por analogia, às demais hipóteses de prejuízos sem conteúdo econômico (LICC, art. 4º). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 385 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Menezes Direito e Cavalieri Filho, a partir desse preceito legal, manifestam sua concordância com a orientação traçada pelo Min. Ruy Rosado de que “a eqüidade é o parâmetro que o novo Código Civil, no seu artigo 953, forneceu ao juiz para a fixação dessa indenização” (DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferência e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 13, p. 348). Esse arbitramento eqüitativo será pautado pelo postulado da razoabilidade, transformando o juiz em um montante econômico a agressão a um bem jurídico sem essa natureza. O próprio julgador da demanda indenizatória, na mesma sentença em que aprecia a ocorrência do ato ilícito, deve proceder ao arbitramento da indenização. A dificuldade ensejada pelo art. 946 do CC/2002, quando estabelece que, se a obrigação for indeterminada e não houver disposição legal ou contratual para fixação da indenização, esta deverá ser fixada na forma prevista pela lei processual, ou seja, por liquidação de sentença por artigos e por arbitramento (arts. 603 a 611 do CPC), supera-se com a aplicação analógica do art. 953, parágrafo único, do CC/2002, que estabelece o arbitramento eqüitativo da indenização para uma hipótese de dano extrapatrimonial. Com isso, segue-se a tradição consolidada, em nosso sistema jurídico, de arbitrar, desde logo, na mesma decisão que julga procedente a demanda principal (sentença ou acórdão), a indenização por dano moral, evitando-se que o juiz, no futuro, tenha de repetir desnecessariamente a análise da prova, além de permitir que o Tribunal, ao analisar eventual recurso, aprecie, desde logo, o montante indenizatório arbitrado. A autorização legal para o arbitramento eqüitativo não representa a outorga pelo legislador ao juiz de um poder arbitrário, pois a indenização, além de ser fixada com razoabilidade, deve ser devidamente fundamentada com a indicação dos critérios utilizados. A doutrina e a jurisprudência têm encontrado dificuldades para estabelecer quais são esses critérios razoavelmente objetivos a serem utilizados pelo juiz nessa operação de arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial. Tentando-se proceder a uma sistematização dos critérios mais utilizados pela jurisprudência para o arbitramento da indenização por prejuízos extrapatrimoniais, destacam-se, atualmente, as circunstâncias do evento danoso e o interesse jurídico lesado, que serão analisados a seguir. 386 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA III - Valorização das circunstâncias do evento danoso (elementos objetivos e subjetivos de concreção) O arbitramento equitativo da indenização constitui uma operação de “concreção individualizadora” na expressão de Karl Engisch, recomendando que todas as circunstâncias especiais do caso sejam consideradas para a fixação das suas conseqüências jurídicas (ENGISCH, Karl. La idea de concrecion en el derecho y en la ciência jurídica atuales. Tradução de Juan José Gil Cremades. Pamplona: Ediciones Universidade de Navarra, 1968, p. 389). No arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais, as principais circunstâncias valoradas pelas decisões judiciais, nessa operação de concreção individualizadora, têm sido a gravidade do fato em si, a intensidade do sofrimento da vítima, a culpabilidade do agente responsável, a eventual culpa concorrente da vítima, a condição econômica, social e política das partes envolvidas. No IX Encontro dos Tribunais de Alçada, realizado em 1997, foi aprovada proposição no sentido de que, no arbitramento da indenização por dano moral, “o juiz (...) deverá levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado”. Maria Celina Bodin de Moraes catalagou como “aceites os seguintes dados para a avaliação do dano moral”: o grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de culpa); a situação econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima (posição social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento (MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29). Assim, as principais circunstâncias a serem consideradas como elementos objetivos e subjetivos de concreção são: a) a gravidade do fato em si e suas conseqüências para a vítima (dimensão do dano); b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente); c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima); d) a condição econômica do ofensor; e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 387 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA No exame da gravidade do fato em si (dimensão do dano) e de suas conseqüências para o ofendido (intensidade do sofrimento). O juiz deve avaliar a maior ou menor gravidade do fato em si e a intensidade do sofrimento padecido pela vítima em decorrência do evento danoso. Na análise da intensidade do dolo ou do grau de culpa, estampa-se a função punitiva da indenização do dano moral, pois a situação passa a ser analisada na perspectiva do ofensor, valorando-se o elemento subjetivo que norteou sua conduta para elevação (dolo intenso) ou atenuação (culpa leve) do seu valor, evidenciando-se claramente a sua natureza penal, em face da maior ou menor reprovação de sua conduta ilícita. Na situação econômica do ofensor, manifestam-se as funções preventiva e punitiva da indenização por dano moral, pois, ao mesmo tempo em que se busca desestimular o autor do dano para a prática de novos fatos semelhantes, punese o responsável com maior ou menor rigor, conforme sua condição financeira. Assim, se o agente ofensor é uma grande empresa que pratica reiteradamente o mesmo tipo de evento danoso, eleva-se o valor da indenização para que sejam tomadas providências no sentido de evitar a reiteração do fato. Em sentido oposto, se o ofensor é uma pequena empresa, a indenização deve ser reduzida para evitar a sua quebra. As condições pessoais da vítima constituem também circunstâncias relevantes, podendo o juiz valorar a sua posição social, política e econômica. A valoração da situação econômica do ofendido constitui matéria controvertida, pois parte da doutrina e da jurisprudência entende que se deve evitar que uma indenização elevada conduza a um enriquecimento injustificado, aparecendo como um prêmio ao ofendido. O juiz, ao valorar a posição social e política do ofendido, deve ter a mesma cautela para que não ocorra também uma discriminação, em função das condições pessoais da vítima, ensejando que pessoas atingidas pelo mesmo evento danoso recebam indenizações díspares por esse fundamento. Na culpa concorrente da vítima, tem-se a incidência do art. 945 do CC/2002, reduzindo-se o montante da indenização na medida em que a própria vítima colaborou para a ocorrência ou agravamento dos prejuízos extrapatrimoniais por ela sofridos. No caso de dano decorrente do “abalo de crédito”, discute-se a possibilidade da redução da indenização, em face da culpa concorrente do devedor. Yussef Cahali, entende que “se o autor da ação de indenização também concorreu 388 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA culposamente pra o evento danoso, por sua habitual impontualidade, pela parcial emenda da mora que deu causa ao protesto e omissão, no acompanhamento do caso, na comunicação com o credor e no cumprimento das regras contratuais, tais circunstâncias são aptas a criar algum embaraço na ação do credor, autorizando o reconhecimento da culpa concorrente, reduzindo à metade à indenização devida” (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 389-390). Afinal, acrescenta Cláudio Luiz Bueno Godoy (in Código Civil Comentado, Manole, 5ª ed., Coordenador Ministro CEZAR PELUSO), “não seria leal imaginar que alguém que houvesse agido com culpa, malgrado não exclusiva, para a eclosaão do evento, pudesse se ver ressarcido integralmente, sem nenhuma redução, em nome de uma responsabilidade objetiva da outra parte. Na justa observação de João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 733-4), admitir que alguém pudesse reclamar indenização cabal, integral, mesmo havendo contribuído para o evento lesivo, seria um verdadeiro venire contra factum proprium que, na sua função de limitação de direitos, a boa-fé objetiva repudia”. Na jurisprudência do STJ, em julgados das duas Turmas integrantes da Seção de Direito Privado, tem sido reconhecida a possibilidade de redução da indenização na hipótese de culpa concorrente do devedor, conforme se depreende dos seguintes julgados: a) STJ, 4ª T., Ag n. 1.172.750-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 06.09.2010. b) STJ, 4ª T., REsp n. 632.704-RO, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Dj. 1º.02.2006. c) STJ, 3ª T., REsp n. 712.591-RS, rel.: Min. Nancy Andrighi, j. 16.11.2006, Dje 04.12.2006. Mostra-se correta essa orientação, pois, devendo o juiz proceder a um arbitramento equitativo da indenização, não pode deixar também de valorar essa circunstância relevante, que é a concorrência de culpa do devedor negativado. Essas circunstâncias judiciais, que constituem importantes instrumentos para auxiliar o juiz na fundamentação da indenização por dano extrapatrimonial, apresentam um problema de ordem prática, que dificulta a sua utilização. Ocorre que, na responsabilidade civil, diferentemente do Direito Penal, não existem parâmetros mínimos e máximos para balizar a quantificação da indenização. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 389 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Desse modo, embora as circunstâncias judiciais moduladoras sejam importantes elementos de concreção na operação judicial de quantificação da indenização por danos, deve-se tentar estabelecer uma base de cálculo razoavelmente objetiva para o seu arbitramento. No futuro, na hipótese de adoção de um tarifamento legislativo, poder-seiam estabelecer parâmetros mínimos e máximos bem distanciados, à semelhança das penas mínima e máxima previstas no Direito Penal, para as indenizações relativas aos fatos mais comuns. Mesmo essa solução não se mostra alinhada com um dos consectários lógicos do princípio da reparação integral, que é a avaliação concreta dos prejuízos indenizáveis. De todo modo, no momento atual do Direito Brasileiro, mostra-se impensável um tarifamento ou tabelamento da indenização para os prejuízos extrapatrimoniais, pois a consagração da sua reparabilidade é muito recente, havendo necessidade de maior amadurecimento dos critérios de quantificação pela comunidade jurídica. Deve-se ter o cuidado, inclusive, com o tarifamento judicial, que começa silenciosamente a ocorrer, embora não admitido expressamente por nenhum julgado, na fixação das indenizações por danos extrapatrimoniais de acordo com precedentes jurisprudenciais, considerando apenas o bem jurídico atingido, conforme será analisado a seguir. IV – Interesse jurídico lesado A valorização do bem ou interesse jurídico lesado pelo evento danoso (vida, integridade física, liberdade, honra) constitui um critério bastante utilizado na prática judicial, consistindo em fixar as indenizações por danos extrapatrimoniais em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes. Na doutrina, esse critério foi sugerido por Judith Martins-Costa, ao observar que o arbítrio do juiz na avaliação do dano deve ser realizado com observância ao “comando da cláusula geral do art. 944, regra central em tema de indenização” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 5, t.1-2, p. 351). A autora remete para a análise por ela desenvolvida acerca das funções e modos de operação das cláusulas gerais em sua obra A boa-fé no direito privado (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 330). 390 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Salienta que os operadores do direito devem compreender a função das cláusulas gerais de molde a operá-las no sentido de viabilizar a ressistematização das decisões, que atomizadas e díspares em seus fundamentos, “provocam quebras no sistema e objetiva injustiça, ao tratar desigualmente casos similares”. Sugere que o ideal seria o estabelecimento de “grupos de casos típicos”, “conforme o interesse extrapatrimonial concretamente lesado e consoante a identidade ou a similitude da ratio decidendi, em torno destes construindo a jurisprudência certos tópicos ou parâmetros que possam atuar, pela pesquisa do precedente, como amarras à excessiva flutuação do entendimento jurisprudencial”. Ressalva que esses “tópicos reparatórios” dos danos extrapatrimoniais devem ser flexíveis de modo a permitir a incorporação de novas hipóteses e evitar a pontual intervenção do legislador. Esse critério, bastante utilizado na prática judicial brasileira, embora sem ser expressamente reconhecido pelos juízes e Tribunais, valoriza o bem ou interesse jurídico lesado (vida, integridade física, liberdade, honra) para fixar as indenizações por danos morais em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes. A vantagem desse método é a preservação da igualdade e da coerência nos julgamentos pelo juiz ou Tribunal. Assegura igualdade, porque casos semelhantes recebem decisões similares, e coerência, pois as decisões variam na medida em que os casos se diferenciam. Outra vantagem desse critério é permitir a valorização do interesse jurídico lesado (v.g. direito de personalidade atacado), ensejando que a reparação do dano extrapatrimonial guarde uma razoável relação de conformidade com o bem jurídico efetivamente ofendido. Esse método apresenta alguns problemas de ordem prática, sendo o primeiro deles o fato de ser utilizado individualmente por cada unidade jurisdicional (juiz, Câmara ou Turma julgadora), havendo pouca permeabilidade para as soluções adotadas pelo conjunto da jurisprudência. Outro problema reside no risco de sua utilização com excessiva rigidez, conduzindo a um indesejado tarifamento judicial das indenizações por prejuízos extrapatrimoniais, ensejando um engessamento da atividade jurisdicional e transformando o seu arbitramento em uma simples operação de subsunção, e não mais de concreção. O tarifamento judicial, tanto quanto o legal, não se mostra compatível com o princípio da reparação integral que tem, como uma de suas funções RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 391 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA fundamentais, a exigência de avaliação concreta da indenização, inclusive por prejuízos extrapatrimoniais. Na França, a jurisprudência da Corte de Cassação entende sistematicamente que a avaliação dos danos é questão de fato, prestigiando o poder soberano dos juízes na sua apreciação e criticando as tentativas de tarifamento de indenizações (VINEY, Geneviève; MARKESINIS, Basil. La Reparation du dommage corporel: Essai de comparaison des droits anglais e français. Paris: Economica, 1985, p. 48). No Brasil, a jurisprudência do STJ tem respeitado as indenizações por danos extrapatrimoniais arbitradas pelas instâncias ordinárias desde que atendam a um parâmetro razoável, não podendo ser excessivamente elevadas ou ínfimas, consoante será analisado em seguida. Em suma, a valorização do bem ou interesse jurídico lesado é um critério importante, mas deve-se ter o cuidado para que não conduza a um engessamento excessivo das indenizações por prejuízos extrapatrimoniais, caracterizando um indesejado tarifamento judicial com rigidez semelhante ao tarifamento legal. VI – Método bifásico para o arbitramento equitativo da indenização O método mais adequado para um arbitramento razoável da indenização por dano extrapatrimonial resulta da reunião dos dois últimos critérios analisados (valorização sucessiva tanto das circunstâncias como do interesse jurídico lesado). Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam. Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustandose o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um arbitramento efetivamente eqüitativo, que respeita as peculiaridades do caso. Chega-se, com isso, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos dois critérios estarão presentes. De um lado, será alcançada uma razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, enquanto, de outro lado, obter-se-á um montante que corresponda 392 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA às peculiaridades do caso com um arbitramento equitativo e a devida fundamentação pela decisão judicial. O STJ, em acórdão da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fez utilização desse método bifásico para quantificação da indenização por danos morais decorrentes do abalo de crédito, cuja ementa foi a seguinte: Consumidor. Recurso especial. Cheque furtado. Devolução por motivo de conta encerrada. Falta de conferência da autenticidade da assinatura. Protesto indevido. Inscrição no cadastro de inadimplentes. Dano moral. Configuração. Culpa concorrente. - A falta de diligência da instituição financeira em conferir a autenticidade da assinatura do emitente do título, mesmo quando já encerrada a conta e ainda que o banco não tenha recebido aviso de furto do cheque, enseja a responsabilidade de indenizar os danos morais decorrentes do protesto indevido e da inscrição do consumidor nos cadastros de inadimplentes. Precedentes. - Consideradas as peculiaridades do processo, caracteriza-se hipótese de culpa concorrente quando a conduta da vítima contribui para a ocorrência do ilícito, devendo, por certo, a indenização atender ao critério da proporcionalidade. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido. (REsp n. 712.591-RS, Dje 04.12.2006, Rela. Min. Nancy Andrighi). No caso apreciado nesse precedente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concluíra ser hipótese de culpa exclusiva da autora e, em razão disso, não reconheceu a ocorrência de ato ilícito ensejador do dano moral. A ministra relatora, após admitir a responsabilidade concorrente do banco pelo evento danoso, e analisar o valor fixado por danos morais para hipóteses semelhantes neste Tribunal - que variam entre 10 mil a 14 mil reais, - fazendo referência a dois precedentes, passou a analisar as peculiaridades do caso, arbitrando, então, a indenização 4.000 reais a título de danos morais. Esse método bifásico é o que melhor atende às exigências de um arbitramento eqüitativo da indenização por danos extrapatrimoniais. VII – Jurisprudência do STJ nos casos de dano moral por inclusão irregular em cadastro restritivo de crédito Na análise de acórdãos desta Corte relativos aos diversos julgamentos realizados ao longo dos últimos anos, em que houve a apreciação da indenização por prejuízos extrapatrimoniais decorrentes de fatos semelhantes (inscrição RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 393 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA irregular em cadastros de restrição de crédito, devolução indevida de cheques, protesto indevido, etc.) fica clara a existência de divergência entre as Turmas julgadoras do STJ acerca do que se pode considerar como um valor razoável para essas indenizações. Os valores das indenizações têm sofrido significativas variações, tendo sido mantida, por exemplo, uma indenização por danos morais no valor correspondente a trezentos salários mínimos (STJ, 3ª T., REsp n. 650.793PE, rel.: Min. Nancy Andrighi, Dj. 04.10.2004). Nesse caso, foi mantida a condenação estabelecida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco no valor correspondente a trezentos salários mínimos - R$ 140.000,00 considerando diversos aspectos fáticos relacionados ao evento danoso, tal como os efeitos decorrentes do abalo de crédito da recorrida. Também já houve o arbitramento de indenizações na faixa de quinhentos reais (STJ, 4ª T., REsp n. 540.944-RS, rel.: Min. Jorge Scartezzini, j. 17.08.2004). O recurso especial foi parcialmente provido, sendo fixada a indenização em apenas quinhentos reais, em face da postura costumeira do devedor em desonrar seus compromissos gerando incertezas no meio comercial. Esses valores, entretanto, situados em posições extremas, apresentam peculiaridades próprias, não podendo ser considerados como aquilo que o STJ entende por razoável para indenização de prejuízos extrapatrimoniais derivados da restrição indevida de crédito, inclusive por versarem, em regra, acerca de casos excepcionais em que o arbitramento eqüitativo justificava a fixação da indenização em montante diferenciado. Normalmente, o arbitramento da indenização feito por esta Corte é bem mais comedido pautado pela razoabilidade. Pode-se tentar identificar a noção de razoabilidade desenvolvida pelos integrantes desta Corte na média dos julgamentos atinentes à inclusão indevida de nome em rol de maus pagadores. Os julgados que, na sua maior parte, oscilam na faixa entre 20 e 50 salários mínimos, podem ser divididos em dois grandes grupos: recursos providos e recursos desprovidos. Nos recursos especiais desprovidos, chama a atenção o grande número de casos em que a indenização foi mantida em valor correspondente a 20 salários mínimos. 394 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Os recursos especiais providos, para alteração do montante da indenização por dano extrapatrimonial, são aqueles que permitem observar, com maior precisão, o valor que o STJ entende como razoável para essa parcela indenizatória. Atualmente os parâmetros têm-se revelado os mesmos, como adiante evidencio, iniciando com julgados da Terceira Turma e, após, exemplificando com decisões da Colenda Quarta Turma desta Corte, ambas integrantes da Seção de Direito Privado do STJ (Segunda Seção): 1) Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Responsabilidade civil. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Quantum indenizatório. Redução. Necessidade. Agravo improvido. (AgRg no Ag n. 1.083.670-PE, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 12.05.2009, DJe 27.05.2009). Excerto: Na espécie, a existência do dano encontra-se demonstrada; todavia, constata-se que o montante indenizatório fixado no importe de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), em razão da inscrição indevida do nome do ora agravado em órgãos de serviço de proteção ao crédito, destoa do valor que tem sido mantido por esta Corte em situações análogas. Confiram-se: REsp n. 680.207-PA, Relator Juiz Federal Convocado Carlos Fernando Mathias, DJ de 03.11.2008; REsp n. 912.756-RN, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJ 09.04.2008; e REsp n. 856.755-SP, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ 09.10.2006. Desse modo, tendo em vista as peculiaridades do caso, bem como os padrões adotados por esta col. Turma na fixação do quantum indenizatório a título de danos morais em casos análogos, impõe-se a redução do valor indenizatório para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 2) Civil. Inclusão indevida em cadastro de inadimplentes. Reincidência da negativação. Indenização. Dano moral. Revisão pelo STJ. Possibilidade, nas hipóteses em que o valor for fixado em patamar irrisório ou exorbitante. - o valor da indenização por danos morais pode ser revisto na via especial nas hipóteses em que contrariar a lei ou o senso médio de justiça, mostrando-se irrisório ou exorbitante. - o STJ tem se pautado pela fixação de valores que se mostrem adequados à composição do dano moral, mas sem implicar no enriquecimento sem causa da parte. - tendo em vista os precedentes desta Corte e a peculiaridade da espécie, mantem-se a indenização fixada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 395 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recurso especial da autora não conhecido. Recurso especial do banco réu conhecido e parcialmente provido. (REsp n. 872.181-TO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20.03.2007 , Dje 18.06.2007). Excerto: A circunstância foi salientada pela autora ainda na fase de instrução, reiterada tanto na apelação quanto no recurso especial, jamais tendo sido contestada pelo banco e, ao que parece, não foi levada em consideração pelas instâncias ordinárias. Portanto, a despeito do exagero em que incorreu o Tribunal a quo ao manter a indenização em 200 (duzentos) salários mínimos, entendo que a condenação a ser imposta à instituição financeira de refletir o fato dela ter reincidido no ato danoso. Não se trata, repita-se, de uma tendência à criação de uma jurisprudência tendente à tarifação da compensação por dano moral; mas tendo em vista os julgados supra transcritos e a peculiaridade da espécie, fixo a indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais). 3) Ação de indenização. Danos materiais e morais. Inscrição indevida nos serviços de proteção ao crédito. Danos materiais não comprovados. Afastamento. Danos morais. Valor exagerado. Redução do quantum indenizatório de R$ 50.000,00 para R$ 10.000,00 para cada autor. 1. - Para deferimento dos danos materiais pleiteados, necessária sua comprovação pelos Autores (CPC, art. 333, I). 2. - As circunstâncias da lide não apresentam nenhum motivo que justifique a fixação do quantum indenizatório em patamar especialmente elevado, devendo, portanto, ser reduzido para R$ 10.000,00, a cada um dos autores, se adequar aos valores aceitos e praticados pela jurisprudência desta Corte. 