Jurisprudência
Corte Especial
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA N. 30-AM (2010/0157996-6) (f)
Relator: Ministro Teori Albino Zavascki
Requerente: Ministério Público Federal
Requerido: Solange Maria Santiago Morais
Advogado: Irineu de Oliveira e outro(s)
Requerido: Benedito Cruz Lyra
Advogado: Irineu de Oliveira e outro(s)
EMENTA
Ação de improbidade originária contra membros do Tribunal
Regional do Trabalho. Lei n. 8.429/1992. Legitimidade do regime
sancionatório. Edição de portaria com conteúdo correcional não
previsto na legislação. Ausência do elemento subjetivo da conduta.
Inexistência de improbidade.
1. A jurisprudência firmada pela Corte Especial do STJ é
no sentido de que, excetuada a hipótese de atos de improbidade
praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento
se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma
constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos
a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de
improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria incompatível com a
Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que
impusesse imunidade dessa natureza (Rcl n. 2.790-SC, DJe de
04.03.2010).
2. Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade.
A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento
subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do
STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade,
que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas
descritas nos artigos 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992, ou pelo menos
eivada de culpa grave, nas do artigo 10.
3. No caso, aos demandados são imputadas condutas capituladas
no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 por terem, no exercício da Presidência
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de Tribunal Regional do Trabalho, editado Portarias afastando
temporariamente juízes de primeiro grau do exercício de suas funções,
para que proferissem sentenças em processos pendentes. Embora
enfatize a ilegalidade dessas Portarias, a petição inicial não descreve
nem demonstra a existência de qualquer circunstância indicativa de
conduta dolosa ou mesmo culposa dos demandados.
4. Ação de improbidade rejeitada (art. 17, § 8º, da Lei n.
8.429/1992).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
rejeitar a ação de improbidade, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda,
Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Raul Araújo, Maria Isabel
Gallotti, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Eliana Calmon,
Francisco Falcão e João Otávio de Noronha, e, ocasionalmente, a Sra. Ministra
Nancy Andrighi e o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.
Convocados os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Raul Araújo e a Sra.
Ministra Maria Isabel Gallotti para compor quórum.
Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Rodrigo Alves Chaves.
Brasília (DF), 21 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente
Ministro Teori Albino Zavascki, Relator
DJe 28.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de ação de improbidade
administrativa originária (fls. 03-11), proposta pelo Ministério Público Federal
contra Solange Maria Santiago Morais e Benedito Cruz Lyra, juízes do Tribunal
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Regional do Trabalho da 11ª Região, objetivando a imposição das sanções
previstas no art. 12, III, da Lei n. 8.429/1992. Proposta perante a 4ª Vara Federal
da Seção Judiciária do Amazonas, a ação veio a este Tribunal por força de decisão
da Corte Especial, proferida no julgamento do AgRg na Rcl n. 2.115-AM
(Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 16.12.2009 - fls. 907-915). Com a subida
dos autos a esta Corte, o Ministério Público Federal em sua manifestação de fls.
931-946, suscitou, (a) preliminarmente, a incompetência desta Corte Superior
para o julgamento originário da demanda; (b) e, subsidiariamente, seu regular
prosseguimento. No julgamento do AgRg na AIA n. 30 (DJe de 10.02.2011), a
Corte Especial indeferiu o pedido relativo à declaração de incompetência deste
Tribunal. Foi interposto recurso extraordinário pelo Ministério Público Federal
(fls. 996-1.015), o qual foi inadmitido (fls. 1.029-1.030). Essa decisão transitou
em julgado em 09 de maio de 2011 (fl. 1.033).
Afirmada a competência originária do STJ, cumpre proferir o juízo inicial
de recebimento da ação, nos termos do art. 17, §§ 8º e 9º da Lei n. 8.429/1992.
A petição inicial descreve os fatos nos seguintes termos:
(...)
III - DOS FATOS
Trata-se de Representação n. 1.13.000.000750/2004-18 instaurada para apurar
atos ilegais praticados pela Presidente do Eg. Tribunal Regional do Trabalho da
11ª Região que caracterizam a ingerência indevida da requerida na atividade dos
juízes de 1º grau do TRT/11ª Região.
Consta da mencionada representação que a MM. Juíza Presidente e
Corregedora do TRT/11ª Região, Dra. Solange Maria Santiago Morais, editou a
Portaria n. 202 (fls. 322), com a finalidade de afastar do exercício de suas funções
o Dr. Joaquim Oliveira de Lima, Juiz do Trabalho Substituto, no período de 06 a
12.03.2003, para que prolatasse quatro sentenças atrasadas relativas a processos
da 3ª Vara do Trabalho de Manaus.
No dia 08.09.2003, nova Portaria de n. 722 (fl. 322) foi editada, designando um
auxiliar instituído para prolatar as sentenças que se encontravam atrasadas, uma
vez que o Dr. Joaquim Oliveira de Lima não havia cumprido determinação da
Portaria n. 202. E, ainda, editou uma terceira Portaria n. 814 (fl. 334) determinando
o afastamento do Juiz do Trabalho Substituto, do dia 08.10.2003 ao dia
15.10.2003, para que o mesmo cumprisse definitivamente as pendências relativas
aos processos das 3ª e 8ª Varas.
Novamente, através da Portaria n. 855 (fl. 333) editada pelo MM. Juiz Benedito
Cruz Lyra - Presidente em exercício do TRT da 11ª Região em 16.10.2003, foi
prorrogado até o dia 19.10.2003 o afastamento do juiz substituto mencionado. E,
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pela quinta vez, a MM. Juíza Solange Maria Santiago Morais prorrogou até o dia
20.10.2003, por intermédio da Portaria n. 862 (fl. 332), os efeitos da supracitada
Portaria n. 855.
De acordo com a documentação apresentada, constata-se que o Juiz
substituto mencionado foi afastado das sua funções por cinco Portarias, sendo
quatro emitidas pela MM. Juíza Presidente e Corregedora do TRT da 11ª Região,
e uma emitida pelo então Presidente do TRT-AM em exercício, MM. Juiz Benedito
Cruz Lyra, sem a observância do princípio do devido processo legal, princípio este
previsto na Constituição Federal.
Houve, ainda, conforme consta na Representação, o afastamento sumário,
do dia 07.10.2003 até 09.10.2003, da Juíza Substituta Ana Eliza Oliveira Praciano,
em decorrência da Portaria n. 803 (fl. 18), motivada pelo fato de a magistrada
ter deixado de prolatar 10 (dez) sentenças, relativas a processos da 13ª Vara do
Trabalho de Manaus.
Quando informada pela magistrada que as referidas sentenças já haviam sido
prolatadas, ou seja, os motivos ensejadores da referida Portaria eram inexistentes,
a Juíza Corregedora exigiu a emissão de uma certidão da Secretaria da 13ª
Vara do Trabalho de Manaus, que atestasse a inexistência de sentenças a serem
prolatadas.
Somente no dia 09.10.2003, quando de posse do ofício enviado pela Secretaria
da referida Vara, que atestava a inexistência do motivo que ensejou o afastamento
da Juíza Substituta, a MM. Juíza Corregedora fez com que se publicasse nova
Portaria revogando os efeitos da Portaria n. 803, ordenando a permanência da
magistrada Ana Eliza Praciano como auxiliar da 2ª Vara do Trabalho de Manaus,
conforme Portaria n. 780/2003 (fl. 19).
Mais uma vez, no dia 20.01.2004, através da Portaria n. 51 (fl. 19), resolveu a
Juíza Presidente e Corregedora afastar a Juíza Substituta Ana Eliza de Oliveira
Praciano de suas funções, nos dias 21 e 22.01.2004, para que prolatasse quatro
sentenças de embargos à execução, referentes a processos da 2ª Vara do Trabalho
de Manaus.
Não conformada com aquele afastamento, a MM. Juíza apenada interpôs
recurso ordinário perante o Col. TST, obtendo em julgamento de cautelar
incidental, o deferimento de medida liminar de suspensão do ato, em decisão do
Min. José Luciano Castilho Pereira, que encontrava-se no exercício da Presidência.
É de grande valia observar que, em seu despacho, o Ministro José Luciano
argumentou que “como se observa pela leitura do artigo 42 da Loman, as
únicas penas disciplinares admitidas são as de advertência, censura, remoção
compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de
serviço, aposentadoria compulsória e demissão”, concluindo que “verifica-se
num exame apriorístico, como é próprio das liminares, que a citada Portaria
sustentada na Resolução do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, impôs
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
à magistrada, ora requerente, penalidade sem respaldo legal, tornando-se dessa
maneira, passível de reparos”.
Na documentação apresentada, constata-se a intenção punitiva da magistrada
ao emitir portarias de suspensão, uma vez que utilizou a expressão “puxão de
orelha” para designá-las, conforme fl. 64.
Tais irregularidades evidenciam a prática de atos de improbidade
administrativa que violam princípios constitucionais da Administração Pública (...)
(fls. 07-09).
Os requeridos apresentaram suas manifestações por escrito (fls. 968-982),
em conformidade com art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/1992. Alegam que: (a) não
há amparo legal para aplicação da lei de improbidade administrativa em face
de integrantes de Tribunal Regional do Trabalho, já que, por serem agentes
políticos, somente podem ser “acusados de crime de responsabilidade”; (b) os
atos não foram praticados com dolo, má-fé ou desonestidade, pois não tiveram
qualquer intenção de contrariar a lei, bem assim, os princípios que regem a
administração pública, tampouco objetivaram prejudicar, de qualquer maneira,
os juízes. “Ao revés, (....) ficaram temporariamente desobrigados de exercitar
as tarefas burocráticas da vara onde atuavam para se dedicar apenas a atualizar
o seu trabalho de prolação de sentenças atrasadas”; (c) as Portarias foram
editadas com base nos arts. 38, IX, do Regimento Interno do Tribunal Regional
do Trabalho da 11ª Região e 656, § 2º, da CLT, já que os juízes Ana Eliza e
Joaquim Oliveira “estavam com diversas sentenças atrasadas, descumprindo
expressamente o disposto no art. 35, II, da Loman”. Pedem, assim, a rejeição da
petição inicial.
O Ministério Público (fl. 1.035), por sua vez, reitera o pedido de
recebimento da inicial nos termos do art. 17, § 9º, da Lei n. 8.429/1992.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Sem razão os
requeridos quando sustentam que, por serem agente políticos - membros do
Tribunal Regional do Trabalho -, não estão submetidos ao regime da Lei n.
8.429/1992, mas unicamente ao da Lei n. 1.079/1950, que trata de crimes
de responsabilidade. Essa Corte Especial, na Rcl n. 2.790-SC, de que fui
relator (DJe de 04.03.2010), deixou assentado que, excetuada a hipótese de
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atos de improbidade praticados pelo Presidente da República, não há norma
constitucional alguma que imunize os agentes públicos de qualquer das sanções
por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Na oportunidade, proferi voto
nos seguintes termos:
1. Não está inteiramente pacificada no STF a questão relacionada com a
legitimidade ou não do duplo regime sancionatório dos agentes políticos em
decorrência de atos de improbidade. Em julgamento pioneiro sobre a aplicação
ou não da Lei n. 8.429/1992 a Ministro de Estado, vingou no Supremo Tribunal
Federal, por escassa maioria, o entendimento de que “o sistema constitucional
brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos
demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois
regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o
previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n. 8.429/1992), e o regime fixado no
art. 102, I, c (disciplinado pela Lei n. 1.079/1950). Se a competência para processar
e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos
praticados por agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade
especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da
Constituição”, razão pela qual “somente o STF pode processar e julgar Ministro de
Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar
a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos” (STF, Recl. n. 2.138, rel. p/
acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ 10.04.2008).
A corrente contrária sustentou que a Constituição não impede, mas, ao
contrário, admite expressamente (no § 4º do art. 37) a duplicidade de regime
(civil e penal) para os ilícitos de improbidade. Ademais, nem todos os atos de
improbidade previstos na Lei n. 8.429/1992 estão tipificados como crimes de
responsabilidade pela Lei n. 1.079/1950, razão pela qual o duplo regime somente
se configuraria, se proibido fosse, em relação às tipificações coincidentes, não
quanto às demais. Mesmo para essa corrente, todavia, a aplicação da Lei n.
8.429/1992 deve ser mitigada em relação aos agentes políticos, para os quais
não é admissível a imposição da sanção de perda do cargo ou de suspensão dos
direitos políticos, ao menos em juízo de primeiro grau ou antes do trânsito em
julgado. Relativamente a esses agentes, a referida Lei deve, portanto, ser adotada,
mas com ablação dessas sanções. São ilustrativos desta polêmica, além dos votos
proferidos naquele precedente e em outros julgados do STF, os que constam da
ADI n. 2.860-0, Min. Pertence, DJ 19.12.2006.
2. Um ponto comum pode ser identificado nas duas correntes: implícita
ou explicitamente, ambas reconhecem e procuram superar a perplexidade de
submeter agentes políticos detentores dos cargos de maior nível institucional
e de responsabilidade política do País (que, em matéria penal, têm foro por
prerrogativa de função, mesmo por crimes que acarretam simples pena de
multa pecuniária) à possibilidade de sofrerem sanção de perda do cargo ou
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
de suspensão de direitos políticos em processo de competência de juiz de
primeiro grau. Ainda quando subordinada a aplicação da pena ao trânsito em
julgado, o processo nem sempre teria condições de ser apreciado pelos Tribunais
Superiores, cuja competência é restrita a hipóteses de ofensa à Constituição (STF)
ou às leis federais (STJ), sendo-lhes vedado o reexame dos fatos da causa. Cada
corrente dá a esse problema solução a seu modo: uma simplesmente imuniza os
agentes políticos da aplicação da Lei de Improbidade e a outra afasta ou mitiga a
aplicação das sanções mais graves, acima indicadas.
Certamente por influência dessa preocupação comum, há nas duas
correntes a invocação cumulativa de elementos argumentativos de natureza
substancialmente diferente: fundamentos de ordem instrumental (regime de
competência para julgar a ação de improbidade ou o crime de responsabilidade)
são trazidos para sustentar conclusões de natureza material (duplicidade do
regime jurídico do ilícito, sua tipificação e seus agentes). Percebe-se, outrossim,
que disposições normativas infraconstitucionais, especialmente as da Lei n.
1.079/1950, são reiteradamente invocadas como elementos de argumentação
para interpretar o sistema sancionador constitucional, invertendo, de certo modo,
o sentido da hierarquia das normas, que deve ser vertical, mas de cima para baixo,
e não o contrário.
3. Olhada a questão sob o ângulo exclusivamente constitucional e separados
os elementos de argumentação segundo a sua natureza própria, é difícil justificar
a tese de que todos os agentes políticos sujeitos a crime de responsabilidade (nos
termos da Lei n. 1.079/1950 ou do Decreto-Lei n. 201/1967) estão imunes, mesmo
parcialmente, às sanções do art. 37, § 4º, da Constituição. É que, segundo essa
norma constitucional, qualquer ato de improbidade está sujeito às sanções nela
estabelecidas, inclusive à da perda do cargo e à da suspensão de direitos políticos.
Ao legislador ordinário, a quem o dispositivo delegou competência apenas para
normatizar a “forma e gradação” dessas sanções, não é dado limitar o alcance do
mandamento constitucional. Somente a própria Constituição poderia fazê-lo
e, salvo em relação a atos de improbidade do Presidente da República adiante
referidos, não se pode identificar no texto constitucional qualquer limitação dessa
natureza.
4. Realmente, as normas constitucionais que dispõem sobre crimes de
responsabilidade podem ser divididas em dois grandes grupos: um que trata
exclusivamente de competência para o processo e julgamento de tais crimes,
estabelecendo foro por prerrogativa de função; e outro que dispõe sobre
aspectos objetivos do crime, indicando condutas tipificadoras. Situado no
primeiro grupo, o art. 52 estabelece que “compete privativamente ao Senado
Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos
crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes
da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos
com aqueles; II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os
membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
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Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes
de responsabilidade”. Nos termos do art. 96, III, compete privativamente “aos
Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios,
bem como os membros do Ministério Público, nos crimes (...) de responsabilidade
(...)”. Segundo o art. 102, I, c, compete ao Supremo Tribunal Federal “processar
e julgar, originariamente, (...) nos crimes de responsabilidade, os Ministros de
Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado
o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal
de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.
Nos termos do art. 105, I, compete ao Superior Tribunal de Justiça processar e
julgar, originariamente, nos crimes de responsabilidade, “os desembargadores
dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos
Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da
União que oficiem perante Tribunais”. E, nos termos do art. 108, I, aos Tribunais
Regionais Federais compete processar e julgar, originariamente, nos crimes de
responsabilidade, “os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da
Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, (...) e os membros do Ministério Público da
União (...)”.
Ora, não se pode identificar nessas normas do primeiro grupo – de
natureza exclusivamente instrumental – qualquer elemento que indique sua
incompatibilidade material com o regime do art. 37, § 4º, da Constituição. O que
elas incitam é um problema de natureza processual, concernente à necessidade
de compatibilizar as normas sobre prerrogativa de foro com o processo destinado
à aplicação das sanções por improbidade administrativa, nomeadamente as que
importam a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos.
5. O segundo grupo de normas constitucionais é o das que indicam o elemento
objetivo da conduta caracterizadora do crime de responsabilidade. A teor do § 2º
do art. 29-A, “constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: I - efetuar
repasse que supere os limites definidos neste artigo; II - não enviar o repasse
até o dia vinte de cada mês; ou III - enviá-lo a menor em relação à proporção
fixada na Lei Orçamentária”. E, nos termos do § 3º do mesmo artigo, “constitui
crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito
ao § 1º deste artigo”, segundo o qual “a Câmara Municipal não gastará mais de
setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com
o subsídio de seus Vereadores”. No caput do art. 50 tipifica-se como “crime de
responsabilidade a ausência sem justificação adequada” de comparecimento de
Ministro de Estado ou de “quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados
à Presidência da República” quando convocados pela Câmara dos Deputados ou
pelo Senado Federal, para “prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto
previamente determinado”. Essas mesmas autoridades, a teor § 2º do mesmo art.
50, cometem crime de responsabilidade com “a recusa, ou o não atendimento,
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Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas”, em face
de pedidos de informações feitos pelas Mesas da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal. No art. 85, estabelece a Constituição que “são crimes de
responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre
exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos
Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na
administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões
judiciais”. Segundo o § 6º do art. 100, “o Presidente do Tribunal competente que,
por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de
precatório incorrerá em crime de responsabilidade”. E, finalmente, no § 1º do art.
167 está determinado, “sob pena de crime de responsabilidade”, que “nenhum
investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado
sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão (...)”.
Como se percebe, a única alusão a improbidade administrativa como crime de
responsabilidade, nesse conjunto normativo do segundo grupo, é a que consta
do inciso V do art. 85, ao considerar crime de responsabilidade os atos praticados
pelo Presidente da República contra a “probidade na administração”, dando
ensejo a processo e julgamento perante o Senado Federal (art. 86). Somente nesta
restrita hipótese, conseqüentemente, é que se identifica, no âmbito material, uma
concorrência de regimes, o geral do art. 37, § 4º, e o especial dos arts. 85, V, e 86.
É certo que não se pode negar ao legislador ordinário a faculdade de dispor
sobre aspectos materiais dos crimes de responsabilidade, tipificando outras
condutas além daquelas indicadas no texto constitucional. É inegável que
essa atribuição existe, especialmente em relação a condutas de autoridades
que a própria Constituição, sem tipificar, indicou como possíveis agentes do
crime. Todavia, no desempenho de seu mister, ao legislador cumpre observar os
limites próprios da atividade normativa infraconstitucional, que não o autoriza
a afastar ou a restringir injustificadamente o alcance de qualquer preceito
constitucional. Por isso mesmo, não lhe será lícito, a pretexto de tipificar crimes
de responsabilidade, excluir os respectivos agentes das sanções decorrentes do
comando superior do art. 37, § 4º.
6. O que se conclui, em suma, é que, excetuada a hipótese de atos de
improbidade praticados pelo Presidente da República (sujeitos, por força da
própria Constituição, a regime especial), não há norma constitucional alguma que
imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer
das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria igualmente
incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional
que impusesse imunidade dessa natureza. O que há, inegavelmente, é uma
situação de natureza estritamente processual, que nem por isso deixa de ser
sumamente importante no âmbito institucional, relacionada com a competência
para o processo e julgamento das ações de improbidade, já que elas podem
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
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conduzir agentes políticos da mais alta expressão a sanções de perda do cargo e à
suspensão de direitos políticos. Essa é a real e mais delicada questão institucional
que subjaz à polêmica sobre atos de improbidade praticados por agentes
políticos. Ora, a solução constitucional para o problema, em nosso entender,
está no reconhecimento, também para as ações de improbidade, do foro por
prerrogativa de função assegurado nas ações penais.
Cumpre registrar, ademais, que o fato aqui imputado aos requeridos, Juízes
de Tribunal Regional do Trabalho, não encontra tipificação como crime de
responsabilidade. A disposição normativa de tipificação de membro de Tribunal
de segundo grau é a do art. 39-A, parágrafo único da Lei n. 1.079, de 10 de
abril de 1950, que se refere a desembargador como sujeito ativo e que remete
aos crimes contra lei orçamentária, os quais, por sua vez, somente podem ser
praticados pelo Presidente e respectivo substituto quando no exercício da
Presidência do Tribunal.
2. Todavia, no caso, não há como superar positivamente o juízo de
admissibilidade da ação. A jurisprudência pacificada no âmbito da 1ª Seção,
que julga recursos da espécie, acompanhando entendimento maciço da doutrina
especializada (v.g.: “Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública:
corrupção: ineficiência”, Fábio Medina Osório, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007; “Improbidade Administrativa”, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 296-299), enfatiza o entendimento de que
não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade
é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta
do agente, razão pela qual é indispensável, para a sua caracterização, que a
conduta do agente seja dolosa (condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei
n. 8.429/1992), ou pelo menos eivada de culpa grave (condutas do artigo 10).
Nesse sentido: ERes n. 479.812, 1ª Seção, de minha relatoria, DJ de 27.09.2010;
EREsp n. 917.437, 1ª Seção, Min. Castro Meira, DJ de 22.10.2010; REsp n.
827.445, 1ª T., de minha relatoria, DJ de 08.03.2010; REsp n. 734.984-SP, 1ª
T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp n. 479.812-SP, 2ª T.,
Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp n. 842.428-ES, 2ª T., Min.
Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp n. 841.421-MA, 1ª T., Min. Luiz
Fux, DJ de 04.10.2007; REsp n. 658.415-RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ
de 03.08.2006; REsp n. 626.034-RS, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ
de 05.06.2006; e REsp n. 604.151-RS, de que fui relator para o acórdão, DJ de
08.06.2006, com a seguinte ementa:
28
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Administrativo. Improbidade. Lei n. 8.429/1992, art. 11. Desnecessidade de
ocorrência de prejuízo ao erário. Exigência de conduta dolosa.
(...)
2. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência do STJ associam a improbidade
administrativa à noção de desonestidade, de má-fé do agente público. Somente
em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se
admite a configuração de improbidade por ato culposo (Lei n. 8.429/1992, art.
10). O enquadramento nas previsões dos arts. 9º e 11 da Lei de Improbidade,
portanto, não pode prescindir do reconhecimento de conduta dolosa.
3. Recurso especial provido.
Em voto de relator nos ERes n. 479.812, 1ª Seção, DJ de 27.09.2010,
acompanhado por unanimidade, registrei:
Realmente, o princípio da legalidade impõe que a sanção por ato de
improbidade esteja associada ao princípio da tipicidade. Reflexo da aplicação
desses princípios é a descrição, na Lei n. 8.429, de 1992, dos atos de improbidade
administrativa e a indicação das respectivas penas. Tais atos estão divididos em
três grandes “tipos”, cujos núcleos centrais estão assim enunciados: “(...) auferir
qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º
desta Lei” (art. 9º); ensejar, por “qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa (...),”
a “perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos
bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei” (art. 10); e violar,
por “qualquer ação ou omissão (...)”, “os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições” (art. 11).
Apenas para as condutas do art. 10 está prevista a forma culposa, o que
significa dizer que, nas demais, o tipo somente se perfectibiliza mediante dolo. A
tal conclusão se chega por aplicação do princípio da culpabilidade, associado ao
da responsabilidade subjetiva, por força dos quais não se tolera responsabilização
objetiva nem, salvo quando houver lei expressa, a penalização por condutas
meramente culposas. O silêncio da lei, portanto, tem o sentido eloqüente de
desqualificar as condutas culposas nos tipos previstos nos arts. 9º e 11.
Deve-se considerar, a propósito, que o § 6º do art. 37 da Constituição, ao
estatuir a regra geral da responsabilidade civil objetiva do Estado, preservou,
quanto a seus agentes causadores do dano, a responsabilidade de outra
natureza, subordinada a casos de dolo ou culpa. Sua responsabilidade objetiva,
em conseqüência, demandaria, no mínimo, previsão normativa expressa, que,
ademais, dificilmente se compatibilizaria com a orientação sistemática ditada
pelo preceito constitucional. Não é por acaso, portanto, que, no âmbito da Lei n.
8.429/1992 (editada com o objetivo de conferir maior efetividade aos princípios
constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
29
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
eficiência, inscritos no caput do mesmo dispositivo da Constituição), há referência
a “ação ou omissão, dolosa ou culposa” no art. 5º, que obriga ao ressarcimento do
dano, em caso de lesão ao patrimônio público, e no art. 10, que descreve uma das
três espécies de atos de improbidade, qual seja a dos atos que causam prejuízo
ao erário. O silêncio da lei com respeito ao elemento subjetivo na descrição dos
outros dois tipos de atos de improbidade - os que importam enriquecimento ilícito
(art. 9º) e os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11)
- certamente não pode ser interpretado como consagração da responsabilidade
objetiva, diante de sua excepcionalidade em nosso sistema. Trata-se de omissão
a ser colmatada a luz do sistema e segundo o padrão constitucional, que é o da
responsabilidade subjetiva.
3. Pois bem. A presente ação de improbidade administrativa imputa a
membros do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (Solange Morais e
Benedito Lyra) a prática do ilícito previsto no art. 11, I da Lei n. 8.429/1992
(“Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da
administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato
visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de
competência”). Alegou-se que a requerida Solange Maria editou a Portaria n. 202
de 25 de fevereiro de 2003 (fl. 636), do seguinte teor:
A Presidente e Corregedora do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, no
uso de suas atribuições legais e regimentais, e
Considerando que compete ao Presidente do Tribunal, na qualidade de
Corregedor, exercer vigilância sobre o cumprimento dos deveres e sobre os
prazos para prolação da sentença (art. 22, X. do Regimento Interno);
Considerando, ainda, que o Exmo. Sr. Dr. Joaquim Oliveira de Lima, Juiz do
Trabalho Substituto, deixou de prolatar sentenças em 4 (quatro) processos, cujas
publicações encontram-se em atraso;
Resolve
Determinar o afastamento do Exmo. Sr. Dr. Joaquim Oliveira de Lima, Juiz
do Trabalho Substituto, de suas funções, no período de 06 a 12.03.2003,
especificamente para prolatar as 4 (quatro) sentenças atrasadas e relativas a
processos da 3ª Vara do Trabalho de Manaus.
Dê-se ciência.
Publique-se.
Solange Maria Santiago Morais
Juíza Presidente do TRT da 11ª Região.
30
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Nessa linha, alegou-se que foram editadas as demais Portarias, de conteúdo
semelhante, indicadas na inicial. À exceção da Portaria n. 855, assinada pelo
requerido Benedito Lyra (no exercício da Presidência do TRT), todas foram
editadas pela requerida Solange Morais, então presidente e corregedora daquele
Tribunal, a saber:
(a) Portaria n. 722 de 08 de setembro de 2003 (fl. 638): designa o magistrado
Joaquim Oliveira para “auxiliar na 8º Vara de Manaus, no período de 09 a 18.09.2003,
especificamente para prolatar as sentenças atrasadas e relativas a processos da 8ª
Vara do Trabalho de Manaus” (fls. 638-642);
(b) Portaria n. 814 de 08 de outubro de 2003 (fl. 645): determina o afastamento
do juiz Joaquim Oliveira, “de suas funções, a partir das 9h30min do dia 08.10, até o
dia 15.10.2003, para solucionar definitivamente as pendências relativas a processos
das MM 8ª e 3ª Vara do Trabalho de Manaus”;
(c) Portaria n. 855 de 16 de outubro de 2003 (fl. 646): prorrogou até o dia
19.10.2003 os efeitos da Portaria n. 814, “para solucionar definitivamente as
pendências relativas a processos das MM 8ª e 3ª Varas do Trabalho de Manaus”;
(d) Portaria n. 862 de 20 de outubro de 2003 (fl. 648): prorrogou até o
20.10.2003, mais uma vez, os efeitos da Portaria n. 814, “para solucionar
definitivamente as pendências relativas a processos das MM 3ª Vara do Trabalho de
Manaus”.
(e) Portaria n. 803 (fl. 32): determina o afastamento da magistrada Ana Eliza
Oliveira Praciano, “de suas funções, no período de 07 a 09.10.2003, especificamente
para prolatar as 10 (dez) sentenças atrasadas e relativas a processos a 13ª Vara do
Trabalho de Manaus”; e
(f ) Portaria n. 51 de 20 de janeiro de 2004 (fl. 33-34): também determina
o afastamento da juíza Ana Eliza, “de suas funções, nos dias 21.01 e 22.01.2004,
especificamente para prolatar as 4 (quatro) sentenças de embargos à execução
atrasadas e relativas a processos da 2ª Vara do Trabalho de Manaus”.
Ora, a petição inicial, embora enfatize a ilegalidade dessas Portarias, em
nenhum momento afirma ter havido conduta dolosa de parte dos demandados.
No concernente ao elemento subjetivo da conduta, limitou-se o Ministério
Público a referir que, ao editarem essas Portarias “para prolação de sentenças
atrasadas”, os demandados intencionalmente aplicaram uma pena disciplinar
- “uma vez que foi utilizada a expressão ‘puxão de orelha’” - não prevista no rol
taxativo do art. 42 da LC n. 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional)
e, assim agindo, “os magistrados ampliaram o rol de espécies de sanção punitiva
para magistrados que porventura possuam pendências processuais”, com esses atos,
“violaram um dos princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
31
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o da legalidade, uma vez que não observaram a determinação contida na lei (...)
esse princípio significa que todo o administrador está, no exercício de sua atividade
funcional, vinculado aos dispositivos legais, sob pena de prática de ato inválido” (fl. 10).
Como se percebe, o fundamento da demanda tem relação com juízo sobre
a legalidade do ato praticado, não com a improbidade da conduta de quem
o praticou. Na verdade, cumpria ao autor da ação descrever de forma clara e
verossímil que a conduta dos agentes foi movida, não com a intenção indicada
nas Portarias, mas com a má intenção de desvirtuar dolosamente os princípios
constitucionais que regem a administração da justiça. Nada disso consta da
inicial, nem se pode deduzir da narrativa dos fatos.
Pelo contrário, cumpre registrar que o próprio Pleno do Tribunal editou a
Resolução Administrativa n. 129-A de 21 de outubro de 2003 (posterior à edição
de algumas das Portarias objeto da ação de improbidade), “por unanimidade
de votos”, em que resolveu manter “as providências tomadas pela Exma. Juíza
Solange Maria Santiago Morais, Presidente e Corregedora do Tribunal, com relação
ao atraso de sentenças e andamentos de processos, até que se esgotem suas funções
como Corregedora” (fl. 616). Posteriormente, na sessão administrativa ocorrida
no dia 13 de janeiro de 2004, o Pleno do Tribunal - considerando “o que ficou
estabelecido na Resolução Administrativa n. 129-A/2003”, “que a Exma. Sra. Juíza
Ana Eliza Oliveira Praciano se encontra com 8 (oito) sentenças em atraso desde o
dia 19.12.2003, conforme informações da 2ª VT de Manaus” e “que a Exma. Sra.
Juíza Presidente deu conhecimento ao Tribunal Pleno que a prolação das referidas
sentenças vem sendo adiada desde o dia 30.10.2003 e que foi adiada mais uma vez
para o dia 16.01.2004” (...) -, resolveu “autorizar que a Presidência tome as medidas
cabíveis, quanto à regularização das aludidas sentenças” (Resolução Administrativa
n. 13/2004 - fl. 719). Em suma: os atos praticados pelos demandados foram,
direta ou indiretamente, chancelados pelos membros do TRT da 11ª Região que
participaram das referidas sessões administrativas. Sinale-se que não foi colocada
em dúvida a idoneidade da conduta desses demais integrantes daquele Tribunal.
Em suma: o que a petição inicial descreve é, simplesmente, a prática
de atos eivados de ilegalidade, não a prática de atos de improbidade. Ora, a
ilegalidade, ainda que existente, por si só não autoriza a instauração de ação
destinada a aplicar as severas sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992
para condutas eivadas de improbidade.
4. Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar a ação, nos termos do art. 17,
§ 8º, da Lei n. 8.429/1992. É o voto.
32
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
AÇÃO PENAL N. 565-TO (1999/0104851-6)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Autor: Ministério Público Federal
Réu: Carlos Luiz de Souza
Advogado: Haroldo Carneiro Rastoldo
EMENTA
Processual Penal. Ação penal originária. Delito de peculatodesvio. Art. 312, caput, do Código Penal. Elemento subjetivo do tipo
não demonstrado. Denúncia rejeitada.
1. O MPF atribui ao denunciado a conduta de, no exercício
do cargo de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado
do Tocantins, ter desviado, em proveito de empresa particular, valor
referente a honorários contratados com a finalidade de custear projeto
de construção da sede da referida Corte Eleitoral.
2. Dos elementos de prova colhidos nos autos, tem-se que
o denunciado tomou todas as cautelas que estavam a seu alcance
para apurar o efetivo valor devido à empresa, não havendo indícios
suficientes para fundamentar um juízo positivo de admissibilidade da
exordial acusatória oferecida contra o acusado.
3. Denúncia rejeitada, nos termos do art. 395, III, do Código de
Processo Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. A
Corte Especial, por unanimidade, rejeitou a denúncia, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi,
João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo Esteves
Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Raul Araújo, Cesar Asfor Rocha,
Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Impedida a Sra. Ministra Laurita Vaz.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
33
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo para compor quórum.
Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Cleber Lopes de
Oliveira.
Brasília (DF), 18 de maio de 2011 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 02.09.2011
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de denúncia oferecida pelo
Ministério Público Federal, da lavra do Subprocurador-Geral da República
Moacir Mendes de Sousa, nos seguintes termos:
O Ministério Público Federal, pelo Subprocurador-Geral da República in fine
assinado, em atenção ao respeitável despacho de fls. 1.372 e com base na NC n.
159-TO em anexo, oferece denúncia contra
1. Carlos Luiz de Souza, brasileiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Tocantins, com endereço no Palácio da Justiça Rio Tocantins, Praça dos
Girassóis, s/n., Palmas-TO;
2. Renato Cintra, brasileiro, casado, funcionário público federal aposentado,
residente e domiciliado na cidade de Palmas-TO;
3. Francisco Augusto Ramos, brasileiro, separado judicialmente, analista
judiciário, natural de Propriá-SE, residente na Alameda 12, Casa 37, Quadra 108
Norte, Palmas-TO;
4. Pedro Lopes Júnior, brasileiro, casado, inscrição no Crea-SP n. 76.712D,
residente e domiciliado na ARSE 13 QI J, Lote 02, Alameda 12, Palmas-TO;
5. Edison Eloy de Souza, brasileiro, casado, solteiro, arquiteto, com endereço
residencial e comercial na Rua dos Chanés, 425, Moema, São Paulo-SP,
pelos fatos a seguir descritos:
O denunciado Carlos Luiz de Souza, contratou os serviços da empresa Modulor
para elaboração do Projeto Arquitetônico do Edifício-Sede do TRE-TO, com
dispensa de licitação sem observância das formalidades legais, previstas no
artigo 25, c.c artigo 13 da Lei n. 8.666/1993, tendo, de outro lado, com o auxílio
dos denunciados Renato e Francisco, pago o preço superfaturado, visto que
34
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
em valor correspondente ao dobro do previsto para o aludido serviço, com o
que desviaram, em proveito alheio, no caso, em benefício da Modulor, dinheiro
público de que tinham a posse em razão do cargo, no valor de R$ 83.995,72
(oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e dois centavos).
Os denunciados Pedro Lopes Júnior e Edison Eloy de Souza, sócios e
administradores da empresa Modulor, concorrendo, comprovadamente, para
a contratação dos serviços com a indevida dispensa de licitação, beneficiaramse com a irregular celebração do contrato com o Poder Público, além de terem
recebido o valor correspondente ao que foi desviado dos cofres públicos, pelos
três primeiros denunciados.
As condutas delituosas ocorreram do seguinte modo:
Os autos dão notícia de que no ano de 1994, o então Presidente do Tribunal
Regional Eleitoral do Estado do Tocantins, Desembargador Amado Cilton Rosa, foi
advertido pelo TSE de que se não houvesse a elaboração do Projeto Arquitetônico
do Edifício-sede do TRE-TO naquele ano, seria impossível a inclusão de verbas
para a construção da referida sede do Tribunal no Orçamento de 1995.
Verificando a impossibilidade de realizar a contratação do arquiteto para a
realização do serviço, o então Presidente da Corte Regional Eleitoral fez expedir
o Ofício n. 589/94-PR, de 05.08.1994, ao então Governador do Estado, Moisés
Avelino, solicitando que lhe fornecesse o Projeto, o que fez acreditando que
o atendimento do pleito seria efetuado mediante a execução do serviço por
técnicos do quadro de pessoal do ente federativo.
No âmbito do Poder Executivo, foi deflagrado procedimento licitatório, na
modalidade Convite n. 583/94 - DEOCI, visando à elaboração do projeto completo
para o Edifício-sede do TRE-TO, com área de 3.900 m², habilitando-se as empresas
Modulor Arquitetura para a Vida S/C Ltda, Design Projetos e Execução e Colombo e
Mariucci Eng. e Construções Ltda, sendo vencedora a Modulor, que cotou o preço
de R$ 71.483,60 (fl. 1.038-1.041), homologado pelo despacho de fls. 1.054, do
Secretário de Estado da Infra-estrutura, em 06 de setembro de 1994. Para realização
dos serviços, foi celebrado o contrato entre a Secretaria Estado da Infra-estrutura Departamento de Obras - e a empresa Modulor Arquitetura para a Vida S/C Ltda (fls.
1.058-1.065). O valor foi empenhado, conforme Nota de Empenho n. 006800000,
emitida em 11 de novembro de 1994 e firmada pelo Secretário de Estado, pelo
Chefe da Seção de Empenho e pelo Coordenador de Finanças (fls. 1.057), sendo
emitida Ordem de Serviço na mesma data (fls. 1.065). Houve um Termo Aditivo ao
contrato, no valor de R$ 14.894,72, decorrente do acréscimo de área de 500 m² e
Projeto de Ar Condicionado (fls. 1.071-2), sendo emitido um segundo Empenho n.
0118.00000, em 20.12.1994, de tal valor. Conforme visto às fls. 1.081.
Os representantes da empresa Modulor, quarto e quinto denunciados,
apresentaram ao TRE-TO um Anteprojeto do Edifício-Sede, o qual foi submetido
à apreciação do Plenário pelo então Presidente Amado Cilton Rosa, sendo que,
na oportunidade, os demais Membros do Tribunal e o Procurador-Regional
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Eleitoral apresentaram sugestões, que importaram em modificações do que havia
sido projetado, tendo a referida empresa apresentado um novo Anteprojeto
com as alterações sugeridas, o qual restou aprovado pelo Plenário, na sessão
extraordinária do dia 10.11.1994 (fls. 801).
O anteprojeto foi encaminhado ao Secretário de Administração, em 18.11.1994,
para a realização das respectivas medições, feitas conforme relatório de fls. 1.068,
sendo elaborada a planilha de pagamento (fls. 1.069).
Tempo depois, o Diretor-Geral do TRE-TO, Wandelmir Rodrigues de Oliveira,
informou ao então Presidente que os Representantes da empresa Modulor o
procuraram solicitando o auxílio para interceder junto ao Estado para a
viabilização do pagamento do serviço executado, sendo que a entrega do Projeto
dependia apenas do cumprimento da obrigação pecuniária, ao que decidiu o
Presidente não adotar qualquer medida nessa direção, sob o argumento de que
a contratação se havia efetivado entre o Estado e a empresa, além do que já
estava chegando ao final de seu mandato, esclarecendo, no entanto, que o TRETO encaminhou ao Senhor Governador do Estado, José Wilson Siqueira Campos,
o Ofício n. 147/95-GP de 17 de março de 1995, firmado pelo então Presidente
da Corte, Desembargador Liberato Póvoa, reiterando pedido de pagamento à
empresa Modulor para que fossem liberadas as plantas, registrando não ter feito
contratação com a empresa Modulor a não ser aquela relativa à confecção da
maquete do Edifício-sede, cujo valor pago foi o de apenas CR$ 2.240,00, serviço
este que foi contratado pelo então Diretor-Geral do Tribunal, Waldemir Rodrigues
de Oliveira, precedido de consulta de preço junto a três empresas do ramo (fl.
552-554).
Com o término do mandato do então Presidente Liberato Póvoa, assumiu a
Presidência, o primeiro denunciado, Des. Carlos Luiz de Souza, no ano de 1996.
Em 06 de dezembro de 1996, exarou despacho determinando que os arquitetos
Pedro e Edison Eloy apresentassem o Projeto de Construção do Edifício-sede do
TRE-TO, cujo anteprojeto já havia sido aprovado, em sessão Plenária, na gestão
anterior (fls. 0103).
Em 14 de novembro de 1996, o quarto denunciado Pedro Lopes, encaminhou
correspondência ao primeiro denunciado informando que os projetos estavam
praticamente prontos e que se tratava de “um projeto com 4.995,50 metros
quadrados que, nos moldes de preço mínimo indicado pela Fundação Getúlio
Vargas para o índice nacional de custos da construção civil, região Norte, em
edifícios deste porte, estão estabelecidos a Quatrocentos e vinte e três reais e
setenta e cinco centavos (R$ 423,75), por metro quadrado, totalizando em valores
de outubro de 1996 em cento e sessenta e sete mil e novecentos e noventa e
hum reais e quarenta e quatro centavos (R$ 167.991,44) correspondendo a oito
por cento (8%) do valor estimado da obra. Em função de que os projetos estão
prontos e para que nosso prejuízo não seja tanto, comprometemo-nos a entregar
os projetos por estes valores mínimos. No aguardo de vossa manifestação,
36
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
externamos protestos de estima. Atenciosamente.” (fls. 105). Diante disso, o
primeiro denunciado, à consideração de se tratar de anteprojeto já aprovado
pelo Tribunal Pleno daquela Corte Eleitoral e sem o pagamento dos honorários
relativos á sua elaboração, determinou a celebração do contrato e pagamento do
serviço com dispensa de licitação, desprezando por completo aquele que havia
sido realizado no âmbito do Poder Executivo, sob o fundamento de tratar-se de
“profissionais especializados, isto é, que o seu nome tenha projeção fora de certos
limites territoriais, que se não possa reunir com facilidade a sua área de atuação”.
(fls. 912). Verifica-se, todavia, que os serviços contratados poderiam ser realizados
por qualquer empresa que se dedicasse à elaboração de projetos arquitetônicos,
tanto assim que no processo licitatório levado a efeito no âmbito do Poder
Executivo e desprezado pelo primeiro denunciado, outras empresas concorreram
ao certame Design e Colombo (fls. 1.053).
Noutra vertente, segundo já havia noticiado nos autos e registrado no
próprio despacho que ratificou a dispensa ou inexigibilidade de licitação, houve
subcontratação, pela empresa Modulor a outras empresas, de grande porte dos
serviços contratados pelo TRE-TO, o que não evidencia nem a singularidade
do objeto nem a notória especialização dos profissionais, descumprindo-se,
desse modo, o § 3º do artigo 13, da Lei n. 8.666/1993, haja vista que “A empresa
de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de
integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento
de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a
garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços
objeto do contrato”.
Assim, o primeiro denunciado, deliberadamente, realizou contrato de prestação
de serviço de alto valor, com dispensa de licitação, quando esta era imprescindível,
fazendo-o para encobrir as irregularidades constatadas no processo, pois chegou
a afirmar, no próprio despacho que ratificou a dispensa de licitação, que as
formalidades previstas na Lei n. 8.666/1993 não foram observadas.
O dolo, no caso, é genérico e resulta da livre vontade de realizar a conduta
fora das determinações legais, em prejuízo do erário público, perfeitamente
demonstrado, tendo em vista que as contas do primeiro denunciado foram
desaprovadas pelo TCU, obrigando-o a ressarcir o erário público do dano causado.
Não satisfeito com a ilegal conduta de determinar a contratação de serviço
sem a necessária licitação, com o auxílio dos segundo e terceiro denunciados,
pagou preço superfaturado pela elaboração do Projeto.
Como já demonstrado, participando do certame licitatório deflagrado pelo
Governo do Estado para elaboração do projeto Arquitetônico do Edifício-sede do
TRE-TO, a empresa Modulor, vencedora do concurso, cotou o preço do serviço em
R$ 71.483,60. Como ocorreu acréscimo de área e posterior elaboração de Projeto
de Ar condicionado, houve um aditivo no valor de R$ 14.674,72.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pois bem. Embora o preço do serviço tenha sido inicialmente cotado pela
própria Modulor em R$ 86.158,32 para uma área de 4.400 m², que elaborou o
Projeto e o submeteu à aprovação do TRE-TO, em novembro de 1994, o primeiro
denunciado deliberou por pagar, praticamente, pelo mesmo serviço - a área
prevista no segundo contrato era de 4.955,50 m² - a importância de R$ 167.991,44.
Pelo projeto que já havia sido elaborado ao preço de R$ 86.156,32, o primeiro
denunciado determinou o pagamento de R$ 167.991,44.
Não bastasse isso, ainda pagou por serviço não prestado.
De fato. Segundo o que foi contratado, a empresa Modulor prestaria serviços
de estudos e projetos, ou seja, a elaboração do Projeto Arquitetônico do Edifíciosede do TRE-TO que, segundo a Tabela de Honorários da FAEASP, utilizada pelos
contratantes, deveriam ser remunerados à razão de 40% dos valores totais de
honorários previstos para uma obra do porte do TRE-TO, ou seja, 10% do toral da
obra, nos termos dos artigos 12 e 13 da aludida Tabela.
Assim, se o valor total da obra era de R$ 2.099.893,10, o valor dos serviços de
estudos e projetos prestados pela Modulor seria de R$ 83.995,72.
Esta foi a conclusão do Acórdão n. 342/2007 - TCU - 1ª Câmara, verbis:
Em verdade, a questão é muito simples. O valor dos serviços foi calculado
com base no art. 12 da Tabela da Faeasp, sem levar em conta o art. 13 do
mesmo instrumento (fls. 74-5). Foi esse deslize que causou o pagamento
em dobro. Senão vejamos:
O art. 12 da mencionada tabela preleciona, litteratim:
artigo 12 - As taxas de honorários atinentes às classe I e II do art.
2º (arquitetura e construção civil), quando calculadas em função do
custo previsto ou efetivo das obras ou serviços, obedecem ao critério
adiante:
Até 70 vezes o salário mínimo 19%
38
No montante de 175 “
16%
“
350 “
15%
“
560 “
14%
“
930 “
13%
“
1.400 “
12%
“
2.500 “
11%
“
3.500 “
10,5%
acima de
5.250”
10%
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
O mencionado art. 13 assim dispões:
Artigo 13 - Dos honorários totais, fixados no art. 12, que se refiram
a trabalhos completos, cabem:
§ 1º - Para obras de serviços e arquitetura de construção civil:
Estudos e projetos
a- Estudo preliminar.......................... 3%
b- Anteprojeto e estimativa........... 8%
c- Projeto e memorial....................... 8%
d- Detalhes de execução..................12%
e- projetos complementares.......... 3%
f- Projetos estruturais........................ 5%
g- Especificação e orçamento.........1%
Execução das Obras
a- Direção e Administração............. 50%
b- Controle de fornecimentos........ 5%
c- Controle contábil............................ 5%
É óbvio concluir que como os serviços prestados pela Modulor referiamse apenas ao grupo estudos e projetos, deveriam ter sido remunerados à
razão de 40% dos Valores totais de honorários previstos para uma obra do
porte do TRE-TO (10% do total da obra).
Ora, se a remuneração por estudos e projetos era de 40% do total
possível de ser cobrado - 10% - logo, aritmeticamente, seria de 4% do total
do valor estimado para a obra (R$ 2.099.893,10) - o que resulta no valor de
R$ 83.995,72.
Desse modo, como o valor pago foi de R$ 167.991,44, concluímos que
houve prejuízo aos cofres públicos, por pagamento a maior dos serviços
prestados pela Modulor Arquitetura para a Vida, no valor de R$ 83.995,72.
O responsável pagou e a empresa Modulor recebeu por serviços não
prestados - execução de obras - visto que sua atuação se deu apenas na
área de estudos e projetos.
Cumpre ressaltar que os cálculos foram feitos com base na própria
tabela utilizada pelo responsável. Não há interpretação, inferência, dedução
ou comparação com outras. Pura e simplesmente a aplicação da tabela (fls.
1.291-1.292).
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
39
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Como demonstrado, o primeiro denunciado, deliberadamente, pagou a maior
por serviços contratados e, o que é pior, não prestados, desviando, desse modo,
dinheiro público, em benefício de terceiros, no valor de R$ 83.995,72.
A Nota de Empenho n. 96NE00686, emitida em 29 de novembro de 1996, no
valor de R$ 167.991,44, foi firmada pelo primeiro denunciado (fls. 749), tendo
também firmado o Contrato de Prestação de Serviços de fls. 750-754.
De seu turno, o segundo denunciado, que assumiu a função de Diretor-Geral
do TRE-TO em meados de março de 1996, permanecendo no cargo até fevereiro
de 1997, contribuiu efetivamente para a consumação da conduta, pois, segundo
consta, foi quem diz ter realizado pesquisa de mercado para subsidiar a fixação
do preço do serviço, pois, quando chamado a se manifestar sobre os valores
cobrados pela Modular, dirigiu-se ao CREA-TO, onde obteve a informação de
que o percentual de 8% calculado sobre o total da obra estava dentro da tabela,
emitindo Parecer informando que aquela quantia se enquadrava na média do
mercado (fl. 0131-0132), desprezando completamente o quanto determinado
nos artigos 12 e 13 da Tabela FAEASP, utilizada nos cálculos, sendo certo que
emitiu a informação que motivou o despacho do Desembargador Presidente que
reconheceu e ratificou a inexigibilidade da licitação (fl. 1.335).
A participação do terceiro denunciado nos fatos decorreu de sua condição
de Secretário de Administração e Orçamento do TRE-TO, tendo em vista que
assinou, juntamente, com o primeiro denunciado, a Nota de Empenho para o
pagamento à Modulor (fls. 749), circunstância que criou a obrigação à Corte
Regional Eleitoral de efetuar dispêndio financeiro indevido em benefício da
empresa prestadora do serviço, quando deveria ter verificado a regularidade
dos valores empenhados, em razão de suas atribuições funcionais, a despeito
de eventualmente ter-lhe chegado às mãos já com a assinatura do Presidente
do TRE-TO, não se tendo havido com a recomendável e necessária diligência no
sentido de ter evitado o pagamento irregular que veio a ser concretizado, mesmo
deste tendo ciência, conforme se acha relatado no seu depoimento prestado à
Procuradoria da República no Estado do Tocantins, em referência feita no Acórdão
do TCU (fl. 1.330).
Os quarto e quinto denunciados, na condição de sócios da empresa Modulor
Arquitetura para a Vida S/C Ltda, celebraram com o Tribunal Regional Eleitoral do
Estado do Tocantins o “contrato de prestação de serviço técnico especializado na
área da construção civil objetivando a realização de projeto do prédio que constituirá
a sede própria do TRE-TO”, tendo-se beneficiado indevidamente da dispensa
de licitação, sendo que, em decorrência, recebeu o valor superfaturado pelos
serviços contratados, completamente dissociado do quando recomendado pela
Tabela de honorários da FAEASP, pois foi remunerado como se tivesse executado
obra quando, na verdade, prestou apenas serviço de estudos e projetos.
O fato é que a ação conjunta de todos os envolvidos contribuiu para que a
Instituição Pública celebrasse irregularmente contrato de prestação de serviços
40
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
visando fosse elaborado Projeto arquitetônico para a construção do Edifício-sede
do TRE-TO, com dispensa de licitação, quando a situação assim o exigia, tanto
que no âmbito da Administração Estadual o processo licitatório se fez instalar, a
despeito de ter sido, posteriormente, desconsiderado, tudo levando a crer que se
deveu ao não pagamento dos serviços originariamente contratados pelo Estado,
para atender pedido do próprio Tribunal Regional Eleitoral.
Não fosse isso bastante, por ocasião do pagamento dos serviços contratados,
os cálculos dos valores devidos foram realizados com base em parâmetros não
condizentes com a própria tabela de honorários profissionais utilizada (tabela
da FAEASP), provocando erro no valor efetivamente dispendido - R$ 167.991,44,
quando deveria ter sido a metade, ou seja, R$ 83.995,72 - com evidente prejuízo
para os cofres públicos, conforme reconhecido pelas decisões proferidas pelo TCU
às fl. 1.286-1.306 (Acórdão n. 3.860/2007) e 1.325/1.336 (Acórdão n. 3.860/2007Recursos de reconsideração).
Assim agindo, o primeiro denunciado incorreu nas sanções do artigo 89 da
Lei n. 8.666/1993 e artigo 312 c.c. artigo 29, ambos, do Código Penal; os segundo
e terceiro denunciados infringiram o artigo 312 c.c. artigo 29, ambos, do Código
Penal, e os quarto e quinto denunciados incidiram nas penas dos artigos 89,
parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993 e 312 c.c. artigo 29, ambos, do Código Penal,
razão porque requer o Ministério Público Federal seja processada esta denúncia
e instaurada a competente ação penal contra Carlos Luiz de Souza, Renato Cintra,
Francisco Augusto Ramos, Pedro Lopes Júnior e Edison Eloy de Souza e que deverão
ser notificados para os fins do artigo 4º da Lei n. 8.038/1990, prosseguindo-se nos
ulteriores termos, com o recebimento da indicial acusatória, citação dos acusados
para os demais atos do processo, até decisão final condenatória, ouvindo-se, na
instrução, as pessoas adiante arroladas.
Outrossim, tendo-se em conta que os segundo, terceiro, quarto e quinto
denunciados não possuem privilégio de foro, a justificar que em relação a eles
os fatos sejam apreciados e julgados por essa C. Corte Superior, requer-se o
desmembramento do processo, com a remessa de cópia dos autos à Justiça
Comum Estadual, para as providências cabíveis.
(fl. 1.452-1.462)
Notificados, os denunciados apresentaram resposta preliminar (Francisco
Augusto Ramos - fl. 1.507-1.539; Carlos Luiz de Souza - fl. 1.542-2.077; Renato
Cintra - fl. 2.143-2.156; Edison Eloy de Souza - fl. 2.248-2.278; Pedro Lopes
Júnior - fl. 2.313-2.318).
O denunciado Carlos Luiz de Souza, antes de adentrar no exame das
imputações feitas pelo MPF, tece considerações sobre o contexto em que se deu
a contratação da empresa responsável pela elaboração do projeto arquitetônico
do TRE-TO, aduzindo que:
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
41
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a) quando assumiu a Presidência do TRE do Estado do Tocantins, as
instalações físicas do referido órgão “eram totalmente inadequadas, contando
com estrutura deficiente e cara, vez que eram pagos R$ 8.000,00 mensais a
título de aluguel”;
b) o projeto já estava pronto, tendo sido contratado pela administração
anterior. Contudo, ante a inexistência de pagamento, o projeto não foi entregue;
c) vislumbrando a perda de verba alocada no Orçamento da União para a
construção do prédio havia a necessidade de se dar celeridade a essa obra;
d) o escritório contratado pertence a um dos arquitetos responsáveis pela
construção da capital;
e) o Projeto arquitetônico foi elaborado durante a presidência de
Desembargador Amado Cilton, tendo o réu apenas realizado o pagamento à
empresa Modulor.
Traçadas essas considerações, o acusado Carlos Luiz de Souza passa a
examinar as acusações deduzidas pelo parquet, arguindo, em preliminar, a
inépcia da denúncia em relação ao crime do art. 312 do Código Penal, sob o
argumento de que inexiste qualquer indicação objetiva de responsabilização do
réu.
Alega que a exordial acusatória não indica nenhum elemento material ou
prova do peculato, em flagrante violação do direito de defesa do acusado. Neste
ponto, cita o HC n. 88.359, decidido pelo Min. Cezar Peluso.
Argui a prescrição do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993,
aduzindo que enquanto o ato de dispensa da licitação é datado de 06.12.1996, a
denúncia foi oferecida em 03.04.2009, posteriormente, portanto, à data em que
a prescrição se consumou (07.12.2008).
Afirma que a denúncia deve ser rejeitada, sob o argumento de que não
houve superfaturamento tampouco dano ao erário. Assevera que a questão
ora examinada foi objeto de ação de improbidade administrativa (Autos n.
2002.43.00.000003-5, processo que tramitou junto à 2ª Vara Federal de PalmasTO), demanda na qual, após longa instrução processual, concluiu-se pela
inexistência de superfaturamento.
Alega que, verificando o laudo do TC n. 013.054/2002-5 (fl. 196), chegase à conclusão de que o valor correto a ser cobrado seria de 4% sobre o valor
da obra, sendo que os documentos de fl. 599-602 deixam claro que o preço do
serviço ficou em 3,54% do valor da obra.
42
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Afirma que tomou o cuidado de determinar ao denunciado Renato Cintra,
Diretor-Geral do TRE-TO à época dos fatos, que efetivasse pesquisa para
constatação do valor, certificando aquele acusado que o montante cobrado era
condizente com os valores de mercado.
Assevera que o CREA-TO informou, inclusive, que o índice de 3,54% está
dentro do índice nacional de preços para a realização de projetos arquitetônicos
que, segundo a referida autarquia, varia entre 4% e 12%. Aduz que o IAB-TO
consignou em Ofício juntado aos autos, que o valor praticado está dentro dos
parâmetros estabelecidos pelo Instituto de Arquitetos do Brasil.
Afirma que o Sr. José Eduardo Matheus Évora (funcionário do TSE,
responsável pela fiscalização da obra), em depoimento prestado ao Juízo da 2ª
Vara Federal de Palmas, declarou que não constatou nenhuma irregularidade na
obra do prédio do TRE-TO.
Afirma que o dano é elemento indispensável para a configuração dos
crimes supostamente praticados pelo réu. Cita a APn n. 261-PB, a APn n. 375AP e a APn n. 281-RR.
Alega que a denúncia não descreve de forma objetiva qualquer apropriação
ou desvio de verba praticado pelo réu. Assevera que o serviço foi contratado,
prestado, tendo o valor sido pago dentro do preço de mercado.
Afirma que a dispensa de licitação foi efetivada em obediência aos
requisitos previstos no art. 25 da Lei n. 8.666/1993.
Alega que o cálculo referente aos honorários decorrentes da elaboração dos
projetos não foram aleatórios ou superfaturados como descreve o MPF, tendo a
verba sido calculada a partir de consulta a tabela do próprio CREA-TO.
Afirma, ainda, que não há na denúncia um único elemento capaz de
demonstrar o vínculo associativo entre os acusados.
Por fim, requer a absolvição sumária do denunciado, nos termos do art.
395, III, do Código de Processo Penal.
Na resposta apresentada por Edison Eloy de Souza, o denunciado pugnou
pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime
tipificado no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa irregular de licitação).
Ouvido, o MPF opinou favoravelmente à decretação da prescrição (fl.
2.285-2.288), razão pela qual, em decisão de fl. 2.299-2.300, deferi o pedido do
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
43
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acusado, estendendo os efeitos da extinção da punibilidade do crime previsto no
art. 89 da Lei n. 8.666/1993 aos demais denunciados.
Atendendo a requerimento ministerial formulado na exordial acusatória,
determinei, com fulcro no art. 80 do CPP, o desmembramento da presente
ação penal, preservando a competência do STJ para julgar exclusivamente o
denunciado Carlos Luiz de Souza, Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Tocantins (fl. 2.333-2.334).
Notificado para os termos do art. 221, caput, do RISTJ, o MPF consignou
que os documentos juntados pela defesa não infirmam a peça acusatória.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Verificada a prescrição do
crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 (decisão de fl. 2.299-2.300) e
tendo em vista o desmembramento por mim determinado às fl. 2.333-2.334,
resta para exame desta Corte a análise em torno da admissibilidade da denúncia
oferecida pelo MPF contra Carlos Luiz de Souza, o único com foro especial
nesta Corte.
Imputa-se ao acusado a prática do delito de peculato-desvio, tipificado no
art. 312, caput (2ª figura), do Código Penal, abaixo transcrito:
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer
outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo,
ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Sobre a adequação típica do delito de peculato-desvio, colho a seguinte
lição de Cezar Bittencourt:
O verbo núcleo desviar tem o significado, neste dispositivo legal, de alterar o
destino natural do objeto material ou dar-lhe outro encaminhamento, ou, em outros
termos, no peculato-desvio o funcionário público dá ao objeto material aplicação
diversa da que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de outrem.
(Tratado de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. P. 13).
Acerca do elemento subjetivo do tipo, o mencionado doutrinador preceitua que:
44
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Elemento subjetivo do crime de peculato é o dolo, constituído pela vontade de
transformar a posse em domínio (...) O dolo deve abranger todos os elementos
configuradores da descrição típica, sejam eles fáticos, jurídicos ou culturais.
(...)
É indispensável a presença do elemento subjetivo do tipo, representado
pelo especial fim de agir (em proveito próprio ou alheio), presente em todas as
modalidades.
(op. cit, p. 16-17).
Feitas essas considerações, depreende-se que o MPF acusa o denunciado
de, no exercício do cargo de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do
Estado do Tocantins, ter desviado em proveito da empresa Modulor o valor de
R$ 83.995,72 (oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e setenta e
dois centavos), referente aos honorários pela execução do Projeto da construção
da referida Corte Eleitoral.
Afirma que, nos termos dos arts. 12 e 13 da Tabela da FAEASP (Federação
das Associações de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São
Paulo), os honorários para elaboração do Projeto arquitetônico deveriam ser
calculados à razão de 4% do valor total da obra (orçada em R$ 2.099.893,10)
e não em 8% do valor da obra, conforme indicado pela empresa Modulor, valor
com o qual anuíram os denunciados Carlos Luiz de Souza e Renato Cintra (então
Diretor-Geral do TRE-TO).
O parquet assevera que o denunciado Carlos Luiz de Souza, ao concordar
com o percentual cobrado pela Modulor, praticou o crime de peculato-desvio,
já que autorizou o pagamento de R$ 167.991,44 em benefício da mencionada
empresa quando, na verdade, o valor dos honorários devidos em razão da feitura
do projeto era de R$ 83.995,72.
Demonstrada a acusação feita pelo parquet, observa-se dos autos, que o
denunciado Carlos Luiz de Souza, enquanto Presidente do TRE-TO, contratou
a empresa Modulor para realização de estudos e projetos arquitetônicos com
vistas à construção da futura sede da Corte Eleitoral (vale frisar que, conforme
consta da peça acusatória, esta empresa já havia sido selecionada pelo Poder
Executivo Estadual para elaboração do projeto completo do edifício sede do
TRE, obra aprovada pelo Pleno do TRE no ano de 1994, mas que não foi
levada a termo em razão do fim do mandato do então Presidente do Tribunal,
Des. Amado Cilton).
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
45
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Contratada a empresa, o denunciado Carlos Luiz de Souza expediu, no dia
06.11.1996, ofício aos sócios da Modulor, solicitando que fosse apresentado o
Projeto (fl. 103), providência atendida pelos quarto e quinto denunciados às fl. 105,
documento no qual informam ao então Presidente do TRE-TO a dimensão do
prédio e os honorários devidos pela execução do projeto, totalizando o montante
de R$ 167.991,44 (cento e sessenta e sete mil, novecentos e noventa e um reais e
quarenta e quatro centavos), correspondente a 8% do valor total da obra.
Constata-se, então, que Carlos Luiz de Souza remete os autos do processo
administrativo ao Diretor-Geral do TRE-TO, Renato Cintra, para que emita
parecer sobre o montante cobrado, oportunidade em que este denunciado
concorda com o valor proposto pela empresa Modulor, aduzindo que “após
exaustivas pesquisas unto a profissionais da área de engenharia e arquitetura nesta
cidade de Palmas, uma vez que o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de
Tocantins - CREA-TO não possui tabela própria, pude constatar que o percentual
cobrado por aqueles profissionais no tocante a Projeto e Memoriais oscila entre 5%
cinco por cento) e 10% (dez por cento).
Tal fato nos leva a crer que o percentual de 8% (oito por cento) cobrado pelo autor
dos projetos e complementos identificado nestes autos está dentro da média razoável
praticada nesta capital.” (fl. 131-132).
Da leitura dos autos, observa-se que os autos do processo administrativo
retornam ao então Presidente Carlos Luiz de Souza que, amparado no parecer
emitido pelo Diretor-Geral do TRE-TO, determina a emissão de nota de
empenho para que seja feito o pagamento dos valores cobrados pela empresa
Modulor a título de honorários pela elaboração do projeto do edifício-sede da
citada Corte Regional (fl. 143-146).
Exposto o trâmite do processo administrativo instaurado no âmbito do
TRE-TO com a finalidade de apurar o valor devido à empresa Modulor a título
de verba honorária, entendo que não há elementos suficientes para fundamentar
um juízo positivo de admissibilidade da exordial acusatória oferecida contra
Carlos Luiz de Souza.
Deflui-se dos autos, que o denunciado Carlos Souza, no exercício do cargo
de Presidente do referido Tribunal Regional, tomou todas as cautelas que
estavam a seu alcance para apurar o efetivo valor devido à empresa Modulor.
Entendo que não se mostra razoável exigir de um Presidente do Tribunal
Regional Eleitoral o conhecimento técnico necessário para apurar o valor
devido a título de honorários em razão da elaboração de projeto de arquitetura.
46
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Carlos Luiz de Souza autorizou o pagamento da verba honorária no valor
de R$ R$ 167.991,44, em razão de parecer emitido pelo Diretor-Geral do
TRE-TO (servidor que tinha a atribuição de empreender diligências com a
finalidade de aferir o real valor devido à Modulor).
Advirto que o fato do TCU (Acórdão n. 342/2007 - fl. 1.614-1.640) ter
julgado irregulares as contas prestadas pelo denunciado Carlos Luiz de Souza
quando do exercício do cargo de Presidente do TRE-TO, condenando-o,
solidariamente com Renato Cintra, ao pagamento da quantia de R$ 83.995,72
(oitenta e três mil, novecentos e noventa e cinco reais e setenta e dois centavos),
não vincula de forma alguma o exame em torno da adequação típica do
delito imputado ao réu nestes autos, análise que, em razão do princípio da
independência das instâncias, deve ser feita à luz do princípio da culpabilidade
vigente no Direito Penal.
Dos elementos de prova colhidos nos autos, não se pode extrair a conclusão
de ter o denunciado Carlos Luiz de Souza agido (seja a título de dolo ou de culpa
- fato que caracterizaria crime de peculato culposo) com o objetivo de desviar
dinheiro público em prol da empresa Modulor. Se houve falha no cálculo da
verba honorária (decorrente de dolo ou culpa), esta decorreu de conduta do
então Diretor-Geral do TRE-TO, denunciado que, diante do desmembramento
do processo, será processado pelo Juízo Federal da Seção Judiciária do Estado
do Tocantins-TO.
Com essas considerações, nos termos do art. 395, III, do CPP, rejeito a
denúncia oferecida contra Carlos Luiz de Souza.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE
SENTENÇA N. 1.333-DF (2011/0004817-7)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Agravante: Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza
Advogado: Guilherme Navarro e Melo e outro(s)
Agravado: União
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
47
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Requerido: Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da
1ª Região
EMENTA
Suspensão de execução de sentença. Incorporação de quintos
referentes ao exercício de funções comissionadas anteriores ao ingresso na
magistratura. Na Ação Rescisória n. 4.085-DF, tendo por objeto a
decisão monocrática proferida no Recurso Especial n. 897.177-DF, a
Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, deferiu o
pedido de antecipação dos efeitos da tutela para “suspender até o final
desta ação rescisória, a execução do acórdão rescindendo” (DJe de
27.06.2011). Suspensa a execução do acórdão rescindendo no âmbito
da ação rescisória, já não subsiste o título executivo.
Pedido de suspensão e agravo regimental julgados prejudicados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, julgar prejudicados o agravo regimental e o pedido de suspensão,
nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp,
Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami
Uyeda, Maria Thereza de Assis Moura e Benedito Gonçalves votaram com
o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Cesar
Asfor Rocha, Eliana Calmon, Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e
Teori Albino Zavascki e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Humberto Martins.
Convocado o Sr. Ministro Benedito Gonçalves para compor quórum. Presidiu o
julgamento o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 1º de julho de 2011 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJe 28.09.2011
48
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a seguinte
decisão, in verbis:
1. Os autos dão conta de que a Associação dos Juízes Federais do Brasil ajuizou
ação ordinária contra a União, requerendo a incorporação de “quintos referentes
ao exercício de funções comissionadas anteriores ao ingresso na magistratura
como vantagens pessoais dos juízes federais representados” (fl. 279).
Julgado improcedente o pedido pelas instâncias ordinárias (fl. 292-299,
301-314 e 317-321), o Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática
do Ministro Gilson Dipp, deu provimento ao recurso especial (fl. 327-331) - que
transitou em julgado.
Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza ajuizou ação de execução individual
contra a União (fl. 234-237). O MM. Juiz Federal Substituto da 3ª Vara da Seção
Judiciária do Distrito Federal, Dr. Pablo Zuniga Dourado, proferiu a seguinte
decisão:
O título executivo decorreu de decisão do Superior Tribunal de Justiça
que se limitou a confirmar o pedido inicial do processo principal (Processo
n. 2002.34.002641-2).
Diante do curso processual acima relatado, é necessária prolação de
decisão integrativa a fim de garantir o cumprimento da decisão do Superior
Tribunal de Justiça e evitar tumulto processual.
Em primeiro lugar, a sistemática remuneratória dos magistrados sofreu
profunda alteração com a fixação do subsídio da magistratura nacional, em
parcela única, pela Lei n. 11.143, de 26 de julho de 2005, a qual, em virtude
do disposto no inciso XI do art. 37 da Constituição, estabeleceu o teto
remuneratório para todo funcionalismo público.
No que se refere especificamente à Magistratura, o Conselho Nacional de
Justiça, por meio da Resolução n. 13, de 21 de março de 2006, regulamentou
a questão:
Art. 3º O subsídio mensal dos Magistrados constitui-se
exclusivamente de parcela única, vedado o acréscimo de qualquer
gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou
outra espécie remuneratória, de qualquer origem.
Art. 4º Estão compreendidas no subsídio dos magistrados e por ele
extintas as seguintes verbas do regime remuneratório anterior:
(...)
VII - vantagens de qualquer natureza, tais como:
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
49
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(...)
c) vantagens pessoais e as nominalmente identificadas (VPNI);
(...)
f ) quintos; e (...).
Assim, até mesmo diante da natureza rebus sic stantibus da coisa julgada,
pois trata de relação jurídica de trato sucessivo (art. 471, I, CPC), a obrigação
de fazer deve ser cumprida com respeito ao “teto constitucional” (art. 37, XI,
Constituição Federal c.c. Lei n. 11.143, de 26 de julho de 2005, e Resolução
n. 13 do Conselho Nacional de Justiça).
No que tange à obrigação de pagar quantia certa, o valor postulado
a título de atrasados devem ser corrigidos monetariamente, conforme
Manual de Cálculos da Justiça Federal, consoante expressamente postulado
e acrescido de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês (Lei n. 9.494,
de 10 de setembro de 1997, Art. 1º F. Os juros de mora, nas condenações
impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias
devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar
o percentual de seis por cento ao ano), contados a partir da citação,
embora não postulados, conforme determina entendimento sumulado
do Supremo Tribunal Federal sobre a questão (Súmula n. 254: Incluem-se
os juros moratórios na liquidação, embora omisso o pedido inicial ou a
condenação).
Ante o exposto, determino:
a) a expedição de ofício ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, para
incorporação, nos vencimentos da Exequente, do valor relativo aos quintos
a que tem direito, a contar da data em que ingressou na magistratura, até
o limite do “teto constitucional” (art. 37, XI, Constituição Federal c.c. Lei n.
11.143, de 26 de julho de 2005, e Resolução n. 3 do Conselho Nacional de
Justiça);
b) que a execução de quantia certa contra a Fazenda Pública prossiga
com os seguintes parâmetros: o valor executado a título de atrasados deve
ser corrigido monetariamente, conforme Manual de Cálculos da Justiça
Federal e acrescido de juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês,
contados a partir da citação (fl. 342-344).
A União opôs embargos à execução e, concomitantemente, atravessou petições
nos autos da execução, alegando, dentre outras questões, a inexigibilidade da
obrigação de fazer (fl. 361-364 e 365-375), seguindo-se a seguinte decisão:
A União juntou petição às fls. 165-168 e 169-179 requerendo que fosse
determinado o desfazimento da obrigação de fazer do titulo exeqüendo:
50
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
a remessa dos autos a contadoria para a conferência dos cálculos, a
suspensão dos processos de pagamento das requisições de pagamento
expedidas, mesmo na hipótese de valores depositados mas ainda não
sacados e a intimação do exeqüente, para devolução de eventual diferença
encontrada pela Contadoria.