3. - A orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal, nos casos de indenização por danos morais, é no sentido de que a correção monetária deve incidir a partir do momento em que fixado um valor definitivo para a condenação. Recurso Especial parcialmente provido. (REsp n. 1.094.444-PI, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 24.04.2010, Dje 21.05.2010). 4) Agravo regimental no agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Protesto indevido. Quantum indenizatório. Redução pelo STJ. Possibilidade. Valor exorbitante. 396 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA 1. Excepcionalmente, pela via do recurso especial, o STJ pode modificar o quantum da indenização por danos morais, quando fixado o valor de forma abusiva ou irrisória. Precedentes. 2. Na espécie, o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias, em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), mostra-se elevado, considerando os padrões adotados por esta Corte em casos semelhantes, devendo ser reduzido para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag n. 1.321.630-BA, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 15.02.2011, Dje 22.02.2011). 5) Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Inscrição em cadastro de inadimplentes indevida. Valor indenizatório majorado de acordo com a jurisprudência desta Corte. Recurso manifestamente infundado. 1. Esta Corte, em casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito, tem fixado a indenização por danos morais em valor equivalente a até cinqüenta salários mínimos. Precedentes. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa. (AgRg no Ag n. 1.383.254-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07.04.2011, Dje 12.04.2011). Excerto: No presente caso, a quantia fixada pelo Tribunal de origem, qual seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), mostrava-se demasiadamente irrisória, ensejando a revisão em sede de recurso especial, para adequação aos parâmetro estabelecidos por esta Corte, que em casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito, tem fixado a indenização por danos morais em valor equivalente a até cinqüenta salários mínimos. Por tanto, a decisão agravada que conheceu do agravo de instrumento, para dar provimento ao especial interposto por Eron Everaldo Maia, a fim de majorar o quantum indenizatório para o importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), merece ser prestigiada, vez que alinha-se à pacífica jurisprudencia deste Superior Tribunal. 6) Agravo regimental em recurso especial. Indenização por danos morais. Ausência de prévia notificação. Descumprimento de ordem judicial. Alegação de inscrição extraída de cartório de protesto de títulos. Falta de prequestionamento. Quantum indenizatório reduzido para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) pela decisão agravada. Razoabilidade. Agravo regimental desprovido. 1. A assertiva de que as inscrições indevidas foram extraídas de dados constantes de Cartório de Protesto de Títulos, o que dispensaria a prévia RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 397 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA notificação, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, tampouco foram opostos embargos declaratórios para sanar eventual omissão. Dessa forma, tal matéria não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento. Aplica-se, por analogia, o óbice das Súmulas n. 282 e n. 356 do STF. 2. A decisão agravada, ao reduzir a verba indenizatória de R$ 40.000,00 para R$ 25.000,00 pela ausência de prévia notificação e pelo descumprimento de ordem judicial, adequou a quantia fixada pela Corte de origem aos patamares estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e às peculiaridades da espécie, não merecendo acolhida a pretensão da ora agravante de que seja reduzido ainda mais o quantum indenizatório, razão por que o referido decisum deve ser mantido por seus próprios fundamentos. 3. A incidência de correção monetária e de juros moratórios, meros consectários legais da condenação, normalmente não tem o condão de tornar exacerbado a importância arbitrada pela reparação moral. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.136.802-PI, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16.02.2011, DJe 24.02.2011); 7) Civil e Processual Civil. Agravo regimental. Indenização. Dano moral. Inscrição indevida. Redução do valor fixado com base na tradição jurisprudencial do STJ. Desprovimento. (AgRg no Ag n. 1.211.327-RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 02.03.2010 Dje 15.03.2010). Excerto: Em que pese a relevância do ato lesivo e o prejuízo causado, o Tribunal local não registrou maiores conseqüências além dos inconvenientes da retirada do montante (dano material ressarcido pelas instâncias de origem) e a inscrição indevida do nome do autor em cadastros de inadimplência. Ante o exposto, conforme o art. 544, § 3º, do CPC, conheço do agravo de instrumento e dou parcial provimento ao recurso especial, para reduzir o quantum indenizatório por danos morais para R$ 25.500,00 (vinte e cinco mil e quinhentos reais), atualizado a partir da presente data. Depreende-se desse leque de decisões de integrantes da Segunda Seção do STJ que esta Corte tem-se utilizado do princípio da razoabilidade para tentar alcançar um arbitramento eqüitativo das indenizações por danos extrapatrimoniais derivados da inscrição indevida em cadastro de restrição ao crédito. 398 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA De acordo com esses precedentes, pode-se estimar que um montante indenizatório razoável para o STJ situa-se na faixa entre 20 e 50 salários mínimos. Saliente-se, mais uma vez que, embora seja importante que se tenha um montante referencial em torno de trinta a quarenta salários mínimos para a indenização dos prejuízos extrapatrimoniais ligados ao abalo provado pela restrição indevida do crédito, isso não deve representar um tarifamento judicial rígido, pois entraria em rota de colisão com o próprio princípio da reparação integral. Cada caso apresenta particularidades próprias e variáveis importantes como a gravidade do fato em si, a culpabilidade do autor do dano, o número de autores, a situação sócio-econômica do responsável, que são elementos de concreção que devem ser sopesados no momento do arbitramento eqüitativo da indenização pelo juiz. VII – Caso concreto Passo, assim, ao arbitramento equitativo da indenização, atendendo as circunstâncias do caso. Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização, considerando o interesse jurídico lesado (abalo de crédito), em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos), acima aludidos, deve ser fixado em montante equivalente a 30 salários mínimos na data de hoje, que é a média do arbitramento feito pelas duas Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte. Na segunda fase, para a fixação definitiva da indenização, ajustando-se às circunstâncias particulares do caso, deve-se considerar, em primeiro lugar, a gravidade do fato em si, que, na hipótese em tela, tratando-se de dano moral de pequeno monta revela-se de pequena proporção. A responsabilidade do agente, reconhecida pelo acórdão recorrido, é a normal para o evento danoso, tendo sido reconhecida a ineficácia da tentativa de notificação prévia. Deve-se reconhecer a culpa concorrente da vítima, pois a existência da dívida inadimplida é incontroversa, tendo sido reconhecida pelo acórdão recorrido e, em nenhum momento, foi negada pela autora da ação. Finalmente, não há elementos acerca da condição econômica da parte autora da ação. Assim, torno definitiva a indenização no montante equivalente a vinte salários mínimos, o que corresponde, na data de hoje, a R$ 10.900,00 (dez mil e novecentos reais). RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 399 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Esse valor será acrescido de correção monetária pelo IPC desde a data da presente sessão de julgamento (Súmula n. 362-STJ). Os juros legais moratórios e os honorários advocatícios seguirão o definido no acórdão recorrido, pois esses tópicos não foram objeto do recurso especial. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 1.161.411-RJ (2009/0197795-3) Relatora: Ministra Nancy Andrighi Recorrente: Banco Dibens S/A Advogados: Roberto Benjó e outro(s) Fábio Lima Quintas Henrique Leite Cavalcanti Fábio de Sousa Coutinho Ricardo Luiz Blundi Sturzenegger Gustavo César de Souza Mourão Luiz Carlos Sturzenegger Luciano Correa Gomes Thiago Luiz Blundi Sturzenegger Luís Carlos Cazetta Advogados: Livia Borges Ferro Fortes Alvarenga Gustavo Baratella de Toledo Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro EMENTA Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundamentação. Ausente. Deficiente. Súmula n. 284-STF. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Interpretação de cláusulas contratuais. Vedação. 400 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Tarifa de emissão de boleto bancário. Abusividade. Devolução do indébito em dobro. Demonstração de má-fé. Prequestionamento. Ausência. Súmula n. 282-STF 1. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o não conhecimento do recurso quanto ao tema. 2. É vedado em recurso especial o reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais. 3. Não é razoável que o consumidor seja obrigado a arcar com os custos de serviço contratado entre o recorrente e outra instituição bancária, sem que tenha qualquer participação nessa relação e sem que tenha se responsabilizado pela remuneração de serviço. 4. O serviço prestado por meio do oferecimento de boleto bancário ao mutuário já é remunerado por meio da “tarifa interbancária”, razão pela qual a cobrança de tarifa, ainda que sob outra rubrica, mas que objetive remunerar o mesmo serviço, importa em enriquecimento sem causa e vantagem exagerada das instituições financeiras em detrimento dos consumidores. 5. A cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento de uma conta ou serviço mediante boleto bancário significa cobrar para emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por ela não pode nada solicitar (art. 319 do CC/2002). 6. O entendimento dominante no STJ é no sentido de admitir a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo provada má-fé. Contudo, a ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais (ausência de máfé) impede o conhecimento do recurso especial. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o votovista do Sr. Ministro Villas Bôas Cueva, acompanhando o voto da Sra. Ministra RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 401 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Relatora, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministra Nancy Andrighi, Relatora DJe 10.10.2011 RELATÓRIO A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto por Banco Diebens S/A. com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ-RJ. Ação (e-STJ fls. 03-29): civil pública com pedido de antecipação de tutela, proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em desfavor do recorrente objetivando tutelar os interesses difusos e coletivos de todos os consumidores sujeitos à cláusula contratual que estabeleceu a cobrança de emissão de boleto (Tarifa de Emissão de Boleto) ou qualquer outro custo para a cobrança de seus respectivos produtos ou serviços, inclusive taxas de cobranças bancárias. Alega que o banco réu, que se dedica a operações de financiamento ao consumidor por meio de contratos de empréstimo, teria contratado serviços de cobrança bancária com outra instituição financeira (Unibanco), buscando facilitar o processo de cobrança e recebimento pela prestação de seus serviços. Ocorre que o banco réu, como alega o órgão ministerial, tem repassado indevidamente aos consumidores, usuários dos seus serviços, os custos da obrigação que contraíra com o Unibanco. Sustenta o Ministério Público que essa cláusula é abusiva, porquanto acarreta o enriquecimento sem causa da instituição financeira ré e implica ofensa ao equilíbrio dos direitos e obrigações contraídos pelas partes. Busca, por fim, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano material, repetindo o indébito em valor igual ao dobro do que pagou em excesso, além de compensação pelos eventuais danos morais causados aos consumidores decorrentes da prática tida como abusiva. 402 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Sentença (e-STJ fls. 371-376): sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial para “declarar a abusividade da prática adotada pelo banco réu relativa a cobrança de emissão de boleto ou qualquer outro custo destinado a cobrança de seus respectivos produtos ou serviços, inclusive taxas de cobrança bancária” e, em consequência, condenou o réu a restituir o indébito de forma simples. Acórdão (e-STJ fls. 533-547): ambas as partes, inconformadas, interpuseram recurso de apelação (pelo Banco Dibens S/A às fls. 390-414 e pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro às fls. 461-489). O TJ-RJ, após não conhecer, por unanimidade, do recurso interposto pelo Ministério Público e por maioria, não conhecer da apelação do réu, na parte em que pedia a limitação territorial (vencido, nesta parte, o relator), deu parcial provimento ao recurso interposto pela parte autora, por maioria, para determinar a devolução em dobro do indébito, vencido o relator. Ficou vencido o relator, ainda, na parte em que dava provimento ao recurso da parte autora, para fixação de multa diária. O acórdão ficou assim ementado: Apelação civel. Ação civil pública. Direito do Consumidor. Alegação de abusividade da cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário. Preliminar de ilegitimidade do Ministério Público bem como alegação de cerceamento de defesa em vista do indeferimento de provas requeridas pela parte ré já rejeitadas em recurso de agravo de instrumento. Violação dos princípios da transparência da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade. Onerosidade excessiva caracterizada. Repetição do indébito em dobro, por maioria. Dano moral não caracterizado. Legitimidade do Ministério Público para promover ação coletiva em defesa dos interesses ou direitos individuais homogêneos. A prova se destina ao convencimento do juiz, a quem incumbe verificar a necessidade e a utilidade da produção daquelas requeridas pelas partes. A aplicação do princípio do livre convencimento autoriza que o magistrado indefira a produção de provas que entender impertinentes ou inúteis ao deslinde da controvérsia. Matéria relativa à ilegitimidade do Ministério Público, bem como ao cerceamento de defesa já analisada em sede recursal, quando do julgamento de recurso de agravo de instrumento interposto pela parte ré-apelante. Normas insertas no Código de Defesa do Consumidor, que são de ordem pública e interesse social, sobrepondose as normas regulamentares editadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil. É abusivo o atuar da instituição financeira que procede a cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário, repassando ao consumidor custo que deveria ser suportado pela própria instituição que presta o serviço. Se para a emissão de boleto bancário existe um custo, este deve ser suportado RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 403 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pela instituição bancária, caracterizando onerosidade excessiva o repassar de tal custo ao consumidor, na medida em que a instituição financeira já é remunerada pelos serviços que presta aos seus clientes. A ausência de informação adequada e suficiente retrata violação do princípio da transparência, insculpido no Código de Defesa do Consumidor. Princípios da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade que também restaram violados. Os contratantes devem manter tanto na fase pré-contratual, quanto nas fases da contratação e da execução do contrato comportamento que é exigível ao homem médio, comportamento ético, probo, reto, sob pena de nulidade. O contrato de adesão, como é o caso dos autos, não permite a possibilidade de discussão das cláusulas ou regras insertas no mesmo. Ademais, a ausência de redação da cláusula com o destaque que é exigido pela lei consumerista, somente vem a ratificar que a parte ré, quando da contratação adesiva, não observou o princípio da transparência. Uma vez caracterizada a abusividade da cobrança, ausente qualquer engano justificável, incide a norma constante do artigo 42, parágrafo único, do CDC, autorizando a repetição do indébito em dobro, conforme decisão por maioria. O dano moral não comporta caracterização em sede de ação coletiva, na medida em que se constitui em direito personalíssimo, portanto, individual de cada um dos consumidores, não podendo ser aferido de forma global para todos. Entendeu a maioria por não conhecer o recurso da parte ré na parte em que postula a limitação territorial da decisão, na medida em que a matéria não foi enfrentada pela sentença recorrida. Neste ponto, este relator ficou vencido na medida em que reconhecia a abrangência nacional dos efeitos da coisa julgada, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Desprovimento do recurso do primeiro recurso (réu), por maioria e provimento parcial do segundo recurso (autor), por maioria com relação a determinação de devolução em dobro da repetição de indébito e, por maioria, para determinar que não há fixação de multa diária. Embargos de declaração (e-STJ fls. 551-561): interposto pelo banco recorrente, foi rejeitado às fls. 569-571 (e-STJ): Embargos de declaração. Acórdão proferido em apelação civel. Ação civil pública. Cobrança de boleto bancário. Omissão, obscuridade e contradição inexistentes. Não caracteriza obscuridade o não conhecimento do recurso em determinada parte da matéria objeto das razões recursais, considerando não ter sido a mesma decidida pelo juízo de primeiro grau. Também não se evidencia obscuro acórdão que rejeita preliminares que já haviam sido rejeitadas em recurso anterior de agravo de instrumento. A declaração de voto vencido acostada aos autos prejudica alegada omissão a respeito de sua ausência. Não há que se falar em omissão em razão de não manifestação respeito da manutenção ou não do efeito suspensivo anteriormente concedido ao recurso de apelação. Matéria que deve ser suscitada pela via própria e, perante o juízo competente. Recurso conhecido e desprovido. 404 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Embargos infringentes (e-STJ 574-584): interposto pelo banco recorrente, foi desprovido pelo Tribunal de origem, nos termos do acórdão assim ementado: Embargos infringentes. Delimitação. CPC, art. 530. Ação civil pública. Direito do Consumidor. Cobrança de “tarifa de emissão de boleto” considerada indevida. Trânsito em julgado da decisão, neste ponto. Devolução da quantia. Aplicabilidade da dobra prevista no § único do art. 42 do CDC. Não configuração do “engano justificável”. Desprovimento do recurso. Nos exatos termos do art. 530 do CPC, os embargos infringentes só são admissíveis quando tratarem de parcela da sentença reformada por decisão não unânime. Se a divergência dos doutos desembargadores que julgaram a apelação era quanto ao conhecimento ou não de parte do recurso, sendo minoritário o posicionamento pela sua admissibilidade, não se trata de divergência passível de superação pela via dos embargos infringentes. Considerada indevida a cobrança de determinada quantia desembolsada pelo consumidor, sua devolução só não se dará em dobro caso comprovada a hipótese de “engano justificável”, como consta do art. 42, § único, do CDC, in fine. Para conceituação do que seria o “engano justificável”, vale a analogia ao art. 138 do Código Civil, que ao tratar da anulabilidade do negócio jurídico, toma por condição que as declarações de vontade tenham emanado de “erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal”. Não pode ser considerado engano justificável (assim entendido como erro que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal) a transferência, ao consumidor, de gastos cujo ônus deveriam recair sobre o fornecedor, a teor da regra geral inserta no art. 325 do Código Civil, uma vez que a emissão de boletos para pagamento de tarifas bancárias pode-se equiparar ao “fato do credor” de que trata o referido dispositivo da lei civil. A inexistência de expressa proibição, por parte do Conselho Monetário Nacional, quanto à cobrança de “tarifa de emissão de boleto”, não equivale à sua autorização, até porque o não é exaustivo o rol do art. 1º da Resolução Bacen n. 2.303/96, que trata dos serviços bancários cuja cobrança ao consumidor é vedada. Desprovimento do recurso. Recurso especial (e-STJ fls. 625-649): interposto com base na alínea a do permissivo constitucional, aponta ofensa aos seguintes dispositivos de lei, todos do diploma consumerista: (i) art. 46, haja vista a recorrente entregar aos consumidores, no ato da celebração, o respectivo contrato, dando a esses a oportunidade de conhecimento prévio acerca do conteúdo do instrumento contratual. Se, contudo, o consumidor RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 405 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA “opta por não ler os termos do contrato, apenas a ele se pode imputar as consequências dessa escolha” (e-STJ fl. 636); (ii) art. 54, § 3º e § 4º, porquanto as disposições contratuais, em especial no que diz respeito à tarifa de emissão de boleto bancário, são claras e de fácil compreensão; (iii) art. 52, V, eis que nos contratos utilizados pela recorrente são inseridos todos os dados relativos às operações por ele contratadas; (iv) art. 47, na medida em que esse dispositivo de lei somente encontra aplicação nas hipóteses em que determinada cláusula contratual der margem a mais de uma interpretação, que não é o caso dos autos, no qual o órgão ministerial busca a nulidade de cláusula; (v) art. 51, IV, porquanto a cláusula em análise não coloca o consumidor em desvantagem exagerada, não podendo ser considerada abusiva. Argumenta que a tarifa discutida integra o preço final dos produtos, razão pela qual não se pode falar que sua cobrança seja ilegal. Sustenta que o pagamento por meio de boleto, comparativamente com os pagamentos por débito em conta, envolve mais risco de inadimplência. Aduz que existem custos para emissão, remessa e processamento do boleto e que ao consumidor assiste a faculdade de escolher com que fornecedor e qual tipo de produto quer contratar. Alega, por fim, que se a conduta da ré fosse mesmo abusiva, a procura pelos seus serviços não teria crescido exponencialmente nos últimos anos; (vi) art. 42 do CDC, haja vista que o STJ firmou o entendimento de que a devolução em dobro está condicionada à verificação de má-fé, o que não ocorreu na hipótese em apreço, razão pela qual a restituição deve se dar na forma simples. Recurso extraordinário: interposto às fls. 701-724 (e-STJ), não foi admitido (e-STJ fls. 756-761). Prévio juízo de admissibilidade (e-STJ fls. 756-761): após a apresentação das contrarrazões (e-STJ fls. 731-741), o recurso especial não foi admitido na origem (fls. 437-439). Dei, no entanto, provimento ao agravo de instrumento para melhor análise da questão, e determinei a subida dos autos ao STJ (e-STJ fl. 808). Parecer Ministério Público Federal (e-STJ fls. 783-791): a i. Subprocuradora-Geral da República Dra. Maria Caetana Cintra Santos opinou pelo não provimento do recurso. É o relatório. 406 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA VOTO A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia a determinar se a cobrança da chamada Tarifa de Emissão de Boleto deve ser considerada prática abusiva ou encontra-se em consonância com a Lei Consumerista. I – Da ofensa ao art. 46 do CDC. Fundamentação deficiente (Súmula n. 284-STF) Embora o recurso especial mencione a possível negativa de vigência ao art. 46 do CDC, o banco recorrente não demonstrou de forma clara, precisa e objetiva, como seria de rigor, em que consistiria a alegada afronta a tal dispositivo, limitando-se a sustentar a ocorrência de equívoco cometido pelo acórdão recorrido na aplicação do mencionado preceito de lei à hipótese em apreço, considerando que “os contratos praticados pelo Recorrente são sempre entregues ao consumidor no ato da sua celebração” (e-STJ fl. 636). A impressão que toma o leitor das razões do recurso especial é que o recorrente não está dialogando com os fundamentos do acórdão recorrido. Isso porque a aplicação do art. 46 do CDC à espécie não se deu em razão de não se ter oportunizado ao consumidor tomar conhecimento prévio do instrumento contratual – o que configura a primeira das hipóteses de incidência dos efeitos do art. 46 –, mas sim em decorrência da difícil compreensão do contrato. Deve-se concluir, nesse ponto, que o recurso especial encontra-se deficientemente fundamentado, razão pela qual seu conhecimento encontra óbice na Súmula n. 284-STF. II – Da violação dos arts. 47, 52, V, e 54, § 3º e § 4º, do CDC. Necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório e interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e n. 7, ambas do STJ) A instituição financeira recorrente alega que o acórdão recorrido teria violado os arts. 52, V, e 54, § 3º e § 4º, do CDC, porquanto as disposições contratuais, especialmente a referente à tarifa discutida, são legíveis e de fácil compreensão. Sustenta ainda que os consumidores são informados adequadamente acerca da “soma total a pagar, com e sem financiamento”, tal como exige o art. 52, V, do CDC. Alega que, tratando-se “de cláusula clara, que estabelece a cobrança de tarifa pelo fornecimento de boleto bancário”, não há que se falar em aplicação do art. 47 do CDC à espécie. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 407 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O TJ-RJ, por sua vez, soberano na apreciação fática, concluiu que (i) “não há redação clara e com caracteres ostensivos e legíveis, bem como as cláusulas não se encontram redigidas com destaque que é necessário” (e-STJ fl. 541) e (ii) que há “ausência de informação adequada a respeito da soma total a pagar, com e sem financiamento” (e-STJ fl. 542). Assim, a única forma de viabilizar o conhecimento do presente recurso seria alterar o decidido no acórdão impugnado, o que exigiria o reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais, situação vedada em recurso especial pelas Súmulas n. 5 e n. 7, ambas do STJ. III – Da abusividade da cobrança de Tarifa de Emissão de Boleto Bancário (Violação dos arts. 47 e 51, IV, do CDC) O recorrente alega que a cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário, além de não ter proibição legal, não pode ser caracterizada como prática abusiva, pois, integrando o preço final dos produtos, visa tão somente cobrir os custos dos serviços prestados, especialmente com a contratação de outra instituição bancária, in casu, o Unibanco, que fica responsável pela emissão, remessa e processamento dos boletos e pelo recebimento dos pagamentos e redirecionamento desses ao recorrente, que não possui rede bancária. Sustenta que essa tarifa também objetiva compensar o risco de inadimplência inerente a essa modalidade de pagamento, que é maior se comparado aos pagamentos efetuados por desconto automático de conta corrente. Aduz que impossibilitar ao recorrente a cobrança dessa tarifa importa em interferência na sua esfera privada, “impedindo-o de cobrar preço justo pelos serviços prestados a sua clientela” (e-STJ fl. 642), a quem, além do mais, assiste à faculdade de escolher com qual fornecedor e qual produto quer contratar. Por fim, sustenta que, se fosse mesmo essa cobrança abusiva, a procura pelos seus serviços não teria crescido tanto nos últimos anos. O TJ-RJ, por sua vez, ao apreciar a controvérsia em apreço, concluiu que “a cobrança perpetrada pela ré em face de seus clientes (consumidores) se encontra eivada de abusividade, na medida em que repassa seus próprios custos aos consumidores para os quais presta serviço” (e-STJ fl. 538), razão pela qual viola os princípios da transparência, da boa-fé e da vulnerabilidade do consumidor. É verdade que, em regra, os serviços prestados pelas entidades bancárias são onerosos, sendo geralmente facultados a essas instituições estipularem 408 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA a cobrança de taxas e tarifas bancárias de seus clientes, dentro dos limites estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, conforme preceitua o art. 4º, IX, da Lei n. 4.595/1964. Nesse sentido, dentro da sistemática de regulamentação do Conselho Monetário Nacional, além da vedação expressa de cobrança por serviços tidos como “essenciais” previstos no art. 2º da Resolução n. 3.518/2007, como o fornecimento de cartão com função débito e a realização de até quatro saques por mês, a mesma resolução, regulamentada por meio da Circular n. 3.371/2007, institui a categoria dos serviços “prioritários”, que são passíveis de cobrança, de modo que a cobrança de qualquer outra tarifa que não os previamente discriminados depende de prévia e expressa autorização do Banco Central. Em se tratando de Tarifa para Emissão de Boleto Bancário, cuja possibilidade de cobrança é o cerne da controvérsia posta nos autos, o Banco Central, atento à crescente prática operada pelas instituições bancárias e buscando inibi-la, alterou, por meio da Resolução n. 3.693/2009, a redação do art. 1º da Resolução n. 3.518/2007, que passou a prever expressamente a proibição da cobrança da tarifa para ressarcimento “de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês e assemelhados”. Convém ressaltar, ademais, que a entidade representativa dos bancos (Febraban), muito antes da entrada em vigor da Resolução n. 3.518/2007, houve por bem recomendar em Carta-Circular (Comunicado FB-049/2002 disponível no sítio http://www.febraban.org.br/Arquivo/Servicos/Dicasclientes/dicas2.asp na rede mundial de computadores) não só a suspensão da cobrança da tarifa em questão, mas a própria eliminação dessa tarifa das tabelas de preços de serviços afixados nas suas agências e postos de serviços, justificando sua decisão na existência de tarifa interbancária “justamente para ressarcir os custos dos bancos recebedores nesta prestação de serviços”. Não obstante isso, ou seja, abstraindo-se a lógica regulamentar e analisando a questão sob a ótica do direito do consumidor, não há, por diversos fundamentos, como se prestigiar a prática adotada pela instituição bancária recorrente. Em primeiro lugar, saliento que mencionado encargo tem como suporte de incidência o simples fato de ter sido celebrado contrato de financiamento entre o banco e seus clientes e, como sustenta o recorrente, destina-se a reembolsar as despesas feitas por ele com emissão, envio e processamento de boletos bancários, ou, como na hipótese dos autos, com os custos de contratar outra instituição financeira para que com tais providências se ocupe. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 409 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A tarifa bancária em comento é, portanto, uma consequência da prestação de um serviço oneroso por parte da instituição bancária contratada – no caso o Unibanco – em benefício do próprio recorrente. Não se destina, assim, evidentemente, a remunerar um serviço prestado ao cliente, ou, em outras palavras, a concretização de efetiva prestação de serviço aos consumidores (art. 3º, § 2º, do CDC), única hipótese em que poderia ser admitida sua cobrança. Dessa forma, não é razoável que o consumidor seja obrigado a arcar com os custos de serviço contratado entre o recorrente e outra instituição bancária, sem que tenha qualquer participação nessa relação e sem que tenha se responsabilizado pela remuneração de serviço que não contratou. Falta, portanto, causa à tarifa bancária por pagamentos efetuados mediante boletos, pois ela diz respeito apenas a despesas feitas pelo banco financiador para facilitar o desempenho de sua atividade profissional, não podendo ser suportada pelo consumidor. Não bastasse isso, não há se olvidar da regra contida no art. 51, IV, do CDC – dispositivo legal tido como violado –, que dispõe que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Outro relevante fundamento decorre do fato de que sobre todo o boleto bancário liquidado por meio do “sistema de liquidação interbancário nacional” ocorre a incidência da chamada “tarifa interbancária”, consoante informações divulgadas pelo Bacen na rede mundial de computadores (http://www.bcb. gov.br/htms/spb/Diagnostico%20do%20Sistema%20de%20Pagamentos%20 de%20Varejo%20no%20Brasil.pdf ). Isso significa que o serviço prestado por meio do oferecimento de boleto bancário ao mutuário já é remunerado por meio da tarifa interbancária, razão pela qual a cobrança de tarifa, ainda que sob outra rubrica, mas que objetive remunerar o mesmo serviço – acobertando as despesas de inerentes à operação de outorga de financiamento –, caracterizase como indevida e abusiva “dupla tarifação”, que importa em enriquecimento sem causa e vantagem exagerada das instituições financeiras em detrimento dos consumidores. Outro não foi entendimento adotado por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp n. 794.752-MA, de relatoria do e. Min. Luis Felipe Salomão (4ª Turma, DJe de 12.04.2010). Ainda que no mais das vezes tal tarifa seja de pequeno valor mensal, o certo é que não deixam de representar um encargo a mais sobre os ombros do 410 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA consumidor, elevando sem justa causa o preço final do produto ou serviço por ele adquirido. E quanto menores os valores dos empréstimos, se pagos de forma parcelada, com a emissão de tantos boletos quantas forem as prestações, no final, mais próximo será o valor despendido com o pagamento de tarifa de emissões de boleto do montante a ser pago pelo mutuário ao banco. Quanto mais não fosse, perfeitamente aplicável à hipótese o disposto no art. 39, do CDC, que caracteriza como prática abusiva “condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”. Por derradeiro e não menos importante, há de se consignar que a cobrança de tarifa pelo pagamento de uma conta ou serviço mediante boleto bancário significa cobrar para emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por ela não pode nada solicitar, além de aceitar que o direito à quitação pode ser condicionado ao pagamento de quantia em dinheiro. Isso porque o devedor tem, conforme dispõe o art. 319 do CC/2002 (art. 939 do CC/1916), “direito a quitação regular”, podendo “reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada”. Dessarte, considerando-se que a expedição de boleto de pagamento é ônus da instituição financeira, não se podendo o seu custo ser transferido ao financiado, e que assim o fazendo, acarretará “dupla tarifação” e, por consequência, enriquecimento sem causa do banco, conclui-se que a cláusula que estabelece a cobrança de tarifas de emissão de boleto bancário, incidente na outorga do financiamento, é nula de pleno direito, por se configurar obrigação iníqua e abusiva na medida em que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, proclamando, ainda, flagrante ofensa à boa-fé e à equidade contratual, conforme o disposto no art. 51, IV, do CDC. A respeito do tema, houve manifestação desta Corte, por ocasião da apreciação do REsp n. 794.752-MA, de relatoria do e. Min. Luis Felipe Salomão (4ª Turma, DJe de 12.04.2010), nos seguintes termos: Civil e Processual Civil. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do Maranhão. Legitimidade. Ilegalidade da cobrança de tarifa sob emissão de boleto bancário. 1. O Tribunal a quo manifestou-se acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida. Não cabe alegação de violação do artigo 535 do CPC, quando a Corte de origem aprecia a questão de maneira fundamentada, apenas não adotando a tese da recorrente. Precedentes. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 411 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 4°, 9°, 10 e 11, da Lei n. 4.595/1964, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula n. 211-STJ. 3. Portarias, circulares e resoluções não se encontram inseridas no conceito de lei federal para o efeito de interposição deste apelo nobre. Precedentes. 4. Não se verifica a alegada vulneração dos artigos 458 do Código de Processo Civil, porquanto a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas. 5. A presente ação civil pública foi proposta com base nos “interesses individuais homogêneos” do consumidores/usuários do serviço bancário, tutelados pela Lei n. 8.078, em seu art. 81, parágrafo único, inciso III, ou seja, aqueles entendidos como decorrentes de origem comum, consoante demonstrado pelo Tribunal de origem, motivo pelo qual não há falar em falta de legitimação do Ministério Público para propor a ação. 6. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme decidiu a Suprema Corte na ADI n. 2.591. Precedentes. 7. Sendo os serviços prestados pelo Banco remunerados pela tarifa interbancária, conforme referido pelo Tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto/ficha de compensação constitui enriquecimento sem causa por parte das instituições financeira, pois há “dupla remuneração” pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos Bancos em detrimento dos consumidores, razão pela qual abusiva a cobrança da tarifa, nos termos do art. 39, V, do CDC c.c. art. 51, § 1°, I e III, do CDC. 8. O pedido de indenização pelos valores pagos em razão da cobrança de emissão de boleto bancário, seja de forma simples, seja em dobro, não é cabível, tendo em vista que a presente ação civil pública busca a proteção dos interesses individuais homogêneos de caráter indivisível. 9. A multa cominatória, em caso de descumprimento da obrigação de não fazer, deverá ser destinada ao Fundo indicado pelo Ministério Público, nos termos do art. 13 da Lei n. 7.347/1985, uma vez que não é possível determinar a quantidade de consumidores lesados pela cobrança indevida da tarifa sob a emissão de boleto bancário. 10. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos. IV – Da repetição do indébito em dobro (Ofensa ao art. 42 CDC) Por fim, caracterizada de modo inequívoco a abusividade na cobrança da tarifa para emissão de boleto bancário e, com isso, a obrigação do banco recorrente de restituir os valores indevidamente recebidos, há de se determinar 412 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA se a devolução se dará de forma simples, como pretende o recorrente, ou dupla, como determinado pelo Tribunal de origem. Nesse ponto, alega a instituição bancária recorrente que esta Corte tem entendimento consolidado no sentido de que a devolução em dobro está condicionada à verificação de má-fé, razão pela qual requer a restituição na forma simples, haja vista que nos autos a má-fé não restou comprovada. O acórdão recorrido, por sua vez, para justificar a negativa ao indébito em dobro, entendeu por afastar a ocorrência de engano justificável, sob o fundamento de que “não se pode considerar engano injustificável a atitude do credor que visando maior ganho onere o consumidor com uma despesa desnecessária, pois a regra geral do mercado é que as tarifas, que já possibilitam aos bancos um ganho suficiente para pagar sua folha de pagamento como noticiou em passado próximo a imprensa, são debitados na conta corrente” (e-STJ fl. 621). Com efeito, “o entendimento dominante neste STJ é no sentido de admitir a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo provada má-fé” (AgRg no Ag n. 570.214-MG, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 28.04.2004). Nesse sentido, vejam-se ainda os seguintes precedentes: REsp n. 453.782-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 24.02.2003 e REsp n. 647.838-RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Norinha, DJ de 06.06.2005. Contudo, na hipótese dos autos, o acórdão recorrido não decidiu acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em seu recurso especial quanto ao art. 42 do CDC (ausência de má-fé), o que inviabiliza o seu julgamento, atraindo, à espécie, a aplicação da Súmula n. 282-STF. Forte nessas razões, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nego-lhe provimento. É como voto. VOTO-VISTA O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Senhor Presidente, como relatado, trata-se de recurso especial interposto por Dibens Leasing S.A. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, manteve a sentença de procedência do pedido para declarar a abusividade da prática RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 413 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA adotada pelo banco réu relativa a cobrança de emissão de boleto e, em consequência, condenou o réu a restituição do indébito de forma composta (art. 42, parágrafo único, do CDC). Em seu apelo excepcional, informa o recorrente que: (...) A cobrança da referida tarifa é resultado dos custos relacionados com a emissão, impressão e envio do boleto ao cliente, custos esses que não seriam incorridos na hipótese, por exemplo, de pagamento por meio de débito em conta corrente. Diga-se, ainda, que o Banco Dibens S/A não possui rede bancária, o que significa que, para emitir os referidos boleto, é necessário contratar uma instituição financeira, que não apenas providenciará a emissão dos documentos, mas receberá os pagamentos e os redicionará ao recorrente. No caso, a instituição contratada é o Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/A, que, a despeito de pertencer ao mesmo grupo econômico do recorrente, não pode prestar quaisquer serviços sem a devida remuneração. Nessa perspectiva, a esse ponto é fundamental para a compreensão da controvérsia, verifica-se que a Tarifa de Emissão de Boleto Bancário integra a remuneração cobrada pelas empresas financeiras (e, em especial, pelo Recorrente) para a concessão de seus empréstimos e, como tal, é parte integrante da estratégia mercadológica de cada empresa. Em outras palavras, a tarifa para emissão de boleto bancário integra o “preço” dos empréstimos e financiamento. Com efeito, a remuneração dos empréstimos concedidos pelas instituições financeiras não se dá apenas pelos juros, mas pela combinação de juros com tarifas (...) (fl. 62 - grifou-se). Alega violação dos artigos 46, 47, 52, inciso V, 51, inciso IV, e 54, parágrafos 3º e 4º, do CDC, sustentando as seguintes teses: a tarifa reflete um custo incorrido pelo banco e um serviço efetivamente prestado ao cliente; não existe norma legal que vede a cobrança da tarifa, e o consumidor tem ciência de que a cobrança será realizada em caso de opção pela emissão de boleto bancário. Inconforma-se, ainda, quanto à condenação à repetição dobrada a que se refere o parágrafo único do artigo 42 do CDC, aduzindo que a cobrança, amparada em normatização regulamentar do Conselho Monetário Central, configura “engano justificável” a amparar a devolução de forma simples. Em memorial, o recorrente reafirma a legalidade da cobrança da tarifa, estabelecendo uma cronologia da normatização no âmbito do CMN, entre 25.07.1996 e 26.03.2009, bem como a impossibilidade de repetição de forma 414 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA dobrada, à míngua de existência de má-fé na cobrança, haja vista a existência de regulação específica. Na sessão do dia 02 de agosto de 2011, após o voto da eminente Ministra Nancy Andrighi, que conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negou provimento, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino, pedi vista para melhor compreensão da controvérsia. Peço vênia à ilustre relatora para tecer algumas considerações. De início, não obstante as informações e os esclarecimentos trazidos no memorial em favor do recorrente, mormente quanto à normatização regulamentar do CMN e do Banco Central e a sua relação com as regras de proteção ao consumidor, ressalta-se que o especial é um recurso de fundamentação vinculada, no qual o efeito translativo se opera, tão-somente, nos termos do que foi impugnado. Assim, passo à análise da pretensão recursal, nos limites em que posta. O egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 2.591, em 07.06.2006, que confirmou a constitucionalidade do artigo 3°, parágrafo 2°, da Lei n. 8.078/1990 em relação aos “serviços de natureza bancária”, pôs fim à controvérsia a respeito da relação jurídica entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição financeira, firme no entendimento de que a matéria deve ser disciplinada e interpretada de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. É o que se extrai de parte do elucidativo voto do eminente Ministro Carlos Velloso, que ora se transcreve: (...) Tal como entende o eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, no parecer que ofereceu, “pela Lei n. 8.078 não se criam atribuições peculiares ao mercado e às instituições financeiras; as normas ali insculpidas não dizem respeito, absolutamente, à regulação do Sistema Financeiro, mas à proteção e defesa do consumidor, pressuposto de observância obrigatória por todos os operadores do mercado de consumo - até mesmo pelas instituições financeiras”. (...) Não há, pois, invasão de competência alguma; mostra-se perfeitamente possível a coexistência entre a lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional e o Código a que devam sujeitar-se as instituições bancárias, financeiras, de crédito e de seguros, como todos os demais fornecedores, em suas relações com os consumidores. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 415 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA De mais a mais, inúmeros outros diplomas legais, de índole ordinária, acabam por criar, de alguma forma “atribuições” para as instituições financeiras: a legislação do imposto sobre a renda, a legislação previdenciária, a trabalhista, a societária. Logo, não seria sequer sensato que os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, pelo só fato de terem suas atividades reguladas por lei complementar e fiscalizada por um banco central, postulassem eximir-se do dever de obediência às demais leis do País. (...) De outro lado, a existência de um Código de Defesa do Consumidor, com incidência nas relações entre instituições financeiras e consumidores, não subtrai ao Banco Central o ônus de disciplinar a prestação de serviços bancários a clientes e ao público em geral, como previsto na legislação pertinente. (...) É que o Código do Consumidor não interfere com a estrutura institucional do Sistema Financeiro Nacional. Esta, sim, será regulada por lei complementar - CF, art. 192 (...) Da mesma forma (...) também não se pode afirmar que os direitos dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários estariam inscritos no citado art. 192 e incisos da Constituição Federal. (...) Esse é, exatamente, o ponto: os direitos dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários, bem como os meios para seu reconhecimento, não são disciplinados, nem poderiam ser, na lei que hoje regula o Sistema Financeiro Nacional porque semelhante encargo compete, de modo inequívoco, ao Código de Defesa do Consumidor (...). Nem mesmo a decantada relação estreita das instituições financeiras com a política monetária adotada no País, vale salientar - idêntica, de resto, à vinculação experimentada por quem quer que explore atividade econômica - constitui fundamento bastante para desobrigá-las da submissão às regras do mercado de consumo. (...) (grifou-se). Tal entendimento restou cristalizado nesta Corte Superior, nos termos da Súmula n. 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Posto isso, quanto à tarifa em questão, não se desconhece que se constitui em exigência não deferida ou legalizada expressamente em nenhum ato ou texto normativo, da mesma forma que não existe previsão legal para sua inexigibilidade. 416 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Com efeito, embora a taxa de emissão de boleto de cobrança não estivesse vedada desde a Resolução n. 2.303/1996 - até à Resolução n. 3.693/2009, como afirma o recorrente -, não é crível a premissa de que as instituições bancárias podem arbitrar e repassar ao consumidor qualquer ônus, pois, como dito, as atividades de natureza bancária são regidas pelo CDC, e, portanto, devem respeitar um mínimo de razoabilidade na relação contratual. O consumidor não pode ser impelido a arcar com o gasto de serviço contratado entre instituições bancárias, sem que tenha possibilidade de excluir sua participação nessa relação. Se o serviço é prestado através de contrato realizado entre a instituição bancária e um fornecedor (Unibanco), não tem o consumidor qualquer participação no negócio. Assim, deve ser aplicado o entendimento de que somente pode ser exigido do consumidor o pagamento do débito contraído ou do serviço contratado e, no caso de atraso do pagamento, os juros de mora e demais encargos legais, mas nunca as “hidden taxes” (taxas ocultas). Outra não é a letra do artigo 325 do Código Civil: Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação; se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida. Ressalta-se, ainda, por pertinente, que a Resolução CMN n. 3.518, de 26.07.2007, determinava: Art. 1º A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário. Parágrafo único. Para efeito desta resolução: (...) III - não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento mercantil. (...). Não bastasse, a própria Febraban, da qual o recorrente é associado, já havia enviado o Comunicado FB n. 049/2002 aos bancos, nos seguintes termos: RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 417 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Face a continuidade de inúmeras ocorrências e reclamações - ao Banco Central, Procons e à Federação - a respeito da cobrança de tarifa aos clientes ou usuários que apresentem para pagamento bloquetos de outros bancos relativos a títulos em cobrança, conhecida como “tarifa do sacado”, a Diretoria Executiva, reunida em 20.03.2002, e o Conselho Diretor, nesta data, decidiram recomendar aos bancos que reforcem sua orientação no sentido de: 1.1. suspender a cobrança desse serviço; 1.2. eliminar essa tarifa das tabelas de preços de serviços afixadas nas suas agências e postos de serviços. 