Intimada a parte exeqüente se manifestou às fls. 184-198, requerendo
o indeferimento de todos os requerimentos da União, bem como o
desentranhamento da petição de fls. 130-164 para juntada nos autos dos
embargos, a fim de poder exercer o seu direito de impugnação naquele
processo.
Verifico que a União pretende, em verdade, rediscutir a coisa julgada por
via inadequada - simples petição -, e intempestivamente, pois não agravou
da decisão integrativa do acórdão.
Não há mais espaço para possíveis questionamentos acerca da sentença
convolada em título executivo. Transitado em julgado, o comando judicial
deve ser observado em sua integralidade, sob pena de inaceitável ofensa à
coisa julgada.
Caso os critérios eleitos pelo sentenciante do processo se mostrarem
equivocados, cabe à União, no momento oportuno, esgrimir com tais
alegações.
Os argumentos alinhavados somente seriam possíveis enquanto
pendente de julgamento o próprio processo cognitivo. A União não
alegou essas questões em nenhuma das instâncias recursais. Não é crível
que pretenda, somente agora, furtar-se de cumprir a decisão judicial
soberanamente imutabilizada, a pretexto de não poder pagar mais do que
supõe ter efetivamente devido.
Ademais, é completamente desarrazoada a pretensão da executada
no sentido de que, em última análise, seja empresada uma interpretação
distorcida ao comando judicial perfectibilizado, a fim de que possa ser ele
adequado aos seus interesses de caixa.
É claro que nas condenações voltadas à expropriação do patrimônio público
todo o cuidado deve ser observado, a fim de se evitar uma indevida usurpação
daquilo que verdadeiramente pertence a toda sociedade. Entretanto, mais
danosa à sociedade do que um possível prejuízo ao patrimônio público em
razão do cumprimento de uma decisão judicial é a vulneração que a União
pretende fazer incidir sobre um dos mais basilares princípios do Estado
Democrático de Direito, qual seja, o do respeito à coisa julgada.
O processo (fase) de execução deve seguir o iter previamente traçado na
fase de conhecimento, razão pela qual não há razoabilidade na tentativa de
- a fim de se fazer prevalecer entendimento pessoal (seja do executado, seja
do julgador) em derredor da matéria já decidida -, amesquinhar-se a decisão
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
51
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
anterior com interpretações que com ela não se mostrem condizentes (AC
n. 2006.38.10.002186-5-MG).
Na sentença em primeira instância foi julgado improcedente o pedido da
parte autora, sob o fundamento de não ser possível a incorporação, como
agora quer a União, ato esse mantido em segunda instância. Contudo, em
sede de recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao
recurso, em 28.11.2006, possibilitando, assim, a incorporação dos quintos
pretendida pela Associação dos Juízes Federais (autora).
A Resolução n. 13, de 21.03.2006, do CNJ já estava em vigor quando
da prolação do acórdão. Contudo, o STJ determinou a incorporação dos
quintos aos subsídios dos magistrados. Não é mais cabível discussão acerca
da obrigação de fazer, tendo em vista o manto da coisa julgada. Como
dito alhures, é irrelevante o entendimento do Juízo acerca da demanda no
processo de conhecimento.
A decisão de primeira instância integrativa da execução do julgado
apenas fixou os parâmetros. Ordenou ao órgão a que está vinculado
cada beneficiário que cumpra a decisão transitada em julgado do STJ incorporação de quintos ao subsídio -, com observância do limite do teto
constitucional. Não houve agravo por qualquer das partes.
O juiz acha-se adstrito à imutabilidade da coisa julgada e ao conteúdo
do título executivo. Não merece acolhida a argüição de inexigibilidade da
obrigação de fazer. Se há inconformismo com a coisa julgada, pertinente
será o pedido de sua modificação por meio de ação própria, posto que
simples petição não se presta a reexame de matéria de mérito (fl. 393-396).
A União interpôs agravo de instrumento (fl. 206-231), a que foi negado
seguimento (fl. 440-441) - decisão atacada por agravo regimental, pendente de
julgamento.
Ajuizado, então, pedido de suspensão de execução de sentença perante
o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, foi indeferido à base da seguinte
motivação:
Não satisfeita com as várias decisões que lhe foram desfavoráveis,
vem à Presidência deste Tribunal pleitear o afastamento da efetividade
do título executivo judicial. Ocorre que a suspensão de execução de
sentença condenatória já transitada em julgado é incompatível com o
instrumento jurídico cautelar previsto nos arts. 4º da Lei n. 8.437/1992 e
15 da Lei n. 12.016/2009. O § 9º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992 ilustra essa
incompatibilidade ao prever que “a suspensão deferida pelo Presidente do
tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação
principal”. Nesse sentido já decidiram o Superior Tribunal de Justiça e o
Supremo Tribunal Federal (fl. 447-448).
52
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
2. Sobreveio o presente pedido de suspensão de liminar e sentença ajuizado
pela União, alegando grave lesão à ordem público-administrativa, econômica e
jurídica (fl. 01-31).
Lê-se na petição:
(...) o título executivo de forma alguma preceitua os parâmetros a serem
fixados na conta de liquidação. Isso porque a decisão monocrática do e.
Superior Tribunal de Justiça que transitou em julgado apenas declarou
o direito dos associados. Nada mais, não fixou os limites temporais, nem
as condições a que seja cumprido o julgado. Portanto, tais matérias são
perfeitamente discutíveis em sede de execução (fl. 25-26).
Por todo o exposto, pode-se concluir que:
a) A manutenção dos efeitos da decisão acarreta grave lesão à ordem
público-administrativa e à ordem econômica, bem como à ordem jurídica.
b) Do ponto de vista da ordem público-administrativa, a decisão
tumultua o sistema de remuneração dos juízes federais, cuja administração
compete ao Conselho de Justiça Federal, nos termos do art. 106, par. único,
inc. II, da CF/1988, impondo o pagamento de vantagens que se mostrarão
indevidas à exequente.
c) Quanto à ordem econômica, a manutenção da decisão acarreta o
desembolso mensal de vultosas quantias que se mostram indevidas, em
razão das alegações já trazidas à baila na presente peça.
d) A decisão causa grave lesão também à ordem jurídica, em razão
da violação frontal aos normativos mencionados, em especial à Emenda
Constitucional n. 41/2003, Lei n. 11.474/2002, Lei n. 11.143/2005 e
Resolução do CNJ n. 13.
e) A incorporação em apreço encontra-se ainda pendente de definição
em razão da interposição do Agravo de Instrumento n. 005667906.2010.4.01.0000-TRF1 e do ajuizamento da Ação Rescisória n. 4.085-STJ,
ambos pela União (fl. 30-31).
3. Importantes que sejam as razões que a justificaram, a decisão que
a União quer inibir foi atacada por recurso pendente de julgamento, e tudo
recomenda que os efeitos dela sejam sustados até que se opere o trânsito em
julgado. É preciso que isso fique claro: há fato novo a ser examinado no agravo
de instrumento, qual seja, a proibição, no regime atual de remuneração de
magistrados, da acumulação de subsídios com gratificações. Repita-se: fato
novo superveniente ao julgamento das instâncias ordinárias, e portanto não
examinado no recurso especial. Lesão, e grave, resultará à economia pública se o
agravo de instrumento ou eventual recurso subseqüente for provido.
Defiro, por isso, o pedido de suspensão (fl. 450-454).
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
53
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A teor das razões:
A inadequação da via eleita pela União Federal decorre de duas razões
inafastáveis, data venia: (i) não se trata de sentença proferida em processo de ação
cautelar, ação popular ou ação civil pública e (ii) não se trata de sentença ainda
passível de recurso, eis que já transitada em julgado.
Com efeito, a decisão exequenda foi proferida em ação ordinária, no Recurso
Especial n. 897.177, da relatoria do Ministro Gilson Dipp, contra a qual não houve
qualquer recurso por parte da União Federal, transitando livremente em julgado.
Inegável, portanto, que a ela não se aplica o permissivo do art. 271 do RISTJ ou
mesmo do § 1º do art. 4º da Lei n. 8.437/1992 (fl. 487).
De início, é importante reiterar que não houve, rigorosamente, qualquer
alteração seja da situação fática, seja da situação jurídica da Exequente que
pudesse atrair a incidência do disposto no inciso I do art. 471 do Código de
Processo Civil.
É que quando deferido o pleito da Ajufe, em sede de recurso especial, em
28.11.2006, já se encontrava em plena vigência a Resolução n. 13-CNJ, datada
de 21 de março de 2006, conforme observado pela Desembargadora Federal
Relatora dos agravos de instrumento interpostos pela União Federal e pelo
Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nas decisões que negaram
seguimento aos agravos e à suspensão de segurança. Logo, não há que se falar
em mudança de situação jurídica por fato antecedente ou superveniente ao
julgado exequendo.
O que a União Federal busca, na verdade, é obter o que não conseguiu na
execução, nos embargos, nos agravos interpostos contra decisões que lhe foram
desfavoráveis e na Ação Rescisória n. 4.085, na qual a Relatora, Ministra Jane
Silva, Desembargadora convocada do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, negou
a tutela antecipada para a suspensão de todas as execuções em andamento (fl.
391-393).
Ademais, frise-se mais uma vez que a União Federal falta com verdade
processual ao omitir que quedou-se inerte ao não interpor recurso próprio em
face da decisão integrativa de fl. 343-345, que fixou os parâmetros da execução
e determinou a incorporação dos “quintos” nos vencimentos da exequente, ora
agravante.
E ainda que tivesse ocorrido a alegada modificação da situação fática ou
jurídica, a situação da cláusula rebus sic stantibus para se buscar a reforma ou
mesmo supressão da sentença exequenda deve ser feita em ação própria, e não
em simples petição nos autos da execução, mormente quando nada se alegou a
respeito em sede de embargos nem se recorreu da decisão integrativa (fl. 488489).
54
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Por outro lado, também quanto ao seu mérito, não há de prosperar a pretensão
da União Federal e, por via de consequência, merece ser reconsiderada ou cassada
a decisão agravada, e isso por duas razões.
A uma porque os denominados “quintos” não constituem remuneração, mas
vantagem pessoal que não se confunde com verba remuneratória a que se refere
a Constituição Federal em seu art. 39, § 4º. Perfeitamente possível, pois, aliás,
como reconhecido judicialmente, seu pagamento juntamente com os subsídios
devidos aos juízes federais.
(...)
A duas, porque está sendo observado o teto constitucional. De fato, em que
pese não possuir caráter remuneratório, e não podendo, por isso mesmo, ser
suprimida pelo advento da Resolução n. 13, do CNJ, a incorporação dos “quintos”
está observando, rigorosamente, o teto constitucional regulamentado pelo
mencionado normativo, cumprindo à risca o quanto determinado na decisão de
fl. 343-345.
Por fim, registre-se que não há grave lesão à ordem pública ou econômicoadministrativa como sustentado pela Requerente, na medida em que a
incorporação da exequente - deferida judicialmente -, ora agravante, importa em
despesa mensal de apenas R$ 5.495,10, (conforme se depreende das certidões
às fl. 357 e 239). Não é crível que tal valor venha a causar grave lesão às finanças
públicas (fl. 489-491).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): 1. A Associação dos Juízes
Federais do Brasil ajuizou ação ordinária contra a União, requerendo a
incorporação de “quintos referentes ao exercício de funções comissionadas
anteriores ao ingresso na magistratura como vantagens pessoais dos juízes
federais representados” (fl. 279).
Julgado improcedente o pedido pelas instâncias ordinárias (fl. 292-299,
301-314 e 317-321), o Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática do
Ministro Gilson Dipp, deu provimento ao recurso especial (fl. 327-331) - que
transitou em julgado.
Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza ajuizou ação de execução
individual contra a União (fl. 234-237). O MM. Juiz Federal Substituto da
3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dr. Pablo Zuniga Dourado,
proferiu decisão, determinando:
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
55
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a) a expedição de ofício ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, para
incorporação, nos vencimentos da Exequente, do valor relativo aos quintos a que
tem direito, a contar da data em que ingressou na magistratura, até o limite do
“teto constitucional” (art. 37, XI, Constituição Federal c.c. Lei n. 11.143, de 26 de
julho de 2005, e Resolução n. 3 do Conselho Nacional de Justiça);
b) que a execução de quantia certa contra a Fazenda Pública prossiga com os
seguintes parâmetros: o valor executado a título de atrasados deve ser corrigido
monetariamente, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal e acrescido de
juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, contados a partir da citação (fl.
344).
A União opôs embargos à execução e, concomitantemente, atravessou petições
nos autos da execução, alegando, dentre outras questões, a inexigibilidade da
obrigação de fazer (fl. 361-364 e 365-375), seguindo-se a seguinte decisão:
A União juntou petição às fls. 165-168 e 169-179 requerendo que fosse
determinado o desfazimento da obrigação de fazer do titulo exeqüendo: a
remessa dos autos a contadoria para a conferência dos cálculos, a suspensão
dos processos de pagamento das requisições de pagamento expedidas, mesmo
na hipótese de valores depositados mas ainda não sacados e a intimação do
exeqüente, para devolução de eventual diferença encontrada pela Contadoria.
Intimada a parte exeqüente se manifestou às fls. 184-198, requerendo
o indeferimento de todos os requerimentos da União, bem como o
desentranhamento da petição de fls. 130-164 para juntada nos autos dos
embargos, a fim de poder exercer o seu direito de impugnação naquele processo.
Verifico que a União pretende, em verdade, rediscutir a coisa julgada por
via inadequada - simples petição -, e intempestivamente, pois não agravou da
decisão integrativa do acórdão.
Não há mais espaço para possíveis questionamentos acerca da sentença
convolada em título executivo. Transitado em julgado, o comando judicial deve
ser observado em sua integralidade, sob pena de inaceitável ofensa à coisa
julgada.
Caso os critérios eleitos pelo sentenciante do processo se mostrarem
equivocados, cabe à União, no momento oportuno, esgrimir com tais alegações.
Os argumentos alinhavados somente seriam possíveis enquanto pendente
de julgamento o próprio processo cognitivo. A União não alegou essas questões
em nenhuma das instâncias recursais. Não é crível que pretenda, somente agora,
furtar-se de cumprir a decisão judicial soberanamente imutabilizada, a pretexto
de não poder pagar mais do que supõe ter efetivamente devido.
Ademais, é completamente desarrazoada a pretensão da executada no sentido
de que, em última análise, seja empresada uma interpretação distorcida ao
56
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
comando judicial perfectibilizado, a fim de que possa ser ele adequado aos seus
interesses de caixa.
É claro que nas condenações voltadas à expropriação do patrimônio público
todo o cuidado deve ser observado, a fim de se evitar uma indevida usurpação
daquilo que verdadeiramente pertence a toda sociedade. Entretanto, mais
danosa à sociedade do que um possível prejuízo ao patrimônio público em razão
do cumprimento de uma decisão judicial é a vulneração que a União pretende
fazer incidir sobre um dos mais basilares princípios do Estado Democrático de
Direito, qual seja, o do respeito à coisa julgada.
O processo (fase) de execução deve seguir o iter previamente traçado na
fase de conhecimento, razão pela qual não há razoabilidade na tentativa de
- a fim de se fazer prevalecer entendimento pessoal (seja do executado, seja
do julgador) em derredor da matéria já decidida -, amesquinhar-se a decisão
anterior com interpretações que com ela não se mostrem condizentes (AC n.
2006.38.10.002186-5-MG).
Na sentença em primeira instância foi julgado improcedente o pedido da
parte autora, sob o fundamento de não ser possível a incorporação, como agora
quer a União, ato esse mantido em segunda instância. Contudo, em sede de
recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, em
28.11.2006, possibilitando, assim, a incorporação dos quintos pretendida pela
Associação dos Juízes Federais (autora).
A Resolução n. 13, de 21.03.2006, do CNJ já estava em vigor quando da
prolação do acórdão. Contudo, o STJ determinou a incorporação dos quintos aos
subsídios dos magistrados. Não é mais cabível discussão acerca da obrigação de
fazer, tendo em vista o manto da coisa julgada. Como dito alhures, é irrelevante o
entendimento do Juízo acerca da demanda no processo de conhecimento.
A decisão de primeira instância integrativa da execução do julgado apenas
fixou os parâmetros. Ordenou ao órgão a que está vinculado cada beneficiário
que cumpra a decisão transitada em julgado do STJ - incorporação de quintos ao
subsídio -, com observância do limite do teto constitucional. Não houve agravo
por qualquer das partes.
O juiz acha-se adstrito à imutabilidade da coisa julgada e ao conteúdo do título
executivo. Não merece acolhida a argüição de inexigibilidade da obrigação de
fazer. Se há inconformismo com a coisa julgada, pertinente será o pedido de sua
modificação por meio de ação própria, posto que simples petição não se presta a
reexame de matéria de mérito (fl. 393-396).
Seguiu-se agravo de instrumento (fl. 206-231), a que foi negado
seguimento (fl. 440-441) - decisão atacada por agravo regimental, pendente de
julgamento.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A União pediu, então, a suspensão de execução de sentença perante o
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (fl. 447-448), e renovou o pedido
perante o Superior Tribunal de Justiça, alegando grave lesão à ordem públicoadministrativa, econômica e jurídica (fl. 01-31).
2. Na Ação Rescisória n. 4.085-DF, tendo por objeto a decisão monocrática
proferida no Recurso Especial n. 897.177-DF, a Terceira Seção do Superior
Tribunal de Justiça, por maioria, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da
tutela para “suspender até o final desta ação rescisória, a execução do acórdão
rescindendo”.
O acórdão está assim ementado:
Agravo regimental na ação rescisória. Magistratura. Quintos adquiridos em
período anterior. Incorporação. Impossibilidade. Vantagem não prevista na
Loman. Direito adquirido. Inexistência. Mudança de regime jurídico. Antecipação
dos efeitos da tutela. Possibilidade. Preenchimento dos requisitos.
1. Há neste Superior Tribunal de Justiça julgados no sentido da possibilidade
do servidor público, que teve incorporado aos seus vencimentos parcela
remuneratória decorrente do exercício de função comissionada, chamada de
“quintos”, continuar recebendo-a mesmo após o ingresso na magistratura.
2. Não obstante isso, o Supremo Tribunal Federal recentemente apreciou
a quaestio iuris e concluiu pela impossibilidade de o magistrado perceber
vantagem diversa daquelas previstas na Lei Complementar n. 35/1993 (Loman),
e, no tocante aos quintos, enfatizou não haver direito adquirido a regime jurídico,
sendo indevida a sua concessão.
3. Em atenção à compreensão firmada pelo Pretório Excelso, bem como a
possibilidade de dano de difícil reparação, ante o entendimento de que vantagens
de natureza alimentar não devem ser devolvidas, notadamente quando o seu
pagamento decorre de provimento judicial transitado em julgado, considero
presentes os requisitos necessários à antecipação dos efeitos da pretensão rescisória.
4. Agravo regimental provido (DJe de 27.06.2011).
Suspensa a execução do acórdão rescindendo no âmbito da ação rescisória,
já não subsiste o título executivo.
4. Recentemente o Supremo Tribunal Federal examinou a questão,
concluindo pela impossibilidade de o magistrado receber vantagem diversa
daquela prevista na Lei Complementar n. 35, de 1993. Especificamente quanto
à incorporação dos “quintos”, enfatizou não haver direito adquirido a regime
jurídico.
58
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Confira-se o julgado:
Constitucional. Membro do Ministério Público. Quintos. Incorporação.
Nomeação na magistratura. Vantagem não prevista no novo regime jurídico
(Loman). Inovação de direito adquirido. Inexistência.
1. O Supremo Tribunal Federal já pacificou entendimento de que descabe
alegar direito adquirido a regime jurídico. Precedentes.
2. Preservação dos valores já recebidos em respeito ao princípio da boa-fé.
Precedentes.
3. Agravo regimental parcialmente provido (AgReg no Agravo de Instrumento
n. 410.946-DF, DJe de 07.05.2010).
Voto, por isso, no sentido de julgar prejudicados o pedido de suspensão e o
agravo regimental.
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA N. 2.448-MG
(2011/0036295-5)
Relator: Ministro Presidente do STJ
Agravante: União
Agravado: Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais do
Departamento de Polícia Federal
Advogado: José Murilo Procópio de Carvalho e outro(s)
Requerido: Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região
EMENTA
Pedido de suspensão de medida liminar. Inexistência de grave lesão
ao interesse público. A falta de pessoal no âmbito de outras categorias
funcionais da Polícia Federal não pode ser suprida pelos peritos
criminais mediante exigência de atribuições estranhas à respectiva
categoria. A Administração Pública deve se valer de outros meios
para compensar a escassez de policiais em outras áreas de atividade,
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
59
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de modo que não acarreta lesão grave ao interesse público a decisão
judicial que preserva os direitos de uma categoria funcional. Agravo
regimental não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do
Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Gilson Dipp,
Eliana Calmon, Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Arnaldo
Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Sidnei
Beneti e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão e a Sra. Ministra
Nancy Andrighi e, ocasionalmente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha
e Massami Uyeda. Convocados os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Mauro
Campbell Marques para compor quórum. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro
Felix Fischer.
Brasília (DF), 09 de junho de 2011 (data do julgamento).
Ministro Felix Fischer, Presidente
Ministro Ari Pargendler, Relator
DJe 30.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ari Pargendler: O agravo regimental ataca a decisão de fl.
463-466, que indeferiu o pedido de suspensão à base dos seguintes fundamentos:
Os peritos criminais são policiais federais. Por isso, salvo melhor juízo, estão
sujeitos a escalas de plantão. A autoridade hierárquica pode estipular que o
plantão seja cumprido na repartição ou em regime de sobreaviso. Mas daí não se
segue que, durante o plantão, os peritos criminais devam exercer todas as funções
próprias da Polícia Federal. A respectiva categoria funcional tem atribuições
específicas. Para o exercício destas, os peritos criminais podem ser obrigados
ao plantão, presencial ou em regime de sobreaviso. Outras atribuições não lhes
podem ser exigidas, ainda que a falta de pessoal no âmbito de outras categorias
60
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
funcionais esteja comprometendo a segurança da repartição. A autoridade
administrativa deve se valer de outros meios para compensar a escassez de
policiais federais em outras áreas de atividades. A ordem e a segurança públicas
constituem valores essenciais mas não podem ser mantidas à custa de uma
determinada categoria funcional. Não acarreta, portanto, lesão grave ao interesse
público a decisão judicial que preserva os direitos de uma categoria funcional (fl.
466).
A teor das razões, in verbis:
Como relatado na inicial do pedido de suspensão, a liminar deferida oferece
lesão à ordem público-administrativa, porquanto interfere na auto-organização
da unidade policial e impede o devido cumprimento das atribuições do órgão.
Ademais, cria verdadeira classe diferenciada de policiais federais - em ofensa
ao princípio da isonomia - e não atenta para a preponderância do interesse
público sobre o privado.
Além de ferir a ordem administrativa, a decisão oferece grave lesão à
segurança pública e lesão de natureza financeira ao órgão policial. Isso porque
a medida liminar deferida coloca, do dia para a noite, em situação de extrema
vulnerabilidade o plano de segurança da Superintendência Regional do
Departamento de Polícia Federal em Minas Gerais.
Aliás, é de se notar que a própria decisão agravada reconhece a existência de
tais riscos, mas que deixa de suspender a segurança por entender que a “ordem e
a segurança públicas constituem valores essenciais mas não podem ser mantidas
à custa de uma determinada categoria funcional”.
Ora, se evidenciado o risco à ordem e segurança públicas, há de ser deferido o
pedido de suspensão.
Quanto ao argumento de que a ordem e seguranças públicas não podem ser
mantidas à custa de uma determinada categoria funcional, não se deve olvidar
que os Peritos Criminais são policiais federais e, como tais, estão sujeitos às
peculiaridades da carreira policial e são corresponsáveis pela segurança pública.
Nesse passo, a realização de plantão no âmbito do Sistema de Segurança Geral
- SSG, não consiste em gravame estranho à carreira, ainda que em tais plantões
sejam realizadas tarefas outras que não apenas aquelas que lhes são exclusivas perícias criminais.
(...)
É de se notar, ainda, que, acaso mantida a decisão, estará em risco não apenas a
ordem administrativa e segurança do órgão em Minas Gerais, mas em todo o País.
Isso porque a decisão que se pretende suspender acaba por atingir não apenas
a determinação contida na instrução de serviço oriunda da Superintendência
Regional de Polícia Federal em Minas Gerais, mas também a própria Portaria n.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
61
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1.252/2010-DG-DPF, do Diretor-Geral da Polícia Federal, publicada no Boletim de
Serviço n. 15, de 13.08.2010, que define e disciplina as regras gerais para o serviço
de plantão da Polícia Federal e disposições sobre segurança das instalações, em
âmbito nacional, na qual é prevista a participação de integrantes de todas as
carreiras policiais.
(...)
Evidente, portanto, o potencial efeito multiplicador, porquanto poderão surgir
ações não apenas de peritos criminais lotados em outros estados, mas também
de outras carreiras policiais que entendam que a realização do plantão existente
na unidade importa em exigência de atribuições estranhas às de suas respectivas
carreiras. Não se esqueça que cada cargo tem efetivamente uma gama de
atribuições específicas, mas que todos eles juntos compõem a carreira de policial
federal, e, por conseguinte, são todos corresponsáveis pela segurança pública.
Entender de forma diferente importa em grave risco à ordem administrativa e
segurança pública (fl. 472-476).
VOTO
O Sr. Ministro Ari Pargendler (Relator): Conforme está dito na decisão
agravada, a falta de pessoal no âmbito de outras categorias funcionais da Polícia
Federal não pode ser suprida pelos peritos criminais mediante exigência de
atribuições estranhas à respectiva categoria. A Administração Pública deve se
valer de outros meios para compensar a escassez de policiais em outras áreas de
atividade, de modo que não acarreta lesão grave ao interesse público a decisão
judicial que preserva os direitos de uma categoria funcional.
Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NOS
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 1.317.993-RJ (2010/0107330-9)
Relator: Ministro Felix Fischer
Agravante: Serviços Médicos Assistenciais de Sertãozinho S/C Ltda.
62
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Advogado: Dagoberto José Steinmeyer Lima e outro(s)
Agravado: Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS
Procuradores: Cristiana Lopes Padilha e outro(s)
Helena Dias Leão Costa
EMENTA
Agravo regimental no agravo em recurso extraordinário no
agravo regimental no agravo de instrumento. Repercussão geral. Nova
sistemática. Aplicação. Recurso cabível. Agravo regimental.
Segundo a orientação da e. Suprema Corte, é definitiva a decisão
prolatada por Tribunal que nega seguimento a recurso extraordinário
com fundamento na nova sistemática da repercussão geral, a qual
não desafia o agravo previsto no art. 544 do CPC, mas tão somente o
agravo regimental (cf. Questão de Ordem em Agravo de Instrumento
n. 760.358-SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de
19.02.2010).
Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido,
Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Massami Uyeda, Humberto
Martins, Mauro Campbell Marques, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e
Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki e,
ocasionalmente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros João Otávio
de Noronha, Castro Meira e Arnaldo Esteves Lima.
Convocados os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Raul Araújo e
Paulo de Tarso Sanseverino para compor quórum.
Brasília (DF), 28 de abril de 2011 (data do julgamento).
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
63
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ministro Ari Pargendler, Presidente
Ministro Felix Fischer, Relator
DJe 16.05.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de agravo regimental interposto
por Serviços Médicos Assistenciais de Sertãozinho S/C Ltda. contra a decisão
que não conheceu do agravo dirigido ao e. Supremo Tribunal Federal, por
manifestamente incabível.
Nas suas razões, alega o agravante, em síntese, que “a ora agravante interpôs
o recurso competente - agravo nos próprios autos (...) - e que este agravo não
pode deixar de ser conhecido por não ser manifestamente inadmissível ou por
não atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada (...), na medida
em que foi interposto tempestivamente perante o órgão judicante correto
(entre outros pressupostos de recorribilidade atendidos) e que procedeu com
a impugnação específica dos fundamentos da decisão atacada, conforme se
verifica do excerto do Agravo acima transcrito” (fl. 377).
É o relatório.
Por manter a decisão agravada, submeto o feito à e. Corte Especial.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Trata-se de agravo regimental
contra a decisão que não conheceu do agravo dirigido ao e. Supremo Tribunal
Federal, por ser considerado manifestamente incabível.
Verifico, inicialmente, que o agravante não trouxe fundamentos novos
suficientes para modificar a decisão atacada.
A Lei n. 11.418/2006, adaptando-se à reforma constitucional resultante da
Emenda Constitucional n. 45/2004, introduziu novos dispositivos ao Código
de Processo Civil, dos quais cito os artigos 543-A e 543-B, com o propósito de
regulamentar a repercussão geral, novo requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário.
64
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Diante dessa nova orientação, são manifestamente incabíveis recursos
direcionados à e. Suprema Corte, quando o e. Tribunal a quo aplica o instituto
da repercussão geral.
Foi por isso que no julgamento do AI n. 760.358 QO-SE (Tribunal Pleno,
Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.02.2010), o e. Supremo Tribunal Federal
considerou inadmissível a interposição de agravo de instrumento ou reclamação
em face de decisão do e. Tribunal a quo que aplica a sistemática da repercussão
geral, nos termos dos arts. 543-A e 543-B, ambos do CPC. Nesse caso, havia
sido interposto agravo de instrumento contra decisão que julgou prejudicado o
recurso extraordinário, em razão do disposto no § 3º do supracitado art. 543-B.
De acordo com o em. Ministro Relator, Gilmar Mendes, a admissão de
recursos direcionados ao e. STF, naquelas hipóteses analisadas sob o ângulo
da repercussão geral, “significa confrontar a lógica do sistema e restabelecer o
modelo da análise casuística, quando toda a reforma processual foi concebida
de forma a permitir que a Suprema Corte se debruce uma única vez sobre cada
questão constitucional”.
Concluiu-se, portanto, que a única hipótese de remessa de recurso ao e.
Supremo Tribunal Federal seria aquela prevista no artigo 543-B, § 4º, do CPC,
qual seja, no caso de negativa de retratação pelo e. Tribunal de origem, quando
o e. STF já tiver julgado o mérito do leading case, após o reconhecimento da
existência da repercussão geral.
Cabe registrar ainda que esse entendimento restou consolidado na Sessão
Plenária de 19.11.2009, oportunidade em que foi resolvida a questão de ordem
acima referida e julgadas as Reclamações n. 7.547-SP e n. 7.569-SP.
Em relação a essas últimas, confira-se a ementa:
Reclamação. Suposta aplicação indevida pela Presidência do Tribunal de
origem do instituto da repercussão geral. Decisão proferida pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 576.336-RGRO. Alegação de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal e de
afronta à Súmula STF n. 727. Inocorrência. 1. Se não houve juízo de admissibilidade
do recurso extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento
previsto no art. 544 do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que falar
em afronta à Súmula STF n. 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no julgamento
da Ação Cautelar n. 2.177-MC-QO-PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal
somente se inicia com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária
ao entendimento firmado no julgamento da repercussão geral, nos termos do §
4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica hipótese não
há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
65
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Supremo Tribunal Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo
Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. 5. Possibilidade
de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor
agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no
próprio âmbito do Tribunal de origem, seja em juízo de retratação, seja por
decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da presente
reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de
envio dos autos ao Tribunal de origem para seu processamento como agravo
interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta Suprema Corte para proceder
à baixa imediata desta Reclamação.
(Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 11.12.2009).
Dessa forma, descabida a interposição de agravo de instrumento, agravo
nos próprios autos (Lei n. 12.322/2010), ou mesmo de reclamação, em face de
decisões que avaliam a existência ou não de repercussão geral na origem. Em
tais circunstâncias, na verdade, o recurso correspondente haveria de ser, se fosse
o caso, processado como agravo regimental, a ser decidido pelo próprio Tribunal
responsável pelo juízo de admissibilidade do recurso extraordinário.
De todo o modo, ainda de acordo com o entendimento do Pretório Excelso,
a conversão do agravo dirigido ao e. STF em agravo regimental apenas seria
admitida para os agravos ou reclamações propostos em data anterior a 19.11.2009,
momento em que a e. Corte Suprema consolidou a sua jurisprudência acerca do
recurso cabível.
Logo, após esse marco temporal, não se caberia mais cogitar sequer na
aplicação do princípio da fungibilidade recursal para processar o agravo como
regimental, uma vez que – reitere-se – por força do julgamento do AI n.
760.358 QO-SE (Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 19.02.2010)
e das Reclamações n. 7.569-SP e n. 7.547-SP (Rel. Min. Ellen Gracie, DJe
de 11.12.2009), restou dirimida eventual dúvida razoável a respeito do veículo
processual adequado.
Confira-se, a propósito, o seguinte precedente:
Agravo regimental em reclamação. 2. Indeferimento da inicial. Ausência de
documento necessário à perfeita compreensão da controvérsia. 3. Reclamação
em que se impugna decisão do Tribunal de origem que, nos termos do art. 328A, § 1º, do RISTF, aplica a orientação que o Supremo Tribunal Federal adotou em
processo paradigma da repercussão geral (RE n. 598.365-RG). Inadmissibilidade.
Precedentes. AI n. 760.358, Rcl n. 7.569 e Rcl n. 7.547. 4. Utilização do princípio da
fungibilidade para se determinar a conversão em agravo regimental apenas para
agravos de instrumento e reclamações propostos anteriormente a 19.11.2009. 5.
Agravo regimental a que se nega provimento.
66
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
(Rcl n. 9.471 AgR-MG, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de
13.08.2010).
Em síntese, tendo em vista a orientação firmada pela e. Suprema Corte,
contra decisão que aplica a sistemática da repercussão geral é possível apenas
a interposição de agravo regimental. Eventual agravo de instrumento ou
reclamação, propostos nesses casos, somente deveriam ser convertidos em
agravo regimental se anteriores a 19.11.2009.
Nesse mesmo sentido, cito os seguintes e recentíssimos precedentes: Rcl
n. 11.050-RJ (Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe de 14.02.2011); Rcl n. 11.076-PR
(Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe de 14.02.2011); Rcl n. 11.005-MS (Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJe de 14.12.2010); Rcl n. 9.373 AgR-RS (Rel. Min. Dias
Toffoli, DJe de 30.11.2010); Rcl n. 10.544-SP (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de
26.11.2010); Rcl n. 10.956-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 26.11.2010);
Rcl n. 10.903-PR (Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 25.11.2010); Rcl n. 10.630GO (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 18.11.2010); Rcl n. 10.716-SP (Rel.
Min. Gilmar Mendes, DJe de 08.11.2010); Rcl n. 10.772-RJ (Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe de 08.11.2010); Rcl n. 10.623-RS (Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de
11.10.2010); AI n. 812.055-SC (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 31.08.2010);
Rcl n. 10.218-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 30.08.2010); Rcl n. 10.351RS (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.08.2010); Rcl n. 9.764-SP (Rel. Min.
Gilmar Mendes, DJe de 25.08.2010); Rcl n. 9.647-MG (Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe de 28.06.2010); Rcl n. 9.618-MG (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe
de 28.06.2010); Rcl n. 9.673-RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 28.06.2010);
Rcl n. 8.996-AM (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.06.2010) e Rcl n. 8.695RS (Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 25.06.2010).
Com essas considerações, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM
RECURSO ESPECIAL N. 685.267-MG (2011/0075297-7)
Relator: Ministro Francisco Falcão
Agravante: Preservar Madeira Reflorestada Ltda.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
67
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Advogados: José Carlos Ceolin Júnior e outro(s)
Marco Vinicio Martins de Sá
Agravado: Preservam Preservação de Madeiras Ltda.
Advogado: Adilson Buchini e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Embargos de divergência. Embargos de
declaração. Violação ao art. 535 do CPC. Omissão. Exame casuístico.
Descabimento. Precedentes.
I - É assente o entendimento jurisprudencial deste eg. Tribunal
no sentido de ser insuscetível de revisão, no âmbito dos embargos de
divergência, acórdão que discutiu violação ao art. 535, do CPC, tendo
em conta que tal análise demanda um exame casuístico. Precedentes:
AgRg na Pet n. 6.485-SP, Rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, DJe
de 18.06.2009, AgRg nos EREsp n. 914.935-RO, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe de 30.03.2009, AgRg
nos EREsp n. 332.884-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJ de
28.11.2005.
II - Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça: A
Corte Especial, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy
Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro
Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura,
Raul Araújo, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Gilson Dipp e Eliana Calmon
votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro
Arnaldo Esteves Lima. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo para compor
quórum.
Brasília (DF), 1º de agosto de 2011 (data do julgamento).
68
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Ministro Ari Pargendler, Presidente
Ministro Francisco Falcão, Relator
DJe 29.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Falcão: Preservar Madeira Reflorestada Ltda.
interpõe agravo regimental, nos autos em epígrafe, contra decisão que proferi
indeferindo liminarmente os embargos de divergência por ela interpostos, sob o
fundamento de ser insuscetível de revisão na via eleita, possível violação ao art.
535 do CPC (fls. 786-8).
Alega a agravante, em síntese, que a divergência foi efetivamente por ela
demonstrada, sustentando que o acórdão deve se pronunciar sobre todos os temas
suscitados, e que, não o fazendo, deve ser declarado nulo.
É o relatório.
Em mesa, para julgamento.
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): A agravante não conseguiu
infirmar o fundamento da decisão agravada.
A jurisprudência desta eg. Corte de Justiça é pacífica no sentido da
impossibilidade de se analisar possível violação ao art. 535 do CPC em sede de
embargos de divergência, tendo em conta as peculiaridades das situações que
envolvem o aresto embargado e o paradigma.
Dessa forma, transcrevo as razões expendidas pela decisão agravada, que
merece ser integralmente mantida, verbis:
Há muito se tem reafirmado neste Tribunal que o juízo manifestado a respeito
de estar ou não configurada omissão ou contradição do julgado embargado, é
dizer, de ter sido ou não violado o art. 535, do CPC, é insuscetível de revisão nesta
sede recursal, em razão da inviabilidade de se demonstrar, nessas hipóteses, a
divergência de teses jurídicas, pressuposto de cabimento dos embargos do art.
546, do CPC.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
69
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A propósito, confiram-se alguns precedentes:
Embargos de divergência. Similitude fática. Ausência. Violação ao art.
535 do CPC. Exame casuístico. Inviabilidade.
1. Ausente a indispensável similitude fática a autorizar o conhecimento
dos embargos. O aresto embargado, ao analisar a situação específica
dos autos, consignou não haver ofensa ao artigo 535 do Código de
Processo Civil. Já os julgados paradigmas, apreciando as particularidades
das situações, concluíram que as Cortes de origem deixaram de analisar
pontos indispensáveis às soluções das controvérsias, razão por que deram
provimento aos recursos especiais para determinar o retorno dos autos aos
Juízos de segunda instância.
2. A análise de ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil demanda
um exame casuístico que não se mostra viável no âmbito de embargos de
divergência. Precedentes da Corte Especial: AgRg nos EAg n. 870.867-SP,
Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 09.03.2009; AgRg nos EREsp n. 1.028.595-PE,
Rel. Min. Paulo Gallotti, DJe de 1º.12.2008; AgRg nos EREsp n. 982.012-SC,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 1º.12.2008.
3. Agravo regimental não provido (AgRg na Pet n. 6.485-SP, Rel. Min.
Castro Meira, Corte Especial, DJe de 18.06.2009).
Agravo regimental em embargos de divergência em recurso especial.
Processo Civil. Acórdão embargado que encontra óbice processual
e paradigma que enfrenta o mérito da causa. Ausência de divergência
jurisprudencial. Falta de similitude entre os casos confrontados. Divergência
não caracterizada.
1. Para a admissão dos embargos de divergência, mister se faz que as
teses lançadas nos acórdãos confrontados sejam divergentes, bem como
as hipóteses fáticas sejam semelhantes. Nessa linha, apenas são admitidos
os embargos de divergência se o grau de cognição de ambos acórdãos,
embargado e paradigma, é o mesmo. É dizer: os arestos devem ter dado o
mesmo tratamento às espécies, seja conhecendo ou seja não conhecendo
do recurso especial.
(...) omissis.
3. No tocante à violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil,
as peculiaridades dos arestos embargado e paradigma inviabilizam a
configuração da similitude fática entre as hipóteses confrontadas, condição
necessária para a demonstração do dissídio jurisprudencial entre os
órgãos julgadores desta Corte, o que impede, também nesse ponto, o
conhecimento dos embargos de divergência.
70
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
4. Agravo regimental improvido (AgRg nos EREsp n. 914.935-RO, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, DJe de 30.03.2009).
Processual Civil. Corte Especial. Embargos de divergência.
Admissibilidade. Divergência não demonstrada. Ausência de similitude
fática entre os casos confrontados. Necessidade de cotejo analítico.
1. A admissão dos embargos de divergência no recurso especial impõe
o confronto analítico entre o acórdão paradigma e a decisão hostilizada, a
fim de evidenciar a similitude fática e jurídica posta em debate, nos termos
do art. 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o que não
ocorreu na hipótese dos autos.
2. In casu, a embargante limitou-se a transcrever as ementas dos
arestos indicados como paradigma, não realizando o necessário cotejo
analítico para a demonstração da divergência, o que revela a ausência de
pressuposto para conhecimento dos embargos de divergência.
3. Deveras, a análise acerca de suposta ofensa ao art. 535, CPC reclama
exame de particularidades de cada caso concreto. Consectariamente, o
cabimento de embargos de divergência quanto a este dispositivo, impõe
que as questões tratadas nos acórdãos confrontados, as alegações recursais
e os votos condutores dos julgados sejam idênticos, o que não ocorre na
hipótese vertente.
4. Outrossim é assente na Corte que: “Não se aperfeiçoa a divergência
no tocante ao art. 535 do CPC, porquanto o cerne da controvérsia gira em
torno da constatação ou não de apresentar-se o acórdão omisso, mesmo
após a oposição de embargos declaratórios, exercício que se faz com
base nas características de cada caso concreto, ou seja, dependendo das
peculiaridades da demanda, haverá ou não, omissão a sanar. Na verdade
não há divergência de teses.” (AgRg nos EREsp n. 435.288-SP, Corte Especial,
DJ de 16.11.2004).
(... omissis ...)
8. Agravo regimental improvido (AgRg nos EREsp n. 332.884-RJ, Rel. Min.
Luiz Fux, Corte Especial, DJ de 28.11.2005, p. 169).
Frente ao exposto, com base no art. 266, § 3º, do RISTJ, indefiro liminarmente
os embargos de divergência.
Em razão do exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É o voto.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
71
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
NA AÇÃO PENAL N. 266-RO (2003/0169397-8)
Relatora: Ministra Eliana Calmon
Embargante: Natanael José da Silva
Advogado: Antônio Nabor Areias Bulhões e outro
Embargante: Evanildo Abreu de Melo
Advogado: José do Espírito Santo e outro(s)
Embargado: Ministério Público Federal
Interessado: Francisco de Oliveira Pordeus
Interessada: Irene Becária de Almeida Moura
Advogado: Romilton Marinho Vieira e outro(s)
Interessado: Vitor Paulo Riggo Ternes
Advogado: José Cleber Martins Viana e outro
EMENTA
Embargos de declaração. Processual Penal. Pedido de juntada
de notas taquigráficas. Princípio da ampla defesa. Ausência de vícios
contidos no art. 619 do CPP. Efeito infringente.
1. A juntada das notas taquigráficas somente deve ser autorizada
na hipótese em que estas sejam indispensáveis para a compreensão do
exato sentido e alcance do acórdão.
2. Inexistente qualquer hipótese do art. 619 do CPP, não merecem
acolhida embargos de declaração com nítido caráter infringente.
3. Embargos de declaração opostos por Evanildo Abreu de Melo
rejeitados.
4. Embargos declaratórios opostos por Natanael José da
Silva acolhidos, sem efeitos modificativos quanto ao resultado do
julgamento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. A
72
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Corte Especial, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração opostos
por Evanildo Abreu de Melo e acolheu em parte os embargos de declaração
opostos por Natanael José da Silva, sem efeitos modificativos, nos termos do
voto da Senhora Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy
Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro
Meira, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura,
Raul Araújo, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a
Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima.
Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo para compor quórum.
Brasília (DF), 1º de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente
Ministra Eliana Calmon, Relatora
DJe 25.08.2011
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de embargos de declaração
opostos contra acórdão assim ementado:
Processual Penal. Embargos de declaração. Ausência de vícios contidos no art.
619 do CPP. Efeito infringente.
1. Não se conhece de recurso interposto via fac-símile quando não há, no
prazo legal, posterior apresentação dos documentos originais.
2. Inexistente qualquer hipótese do art. 619 do CPP, não merecem acolhida
embargos de declaração com nítido caráter infringente.
3. Embargos de declaração opostos por Francisco de Oliveira Pordeus não
conhecidos.
4. Embargos de declaração opostos por Evanildo Abreu de Melo acolhidos,
sem efeitos modificativos quanto ao resultado do julgamento.
5. Embargos declaratórios opostos por Natanael José da Silva rejeitados.
Inconformado, Natanael José da Silva aponta omissão, sustentando que o
aresto embargado não se pronunciou quanto ao pedido de juntada das notas
taquigráficas do julgamento de fl. 2.595-2.701.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
73
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Afirma que não consta dos autos o voto divergente prolatado pelo Min. João
Otávio de Noronha quanto à questão de ordem tampouco os pronunciamentos
dos Ministros quando da fixação da pena. Cita os seguintes precedentes do STJ:
EDcl no REsp n. 827.940-SP, o EDcl no HC n. 60.151-SP, EDcl no REsp n.
836.277-PR.
Insurge-se Evanildo Abreu de Melo, reiterando os argumentos lançados
nos anteriores declaratórios, aduzindo que a pena aplicada ao embargante é
desproporcional. Assevera que foi punido com uma pena levemente mais branda
que a aplicada ao principal réu da ação penal (Natanael José da Silva).
Defende que a pena de reclusão aplicada ao embargante deveria ter sido
reduzida na mesma proporção da redução da pena aplicada aos demais acusados.
Por fim, requer o prequestionamento do art. 5º, LIV e LV, da CF/1988.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora):
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR NATANAEL
JOSÉ DA SILVA
Efetivamente, consta dos primeiros declaratórios requerimento formulado
pelo embargante no qual se pleiteia a juntada das notas taquigráficas do
julgamento de fl. 2.595-2.701.
Do exame dos autos e à luz do princípio da ampla defesa, entendo
necessária a juntada das notas taquigráficas que registraram o voto proferido
oralmente pelo Min. João Otávio de Noronha no julgamento da questão de
ordem formulada para analisar a competência do STJ diante do pedido de
exoneração do embargante.
No tocante à juntada das demais notas taquigráficas, refuto a pretensão
do embargante, por ausência de prejuízo, já que as demais questões (inclusive
a referente à fixação das penas) foram decididas, à unanimidade, pela Corte
Especial (fl. 2.696-2.697), tendo sido juntados aos autos os votos proferidos
pelos demais Ministros que se posicionaram sobre o tema (fl. 2.694 e 2.695).
Nesse sentido, confira-se precedentes deste Tribunal:
74
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
Questão preliminar. Pedido de juntada de notas taquigráficas e abertura de
novo prazo. Regra do art. 103 do RISTJ. Dispensabilidade. Celeridade processual.
Mitigação. Caso.
1. A regra do artigo 103 do RISTJ, para evitar atraso na publicação dos acórdãos,
vem sendo aplicada com mitigação, em observância ao princípio da celeridade
processual.
2. A juntada aos autos das notas taquigráficas só deve ser deferida na hipótese em
que estas sejam indispensáveis para a compreensão do exato sentido e alcance do
acórdão, circunstância ausente na espécie.
(...)
2. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no REsp n. 975.243-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado
em 03.03.2011, DJe 28.03.2011).
Processo Civil. Embargos de declaração no recurso especial. Erro material.
Correção. Possibilidade. Notas taquigráficas. Juntada. Art. 103 do RISTJ. Mitigação.
1. Verificada a existência de erro material no acórdão, é de rigor o acolhimento
dos embargos de declaração.
2. A regra do art. 103 do RISTJ, determinando a juntada das notas taquigráficas
aos autos, vem sendo mitigada em nome do princípio da celeridade processual, para
evitar atraso na publicação dos acórdãos. Precedentes.
3. A juntada aos autos das notas taquigráficas do julgamento somente deve ser
determinada quando se mostrarem indispensáveis à compreensão do exato sentido
e alcance do acórdão.
Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.
(EDcl nos EDcl no REsp n. 830.577-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 02.09.2010, DJe 11.11.2010).
Habeas corpus. Processual Penal. Cerceamento de defesa. Alegação de nulidade
por deficiência técnica pela não-oposição de embargos de declaração e ausência
de notas taquigráficas na publicação do acórdão. Constrangimento ilegal não
verificado. Ordem denegada.
(...)
3. Não há falar em cerceamento de defesa na ausência de juntada das notas
taquigráficas, quando todos os votos divergentes foram expressamente declarados
e devidamente publicados junto ao acórdão respectivo, possibilitando às partes o
pleno conhecimento do conteúdo decisório.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
75
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4. Ordem denegada.
(HC n. 102.307-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado
em 23.09.2008, DJe 03.11.2008).
Sobre o tema, colaciono julgado da Suprema Corte:
Recurso extraordinário.
2. Existência de intimação das recorrentes para efetuar o preparo do recurso
reconhecida no acórdão embargado. Deserção.
3. Indeferimento de pedido de juntada da cópia das notas taquigráficas relativas
ao julgado e transcrição da respectiva fita de áudio.
4. O julgado está devidamente composto com o Relatório, os votos do Relator e
dos Ministros que se pronunciaram explicitando seu entendimento, devidamente
rubricados, bem assim dele consta o Extrato da Ata. Regimento Interno do STF, art.
96, § 5º.
5. Efeito infringente do julgado. 6. Embargos de declaração rejeitados.
(RE n. 253.455 AgR-ED-MG, Segunda Turma, Rel. Ministro Neri da Silveira, DJ
26.02.2002).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS POR EVANILDO
ABREU DE MELO
Da leitura dos declaratórios, depreende-se que os argumentos lançados
pelo recorrente foram examinados pelo julgado embargado.
Verifica-se, portanto, que inexiste qualquer das hipóteses do art. 619
do CPP, restando patente a busca de efeitos infringentes por quem não se
conformou com o resultado do julgamento.
CONCLUSÃO
Com essas considerações, rejeito os declaratórios opostos por Evanildo
Abreu de Melo e acolho, em parte, os declaratórios opostos por Natanael José
da Silva tão-somente para determinar a juntada das notas taquigráficas que
registraram o voto oral proferido pelo Min. João Otávio de Noronha no
julgamento da questão de ordem retromencionada.
É o voto.
76
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA N. 5.493-US
(2011/0125467-4) (f)
Relator: Ministro Felix Fischer
Requerente: Luiz Claudio Climaco II
Advogado: Marcelo Beltrão da Fonseca e outro(s)
Requerido: Justiça Pública
EMENTA
Sentença estrangeira contestada. Alteração do nome civil. Pedido
adequadamente instruído. Deferimento.
I - A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia
homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente
(Resolução n. 9-STJ, art. 4º).
II - Constatada, no caso, a presença dos requisitos indispensáveis
à homologação da sentença estrangeira (Resolução n. 9-STJ, arts. 5º e
6º), é de se deferir o pedido.
III - Precedentes do STJ (SE n. 5.194-US; SE n. 4.605-US;
SE n. 4.262-FR; SE n. 3.649-US; SE n. 586-EX) e do STF (SE n.
5.955-EUA).
Pedido homologatório deferido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, deferir o pedido de homologação, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Teori Albino Zavascki, Castro
Meira, Arnaldo Esteves Lima, Massami Uyeda, Humberto Martins, Maria
Thereza de Assis Moura, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel
Gallotti e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Gilson Dipp, Eliana Calmon,
Francisco Falcão e João Otávio de Noronha e, ocasionalmente, a Sra. Ministra
Nancy Andrighi.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
77
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Convocados os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Raul Araújo e a Sra.
Ministra Maria Isabel Gallotti para compor quórum.
Esteve presente, dispensada a sustentação oral, o Dr. Bruno Moschetta.
Brasília (DF), 21 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler, Presidente
Ministro Felix Fischer, Relator
DJe 06.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de pedido de homologação de
sentença estrangeira formulado por Luiz Claudio Climaco II, no qual se objetiva
homologar o ato que autorizou a retificação de seu nome civil para “Louis Claude
Nakamura Katzman”.
O ora requerente, natural da cidade de Nova York, nos Estados Unidos, é
filho de pai brasileiro e mãe norte-americana e “teve seu nascimento registrado
nos Estados Unidos da América, nos termos da certidão de nascimento (...),
reconhecida pelo Consulado Geral do Brasil em Nova York (doc. 02)” (fls. 03).
Em 1994, o requerente, por razões profissionais, passou a residir no Brasil
e lavrou o termo de Transcrição de sua certidão de nascimento no Cartório do
Registro Civil das Pessoas Naturais do Primeiro Subdistrito Sé de São Paulo Comarca da Capital (doc. 03).
Em 27.10.2006, o requerente solicitou ao órgão judicial competente do
Condado de Nassau, no Estado de Nova York (local em que era domiciliado, à
época - fls. 29), a alteração de seu nome civil, nos termos que aqui se propõe, de
“Luiz Claudio Climaco II” para “Louis Claude Nakamura Katzman”, pois, segundo
alega, “como sempre foi conhecido na comunidade norte-americana em que
residia” (fls. 03).
Esse pedido foi “deferido por sentença proferida em 12.12.2006, transitada
em julgado” (fls. 03).
Em 2008, o requerente “manifestou sua opção pela nacionalidade brasileira,
nos termos do artigo 12, inciso I, alínea c da CF, a qual foi devidamente
homologada por sentença transitada em julgado, conforme certificado em
78
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
26.03.2009 (doc 06)” (fls. 03). (Processo n. 2008.61.00.025055-7, 26ª Vara
Cível, Seção Judiciária de São Paulo, Justiça Federal da 3ª Região).
Em 2009, o requerente voltou a manter residência profissional nos Estados
Unidos da América, onde praticava, segundo alega, “todos os atos de sua vida
civil naquele país com o nome de ‘Louis Claude Nakamura Katzman (doc.
07).” (fls. 03), enquanto “em seu registro civil no Brasil, ainda conste o nome
‘Luiz Cláudio Climaco II’, razão pela qual (...) requer o presente pedido de
homologação, para que os efeitos da Sentença Estrangeira sejam integralmente
recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro” (fls. 03-04).
Alega, ainda, na presente sede processual, que “a não homologação da
Sentença Estrangeira levaria a uma situação teratológica, em que o Requerente
teria nomes civis diferentes no Brasil e nos Estados Unidos da América”, razão
pela qual estariam expostos (o Requerente e sua família) “a inúmeros problemas
ao transitar entre os dois países, o que fazem com frequência, em razão da
divergência entre seus documentos oficiais” (fls. 08).
Sustenta, finalmente, que a “homologação da Sentença Estrangeira
garantirá o respeito aos direito de personalidade do Requerente e de seus
filhos, cujos patronímicos foram registrados no Brasil com base no nome civil
retificado pela Sentença Estrangeira (doc. 04).” (fls. 08).
A petição inicial foi instruída com a sentença de retificação de registro
do requerente, proferida pelo Tribunal do Estado de Nova York - Condado
de Nassau, com carimbo de cumprimento das disposições da ordem judicial
para mudança de nome, datado de 1º de fevereiro de 2007, acompanhada de
autenticação e tradução feita por tradutora juramentada no Brasil.
A Presidência desta E. Corte Superior de Justiça determinou a citação por
edital dos possíveis interessados no feito (fls. 132).
Não houve manifestações (fls. 152).
Os autos foram, então, remetidos à d. Subprocuradoria-Geral da República
(fls. 153), que, vislumbrando possível ofensa à ordem pública e aos princípios
da soberania nacional, opinou pela não homologação da presente sentença
estrangeira, por entender que (i) “a modificação do nome é possível, apenas,
em situações excepcionais, donde a regra geral é da inalterabilidade relativa
do nome (art. 58, Lei de Registros Públicos)”, e (ii) a situação versada nestes
autos “não parece ser justificativa suficiente apta a ensejar a alteração do nome e
sobrenome” (fls. 155-156).
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
79
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Diante da impugnação da d. Subprocuradoria-Geral da República, o
Requerente contra-argumentou que “não é objeto do presente feito a análise de
mérito da Sentença Estrangeira, uma vez que a presença ou não dos requisitos
que autorizam a mudança do nome do Requerente já foi verificada pelo
competente juízo estrangeiro, que concluiu não existirem impedimentos ao
pedido do Requerente, de modo que cabe a este E. STJ apenas a verificação
dos requisitos formais e da inexistência de ofensa à soberania nacional, à ordem
pública e aos bons costumes” (fls. 164).
Aduziu, ainda, que o “direito ao nome é considerado um direito
fundamental, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, previsto
no artigo 1º, III, da Constituição Federal, originando os consequentes direitos
ao registro e à identificação pelo nome”, pois “o direito ao nome civil, (...)
precede e é axiologicamente superior ao direito ao registro, de modo que não é
o nome que deve refletir o registro civil, mas, ao contrário, é o registro civil que
deve refletir, de forma fiel, o nome do indivíduo” (fls. 166).
Em nova manifestação (173-174), a d. Subprocuradoria-Geral da
República reiterou seu anterior pronunciamento, opinando pelo indeferimento
do pedido de homologação da presente sentença estrangeira.
Por meio do despacho de fls. 176, o em. Ministro Presidente determinou
a distribuição dos presentes autos, em conformidade com o art. 9º, § 1º, da
Resolução n. 9, do Superior Tribunal de Justiça.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): Busca-se na presente sede
processual a homologação da sentença do Tribunal do Estado de Nova York Condado de Nassau, transitada em julgado e que alterou o nome do requerente
de “Luiz Claudio Climaco II” para “Louis Claude Nakamura Katzman”.
O art. 5º da Resolução n. 9/2005 do Superior Tribunal de Justiça elenca os
requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira para que tenha
eficácia no Brasil. São eles: I) haver sido proferida por autoridade competente;
II) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;
III) ter transitado em julgado; IV) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e
acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.
80
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
O exame dos documentos juntados aos presentes autos revela que o
Requerente atendeu aos requisitos acima elencados.
Com efeito, no que concerne à competência do juízo, verifica-se que
o Consulado-Geral do Brasil em Nova York, na fls. 23v, reconhece que o
documento juntado aos autos é uma “Sentença Judicial expedida pela Suprema
Corte do condado de Nassau, Estado de Nova York, Estados Unidos da
América”.
Quanto à regularidade na citação, tenho por suficientes as razões trazidas
pela parte ora requerente, no sentido de que “não se aplica ao requerimento
judicial de retificação do nome civil (...), por se tratar de procedimento de
jurisdição voluntária, no qual não há ‘partes’ nem conflito de interesses” (fls. 05).
Além disso, o requerente afirmou que “em cumprimento a dispositivo da
Sentença Estrangeira, foi publicada no jornal Massapequa Post notícia referente
ao deferimento do pedido (...), para dar ciência aos possíveis interessados, sem
que tenha havido qualquer oposição, conforme atestado pela secretaria judicial”
(fls. 05).
Por sua vez, o trânsito em julgado do referido ato sentencial pode ser
comprovado pelo cumprimento de todas as exigências formuladas na sentença
homologanda, nos termos do carimbo da secretaria judiciária, datado de 1º de
fevereiro de 2007 (fls. 24 e 30).
Por fim, a sentença estrangeira está autenticada pela Vice-Cônsul brasileira
nos Estados Unidos da América (fl. 23-verso) e acompanhada de tradução feita
por tradutora pública juramentada no Brasil (fls. 27-31).
Cabe verificar, agora, se a homologação da presente sentença estrangeira
resultaria em ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes,
uma vez que o art. 17 do Decreto-Lei n. 4.657/1942, Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil),
dispõe que:
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações
de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional,
a ordem pública e os bons costumes.
Vale destacar, ainda, que tal disciplina também foi tratada no art. 6º da
Resolução n. 9-STJ, que regulamenta a competência do STJ para homologar
sentenças estrangeiras e possui o seguinte conteúdo:
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
81
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a
carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.
Passemos, agora, à análise desses requisitos, uma vez que a SubprocuradoriaGeral da República entendeu que a homologação desta sentença estrangeira
poderia resultar em ofensa à ordem pública e à soberania nacional (fls. 155-156).
Para fundamentar tal conclusão, a d. Subprocuradoria-Geral da República
destacou em seu pronunciamento que “a modificação do nome é possível,
apenas, em situações excepcionais, donde a regra geral é da inalterabilidade
relativa do nome (art. 58, Lei de Registros Públicos)” e “quanto ao sobrenome,
são taxativas as hipóteses de alteração (...)”, mas, que, no caso “não vislumbro
(...) estar o presente feito, incluído em um caso justificável”, pois “o fato de o
requerente ser conhecido, sempre, como ‘Louis Claude Nakamura Katzman’
na comunidade norte-americana em que residia, não me parece ser justificativa
suficiente apta a ensejar a alteração do nome e sobrenome” (fls. 155-156).
Com a devida vênia, entendo que a d. Subprocuradoria-Geral da
República, ao opinar pelo indeferimento do presente pedido, deixou de apontar
dados concretos que dessem suporte à tese de que a homologação da presente
sentença estrangeira resultaria em ofensa à ordem pública e à soberania nacional
(tais como: criar embaraços a eventuais obrigações contraídas em solo brasileiro;
dificultar a identificação de laços familiares, atrapalhar o andamento de ações
judiciais que por ventura pudessem estar em curso contra o ora requerente, v.g.).
Segundo se pode depreender da manifestação ministerial, a ofensa à
ordem pública e à soberania nacional resultaria do fato de não estar prevista,
no ordenamento jurídico nacional, a hipótese que justificou o deferimento do
pedido de alteração do nome do requerente pela justiça americana, qual seja, o
fato de o requerente ter sido sempre conhecido na comunidade norte-americana
como “Louis Claude Nakamura Katzman”.
Tal raciocínio, entretanto, não pode prosperar. A sentença estrangeira que
se busca homologar foi proferida com fundamento nas leis vigentes no direito
norte-americano, lá encontrando o seu fundamento de validade. Ademais, a
ausência de previsão semelhante no ordenamento pátrio, além de não tornar
nulo o ato estrangeiro, não implica, no presente caso, ofensa à ordem pública ou
aos bons costumes.
O legislador brasileiro, atento a essa possibilidade, estabeleceu, no artigo 7º
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução
82
Jurisprudência da CORTE ESPECIAL
ao Código Civil), que “A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina
as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os
direitos de família”.
Assim, a alteração do nome do ora requerente foi realizada sob a égide do
direito norte-americano, eis que, à época, possuía domicílio naquele país. O que
se pretende agora é tão somente a homologação do ato sentencial que deferiu o
pedido de alteração do nome, para que tenha eficácia também no Brasil.
Portanto, ao contrário do sustentado no segundo parecer da d.
Subprocuradoria-Geral da República (fls. 173-174), a hipótese dos presentes
autos não diz respeito a procedimento de alteração de registro civil brasileiro
e, portanto, não está sujeita à sistemática da Lei de Registros Públicos (Lei n.
6.015/1973).
A homologação do ato sentencial pelo Superior Tribunal de Justiça tem por
objetivo possibilitar a produção, no Brasil, dos efeitos jurídicos deferidos pela
atuação da justiça estrangeira. Nesse procedimento de contenciosidade limitada
estão alheios ao controle do Superior Tribunal de Justiça exames relativos
ao próprio mérito da causa ou a questões discutidas no âmbito do processo.
Cumpridos os requisitos estabelecidos em lei e respeitados os bons costumes, a
soberania nacional e a ordem pública, a sentença deve ser homologada.
Vale referir que este Colendo Superior Tribunal de Justiça já deferiu
pretensões semelhantes ou idênticas ao pedido formulado nesta sede processual,
em ocasiões nas quais não houve sequer contestação. Nesse sentido: SE n.
3.649-US, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Presidente, DJE de 14.05.2010,
que homologou a alteração do nome do requerente de “Frederico Ratliff e
Silva”, para “Frederick Ratliff ”; SE n. 4.262-FR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha,
Presidente, DJE de 11.05.2010, que homologou a alteração do nome da
requerente de “Cecília Silveira Delehelle”, para “Racina Delehelle”; SE n. 586EX, Rel. Min. Barros Monteiro, Presidente, DJ de 19.05.2006, que homologou
a alteração do nome da requerente de “Sebastiana Aparecida da Silva”, para
“Cindy Kayla Silva”; SE n. 4.605-US, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Presidente,
DJE de 25.11.2009, que homologou a alteração do nome do requerente de
“André Micheal Egol”, para “André Micheal Tavares Valverde”; SE n. 5.194US, Rel. Min. Ari Pargendler, Presidente, DJE de 30.03.2011, que homologou
a alteração do nome do requerente de “Ashelley Torrente Siqueira”, para “Kevin
Ashelley Siqueira”.
RSTJ, a. 23, (224): 17-84, outubro/dezembro 2011
83
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na homologação desses casos, não foi vislumbrada qualquer ofensa à
soberania nacional, à ordem pública ou aos bons costumes, valendo ressaltar,
ainda, que, em todos eles, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se
pelo deferimento do pedido (ou seja, o pedido de homologação não foi sequer
contestado).
Vale enfatizar, ainda, que, na homologação dos casos acima referidos, o
Superior Tribunal de Justiça não considerou necessária a existência, na legislação
pátria, de hipótese semelhante à que autorizou a alteração dos nomes dos
requerentes perante a justiça estrangeira.
Assim, a toda evidência, não é a ausência de previsão legal no direito
brasileiro que impede a homologação da sentença estrangeira que altera o nome
civil da pessoa com base na legislação alienígena.
Também o Supremo Tribunal Federal, em momento anterior ao do advento
da Emenda Constitucional n. 45, quando ainda detinha a competência para
homologação de sentenças estrangeiras, deferiu pleito semelhante ao presente
(SE n. 5.955-EUA, Rel. Min. Carlos Velloso, Presidente, DJ de 02.08.1999),
homologando a sentença que permitiu a “Aparecida Cotrim Metro”, ou “Raquel
Cida Metro” ou “Aparecida Cunha Metro” ou “Aparecida da Cunha Cotrim”,
a assumir o nome de “Raquel Cida Metro”, ressaltando, naquela hipótese, que
caberia à requerente providenciar a averbação, por carta de sentença, no registro
civil.
Por essas razões, entendo que o pedido de homologação da presente
sentença estrangeira reúne os requisitos necessários ao seu deferimento, e, com
a devida vênia ao que sustentado pela Subprocuradoria-Geral da República, não
acarretará ofensa à ordem pública e à soberania nacional, pois, como já ressaltado,
não se trata de alteração de registro civil brasileiro, mas de homologação de
sentença que, legalmente fundada nas normas do país de origem, autorizou a
mudança de nome civil do ora requerente.
Sendo assim, por vislumbrar presentes os requisitos indispensáveis à
homologação do pedido e por entender que a pretensão deduzida não ofende a
soberania nacional, a ordem pública, nem os bons costumes, voto no sentido de
se homologar a presente sentença estrangeira.
É o voto.
84
Primeira Seção
MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.334-DF (2010/0096959-0)
Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha
Impetrante: Célio de Souza Lima
Advogado: Manoel Zeferino de Magalhães Neto
Impetrado: Comandante do Exército
Impetrado: Chefe do Departamento Geral do Pessoal
Interessado: União
EMENTA
Mandado de segurança. Sargento do exército. Movimentação.
Interesse da administração. Motivação insatisfatória. Elementos dos
autos e informações favoráveis ao deferimento da ordem.
– Ao Poder Judiciário, na sua atividade jurisdicional, não
cabe ingressar no reexame do juízo de conveniência, oportunidade
e discricionariedade da administração pública, aí incluída a
administração militar em relação ao controle das movimentações dos
servidores públicos militares.
– Hipótese em que, entretanto, o ato coator está assentado em
motivação genérica – “interesse da administração militar” –, que não
satisfaz, no presente caso, o requisito da motivação e que, por isso, não
tem força suficiente para se contrapor às informações prestadas pela
própria administração militar, nos autos do processo administrativo, as
quais convergem no sentido de se anular o ato de movimentação do
servidor militar por absoluta necessidade do serviço.
Mandado de segurança concedido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade,
conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.
Brasília (DF), 22 de junho de 2011 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator
DJe 05.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Mandado de segurança impetrado por
Célio de Souza Lima, apontando como autoridades coatoras o Comandante do
Exército e o Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, buscando anular o “ato
administrativo que transferiu o autor para a guarnição do Rio de Janeiro-RJ”.
A em. Ministra Eliana Calmon, à época relatora, indeferiu a liminar assim:
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar inaudita altera
parte, impetrado por Célio de Souza Lima, contra ato do Comandante do
Exército e do Chefe do Departamento Geral de Pessoal, consubstanciado no
indeferimento do pedido de reconsideração da decisão que determinou sua
transferência ex officio.
Alega o impetrante ter pleiteado a anulação de sua transferência para a
Companhia do Comando da 1ª Região Militar do Rio de Janeiro, sendo o pedido
de reconsideração indeferido, em 22 de fevereiro de 2010, pelo Chefe do
Departamento Geral de Pessoal, ao argumento de não se enquadrar a hipótese
em nenhuma das situações autorizadoras do art. 10 das IG 01-02, verbis:
Art. 10. A anulação ou a retificação de uma movimentação somente
pode ser efetuada caso ocorra uma das situações abaixo, a qual deve
constar do ato:
I - por ordem do Comandante do Exército;
II - por absoluta necessidade do serviço;
III - por motivo de saúde do militar ou de seu dependente; e
IV - por inconveniência ou incompatibilidade de o militar servir na OM
ou na guarnição de destino.
Argumenta que o decisum fere direito líquido e certo na medida em que o
próprio Comandante do 41º Bl Mtz de Jataí-GO foi claro ao expressar a “absoluta
88
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
necessidade de serviço” para a permanência do militar no Batalhão, fato que
autorizaria a retificação ou anulação de sua transferência.
Sustenta o autor ter recorrido administrativamente, dirigido-se ao impetrado,
Comandante do Exército, pugnando pela anulação do ato de movimentação do
autor do 41º Bl Mtz de Jataí-GO, sendo, mais uma vez, indeferido o pedido.
Informa ter pedido lhe fosse fornecida cópia integral dos autos administrativos,
NUP n. 64103.000003/2001-58 e n. 64103.000007/2010-36, obtendo apenas
acesso ao primeiro procedimento, o qual traz a decisão que aponta a absoluta
necessidade de serviço para sua permanência do impetrante em Jataí-GO.
Entendendo presentes os pressupostos autorizadores da tutela de urgência,
o fumus boni iuris, consubstanciado pelo direito exposto, e o periculum in mora,
traduzido pela necessidade de retorno do impetrante o mais breve possível para
desempenhar suas funções na em Jataí-GO, pede a concessão da medida liminar.
Decido:
A concessão da medida liminar exige demonstração do periculum in mora,
que se traduz na urgência da prestação jurisdicional, bem como a caracterização
do fumus boni iuris, ou seja, consistente na plausibilidade do direito alegado, de
forma concomitante.
Tendo em vista a existência de ato que, por si só, seria suficiente para retificar
ou anular a decisão de transferência do autor, tem-se, em tese, o fumus boni iuris.
Entretanto, pelo que dos autos consta, o impetrante já se encontra transferido
para a Companhia do Comando da 1ª Região Militar do Rio de Janeiro, pois
pugnou o seu retorno à cidade de Jataí-GO, inexistindo, neste ponto, o perigo da
demora, uma vez ter o ato coator se consumado plenamente.
Não demonstrada a existência de periculum in mora, inexistindo a urgência
pleiteada, indefiro a liminar requerida.
Solicitem-se as informações de estilo às autoridades coatoras. Que as
informações sejam instruídas com cópia do Processo Administrativo NUP n.
64103.000007/2010-36, não fornecida ao impetrante.
Após, ouça-se o MPF.
Intimem-se.
As informações foram prestadas (fls. 84-145), e o Dr. Wallace de Oliveira
Bastos, Subprocurador-Geral da República, opinou pela concessão da segurança
(fls. 155-160).
É o relatório.
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
89
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O impetrante, 1º Sargento
do Exército, irresigna-se por ter sido transferido, ex officio, do 41º Batalhão
de Infantaria Motorizado (41º BI Mtz), em Jataí-GO, para a Companhia de
Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. A
referida movimentação consta do Aditamento da DCEM 3E ao Boletim do
DGP n. 076, de 23.12.2009 (fl. 42).
O pedido de reconsideração formulado pelo impetrante foi indeferido
pelo Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, tendo em vista que o pleito do
requerente não se enquadraria em nenhuma das situações autorizadas no art. 10
das IG 10-02 (fl. 39).
Nas informações prestadas, afirmam as autoridades apontadas como
coatoras, com base na legislação em vigor, (i) que o militar, após cumprir o
tempo mínimo de permanência em “GU Esp”, poderá ser movimentado, de
acordo com o interesse do serviço e a critério do “O Mov” (fl. 86); (ii) que as
movimentações, em geral, visam, “prioritariamente, ao preenchimento de cargos
e funções previstos no Quadro de Cargos Previstos (QCP), que estabelece todas
as especialidades exigidas para o desempenho do cargo, no intuito de assegurar
a existência do efetivo necessário à eficiência operativa e administrativa das
Organizações Militares, podendo ser atendidos interesses individuais, quando
for possível conciliá-los com as exigências do serviço” (fl. 86); (iii) que “quanto
à existência de claros no Quadro de Cargos Previstos (QCP) do 41º BIMtz
( Jatái-GO), saliente-se que a decisão de seu preenchimento, ou não, é da
competência exclusiva da Alta Administração de Pessoal do Exército, decorrente,
dentre outras razões da eficiência administrativa e operacional e do percentual
do efetivo que deva existir em cada OM, considerando-se sempre os interesses
maiores da Instituição, com suas reais necessidades, conduzindo-os sem qualquer
sentido de particularização, no contexto do cumprimento de uma Política de
Pessoal determinada pelo Comandante da Força Terrestre”; (iv) que, “no caso
concreto, o interesse público envolve justamente a segurança nacional, haja vista
a questão relacionar-se com os serviços prestados pelas Forças Armadas, a quem
compete determinar como se dará a distribuição de seu contingente, levandose em conta a necessidade e as condições de cada região” (fl. 90); (v) que, na
linha da jurisprudência desta Corte, “mostra-se inviável o controle do juízo de
conveniência e oportunidade da Administração na hipóteses de transferência
de militares, sob pena de ofensa ao princípio da tripartição dos poderes” (fl. 90).