2. Tal recomendação - já constante da Circular FB-058/2000, de 25.05.2000, que reiterava o contido nas Circulares FB-168/99, FB-385/97 e Carta-Circular BAG70.318, de 22.05.1997 - tem por base o fato de: 2.1. já existir Tarifa Interbancária, criada - por protocolo assinado em 27.06.1995, pela Febraban, Asbace, Abbi, Abbc e o Banco do Brasil, como Executante do Serviço de Compensação - justamente para ressarcir os custos dos bancos recebedores nesta prestação de serviços; (...). Portanto, os serviços prestados pelo banco já eram remunerados através da “tarifa interbancária”, configurando a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto/ficha de compensação em enriquecimento sem causa por parte da instituição financeira, pois estava havendo “dupla remuneração” pelo mesmo serviço, importando, em consequência, vantagem exagerada a favor dos bancos em detrimento dos consumidores. Ao que se tem, portanto, cabe ao consumidor apenas o pagamento da prestação que assumiu junto ao seu credor, não sendo razoável que seja responsabilizado pela remuneração de serviço com o qual não se obrigou, mas lhe é imposto como condição para quitar a fatura recebida, seja em relação a terceiro, seja do próprio banco. De fato, importando a referida prática em vantagem exagerada em prejuízo dos consumidores, é de se ter como abusiva a cobrança da tarifa pela emissão do boleto bancário (art. 51, IV, do CDC). A bem ilustrar esta tese, o seguinte precedente da eg. Quarta Turma: Civil e Processual Civil. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do Maranhão. Legitimidade. Ilegalidade da cobrança de tarifa sob emissão de boleto bancário. (...) 418 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA 6. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme decidiu a Suprema Corte na ADI n. 2.591. Precedentes. 7. Sendo os serviços prestados pelo Banco remunerados pela tarifa interbancária, conforme referido pelo Tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento mediante boleto/ficha de compensação constitui enriquecimento sem causa por parte das instituições financeira, pois há “dupla remuneração” pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos Bancos em detrimento dos consumidores, razão pela qual abusiva a cobrança da tarifa, nos termos do art. 39, V, do CDC c.c. art. 51, § 1°, I e III, do CDC. (...) 10. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos (REsp n. 794.752-MA, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16.03.2010, DJe 12.04.2010, RSTJ vol. 218, p. 408 - grifou-se). No tocante à apontada violação do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, a insurgência recursal cinge-se ao argumento de que, para a condenação à devolução do indébito em dobro, indispensável a verificação da má-fé do credor. Verifica-se que, contudo, a matéria versada não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias sob o enfoque pretendido pelo recorrente, sequer de modo implícito, e não foram opostos embargos de declaração com a finalidade de sanar omissão porventura existente. Por esse motivo, ausente o requisito do prequestionamento, incide o disposto na Súmula n. 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. De qualquer sorte, registre-se que a jurisprudência desta Corte tem evoluído no sentido de considerar devida a repetição em dobro do indébito tanto nas hipóteses de má-fé quanto nos casos de culpa (imprudência, negligência e imperícia). Nesse sentido: Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. Omissão. Inexistência. Serviço de telefonia. Cobrança indevida. Devolução em dobro. Art. 42, parágrafo único, do CDC. Engano justificável. Não-configuração. Juros de mora. Obrigação ilíquida. Dies a quo. Citação válida. Correção monetária. Termo inicial. Pagamento indevido. 1. (...) RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 419 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. Em memoriais, a agravante insiste na tese de que a incidência do art. 42, parágrafo único, do CDC depende da configuração da má-fé do fornecedor. 3. O STJ firmou a orientação de que tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto na restituição em dobro. 4. Descaracterizado o erro justificável, devem ser restituídos em dobro os valores pagos indevidamente. 5. (...) 6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no Ag n. 1.344.906-MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17.02.2011, DJe 15.03.2011). Recurso especial. Processual Civil. Administrativo. Tarifa de água e esgoto. Cobrança indevida. Culpa da concessionária. Restituição em dobro. (...) 4. Interpretando o disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte de Justiça firmaram orientação no sentido de que “o engano, na cobrança indevida, só é justificável quando não decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do fornecedor do serviço” (REsp n. 1.079.064-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 20.04.2009). Ademais, “basta a culpa para a incidência de referido dispositivo, que só é afastado mediante a ocorrência de engano justificável por parte do fornecedor” (REsp n. 1.085.947-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 12.11.2008). Destarte, o engano somente é considerado justificável quando não decorrer de dolo ou culpa. 5. Na hipótese dos autos, a Corte de origem concluiu que estava caracterizada a culpa da concessionária na cobrança indevida da tarifa de água e esgoto, não sendo, portanto, razoável falar em engano justificável. 6. A apreciação dos critérios necessários à descaracterização do dolo, da culpa ou da má-fé da concessionária, conforme previsto no art. 42, parágrafo único, do CDC, enseja indispensável análise das circunstâncias fático-probatórias constantes dos autos, cujo reexame é vedado em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STJ. 7. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.115.741-RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 03.11.2009, DJe 24.11.2009). Nesse contexto, irrepreensível o Tribunal de origem, que concluiu pela condenação à repetição em dobro, amparado na ausência de engano justificável 420 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA do fornecedor, sob o fundamento de que “não se pode considerar como engano justificável uma atitude que deve ser considerada abusiva e ilícita, realizada de forma consciente” (e-STJ fl. 622). Ante o exposto, acompanho a eminente Ministra Relatora, negando provimento ao recurso especial. É o voto. VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, eu havia recebido o voto disponibilizado pela eminente Relatora, e prestei muita atenção na sustentação do eminente Advogado. Eu estava até imaginando essa questão da colidência das normas do Código de Defesa do Consumidor com as instruções normativas do Conselho Monetário Nacional, mas Sua Excelência, a Sra. Ministra Relatora, eliminou qualquer dúvida ao longo do seu bem elaborado voto quando disse que, na verdade, houve uma resolução posterior, do próprio Conselho Monetário Nacional, que acabou, vamos dizer, pondo por terra essa afirmação, e uma recomendação da própria Febraban no sentido de não se admitir essa prática. De maneira que acompanho integralmente o voto de Sua Excelência, no sentido de conhecer parcialmente do recurso especial, e, nessa parte, negar-lhe provimento, cumprimentando o Advogado pela sustentação. RECURSO ESPECIAL N. 1.259.020-SP (2010/0134557-7) Relatora: Ministra Nancy Andrighi Recorrente: Securinvest Holdings S/A Advogados: Sergio Ronaldo Sahione Fadel e outro(s) Antônio Augusto Gonçalves Tavares e outro(s) Marcelo Fadel e outro(s) Recorrido: Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda. - massa falida Advogados: Afonso Henrique Alves Braga - síndico RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 421 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Rodrigo Kaysserlian Antônio Rulli Neto e outro(s) Angelino Ruiz Rodrigo Campos EMENTA Processo Civil. Falência. Extensão de efeitos. Sociedades coligadas. Possibilidade. Ação autônoma. Desnecessidade. Decisão “inaudita altera parte”. Viabilidade. Recurso improvido. 1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. 2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Não há nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses. 3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita independentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatar a existência de participação no capital social. 4. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a utilização de complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica da desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos. 5. Recurso especial não provido. 422 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr. Marcelo Fadel, pela parte recorrente: Securinvest Holdings S/A. Dr. Rodrigo Kaysserlian, pela parte recorrida: Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda. Brasília (DF), 09 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministra Nancy Andrighi, Relatora DJe 28.10.2011 RELATÓRIO A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recuro especial interposto por Securinvest Holdings S/A, para impugnação de acórdão exarado pelo TJ-SP no julgamento de agravo de instrumento. Ação: de falência da sociedade Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda. Em 20 de julho de 2007, o síndico requereu a extensão dos efeitos da falência da sociedade Petroforte a uma série de empresas, discriminadas no requerimento apresentado (fls. 74 a 115, e-STJ), a saber: River South S.A., Vultee Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, Securinvest Holdings S.A., Turvo Participações S.A., Agroindustrial Espírito Santo do Turvo Ltda., Kiaparack Participações e Serviços Ltda., MT&T Prestação de Serviços em Envasamento Ltda., All Sugar International Inc (off-shore), Red Cloud Ltda. (off-shore), Blue Snow Holdings Inc (off-shore) e Real Sugar Corporation (off-shore), além de uma série de pessoas naturais, a saber: Carlos Masetti Junior, Carlos Masetti Neto, Ida Tufano, Francisco Bosque Neto, Watson Gonçalves, Fernando Masetti, Wellengton Carlos de Campos, Myriam Nívea de Andrade Ortolan e Maria Isabel Quintino Nicotero Pestana. O motivo seria o de que todas elas teriam participado de diversas operações realizadas com o intuito de desviar bens da massa falida. Especificamente com relação à recorrente Securinvest, o síndico argumenta que ela teria ativamente RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 423 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA participado, juntamente com as sociedades Rural Leasing Arrendamento Mercantil e Sobar S/A Álcool e Derivados, de operações societárias destinadas a desviar entre outros bens, uma valiosa usina de açúcar e álcool, em 22 de agosto de 2000. Decisão: deferiu o pedido de extensão dos efeitos da quebra (fls. 116 a 117, e-STJ). Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela Securinvest, nos termos da seguinte ementa (fls. 297 a 305, e-STJ): Falência. Petroforte. Extensão dos efeitos de sua quebra à agravante nos autos da falência. Admissibilidade. Possibilidade de defesa por meio de recurso. Nulidade inexistente. Recurso desprovido. Falência. Petroforte. Extensão dos efeitos de sua quebra à agravante. Cabimento. Desvio de finalidade social e abuso de personalidade jurídica da sociedade. Transferências sucessivas de bens para mantê-los fora do alcance da justiça. Recurso desprovido. Embargos de declaração: interpostos (fls. 307 a 316), foram rejeitados (fls. 318 a 320, e-STJ). Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional (fls. 357 a 426, e-STJ). Alega-se violação dos arts. 165, 213, 458 e 535 do CPC, além dos arts. 82 da Lei n. 11.101/2005, 6º, 11, 12, 52 e 53 do DL n. 7.661/1945 e 50 do CC/2002. Recurso extraordinário: interposto (fls. 322 a 342, e-STJ). Admissibilidade: o TJ-SP negou seguimento ao recurso especial, por decisão do i. Des. Presidente da Seção de Direito Privado, Luiz Antônio Rodrigues da Silva, motivando a interposição do Ag n. 1.335.918-SP, por mim convertido em recurso especial para imediato julgamento. Medida cautelar: ajuizada objetivando a concessão de efeito suspensivo ao recurso especial, distribuída à minha relatoria sob o número MC n. 15.526SP. A medida liminar foi inicialmente deferida, pelo colegiado, nos termos da seguinte ementa: Processo Civil. Medida cautelar visando a obter antecipação de tutela em recurso especial ainda não sujeito a exame de admissibilidade. Direito Civil e Comercial. Extensão de falência a sociedade que supostamente integraria o grupo econômico da falida. Incerteza acerca da existência de liame societário 424 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA entre a empresa falida, e a empresa a quem a falência se estendeu. Deferimento da liminar, “ad cautelam”, determinando-se o esclarecimento, pela requerente, de sua cadeia societária, com a reapreciação da matéria em 15 dias. - Ao permitir a extensão da falência mediante procedimento incidental, o STJ teve em mira as hipóteses em que há vínculo societário. Sem ele, não há como atingir, mediante a desconsideração, o patrimônio de terceiro alheio ao grupo econômico. - A dúvida quanto ao grupo econômico a que pertence a requerente recomenda que, inicialmente, o seu direito seja acautelado. Contudo, esta medida não pode se estender indefinidamente. A indefinição que paira, sobre o tema, deve ser esclarecida. - É necessário que a requerente não se limite a dizer quem não participa de seu capital social. Para eliminar os impasses quanto à questão, deve indicar quem dele efetivamente participa. Medida liminar deferida provisoriamente, concedendo-se a requerente o prazo de 15 dias para esclarecer a cadeia societária que integra, com o retorno dos autos à conclusão para ratificação ou revogação da liminar concedida. Essa medida liminar, concedida em caráter temporário, foi posteriormente ratificada por mim nos autos da medida cautelar. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a lide a estabelecer se é possível estender os efeitos da falência de uma empresa a outra, por decisão incidentalmente proferida, sem a oitiva da interessada, na hipótese em que não há vínculo societário direto entre as empresas, mas em que há suspeita de realização de operações societárias para desvio de patrimônio da falida nos anos anteriores à quebra, inclusive com a constituição de sociedades empresárias conjuntas para esse fim. I – Histórico da alegada fraude Para compreensão da lide, é necessário descrever, antes de mais nada, no que consistem as fraudes que a massa falida alega terem sido cometidas, justificando a desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos da falência a uma série de empresas e pessoas físicas. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 425 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Segundo afirma o síndico, uma série de operações societárias foi montada para desvio de bens da massa falida, notadamente os bens da sociedade Sobar S/A – Álcool e Derivados, do grupo Petroforte. A fraude consistiria na seguinte operação, utilizando-se as palavras do acórdão recorrido: Os autos indicam que entre a Rural Leasing e a Sobar foi celebrado contrato de arrendamento mercantil, na modalidade “lease back”. Para instrumentalização do negócio, a Sobar transmitiu à Rural Leasing a propriedade do imóvel (por escritura aparentemente não registrada no Registro de Imóveis competente) e dos equipamentos nele instalados. Alegadamente inadimplido o contrato, a arrendadora ajuizou ação de rescisão, obtendo posteriormente sua reintegração na posse dos bens arrendados. Entrementes, a Rural Leasing cedeu seus direitos creditórios, oriundos do mesmo contrato de arrendamento mercantil, à ora agravante, “Securinvest Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros”, que por seu turno integralizou, com os bens objeto do leasing (e não com os direitos creditórios de que era cessionária), ações destinadas ao aumento do capital social de “Turvo Participações S.A.”, que posteriormente os arrendou a “Agroindustrial Espírito Santo do Turvo”. Consta ainda a existência de um “contrato particular de compra e venda de universalidade de bens” pelo qual a “Turvo Participações S.A. alienou os mesmos bens a “Kiaparack Participações e Serviços Ltda.”, que por seu turno os teria arrendado (novamente...) a “Agroindustrial Espírito Santo do Turvo”. A mesma operação é descrita com mais detalhes pela recorrente, no agravo de instrumento que deu origem a este recurso especial (fls. 46 a 65). A descrição da recorrente, contudo, objetiva naturalmente fazer crer ao julgador que todo o processo foi revestido de legalidade: Não é demais relembrar que em 22 de agosto de 2000, a sociedade Rural Leasing realizou com Sobar S.A. – Álcool e Derivados uma operação de crédito revestida de toda legalidade, no caso um lease back. Por força da referida operação, a Rural Leasing adquiriu da Sobar o terreno, as construções nele erguidas e todas as máquinas e equipamentos empregados na atividade industrial. Ato contínuo os arrendou através de contrato de arrendamento mercantil. Tudo dentro da mais rigorosa legalidade, repita-se. Comprove-se pelos documentos que estão nos autos que por força da operação a Rural leasing efetivamente entregou à vendedora a importância de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), no caso o preço do negócio. De seu lado, a arrendatária se obrigou a pagar à arrendante 42 (quarenta e duas) parcelas mensais, iguais e consecutivas, no valor de R$ 328.907,32, pelo 426 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA arrendamento e R$ 187.320,79, pela antecipação do valor residual garantido. Em razão do inadimplemento parcial as partes celebraram instrumento de aditamento e re-ratificação do contrato de arrendamento mercantil ajustando que a dívida seria agora resgatada em 37 parcelas mensais e sucessivas de R$ 655.823,05, a partir de 22 de outubro de 2001. Diante do novo inadimplemento a Rural Leasing promoveu em face da Sobar a competente ação de rescisão contratual (2ª vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo – doc. Junto). Uma vez cumprida a reintegração na posse dos bens objeto do arrendamento as partes em 07 de junho de 2002, celebraram novo acordo eis que não era interesse da Rural Leasing ter a posse dos bens. Pelos termos do acordo, seriam pagos R$ 24.135.318,80 em 82 (oitenta e duas) parcelas mensais e consecutivas sendo a primeira em 25 de junho de 2002. Diante do reiterado descumprimento dos ajustes, a arrendante se reintegrou na posse do imóvel em 04 de abril de 2003, tudo conforme objeto do acordo. Foi quando a Agravante adquiriru os direitos junto à Rural Leasing que não tinha interesse ou em seu objeto a administração do acerca de bens. Esse foi o procedimento mediante o qual a Securinvest adquiriu os bens pertencentes à Sobar, do grupo Petroforte. Para o síndico, a operação empreendida se enquadrava em um contexto rotineiro, escancarando um método seguidamente adotado pelo Grupo Petroforte e pelo Grupo Rural para fraudar credores das empresas em situação pré-falimentar. Com efeito, na petição que deu origem a todo este incidente, o síndico pondera que: As operações são sempre as mesmas: as empresas e os sócios do Grupo Econômico da Petroforte contraem dívidas – geralmente com o Rural Leasing ou com o Banco Rural – como não são pagas, são movidas ações judiciais que nem sequer chegam à segunda instância. Daí se obtém uma sentença judicial, ora condenatória, ora homologatória de acordo entre as partes e, como consequência, os bens dados em garantia são transmitidos aos “credores” – empresas do Grupo Rural. Ato contínuo, aparece a Securinvest que subroga-se na dívida e os bens são rapidamente repassados a terceiros ou outras empresas dos mesmos Grupos Econômicos. Ainda segundo o síndico, no caso específico da Sobar, para além da reintegração judicial dos bens controvertidos, a operação de desvio teria sido complementada da seguinte forma: os antigos proprietários da Sobar constituíram uma sociedade chamada River South S.A. Essa empresa associouse à Securinvest para a constituição de uma terceira sociedade, chamada Turvo Participações Ltda. A Securinvest teria utilizado o patrimônio que recebeu da RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 427 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sobar para integralizar suas quotas na Turvo Participações, na qual detinha 51% do capital social. Os outros 49% seriam da River South, integrante do Grupo Petroforte. Posteriormente, a Turvo Participações alienou os bens que lhe foram transferidos a uma outra sociedade, denominada Kiaparak Participações e Serviços Ltda., também supostamente do Grupo Rural e os bens teriam, então, sido arrendados a uma nova sociedade, Agroindustrial Espírito Santo do Turvo Ltda., sociedade empresária cujos sócios são duas off-shores sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas: All Sugar International e Real Sugar Corporation, ambas, segundo o Síndico, do Grupo Rural. Ou seja: uma cadeia de operações societárias teria sido preparada, segundo o síndico, de modo a tentar criar uma veste de legalidade para a transferência dos bens. Durante a criação dessa cadeia, empresas do Grupo Rural teriam se associado com a Securinvest, criando, entre eles, significativo vínculo societário. Além disso, haveria, sempre segundo o síndico, grande intercâmbio entre os grupos econômicos Rural e Petroforte. Afirma-se que “nos autos da ação falimentar da Petroforte existem diversos documentos que comprovam a interferência direta na administração das empresas relacionadas no parágrafo anterior [do grupo Petroforte por pessoas que são funcionários do Grupo Rural”. Toda a operação teria sido escancarada em uma ação declaratória de nulidade de ato jurídico proposta pela River South em face de Vultee, Securinvest e Carlos Masetti, na qual farta documentação acerca de tudo teria sido juntada. Também se afirma, por fim, que a própria Securinvest, cujos sócios são duas empresas sediadas em paraíso fiscal, seria, mediatamente, integrante do Grupo Rural. É dentro desse panorama que o presente recurso deverá ser julgado. II – Negativa de prestação jurisdicional. Violação dos arts. 165, 458 e 535 do CPC Os embargos de declaração constituem instrumento processual de emprego excepcional, visando ao aprimoramento dos julgados que encerrem obscuridade, contradição ou omissão. O acórdão recorrido se manifestou sobre todos os pontos suscitados nas apelações, inclusive os vários temas enumerados nas razões recursais e reputados de omissos ou contraditórios, alcançando solução tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente. 428 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser aclarada. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso. Por outro lado, já é pacífico o entendimento no STJ, e também nos demais Tribunais Superiores, de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição (AgRg no Ag n. 680.045-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp n. 647.747-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS n. 11.038-DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007). Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC. III – Mérito do recurso III. a) Art. 82 da Lei n. 11.101/2005. Inaplicabilidade Adentrando ao mérito da impugnação, é importante frisar, desde já, que a falência da Petroforte foi decretada quando vigente o DL n. 7.661/1945, de modo que qualquer alegação de ofensa aos dispositivos da Lei n. 11.101/2005 não poderá ser conhecida nesta sede por força do disposto no art. 192 da referida Lei, salvo hipóteses excepcionais, em que não há, na lei antiga, norma para uma situação concreta específica (REsp n. 1.172.387-RS, de minha relatoria, DJe 24.03.2011; AgRG no REsp n. 1.089.092-SP, Rel Min. Massami Uyeda, DJe de 29.04.2009, entre outros). Na hipótese dos autos, o art. 82 da Lei n. 11.101/2005 tem correspondência no art. 6º do DL n. 7.661/1945, de modo que sua violação não poderá ser apreciada nesta sede. II. b) A quebra sem prévia citação. Violação dos arts. 213 do CPC, 11 e 12 do DL n. 7.661/1945 RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 429 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA O tema de mérito deste recurso se resume à possibilidade de extensão da falência da Petroforte à Securinvest, sem sua prévia intimação ou oitiva desta empresa. Com efeito, no processo que originou este recurso o pedido do síndico de extensão da quebra foi autuado em expediente avulso e deferido, pelo juízo, em primeiro grau, sem a participação da recorrente, destinatária dos efeitos da decisão. O exercício do contraditório foi, com isso, diferido, possibilitando-se a defesa da recorrente apenas por meio de recurso. A análise da regularidade desse procedimento não pode, naturalmente, desprender-se das peculiaridades da espécie. Com efeito, não é mais possível, no processo civil moderno, tomar a apreciação de uma causa baseando-se exclusivamente nas regras processuais sem se considerar, em cada hipótese, as suas especificidades e, muitas vezes, a evidência com que se descortina o direito material por detrás do processo. Hoje está muito claro, tanto na doutrina como na jurisprudência, que as regras processuais devem estar a serviço do direito material, nunca o contrário. Na hipótese dos autos, de fato não há notícia de que o juízo de primeiro grau tenha promovido a citação ou a notificação da recorrente antes da decretação da extensão de sua quebra. Contudo, é fato também que os efeitos dessa extensão não se produziram de imediato, tampouco se verificaram antes que tivesse, a parte, oportunidade para se defender. De fato, não obstante o pedido de efeito suspensivo formulado no agravo de instrumento que deu origem a este recurso tenha sido indeferido, tão logo julgado o mérito desse agravo a requerente propôs, perante o STJ, a MC n. 15.526-SP solicitando a suspensão dos efeitos da decisão. Seu pedido foi liminarmente deferido independentemente de interposição do recurso especial, por acórdão exarado por esta 3ª Turma. Os efeitos de referido acórdão foram posteriormente estendidos por esta Relatora até o julgamento final do recurso especial, de modo que o exercício do direito de defesa da agravante foi possível sem qualquer prejuízo para suas atividades. A suspensão dos efeitos do acórdão, inclusive, gerou diversos transtornos e incidentes no curso deste processo, do que são exemplos um pedido de instauração de incidente sigiloso, formulado pelo síndico, para apuração, no exterior, sem o conhecimento da recorrente, da composição de sua cadeia societária; e a propositura de reclamação, pela recorrente, alegando desrespeito à decisão do STJ que suspendera a extensão dos efeitos da falência. Enfim, o que se pode notar, a partir da liminar deferida, foi o elevado grau de litigiosidade 430 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA existente entre as partes, por um lado, e a ausência de resultado útil no que diz respeito à demonstração, pela recorrente, de que não colaborou ativamente para o desvio de patrimônio das empresas do grupo Petroforte. A condução do processo, portanto, deu-se de modo a garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa, não havendo que se falar em violação dos arts. 213 do CPC e 11 e 12 do DL n. 7.661/1945. III. c) A desconsideração de personalidade jurídica e suposta ausência de grupo econômico. Alegação de violação dos arts. 50 do CC/2002 e 6º do DL n. 7.661/1945; Para além da falta de prévia citação, ou da necessidade de formação de processo autônomo, a recorrente também impugna o acórdão recorrido sob o fundamento de que não estaria autorizada, na espécie, a extensão do decreto de falência porquanto: (i) esse procedimento somente seria autorizado na hipótese em que estivesse caracterizada a existência de grupo econômico; (ii) a desconsideração da personalidade jurídica seria instituto inaplicável, porquanto, removido o suposto véu da sociedade Petroforte, não se descortinaria, por detrás dela, como sócios, as empresas do grupo Securinvest. A violação, aqui, estaria circunscrita à norma do art. 6º do DL n. 7.661/1945. As duas alegações podem ser apreciadas em conjunto. É importante frisar que a jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de dispensar a propositura de ação autônoma para que se defira a extensão dos efeitos da falência de uma sociedade a empresas coligadas, consoante se vê nos seguintes precedentes: REsp n. 1.034.536-MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 16.02.2009; REsp n. 228.357-SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ de 19.12.2003; entre outros. Assim, em princípio, caracterizada a coligação de empresas, a exigência de processo autônomo não se justificaria. A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é, antes de mais nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver decidido o Tribunal a esse respeito não pode ser revisto nesta sede por força do óbice da Súmula n. 7-STJ. De todo modo, trata-se de um conceito societário. A coligação se caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas decisões de políticas financeiras ou operacionais da outra, sem controlá-la. Antigamente, a Lei das S/A dispunha, em seu art. 243, § 1º, acerca de um montante fixo para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 431 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA empresas. Dizia que “são coligadas as sociedades quando um participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”. Esse percentual, contudo, era fixado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no relatório anual da administração. Na prática, contudo, independentemente de um percentual fixo, o conceito de coligação está muito mais ligado a atitudes efetivas que caracterizem a influência de uma sociedade sobre a outra. Há coligação, por exemplo, sempre que se verifica o exercício de influência por força de uma relação contratual ou legal, e em muitas situações até mesmo o controle societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria do capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com significativa emissão de ações preferenciais sem direito a voto. De todo modo, hoje a Lei das S/A modificou o critério anterior, justamente adaptando-se ao que, na realidade, já era perfeitamente passível de ocorrer. Com a modificação empreendida pela Lei n. 11.941/2009, o art. 243, § 1º, da Lei das S/A passou a simplesmente prever que “são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa”. Essa influência, segundo o § 5º desse artigo, incluído pela mesma Lei n. 11.941/2009 em consonância com a redação anteriormente dada pela MP n. 449/2008, é presumida “quando a investidora for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la”. Referidas disposições legais sequer foram cogitadas no recurso especial, deixando ao ar as alegações da recorrente de violação de seu direito. De todo modo, a cadeia societária descrita neste processo, não só em relação ao complexo agroindustrial Sobar, mas em relação a diversos outros bens, demonstra a existência de um modus operandi que evidencia a influência de um grupo de sociedades (Grupo Securinvest, seja ele ou não integrante do mais amplo Grupo Rural), sobre o outro (Petroforte). Isso é especialmente significativo quando nos debruçamos sobre a operação societária aqui descrita, consistente em arrendamento de bens, posterior inadimplemento da arrendante, retomada judicial da garantia, constituição de empresas para a administração desses bens e seu posterior redirecionamento a sucessivas sociedades que, na forma, são aparentemente independentes, mas cujo capital social é, na maioria das vezes, detido por sociedades off shore cuja efetiva propriedade não é dado aos credores da massa falida conhecer. É significativo notar inclusive que a influência de um grupo sobre outro se manifesta até 432 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA mesmo na constituição de uma sociedade (Turvo Participações Ltda.) cujo capital era dividido entre o Grupo Securinvest e o Grupo Petroforte, para quem os bens aqui discutidos foram inicialmente transferidos antes de serem repassados a terceiros supostamente independentes. É possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técnica da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que, para isso, seja necessário dar-lhe nova roupagem. Para as modernas lesões, promovidas com base em novos instrumentos societários, são necessárias soluções também modernas e inovadoras. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica desenvolvida pela doutrina diante de uma demanda social, nascida da praxis, e justamente com base nisso foi acolhida pela jurisprudência e pela legislação nacional. Como sói ocorrer nas situações em que a jurisprudência vem dar resposta a um anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do direito, referida técnica tem de se encontrar em constante evolução para acompanhar todas as mutações do tecido social e coibir, de maneira eficaz, todas as novas formas de fraude mediante abuso da personalidade jurídica. Inexiste, portanto, violação, nem do art. 50 do CC/2002, nem do art. 6º do DL n. 7.661/1945. III. d) A motivação do decreto de extensão da quebra e a ação revocatória. Violação dos arts. 52 e 53 do DL n. 7.661/1945 Por fim, a recorrente alega que foram violados os arts. 52 e 53 do DL n. 7.661/1945, porquanto o TJ-SP, ao corroborar a decisão que lhe estendeu a quebra da Petroforte, teria se valido de motivos que somente autorizariam a propositura de ação revocatória. Para ela, em primeiro lugar, “a recorrente não poderia ter-se beneficiado de qualquer bem ou direito envolvido no processo de falência da Petroforte”, porque “jamais celebrou negócio jurídico com qualquer pessoa envolvida no processo falencial”. Além disso, “ainda que tivesse havido essa transferência pretensamente fraudulenta, o fato não ensejaria a extensão da falência, mas sim a ação revocatória conforme prescrição dos artigos 52 ou 53 da Lei de Quebras”. Há, aqui, duas questões independentes. A primeira delas, consubstanciada na suposta inexistência de negócios jurídicos com a falida, não pode naturalmente ser revista nesta sede por força do óbice dos Enunciados n. 5 e n. 7 da Súmula de Jurisprudência do STJ. A segunda, consubstanciada na suposta necessidade de discussão da matéria via ação revocatória, converge para o que já foi ponderado RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 433 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA acima: a jurisprudência do STJ tem considerado possível, sem ação autônoma, estender os efeitos do decreto de falências a sociedades coligadas ao falido. Não há, portanto, sob qualquer uma das óticas apontadas, violação a ser corrigida nesta sede. IV – Divergência jurisprudencial O recurso, por fim, quanto à divergência, pauta-se pela alegada necessidade de processo autônomo para implementar a extensão dos efeitos da falência, como único instrumento passível de garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa. Essa questão já foi apreciada acima, quando da análise do recurso pela alínea a do permissivo constitucional. Assim, torna-se desnecessário tecer maiores considerações sobre a matéria porquanto, ainda que conhecido o recurso quanto à divergência, o seu resultado naturalmente convergirá para o que já se decidiu quando da análise da violação a dispositivos de lei federal. Forte nessas razões, conheço do recurso especial, mas lhe nego provimento. VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, eu havia recebido o voto antecipado de Sua Excelência, já havia tido a oportunidade de fazer uma análise, e compareceram em audiência o síndico e o Advogado que atua, que também referendaram alegações em memorial. Também recebi memorial da outra parte e aqui tive a oportunidade de ouvir as excelentes sustentações orais dos causídicos, e a bem colocada manifestação do Sr. Subprocurador-Geral da República. Essa questão pode ter parecido, a alguns, uma questão muito simples; simples, mas consubstanciada, segundo se sustentou da tribuna, em quinhentos volumes, envolvendo operações complexas, que redundaram em conclusões que desaguaram no reconhecimento de manobras fraudulentas. Estou, aqui, já manifestando o meu voto, porque aqui se contempla uma nova faceta da teoria do disregard, sofisticada é verdade, com a participação de offshores, no sentido de dar-se uma aparência de legalidade, de normalidade à intenção deliberada em fraudar credores. Na verdade, Sua Excelência, a Sra. Ministra Relatora, em percuciente voto, como é do seu feitio, fez uma análise bem detida deste processo, não só deste, mas dos processos que estão correlatos - na pauta temos mais dois ou três 434 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA casos, que versam sob hipótese um pouco diversa. Mas, aqui, como ressaltado na doutrina, a caracterização da desconsideração assume multifacetária [...]. Não há um padrão, na verdade, essas tantas multifacetárias manifestações do disregard são derivadas de situações ora simples, ora complexas. Se olharmos a história da criação desse instituto, que vem do Direito Norte-Americano do século XIX, ali, para poder caracterizar, vamos dizer, o disregard, era uma manobra simplória, mas a evolução da interpretação dos institutos chegou à necessidade de coibir essas manobras que, na verdade, acobertam intenções manifestamente [...] e prejudiciais aos credores. E, aqui, estamos vendo, em época de tecnologia, de transferência de valores, de dados, em tempo real, a caracterização da constituição de empresas aparentemente autônomas, mas que, na raiz, no fundo, acabam tendo a participação das mesmas pessoas físicas que estão se alterando, no sentido de dizer que não têm essa participação, que são meras operações normais. Então, é uma grande oportunidade de analisarmos este caso, será até mesmo um paradigma, um leading case, porque é muito complexo, mas mostra o mecanismo em que se engendram essas operações. O véu com que se pretendia dar a aparência de legalidade para não caracterizar-se a desconsideração foi afastada, e o cerne dessa teoria do disregard é exatamente afastar o véu de uma aparente normalidade. Não se pode “tomar a nuvem com Juno”. É essa, mais ou menos, a tradução em termos de Direito Comercial, da própria ética, da própria moral, em que essas considerações redundaram na criação desse instituto que, aqui no Brasil, foi aperfeiçoado, pela primeira vez, pela doutrina de Requião, nos idos de 1970. Então, mais ou menos aqui a Sra. Ministra Nancy Andrighi atualiza, com a sua experiência de Ministra, de Magistrada, com essa disposição em enfrentar casos complicados, que demandaram, certamente, precioso tempo no Gabinete e na residência de Sua Excelência. Quero cumprimentá-la, dizendo que a extensão dos efeitos da falência se impõe e, nesse sentido, também acompanho integralmente o voto brilhante de Sua Excelência. Conheço do recurso especial, mas nego-lhe provimento. ADITAMENTO AO VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, aproveito a oportunidade para complementar o meu voto oral porque, aqui, poder-seRSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 435 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ia pensar que a concessão de uma liminar, em medida cautelar incidental ao recurso especial, como até mesmo foi aventado, poderia ser uma antecipação de um provimento. Na verdade, longe disso. Esta Turma, como também é do feitio do Tribunal, da Corte, ao conceder essas liminares em matéria de incidente em recurso especial, com o nome de cautelar, na verdade visa prestigiar os ornamentes constitucionais do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal. Então, isso não significa dizer que quando alguém, um Ministro ou uma Ministra, concede uma liminar, em caráter excepcionalíssimo, isso seja uma proclamação de vitória. E a Sra. Ministra Nancy Andrighi também deixou isso bem claro. RECURSO ORDINÁRIO N. 89-BA (2009/0076537-0) (f) Relator: Ministro Massami Uyeda Recorrente: Raimundo Nonato de Souza Advogado: João Floquet Azevedo e outro(s) Recorrido: Fundo das Nações Unidas para a Infância Unicef EMENTA Recurso ordinário. Ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente do trabalho proposta pelo trabalhador em face de organismo internacional (Unicef ). Discussão acerca da instauração da jurisdição brasileira. Objeto recursal prejudicado. Reconhecimento da incompetência da Justiça Comum. Emenda Constitucional n. 45/2004. Litígio oriundo da relação de trabalho e presença de organismo internacional. Inexistência de sentença de mérito. Competência da Justiça do Trabalho. Recurso prejudicado e declaração, de ofício, da incompetência da Justiça Comum. I - De acordo com o Princípio da “perpetuatio jurisdicione”, expressamente adotado pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 87, a 436 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA competência é definida no momento da propositura da ação, sendo irrelevantes as alterações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, “salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”; II - Quando da proposição da presente ação, em junho de 2002, as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho não possuíam tratamento especializado pelo Constituinte, incidindo, por conseguinte, no âmbito da competência residual da Justiça Comum, entendimento que restou, inclusive, cristalizado no Enunciado n. 366 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça; III - Em razão da edição da Emenda Constitucional n. 45, publicada no Diário Oficial da União, em 31.12.2004, a competência que, até então, era da Justiça Comum (no caso dos autos, Federal, ante a presença de organismo internacional), passou a ser da Justiça Especializada do Trabalho. Operou-se, na verdade, mudança legislativa que excepciona o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, pois, em virtude da supracitada alteração legislativa, redefiniu-se, na hipótese dos autos, a competência em razão da matéria; IV - In casu, nos termos relatados, a ação indenizatória pelos danos físicos e morais decorrentes de acidente de trabalho até o presente momento não teve seu mérito decidido, na medida em que o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária da Bahia-BA, então competente, extinguiu o processo sem julgamento de mérito, o que, de acordo com a atual orientação jurisprudencial desta Corte e do Pretório Excelso, autoriza o deslocamento dos autos à Justiça do Trabalho, competente para conhecer da lide posta (ut Súmula Vinculante n. 22 do STF); V - Definido que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por empregado contra empregador são oriundas da relação de trabalho e, por isso, são da competência da Justiça especializada laboral, a presença, num dos pólos da ação, de um organismo internacional (ente de direito público externo), de acordo com o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, com redação conferida também pela supracitada Emenda Constitucional n. 45/2004, robustece a compreensão de competir à Justiça do Trabalho o conhecimento do presente litígio; RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 437 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VI - Ante a especialidade do litígio, proveniente da relação de trabalho, não se pode negar a prevalência do inciso I do artigo 114 sobre o inciso II do artigo 109, ambos da Constituição Federal, notadamente porque a competência da Justiça Comum é residual em relação à competência das Justiças Especializadas, igualmente definidas na Constituição Federal; VII - Ante o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Comum, tem-se por prejudicado o conhecimento do presente recurso ordinário. Assim, declara-se, de ofício, a incompetência absoluta da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios, determinando a remessa dos autos a Justiça Trabalhista local. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por unanimidade, declarar de ofício a incompetência absoluta da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anular os atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios e determinar a remessa dos autos à Justiça Trabalhista local, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Massami Uyeda, Relator DJe 26.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de recurso ordinário interposto por Raimundo Nonato de Souza em face da sentença prolatada pelo r. Juízo de Direito da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, que julgou extinto o processo, sem julgamento de mérito. 438 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Os elementos dos autos dão conta de que, em junho de 2002, Raimundo Nonato de Souza promoveu, perante o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Salvador-BA, ação indenizatória pelos danos físicos e morais suportados em decorrência de acidente de trabalho em face do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância (fls. 02-06). Em sua exordial, Raimundo Nonato de Souza aduziu, em suma, que foi empregado do organismo internacional demandado, entre o período de 16.10.1992 a 30.03.1993, como motorista. Anota que, no dia 04.12.1992, no exercício de seu ofício e da função que lhe fora determinada, ao conduzir veículo de propriedade da Unicef, ante as más condições da pista e do tempo, veio a sofrer um acidente automobilístico. Em razão de tal evento, requereu a condenação da Unicef ao pagamento dos danos suportados à saúde (no importe de R$ 800.000,00 [oitocentos mil reais]), os lucros cessantes (no valor de R$ 108.000,00 [cento e oito mil reais]), a indenização trabalhista por despedida sem justa causa (na quantia de R$ 5.926,00 [cinco mil, novecentos e vinte e seis reais]), a lesão indireta, causada aos seus familiares (mensurada em R$ 100.000,00 [cem mil reais]), os valores despendidos com exames e remédios (consistentes em R$ 21.600,00 [vinte e um mil e seiscentos reais]), além de uma pensão, na quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), considerada a expectativa de vida (fls. 02-06). Citado, o Unicef, em “Nota Verbal” dirigida ao Ministério das Relações Exteriores, por meio de ofício, assentou, no que importa à controvérsia, que “o Fundo das Nações Unidas para a Infância goza dos privilégios e imunidade em processos judiciais no país, como órgão regido pela legislação das Nações Unidas” (fl. 80). O r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Salvador-BA, a despeito de reconhecer, expressamente, que a Jurisdição Brasileira não alberga o presente litígio, na parte dispositiva da sentença, reconheceu, tão-somente, a incompetência do Juízo, determinando, após o transcurso do prazo recursal, a remessa dos autos ao Ministério das Relações Exteriores, conforme dá conta o seguinte excerto: Com efeito, o art. II, Seção 2º, da mencionada Convenção, a qual o Brasil se comprometeu a respeitar e cumprir ao promulgá-la, reza que a Organização das Nações Unidas, da qual é a Unicef um órgão, gozará, dentre outros privilégios, de imunidade de jurisdição, salvo se dela houver renunciado. No presente caso não houve nenhuma manifestação de renúncia a tal privilégio, ao contrário, [...]. Daí, pode-se afirmar, com segurança, não ter aplicação no caso concreto os RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 439 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA dispositivos estatuídos nos incisos II e III, do artigo 109, da CF - 1988 que disciplina a competência da Justiça Federal Brasileira para os litígios envolvendo organismos internacionais, e por identidade de razão, nenhum outro, uma vez que o art. VIII, Seção 30, da retrocitada Convenção fixa a competência da Corte Internacional de Justiça para dirimir todas e quaisquer divergências dela decorrentes ou para aplicar os seus postulados. Dessa forma, manifesta a incompetência da Justiça Brasileira para processar e julgar o presente litígio uma vez que a Unicef a ela não se encontra submetida por força das imunidades e privilégios de que goza. Pelas razões expostas, declaro a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar a presente ação, tempo em que ordeno a remessa dos autos para o Ministério das Relações Exteriores para as medidas que entender cabíveis, após decorrido o prazo (fl. 129). O Ministério das Relações Exteriores restituiu os autos ao Juízo de origem, esclarecendo, por meio de ofício, à fl. 132, a impropriedade de tal remessa, deixando assente que: “a atribuição legal do Ministério das Relações Exteriores consiste apenas em servir de elemento de ligação entre o Poder Judiciário Brasileiro e as Missões Diplomáticas e Repartições Consulares Estrangeiras acreditadas no Brasil, não se responsabilizando, portanto, em dar ‘motu proprio’ seguimento processual ou manter, em seus arquivos, documentos originais relativos a ações judiais” (fl. 132). Ato contínuo, o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Salvador-BA, sob o argumento de que, tendo o Ministério das Relações Exteriores asseverado a impossibilidade de enviar os presentes autos à Corte Internacional de Justiça, entendeu que a decisão que declarou a incompetência absoluta do Juízo restara prejudicada, ocasião em que reconheceu a competência da Justiça Federal. É o que se denota da transcrição do decisum: Tendo em vista o ofício de fls. 132-133, enviado pelo Ministério das Relações Exteriores, o qual asseverou a impossibilidade do envio destes autos para a Corte Internacional de Justiça, ofício este que foi em resposta à decisão de fls. 128-129 que declarou a incompetência absoluta desta Juízo, [...] tenho que tal decisão restou prejudicada. Assim, como a presente lide envolve, de um lado, pessoa física residente e domiciliada no Brasil e de outro, Organismo Internacional - Unicef, e considerando qua a Constituição Federal de 1988, em seu art. 109, II, prevê expressamente que a competência para processar e julgar este tipo de ação é da Justiça Federal. [...]. Desta forma, considerando a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar esta demanda, ordeno a remessa destes autos para a Justiça Federal, seção Bahia, para ser redistribuído para uma de suas Varas, transcorrido o prazo para interposição de recurso (fl. 141). 440 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA Distribuído o processo ao r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária da Bahia-BA, este extinguiu o processo sem julgamento de mérito, “por ausência de um dos pressupostos de existência do processo, haja vista a imunidade da jurisdição brasileira em confronto com o ‘status’ jurídico do réu Unicef - Fundo das Nações Unidas para Infância, órgão vinculado à ONU, e submetido à legislação que lhe é própria, nos termos do art. 11 do DecretoLei n. 4.657, de 04.09.1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), art. II, Seções 2 e 3 do Decreto n. 27.784, de 16.02.1950 (Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas), art. VII do Decreto n. 62.125, de 16.01.1968 (Acordo Intenacional entre o Unicef (Fisi) e o Governo Brasileiro) e art. 267, inciso IV, e § 3º (fls. 152-157). Dessa sentença, Raimundo Nonato de Souza interpôs, perante o Tribunal Regional Federal da Primeira Região, recurso de apelação (fls. 159-166). O ilustre Desembargador Relator, com lastro no artigo 105, inciso II, alínea c, da Constituição Federal, entendeu que a competência para processar e julgar recurso interposto contra sentença ou decisão em causas em que figura como parte organismo internacional é do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso ordinário. Por tal razão, o ilustre desembargador Relator declinou da competência recursal para esta augusta Corte (fl. 192). Em seu recurso ordinário, Raimundo Nonato de Souza sustenta, em suma, que a imunidade de jurisdição de Estados Estrangeiros, assim como dos organismos internacionais, não é absoluta, mas sim relativa, sendo o Poder Judiciário Brasileiro, portanto, competente para julgar o presente litígio, que versa sobre atos de gestão praticados pelo organismo internacional, ora demandado (fls. 159-166). O Ministério Público Federal ofertou parecer no sentido de conferir provimento ao recurso (fls. 195-198). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): A celeuma instaurada no presente recurso ordinário cinge-se em saber se a ação indenizatória pelos danos físicos e morais, decorrentes de acidente de trabalho, promovida pelo ora recorrente, Raimundo Nonato de Souza, em face do Unicef - Fundo das Nações RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 441 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Unidas para a Infância, organismo internacional, é ou não albergada pela Jurisdição Brasileira. Tal pronunciamento, entretanto, conforme se demonstrará, deve ficar à cargo da Justiça Especializada Laboral. Na verdade, é de se reconhecer, de ofício, a própria incompetência da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios. Com efeito. De acordo com o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, expressamente adotado pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 87, a competência é definida no momento da propositura da ação, sendo irrelevantes as alterações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, “salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”. Na espécie, nos termos relatados, subjaz ao presente recurso ordinário, ação indenizatória pelos danos físicos e morais, decorrentes de acidente de trabalho, promovida, em junho de 2002, pelo ora recorrente, Raimundo Nonato de Souza, em face do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância, organismo internacional. Dos elementos da ação sub judice, para efeito de definição da competência, merecem especial destaque, a causa de pedir, no caso, a alegada ocorrência de danos decorrentes de acidente do trabalho, e a presença, num dos pólos da ação, de um organismo internacional. Quando da proposição da presente ação, em junho de 2002, as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho não possuíam tratamento especializado pelo Constituinte, incidindo, por conseguinte, no âmbito da competência residual da Justiça Comum. Aliás, o entendimento consistente no reconhecimento da competência da Justiça Comum para dirimir a ação de indenização pelos danos materiais e morais em razão de acidente de trabalho restou, inclusive, cristalizado no Enunciado n. 366 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o ordenamento jurídico vigente à época do ajuizamento da ação, verifica-se que a presente ação encontrava-se no âmbito de competência da Justiça Comum, restando definir, se da Justiça Comum Estadual, ou se da Justiça Comum Federal. Na espécie, em atenção à presença de um organismo internacional num dos pólos da ação, de acordo com o artigo 109, inciso II, da Constituição Federal, a competência para conhecer da presente ação seria 442 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA da Justiça Comum Federal. Por oportuno, transcreve-se o referido preceito constitucional: Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar: [...] II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; Na hipótese dos autos, nos termos relatados, constata-se que a demanda fora, inicialmente, promovida incorretamente perante a Justiça Comum Estadual. É certo, também, que o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Salvador-BA, a despeito de não ter observado a melhor técnica (especialmente ao enviar os autos ao Ministério das Relações Exteriores), declinou de sua competência à Justiça Federal, o que, de acordo com o ordenamento jurídico então vigente, estaria correto. Em janeiro de 2003, o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária da Bahia-BA, por sua vez, extinguiu o processo sem julgamento de mérito, por entender que o Unicef, na qualidade de organismo internacional, goza de imunidade absoluta no território nacional, razão pela qual a Jurisdição Brasileira, in casu, não se encontraria instaurada (fls. 152-157). Somente em 2009, em sede recursal, o ilustre Relator Desembargador declinou da competência do Tribunal Regional Federal para esta Corte (fl. 192). Entretanto, nesse interregno, em razão da edição da Emenda Constitucional n. 45, publicada no Diário Oficial da União em 31.12.2004, a competência que, até então, era da Justiça Comum (no caso, Federal), passou a ser da Justiça Especializada do Trabalho. Operou-se, na verdade, mudança legislativa que excepciona o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, pois, em virtude da supracitada alteração legislativa, redefiniu-se, na hipótese dos autos, a competência em razão da matéria. De acordo com a Emenda Constitucional n. 45/2004, o artigo 114 da Constituição Federal, que disciplina a competência da Justiça do Trabalho, passou a ter a seguinte redação, no que importa à controvérsia: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 443 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA [...] VI - As ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; Assim, diante dessa nova Ordem Constitucional, a então jurisprudência que reconhecia a competência da Justiça Comum (Enunciado n. 366 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça) restou superada, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal, que, por ocasião do julgamento do Conflito de Competência n. 7.545-SC, Relator Ministro Eros Grau, DJe., reconheceu competir à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização pelos danos provenientes de acidente do trabalho, ainda que promovida pelos parentes do trabalhadorfalecido. O marco temporal da competência da Justiça Trabalhista, na matéria em apreço, é, portanto, o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004. Ressaltese que, como política judiciária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal definiu que as ações que tramitam perante a Justiça Comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, devem lá permanecer até o trânsito em julgado e correspondente execução. Em relação às ações cujo mérito ainda não foi apreciado, devem ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com o aproveitamento dos atos praticados. Por oportuno, transcreve-se a ementa do julgado da Corte Excelso que bem explicita as demandas que, em virtude da edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, devem ser deslocadas à Justiça do Trabalho: Constitucional. Competência judicante em razão da matéria. Ação de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, proposta pelo empregado em face de seu (ex-) empregador. Competência da Justiça do Trabalho. Art. 114 da Magna Carta. Redação anterior e posterior à Emenda Constitucional n. 45/2004. Evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Processos em curso na Justiça Comum dos Estados. Imperativo de política judiciária. 1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-) empregador, eram da competência da Justiça Comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, 444 Jurisprudência da TERCEIRA TURMA já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária - haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa –, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça Trabalhista é o advento da EC n. 45/2004. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça Comum Estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça Comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC n. 45/2004, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça Comum Estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito n. 687, Sessão Plenária de 25.08.1999, ocasião em que foi cancelada a Súmula n. 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho (CC n. 7.204-MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 09.12.2005). Entendimento, aliás, que, em 11.12.2009, restou cristalizado na Súmula Vinculante n. 22, in verbis: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004”. RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011 445 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA In casu, nos termos relatados, a ação indenizatória pelos danos físicos e morais decorrentes de acidente de trabalho até o presente momento não teve seu mérito decidido, na medida em que o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária da Bahia-BA, então competente, extinguiu o processo sem julgamento de mérito, o que, de acordo com a orientação jurisprudencial desta Corte e do Pretório Excelso, autoriza o deslocamento dos autos à Justiça do Trabalho, competente para conhecer da lide posta. Ademais, definido que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por empregado contra empregador são oriundas da relação de trabalho e, por isso, são da competência da Justiça especializada laboral, a presença, num dos pólos da ação, de um organismo internacional (ente de direito público externo), de acordo com o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, com redação conferida também pela supracitada Emenda Constitucional n. 45/2004, robustece a compreensão de competir à Justiça do Trabalho o conhecimento do presente litígio. Por oportuno, transcreve-se o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Aliás, ante a especialidade do litígio, proveniente da relação de trabalho, não se pode negar a prevalência do inciso I do artigo 114 sobre o inciso II do artigo 109, ambos da Constituição Federal, notadamente porque a competência da Justiça Comum (Federal) é residual em relação à competência das Justiças Especializadas, igualmente definidas na Constituição Federal. Ante o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Comum, tem-se por prejudicado o conhecimento do presente recurso ordinário. Assim, declara-se, de ofício, a incompetência absoluta da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios, determinando-se a remessa dos autos a Justiça Trabalhista local. É o voto. 446 Quarta Turma AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR N. 18.432-SP (2011/0218651-0) Relator: Ministro Marco Buzzi Agravante: Manoel Domingues da Silva Agravante: Tereza Fortunato da Silva Advogado: Fernando Rodrigues Agravado: Companhia de Habitação Popular de Bauru - Cohab Bauru Advogado: Roberto Antônio Claus EMENTA Agravo regimental em medida cautelar. Pretensão voltada à atribuição de efeito suspensivo a recurso especial pendente de juízo de admissibilidade perante o Tribunal a quo. Inexistência de teratologia do decisum estadual ou manifesto confronto com jurisprudência desta Corte. Fumus boni juris necessário à excepcional concessão da medida não demonstrado. Recurso desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo. Brasília (DF), 06 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Marco Buzzi, Relator DJe 14.10.2011 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de agravo regimental, interposto por Manoel Domingues da Silva e Tereza Fortunato da Silva contra decisão monocrática deste relator, que indeferiu a petição inicial, negando seguimento à medida cautelar, ante a ausência de fumus boni juris. Os ora agravantes reiteram os argumentos invocados no recurso especial, sustentando que o “efeito suspensivo visa impedir o uso desproporcional do direito da resolução do contrato por parte da agravada, impedindo a rescisão em prol da preservação do contrato, levando em consideração os princípios da boa-fé e da função social do contrato, principalmente, diante da teoria do adimplemento substancial do contrato (...)” (fl. 195, e-STJ). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): Sem razão os insurgentes, impondo-se o desprovimento do agravo regimental. Com efeito, a competência do STJ para a apreciação de ação cautelar, objetivando a concessão de efeito suspensivo a recurso especial, instaura-se, a rigor, após a realização do juízo de admissibilidade no Tribunal de origem, consoante se infere dos Verbetes n. 634 e n. 635 da Súmula do STF. Súmula n. 634 – Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem. Súmula n. 635 – Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade. In casu, conforme alegação dos próprios requerentes (fl. 04, e-STJ), o recurso especial interposto pende de análise do juízo de admissibilidade pela Corte Estadual. Desta feita, a admissibilidade da medida cautelar encontra-se condicionada à demonstração de teratologia ou manifesto confronto do acórdão recorrido com jurisprudência consolidada na Corte, pois, do contrário, incide o entendimento de que “a competência do STJ para a apreciação de ação cautelar, objetivando 450 Jurisprudência da QUARTA TURMA a concessão de efeito suspensivo a recurso especial, instaura-se, a rigor, após a realização do juízo de admissibilidade no Tribunal de origem, consoante se infere dos Verbetes n. 634 e n. 635 da Súmula do STF” (AgRg na MC n. 18.395-SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. em 15.09.2011). No mesmo sentido: Processual Civil. Medida cautelar. Atribuição de efeito suspensivo a recurso especial pendente do juízo de admissibilidade na origem. Impossibilidade. Súmulas n. 634 e n. 635-STF. 1. Compete ao Tribunal de origem a apreciação de medida cautelar destinada a conferir efeito suspensivo a recurso especial ainda pendente de juízo de admissibilidade. Súmulas n. 634 e n. 635-STF. 2. Incabível o abrandamento dos comandos sumulares retro, quando não evidenciado o caráter teratológico da decisão estadual impugnada. 3. Carece de interesse processual a parte que postula o “imediato processamento do recurso especial” sem comprovar tenha a Corte de origem determinado a aplicação da regra retentiva constante no art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg na MC n. 17.399-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha). Na espécie, conforme fundamentação constante do decisum atacado, o aresto emanado do Tribunal de origem não contém solução jurídica teratológica, sendo descabida, portanto, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial, por esta Corte, previamente ao juízo de admissibilidade a ser realizado em sede estadual. Por brevidade, vale a transcrição do decisum hostilizado, no que interessa, para confirmação ante esta colenda Turma: A própria requerente afirma, já em sua exordial, encontrar-se ainda pendente o exercício do exame de admissibilidade do Recurso Especial interposto junto ao Tribunal a quo. Nesse estágio processual, portanto, a concessão da medida cautelar, para conferir efeito suspensivo a recurso sequer admitido, pressupõe a aferição da existência de decisão teratológica ou manifestamente contrária à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça. Sobre o tema, vale conferir pronunciamentos desta Casa: 1) AgRg na MC n. 13.123-RJ, Rel. Min. Nancy; Andrighi, Terceira Turma, DJ 08.10.2007; 2) AgRg na MC RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 451 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA n. 12.595-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 03.05.2007; 3) AgRg na MC n. 17.818-PB, rel Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJ 28.06.2011. No caso concreto, não se vislumbra teratologia ou manifesto conflito entre o que restou decidido no acórdão atacado e a jurisprudência deste STJ. Com efeito, a matéria principal alegada no Recurso Especial diz com a falta de antecedente notificação dos devedores a lhes constituir em mora previamente à deflagração do pedido de cumprimento de sentença. Todavia, para defender referida argumentação, citam os requerentes artigos concernentes à execução de título extrajudicial, os quais não se coadunam à hipótese concreta discutida nos autos, que versa sobre cumprimento de título judicial, hipótese na qual o devedor já se encontra constituído em mora desde a citação (art. 219 do CPC). De resto, analisando as demais teses suscitadas no Recurso Especial, não se verifica, primo oculi, em nenhuma delas, plausibilidade jurídica suficiente a derrubar a inadimplência dos devedores, daí por que não há falar em acórdão teratológico ou confrontante à jurisprudência pacífica deste STJ. Logo, não se verifica a existência do fumus boni juris indispensável ao ajuizamento da medida cautelar em sede de Recurso Especial, que ainda sequer teve seu processamento admitido no Tribunal local. Do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.181.920-MG (2010/0032109-3) Relator: Ministro Marco Buzzi Agravante: Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A Advogados: Juliana dos Santos Caetano Márcio Alexandre Malfatti Patricia Carrilho Corrêa Gabriel Freitas e outro(s) Agravado: Tarcisio dos Santos Balbino Advogado: Joaquim Celestino Soares Pereira e outro(s) 452 Jurisprudência da QUARTA TURMA EMENTA Agravo regimental em recurso especial. Ação de cobrança lastrada em contrato de seguro. Pretensão cujo exercício prescreve em prazo ânuo. Suspensão de sua fluência entre a data da comunicação do sinistro em sede administrativa e posterior recusa de pagamento. Súmula n. 229-STJ. Análise da contagem do prazo realizada no Tribunal a quo. Impossibilidade por demandar o reexame de aspectos fáticos da lide. Incidência da Súmula n. 7. Recurso desprovido. I. “A ação de indenização do segurado em grupo contra a seguradora prescreve em um ano”. - Súmula n. 101-STJ. II. “O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”. - Súmula n. 229-STJ. III. “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”. - Súmula n. 278-STJ. IV. Rever o confronto de datas promovido pelas instâncias ordinárias, cuja investigação levou em consideração as provas coligidas no iter processual para aferir a fluência do prazo prescritivo, demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível na via recursal eleita, como cristalizado no Verbete n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. V. Agravo regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo. RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 453 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Brasília (DF), 06 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Marco Buzzi, Relator DJe 14.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de agravo regimental, interposto por Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A contra decisão monocrática do eminente Ministro João Otávio de Noronha, que negou seguimento a recurso especial. Transcreve-se a ementa do decisum hostilizado (fl. 296 e-STJ): Civil. Seguro. Ação do segurado contra seguradora. Indenização securitária. Prescrição ânua. Reexame de provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ. 1. O prazo prescricional decorrente de contrato de seguro tem início na data em que o segurado tem conhecimento inequívoco do sinistro (Súmula n. 278STJ), ficando suspenso entre a comunicação do sinistro e a recusa ao pagamento da indenização. 2. O recurso especial não é via própria para a apreciação de questão relativa ao decurso do prazo prescricional, pois, para tanto, é necessário o reexame dos elementos probatórios considerados para a solução da controvérsia. 3. Recurso especial não conhecido. A ora agravante assevera que não há necessidade de nova análise do conjunto fático-probatório para o reconhecimento da prescrição. Reitera os argumentos lançados no recurso especial, mediante os quais sustenta que o pedido administrativo do segurado, não suspende o prazo prescricional para o exercício da pretensão de cobrança. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): Sem razão a agravante, impondo-se o desprovimento do agravo regimental. Como bem anotado na brilhante decisão do eminente Ministro João Otávio de Noronha, relator originário, de acordo com precedentes deste Superior Tribunal de Justiça, o marco inicial da contagem do prazo prescricional ânuo é a 454 Jurisprudência da QUARTA TURMA data em que o segurado tem inequívoca ciência de sua incapacidade laborativa, sendo que este interregno permanece suspenso entre a data da comunicação do sinistro, e a recusa do pagamento da indenização por parte da seguradora. Outrossim, rever o confronto de datas promovido pelas instâncias ordinárias, cuja investigação levou em consideração as provas coligidas no iter processual, de modo a definir a fluência do prazo prescricional, demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível na via recursal eleita, como cristalizado no Verbete n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido: Civil e Processo Civil. Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Seguro. Ação do segurado contra seguradora. Indenização securitária. Prescrição ânua. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Livre convencimento do julgador. Reexame de provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Aplicação de multa. Art. 557, § 2º, CPC. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais. 2. O prazo prescricional decorrente de contrato de seguro tem início na data em que o segurado tem conhecimento inequívoco do sinistro (Súmula n. 278STJ), ficando suspenso entre a comunicação do sinistro e a recusa ao pagamento da indenização. 3. O recurso especial não é via própria para a apreciação de questão relativa ao decurso do prazo prescricional, pois, para tanto, é necessário o reexame dos elementos probatórios considerados para a solução da controvérsia. 4. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ quando a apreciação da tese versada no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda. 5. Cabe aplicação da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC na hipótese de recurso manifestamente improcedente e procrastinatório. 6. Agravo regimental desprovido. AgRg no REsp n. 1.236.485-SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 09.08.2011). Contrato de seguro de vida em grupo. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. Reexame de provas em sede de recurso especial. Inviabilidade. 1. Orienta a Súmula n. 7 desta Corte que a pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial. RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 455 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. O prazo de prescrição para ajuizamento da ação de indenização relativa a seguro de vida poderá iniciar-se a partir da concessão de aposentadoria pelo INSS como termo inicial do prazo prescricional. 3. No caso, portanto, diante da moldura fática apurada pela Corte local, ainda que o requerimento administrativo possa suspender a fluência do prazo prescricional, não há como afastar a sua ocorrência. 4. Agravo regimental não provido. (EDcl no REsp n. 856.596-SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 09.08.2011). Do exposto, nego provimento ao agravo regimental. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 494.183-SP (2002/0155865-3) Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti Recorrente: Nelinho Candido Moutim Advogado: Roberto Dias Vianna de Lima e outro Advogada: Andrea Helena Costa Prieto e outro(s) Recorrido: Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA - em liquidação extrajudicial Advogado: Marcia Rodrigues dos Santos e outro(s) EMENTA Civil e Processual Civil. Recurso especial. Responsabilidade civil. Atropelamento em via férrea. Morte de transeunte. Concorrência de culpas da vítima e da empresa ferroviária. Dano moral. Juros de mora. Termo inicial. Data do arbitramento. 13º salário. Não comprovação de exercício de atividade remunerada pela vítima. Improcedência. Pensão devida ao filho da vítima. Limite etário. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a concorrência de culpas da vítima de atropelamento em via férrea e 456 Jurisprudência da QUARTA TURMA da concessionária de transporte ferroviário, porquanto cabe à empresa fiscalizar e impedir o trânsito de pedestres nas suas vias. 2. Dano moral fixado em razão da perda da genitora em valor condizente com a linha dos precedentes do STJ. 3. Não comprovado o exercício de atividade remunerada pela vítima, não procede o pedido de 13º salário. 4. Pensionamento devido até a idade em que o filho menor da vítima completa 25 anos, conforme precedentes do STJ. 5. A correção monetária deve incidir a partir da fixação de valor definitivo para a indenização do dano moral. Enunciado n. 362 da Súmula do STJ. 6. Os juros moratórios devem fluir, no caso de indenização por dano moral, a partir da data do julgamento em que foi arbitrada a indenização (REsp n. 903.258-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Isabel Gallotti, julgado em 21.06.2011). 7. Recurso especial parcialmente provido. ACÓRDÃO A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido em parte o Ministro Luis Felipe Salomão, no tocante ao termo inicial dos juros dos danos morais. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). Andrea Helena Costa Prieto, pela parte recorrente: Nelinho Candido Moutim. Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora DJe 09.09.2011 RELATÓRIO A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Nelinho Cândido Moutim ajuizou ação de reparação de danos em face da Rede Ferroviária Federal S/A, alegando RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 457 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA responsabilidade da ré no acidente envolvendo composição férrea que resultou na morte de sua mãe. Pleiteou a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais, pensões mensais vencidas e vincendas, 13º salário, constituição de capital garantidor, juros de mora e correção monetária sobre todas as verbas indenizatórias. O MM. Juiz da 13ª Vara Cível Central de São Paulo julgou improcedente o pedido, ao fundamento de que houve culpa exclusiva da vítima no sinistro, que teria agido com imprudência e descuido ao caminhar sobre o leito ferroviário (fls. 238-243). Inconformado, o autor interpôs apelação cível, alegando que a Rede Ferroviária falhou no dever de fiscalizar e vigiar a via férrea, devendo, por isso, ser responsabilizada pelo evento fatal. Contra-razões da apelada às fls. 267-271, requerendo o julgamento do agravo retido em que alegou cerceamento de defesa por de ter sido indeferida a coleta do depoimento do maquinista do trem. O Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo negou provimento à apelação e ao agravo retido, em acórdão que recebeu a seguinte ementa (fl. 281): Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Atropelamento de pedestre. Depoimento do condutor do trem. Desnecessidade. Cerceamento de defesa inocorrente. Culpa exclusiva da vítima que caminhava sobre a linha férrea. Indenizatória improcedente. Recursos improvidos. O autor, então, interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, III, alínea c, da Constituição Federal, sustentado a culpa da empresa ferroviária no acidente que vitimou sua mãe, ao argumento de que é ônus da ré cercar e fiscalizar a linha férrea. Ressaltou que não foi cumprida a determinação contida no art. 10 do Decreto n. 2.080/1963, no sentido de cercar a faixa ocupada por suas linhas, conservando cercas, muros ou valas para impedir a circulação de pessoas no leito férreo. Contrarrazões às fls. 327-349, pugnando pela aplicação das Súmulas n. 282-STF e n. 7-STJ ao recurso especial. Juízo prévio positivo de admissibilidade à fl. 397. 458 Jurisprudência da QUARTA TURMA A decisão denegatória do recurso especial de fls. 413-414, proferida pelo Desembargador Convocado Honildo Amaral de Mello Castro, foi impugnada pelo agravo regimental de fls. 420-424 e reconsiderada por esta relatora à fl. 426. É o relatório. VOTO A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Como se vê do relatório, trata-se de recurso especial em que o recorrente aponta divergência jurisprudencial entre o acórdão recorrido e precedentes desta Corte, quanto à responsabilidade da ferrovia nos atropelamentos em via férrea. Tenho por demonstrado o dissídio invocado. Passo, pois, ao exame do recurso. I No tocante à culpa pelo acidente, colhe-se da leitura da sentença (fls. 240243) que, no dia 12.02.1984, a vítima, mãe do autor, caminhava pela linha do trem quando foi atropelada por uma composição da ré, vindo a falecer. Depreende-se dos autos, também, que o acidente ocorreu nas proximidades de estação ferroviária provida de passagem de nível para pedestres. Ocorre que a presença de passagem para transeuntes, por si só, não retira a responsabilidade da concessionária, pois a empresa deveria ter mantido fechados outros acessos, mesmo que clandestinamente abertos por populares, pois cuidase de área urbana, questão, aliás, que não é meramente fática, mas de direito. Confira-se nesse sentido: Responsabilidade civil. Ferrovia. Passagem clandestina. Concorrência de culpa. A companhia ferroviária tem o dever de cuidado e conservação de cercas e muros que ergue ao longo das linhas férreas, não podendo permitir o uso de passagem clandestina pelos moradores próximos da estrada. A existência de passarela, que poderia ter sido utilizada para a travessia, caracteriza a culpa concorrente da vítima. Precedentes. Recurso conhecido e provido em parte. (REsp n. 480.357-SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 18.02.2003, DJ 15.09.2003, p. 326). RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 459 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Civil e Processual. Ação de indenização. Atropelamento em via férrea. Morte de ciclista. Passagem clandestina. Existência de passagem de nível próxima. Concorrência de culpas da vítima e da empresa concessionária de transporte. Danos materiais e morais devidos. Pensão. Juros moratórios. Súmula n. 54-STJ. Constituição de capital ou caução fidejussória. I. Inobstante constitua ônus da empresa concessionária de transporte ferroviário a fiscalização de suas linhas em meios urbanos, a fim de evitar a irregular transposição da via por transeuntes, é de se reconhecer a concorrência de culpas quando a vítima, tendo a sua disposição passagem de nível construída nas proximidades para oferecer percurso seguro, age com descaso e imprudência, optando por trilhar caminho perigoso, levando-o ao acidente fatal. (...) VI. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp n. 622.715-SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 24.08.2010, DJe 23.09.2010). Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Vítima fatal. Culpa concorrente. Danos morais e materiais. Proporcionalidade. Neste Superior Tribunal de Justiça, prevalece a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos. Nesses casos, é reconhecida a culpa concorrente da vítima que, em razão de seu comportamento, contribuiu para o acidente, por isso a indenização deve atender ao critério da proporcionalidade, podendo ser reduzida à metade. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 257.090-SP, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 16.12.2003, DJ 1º.03.2004, p. 178). Não se pode desconhecer, contudo, que houve descuido da vítima ao transitar pela linha férrea, fator que deve ser considerado na avaliação do grau de culpa da empresa. Em vista disso, o pedido de indenização mostra-se parcialmente procedente, sendo o caso de aplicar-se o art. 257 do RISTJ, para fazer incidir o direito pertinente em face do pedido exordial, examinando-se o cabimento das verbas postuladas. 460 Jurisprudência da QUARTA TURMA II O pedido de indenização por dano moral formulado pelo autor merece acolhida, pela obviedade da lesão moral sofrida com a perda de sua genitora. A jurisprudência do STJ tem fixado como indenização de dano moral em caso de morte o valor em moeda corrente situado por volta de 500 salários mínimos (cf. entre outros, REsp n. 1.021.986-SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 27.04.2009; REsp n. 959.780-CE, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 06.05.2011; REsp n. 731.527SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 17.08.2009). Aqui, considerada a culpa recíproca, fixo a indenização em R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais), a ser corrigida a partir da presente data pelos índices oficiais aplicáveis à espécie (Súmula n. 362-STJ). III Quanto ao pedido de 13º salário, o quadro fático descrito nos autos reflete que o autor perdeu sua mãe em tenra idade, não havendo, entretanto, comprovação de que a vítima exercia atividade remunerada de doméstica/ diarista, como alegado na inicial. Ao contrário, consta do depoimento de testemunha arrolada pelo autor (fls. 167) que a vítima à época “cuidava da família, que era sustentada pelo marido”. Indevido, portanto, o 13º salário. IV Já com relação ao pensionamento, o entendimento jurisprudencial desta Corte é no sentido de que, no caso de morte de genitor(a), é devida pensão aos filhos no valor de um salário mínimo, caso a vítima não exerça trabalho remunerado. A propósito: Recurso especial. Ação de indenização. Danos materiais e morais. Acidente de trânsito. Pensionamento. Exercício de atividade remunerada. Fixação em salário mínimo. Precedentes da Corte. I - A jurisprudência desta Corte orienta que “o fato de a vítima não exercer atividade remunerada não nos autoriza concluir que, por isso, não contribuía ela com a manutenção do lar, haja vista que os trabalhos domésticos prestados no dia-a-dia podem ser mensurados economicamente, gerando reflexos patrimoniais imediatos” (REsp n. 402.443-MG, Rel. Min. Castro Filho, DJ 1º.03.2004). RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 461 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II - Quanto à vinculação da pensão ao salário mínimo, a fim de evitar distorções, é possível em razão de seu caráter sucessivo e alimentar e, por esse motivo que, “segundo a jurisprudência dominante no C. Supremo Tribunal Federal e nesta Corte, admissível é fixar-se a prestação alimentícia com base no salário-mínimo” (REsp n. 85.685-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17.03.1997). III - A Agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.076.026-DF, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 20.10.2009, DJe 05.11.2009, grifei). Tenho por devida, assim, a pensão mensal, a título de dano material, no valor correspondente a um salário mínimo desde o óbito até a data em que o autor completou 25 anos de idade. Registro que a jurisprudência deste Tribunal estabelece ser devido o pensionamento até a data em que os descendentes beneficiários completarem 25 anos de idade. Note-se: Agravo regimental. Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Danos morais. Acidente de veículo. Omissões no acórdão. Inexistência. Denunciação da lide. Seguradora. Obrigatoriedade. Perda do direito de regresso. Ausência. Pensionamento mensal. Morte do pai dos agravados. Termo final. Decisão agravada mantida. Improvimento. (...) III - A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que termo ad quem da pensão devida aos filhos menores em decorrência do falecimento do genitor deve alcançar a data em que os beneficiários completem vinte e cinco anos de idade, quando se presume concluída sua formação. Agravo Regimental improvido. (AgRg no Ag n. 1.190.904-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 27.10.2009, DJe 06.11.2009). Recurso especial. Civil e Processual Civil. Morte do pai e marido dos recorridos. Pensão mensal. Termo final. Dano moral. Redução. Súmula n. 7-STJ. Verba honorária. Base de cálculo. Justiça gratuita. Suspensão do pagamento. Atualização do valor devido. Indexação ao salário mínimo. Não-cabimento. Súmula n. 284-STF. Deficiência na fundamentação. Divergência jurisprudencial. Súmula n. 83-STJ. Omissão no acórdão recorrido. Inexistência. 1. A pensão mensal a ser paga ao filho menor, fixada em razão do falecimento do seu genitor em acidente de trânsito, deve estender-se até que aquele complete 25 anos. 462 Jurisprudência da QUARTA TURMA (...) 8. Recurso especial não-conhecido. (REsp n. 586.714-MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 03.09.2009, DJe 14.09.2009). Direito Civil e Processual Civil. Acidente ferroviário. Vítima fatal. Culpa concorrente. Indenização por danos materiais e morais. (...) 4. A pensão mensal fixada, a título de danos materiais, à luz do disposto no art. 945 do CC/2002, é devida a partir da data do evento danoso em se tratando de responsabilidade extracontratual, até a data em que o beneficiário - filho da vítima - completar 25 anos, quando se presume ter concluído sua formação. Precedentes. (...) 9. Recurso especial parcialmente provido, com o afastamento da incidência da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC. (REsp n. 1.139.997-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.02.2011, DJe 23.02.2011). Em face da culpa recíproca, entretanto, a verba referente ao pensionamento será devida pela ré à razão de 50% (cinquenta por cento), ou seja, pela metade do seu total. V O pedido de constituição de capital para assegurar o pagamento de pensão encontra suporte na Súmula n. 313 do STJ, que estabelece: Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado. No caso dos autos, entretanto, mostra-se desnecessária a constituição desse fundo, pois, em razão da idade atual do autor - mais de 25 anos - não há que se falar em prestações vincendas a serem garantidas. VI Quanto aos juros moratórios incidentes sobre a indenização por dano moral, a Quarta Turma, em recente pronunciamento acerca da matéria, nos RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 463 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA autos do REsp n. 903.258-RS (julgado em 21.06.2011), de minha relatoria, reviu seu posicionamento concluindo que a indenização por dano moral puro (prejuízo, por definição, extrapatrimonial) somente passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou. Isso porque a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral, sem base de cálculo, não traduzida em dinheiro por sentença judicial, arbitramento ou acordo (CC/1916, art. 1.064). Pertinente a transcrição, por esclarecedor da questão, de parte do voto condutor do acórdão do referido precedente: Na linha da jurisprudência sumulada no STJ, tratando-se de responsabilidade extracontratual, os juros de mora fluem desde a data do evento danoso (Súmula n. 54). Orienta-se a jurisprudência no sentido de que este enunciado aplica-se também no caso de indenização por dano moral (cf, entre diversos outros, o acórdão no EDREsp n. 295.175, 4ª Turma, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo). Por outro lado, cuidando-se de responsabilidade contratual, os juros de mora contam-se a partir da citação (Código Civil de 1916, art. 1.536, § 2º). Nesse sentido, entre muitos outros, REsp n. 651.555-MT, rel. Ministro Aldir Passarinho, DJe 16.11.2009). No caso dos autos, o fundamento da imposição de responsabilidade ao Hospital foi a relação contratual mantida com o autor e seus pais, na qual se compreendia o dever de prestar serviço a salvo de infecções hospitalares. Embora tenha eu seguido a linha da jurisprudência acima sumariada, conforme precedentes invocados no bem elaborado memorial oferecido pelo autor, a solução adotada pelo acórdão recorrido me faz presente a necessidade de repensar a questão. Com efeito, a questão do termo inicial dos juros de mora no tocante ao pagamento de indenização por dano moral, seja o seu fundamento contratual ou extracontratual, merece ser reexaminada, tendo em vista as peculiaridades deste tipo de indenização. E o presente caso presta-se como uma luva para o reexame da questão, sem que a mudança de jurisprudência seja prejudicial aos interessados, pois há recurso especial de ambas as partes, o autor pretendendo o aumento da indenização e o réu a sua diminuição, de forma que o exame da própria base de cálculo da condenação foi devolvido ao STJ e não apenas o termo inicial dos juros de mora e da correção monetária. Considero que, em se tratando de indenização por dano moral, da mesma forma como não se aplica a pacífica jurisprudência do STJ segundo a qual “incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo” (Súmula n. 43), na linha do entendimento consagrado na Súmula n. 362, também 464 Jurisprudência da QUARTA TURMA não deve ser invocada a Súmula n. 54, de acordo com a qual “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”. Isto porque como a indenização por dano moral (prejuízo, por definição, extrapatrimonial) só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou, não há como incidir, antes desta data, juros de mora sobre quantia que ainda não fora estabelecida em juízo. Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. Incide, na espécie, o art. 1.064 do Código Civil de 1916, segundo o qual os juros de mora serão contados “assim às dívidas de dinheiro, como às prestações de outra natureza, desde que lhes seja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”. No mesmo sentido, o art. 407 do atual Código Civil. Observo que, a rigor, a literalidade do citado art. 1.064 conduziria à conclusão de que, sendo a obrigação ilíquida, e, portanto, não podendo o devedor precisar o valor de sua dívida, não lhe poderiam ser imputados os ônus da mora – é o princípio in iliquidis non fit mora, consoante ressaltado pelo Ministro Orozimbo Nonato em seu voto no julgamento do Recurso n. 111, cujo acórdão foi publicado na Revista Forense, de junho de 1942, p. 145. Mas, conforme assinalou o eminente Ministro, no mesmo julgamento, tal entendimento tornaria sem sentido a regra do § 2o do art. 1.536, do Código de 1916, segundo o qual “contam-se os juros de mora, nas obrigações ilíquidas, desde a citação inicial”. A jurisprudência e a doutrina, em interpretação harmonizadora da aparente antinomia entre os dois dispositivos, reduziu o alcance do princípio do art. 1.064, para consagrar o entendimento de que “se a obrigação é ilíquida os juros se contam desde a petição inicial, mas sobre a importância determinada pela sentença judicial (na ação), pelo arbitramento, ou pelo acordo das partes” (cf. voto citado). Observo que a tese de que os juros de mora fluem desde data anterior ao conhecimento, pelo próprio devedor, do valor pecuniário de sua obrigação, decorre de uma mora ficta imposta pelos arts. 962 e 1.536, § 2o, do Código de 1916. Esta ficção – de que desde o ato ilícito (art. 962) ou desde a citação (1.536, § 2o, aplicável aos casos de inadimplemento contratual) o devedor está em mora e poderia, querendo, reparar plenamente o dano, a despeito de ilíquida a obrigação – é razoável nos casos de indenização por dano material (danos emergentes e lucros cessantes). Com efeito, considera-se em mora o devedor desde a data do evento danoso, porque o procedimento correto, que dele se espera, é o reconhecimento de RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 465 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA que causou o dano e sua iniciativa espontânea de repará-lo, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, prestando socorro à vítima, pagando-lhe o tratamento necessário, provendo o sustento de seus dependentes, indenizando-a dos prejuízos materiais sofridos, prejuízo este apurável com base em dados concretos, objetivos, materialmente existentes e calculáveis desde a data do evento. Se assim não age, ou se não repara espontaneamente a integralidade dos danos, no entender da vítima, caberá a esta ajuizar a ação, considerando-se o devedor em mora não apenas desde a fixação do valor da indenização por sentença, como decorreria da interpretação isolada do art. 1.064, do Código Civil, mas desde a data do ato ilícito (no caso de responsabilidade extracontratual) ou desde a citação (no caso de responsabilidade contratual). Em se tratando de danos morais, contudo, que somente assumem expressão patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de mérito (até mesmo o pedido do autor é considerado pela jurisprudência do STJ mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido, conforme a Súmula n. 326), a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse o devedor, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo (CC/1916, art. 1.064). Se a jurisprudência do STJ não atribui responsabilidade ao autor pela estimativa do valor de sua pretensão, de modo a impor-lhe os ônus da sucumbência quando o valor da condenação é muito inferior ao postulado (Súmula n. 326), não vejo como atribuir esta responsabilidade ao réu, para considerá-lo em mora, desde a data do ilícito, no que toca à pretensão de indenização por danos morais. De tal forma, os juros moratórios devem fluir, no caso de indenização por dano moral, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrada a indenização, no caso em exame a partir da presente data. Já com relação ao dano material, indenizado em forma de pensão, incidem juros moratórios desde a morte da genitora do autor (Súmula n. 54). VII Em face do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial nos termos acima. Considerada a sucumbência recíproca, determino que cada parte arque com os honorários advocatícios dos seus advogados e a metade das custas processuais, ressalvada a concessão de justiça gratuita ao autor. É como voto. 466 Jurisprudência da QUARTA TURMA VOTO VENCIDO O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Presidente): Vou ressalvar o meu entendimento em relação aos juros, sobretudo porque a Segunda Seção está apreciando a matéria e sua jurisprudência torrencial é em sentido contrário. A Quarta Turma está julgando contra a jurisprudência maciça da Corte Especial e da Segunda Seção. Por isso, apenas no tocante aos juros quanto ao dano moral, que fico vencido, acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, complementando que a jurisprudência também nossa estabelece a culpa concorrente. RECURSO ESPECIAL N. 888.751-BA (2006/0207513-3) Relator: Ministro Raul Araújo Recorrente: Acyr Velloso Soares e outros Advogados: Lea Márcia Britto Mesquita e outro Isabel Santos Castro Recorrido: Atlas Turismo Ltda. Advogado: Aurélio Pires EMENTA Recurso especial. Consumidor. Ofensa ao art. 535 do CPC. Não caracterizada. Falha na prestação de serviços. Pacote turístico. Inobservância de cláusulas contratuais. Agência de turismo. Responsabilidade (CDC, art. 14). Indenização. Danos materiais. Necessidade de comprovação. Súmula n. 7 do STJ. Danos morais reconhecidos. Recurso parcialmente provido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil se o Tribunal a quo decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 467 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2. Esta eg. Corte tem entendimento no sentido de que a agência de turismo que comercializa pacotes de viagens responde solidariamente, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pelos defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote. 3. No tocante ao valor dos danos materiais, parte unânime do acórdão da apelação, decidiu a eg. Corte a quo que seriam indenizáveis apenas os prejuízos que foram comprovados, o que representa o valor de R$ 888,57. O acolhimento da tese recursal de que estariam comprovados os demais prejuízos de ordem material relativos ao que foi originalmente contratado demandaria, inevitavelmente, o reexame de fatos e provas, o que esbarra no óbice da Súmula n. 7-STJ. 4. Já quanto aos danos morais, o v. acórdão recorrido violou a regra do art. 14, § 3º, II, do CDC, ao afastar a responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço. Como registram a r. sentença e o voto vencido no julgamento da apelação, ficaram demonstrados outros diversos percalços a que foram submetidos os autores durante a viagem, além daqueles considerados no v. acórdão recorrido, evidenciando os graves defeitos na prestação do serviço de pacote turístico contratado pelo somatório de falhas, configurando-se, in casu, os danos morais padecidos pelos consumidores. 5. Caracterizado o dano moral, mostra-se compatível a fixação da indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada autor. Em razão do prolongado decurso do tempo, nesta fixação da reparação a título de danos morais já está sendo considerado o valor atualizado para a indenização pelos fatos ocorridos, pelo que a correção monetária e os juros moratórios incidem a partir desta data. 6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO Retificando a proclamação feita em 27.09.2011, a Quarta Turma, por maioria, decide dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votou vencido parcialmente o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão, que fixava os juros a contar da citação. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. 468 Jurisprudência da QUARTA TURMA Brasília (DF), 25 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Raul Araújo, Relator DJe 27.