90
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Cita o RMS n. 13.151-PR, publicado em 10.12.2007, Sexta Turma, da relatoria
da em. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Extraio do Despacho Decisório n. 078/2010, de 06.05.2010, do
Comandante do Exército, que, in verbis:
3. No mérito:
[...]
– segundo o Regulamente de Movimentação para Oficiais e Praças do
Exército (R-50), aprovado com o Decreto n. 2.040, de 21 Out 1996, movimentação
é a “denominação genérica do ato administrativo realizado para atender às
necessidades do serviço, com vista a assegurar a presença do efetivo necessário à
eficiência operacional e administrativa das OM”;
– por intermédio da movimentação, a Administração Militar busca o equilíbrio
na distribuição do efetivo entre as diversas Organizações Militares (OM) da Força
Terrestre e, ao mesmo tempo, proporciona ao militar vivência nacional, atributo
de suma importância na vida castrense;
– portanto, é da própria natureza e especificidades da profissão militar,
a sujeição a movimentações para qualquer parte do País e até mesmo para
o exterior; tal previsão consta no art. 2º do R-50, aprovado com o Decreto n.
2.040, de 1996, que prevê, ainda, a possibilidade de serem atendidos interesses
individuais, quando for possível conciliá-los com as exigências do serviço;
– nesse contexto, tendo o recorrente permanecido por mais de 16 (dezesseis)
anos na guarnição de jataí, o Órgão Movimentador, observados os requisitos de
habilitação militar necessários para o exercício do cargo, o efetivo previsto para
a OM e, principalmente, o interesse do serviço, realizou o ato de transferência do
militar;
– quanto aos problemas de saúde na família, não há no processo inequívoca
de que tais problemas sejam impeditivos para a concretização da movimentação;
ademais, pelo que se infere da documentação carreada aos autos, o sogro do
recorrente nem mesmo é seu dependente, consoante o preconizado na Lei n.
6.880, de 09 Dez 1980 (Estatuto dos Militares);
– os argumentos relativos às situações labora do cônjuge do recorrente e
discente de sua filha, também não o socorrem, porquanto não configuram
situações que impossibilitem a transferência, tampouco afastam a submissão
ao regramento militar pertinente, no caso, às normas que regulamentam a
movimentação dos militares; (fls. 97-98).
Efetivamente, não discordo do entendimento de que ao Poder Judiciário,
na sua atividade jurisdicional, descabe ingressar no reexame do juízo de
conveniência, oportunidade e discricionariedade da administração pública, aí
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
91
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
incluída a administração militar em relação ao controle das movimentações dos
servidores públicos militares.
Aqui, entretanto, verifico que a movimentação impugnada esbarra na
legalidade.
De fato, as Instruções Gerais para Movimentação de Oficiais e Praças do
Exército – IG 10-02 (aprovada pela Portaria do Comandante do Exército n.
325, de 06.07.2000), juntadas às fls. 25-37, dispõem:
Art. 2º Cabe ao Estado-Maior do Exército (EME) estabelecer as prioridades para
completamento de claros das diversas Organizações Militares (OM) do Exército.
Art. 3º Cabe ao Departamento-Geral do Pessoal (DGP) fixar os percentuais de
efetivos, dentro de cada prioridade, em função das disponibilidades de recursos
humanos.
[...]
Art. 10. A anulação ou a retificação de uma movimentação somente pode ser
efetuada caso ocorra uma das situações abaixo, a qual deve constar do ato:
I - por ordem do Comandante do Exército;
II - por absoluta necessidade do serviço;
III - por motivo de saúde do militar ou de seu dependente; e
IV - por inconveniência ou incompatibilidade de o militar servir na OM ou na
guarnição de destino.
Já o Comandante do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado, no processo
administrativo respectivo, manifestou-se pela permanência do impetrante no
referido batalhão por flagrante interesse do serviço e da administração militar,
apresentando a seguinte motivação:
a. O referido militar foi indicado por esta OM e nomeado pela 11ª Região
Militar para frequentar o estágio de Identificador de Corpo de Tropa no corrente
ano, a fim de compor a Equipe de Identificação desta Organização Militar,
conforme determinação contida na Portaria n. 133-DGP de 10 Jun 2008, tendo
concluído-o com aproveitamento e considerado apto para o exercício das funções
correspondentes, as quais passou a exercer efetivamente após a designação feita
pela 11ª Região Militar, publicada no Boletim Regional n. 37, de 17 de setembro
de 2009 e transcrita no Boletim Interno n. 189, de 15 de outubro de 2009, do 41º
BI Mtz (documento anexo);
[...]
e. Tendo em vista a necessidade de composição/manutenção da equipe
habilitada para o exercício das funções de Identificação de Corpo de Tropa nesta
92
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
OM, verifica-se que a permanência do referido sargento neste Batalhão atenderá,
substancialmente, ao aprimoramento constante da eficiência da Instituição, pois já
desempenha a função de Identificador de Corto de Tropa e também, em razão da
absoluta necessidade do serviço e da imprescindibilidade e confiabilidade exigidas,
pois desenvolve a coleta e lançamento dos dados no EBCorp (Banco de Dados
Corporativos do Exército Brasileiro);
f. Em que pese a necessidade do serviço demonstrada acima, o referido
sargento foi inicialmente movimentado para a 20ª Companhia de Comunicações
Paraquedista (Rio de Janeiro-RJ), conforme publicado no Adt da DCEM 3 Q ao
Boletim do DGP n. 064, de 11 de novembro de 2009.
g. Em face dessa movimentação, foi interposto requerimento de
reconsideração de ato ao Senhor Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, o
qual proferiu decisão revogando a respectiva transferência (Aditamento 3D ao
Boletim DGP n. 074, de 16 de dezembro de 2009), com fundamento nos motivos
alegados na informação deste Comando, determinando inclusive que o sargento
deveria permanecer na sua OM (41ª BI Mtz), “na condição de adido como se efetivo
fosse, aguardando abertura de claro/vaga, em caráter excepcional, atendendo aos
motivos contidos na Informação n. 27-S1.3, de 18 de novembro de 2009, desta
OM”.
h. Posteriormente a essa anulação de transferência, o sargento em tela foi
novamente movimentado para a Guarnição do Rio de Janeiro (Companhia de
Comando da 1ª Região Militar – Rio de Janeiro-RJ), conforme Adt da DCEM 3E
ao Boletim do DGP n. 076, de 23 de dezembro de 2009, tendo o Interessado
ingressado com requerimento de reconsideração de ato dirigido ao Senhor Chefe
do Departamento-Geral do Pessoal.
i. Os motivos que levaram ao ingresso de novo requerimento de
reconsideração de ato de movimentação de ato de movimentação foram os
mesmos que fundamentaram a primeira anulação de movimentação do 41º BI
Mtz à 20ª Cia. Com Pqdt (Informação n. 27-S1.3, de 18 de novembro de 2009,
desta OM e exposição de motivos), porém, nesse novo requerimento os motivos
elencados na informação (reproduzem os mesmos da primeira informação já citada)
não foram alvo de apreciação, conforme se verifica na decisão publicada no Adt 5E
- DCEM ao Boletim do DGP n. 014, de 22 de fevereiro de 2010, tendo sido analisados
apenas os motivos constantes na exposição feita pelo militar, os quais levaram ao
indeferimento do pedido de reconsideração de ato.
k. Por fim, importa ressaltar que caso seja deferida a revogação da respectiva
movimentação, além de atender ao principal motivo deste requerimento
(absoluta necessidade do serviço), a permanência do militar nesta OM
atenderá aos interesses particulares da família, na medida em que sua esposa,
por ser filha única, presta auxílio direto aos pais, os quais possuem idade avançada.
3. Despacho
Há coerência entre o requerido e a legislação vigente. Não há inconveniência para
o serviço. Encaminhe-se (fls. 126-128).
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
93
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sem dúvida, diante do texto acima, que acabo de ler, a situação concreta
impõe a concessão da ordem, sem que isso implique reexaminar a conveniência,
a oportunidade e a discricionariedade. É que as decisões da autoridades
apontadas como coatoras estão baseadas na alegação genérica de “interesse da
administração militar”, sem mencionar quaisquer argumentos, particularidades,
ou situações específicas que justifiquem a efetiva necessidade de movimentação
do impetrante para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia.
Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. Em outras palavras, a tese genérica de
“interesse da administração militar” não satisfaz, no presente caso, o requisito da
motivação e, por isso, não tem força suficiente para se contrapor à manifestação
do Comandante do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado, que, diversamente,
está assentada em argumentos concretos, em fatos, em informações reveladores
da real necessidade de serviço para o retorno do impetrante ao 41º BI Mtz.
Com isso, encontra-se presente a hipótese prevista no art. 10, inciso II, das
Instruções Gerais para Movimentação de Oficiais e Praças do Exército – IG
10-02, segundo a qual a anulação ou a retificação de uma movimentação pode
ser efetuada “por absoluta necessidade do serviço”.
Ante o exposto, concedo a ordem para anular a movimentação do
impetrante para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo
1º RM), no Rio de Janeiro-RJ.
MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.434-DF (2010/0112746-3)
Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha
Impetrante: Rosendo Rodrigues Baptista Neto
Advogado: Deise Mendroni Menezes e outro(s)
Impetrado: Ministro de Estado da Justiça
Interessado: União
EMENTA
Mandado de segurança. Administrativo. Processo Administrativo
Disciplinar. Comissão Designada Superintendente Regional.
Legalidade. Ausência de prejuízo.
94
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
– É legal a delegação de competência ao Superintendente
Regional da Polícia Federal para designar membros de comissão
disciplinar. Precedentes.
– Só se declara a nulidade do processo administrativo disciplinar
por vícios meramente formais quando for evidente o prejuízo à defesa,
o que não ocorreu no caso.
Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade,
denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins,
Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Impedido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 14 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator
DJe 23.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Mandado de Segurança preventivo,
com pedido liminar, impetrado por Rosendo Rodrigues Baptista Neto contra
ato supostamente ilegal a ser praticado pelo Ministro de Estado da Justiça.
Diz o impetrante ocupar o cargo de policial federal e, submetido a processo
administrativo disciplinar, apoiado em inquérito policial e ação penal pública,
foi indiciado por falta disciplinar grave, consistente no fato de ter supostamente
“se afastado do serviço por força de atestados médicos para trabalhar como
segurança de pessoa de maus antecedentes criminais e que, anteriormente,
havia sido presa por tráfico de drogas, recebido pagamentos periódicos da
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
95
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
referida pessoa, viajado ao exterior às suas expensas e auxiliado no transporte
e introdução no país de valores, sem os registros legais, em evidente esquema
de lavagem de dinheiro, condutas que, em tese, configuram as transgressões
disciplinares tipificadas nos incisos VII, VIII, IX, XXVII, XLVIII e LIII do
artigo 43 da Lei n. 4.878, de 03.12.1965” (fl. 02).
Esclarece que, “subindo os autos a e. Corregedoria-Geral, em Brasília,
sobreveio o Parecer n. 93/2010-CODIS/COGER/DPF, acompanhando o
relatório opinativo da Comissão, o Despacho n. 240/2010-CODIS/COGER/
DPF aprovando-o e o Despacho n. 51.079/2010 – COGER-DPF, onde após a
aprovação do despacho da CODIS, determinou a remessa dos autos ao Ministro
da Justiça para decisão, tendo em vista penalidade punível com demissão (doc.
11-13)” (fl. 03).
Alega nulidade absoluta do processo administrativo disciplinar aos
argumentos, em síntese, de que a designação da comissão processante teria se
dado após o fato, o que seria ilegal, e de que foi feita por agente incompetente.
A medida liminar foi indeferida em 23 de julho de 2010 pelo Ministro
Hamilton Carvalhido, no exercício da Presidência, por falta do fumus boni iuris e
por confundir-se o pedido com o mérito da própria impetração.
O Ministro de Estado da Justiça prestou informações em 12.08.2010 (fls.
301-472), defendendo a validade do processo administrativo disciplinar.
O Ministério Público Federal, pelo parecer de fls. 475-480, opina pela
denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Tenho que a ordem deve ser
denegada.
Segundo o impetrante, a nulidade do procedimento administrativo
decorreria de vício na designação da comissão processante, que teria sido esta
criada com o objetivo específico de apurar o fato e constituída por agente
incompetente.
Em relação à incompetência do agente, a impetração não tem amparo na
jurisprudência firmada pela egrégia Terceira Seção desta Corte, que entende
96
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
ser legal a delegação de competência ao Superintendente Regional da Polícia
Federal para designar membros de comissão disciplinar.
Confiram-se os seguintes precedentes:
Mandado de segurança preventivo. Servidor público civil. Agente de polícia
federal. Comissão permanente de disciplina. Designação. Processo Administrativo
Disciplinar. Instauração. Competência. Superintendente Regional da Polícia
Federal. Legalidade. Delegacia regional. Transformação. Superintendência
Regional. Art. 53 da Lei n. 4.878/1965 c.c. art. 5º do Decreto n. 70.665/1972.
Reinquirição de testemunha. Indeferimento. Cerceamento de defesa. Não
ocorrência. Segurança denegada.
I – O Superintendente Regional de Polícia Federal tem competência para
designar os membros de comissão permanente de disciplina, bem como
determinar a abertura de procedimento administrativo disciplinar, no âmbito da
respectiva Superintendência.
II – Interpretação do artigo 53 da Lei n. 4.878/1965 em conformidade com as
novas denominações atribuídas aos órgãos e cargos que compõem a estrutura
do Departamento de Polícia Federal, a partir da edição do Decreto n. 70.665/1972.
III - É legal a delegação de competência atribuída ao Superintendente Regional
para a designação dos membros integrantes das Comissões de Disciplina, contida
no artigo 38, inciso XII, do Regimento Interno do Departamento de Polícia Federal,
aprovado pela Portaria n. 1.825/2006, do em. Ministro de Estado da Justiça, por
revelar típico ato de desconcentração administrativa.
[...]
Ordem denegada (MS n. 14.401-DF, Ministro Felix Fischer, DJe de 23.03.2010).
Mandado de segurança preventivo. Agentes da polícia federal. Processo
Administrativo Disciplinar. Superintendente Regional do Departamento de
Polícia Federal. Designação dos membros da comissão processante. Possibilidade.
Comissão temporária. Inobservância do art. 53, § 1º, da Lei n. 4.878/1965.
Nulidade.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do MS
n. 14.401-DF, firmou entendimento no sentido de ser legal a delegação de
competência atribuída ao Superintendente Regional para a designação dos
membros integrantes das Comissões de Disciplina.
[...]
3. Segurança parcialmente concedida (MS n. 14.310-DF, Ministro Og Fernades,
DJe de 10.09.2010).
Tal orientação, no meu entender, deve ser mantida por esta Primeira Seção.
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
97
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em relação à designação da comissão processante após o fato, também
improsperável a pretensão de reconhecimento de nulidade. O impetrante
alega, no ponto, que houve ofensa ao princípio do juiz natural (Constituição
Federal, art. 5º, incisos XXXVII e LIII), isso porque, “em que pese a portaria
de constituição da Quinta Comissão denominá-la como ‘permanente’, o fato é
que veio ela a ser instalada para apuração apenas da referida ‘operação império’,
posto que encerrados os trabalhos foi a comissão destituída” (fl. 14).
Ocorre que, reconhecida a competência da comissão processante pelos
fundamentos já aduzidos, não há violação das garantias constitucionais relativas
ao processamento por autoridade competente (CF, art. 5º, inciso LIII) e à
proibição de juízos ou Tribunais de exceção (CF, art. 5º, inciso XXXVII).
Além disso, as razões deduzidas no writ não apontam nenhum prejuízo
efetivo advindo da designação da comissão processante posterior à defesa
do servidor indiciado, pelo que se aplica, à espécie, o princípio “pas de nullité
sans grief”. Com efeito, na esteira dos precedentes desta Corte, só se declara a
nulidade do processo administrativo disciplinar por vícios meramente formais
quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso.
Confira-se, entre tantos julgados, recente acórdão da Segunda Turma:
Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor
público. Nulidades do PAD. Ausência de comprovação de prejuízo à defesa.
Corrupção. Comprovação. Pena de demissão. Proporcionalidade com os fatos
apurados. Segurança denegada.
[...]
3. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento segundo
o qual somente se declara nulidade de processo administrativo quando for
evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido (RMS n. 32.536PE, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 13.04.2011).
Faço consignar, por fim, que, em memorial, a União informou que a
demissão do impetrante consta da Portaria n. 3.064, de 24.09.2010, DOU de
27.09.2010, do Ministro de Estado da Justiça, o que tornaria sem objeto o
presente mandado de segurança preventivo. Prejudicado, contudo, tal argumento,
em razão da orientação firmada no REsp n. 817.846-MG, que cito entre outros.
Diante disso, voto pela denegação da ordem.
98
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Senhor Presidente, nao
vou divergir da maioria desta Seção. Vou só ressaltar meu ponto de vista,
acompanhar o voto do eminente Relator e frisar que, em 09 de setembro do ano
passado, sob minha relatoria, a douta Quinta Turma decidiu no sentido do meu
voto, que agora ressalvo.
2. Acompanho o voto do Senhor Ministro Relator, ressalvando meu ponto
de vista quanto a essa orientação.
RECURSO ESPECIAL N. 1.213.082-PR (2010/0177630-8)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Beneficiamento Santo André Ltda.
Advogado: Pedro Henrique Igino Borges e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Tributário. Recurso Especial Representativo da
Controvérsia (art. 543-C, do CPC). Art. 535, do CPC, ausência de
violação. Compensação de ofício prevista no art. 73, da Lei n. 9.430/1996
e no art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986. Concordância tácita e retenção
de valor a ser restituído ou ressarcido pela Secretaria da Receita Federal.
Legalidade do art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997. Ilegalidade
do procedimento apenas quando o crédito tributário a ser liquidado se
encontrar com exigibilidade suspensa (art. 151, do CTN).
1. Não macula o art. 535, do CPC, o acórdão da Corte de
Origem suficientemente fundamentado.
2. O art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/1997, bem
como as instruções normativas da Secretaria da Receita Federal que
regulamentam a compensação de ofício no âmbito da Administração
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
99
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tributária Federal (arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF n. 21/1997; art. 24, da
IN SRF n. 210/2002; art. 34, da IN SRF n. 460/2004; art. 34, da IN
SRF n. 600/2005; e art. 49, da IN SRF n. 900/2008), extrapolaram o
art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, tanto em sua redação original
quanto na redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005,
somente no que diz respeito à imposição da compensação de ofício
aos débitos do sujeito passivo que se encontram com exigibilidade
suspensa, na forma do art. 151, do CTN (v.g. débitos inclusos no
Refis, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN,
a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que
deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de
concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto
n. 2.138/1997. Precedentes: REsp n. 542.938-RS, Primeira Turma,
Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 18.08.2005; REsp n. 665.953RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado
em 05.12.2006; REsp n. 1.167.820-SC, Segunda Turma, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 05.08.2010; REsp n. 997.397RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04.03.2008;
REsp n. 873.799-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, julgado em 12.08.2008; REsp n. 491.342-PR, Segunda
Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18.05.2006;
REsp n. 1.130.680-RS Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado
em 19.10.2010.
3. No caso concreto, trata-se de restituição de valores
indevidamente pagos a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica
- IRPJ com a imputação de ofício em débitos do mesmo sujeito
passivo para os quais não há informação de suspensão na forma do
art. 151, do CTN. Impõe-se a obediência ao art. 6º e parágrafos do
Decreto n. 2.138/1997 e normativos próprios.
4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao
regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte
100
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
resultado de julgamento: “A Seção, por unanimidade, deu parcial provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.”
Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha, Francisco
Falcão, Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e
Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Licenciado o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira.
Brasília (DF), 10 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 18.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto com fulcro no permissivo do art. 105, III, a, da Constituição
Federal de 1988, contra acórdão que entendeu ilegal a retenção de valor a ser
restituído ou ressarcido quando o contribuinte manifesta a sua discordância
em procedimento de compensação de ofício, previsto no art. 73, da Lei n.
9.430/1996 e art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986. O acórdão restou assim
ementado (e-STJ fls. 516-520):
Tributário. Compensação de ofício. Lei n. 9.430. Art. 73. Decreto n. 2.138.
Discordância do contribuinte. Retenção. Ilegalidade.
O Decreto n. 2.138, ao dispor sobre a compensação de ofício de tributos e
contribuições sob administração da Secretaria da Receita Federal, admitindo a
retenção do valor da restituição ou do ressarcimento, até a liquidação do débito
apurado pelo Fisco, desbordou dos limites da lei. O artigo 73 da Lei n. 9.430/1996,
ao disciplinar a compensação realizada pela Secretaria da Receita Federal em
procedimentos internos, não a autoriza a proceder a retenção do crédito a ser
restituído ou ressarcido ao contribuinte, ante a discordância deste.
Os embargos de declaração interpostos restaram acolhidos apenas para
efeito de prequestionamento (e-STJ fls. 536-541).
Alega a recorrente que houve violação aos arts. 535, II, do CPC; art. 7º
e §§ do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (com a redação dada pelo art. 114, da
Lei n. 11.196, de 2005); art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e art. 6º, do Decreto
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
101
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
n. 2.138/1997. Afirma que a compensação de ofício, bem como a retenção
dos valores a serem restituídos ou ressarcidos quando há manifestação do
contribuinte contrária à compensação, são procedimentos que estão de acordo
com a legislação em vigor (e-STJ fls. 551-563).
Contra-razões nas e-STJ fls. 570-585.
Recurso regularmente admitido na origem (e-STJ fls. 588-589).
Ao verificar que o tema do recurso é repetitivo no âmbito da Primeira
Seção do STJ, exarei decisão submetendo o feito a julgamento pelo novo
procedimento do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, regulamentado
pela Resolução STJ n. 8/2008 (e-STJ fls. 597-598).
Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso
especial (e-STJ fls. 604-608).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): De início, afasto a
ocorrência de violação ao art. 535, do CPC. Efetivamente, o acórdão prolatado
pela Corte de Origem examinou de forma suficiente a causa e se encontra
respaldado em fundamentação adequada. O Poder Judiciário não está obrigado
a examinar expressamente todas as teses e artigos de lei invocados pelas partes,
bastando proferir julgado suficientemente fundamentado.
Em razão de prequestionamento implícito, conheço do recurso especial
quanto à alegada violação ao art. 7º e §§ do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (com
a redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005); ao art. 73, da Lei n.
9.430/1996 e ao art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997.
Examino o mérito.
Diz o Código Tributário Nacional - CTN (Lei n. 5.172/1966) que a lei
pode autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e
certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo. In litteris:
Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja
estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a
compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou
vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (Vide Decreto n. 7.212, de
2010).
102
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei
determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não
podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1%
(um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a
do vencimento.
Certa é a obrigação a respeito da qual não paira dúvida sore sua existência.
Líquida é a obrigação certa quanto a sua existência e determinada quanto ao
seu objeto. Vencida é a obrigação que já pode ser exigida, ou seja, exigível.
Regra geral, a compensação somente pode ocorrer entre dívidas certas, líquidas
e exigíveis, tal é a disciplina do art. 369, do Código Civil de 2002 (antigo art.
1.010, do CC/1916) ao estabelecer que a compensação se efetua entre dívidas
líquidas e vencidas. Veja-se:
Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas
fungíveis.
No caso da compensação tributária, o CTN dispensou a exigibilidade do
crédito do contribuinte ao permitir que ele compensasse crédito vincendo na
forma da lei. No entanto, a exigibilidade não foi dispensada para os créditos
tributários, que deverão ser sempre certos, líquidos e exigíveis para participarem
de uma compensação.
Pois bem, rege o Decreto-Lei n. 2.287/1986 que a Secretaria da Receita
Federal do Brasil - SRF, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de
tributos, deverá compensar de ofício (ato vinculado) o valor a ser ressarcido ou
restituído, com eventuais débitos do contribuinte beneficiado pela restituição ou
ressarcimento. Transcrevo:
Decreto-Lei n. 2.287/1986 (redação original).
Art. 7º A Secretaria da Receita Federal, antes de proceder a restituição ou ao
ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda
Nacional.
§ 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou
ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.
§ 2º O Ministério da Fazenda disciplinará a compensação prevista no parágrafo
anterior.
A compensação de ofício surgiu, portanto, como uma imposição legal ao
Fisco Federal e sem a limitação para a compensação entre tributos de mesma
espécie, pois na sua feitura a SRF deve obedecer ao art. 163, do CTN, que
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
103
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
estabelece de forma subsidiária as normas de imputação em pagamento próprias
do Direito Tributário, a saber:
Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo
sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos
ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária
ou juros de mora, a autoridade administrativa competente para receber o
pagamento determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras,
na ordem em que enumeradas:
I - em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar
aos decorrentes de responsabilidade tributária;
II - primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos
impostos;
III - na ordem crescente dos prazos de prescrição;
IV - na ordem decrescente dos montantes.
A compensação voluntária somente passou a existir com a publicação do
art. 66, da Lei n. 8.383/1991 (alterado pela Lei n. 9.069/1995), que autorizou
a realização da compensação tributária diretamente pelo contribuinte, desde
que para pagamento de débitos de períodos seguintes de tributos de mesma
espécie daqueles que seriam restituídos, excepcionando as regras de imputação
do art. 163, do CTN. O artigo de lei permitiu ao contribuinte também optar
pelo pedido de restituição, situação na qual permaneceria aplicável o art. 7º, do
Decreto-Lei n. 2.287/1986 (compensação de ofício), a impedir a restituição
enquanto o contribuinte fosse devedor da Fazenda Nacional por crédito certo,
líquido e exigível. Ipsis verbis:
Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições
federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando
resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória,
o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de
importância correspondente a período subseqüente (Redação dada pela Lei n.
9.069, de 29.06.199) (Vide Lei n. 9.250, de 1995).
§ 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e
receitas da mesma espécie (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199).
§ 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição (Redação dada
pela Lei n. 9.069, de 29.06.199).
§ 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo ou
contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na variação da UFIR
(Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199).
104
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
§ 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o
Instituto Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias
ao cumprimento do disposto neste artigo (Redação dada pela Lei n. 9.069, de
29.06.199).
Desse modo, permaneceu aplicável no período de vigência do art. 66, da
Lei n. 8.383/1991, a imposição da compensação de ofício para os casos em
que o contribuinte optou por pedido de restituição ou nas situações em que foi
constatado crédito seu por restituição ou ressarcimento sem qualquer utilização
voluntária por si efetuada.
Posteriormente, a sistemática de compensação voluntária recebeu
alterações pela Lei n. 9.430/1996, e, para disciplinar internamente a forma
como se daria dentro da contabilidade pública a compensação de ofício prevista
no Decreto-Lei n. 2.287/1986, entre tributos de espécies diversas, já que
possuem destinações constitucionais distintas, foi publicado o art. 73, da Lei n.
9.430/1996. Disse o prefalado artigo de lei:
Art. 73. Para efeito do disposto no art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho
de 1986, a utilização dos créditos do contribuinte e a quitação de seus débitos
serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria da Receita Federal,
observado o seguinte:
I - o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do
tributo ou da contribuição a que se referir;
II - a parcela utilizada para a quitação de débitos do contribuinte ou responsável
será creditada à conta do respectivo tributo ou da respectiva contribuição.
Dentro da mesma Lei n. 9.430/1996 foi originalmente publicado também
o art. 74, que permitiu ao contribuinte efetuar requerimento a fim de excepcionar
as regras de imputação em pagamento previstas para a compensação de ofício
(art. 163, do CTN) para quitar débitos de seu interesse fora daquela ordem
de imputação e agora também de outros tributos que não fossem de mesma
espécie. Transcrevo:
Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita
Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização
de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer
tributos e contribuições sob sua administração.
A sistemática vigorou até o advento da Medida Provisória n. 66/2002
(convertida na Lei n. 10.637/2002) que realizou alterações no art. 74, da Lei
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
105
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
n. 9.430/1996 para criar a Declaração de Compensação, onde foi facultado ao
contribuinte escolher os débitos e créditos próprios que pretende compensar.
No entanto, em que pesem as sucessivas alterações legislativas, sempre foi
preservada de forma subsidiária a compensação de ofício prevista no DecretoLei n. 2.287/1986 quando a SRF identificar valor a ser restituído ou ressarcido
ao contribuinte que não houver sido voluntariamente compensado com qualquer
débito seu.
Sendo assim, dos artigos de lei citados extrai-se que a restituição ou o
ressarcimento de tributos, por força do Decreto-Lei n. 2.287/1986, sempre esteve
legalmente condicionada à inexistência de débitos certos, líquidos e exigíveis por parte
do contribuinte, sendo dever da Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF efetuar
de ofício a compensação sempre que o contribuinte não o fizer voluntariamente.
Nessa linha de entendimento, foi publicado o Decreto n. 2.138/1997, que
determinou fosse efetuada a notificação ao sujeito passivo antes da feitura da
compensação de ofício a fim de que ele exercesse o direito que o art. 74, da Lei
n. 9.430/1996, em sua redação original, lhe permitiu. Verbo ad verbum:
Decreto n. 2.138/1997.
Art. 6° A compensação poderá ser efetuada de ofício, nos termos do art. 7° do
Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, sempre que a Secretaria da Receita
Federal verificar que o titular do direito à restituição ou ao ressarcimento tem
débito vencido relativo a qualquer tributo ou contribuição sob sua administração.
§ 1° A compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para
que se manifeste sobre o procedimento, no prazo de quinze dias, sendo o seu silêncio
considerado como aquiescência.
§ 2° Havendo concordância do sujeito passivo, expressa ou tácita, a Unidade
da Secretaria da Receita Federal efetuará a compensação, com observância do
procedimento estabelecido no art. 5°.
§ 3° No caso de discordância do sujeito passivo, a Unidade da Secretaria da Receita
Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado.
Com efeito, o Decreto n. 2.138/1997, ao determinar a notificação prévia
do contribuinte para se manifestar a respeito do procedimento de compensação
de ofício, criou uma verdadeira liberalidade, um benefício ao devedor, já que
a legislação em vigor aqui examinada jamais condicionou a compensação de
ofício a qualquer notificação prévia, muito menos à concordância do sujeito
passivo, pois a compensação de ofício se trata de comando impositivo da lei
106
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
à Administração Tributária Federal sempre que não houver compensação
voluntária pelo sujeito passivo.
Nessa linha, relevante observar que o objetivo do Decreto n. 2.138/1997, ao
estabelecer a obrigatoriedade da notificação prévia, foi o de direcionar situações
que ensejariam a compensação de ofício para o caminho da compensação
voluntária, oportunizando ao devedor indicar os débitos que tem preferência
por liquidar.
Outrossim, tal procedimento de notificação é salutar, pois traz o benefício
de prevenir litígios administrativos e judiciais que naturalmente adviriam de
uma compensação efetuada com o desconhecimento do contribuinte. À toda
evidência, podem existir créditos tributários que o contribuinte entende por
ilegítimos e que pretende discutir administrativamente ou judicialmente. Nesse
contexto, a intenção do ato normativo foi a de que o contribuinte tomasse o
rumo proposto pelo art. 74, da Lei n. 9.430/1996, em sua redação original, que
lhe permitia efetuar requerimento a fim de escolher os débitos a serem quitados.
É por tais motivos que foi possível ao Decreto n. 2.138/1997 prever que
o silêncio do contribuinte é considerado como aquiescência ao procedimento
de compensação de ofício, pois não fez uso da oportunidade que lhe foi dada
(art. 6º, § 1º). Da mesma forma, foi possível prever que a discordância do
procedimento permite a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento
até que o débito seja liquidado (art. 6º, § 3º). Ora, “Cui licet quod est plus, licet
utique quod est minus” - “Quem pode o mais, pode o menos”. Se o Fisco Federal
por lei já deveria (ato vinculado) efetuar a compensação de ofício diretamente,
à toda evidência também deve reter (ato vinculado) o valor da restituição ou
ressarcimento até que todos os débitos certos, líquidos e exigíveis do contribuinte
estejam liquidados. O que não é admissível é que o sujeito passivo tenha débitos
certos, líquidos e exigíveis e ainda assim receba a restituição ou o ressarcimento
em dinheiro. Isto não pode. A lei expressamente veda tal procedimento ao
estabelecer a compensação de ofício como ato vinculado quando faz uso das
expressões “deverá verificar” e “será compensado” (art. 7º e § 1º, do Decreto-Lei
n. 2.287/1986).
Nessa toada, a jurisprudência do STJ admite a legalidade dos
procedimentos de compensação de ofício, desde que os créditos tributários em
que foi imputada a compensação não estejam com sua exigibilidade suspensa
em razão do ingresso em algum programa de parcelamento, ou outra forma
de suspensão da exigibilidade prevista no art. 151, do CTN, ressalvando que a
penhora não é forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
107
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ambas as Turmas que têm por competência julgar temas de Direito Tributário,
transcrevo:
Tributário. Crédito presumido de IPI na exportação. Ressarcimento de débito.
Art. 4º da n. 9.363/1993. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do
Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996.
I - Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n.
9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de créditos prêmio de IPI na
exportação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos
do contribuinte pelo Fisco.
II - Recurso especial improvido (REsp n. 542.938-RS, Primeira Turma, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 18.08.2005).
Tributário. Impostos federais incidentes sobre a importação de mercadorias.
Ressarcimento de crédito. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º
do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Compensação.
Certeza e liquidez. Súmula n. 7-STJ.
1. Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei
n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de impostos federais
incidentes sobre a importação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco
de eventuais débitos do contribuinte.
2. Não é possível, em sede de recurso especial, analisar questão relativa a
certeza e liquidez de suposto débito do contribuinte a título de IOF se, para tanto,
for necessário reexaminar os elementos fáticos-probatórios considerados para o
deslinde da controvérsia. Inteligência da Súmula n. 7-STJ.
3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido (REsp
n. 665.953-RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em
05.12.2006).
Tributário. Agravo regimental. Recurso especial. Tributário. Ressarcimento e
restituição. Não-obrigatoriedade de prévia compensação de ofício com débito
parcelado. Ilegalidade do art. 34, § 1º, da Instrução Normativa SRF n. 600/2005.
1. O art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, não diz que os débitos parcelados
devem necessariamente ser objeto de compensação de ofício com valores a
serem objeto de restituição ou ressarcimento.
2. Na compreensão desta Corte, se há a suspensão da exigibilidade na forma
do art. 151, do CTN, não há previsão legal para impor a compensação de ofício ao
contribuinte. Essa imposição somente abrange os débitos exigíveis. Sendo assim, o
procedimento previsto no art. 34, § 1º, da Instrução Normativa SRF n. 600/2005,
que condiciona o ressarcimento à quitação do débito parcelado mediante
compensação de ofício, transborda o disposto no artigos 73, da Lei n. 9.430/1996,
art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, e art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997,
apresentando-se ilegal.
108
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
3. Recurso especial não-provido (REsp n. 1.167.820-SC, Segunda Turma, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05.08.2010).
Tributário. Compensação. Parcelamento.
1. Os débitos incluídos em liquidação parcelada não devem ser considerados
como vencidos para o fim da inclusão em compensação solicitada pelo
contribuinte.
2. A homenagem ao princípio da legalidade não autoriza que, caracterizada
a situação acima enfocada, a administração tributária inclua o débito parcelado
para ser liquidado por compensação.
3. O débito tributário incluído no Refis sujeita-se, necessariamente, a ter sua
exigibilidade suspensa.
4. Impossibilidade de o Fisco reter valores constantes no Refis, não-vencidos, para
serem liquidados em regime de compensação.
5. Certidão expedida com base no art. 206 do CTN tem os mesmos efeitos da
negativa de débitos.
6. Recurso da Fazenda Nacional não-provido (REsp n. 997.397-RS, Primeira
Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04.03.2008).
Tributário. Violação ao art. 535, II, do CPC. Não-ocorrência. Prequestionamento
implícito. Compensação de ofício pela Secretaria de Receita Federal de valores
pagos indevidamente a título de PIS a serem restituídos em repetição de
indébito, com valores dos débitos tributários consolidados no programa Refis.
Impossibilidade. Opção do contribuinte. Art. 163 do CTN. Não-aplicação.
1. Afasto a alegada violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, uma
vez que o acórdão guerreado se pronunciou de forma clara e suficiente sobre as
questões que lhe foram apresentadas, ainda que de forma contrária às pretensões
da recorrente.
2. Não é necessária a expressa alusão às normas tidas por violadas, desde que
o aresto guerreado tenha se manifestado, ainda que implicitamente, sobre a
tese objeto dos dispositivos legais tidos por violados, no caso dos autos, os arts.
7º, caput, e §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e 163 do Código Tribunal
Nacional.
3. Esta Corte vem adotando entendimento no sentido de não ser possível
que a Secretaria de Receita Federal proceda à compensação de ofício de valor a ser
restituído ao contribuinte em repetição de indébito, com o valor do montante de
débito tributário consolidado no Programa Refis, visto que os débitos incluídos no
referido programa tem sua exigibilidade suspensa.
4. O disposto no art. 163 do CTN, que pressupõem a existência de débito
tributário vencido para que se proceda a compensação, não é aplicável ao caso,
pois o valor do débito tributário consolidado no Refis, além de ter sua exigibilidade
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
109
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
suspensa, será pago de acordo com o parcelamento estipulado, sendo opção do
contribuinte compensar os valores dos créditos tributários a serem restituídos em
repetição de indébito, com os débitos tributários consolidados no Programa Refis.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não-provido (REsp
n. 873.799-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em
12.08.2008).
Tributário. Recurso especial. Créditos de IPI. Débitos inscritos no Refis.
Compensação. Faculdade do contribuinte. Inaplicabilidade do art. 163 do CTN.
1. O art. 163 do CTN pressupõe a existência de débito tributário vencido, o que
justifica a imputação ao pagamento imposta pela autoridade fiscal. Situação diversa
é a que corresponde à compensação de créditos de IPI com débitos do contribuinte
que estão sendo pagos no programa de recuperação fiscal - Refis.
2. A legislação de regência não obriga o contribuinte a compensar os valores
de créditos escriturais do IPI com débitos consolidados inscritos no Refis.
3. Recurso especial não-provido (REsp n. 491.342-PR, Segunda Turma, Rel. Min.
João Otávio de Noronha, julgado em 18.05.2006).
Tributário. Compensação de ofício pela Secretaria de Receita Federal de
valores pagos indevidamente a título de PIS e Cofins a serem restituídos em
repetição de indébito, com valores dos débitos tributários consolidados no
programa PAES. Impossibilidade. Art. 151, VI, do CTN. Suspensão da exigibilidade
do crédito tributário. IN’S SRF n. 600/2005 e n. 900/2008. Exorbitância da função
regulamentar.
1. Os créditos tributários, objeto de acordo de parcelamento e, por isso, com
a exigibilidade suspensa, são insuscetíveis à compensação de ofício, prevista no
Decreto-Lei n. 2.287/1986, com redação dada pela Lei n. 11.196/2005.
(Precedentes: AgRg no REsp n. 1.136.861-RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido,
Primeira Turma, julgado em 27.04.2010, DJe 17.05.2010; EDcl no REsp n. 905.071SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 11.05.2010, DJe
27.05.2010; REsp n. 873.799-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, julgado em 12.08.2008, DJe 26.08.2008; REsp n. 997.397-RS, Rel. Ministro
José Delgado, Primeira Turma, julgado em 04.03.2008, DJe 17.03.2008).
2. O art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986, com a redação dada pela A Lei
n. 11.196/2005, prescreveu a possibilidade de compensação, pela autoridade
fiscal, dos valores a serem restituídos em repetição de indébito com os débitos
existentes em nome do contribuinte:
Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou
ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à
Fazenda Nacional.
110
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
§ 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou
ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito.
§ 2º Existindo, nos termos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito
em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas
alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 24 de julho
de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação
à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da
restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o
valor do débito.
§ 3o Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social
estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do
disposto neste artigo.
3. A IN SRF n. 600/2005, com arrimo no § 3º, do art. 7º, do referido Decreto-Lei,
ampliou o cabimento da compensação de ofício prevista no § 1º, que passou a
encartar também os débitos parcelados, verbis:
Art. 34. Antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de crédito
do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional relativo aos tributos
e contribuições de competência da União, a autoridade competente para
promover a restituição ou o ressarcimento deverá verificar, mediante consulta
aos sistemas de informação da SRF, a existência de débito em nome do sujeito
passivo no âmbito da SRF e da PGFN.
§ 1º Verificada a existência de débito, ainda que parcelado, inclusive de
débito já encaminhado à PGFN para inscrição em Dívida Ativa da União, de
natureza tributária ou não, ou de débito consolidado no âmbito do Refis, do
parcelamento alternativo ao Refis ou do parcelamento especial de que trata
a Lei n. 10.684, de 2003, o valor da restituição ou do ressarcimento deverá
ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação em procedimento de
ofício.
4. A IN SRF n. 900/2008, por seu turno, revogando a Instrução Normativa
anterior, dilargou ainda mais a hipótese de incidência da compensação de ofício,
para abranger os débitos fiscais incluídos em qualquer forma de parcelamento,
litteris:
Art. 49. A autoridade competente da RFB, antes de proceder à restituição e
ao ressarcimento de tributo, deverá verificar a existência de débito em nome do
sujeito passivo no âmbito da RFB e da PGFN.
§ 1º Verificada a existência de débito, ainda que consolidado em
qualquer modalidade de parcelamento, inclusive de débito já encaminhado
para inscrição em Dívida Ativa, de natureza tributária ou não, o valor da
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
111
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo,
mediante compensação em procedimento de ofício.
5. A previsão contida no art. 170 do CTN confere atribuição legal às autoridades
administrativas fiscais para regulamentar a matéria relativa à compensação
tributária, dês que a norma complementar (consoante art. 100 do CTN) não
desborde do previsto na lei regulamentada.
6. Destarte, as normas insculpidas no art. 34, caput e parágrafo primeiro, da IN SRF
n. 600/2005, revogadas pelo art. 49 da IN SRF n. 900/2008, encontram-se eivadas de
ilegalidade, porquanto exorbitam sua função meramente regulamentar, ao incluírem
os débitos objeto de acordo de parcelamento no rol dos débitos tributários passíveis de
compensação de ofício, afrontando o art. 151, VI, do CTN, que prevê a suspensão da
exigibilidade dos referidos créditos tributários, bem como o princípio da hierarquia das
leis.
7. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede qualquer ato
de cobrança, bem como a oposição desse crédito ao contribuinte. É que a
suspensão da exigibilidade conjura a condição de inadimplência, conduzindo o
contribuinte à situação regular, tanto que lhe possibilita a obtenção de certidão
de regularidade fiscal.
8. Recurso especial desprovido (REsp n. 1.130.680-RS Primeira Turma, Rel. Min.
Luiz Fux, julgado em 19.10.2010).
De forma isolada, no sentido de admitir a legalidade da compensação de
ofício mesmo quando o débito a ser compensado se encontra com exigibilidade
suspensa, in litteris:
Tributário. Crédito presumido de IPI na exportação. Ressarcimento de débito.
Art. 4º da Lei n. 9.363/1996. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º
do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Parcelamento.
Legitimidade da retenção prevista no art. 6º, § 3º, do Decreto n. 2.138/1997.
I - Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n.
9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de créditos prêmio de IPI na
exportação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos
do contribuinte pelo Fisco. Precedente: REsp n. 542.938-RS, Rel. Min. Francisco
Falcão, DJ de 07.11.2005.
II - De acordo com o § 3º do art. 6º do Decreto n. 2.138/1997: “a Unidade da
Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o
débito seja liquidado”, sendo legítima a sua aplicação à hipótese em tela, haja vista que
o mero parcelamento do débito não constitui forma de extinção do crédito tributário.
III - Recurso especial provido (REsp n. 768.689-RN, Primeira Turma, Rel. Min.
Francisco Falcão, julgado em 27.02.2007).
112
Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO
No exame da jurisprudência, observo que o REsp n. 938.097-PR, Primeira
Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008, comumente citado
de forma errônea como posicionamento desta Casa em relação ao tema, não
apreciou o mérito da questão, pois o recurso não foi conhecido em razão da
aplicação da Súmula n. 283-STF, na forma do voto-vista proferido pelo Min.
Teori Zavascki. Em razão de o relator ter mantido seus fundamentos apenas
corrigindo o dispositivo, aquele julgado acabou por trazer ementa equivocada
que não diz respeito efetivamente ao que foi ali apreciado. Transcrevo, in litteris:
Tributário. Compensação. Direito do contribuinte. Impossibilidade do Fisco
realiza-lá de ofício. Retenção de créditos tributários. Impossibilidade. Princípio da
legalidade.
1. Inexiste dispositivo legal autorizando a Fazenda Nacional a proceder
compensação tributária de ofício e, em caso de não-concordância do contribuinte
com os valores encontrados, proceder a retenção dos respectivos créditos.
2. O Decreto n. 2.138, de 29.01.1997, em seu art. 6º, extrapolou a sua função
regulamentadora.
3. A compensação é regida por dispositivos que consagram ser um direito do
contribuinte, a quem lhe é outorgado a opção de realizá-la ou não.
4. A homenagem ao princípio da legalidade tributária não autoriza a prática de
compensação de ofício pelo Fisco e a retenção de créditos do contribuinte.
5. Recurso especial não-conhecido (REsp n. 938.097-PR, Primeira Turma, Rel.
Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008).
Voltando à evolução legislativa, atualmente, o mencionado DecretoLei n. 2.287/1986 está em vigor com as alterações recebidas por parte da
Lei n. 11.196/2005 somente para sua adequação às novas competências e
nova denominação atribuídas à SRF pela Medida Provisória n. 258/2005 que,
muito embora tenha perdido a eficácia, foi sucedida pela Lei n. 11.457/2007.
Transcrevo a redação do decreto-lei ainda em vigor com as alterações efetuadas,
in verbis:
Decreto-Lei n. 2.287/1986 (redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005).
Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao
ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda
Nacional (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005).
§ 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou
ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito
(Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005).
RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011
113
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
§ 2º Existindo, nos termos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito
em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas
alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 24 de julho
de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à
Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição
ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito
(Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005).
§ 3º Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social
estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto
neste artigo (Incluído pela Lei n. 11.196, de 2005).
No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF, os
procedimentos aqui descritos foram disciplinados pelas seguintes instruções
normativas: arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF n. 21/1997; art. 24, da IN SRF n.
210/2002; art. 34, da IN SRF n. 460/2004; art. 34, da IN SRF n. 600/2005; art.
49, da IN SRF n. 900/2008.
Desta forma, o art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/1997, e instruções
normativas da Secretaria da Receita Federal que regulamentam a compensação
de ofício no âmbito da Administração Tributária Federal, extrapolaram o art.
7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, tanto em sua redação original quanto na
redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005, somente no que diz
respeito à imposição da compensação de ofício aos débitos do sujeito passivo
que se encontram com exigibilidade suspensa, na forma do art. 151, do CTN
(v.g. débitos inclusos no Refis, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no
art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública
Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os
procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art.
6º, do Decreto n. 2.138/1997.
No caso concreto, trata-se de restituição de valores indevidamente pagos
a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ com a imputação de
ofício em créditos tributários, não havendo informação de suspensão na forma
do art. 151, do CTN. Impõe-se a obediência ao art. 6º e parágrafos do Decreto
n. 2.138/1997.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao presente recurso especial para
reconhecer, in casu, a legalidade dos procedimentos previstos no art. 6º e
parágrafos do Decreto n. 2.138/1997 e normativos próprios.
É como voto.
114
Primeira Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.119.728-SP
(2009/0112803-2)
Relator: Ministro Francisco Falcão
Agravante: Cooperativa Central dos Produtores de Cana de Açúcar e
Álcool do Estado de São Paulo - Copersucar e outros
Advogado: Hamilton Dias de Souza e outro(s)
Agravado: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e outro(s)
EMENTA
Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira.
Cooperativas. Isenção. Impossibilidade. Afronta aos arts. 535, incisos
I e II, do CPC. Inocorrência.
I - Inexiste omissão ou obscuridade no julgado de origem,
porquanto o Tribunal a quo não se furtou de enfrentar devidamente as
questões relevantes ao deslinde da causa, restando expostas as razões
de convencimento, no sentido de que apesar da Lei n. 5.764/1971
consagrar que as receitas resultantes da prática de atos cooperativos estão
isentas do pagamento de tributos, para o caso do IPMF as operações seriam
realizadas perante a rede bancária geral, de modo que tributáveis as
movimentações financeiras (sic).
II - É entendimento assente neste Tribunal Superior que, quando
se trata de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CPMF, todos os atos praticados pelas cooperativas estão sujeitos à sua
incidência, por inexistir previsão legal específica acerca da imunidade
a tal contribuição. Precedentes: REsp n. 241.641-RS, Rel. Min. Milton
Luiz Pereira, DJ de 29.04.2002; EDcl no AgRg no REsp n. 324.045RS, Rel. Min. José Delgado, DJ 04.02.2002 e REsp n. 328.775-RS, Rel.
Min. José Delgado, DJ de 22.10.2001.
III - Agravo regimental improvido.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: A
Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki,
Arnaldo Esteves Lima e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro
Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Francisco Falcão, Relator
DJe 19.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Francisco Falcão: Trata-se de agravo regimental interposto
por Cooperativa Central dos Produtores de Cana de Açúcar e Álcool do Estado de
São Paulo - Copersucar e outros, contra decisão proferida pelo Exmo. Ministro
Hamilton Carvalhido, que negou provimento ao recurso especial dos agravantes,
para afastar a ofensa ao art. 535, incisos I e II, do CPC, bem como, no mérito,
para insistir na incidência da CPMF sobre a movimentação bancária das
cooperativas.
Sustentam os agravantes a existência de omissão quanto às seguintes
questões: que o pedido formulado no presente feito abrange exclusivamente a “exigência
do IPMF nas movimentações e transmissões financeiras relativos a atos cooperativos
realizados pelas Impetrantes, e respectivos lançamentos de débitos e créditos recíprocos”
e foi juntada aos autos uma relação exaustiva das únicas movimentações financeiras
objeto da impetração, todas elas (a) atinentes ao exercício do ato cooperativo e (b) cuja
sujeição ao IPMF, assim, implicaria ônus fiscal superior àquele verificado no ato não
cooperativo equivalente.
Apontam obscuridade, porquanto as movimentações financeiras envolvendo
terceiros (pagamentos de despesas em geral, aplicações financeiras etc.) não são objeto
da impetração e sujeitaram-se regularmente à incidência do então IPMF.
No mérito, repisam os argumentos relativos à incidência ilegal do IPMF
sobre o ato cooperativo, em afronta aos arts. 79 e 87 da Lei n. 5.764/1971.
É o relatório.
Em mesa, para julgamento.
118
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
VOTO
O Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator): Em que pese aos argumentos
expendidos pelos agravantes, a decisão agravada merece ser mantida.
Com efeito, em seu recurso especial, os ora agravantes apontaram, em
preliminar, afronta ao art. 535 do CPC, ao argumento de que o Tribunal de
origem fora omisso e obscuro. Ocorre que, consoante muito bem delineado na
decisão hostilizada, o Tribunal de origem sobre tal questão entendeu que, litteris:
(...)
De fato, consagra a Lei n. 5.764/1971 a não-sujeição do lucro das atividades
cooperadas à tributação, em essência enquanto praticados atos “interna corporis”,
entre os próprios entes cooperados, consagrados como atos cooperativos.
Ou seja e com veemente justeza aos propósitos do associativismo cooperativo,
o que a emanar daquela origem se põe a merecer proteção tributante.
Todavia, para a espécie se deseja inseridas, como não-tributáveis, as
movimentações financeiras realizadas perante a rede bancária em geral.
(...)
Logo, efetivamente tributáveis sob o enfoque do IPMF as movimentações a
partir de 1994, em nada confundíveis com dispositivos da Lei em tela, arts. 85 a 88
e 111, avulta ausente capital ditame específico que viesse a excluir ditos créditos
tributários, como de rigor, superior que se põe a estrita legalidade tributária,
também para o tema.
(...) (fl. 769 - grifos nossos).
Sendo assim, não há de se falar em omissão nem em obscuridade no julgado
de origem, haja vista que o Tribunal a quo, ao apreciar a demanda, manifestouse sobre todas as questões pertinentes à litis contestatio, fundamentando seu
proceder de acordo com os fatos apresentados e com a interpretação dos
regramentos legais que entendeu aplicáveis, demonstrando as razões de seu
convencimento.
No mais, é entendimento assente neste Tribunal Superior que, quando
se trata de Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira - CPMF,
todos os atos praticados pelas cooperativas estão sujeitos à sua incidência, por
inexistir previsão legal específica acerca da imunidade a tal contribuição.
Nesse sentido, os seguintes julgados, verbis:
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
119
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tributário. Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF.
Isenção. Cooperativa. Lei n. 5.764/1971.
1. Inexistindo previsão legal de isenção ou imunidade, seja na legislação
ordinária, seja na Constituição Federal, os atos praticados pelas cooperativas,
incluídos os atos cooperativos, estão sujeitos à incidência da CPMF.
2. Recurso não provido (REsp n. 241.641-RS, Relator Ministro Milton Luiz
Pereira, DJ de 29.04.2002, p. 167).
Processual Civil. Embargos de declaração. Inexistência de irregularidades
no acórdão. CPMF. Isenção. Cooperativas. Lei n. 5.764/1971. Atos vinculados à
atividade básica da associação.
1. Os Embargos de declaração somente são cabíveis quando “houver, na
sentença ou no acórdão, obscuridade, dúvida ou contradição” ou “for omitido
ponto sobre o qual devia pronunciar-se o Juiz ou Tribunal” (incisos I e II, do art.
535, do CPC).
2. Inocorrência de irregularidades no acórdão quando a matéria que serviu
de base à interposição do recurso foi devidamente apreciada no aresto atacado,
com fundamentos claros e nítidos, enfrentando as questões suscitadas ao longo
da instrução, tudo em perfeita consonância com os ditames da legislação e
jurisprudência consolidada. O não acatamento das argumentações deduzidas no
recurso não implica em cerceamento de defesa, posto que ao julgador cumpre
apreciar o tema de acordo com o que reputar atinente à lide.
3. A egrégia Primeira Turma, ao julgar, à unanimidade, em 20.09.2001, o REsp
n. 328.775-RS, com matéria idêntica à presente, postou-se no de que a transação
financeira bancária, embora praticada por uma “cooperativa”, não se caracteriza
como ato cooperativo. Este é, apenas, o concluído com os seus associados. Isenção
tributária decorre expressamente de lei. O adequado tratamento tributário que a
CF prevê para os atos cooperativos não colhe interpretação que alcance isenção
tributária da CPMF.
4. Embargos rejeitados (EDcl no AgRg no REsp n. 324.045-RS, Rel. Ministro José
Delgado, DJ de 04.02.2002, p. 303).
Constitucional e Tributário. CPMF. Isenção. Cooperativas. Lei n. 5.764/1971.
Atos vinculados à atividade básica da associação.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem enveredado no sentido
de que a isenção prevista na Lei n. 5.764/1971 em c.c. o art. 111, RIR/80, art. 129,
só alcança os negócios jurídicos diretamente vinculados à finalidade básica da
associação cooperativa, não sendo, portanto, atos cooperativos, na essência, as
aplicações financeiras em razão das sobras de caixa. A especulação financeira é
fenômeno autônomo que não pode ser confundido com atos negociais específicos
e com finalidade de fomentar transações comerciais em regime de solidariedade.
120
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
2. A transação financeira bancária, embora praticada por uma “cooperativa”,
não se caracteriza como ato cooperativo. Este é, apenas, o concluído com os seus
associados.
3. Isenção tributária decorre expressamente de lei.
4. O adequado tratamento tributário que a CF prevê para os atos cooperativos
não colhe interpretação que alcance isenção tributária da CPMF.
5. Recurso improvido (REsp n. 328.775-RS, Rel. Ministro José Delgado, DJ de
22.10.2001, p. 279).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o meu voto.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.191.681-RJ
(2010/0078795-2)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Agravante: União
Agravado: Thiago dos Santos Gomes
Advogado: Josemar Leal Santana - Defensor Público da União
EMENTA
Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Concurso
público. Taifeiro da aeronáutica. Limitação de idade. A imposição de
limite etário em concurso público para as forças armadas depende
de lei em sentido formal. Impossibilidade da estipulação de critério
restritivo por meio de edital ou regulamento. Precedentes do STJ.
Orientação confirmada pelo STF no regime de repercussão geral.
RE n. 600.885-RS. Declarada a não-recepção do art. 10 da Lei n.
6.880/1980. Modulação temporal de efeitos. Ressalva da eficácia
subjetiva. Atenção ao princípio da confiança. Agravo regimental
desprovido.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
121
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A Constituição de 1988 admite, expressamente, a limitação
de idade para os certames de ingresso às Forças Armadas; no entanto,
remete à Lei a definição dos requisitos restritivos de acesso.
2. A Lei n. 6.880/1980, editada ainda sob a égide da Carta
de 1969, faz remissão aos regulamentos da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica para a definição dos requisitos de ingresso aos seus
quadros; todavia, considerando que o sistema constitucional vigente
atribuiu ao legislador, com exclusividade, a missão de estabelecer
os limites, dentre os quais o de idade, para o ingresso nas Forças
Armadas, consolidou-se a orientação pretoriana de que somente a Lei,
em sentido formal, pode estipular exigências deste jaez. Precedentes do
STJ: AgRg no Ag n. 1.381.267-PR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe.
03.06.2011; AgRg no REsp n. 933.820-RS, Rel. Min. Og Fernandes,
DJe 17.12.2010; e REsp n. 1.186.889-DF, Rel. Min. Castro Meira,
DJe 02.06.2010.
3. Enfrentando a tormentosa questão da delegação a instrumentos
normativos, diversos de lei em sentido formal, para a fixação dos
critérios para ingresso nas Forças Armadas, o Pretório Excelso,
recentemente, reiterou a orientação já consolidada, declarando a nãorecepção da expressão nos regulamentos da Marinha, do Exercito e da
Aeronáutica, contida no art. 10 da Lei n. 6.880/1980.
4. O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n.
600.885-RS, em atenção ao princípio da segurança jurídica, tendo em
mente os inúmeros certames, realizados desde de 1988, que fixaram
limites etários com esteio no art. 10 da Lei n. 6.880/1980, optou
pela modulação temporal dos efeitos da não-recepção do dispositivo;
ressalvando, contudo, os direitos judicialmente reconhecidos.
5. A lenitiva ressalva justifica-se, sobremaneira, como instrumento
de proteção e garantia em prol daqueles que confiaram na autuação do
Poder Judiciário e se agasalharam na força de reiteradas manifestações
das Cortes Superiores do país, respaldas pela Constituição da
República.
6. Num contexto de pacífica orientação jurisprudencial, negar ao
impetrante, que se socorreu da guarida ofertada pelo Poder Judiciário,
o direito vindicado é o mesmo que negar ao cidadão a convicção de
que pode confiar na estabilidade e eficácia dos atos jurisdicionais.
122
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
7. No caso em apreço, o autor atingiu o limite etário em 03.06.2006,
enquanto o Edital estabelecia, como condição para participação no
concurso público de admissão para o curso de formação de Taifeiros,
que os candidatos não completassem 24 anos antes de 31.12.2006.
Referida exigência afronta o principio da reserva legal, pois,
conforme esclarece a sentença, baseia-se em Portaria do Comando da
Aeronáutica, não tendo respaldo em lei em sentido estrito. Ademais,
tomando-se em conta a natureza das atribuições regulares de um
Taifeiro, assim como a proximidade da idade do impetrante daquela
tida como máxima para o ingresso no cargo almejado, a limitação
etária ofende, também, o princípio da razoabilidade.
8. Na situação apresentada nos autos, a segurança foi concedida
na origem e, embora reformada no Tribunal Regional, foi restabelecida
por decisão singular do douto Ministro Luiz Fux, fundada na diretriz
jurisprudencial desta Corte; logo, já se incutiu no jurisdicionado
uma legítima expectativa, justificada pela confiança, que merece ser
protegida, consoante bem ponderou o Supremo Tribunal Federal ao
se debruçar sobre o tema.
9. Em suma, a decisão agravada não confronta a orientação
firmada pelo Pretório Excelso, ao revés, encerra a mesma tese jurídica
de que apenas a lei, nos termos do art. 142, § 3º da Carta Magna,
pode fixar os limites de idade para o ingresso nas Forças Armadas;
outrossim, não está em descompasso com a modulação temporal
prescrita pelo guardião da Constituição, pois encontra abrigo na
ressalva, expressa no julgamento do RE n. 600.885-RS, de atenção ao
princípio da confiança, para não se deixar à mingua aquele que acorreu
às portas do Poder Judiciário.
10. Agravo Regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Regimental,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino
Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
123
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Impedido o Sr. Ministro Benedito Gonçalves. Licenciado o Sr. Ministro
Francisco Falcão. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.
Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJe 26.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Trata-se de agravo
regimental interposto pela União contra decisão de fls. 315-320, proferida pelo
douto Ministro Luiz Fux, Relator do processo à época, sintetizada na seguinte
ementa:
Administrativo. Concurso público. Forças Armadas. Limitação de idade (etária).
Condições de validade: previsão em lei em sentido formal e razoabilidade. Fixação
por meio de edital ou regulamento. Inviabilidade.
1. A limitação etária para fins de ingresso no serviço público militar é válida
desde que revestida de razoabilidade, em razão da natureza das atividades
desempenhadas no cargo, observada a previsão em lei em sentido estrito.
2. A fixação de referida cláusula apenas no Edital do certame revela-se ilegal,
uma vez que não pode restringir o que a lei não o fez.
3. Precedentes: REsp n. 1.186.889-DF, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma,
julgado em 20.05.2010, DJe 02.06.2010; AgRg no REsp n. 980.644-RS, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 19.11.2009, DJe 14.12.2009;
REsp n. 1.067.538-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21.05.2009,
DJe 03.08.2009; AgRg no REsp n. 995.041-RS, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma,
julgado em 25.09.2008, DJe 15.12.2008; AgRg no REsp n. 946.264-SC, Rel. Min.
Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 19.06.2008, DJe 18.08.2008.
4.
Recurso especial provido.
2. A agravante aduz que a matéria em debate foi submetida ao exame do
Supremo Tribunal Federal por meio de Recurso Extraordinário declarado como
de repercussão geral.
3. Reitera suas alegações, advogando a tese de que é cabível a imposição de
limite etário para acesso aos cargos das Forças Armadas.
4. É o relatório.
124
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. A questão
posta nos autos circunscreve-se a possibilidade de se estabelecer, por meio de
regramento administrativo, limitação etária para participação em certame para
cargo público das Forças Armadas.
2. No caso em apreço, consoante destaca o Tribunal de origem, o ora
recorrido impetrou Mandado de Segurança objetivando autorização para se
inscrever no Concurso de Admissão ao Curso de Formação de Taifeiros da
Aeronáutica, o qual foi regido por Edital que estabeleceu como requisito
para o ingresso na carreira a idade máxima de 23 anos até 31.12.2006, limite
ultrapassado pelo candidato em 03.06.2006 (fls. 140).
3. A impetração, assim como as razões do Recurso Especial, com amparo
em remansosa orientação jurisprudencial, explanam que não há dispositivo
legal, em sentido estrito, que imponha limite máximo de idade para o acesso aos
cargos, empregos e funções públicas no âmbito da Forças Armadas.
4. A Constituição da República de 1988, expressamente, admite a limitação
de idade para os concursos de ingresso às Forças Armadas; no entanto, remete à
Lei a definição dos requisitos restritivos de acesso. Confira-se:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas
com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente
da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
(...).
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicandose-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(...).
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a
estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os
direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais
dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas
cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
5. Constata-se, deste modo, que há explicita determinação constitucional
da necessidade de previsão legal para a imposição de critérios para ingresso
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
125
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
nas Forças Armadas, não sendo legítima a regulamentação da matéria por
instrumento infralegal.
6. A Lei n. 6.880/1980, editada ainda sob a égide da Carta de 1969, faz
remissão aos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para a
definição dos requisitos de acesso aos seus quadros; todavia, considerando que
o sistema constitucional vigente atribuiu ao legislador, com exclusividade, a
missão de estabelecer os limites, dentre os quais o de idade, para o ingresso nas
Forças Armadas, consolidou-se a orientação pretoriana de que somente a Lei,
em sentido formal, pode estipular exigências deste jaez.
7. A propósito, calha citar emblemáticos precedentes do Superior Tribunal
de Justiça:
Agravo regimental em agravo de instrumento contra inadmissão de recurso
especial. Concurso para curso de formação de militar. Limite de idade. Previsão
apenas em edital. Impossibilidade. Precedentes do STJ. Verbete n. 83 da Súmula
desta Corte.
Subsistente o fundamento do decisório agravado, nega-se provimento ao
agravo (AgRg no Ag n. 1.381.267-PR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe. 03.06.2011).
Agravo regimental no recurso especial. Violação do art. 535, II, do CPC.
Fundamentação deficiente. Súmula n. 284-STF. Forças armadas. Concurso público.
Limite de idade. Ausência de previsão em lei. Precedentes.
1. Quanto à suposta ofensa ao art. 535, II, do Código de Processo Civil,
observa-se que a irresignação não possui fundamentação adequada, pois a
agravante se limitou a alegar contrariedade ao referido dispositivo, não tendo,
todavia, desenvolvido tese a respeito ou demonstrado de que maneira o acórdão
recorrido o teria violado. Assim, incide sobre a espécie o Enunciado da Súmula n.
284 do Supremo Tribunal Federal.
2. É válida a limitação de idade em concurso público para ingresso às Forças
Armadas, desde que prevista em lei em sentido formal. Precedentes (AgRg no
REsp n. 748.271-RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 09.02.2009).
3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp n. 933.820RS, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 17.12.2010).
Administrativo. Concurso de admissão ao estágio de adaptação à graduação
de sargento. Prequestionamento. Súmula n. 211-STJ.
1. A ausência de prequestionamento no tocante à suposta contrariedade
aos artigos 10 e 11 da Lei n. 6.880/1980, Estatuto dos Militares, impõe a incidência
da Súmula n. 211-STJ.
126
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
2. O Tribunal a quo asseverou que apenas a lei, nos termos do artigo 142, §
3º da Constituição da República, pode fixar os limites de idade para o ingresso
nas Forças Armadas e não o edital do certame, sob pena de violação do princípio
da reserva legal. Infirmar tal premissa demandaria interpretar dispositivo
constitucional, providência que se mostra vedada, consoante as competências
constitucionais atribuídas a esta Corte (artigo 105, inciso III, da CRFB).
3. Esta Corte, em situações em que foram superados os óbices do
conhecimento, já assentou o entendimento de que a limitação de idade em
concurso público para ingresso nas Forças Armadas é válida, desde que prevista
em lei em sentido formal, não se mostrando compatível com o ordenamento
jurídico a limitação etária prevista apenas no edital ou regulamento. Precedentes:
AgRg no REsp n. 946.264-SC, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 18.08.2008; REsp n.
1.067.538-RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 03.08.2009; Ag n. 1.273.421-MG, Rel.
Min. Laurita Vaz, DJe de 03.03.2010; AgRg no REsp n. 946.264, Min. Felix Fischer,
DJe de 18.08.2008; REsp n. 1.117.411-RS, Rel. Min. Nilson Naves, DJe de 05.02.2010;
RMS n. 18.925-SC, Rel. Min. Felix Fischer, DJU de 1º.07.2005; RMS n. 14.154-RJ, Rel.
Min. Vicente Leal, DJU de 28.04.2003.
4. Como o aresto recorrido está em sintonia com o que restou decidido
nesta Corte, deve-se aplicar à espécie o contido na Súmula n. 83-STJ, verbis: Não
se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal
se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. O verbete sumular aplica-se
aos recursos especiais interpostos tanto pela alínea a quanto pela alínea c do
permissivo constitucional.
5. Recurso especial não conhecido (REsp n. 1.186.889-DF, Rel. Min. Castro
Meira, DJe 02.06.2010).
8. Referido entendimento sempre encontrou ecos no Supremo Tribunal
Federal, confira-se:
Constitucional e Administrativo. Agravo regimental em agravo de instrumento.
Recurso extraordinário. Indicação do dispositivo autorizador. Ausência. Art. 321
do RISTF. Concurso público. Limite de idade fixado em edital e Decreto Estadual:
impossibilidade.
1. A indicação correta do dispositivo constitucional autorizador do recurso
extraordinário - artigo, inciso e alínea - é requisito indispensável ao seu conhecimento,
nos termos do art. 321 do RISTF e da pacífica jurisprudência do Tribunal.
2. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que a exigência de
limite de idade em concurso público deve estar prevista em lei formal, não
suprindo esta exigência a previsão em edital ou Decreto Estadual.
3. Agravo regimental improvido (AI n. 804.624 AgR-PE, Rel. Min. Ellen Gracie,
DJe 21.10.2010).
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
127
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo regimental. Concurso público. Lei n. 7.289/1984 do Distrito Federal.
Limitação de idade apenas em edital. Impossibilidade.
A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência
constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a
que se nega provimento (RE n. 559.823-DF AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe
31.01.2008).
9. Enfrentando a tormentosa questão da delegação a instrumentos
normativos, diversos de lei em sentido formal, da fixação dos critérios para
ingresso nas Forças Armadas, o Pretório Excelso, recentemente, reiterou a
orientação já consolidada, declarando a não-recepção da expressão nos
regulamentos da Marinha, do Exercito e da Aeronáutica, do art. 10 da Lei n.
6.880/1980, nos seguintes termos:
Direito Constitucional e Administrativo. Concurso público para ingresso nas
forças armadas: critério de limite de idade fixado em edital. Repercussão geral da
questão constitucional. Substituição de paradigma. Art. 10 da Lei n. 6.880/1980.
Art. 142, § 3º, inciso X da Constituição da República. Declaração de não-recepção
da norma com modulação de efeitos. Desprovimento do recurso extraordinário.
1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso
Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso
Extraordinário n. 600.885.
2. O art. 142, § 3º, inciso X da Constituição da República, é expresso ao
atribuir exclusivamente à lei a definição dos requisitos para o ingresso nas Forças
Armadas.
3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requisitos para o
ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa
ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie
normativa, ainda que por delegação legal.
4. Não foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão
nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica do art. 10 da Lei n.
6.880/1980.
5. O princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos
de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados
se observando aquela regra legal, modulem-se os efeitos da não-recepção:
manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos
fundados no art. 10 da Lei n. 6.880/1980 até 31 de dezembro de 2011.
6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos (RE
n. 600.885-RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, Tribunal Pleno - Repercussão Geral - DJe
30.06.2011).
128
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
10. A preclara Ministra Relatora do supra referido Recurso Extraordinário
destacou que o ordenamento jurídico pátrio não permite que espaços fixados
constitucionalmente como de tratamento exclusivamente legal, enquanto
não ocupados pelo legislador, sejam regulamentados por meio de atos
administrativos. Na oportunidade, teceu as seguintes considerações:
No item específico, relativo à definição dos limites de idade para o ingresso nas
Forças Armadas, a fixação do requisito por regulamento ou edital - categorias de
atos administrativos - esbarraria, ainda, na Súmula n. 14 deste Supremo Tribunal
Federal, segundo a qual não é admissível, por ato administrativo, restringir, em
razão da idade, inscrição em concurso para cargo publico.
Na espécie em pauta, tanto se mostra mais gravoso, porque a Constituição
brasileira é, repita-se à exaustão, taxativa ao dispor que estes elementos,
relativamente aos candidatos a ingressar nas Forças Armadas, se dará segundo
o que a lei dispuser, sem ressalva a permitir que outra categoria de atos, menos
ainda infra legais, pudesse curar o tema.
(...).
Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso extraodinário,
declarar a não-recepção da expressão nos regulamentos da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica do art. 10 da Lei n. 6.880/1980 e modular os efeitos desta
decisão para preservar a validade dos certames realizados nas Forças Armadas
e em cujos editais e regulamentos se tenha fixado limites de idade com base no
art. 10 da Lei n. 6.880/1980, até 31 de dezembro de 2011, ressalvados eventuais
direitos judicialmente reconhecidos.
11. Nesse passo, impende ressaltar que no aludido julgamento, em atenção
ao princípio da segurança jurídica, tendo em mente os inúmeros certames,
realizados desde de 1988, que fixaram limites etários com esteio no art. 10 da
Lei n. 6.880/1980, optou-se pela modulação dos efeitos da não-recepção do
dispositivo; ressalvando, contudo, os direitos judicialmente reconhecidos.
12. A lenitiva ressalva justifica-se, sobremaneira, como instrumento de
proteção e garantia em prol daqueles que confiaram na autuação do Poder
Judiciário e se agasalharam na força de reiteradas manifestações das Cortes
Superiores do país, arrimadas pela Constituição da República.
13. Conforme depreende-se dos debates empreendidos no Supremo
Tribunal Federal, por ocasião do já citado julgamento, aqueles que ingressaram
em Juízo, exercendo a cidadania e acreditando no Judiciário, merecem ter
amparadas suas situações pessoais, posto que não há lógica, jurídica ou
pragmática, a justificar uma situação em que o Tribunal aquiesce a tese e o
direito é negado.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
129
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
14. Num contexto de pacífica orientação jurisprudencial, hoje com a tese
jurídica consagrada na Corte Suprema, negar ao impetrante, que se socorreu da
guarida ofertada pelo Poder Judiciário, o direito vindicado é negar ao cidadão a
convicção de que pode confiar na estabilidade e eficácia dos atos jurisdicionais.