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de recurso especial, fundamentado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, interposto contra v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Acyr Velloso Soares e outros propuseram Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais em desfavor de Atlas Turismo Ltda., buscando a reparação pelos danos padecidos em razão de transtornos e aborrecimentos ocorridos durante viagem internacional, contratada junto à ré, consistente em “pacote turístico” para a Copa do Mundo de Futebol de 1998, realizada na França, diante do não cumprimento dos termos do contrato. O Juízo de planície julgou procedente a demanda ajuizada pelos quatro consumidores “para condenar a ré a pagar aos autores, a título de ressarcimento pelos danos materiais sofridos, a importância de R$ 13.882,59 (treze mil oitocentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos), devidamente corrigida a partir de 27.08.1999, quando foi convertida pelo câmbio do dia, e mais 100 (cem) salários mínimos a cada um dos autores a título de danos morais, tudo acrescido de juros legais, contados da data da citação” (e-STJ, fl. 395). Condenou, ainda, a ré a pagar honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. A parte ré interpôs apelação, a qual foi julgada parcialmente provida, por maioria. O v. acórdão encontra-se assim ementado: Danos materiais não comprovados, e Dano moral não caracterizado. Recurso de Apelação que se acolhe, em parte, para reduzir a indenização imposta. Apelo parcialmente provido (e-STJ, fl. 444). Os autores opuseram embargos declaratórios, que foram rejeitados (e-STJ, fls. 486-491). Em seguida, foram opostos embargos infringentes, os quais também foram desacolhidos. O v. acórdão apresenta a seguinte ementa: RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 469 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Embargos infringentes. CDC. Código de Processo Civil. Empresa de turismo não pode ser responsabilizada por dano moral que não deu causa vez que cumpriu o contrato que previa um “tour” pela França, inexistindo à venda, na ocasião, ingresso para o primeiro jogo da seleção brasileira de futebol na copa do mundo, fato de terceiro comprovado nos autos, excludente de responsabilização (art. 14, II, do CDC). Inexiste argumento jurídico apto a modificar a decisão majoritária, plena de juridicidade, deve ser mantida por seus próprios e precisos fundamentos. Acórdão mantido. Embargos rejeitados (e-STJ, fl. 542). Foram opostos novos embargos de declaração contra tal v. acórdão, os quais foram igualmente rejeitados (e-STJ, fls. 551-556). Irresignados, ingressaram os promoventes com o presente recurso especial, alegando contrariedade aos artigos 186 do Código Civil de 2002, 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor e 535, II, do CPC, além de dissídio jurisprudencial. Sustentam, em suma, que: a) não há falar em excludente de responsabilidade, uma vez que “a agência de turismo Atlas, ora recorrida, responsável pela venda dos ‘pacotes’ turísticos, responde pelos danos decorrentes da má prestação dos serviços, ainda que estes tenham sido prestados por outra empresa, já que entre elas prevalece a responsabilidade solidária” (e-STJ, fl. 569); b) devem ser restabelecidas as indenizações por danos materiais e morais fixadas na r. sentença, tendo em vista que os serviços não foram prestados a contento pela recorrida; c) há omissão no v. acórdão recorrido, pois não foram apreciadas questões arguidas pelos recorrentes e necessárias ao deslinde da controvérsia. Às fls. 637-654, constam as contrarrazões da recorrida. O recurso especial foi admitido (e-STJ, fls. 661-665). VOTO O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): O recurso especial merece ser conhecido. Com efeito, a questão debatida foi diretamente enfrentada no v. acórdão recorrido, pelo que não há falar em ausência de prequestionamento, e o dissídio jurisprudencial foi suficientemente demonstrado, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255 do RISTJ. De início, não há falar em ofensa ao artigo 535 do CPC. O Tribunal a quo decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide, 470 Jurisprudência da QUARTA TURMA conforme se observa nos arestos recorridos (fls. 441 a 453, 486 a 491 e 538 a 544), tendo concluído, por maioria, que as situações pelas quais passaram os quatro recorrentes não lhes enseja o direito à indenização por danos morais e, com relação aos materiais, na forma definida pela sentença. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que o julgador não é obrigado a responder a cada uma das teses suscitadas pelas partes, quando já tiver formado seu convencimento acerca da controvérsia (EDcl no AgRg nos EREsp n. 113.049-DF, Rel. Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado em 03.11.1999, DJ 17.12.1999 e REsp n. 521.120-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.02.2008, DJ de 05.03.2008). Quanto às demais disposições legais, especialmente o art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor, melhor sorte merecem os recorrentes. Transcrevem-se, a propósito, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que versam sobre o assunto: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. Ocorre que, no caso, os fatos descritos na inicial, considerados realmente ocorridos nas instâncias ordinárias, caracterizam patente falha na prestação do serviço, apresentando gravidade suficiente para configurar danos patrimonial e moral, de responsabilidade do fornecedor, de acordo com as normas consumeristas. RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 471 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Esta eg. Corte tem entendimento de que a agência de turismo que comercializa pacotes de viagens responde solidariamente, nos termos do art. 14 supratranscrito, pelos defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote. Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes: Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Pacote de viagem incluindo ingressos para os jogos da Copa do Mundo de Futebol. Má prestação dos serviços. Legitimidade da agência que comercializa o pacote. Alteração dos danos morais. Descabimento. 1. - A agência de viagens que vende pacote turístico responde pelo dano decorrente da má prestação dos serviços. 2. - A intervenção deste Tribunal para a alteração de valor de indenização fixado por danos morais se dá excepcionalmente, quando verifica-se exorbitância ou irrisoriedade da quantia estabelecida, o que não ocorre no caso concreto. Agravo Regimental improvido. (AgRg no REsp n. 850.7680-SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 27.10.2009, DJe de 23.11.2009). Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade do fornecedor. Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens. - Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC. - A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao fornecedor. Art. 12, § 2º, III, do CDC. - A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo. Recursos conhecidos e providos em parte. (REsp n. 287.849-SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 17.04.2001, DJ de 13.08.2001, p. 165). Colocada a questão da responsabilidade da recorrida, passa-se à análise dos danos materiais e morais pleiteados pelos autores. No tocante ao valor dos danos materiais, parte unânime do acórdão da apelação, decidiu a eg. Corte a quo que seriam indenizáveis apenas os prejuízos que foram comprovados, o que representa o valor de R$ 888,57 (oitocentos e oitenta e oito reais e cinquenta e sete centavos). Colhe-se, a propósito, a fundamentação adotada pelo eg. Tribunal de origem ao apreciar tal aspecto da controvérsia: 472 Jurisprudência da QUARTA TURMA No particular da reparação por danos materiais, há que se situar a mesma, tão somente no importe de R$ 888,57, reconhecido pela sentença como valores comprovados, a qual de modo expresso consigna “não haver comprovação de outras despesas por eles feitas durante a viagem”. E neste modo de decidir, integral apoio lhe empresta a doutrina e a jurisprudência de nossas Cortes, como mencionado na apelação o que se adota integrando este acórdão. É dos Apelados o ônus da prova posto que: a existência de defeito é fato constitutivo do direito do Autor/ Consumidor cabendo-lhe portanto a prova consoante o artigo 331 I do CPC- Código de Processo Civil (...) e nos ensinamentos de AGUIAR DIAS (...) de que o “prejuízo deve ser certo”, é a regra essencial da reparação. E disso não se desincumbiram os Apelados, como bem ressaltou a Sentença apelada pelo que no particular do dano material, a condenação só pode subsistir parcialmente, como bem nela enfatizado pelo ressarcimento da parcela de R$ 888,57 (oitocentos reais e oitenta e oito centavos e cinquenta e sete centavos), pelos Apelados devidamente comprovada (e-STJ, fls. 446-447). O acolhimento da tese recursal de que estariam comprovados os demais prejuízos de ordem material relativos ao que foi originalmente contratado demandaria, inevitavelmente, o reexame de fatos e provas, o que esbarra no óbice da Súmula n. 7-STJ. Já quanto aos danos morais, afastados pelo Tribunal, merece reforma o julgado. O v. acórdão recorrido violou a regra do art. 14, § 3º, II, do CDC, ao afastar a responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço sob o fundamento de que, no tocante ao fornecimento dos ingressos para o jogo inaugural da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 1998, haveria culpa exclusiva de terceiro, e, quanto aos demais fatos narrados na inicial, não caracterizariam dano moral, mas simples aborrecimentos e desconfortos insuscetíveis de indenização. A motivação relativa à culpa exclusiva de terceiros foi utilizada pelo Tribunal para afastar também a responsabilidade da ré com relação ao atraso de vôos. Ocorre que, além de deixar de levar em conta a cadeia de fornecedores solidariamente envolvida no caso (CDC, art. 14), a atrair a responsabilidade objetiva da promovida, pelo êxito do pacote que comercializou, os demais RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 473 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA defeitos na prestação do serviço, tidos como irrelevantes para gerar dano moral, não poderiam ter sido ignorados. Nesse sentido, invoca-se o seguinte precedente: Consumidor. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Recusa indevida de pagamento com cartão de crédito. Responsabilidade solidária. “Bandeira”/marca do cartão de crédito. Legitimidade passiva. Reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ. - Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. - O art. 14 do CDC estabelece regra de responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma mesma cadeia de serviços, razão pela qual as “bandeiras”/ marcas de cartão de crédito respondem solidariamente com os bancos e as administradoras de cartão de crédito pelos danos decorrentes da má prestação de serviços. - É inadmissível o reexame de fatos e provas em recurso especial. - A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. Recurso especial não provido. (REsp n. 1.029.454-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 1º.10.2009, DJe de 19.10.2009). Como registram a r. sentença e o voto vencido no julgamento da apelação, ficaram demonstrados outros diversos percalços a que foram submetidos os autores durante a viagem, além daqueles considerados no v. acórdão recorrido, evidenciando os graves defeitos na prestação do serviço de pacote turístico contratado pelo somatório de falhas. A propósito, transcrevem-se os seguintes trechos da r. sentença: Examinando-se as provas produzidas nos autos, constata-se a veracidade das afirmações dos autores em relação ao descumprimento do quanto contratado, e em especial o pouco empenho da acionada na solução dos problemas que foram surgindo ao longo da viagem, muito embora tenham sido insistentemente contatados tanto pelos autores como por seus familiares. Os transtornos ocorridos com a parte aérea do pacote, muito embora não se possa atribuir qualquer culpa à acionada pela greve dos aeroviários, são pertinentes tendo 474 Jurisprudência da QUARTA TURMA em vista a inércia com que agiu (vide depoimento da preposta da ré às fls. 275), deixando os autores sem assistência e tendo que adotar providências eles próprios. Aliás, é bom que também se frise que a ré praticamente não contestou os fatos alegados pelos autores, tendo todo o tempo buscado apenas jogar a culpa para a empresa Eurovips. (...) Não nega também a ré que a festa “Mundialista”, cujo ingresso e traslado estava incluído no “pacote” (fls. 33), não ocorreu. E quanto às demais queixas - de mudança de itinerários, de hospedagem em hotéis de categoria inferior à contratada, etc. - todas elas foram confessadas pela preposta da acionada e confirmada pelas testemunhas arroladas pelos autores (fl. 387). (...) A má prestação do serviço está clara e cristalina, e a responsabilidade da ré evidente, pois contratou com as autoras um pacote de serviços que não foi capaz de oferecer a contento, pela irresponsabilidade e falta de idoneidade das empresas com quem operou. (...) (...) inúteis as tentativas da ré em jogar a culpa do serviço mal prestado nas operadoras vinculadas ao pacote. Se foi a ré quem vendeu o referido pacote e isso está comprovado através dos recibos de fls. 28-30, deve responder perante os autores pelos danos por eles sofridos em razão da má prestação dos serviços. Depois, então poderá acionar regressivamente as empresas a quem atribui a culpa pelos transtornos. A agência de viagens, quando contrata um pacote de serviços, contrai uma obrigação de resultado, onde o turista, mediante o pagamento de um valor correspondente a esses serviços, quer ser exonerado das preocupações organizacionais e dedicar-se exclusivamente a desfrutar da sua viagem. Se o agente de viagens não cumpre com essa obrigação, deve responder perante o cliente pelos transtornos por ele sofridos. (...) inegáveis os transtornos psicológicos por que passaram os autores, em terra estrangeira e com pouquíssimo apoio da agência de viagens que falhou no seu serviço. É de frisar-se que as duas testemunhas arroladas pelos autores, que contrataram o mesmo “pacote” mas com outra agência de viagens, receberam o apoio devido na situação, diferentemente do que ocorreu com os autores” (fls. 389 a 391). Tal fato foi confirmado pelo depoimento da preposta e das próprias testemunhas arroladas pela ré, que se limitaram a repetir terem somente “tentado RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 475 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA resolver” os problemas junto à Eurovips, por telefone e por fax - naturalmente sem obter qualquer êxito - tendo em verdade deixado os autores à própria sorte. Os danos morais são, repetimos, indiscutíveis, consistentes nos transtornos, preocupações aborrecimentos e em especial, pela frustração das expectativas dos acionantes na viagem pela qual tanto sonharam fazer, tirando-lhes a alegria e a despreocupação que seriam normais. Ninguém pode por em dúvida os transtornos psicológicos e o desconforto que sofreram os autores, sem qualquer apoio num país estranho, vendo planos anteriormente tão sonhados serem desfeitos dia a dia, e passando por momentos de frustração, que acarretaram até doenças em dois deles (fls. 47-49) (fls. 384 a 395). Já do voto vencido no acórdão da apelação extrai-se: A sentença fundamenta de forma bastante elucidativa e clara a questão, examinando ponto por ponto. Infere-se dos autos que os apelados passaram por dificuldades durante a excursão pelo descumprimento do contrato nos termos em que foi o mesmo celebrado entre as partes. (...) Na própria contestação, o apelante, às fls. 108, afirma que a Eurovip’s ofereceu a devolução dos valores dos ingressos e mais US$ 500,00 por conta da indenização a título de danos materiais e morais, o que foi recusado pelos suplicantes. (...) As testemunhas arroladas pelos autores, fls. 276-279, confirmam a falta dos ingressos, mudança de roteiro, troca de cidades e hospedagens em hotéis de categoria inferior aos contratados e de que foram acomodados em hotéis de estrada. A má prestação do serviço é evidente e induvidosa, não tendo a apelante cumprido com o que contratou, operando com empresas que atuaram com irresponsabilidade. O pleito dos apelados está respaldado no art. 14 do CDC que atribuiu ao fornecedor do serviço a responsabilidade pela reparação de danos, independentemente de culpa, consagrando a responsabilidade objetiva. O dano material encontra-se demonstrado no valor de R$ 888,57, relativo às despesas com ligações telefônicas e aluguel de veículo, fls. 41-44 e 54 e mais o valor correspondente aos ingressos que não foram entregues. No que se refere ao valor de R$ 12.994,02 a título de devolução parcial do preço pago, não ficou comprovado que 50% da viagem contratada não tenha sido cumprida, apesar dos transtornos. Diante de tais fatos e circunstâncias, é evidente também a configuração do dano moral, ante os transtornos, vexame, a decepção, os aborrecimentos sofridos pelos apelados. 476 Jurisprudência da QUARTA TURMA Reconhecendo, assim, a ocorrência do dano moral, pois devidamente demonstrado, merece, entretanto, reparo o valor arbitrado em 100 salários mínimos para cada um dos apelados, não pela alegação de nulidade pela vinculação ao salário mínimo, pois inúmeros são os julgados, inclusive do STJ, que se toma apenas como uma orientação para estabelecimento da verba indenizatória e, portanto, não merece o acolhimento de nulidade da decisão, mas, considerando os valores que têm sido objeto de reparação de danos nos julgados deste Tribunal e dos demais deste país, pelo que entendo deve ser arbitrado em R$ 15.000,00 para cada apelado, considerando a extensão do dano, as circunstâncias dos fatos, a finalidade da reparação. Assim, o voto é no sentido de dar provimento parcial ao recurso para reconhecer o dano material no valor de R$ 888,57 e mais a devolução dos valores dos ingressos e a indenização por dano moral no valor de R$ 15.000,00 para cada apelado, tudo corrigido e com juros (fls. 450 a 453). Como se vê, os fatos ocorridos estão descritos nos autos. Inquestionável, assim, a configuração do dano moral sofrido pelos autores. Trata-se de dano moral in re ipsa, que, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho, “deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum” (in Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição, Editora Atlas, p. 90). Com efeito, a perda do jogo inaugural da seleção de futebol do Brasil na Copa do Mundo de 1998, a mudança unilateral de roteiro, com troca de cidades, a hospedagem em hotéis de categoria inferior aos contratados, sendo os autores acomodados em hotéis de estrada, são circunstâncias que evidenciam a má prestação do serviço, em desconformidade com o que foi contratado, situações essas que, no somatório, não se restringem a um simples aborrecimento de viagem, configurando, sim, um abalo psicológico ensejador do dano moral. Esta eg. Corte já adotou o mesmo entendimento em situação semelhante, senão veja-se: Direito do Consumidor. Prestação de serviços. Vício de qualidade. Art. 20, CDC. Viagem turística. Dano material e dano moral. Distinção. Opção do consumidor. Adequação à reparação do dano. Recurso desacolhido. I - Na prestação de serviços de viagem turística, o desconforto, o abalo, o aborrecimento e a desproporção entre o lazer esperado e o obtido não se incluem entre os danos materiais, mas pertencem à esfera moral de cada um dos viajantes, devendo a esse título ser ressarcidos. RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 477 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA II - Os danos materiais, que sabidamente se distinguem dos morais, devem recompor estritamente o dispêndio do consumidor efetuado em razão da prestação de serviços deficiente, sem o caráter de punir o fornecedor. III - O direito de opção mencionado no art. 20, I a III do Código de Defesa do Consumidor, relaciona-se com a suficiência da reparação do dano, não devendo afrontar nem a proporcionalidade entre a conduta do fornecedor e o dano causado, nem o princípio que veda o enriquecimento indevido. (REsp n. 328.182-RS, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 09.10.2001, DJ de 04.02.2002, p. 390). Responsabilidade civil. Agência de turismo. Pacote turístico. Serviço prestado com deficiência. Dano moral. Cabimento. Prova. Quantum. Razoabilidade. Recurso provido. I - A prova do dano moral se satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum. Não há negar, no caso, o desconforto, o aborrecimento, o incômodo e os transtornos causados pela demora imprevista, pelo excessivo atraso na conclusão da viagem, pela substituição injustificada do transporte aéreo pelo terrestre e pela omissão da empresa de turismo nas providências, sequer diligenciando em avisar os parentes que haviam ido ao aeroporto para receber os ora recorrentes, segundo reconhecido nas instâncias ordinárias. II – A indenização por danos morais, como se tem salientado, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros. III - Certo é que o ocorrido não representou desconforto ou perturbação de maior monta. E que não se deve deferir a indenização por dano moral por qualquer contrariedade. Todavia, não menos certo igualmente é que não se pode deixar de atribuir à empresa-ré o mau serviço prestado, o descaso e a negligência com que se houve, em desrespeito ao direito dos que com ela contrataram. (REsp n. 304.738-SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 08.05.2001, DJ de 13.08.2001, p. 167). Por outro lado, o posicionamento que se adota neste julgamento não enseja reexame de provas, razão por que se afasta o óbice da Súmula n. 7-STJ, tratando-se de típica valoração de provas, porquanto não se discute a veracidade dos fatos expostos no acórdão, estando a discussão limitada a saber se os fatos narrados são passíveis de ensejar indenização por dano moral. Por essas razões, conheço do recurso especial e dou-lhe parcial provimento para reconhecer a ocorrência do dano moral, fixando o valor da reparação em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos autores. 478 Jurisprudência da QUARTA TURMA No caso em apreço, em razão do prolongado decurso do tempo, na fixação da reparação a título de danos morais já está sendo considerado o valor atualizado para a indenização pelos fatos ocorridos, pelo que a correção monetária e os juros moratórios incidem a partir da data desta fixação. É o voto. RECURSO ESPECIAL N. 907.014-MS (2006/0265012-4) Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira Recorrente: Carlos Wilson de Souza Pimentel Advogado: Cynthia Raslan e outro(s) Recorrido: Hidrate Indústria e Comércio de Produtos Farmacêuticos Ltda. e outros Advogado: Gustavo Romanowski Pereira e outro(s) EMENTA Direito Societário. Dissolução parcial de sociedade. Apuração de haveres. Inclusão do fundo de comércio. 1. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, o fundo de comércio (hoje denominado pelo Código Civil de estabelecimento empresarial - art. 1.142) deve ser levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio excluído da sociedade. 2. O fato de a sociedade ter apresentado resultados negativos nos anos anteriores à exclusão do sócio não significa que ela não tenha fundo de comércio. 3. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011 479 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 11 de outubro de 2011 (data do julgamento). Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator DJe 19.10.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se, na origem, de ação de apuração de haveres, recebida pelo juízo de primeira instância como ação de ressarcimento, sob o rito ordinário. À parte algumas questões processuais, discute-se se o fundo de comércio deve ser levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio minoritário excluído de sociedade limitada. Quanto a esse ponto, o acórdão recorrido manteve incólume a sentença (e-STJ fls. 383-392), entendendo que “fica inviabilizado o cálculo do valor referente ao fundo de comércio se a empresa analisada apresentar apenas resultados negativos, porquanto necessário à projeção que a sociedade tenha lucro” (e-STJ fls. 452-453). Inconformado, o autor da ação interpôs o presente recurso especial (e-STJ fls. 476-489), suscitando dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido e a jurisprudência desta Corte Superior, bem como alegando violação aos seguintes dispositivos legais: (i) art. 668 do CPC/1939, (ii) art. 15 do Decreto n. 3.708/1919 e (iii) art. 20 do CPC/1973. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): Merece ser conhecido e provido o presente recurso especial: a interposição foi tempestiva, foi realizado o preparo, a matéria nele discutida está devidamente prequestionada e, a despeito de não ter havido violação aos dispositivos legais mencionados, o recorrente logrou êxito em demonstrar a existência do dissídio jurisprudencial. 480 Jurisprudência da QUARTA TURMA Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada segundo a qual o fundo de comércio (hoje denominado pelo Código Civil de estabelecimento empresarial - art. 1.142) deve ser levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio excluído da sociedade. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes: Comercial e Processual Civil. Dissolução parcial de sociedade. Apuração de haveres. Inclusão do fundo de comércio. Juros de mora. Termo inicial. Honorários advocatícios. Art. 20, § 4º do CPC. O fundo de comércio integra o montante dos haveres do sócio retirante. Precedentes. (...) (REsp n. 564.711-RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 13.12.2005, DJ 20.03.2006, p. 278). Comercial e Processual Civil. Ação de apuração de haveres. Coisa julgada não identificada. Prequestionamento deficiente. Critério de levantamento patrimonial. Decreto n. 3.708/1919, art. 15. Exegese. Divergência jurisprudencial não caracterizada. (...) III. Afastado o sócio minoritário por desavenças com os demais, admite-se que a apuração dos haveres se faça pelo levantamento concreto do patrimônio empresarial, incluído o fundo de comércio, e não, exclusivamente, com base no último balanço patrimonial aprovado antes da ruptura social. (...) (REsp n. 130.617-AM, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 18.10.2005, DJ 14.11.2005, p. 324). Dissolução de sociedade. Apuração de haveres. Fundamentação suficiente do acórdão. Julgamento extra petita. Inocorrência. Inclusão dos fundos de comércio e de reserva e dos dividendos dentre os haveres. Interesse de agir. Sócio retirante. Existência ainda que a sociedade e o sócio remanescente concordem com a dissolução. Ofensa ao contrato social. Inviabilidade de exame no recurso especial. Enunciado n. 5 da Súmula-STJ. Juros moratórios. Incidência. Caracterização da mora. Honorários de advogado. Sucumbência parcial. Arts. 20, 21, 131, 165, 293, 458-II, 460, CPC, 668, CPC/1939, 955, 960, 963, CC. Recurso desacolhido. (...) II – O fundo de comércio e o fundo de reserva instituído pela vontade dos sócios integ