15. No caso em apreço, o autor atingiu o limite etário em 03.06.2006,
enquanto o Edital estabelecia, como condição para participação no concurso
público de admissão para o curso de formação de Taifeiros, que os candidatos não
completassem 24 anos antes de 31.12.2006. Referida exigência revela evidente
afronta ao principio da reserva legal, pois, conforme esclarece a sentença, baseiase em Portaria do Comando da Aeronáutica, não tendo respaldo em lei em
sentido estrito - ato emanado de processo legislativo.
16. Ademais, in casu, tomando-se em conta a natureza das atribuições
regulares de um Taifeiro, assim como a proximidade da idade do impetrante
daquela tida como máxima para o ingresso no cargo almejado, a limitação etária
ofende, também, o princípio da razoabilidade.
17. Na situação apresentada nos autos, a segurança foi concedida na
origem e, embora reformada no Tribunal Regional, foi restabelecida por decisão
singular do douto Ministro Luiz Fux, fundada na diretriz jurisprudencial desta
Corte; logo, já se incutiu no jurisdicionado uma legítima expectativa, justificada
pela confiança, que merece ser protegida, consoante bem ponderou o Supremo
Tribunal Federal ao se debruçar sobre o tema.
18. Cumpre assomar que o princípio da confiança, corolário do Estado
Democrático de Direito e componente essencial para a promoção da
previsibilidade do direito, tem o intento de proteger as expectativas legítimas do
cidadão, que confiou, sobretudo, no Judiciário.
19. Em suma, a decisão agravada não confronta a orientação firmada pelo
Pretório Excelso, ao revés, encerra a mesma tese jurídica de que apenas a lei,
nos termos do art. 142, § 3º da Carta Magna, pode fixar os limites de idade
para o ingresso nas Forças Armadas; outrossim, não está em descompasso com
a modulação temporal prescrita pelos guardiães da Constituição, pois encontra
abrigo na ressalva, expressa no julgamento do RE n. 600.885-RS, de atenção ao
princípio da confiança, para não se deixar à míngua aquele que acorreu às portas
do Poder Judiciário.
20. Ante o exposto, nega-se provimento ao Agravo Regimental.
130
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 33.574-SP
(2011/0008283-6)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima
Recorrente: Município de São Paulo
Procurador: Maria Aparecida dos Anjos Carvalho e outro(s)
Recorrido: Antonio Ascenção das Neves
Advogado: Roberto Elias Cury
EMENTA
Constitucional. Recurso em mandado de segurança. Precatório.
Parcelamento. Art. 78 do ADCT. Parcelas não adimplidas nas datas
de vencimento. Ordem de sequestro de verbas públicas. Agravo
regimental. Mandado de segurança. Termo inicial. Publicação do
acórdão proferido pelo colegiado. Decadência. Não ocorrência.
Precedentes. Recurso provido.
1. A ordem mandamental tem o escopo de tutelar direito
comprovado de plano, sujeito à lesão ou ameaça de lesão por ato
abusivo ou ilegal de autoridade.
2. “A publicação do acórdão do agravo regimental proferido pelo
Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual
se impugnou a decisão do Presidente do Tribunal que determinou o
sequestro de verbas públicas para o pagamento de precatório, inicia
o prazo para a impetração do mandado de segurança que objetiva
impugnar o que fora decidido pelo colegiado” (RMS n. 31.807-SP,
Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 07.10.2010).
3. No presente caso, o acórdão foi publicado em 13.08.2010 (fl.
578e) e impetrada a ordem mandamental em 1º.09.2010 (fl. 02e), ou
seja, tempestivamente, nos termos do art. 23 da Lei n. 12.016/2009.
4. Recurso ordinário provido para, reconhecendo a tempestividade
da ordem mandamental, determinar ao Tribunal paulista o julgamento
do seu mérito, como entender de direito.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
131
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança
para, reconhecendo a tempestividade da ordem mandamental, determinar ao
Tribunal Paulista o julgamento do seu mérito, como entender de direito, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves e
Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.
Licenciados os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Francisco
Falcão.
Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJe 24.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso ordinário em
mandado de segurança interposto pelo Município de São Paulo contra acórdão
do Tribunal de Justiça daquele Estado assim ementado (fl. 571e):
Mandado de segurança. Decadência. Ocorrência. Prazo que não se suspende,
não se interrompe, não se prorroga. Doutrina. Súmula n. 632 do Colendo Supremo
Tribunal Federal. Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe
o prazo. Jurisprudência. Segurança denegada, cassada a liminar.
Em suas razões, sustenta o recorrente desacerto do Tribunal de origem
na extinção do mandado de segurança ao entendimento de ter-se operado a
decadência, ainda que tempestivamente impetrada a ordem mandamental (fls.
582-591e).
Apresentadas contrarrazões às fls. 594-601e, o recurso foi admitido na
origem (fl. 611e).
O Ministério Público Federal, por meio de parecer exarado pelo
Subprocurador-Geral da República Geraldo Brindeiro, opinou pelo provimento
do recurso (fls. 621-624e).
É o relatório.
132
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): Versam os autos acerca
de mandado de segurança impetrado em face do decisum colegiado proferido
em sede de agravo regimental que manteve determinação de sequestro pela
preterição na ordem de pagamento.
O Tribunal de origem extinguiu o mandamus sem julgamento do mérito ao
fundamento de ter-se implementado a decadência (fls. 569-576e).
Daí o presente recurso, no qual sustenta o recorrente desacerto do Tribunal
de origem.
Assiste razão ao recorrente.
De início, ressalta-se que a ordem mandamental ora pleiteada pelo
recorrente tem o escopo de tutelar direito comprovado de plano, sujeito à lesão
ou ameaça de lesão por ato abusivo ou ilegal de autoridade.
Com efeito, “A publicação do acórdão do agravo regimental proferido
pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual se
impugnou a decisão do Presidente do Tribunal que determinou o sequestro de
verbas públicas para o pagamento de precatório, inicia o prazo para a impetração
do mandado de segurança que objetiva impugnar o que fora decidido pelo
colegiado” (RMS n. 31.807-SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma,
DJe 07.10.2010). Nesse sentido: RMS n. 30.244-SP, Rel. Min. Luiz Fux,
Primeira Turma, DJe 27.08.2010.
No presente caso, o acórdão foi publicado em 13.08.2010 (fl.
578e) e impetrada a ordem mandamental em 1º.09.2010 (fl. 02e), ou seja,
tempestivamente, nos termos do art. 23 da Lei n. 12.016/2009.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para, reconhecendo
a tempestividade da ordem mandamental, determinar ao Tribunal paulista o
julgamento do seu mérito, como entender de direito.
É o voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 34.223-SP (2011/0099677-0)
Relator: Ministro Benedito Gonçalves
Recorrente: Fazenda Nacional
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
133
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: União
EMENTA
Administrativo, Processual Civil e Tributário. Recurso ordinário em
mandado de segurança. Impetração preventiva contra intimações judiciais
destinadas à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que impõem a
inscrição de débitos tributários (custas judiciais inadimplidas) em dívida
ativa. Atos concretos que impõem obrigação de conduta administrativa.
Defesa de prerrogativa legal. Adequação da via do mandamus.
1. Recurso ordinário em mandado de segurança impetrado,
preventivamente, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
contra eventuais intimações judiciais, provenientes de juízos federais,
que lhe imponham a obrigação de inscrever em dívida ativa débitos
referentes às custas judiciais não adimplidas pelas partes vencidas, cujo
montante seja inferior a R$ 1.000,00.
2. No caso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, indeferindo
a inicial, denegou o mandado de segurança, por entender ser inadequada
a via do mandamus, uma vez que “impetrado contra atos futuros e com
o fito de assegurar provimento liminar de natureza normativa”.
3. O ato de inscrição em dívida ativa compete, exclusivamente,
à Procuradoria da Fazenda Nacional, razão pela qual a pretensão
mandamental que objetiva assegurar essa prerrogativa legal merece
análise, porquanto eventuais intimações judiciais, impondo,
diretamente, uma conduta administrativa à Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional têm o condão de, concretamente, lesar direito
líquido e certo decorrente de sua competência legal. Precedente: MS
n. 26.381 AgR, Relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe-077.
4. Recurso ordinário provido para anular o acórdão a quo e
determinar que o Tribunal de origem dê regular trâmite ao mandado
de segurança, afastada a tese de inadequação da via eleita.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
134
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança
para anular o acórdão “a quo” e determinar que o Tribunal de origem dê regular
trâmite ao mandado de segurança, afastada a tese de inadequação da via eleita,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino
Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 28 de junho de 2011 (data do julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves, Relator
DJe 1º.07.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso ordinário interposto
pela Fazenda Nacional contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal
da 3ª Região, que denegou mandado de segurança preventivo em que objetiva
a declaração do direito de não inscrever, em Dívida Ativa da União, os débitos
referentes a custas judiciais cujo montante seja inferior a R$ 1.000,00.
Eis a ementa do acórdão a quo:
Agravo regimental. Mandado de segurança. Inadequação da via processual
eleita. Indeferimento da inicial. Ausência de ilegalidade, abuso de poder ou ato
judicial teratológico.
1. Indeferimento da inicial do mandado de segurança por inadequação da
via processual eleita, porquanto impetrado contra atos futuros e com o fito de
assegurar provimento liminar de natureza normativa, o que é vedado.
2. Ausente hipótese de patente ilegalidade, abuso de poder ou ato judicial
teratológico.
3. Agravo regimental improvido.
A recorrente alega o seguinte:
[...] as decisões objeto da impetração estão sendo produzidas de forma
repetitiva, no sentido de impor à Fazenda Nacional que promova a inscrição de
valores irrisórios, causando-lhe potencial prejuízo, na medida em que a lei (art.
5º do Decreto-Lei n. 1.569/1977; art. 65, parágrafo único, da Lei n. 7.799/1989;
art. 9ª, parágrafo único, da Lei n. 10.522/2002 e art. 1º, inciso I, da Portaria MF n.
49/2004) lhe garante o direito líquido e certo de não inscrever valores inferiores a
R$ 1.000,00 (mil reais).
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
135
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
[...]
Não se pode olvidar que a dispensa da inscrição e cobrança de valores
inferiores a R$ 1.000,00 decorre do interesse público, seja com a finalidade de
administrar o patrimônio da União com razoabilidade e proporcionalidade, no
exercício da atividade de cobrança dos seus tributos e emolumentos, seja para
colocar em prática os princípios constitucionais esculpidos no artigo 37 da Carta
Política de 1988.
[...]
O caso em testilha consubstancia evidente ilegalidade, com clara perspectiva
de dano irreparável para o Erário, razão pela qual não deve ficar sujeito a soluções
pontuais analisadas caso a caso pelos da Corte Regional dada a impossibilidade
de análise do grande volume de casos que aflorará com o mesmo desiderato, isso
sem contar que na maioria dos casos a União não poderá recorrer, pois não faz
parte da relação processual originária.
[...]
Assim sendo, equivocou-se o v. acórdão recorrido ao aplicar ao caso em foco o
disposto no artigo 10 da Lei n. 10.016/2009, pois não é caso de indeferimento da
inicial [...]
Sem contrarrazões, conforme certificado à fl. 128.
O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso
ordinário (fls. 136 e seguintes), por entender que: (i) “o mandado de segurança
não é cabível para obtenção de ordem genérica, fixando regras de conduta
para o magistrado. Também não é possível a tentativa de coibir a edição de
ato de maneira genérica, permanente e futura, pois na impetração preventiva
é necessária a individualização e demonstração da iminente edição do ato que
se busca ver impugnado” (fl. 138); e (ii) “a Súmula n. 267 do Supremo Tribunal
Federal estipula não ser cabível mandado de segurança contra ato judicial que
possa ser objeto de recurso próprio” (fl. 139).
Autos conclusos em 06 de junho de 2011.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Em 25 de março de 2009, a
União Federal impetrou mandado de segurança preventivo contra futuros atos
a serem praticados pelos juízos federais das 1ª, 2ª, 3º, 4º, 5º, 6º da Circunscrição
do Município de Santos-SP, materializados em ordem para inscrição em dívida
136
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
ativa de custas judiciais não recolhidas pelas partes vencidas e cujo montante é
inferior a R$ 1.000,00.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, indeferindo a inicial do
mandamus, denegou o mandado de segurança, nos seguintes termos:
[...]
No caso em tela, é evidente a inadequação da via eleita, porquanto o presente
mandamus foi impetrado contra atos futuros e com o fito de assegurar provimento
liminar de natureza normativa, o que é vedado.
Outrossim, não envolvendo a hipótese ato judicial teratológico, patente
ilegalidade ou abuso de poder, não há se cogitar da utilização do mandamus,
medida de caráter excepcional.
Dessa forma, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão
proferida quando do exame do pedido de liminar formulado.
Desta feita, diante da ausência de interesse processual da impetrante, ora
agravante, em decorrência da inadequação da via eleita, de rigor a manutenção
da decisão que indeferiu a inicial do mandado de segurança, com fundamento
no art. 10, caput, da Lei n. 12.016/2009, c.c. o art. 295, III, e o art. 267, VI, ambos do
CPC, e o art. 33, XIII, do Regimento Interno desta Corte.
A pretensão recursal merece prosperar.
Como se sabe, as custas judiciais têm natureza tributária, especificamente
de taxa. A esse respeito, vide: REsp n. 1.107.543-SP, Rel. Ministro Luiz
Fux, Primeira Seção, DJe 26.04.2010; REsp n. 1.097.307-RS, Rel. Ministro
Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.03.2009.
Conquanto caiba ao julgador a condenação da parte vencida nas custas
(v.g.: art. 20 do CPC), a inscrição em dívida ativa de eventual débito compete,
exclusivamente, à autoridade administrativa competente, conforme dispõem
o art. 201 do Código Tributário Nacional, o art. 12 da Lei Complementar n.
73/1993, o art. 2º, §§ 3º e 4º, da Lei n. 6.830/1980 e o § 5º do art. 39 da Lei n.
4.320/1964.
Nesse contexto jurídico, no qual se observa que o ato de inscrição compete,
exclusivamente, à Procuradoria da Fazenda Nacional, a pretensão mandamental
que objetiva assegurar essa prerrogativa legal merece análise, porquanto eventuais
intimações judiciais, impondo, diretamente, uma conduta administrativa à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional têm o condão de, concretamente, lesar
direito líquido e certo decorrente de sua competência legal.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
137
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Mutatis mutandis, vide:
Agravo regimental. Mandado de segurança preventivo. Competência. Tribunal
de Contas da União. Ausência de caráter impositivo no ato coator. Impossibilidade
de conhecimento do writ. Agravo improvido.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que o Tribunal de Contas
da União é parte legítima para figurar no pólo passivo de mandado de segurança
apenas quando o ato impugnado estiver revestido de caráter impositivo. Nesse
sentido o MS n. 24.001, Relator Maurício Correa, DJ 20.05.2002.
2. A especificação da autoridade coatora na petição inicial há de ser feita em
função do órgão do TCU que tenha proferido a decisão impugnada no mandamus.
Tanto o Presidente daquela Corte de Contas quanto os das respectivas Câmaras
podem figurar como autoridades coatoras. O Supremo, no entanto, não faz
essa distinção, conhecendo dos mandados de segurança impetrados contra o
Presidente do TCU [MS n. 23.919, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 20.06.2003],
contra os Presidentes de suas Câmaras [MS n. 25.090, Relator o Ministro Eros Grau,
DJ 1º.04.2005 e MS n. 24.381, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 13.05.2004]
ou, simplesmente, contra o Tribunal de Contas da União [MS n. 23.596, Relator o
Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 18.05.2001].
3. O ato emanado do Tribunal de Contas da União deve impor diretamente
determinada conduta ao órgão público, configurando a coação impugnável pelo
writ. Em se tratando de mandado de segurança de caráter preventivo, a concessão
da ordem pressupõe a existência de efetiva ameaça a direito, ameaça que decorra
de atos concretos da autoridade pública [MS n. 25.009, Relator o Ministro Carlos
Velloso, DJ de 24.11.2004].
4. Agravo regimental a que se nega provimento (MS n. 26.381 AgR, Relator Min.
Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe-077).
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para anular o acórdão
a quo e determinar que o Tribunal de origem dê regular trâmite ao mandado de
segurança, afastada a tese de inadequação da via eleita.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.111.092-MG (2008/0154191-6)
Relator: Ministro Teori Albino Zavascki
Recorrente: Donato Piccirillo e Cia. Ltda. e outros
138
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Advogado: Aci Heli Coutinho e outro(s)
Recorrido: Estado de Minas Gerais
Procurador: Carlos José da Rocha e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Ação rescisória. Regime de litisconsórcio.
Acórdão rescindendo proferido em ação proposta mediante
litisconsórcio ativo facultativo comum. Possibilidade de rescisão
parcial. Inclusão de litisconsorte após o prazo decadencial de dois anos.
Impossibilidade. Juízo rescisório formado por maioria. Ausência de
interposição de embargos infringentes. Não exaurimento de instância.
Súmula n. 207-STJ.
1. Segundo dispõe o art. 47 do CPC, “Há litisconsórcio
necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação
jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas
as partes”. Relativamente à ação rescisória, não havendo disposição
legal a respeito, o litisconsórcio necessário somente ocorrerá se a
sentença rescindenda não comportar rescisão subjetivamente parcial,
mas apenas integral, para todas as partes envolvidas na ação originária.
2. Tratando-se de sentença proferida em ação proposta mediante
litisconsórcio ativo facultativo comum, em que há mera cumulação
de demandas suscetíveis de propositura separada, é admissível sua
rescisão parcial, para atingir uma ou algumas das demandas cumuladas.
Em casos tais, qualquer um dos primitivos autores poderá promover a
ação rescisória em relação à sua própria demanda, independentemente
da formação de litisconsórcio ativo necessário com os demais
demandantes; da mesma forma, nada impede que o primitivo
demandado promova a rescisão parcial da sentença, em relação apenas
a alguns dos primitivos demandantes, sem necessidade de formação de
litisconsórcio passivo necessário em relação aos demais.
3. Em ação rescisória, não é cabível a inclusão de litisconsorte
passivo facultativo após o transcurso do prazo de dois anos previsto no
art. 495, consumado que está, em relação a ele, o prazo de decadência.
4. Conforme, o art. 488, I, do CPC, a ação rescisória comporta
dois pedidos: o de rescisão propriamente dito e, cumuladamente,
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
139
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
quando for o caso, o de novo julgamento da causa. Isso significa
dizer que o correspondente julgamento inclui não apenas o iudicium
rescindens (= a rescisão, em sentido estrito, da decisão atacada), mas
também o do iudicium rescissorium, referente ao pedido cumulado. É
o que determina o art. 494 do CPC. Havendo juízo de procedência
por maioria em qualquer deles individualmente, estará configurada
hipótese de desacordo parcial, o que, por si só, enseja a interposição do
recurso de embargos infringentes, como decorre do disposto na parte
final do art. 530 do CPC. Incide, no caso, a Súmula n. 207 do STJ: “É
inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes
contra o acórdão proferido no Tribunal de origem”.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida,
parcialmente provido, apenas para julgar extinto o processo em relação
a Comercial Oliveira Ltda.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe parcial
provimento, apenas para julgar extinto o processo em relação a Comercial
Oliveira Ltda., nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Arnaldo Esteves Lima e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Sustentou oralmente o Dr. José Márcio Diniz Filho, pela parte recorrente:
Donato Piccirillo e Cia. Ltda. e outros.
Brasília (DF), 28 de junho de 2011 (data do julgamento).
Ministro Teori Albino Zavascki, Relator
DJe 1°.07.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de recurso especial
interposto contra acórdão proferido em ação rescisória. O Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais julgou, por maioria, procedente o pedido de rescisão
140
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
e, por unanimidade, decidiu pela rejeição da preliminar de extemporaneidade
da citação de todos os litisconsortes passivos necessários. Foram rejeitados os
embargos de declaração opostos (fls. 804-808).
Nas razões recursais (fls. 813-859), os recorrentes apontam ofensa aos
seguintes dispositivos: (a) arts. 264 e 495 do CPC, pois em hipótese alguma
é possível se deferir a inclusão de litisconsorte passivo necessário - no caso,
a Comercial Oliveira Ltda. -, após o transcurso do prazo de dois anos para
a propositura da ação rescisória, uma vez que não se trata de mera correção
de erro material ou emenda à petição inicial; e (b) arts. 485, V, do CPC, 10 e
13, §§ 1º e 2º, da Lei Complementar n. 87/1996, 150, § 7º, 155, § 2º, I, IV
e XI, da Constituição Federal e Súmula n. 343-STF, ao argumento de que
(I) o ordenamento jurídico não permite a interposição de ação rescisória sob
fundamento de que outro julgamento foi proferido em sentido contrário,
devendo ser aplicada a orientação inserta na Súmula n. 343-STF; (II) não é
hipótese de aplicação do entendimento firmado na ADI n. 1.831; e (III) deve
ser reconhecido o direito à repetição de valores recolhidos a título de ICMS, em
razão da sistemática da substituição tributária.
Em contra-razões (fls. 1.032-1.052), o recorrido defende, preliminarmente,
(a) preclusão da discussão sobre o momento de inclusão de litisconsórcio passivo
necessário; (b) a ausência de exaurimento das instâncias ordinárias (Súmula n.
207-STJ); (c) a extemporaneidade do recurso especial; e (d) a necessidade de
exame de matéria constitucional. No mérito, requer a manutenção do julgado.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. A controvérsia se situa
em domínio jurídico infraconstitucional, independendo de exame de questões
de índole constitucional. O recurso especial foi interposto tempestivamente e,
nesses aspectos, atende aos requisitos de admissibilidade.
2. Há uma questão prejudicial às demais, que diz respeito à alegação de
decadência pela tardia formação do litisconsórcio passivo. Essa matéria foi
decidida por unanimidade pelo acórdão recorrido, razão pela qual, no particular,
o recurso pode ser conhecido, independentemente da questão preliminar adiante
enfocada.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
141
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A tese do recurso é de que, havendo na ação rescisória litisconsórcio
passivo necessário, a propositura da ação deveria ter ocorrido no prazo de dois
anos, em relação a todos os demandados, sob pena de decadência. Realmente,
se o litisconsórcio passivo fosse necessário, a tese estaria correta e amparada
em jurisprudência do STJ, como, v.g., na AR n. 2.009-PB, 1ª Seção, DJ de
03.05.2004, de minha relatoria, e nos EREsp n. 676.159-MT, Corte Especial,
DJe de 30.03.2011, de relatoria da Min. Nancy Andrighi. Todavia, não é esta a
hipótese dos autos. Não é correto afirmar que, em ação rescisória, o litisconsórcio
passivo tem, sempre e invariavelmente, a natureza de litisconsórcio necessário, a
impor a participação de todos os que figuraram na primitiva relação processual
de que derivou a sentença rescindenda. Também na ação rescisória o regime é
o do art. 47 do CPC: “Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de
lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo
uniforme para todas as partes”. Ora, relativamente à ação rescisória, não há
determinação legal a respeito, razão pela qual o litisconsórcio passivo necessário
somente ocorrerá se o Tribunal tiver que decidir a causa de modo uniforme
para todas as partes, ou seja, se a sentença rescindenda não comportar rescisão
parcial, mas apenas integral, atingindo necessariamente a todos os figurantes da
primitiva ação.
Essa situação, todavia, nem sempre ocorre. Assim, relativamente a sentenças
proferidas em ação proposta mediante litisconsórcio ativo facultativo comum, é
evidentemente admissível sua rescisão parcial. É que, em casos tais, a primitiva
ação, proposta por diversos autores, nada mais representa que uma cumulação
de demandas que poderiam ter sido propostas separadamente e que foram
aglutinadas numa única relação processual por mero interesse dos demandantes
litisconsorciados (CPC, art. 46). Sobre o litisconsórcio comum facultativo, eis a
lição didática do Professor Cândido Dinamarco:
Aqui, não constituindo objeto do julgamento uma só é única situação jurídica
substancial incindível, o processo tende a vários provimentos “somados em
uma sentença formalmente única” – e isso será assim ainda quando haja algum
pronunciamento incidenter tantum acerca de uma relação incindível (...).
É o caso de várias vítimas de um só acidente rodoviário postulando condenação
da mesma empresa ao ressarcimento; também o de uma ação de cobrança
movida ao mutuário e ao fiador; ou uma de servidores à Fazenda Pública, visando
a vantagens análogas.
Em casos assim (...) o que se tem é uma pluralidade jurídica de demandas,
também unidas só formalmente; cada um dos litisconsortes é parte legítima
142
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
apenas com referência àquela porção do objeto do processo que lhe diz respeito,
e, conseqüentemente, entende-se que seu petitum se reduz a essa parcela. Tratase efetivamente de um cúmulo de demandas, não só subjetivo mas também
objetivo, na medida em que à pluralidade de sujeitos corresponde uma soma de
pedidos, todos eles amalgamados no complexo objeto que esse processo tem.
(DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio, 8ª. ed., SP: Malheiros, p. 85-86).
Ora, se a sentença rescindenda diz respeito a ação proposta em litisconsórcio
ativo facultativo (que, como visto, constitui mero cúmulo de demandas que
poderiam ser propostas separadamente e que comportam soluções diferentes),
nada impede que também a ação rescisória - e, se for o caso, o novo julgamento
da causa, de que trata o art. 494 do CPC - seja promovida ou dirigida por ou
contra um, alguns ou todos os primitivos litisconsortes facultativos, sujeitos,
aqui também, ao mesmo regime comum. Em outras palavras: qualquer um
dos primitivos autores poderá promover a ação rescisória, independentemente
da formação de litisconsórcio ativo necessário com o demais demandantes; da
mesma forma, nada impede que o primitivo demandado promova a rescisão
parcial da sentença, em relação apenas a alguns dos primitivos demandantes,
sem necessidade de formação de litisconsórcio passivo necessário em relação aos
demais. É o que afirma a doutrina autorizada de Barbosa Moreira, a tratar da
legitimidade passiva na ação rescisória:
O Código não contém disposição expressa a respeito da legitimação passiva
para a ação rescisória. O princípio geral, parece-nos, é o de que devem integrar o
contraditório todos aqueles que eram partes no feito anterior, ao ser proferida a
sentença (lato sensu) rescindenda.
(...)
Ressalve-se que, se se tratar de sentença objetivamente complexa, e o pedido
de rescisão visar apenas um (ou alguns) dos distintos capítulos, será desnecessária
a citação daquele(s) a quem, conquanto parte(s) no processo anterior, não
diga(m) respeito o(s) capítulo(s) rescindendo(s). Assim, v.g., caso tenha havido
denunciação da lide, e o denunciado queira rescindir a sentença na parte em que
reconheceu, em face dele, o direito regressivo do denunciante, bastar-lhe-á, na
rescisória, fazer citar este último. Análoga disciplina se observará se, no processo
anterior, houve cumulação subjetiva de ações, com litisconsórcio sujeito ao
regime comum, e só se pretende a rescisão no tocante a um (ou a alguns) dos
litisconsortes. (MOREIRA, José Carlos Barbosa, Comentários ao Código de Processo
Civil, v. V, arts. 476 a 565, 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 173-174).
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
143
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No mesmo sentido: FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil, v. I, 4ª.
ed., RJ: Forense, p. 691.
Comentando acórdão proferido em hipótese semelhante à dos autos,
anotou, com inteira razão, Dilvanir José da Costa:
A rescisão pode ser realmente de parte da decisão contra todos e não pode
ser de toda a decisão contra parte dos litigantes. Mas faltou a seguinte hipótese
possível e não prevista no voto: a rescisão pode ser de parte da decisão contra
parte dos litigantes. E aqui está precisamente a hipótese desta ação. Em relação
aos 10 integrantes da decisão rescindenda, não citados, a mesma restará intacta,
o que é perfeitamente possível, por ser divisível o objeto da referida decisão: cada
funcionário recebeu, através da sentença, um quota certa e separada de direitos,
exeqüíveis com autonomia e independência, como prova a cópia da respectiva
liquidação, anexada a fls.
Logo, a rescisão só valerá em relação aos citados para esta ação e, portanto,
o acórdão não será rescindido totalmente. Haverá divisão em relação às partes
(subjetiva) e em relação aos respectivos objetos materiais autônomos (objetiva),
por serem estes separados ou não comuns. Tanto que a sentença rescindenda
resultou de um litisconsórcio facultativo por mera afinidade de questões por um
ponto comum de fato ou e direito (forma mais simples, prevista no último inciso
do art. 46). Nem chegou a ser por conexão de causas, cuja finalidade é evitar
sentenças contraditórias. Outros funcionários, em situação idêntica, ajuizaram
ações em outras varas e até perderam, com trânsito em julgado, como é notório.
Os tratadistas citam as ações coletivas como esta, contra a Fazenda Pública,
como exemplo típico de litisconsórcio facultativo por afinidade de questões (art.
46, IV), como se pode conferir em Celso Barbi, Comentários..., Forense, art. 46;
Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas..., Saraiva, 1977, vol. 2º, p. 08, com apoio
em Pontes de Miranda e Gabriel Rezende Filho. Aliás, Celso Barbi Acrescenta: “O
litisconsórcio fundado no item IV é tipicamente reunião de várias ações em um
só processo. Podiam ser propostas separadamente, em processos distintos. Mas a
reunião em um só atende às exigências da economia processual” (Comentários...,
n. 295).
3. A 3ª conclusão do Relator está correta: no litisconsórcio necessário e unitário
devem ser citados todos os interessados, sob pena de ineficácia da sentença, que
não pode valer em relação a uns e não valer em relação a outros.
Resta saber se essa premissa geral se aplica à espécie. Data venia, não se
aplica. Não se trata aqui, de um típico litisconsórcio necessário e unitário, cuja
característica é a indivisibilidade do objeto litigioso, que é comum a todos os
litigantes. Nesta ação os objetos são distintos e separados. A sentença rescindenda
é divisível objetiva e subjetivamente. Atribuiu a cada litisconsorte facultativo,
que se juntou a outros para demandar contra o Estado por simples economia
processual, o direito individual (e não comum a todos) de ter o seu respectivo
144
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
cargo em comissão (em que se apostilou) equiparado a cargo do novo Quadro
Permanente, com as mesmas atribuições. Em conseqüência, cada qual passou a
receber os vencimentos ou proventos do novo cargo respectivo, bem como cada
qual recebeu uma quantia certa e distinta de atrasados, conforme liquidação de
sentença anexada a fls.
Logo, o litisconsórcio nesta rescisória é divisível, objetiva e subjetivamente. A
sentença contra os citados em nada afetará o direito dos 10 não envolvidos, em
relação aos quais restará não rescindido o acórdão que os beneficiou (COSTA,
Dilvanir José da. Do litisconsórcio necessário em ação rescisória, in Revista de
Processo, n. 30, p. 280-281).
Mutatis mutandis, é essa a situação verificada na presente hipótese. Ora, em
se tratando de litisconsórcio passivo facultativo, a relação entre os sujeitos do
processo é regida pela disciplina do art. 48 do CPC:
Art. 48. Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em
suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões
de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros.
Isto significa que, se a ação rescisória foi proposta, em relação a um dos
litisconsortes passivos facultativos, fora do prazo de dois anos, de que trata o art.
495 do CPC, há, certamente, em relação a ele, o fenômeno da decadência. Nesse
ponto, merece reforma o acórdão quanto à recorrente Comercial Oliveira Ltda.
Todavia, esse mesmo fenômeno não alcança os demais litisconsortes passivos,
em relação aos quais a ação foi tempestivamente proposta.
3. No que toca à ausência de exaurimento de instância, tem razão o
recorrido. Na sistemática da Lei n. 10.352/2001, que deu nova redação ao
art. 530 do CPC, são cabíveis embargos infringentes, entre outras hipóteses,
contra acórdão não unânime, quando houver julgamento de procedência de
pedido formulado em ação rescisória. Ora, conforme faz certo o art. 488, I,
do CPC, a ação rescisória comporta dois pedidos cumulados, o de rescisão
propriamente dito e o de novo julgamento da causa. Isso significa dizer que o
correspondente julgamento inclui não apenas o iudicium rescindens (= a rescisão,
em sentido estrito, da decisão atacada), mas também o do iudicium rescissorium,
referente ao pedido cumulado. É o que determina o art. 494 do CPC. Não
havendo unanimidade em relação ao juízo de procedência de qualquer deles
individualmente, estará configurada hipótese de desacordo parcial, o que, por si
só, já enseja a interposição do recurso de embargos infringentes, como decorre
do disposto na parte final do art. 530 do CPC.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
145
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Foi isso o que ocorreu no caso: embora tenha havido unanimidade quanto
ao juízo de rescisão (inclusive sobre o juízo negativo de decadência), houve
votação por maioria quando ao pedido de novo julgamento da causa. Não tendo
sido interposto, quanto a esse ponto, o recurso de embargos infringentes, ficou
desatendida a exigência de exaurimento da instância ordinária, impedindo
o conhecimento do recurso especial relativamente à matéria, a teor do que
dispõe a Súmula n. 207-STJ: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis
embargos infringentes contra o acórdão proferido no Tribunal de origem”.
4. Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e na parte
conhecida, dou-lhe parcial provimento, apenas para julgar extinto o processo em
relação a Comercial Oliveira Ltda., invertendo-se, em relação a ela, os ônus da
sucumbência. É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.179.848-MG (2010/0016320-1)
Relator: Ministro Benedito Gonçalves
Recorrente: Município de Poços de Caldas
Procurador: Rita de Cássia Costa Souto e outro(s)
Recorrido: Lucia Correa Netto Prezia - espólio
Advogado: Sem representação nos autos
EMENTA
Processual Civil e Tributário. Recurso especial. Execução fiscal.
Alegada nulidade por vício na intimação das partes para o leilão.
Intimação do credor. Necessidade de reexame da matéria fática.
Súmula n. 7-STJ. Intimação do devedor. Fundamento não atacado.
Súmula n. 283-STF. Arrematação realizada e tornada sem efeito por
iniciativa da Fazenda Exequente. Comissão do leiloeiro. Art. 23, § 2º,
da LEF. Não incidência, tendo em vista que o fato dos autos não se
subsume à norma. Despesa processual às expensas do credor. Princípio
da causalidade.
146
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
1. Recuso especial pelo qual o município recorrente busca eximirse do pagamento da comissão ao leiloeiro e, para tanto, assevera
que o processo está eivado de nulidades processuais concernentes à
intimação do exequente e do executado para a realização da hasta
pública, bem como que não é devida a aludida comissão nos casos em
que a arrematação é posteriormente anulada.
2. Não é possível conhecer do recurso especial acerca de tese
quanto à necessidade de intimação pessoal da Fazenda Pública, na
medida em que o Tribunal de origem nem sequer conseguiu dos
autos aferir se ela efetivamente ocorreu, ou não. A revisão do acórdão
recorrido, nesse ponto, a fim de constatar a alega inexistência de
intimação pessoal, pressupõe reexaminar o conjunto fático probatório
constante do agravo de instrumento (art. 522 do CPC), o que é
inviável ante o óbice da Súmula n. 7-STJ.
3. No que tange ao indicado defeito na intimação (por edital) do
executado para a realização do leilão, depreende das razões recursais
que o município não impugnou especificamente o fundamento
condutor do acórdão recorrido, de que o acolhimento dessa nulidade
não traria proveito ao próprio devedor, motivo por que aplicou à
espécie o disposto no art. 249, § 1º, do CPC. Incide, nesse particular,
a Súmula n. 283-STF.
4. Quanto ao cabimento da comissão do leiloeiro e a quem cabe
o pagamento de tal ônus, extrai-se dos autos que a Fazenda Municipal
requereu a realização da hasta pública da qual resultou efetivamente
arrematado o bem penhorado. Todavia, o próprio ente público, ao
perceber que o débito exequendo já se encontrava sob parcelamento,
solicitou que a arrematação fosse tornada sem efeito e que a execução
ficasse suspensa; em conseqüência disso, o arrematante também abriu
mão do bem.
5. Tem-se, portanto, que, na espécie, a arrematação, embora
realizada, não surtiu os efeitos almejados em decorrência de ato alheio
à vontade do arrematante; circunstância essa que diferencia o caso em
apreço da hipótese de subsunção ao art. 23, § 2º, da LEF. Isso porque
não é razoável imputar ao arrematante o pagamento de despesas
relativos a um ato processual que acabou sendo desfeito por iniciativa
de outrem. Nesse mesmo sentido: REsp n. 86.506-RJ, Rel. Ministro
Ari Pargendler, Segunda Turma, DJ 13.04.1998.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
147
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
6. Não sendo o caso de aplicação da norma especial, deve-se
observar a regra geral estabelecida no Código de Processo Civil, que,
em seu art. 20, dispõe que o pagamento das despesas processuais,
dentre as quais se encontra a comissão do leiloeiro, decorre da
aplicação do princípio da causalidade (art. 20 do CPC). No caso
concreto, o Tribunal de origem consignou que a Fazenda Pública
permitiu a realização de arrematação desnecessária, na medida em
que a exequente já tinha ciência de que o débito exequendo estava
sendo adimplido de outra forma (parcelamento). Assim, detentora de
informação prejudicial à realização do leilão, cabia à credora impedir a
sua realização, motivo pelo qual ela deve, em face de sua comprovada
culpa, devidamente apurada pela instância de origem, responder pelas
despesas derivadas do ato processual que veio a ser desfeito.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão,
não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negarlhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Teori Albino Zavascki e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Licenciados os Srs. Ministros Francisco Falcão e Napoleão Nunes Maia
Filho.
Brasília (DF), 23 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves, Relator
DJe 26.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de recurso especial interposto
pelo Município de Poços de Caldas, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas
a e c, da Constituição da República, contra acórdão prolatado pelo Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado (fl. 115):
148
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Execução fiscal. Arrematação. Desistência. Comissão do leiloeiro. Sendo a Fazenda
Pública a responsável pela realização do ato de arrematação que, posteriormente,
foi anulado, deve arcar com o pagamento da comissão do leiloeiro.
Nas razões do apelo nobre, o município recorrente, além de dissídio
jurisprudencial, aponta violação dos arts. 22, § 2º, e 23, § 2º, da Lei n. 6.830/1980;
e 687, § 5º, do Código de Processo Civil. Para tanto, alega que: a) a exequente
e a executada não foram devidamente intimadas da realização do leilão, motivo
pelo qual o processo deve ser anulado a partir de tal momento, fulminando, por
conseguinte, a própria arrematação; b) a falta de intimação pessoal da Fazenda
Pública não pode ser suprida por outros atos; e c) não é devida a comissão ao
leiloeiro, pois, “uma vez anulado o praceamento, não devem remanescer efeitos
deste ato anulado”.
Sem contrarrazões (fl. 146).
Juízo positivo de admissibilidade pelo Tribunal de origem à fl. 148.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Conforme relatado, por
meio do presente recurso especial, o município recorrente busca eximir-se do
pagamento da comissão ao leiloeiro e, para esse mister, assevera que o processo
está eivado de nulidades processuais concernentes à intimação do exequente e
do executado para a realização da hasta pública, bem como que não é devida a
aludida comissão nos casos em que a arrematação é posteriormente anulada.
Primeiramente, quanto à apontada nulidade de intimação da Fazenda
exequente, consignou o acórdão recorrido, com grifos adicionados (fls. 118119):
Inicialmente, registro que, de fato, o artigo 22 § 2º da Lei n. 6.830/1980
estabelece a intimação pessoal do representante judicial da Fazenda Pública da
realização do leilão.
Contudo, no caso dos autos, a despeito de não ser possível aferir se houve ou não
a intimação pessoal do procurador da Fazenda, verifica-se dos termos da petição
de fl. 53 (Anexo n. 32) que a Fazenda Pública tinha amplo conhecimento das datas
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
149
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
designadas para os leilões, tanto que a própria exequente requereu a juntada da
publicação, no jornal da cidade, do edital.
Assim, não há que se falar em nulidade, por ausência de intimação pessoal do
representante da Fazenda Pública, tendo em vista que o escopo do artigo legal
que se traduz no conhecimento das datas dos leilões foi observado.
Observa-se, desde logo, que o Tribunal local, dos elementos constantes dos
autos, nem sequer conseguiu aferir a existência, ou não, da mencionada intimação
pessoal. Frise-se, por oportuno, que a formação do agravo de instrumento é de
responsabilidade exclusiva da Fazenda então agravante. Assim, não é possível
conhecer do recurso especial acerca de tese quanto à necessidade de intimação
pessoal, na medida em que para saber se ela, de fato, não ocorreu faz-se necessário
reexaminar o conjunto fático probatório constante do agravo de instrumento (art.
522 do CPC), o que é inviável ante o óbice da Súmula n. 7-STJ.
Acrescento, ainda, que as ponderações do acórdão recorrido no sentido
de que a anulação do processo em face do vício de procedimento invocado
exige, em face do princípio da instrumentalidade das formas, a comprovação de
prejuízo, está em conformidade com a jurisprudência do STJ. A esse respeito,
confiram-se os seguintes precedentes:
Agravo regimental em agravo de instrumento. Processual Civil. Procurador
autárquico. Intimação pessoal. Nulidade inexistente. Não comprovação do
prejuízo. Não alegação opportuno tempore. Deficiência da fundação. Súmula n.
284-STF. Honorários advocatícios. Extinção sem julgamento do mérito. Perda
do objeto superveniente. Incidência do Enunciado n. 83 da Súmula desta Corte
Superior de Justiça.
1. Em tema de nulidades processuais, o Código de Processo Civil acolheu
o princípio pas de nullité sans grief, do qual se dessume que somente há de se
declarar a nulidade do feito, quando, além de alegada opportuno tempore, reste
comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente.
2. A não indicação expressa do momento da ausência de intimação pessoal do
procurador autárquico vicia a motivação do recurso especial, inviabilizando o seu
conhecimento. Incidência do Enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal.
3. Esta Corte Superior de Justiça, com fundamento no princípio da causalidade,
é firme no entendimento de que, nas hipóteses de extinção do processo
sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao
ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá
suportar o pagamento dos honorários advocatícios.
150
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
4. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação
do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” (Súmula do STJ,
Enunciado n. 83).
5. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag n. 1.191.616-MG, Rel. Ministro
Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 23.03.2010).
Processual Civil. Intimação pessoal. AGU. Nulidade. Inocorrência. Ação
rescisória. Art. 485, V, do CPC e arts. 1º, 9º, 10 e 11 da Lei n. 4.870/1965. Reajuste
preços. Setor sucro-alcooleiro. Súmula n. 343-STF.
1. A eventual nulidade de julgamento com base em negativa de vigência dos
artigos 38 da Lei Complementar n. 73/1993 e 6º da Lei n. 9.028/1995 por falta de
intimação pessoal do represente da Advocacia Geral da União da inclusão do
feito em pauta de julgamento, admite temperamentos com base no princípio da
instrumentalidade do processo, tendo em vista que seu advogado esteve presente
à sessão e fez sustentação oral. Vencido o relator neste ponto, por entender que
ficou demonstrado prejuízo para a União que requerera o adiamento da sessão
para melhor análise da matéria.
2. Suprida a ausência das razões proferidas no voto vencido pela
Desembargadora Selene Maria de Almeida sobre o ponto controverso (a ausência
de revisor) com a juntada das notas taquigráficas, não há de se falar em violação
do artigo 535 do Código de Processo Civil.
3. São reiteradas as manifestações jurisprudenciais quanto à inocorrência
de violação ao art. 485, V, do Código de Ritos e aos arts. 1º, 9º, 10 e 11 da Lei n.
4.870/1965, no que diz respeito aos critérios de aferição de custos, de acordo
com cálculo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, para fixação de preços dos
produtos do setor sucro-alcooleiro.
4. “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando
a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos Tribunais (Súmula n. 343-STF).
5. Recurso especial não provido (REsp n. 826.850-DF, Rel. Ministro Castro Meira,
Segunda Turma, DJe 18.12.2009).
No que tange ao indicado defeito na intimação (por edital) do executado
para a realização do leilão, depreende-se das razões recursais que o município
não impugnou especificamente o fundamento condutor do acórdão recorrido,
de que o acolhimento dessa nulidade não traria proveito ao próprio devedor,
motivo por que aplicou à espécie o disposto no art. 249, § 1º, do CPC. Veja-se
(fl. 119):
No que tange à ausência de intimação da executada da realização dos leilões,
o que se extrai dos autos é que foi tentada, consoante documentos de fls. 55-56,
mas restou frustrada, em razão da sua mudança de endereço.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
151
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Neste aspecto e nos termos do art. 687, § 5º do CPC deveria ter sido publicado
edital de intimação, o que não ocorreu. Tal fato, a meu ver, no entanto, não é
capaz de gerar nulidade, nos termos do artigo 249, § 1º do CPC, tendo em vista
a ausência de prejuízo a quem aproveita, já que o bem a ser arrematado sequer
pertencia mais a executada, além de ter sido anulada a arrematação.
Incide, pois, no particular, o óbice estampado na Súmula n. 283-STF: “É
inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em
mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”.
No mérito, melhor sorte não socorre ao recorrente.
Extrai-se dos autos que a Fazenda Municipal requereu a realização da
hasta pública da qual resultou efetivamente arrematado o bem penhorado.
Todavia, o próprio ente público, ao perceber que o débito exequendo já se
encontrava sob parcelamento, solicitou que a arrematação fosse tornada sem
efeito e que a execução ficasse suspensa; em conseqüência disso, o arrematante
também abriu mão do bem. É o que se retira do voto condutor do acórdão
recorrido (fl. 118-119):
A Fazenda Pública requereu a designação de hasta pública (fl. 47) proferindo a
Magistrada singular, a decisão de fl. 48, nomeando leiloeira oficial e designando
“o dia 1º de abril de 2009, às 13:30 horas, para realização da primeira praça, e se
necessário for, dia 15 de abril de 2009, às 13:30 para realização da segunda praça,
no átrio do Fórum local” (fl. 48).
O bem foi arrematado, conforme certidão de fl. 57, lavrando-se o auto de
arrematação de fl. 59.
A Fazenda Pública, então, peticiou nos autos, aduzindo “que a executada
firmou os Termos de ‘Confissão de Débitos Fiscais’ inclusos, referentes aos Imóveis
n. 00.01.015.0919.001 e n. 00.01.015.0919.0006, os quais foram celebrados
anteriormente à hasta pública de 1º.04.2009, tendo a executada iniciado os
pagamentos devidos anteriormente ao parcelamento”, requerendo, por isso,
“a insubsistência da aludida hasta pública (fls. 72-74), pelos fatos ora expostos,
requerendo também a suspensão do processo pelo prazo de 12 (doze) meses
para o cumprimento do parcelamento noticiado” (fl. 60), o que foi deferido às fl.
65.
Posteriormente, o arrematante peticionou nos autos, postulando alvará judicial
“referente à devolução do dinheiro da arrematação, no valor de R$ 110.000,00
(cento e dez mil reais), do leilão realizado dia 1º.04.2009, uma vez que o leilão foi
suspenso devido ao pagamento feito pelo executado” (fl. 70), que culminou na
decisão agravada de fl. 71, que intimou o exequente para, em 48 (quarenta e oito)
horas depositar o valor da comissão da leiloeira.
152
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
[...]
Feitas essas considerações, é de se consignar que a arrematação chegou a ser
realizada, tendo sido prestado o serviço despendido pela leiloeira, o que gera o
dever de pagamento da comissão, mas não como ônus do arrematante, tendo em
vista que a desistência da arrematação não se deu por sua culpa.
Na verdade, tenho que o responsável pela realização do ato de arrematação
que, posteriormente, foi anulado, foi a Fazenda Pública, tendo em vista que
apontou a existência de termo de confissão de débitos fiscais anteriormente a
arrematação.
Ademais, para o devido deslinde da presente quaestio, o que importa, é que
a Fazenda Pública aceitou o pedido de confissão de dívida com parcelamento,
mesmo que não formulado pela parte executada, tanto que requereu a
insubsistência da hasta pública e a suspensão do processo.
Ora, estando a exequente ciente da realização do parcelamento do débito
fiscal, deveria ter requerido a suspensão do processo antes da realização dos
leilões, evitando, assim, atos processuais desnecessários.
Ponderados esses elementos, para a solução da presente controvérsia, cabe
perquirir se é devida a comissão do leiloeiro e a quem cabe honrar com esse
ônus.
Inicialmente, deve-se destacar que, no presente caso, os serviço do leiloeiro
foi efetivamente prestado, tendo sido arrematado o bem penhorado e depositado
o respectivo valor à disposição do Juízo da execução. Além disso, a quebra na
continuidade no procedimento de alienação, com consequente a transferência do
bem ao arrematante, não derivou de nenhum vício de nulidade eventualmente
existente no curso da execução, mas de manifestação da Fazenda credora de que
débito já estava sendo adimplido, sendo, portanto, desnecessária a consecução
daquela medida expropriatória.
Tem-se, assim, que a tese de que o serviço prestado pelo leiloeiro
pressupõe riscos decorrentes do próprio insucesso da hasta ou da invalidade do
procedimento judicial que levou o bem à oferta pública não tem aplicação no
caso em apreço, na medida em que a coisa foi regularmente levada ao leilão por
pedido do credor e foi efetivamente arrematada; cumpridas, portanto, todas as
incumbências previstas nos incisos do art. 705 do CPC, deve ser respeitada a
justa remuneração do profissional que realizou o leilão.
Por fim, cabe questionar, ainda, a quem cabe honrar tal ônus.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
153
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A aplicação do art. 23, § 2º, da Lei n. 6.830/1980, segundo o qual compete
ao arrematante pagar a comissão do leiloeiro, pressupõe que a consecução do ato
expropriatório, com a transferência do domínio da coisa arrematada.
Na espécie, entretanto, a arrematação, embora realizada, não surtiu os
efeitos almejados em decorrência de ato alheio à vontade do arrematante;
circunstância essa que diferencia o caso em apreço da hipótese de subsunção
ao referido dispositivo legal. Na mesma esteira, não é razoável imputar ao
arrematante o pagamento de despesas relativos a um ato processual que acabou
sendo desfeito por iniciativa de outrem. A esse respeito, o STJ, há muito, já se
manifestou:
Processo Civil. Leilão. Anulação sem culpa do arrematante. Comissão do
leiloeiro. O artigo 23, paragrafo 2º, da Lei n. 6.830, de 1980, supõe ou que a
arrematação tenha se consumado ou que, pelo menos, tenha se frustrado
por culpa do arrematante. Hipotese em que, tendo o leilão sido anulado, a
requerimento da Fazenda Publica, em razão do superveniente cancelamento do
credito tributario, o pagamento da comissão do leiloeiro não pode ser exigido do
arrematante. Recurso especial não conhecido (REsp n. 86.506-RJ, Rel. Ministro Ari
Pargendler, Segunda Turma, DJ 13.04.1998).
Conforme a regra geral estabelecida no Código de Processo Civil, em seu
art. 20, o pagamento das despesas processuais, dentre as quais se encontra a
comissão do leiloeiro, decorre da aplicação do princípio da causalidade (art. 20
do CPC).
Em razão disso, é necessário perquirir quem deu causa à despesa processual
realizada.
No caso em apreço, conforme acima colacionado, o Tribunal de origem
consignou que a Fazenda Pública permitiu a realização de arrematação
desnecessária, na medida em que a exequente já tinha ciência de que o débito
exequendo estava sendo adimplido de outra forma (parcelamento). Assim,
detentora de informação prejudicial à realização do leilão, cabia à credora
impedir a sua realização, motivo pelo qual ela deve, em face de sua comprovada
culpa, devidamente apurada pela instância de origem, responder pelas despesas
derivadas do ato processual que veio a ser desfeito.
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negolhe provimento.
É como voto.
154
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 1.210.778-SC (2010/0155894-0)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima
Recorrente: Graciela Conzatti Maçaneiro e outros
Advogado: Alexandro Taqueo Koyama
Recorrente: União
Recorrido: Os mesmos
EMENTA
Administrativo. Processual Civil. Recurso especial. Servidor
público. Matéria constitucional. Exame. Impossibilidade. Violação
ao art. 535 do CPC. Não ocorrência. Militar. Morte em serviço.
Homicídio culposo praticado por subordinado, dentro da unidade
militar. Promoção post mortem. Cabimento. Reexame de matéria
fática. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ. Homenagens póstumas.
Fundamento inatacado. Súmula n. 283-STF. Responsabilidade objetiva
do Estado. Reconhecimento pelo Tribunal de origem. Indenização
por danos morais. Compensação com as diferenças remuneratórias
decorrentes da promoção post mortem. Impossibilidade. Naturezas
jurídicas distintas. Necessidade de fixação autônoma da indenização
por danos morais. Arbitramento total em R$ 500.000,00 (quinhentos
mil reais). Juros moratórios incidentes sobre a verba remuneratória.
Termo inicial. Óbito do ex-militar. Súmula n. 54-STJ. Ação ajuizada
após a edição da MP n. 2.180-35/01. 6% ao ano. Sucumbência
recíproca. Afastamento.
1. É vedado em sede de recurso especial o exame de suposta
afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da
competência reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do
art. 102, III, da Constituição da República.
2. Tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara
e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em
fundamentos suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta
ao art. 535, I e II, do CPC, não se devendo confundir “fundamentação
sucinta com ausência de fundamentação” (REsp n. 763.983-RJ, Rel.
Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 28.11.2005).
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
155
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Militar morto em serviço em decorrência de homicídio culposo
praticado por outro militar – condenado em sentença penal transitada
em julgado –, que causou acidente automobilístico envolvendo viatura
oficial dentro da unidade militar.
4. “Pela Teoria dos Motivos Determinantes, a validade do ato
administrativo está vinculada à existência e à veracidade dos motivos
apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o ente
público aos seus termos” (AgRg no REsp n. 670.453-RJ, Rel. Min.
Celso Limongi, Des. Conv. do TJSP, Sexta Turma, DJe 08.03.2010).
5. Pedido de indenização de danos morais, decorrentes da não
prestação de honras militares ao de cujus, afastado pelo Tribunal de
origem com base em fundamentos de ordem fática, não infirmados no
recurso especial. Súmulas n. 7-STJ e n. 283-STF.
6. Os pedidos de promoção post mortem e de indenização por
danos morais possuem naturezas distintas, não se confundindo. Por
conseguinte, a majoração da pensão instituída pelo falecido militar
em favor de seus dependentes não tem o condão de compensar a
indenização por danos morais. Incidência, por analogia, da Súmula n.
37-STJ.
7. “O sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo
núcleo familiar, como em força centrífuga, atingindo cada um dos
membros, em gradações diversas, o que deve ser levado em conta
pelo magistrado para fins de arbitramento do valor da reparação do
dano moral” (REsp n. 1.101.213-RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda
Turma, DJe 27.04.2009).
8. “A indenização por dano moral não é um preço pelo
padecimento da vítima ou de seu familiar, mas, sim, uma compensação
parcial pela dor injusta que lhe foi provocada, mecanismo que visa a
minorar seu sofrimento, diante do drama psicológico da perda a qual
foi submetida” (REsp n. 963.353-PR, Rel. Min. Herman Benjamin,
Segunda Turma, DJe 27.08.2009).
9. “Os danos morais indenizáveis devem assegurar a justa
reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa
do autor, além de sopesar a capacidade econômica do réu, devendo ser
arbitrável à luz da proporcionalidade da ofensa, calcada nos critérios
da exemplariedade e da solidariedade” (REsp n. 1.124.471-RJ, Rel.
Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 1º.07.2010).
156
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
10. Indenização por danos morais fixadas em R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais), utilizando-se como parâmetro a Lei n. 12.257,
de 12.06.2010 (que concedeu “auxílio especial”, de igual valor, aos
dependentes dos militares das Forças Armadas falecidos durante o
terremoto de janeiro de 2010 na República do Haiti), e nos seguintes
precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp n. 1.133.105-RJ,
Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.12.2009; REsp n.
1.109.303-RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 05.08.2009.
11. Indenização a ser dividida entre os autores na seguinte
proporção: (a) Graciela Conzatti (viúva): R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais); (b) Matheus Maçaneiro (filho): R$ 100.00,00
(cem mil reais); (c) Gabriela Maçaneiro (filha): R$ 100.000,00 (cem
mil reais); (d) Natalino José Maçaneiro (pai): R$ 75.000,00 (setenta e
cinco mil reais); (e) Valéria Maçaneiro (mãe): R$ 75.000,00 (setenta
e cinco mil reais).
12. Nas indenizações por danos morais, decorrentes da
responsabilidade objetiva do Estado, incidem juros moratórios de
0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916 até a
entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001), a partir
do qual, conforme disposto em seu art. 406, deverão observar a taxa
que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à
Fazenda Nacional, qual seja, a Selic, ex vi a Lei n. 9.250/1995, a contar
da data do óbito do militar (16.09.2003 – fl. 56e), conforme disposto
na Súmula n. 54-STJ.
13. Manutenção dos juros moratórios fixados nas Instâncias
em 6% ao ano, com base no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, sobre as
diferenças decorrentes da majoração da pensão militar, uma vez que se
trata de verba remuneratória e a ação foi ajuizada após a edição da MP
n. 2.180-35, de 24.08.2001. Precedente do STJ.
14. Sucumbência recíproca afastada a fim de condenar a União
ao pagamento das custas e despesas processuais eventualmente
adiantadas pelos autores, e honorários advocatícios arbitrados, nos
termos do art. 20, § 4º, do CPC, em 10% sobre o valor da condenação.
Especificamente no que se refere às diferenças devidas a título de
pensão militar, decorrente da promoção post mortem do ex-militar,
a base de cálculo dos honorários deverá levar em consideração, de
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
157
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acordo com o art. 260 do CPC, as prestações vencidas acrescidas de
uma anualidade das vincendas.
15. Recurso especial da União não conhecido. Recurso especial
de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros conhecido e parcialmente
provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conheceu e dar parcial provimento ao recurso especial de Graciela
Conzatti Maçaneiro e outros e não conhecer do recurso especial da União, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes
Maia Filho, Benedito Gonçalves e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 06 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJe 15.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Tratam-se de recursos especiais
manifestados por Graciela Conzatti Maçaneiro e outros e pela União, com base no
art. 105, III, a e c, da Constituição Federal.
Narram os autos que os primeiros recorrentes, respectivamente viúva, filhos,
pai e mãe do Cabo do Exército Emerson Maçaneiro, incorporado em 04.02.1991
e falecido em 16.09.2003, em decorrência de acidente sofrido em serviço,
ajuizaram ação ordinária em desfavor da União objetivando fosse ela condenada
a: (i) conceder promoção post mortem do de cujus para a graduação de TerceiroSargento, com todos os seus efeitos financeiros, inclusive pretéritos, acrescidos
de correção monetária e juros moratórios; (ii) promover as homenagens post
mortem devidas ao falecido militar; (iii) pagar aos autores indenização por danos
morais, em virtude da suspensão das homenagens post mortem devidas ao militar,
158
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
o que importaria em afronta à honra objetiva não apenas deste mas também de
seus familiares, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), para cada um dos
autores; (iv) pagar indenização por danos morais em razão do fato criminoso
que resultou na morte do citado militar, praticado por um de seus subordinados
durante a prestação do serviço militar, no valor de R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais) para cada um dos autores (fls. 03-51e).
Após regular processamento do feito, sobreveio a sentença que julgou
improcedentes os pedidos formulados na inicial, sob o fundamento de que: a)
restaria comprovado nos autos a negligência e imprudência do falecido militar,
uma vez que este, mesmo após constatar a embriaguês do Soldado Sabel, que
conduzia a viatura, não exerceu sua superioridade hierárquica a fim de ordenar
que o motorista deixasse o veículo, acompanhando-o no banco do carona, sendo
certo, ainda, que não haveria provas de que houve insubordinação do referido
Soldado; b) comprovado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva dos militares
que ocupavam o veículo, não haveria como imputar à Administração qualquer
responsabilidade pela morte do Cabo Maçaneiro; por conseguinte, também não
seria devida a promoção post mortem, nos termos do disposto no art. 1º, § 2º, do
Decreto n. 57.272/1965; c) a realização das homenagens post mortem estaria no
âmbito de discricionariedade da Administração, tendo sido suspensa a salva de
tiros por razões de segurança, e não em razão das circunstâncias do falecimento
do militar. Outrossim, independentemente da vida pregressa do de cujus, sua
morte se deu em circunstâncias que afastariam sua honra e, por conseguinte, as
homenagens pleiteadas pelos autores (fls. 1.762-1.774e).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, reformou em
parte a sentença tão somente para condenar a União a realizar a promoção post
mortem do falecido militar, ao entendimento de que seria fato incontroverso
que o acidente ocorreu em área militar durante a prestação de serviço, por culpa
exclusiva do Soldado que conduzia o veículo (fls. 1.863-1.876e). O acórdão
recorrido recebeu a seguinte ementa (fl. 1.875e):
Administrativo. Militar morto em acidente em serviço. Promoção post-mortem.
Reconhecimento. Responsabilidade objetiva do Estado. Ausência de salvas de tiro
no enterro. Danos morais. Requisitos não preenchidos.
1. Há responsabilidade civil da União quando um de seus agentes concorre
para a ocorrência de dano, presente o nexo causal.
2. Provada a ausência de culpa de militar no acidente que o vitimou fatalmente,
faz ele jus à sua promoção post mortem.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
159
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados pelo acórdão de fls.
1.896-1.901e.
Sustentam os primeiros recorrentes, além de dissídio jurisprudencial,
violação aos seguintes dispositivos legais:
a) arts. 186 e 927 do Código Civil, asseverando que a indenização por
danos morais pleiteada na inicial não se confundiria com o direito à promoção
post mortem reconhecida pelo Tribunal de origem, uma vez que a primeira
encontra-se no plano da responsabilidade objetiva do Estado em relação aos
atos praticados por seus agentes, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição
da República, como no caso concreto, em que o militar faleceu em virtude de
homicídio praticado por seu subordinado, causando graves transtornos aos seus
familiares, ora recorrentes;
b) arts. 137 e 138 do Decreto n. 2.247/1997 e 111 da Lei n. 6.880/1980,
ao argumento de que, comprovada a inexistência do fato arguido pela
Administração para negar ao de cujus as homenagens militares pleiteadas, seria
de rigor reconhecer a nulidade de pleno direito da decisão que determinou a
suspensão da salva de tiros requerida e sua consequente realização, como forma
de resgatar o status dignitatis do falecido militar;
c) arts. 186 e 927 do Código Civil, pois, comprovado que a suspensão das
homenagens militares ocorreu por motivo inexistente, seria devida aos autores
indenização por danos morais como forma de compensação pelas frustrações
que lhes foram causadas;
d) arts. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/1987 e 406 do Código Civil c.c. 161,
§ 1º, do CTN haja vista que os juros moratórios deveriam ser fixados em 1% ao
mês.
A União, por sua vez, alega contrariedade aos seguintes dispositivos:
1) arts. 535, I e II, do CPC, 5º, XXXIV, XXXV, LIV e LV, e 93, IX,
da Constituição Federal, uma vez que o Tribunal de origem, não obstante a
oposição de embargos declaratórios, não teria sanado os vícios apontados no
acórdão recorrido, o que importaria em negativa de prestação jurisdicional;
2) arts. 21 da Lei n. 3.760/1960, 1º, § 2º, do Decreto n. 52.737/1963, 1º do
Decreto n. 57.272/1965 e 1º da Lei n. 5.195/1966, uma vez que não seria devida
a promoção post mortem ao de cujus, uma vez que sua morte teria sido resultante
de negligência e imprudência sua e de seu subordinado.
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 2.021-2.025e. e 2.032-2.041e).
Recurso admitidos na origem (fls. 2.042-2.043e).
160
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
O Ministério Público Federal, em parecer do Subprocurador-Geral da
República Maurício Vieira Bracks, opinou pelo não conhecimento do recurso
especial da União e pelo parcial conhecimento e, nesta extensão, pelo parcial
provimento do recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator):
RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO:
De início, não se presta o recurso especial ao exame de suposta afronta
a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competência reservada
ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da
República.
Por sua vez, tendo o Tribunal de origem se pronunciado de forma clara
e precisa sobre as questões postas nos autos, assentando-se em fundamentos
suficientes para embasar a decisão, não há falar em afronta ao art. 535, I e II,
do CPC, não se devendo confundir “fundamentação sucinta com ausência
de fundamentação” (REsp n. 763.983-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, DJ 28.11.2005).
De outro lado, verifica-se que a Turma Julgadora, com base no conjunto
probatório dos autos, firmou a compreensão no sentido de que o acidente que
ceifou a vida do Cabo Maçaneiro ocorreu por culpa exclusiva do Soldado Sabel,
que dirigia a viatura naquela oportunidade, o qual, inclusive, foi condenado por
homicídio culposo. In verbis (fl. 1.869e):
Verifico nos autos ser fato incontroverso ter o Cabo Maçaneiro falecido em
acidente automobilístico em que o veículo onde era caroneiro estava sendo
conduzido pelo Soldado Sabel, dentro de perímetro de área militar, durante a
prestação de serviço. Verifico, também, que o Inquérito Policial Militar instaurado
para apurar os fatos concluiu que o acidente foi de culpa exclusiva do Soldado
Sabel (fls. 311-316 e 319), sendo posteriormente confirmado em sentença pela
Justiça Militar (fls. 472-476).
Para afastar sua responsabilidade, cabe à União demonstrar a culpa exclusiva
da vítima ou de terceiro, ou a ocorrência de caso fortuito ou força maior. A ação da
vítima para o desenrolar do evento danoso é fato que pode levar à atenuação ou
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
161
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
até mesmo à exclusão de sua responsabilidade. No presente caso, não vislumbro
essa ocorrência (Grifo nosso).
Destarte, rever tal entendimento demandaria o reexame de matéria fáticoprobatória, o que atrai o óbice da Súmula n. 7-STJ.
Nesses termos, não conheço do recurso especial da União.
Passo ao exame do recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e
outros.
Como narrado na inicial, os ora recorrentes, respectivamente viúva, filhos,
pai e mãe do Cabo do Exército Emerson Maçaneiro, incorporado em 04.02.1991
e falecido em 16.09.2003, em decorrência de acidente sofrido em serviço,
ajuizaram ação ordinária em desfavor da União objetivando fosse ela condenada
a: (i) conceder promoção post mortem do de cujus para a graduação de TerceiroSargento, com todos os seus efeitos financeiros, inclusive pretéritos, acrescidos
de correção monetária e juros moratórios; (ii) promover as homenagens post
mortem devidas ao falecido militar; (iii) pagar aos autores indenização por danos
morais, em virtude da suspensão das homenagens post mortem devidas ao militar,
o que importaria em afronta à honra objetiva não apenas deste mas também de
seus familiares, no valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), para cada um dos
autores; (iv) pagar indenização por danos morais em razão do fato criminoso
que resultou na morte do citado militar, praticado por um de seus subordinados
durante a prestação do serviço militar, no valor de R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais) para cada um dos autores (fls. 03-51e).
Antes de iniciar o exame das teses recursais por eles deduzidas, faz-se
necessário examinar, de ofício, questão acerca de sua legitimidade quanto ao
pedido de indenização por danos morais, haja vista tratar-se de matéria de
ordem pública.
Embora a indenização por danos morais seja devida, em regra, apenas
ao lesado direto, ou seja, a quem experimentou imediata e pessoalmente as
conseqüências do evento danoso, há hipóteses em que outras pessoas a ele
estreitamente ligadas também experimentam danos de forma reflexa – dano
moral por ricochete ou préjudice d’affection –, em virtude dos laços afetivos e
circunstâncias de grande proximidade, aptas a também causar-lhes o intenso
sofrimento pessoal.
De fato, “O sofrimento pela morte de parente é disseminado pelo núcleo
familiar, como em força centrífuga, atingindo cada um dos membros, em
162
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
gradações diversas, o que deve ser levado em conta pelo magistrado para fins de
arbitramento do valor da reparação do dano moral” (REsp n. 1.101.213-RJ, Rel.
Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 27.04.2009).
Direito Civil. Responsabilidade civil. Compensação por danos morais.
Legitimidade ativa. Pais da vítima direta. Reconhecimento. Dano moral
por ricochete. Dedução. Seguro DPVAT. Indenização judicial. Súmula n. 246STJ. Impossibilidade. Violação de súmula. Descabimento. Denunciação à lide.
Impossibildade. Incidência da Súmula n. 7-STJ e n. 283-STF.
1. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação
de súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não
se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, a da
CF/1988.
2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para,
conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete,
porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma
indireta ou reflexa. Precedentes.
3. Recurso especial não provido (REsp n. 1.208.949-MG, Rel. Min. Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe 15.12.2010).
Em tais situações, como ocorrido na espécie, verifica-se que os parentes
da vítima não estão a pleitear em juízo indenização por danos morais devidas
àquela, mas um direito personalíssimo.
Tal conclusão também se aplica em relação aos genitores da vítima, na
medida em que o fato desta, ao tempo de sua morte, já ter constituído família
“não faz presumir que os laços afetivos entre eles tenham se enfraquecido,
pois a diminuição da afetividade entre genitores e filhos, por ser contrária ao
senso comum, é que exige comprovação concreta para fins de redução do valor
arbitrado a título de compensação dos danos morais” (REsp n. 1.139.612-PR,
Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 23.03.2011).
Destarte, resta constatada a legitimidade dos membros da família do
falecido militar para pleitearem a indenização por danos morais.
Quanto ao pedido de realização das homenagens póstumas ao falecido
militar, bem como de indenização por danos morais decorrentes de sua não
concessão pela Administração Militar, nenhum reparo há ser feito ao acórdão
recorrido.
Com efeito, não se olvida que, “Pela Teoria dos Motivos Determinantes,
a validade do ato administrativo está vinculada à existência e à veracidade
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
163
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
dos motivos apontados como fundamentos para a sua adoção, a sujeitar o
ente público aos seus termos” (AgRg no REsp n. 670.453-RJ, Rel. Min. Celso
Limongi, Des. Conv. do TJSP, Sexta Turma, DJe 08.03.2010).
Ocorre que, no caso concreto, embora tenha restado reconhecido pela
Turma Julgadora que um dos fundamentos indicados pelo Comandante do
ex-militar – ocorrência de fortes chuvas no dia do sepultamento, que teriam
impedido a realização da salva de tiros – não encontrasse amparo na prova
testemunhal produzida nos autos, outras razões também teriam sido dadas para
a não realização da referida cerimônia militar, estas não contestadas, a saber: (i)
pouco espaço físico existente no local do sepultamento; (ii) número de pessoas
presentes no local. In verbis (fls. 1.872-1.873e):
Assim, mesmo que o Comandante da tropa do ex-militar tenha avisado à parte
autora que seriam prestadas honras fúnebres com as salvas, estas são honras
“complementares” e somente dirigidas às autoridades enumeradas no art. 111
acima, logo, acaso houvesse a possibilidade de realizá-las, essa decisão seria
meramente ato discricionário da Administração Militar. No tocante, transcrevo
trecho dos fundamentos da sentença:
Ademais, à míngua de amparo legal, a realização das salvas fúnebres em
homenagem ao Cb Maçaneiro estava circunscrita ao âmbito discricionário
da autoridade superior. Esta, porém, resolveu suspender a salva de tiros por
motivos de segurança (depoimentos das fls. 1.441-1.442). Bem verdade que o
motivo alegado à fl. 1.441, ou seja, que “chovera no terreno onde foi realizado
o sepultamento”, não encontra amparo na prova testemunhal colhida a fls.
1.475-80, do qual se apreende que por ocasião do sepultamento o tempo era
bom.
Contudo, segundo se pode colher do depoimento da testemunha Roberto
Soares (fl. 1.479), na época Comandante da Guarda de Honras Fúnebres, outras
razões foram dadas, na ocasião, para a não realização da salva de tiros, quais
sejam, “pouco espaço existente no local do sepultamento e do número de
pessoas que lá estavam presentes”. Em relação a tais razões, não se logrou
demonstrar que elas não existiam e que a realização da salva de tiros não
colocaria em risco as pessoas que lá se encontravam, em virtude do pouco
espaço existente no local. Motivo pelo qual, à falta de elementos a apontar no
sentido contrário, há de reputar-se legítima a conduta na suspensão da salva
de tiros.
Acrescente-se que, a teor do depoimento da fl. 1.441, do Cel. Luiz Carlos
Pereira Gomes, à época Comandante do 23º BI, a suspensão da salva de tiros
nada teve haver com as circunstâncias do acidente que vitimou o Cb Maçaneiro.
Pois, segundo ele, “as honras militares não deixariam de ser prestadas em
razão das circunstâncias em que ocorreu o acidente, até porque essas
164
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
circunstâncias somente chegaram ao conhecimento do depoente depois
do sepultamento”. Assim, há de conferir-se crédito à alegação de que a
salva de tiros foi suspensa por motivos de segurança e não em virtude das
circunstâncias em que ocorreu o acidente em questão, porque estas, até então,
não eram do conhecimento daquele que ordenou a suspensão.
Descabível, portanto, indenização por danos morais em virtude da suspensão
das salvas de tiros no enterro do ex-militar.
Assim, considerando-se que tais fundamentos restaram inatacados pelos
recorrentes, incide na espécie, nesse ponto, a Súmula n. 283-STF.
Impende ressaltar, outrossim, que rever o entendimento firmado pelo
Tribunal de origem demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que é
inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula n. 7-STJ.
Logo fica prejudicada a tese de dissídio jurisprudencial.
Procede, contudo, a irresignação quanto à indenização por danos morais
oriundos da morte do militar.
Com efeito, o Tribunal de origem, a partir das provas carreadas aos autos,
afastou a responsabilidade do de cujus pelo acidente que lhe ceifou a vida,
uma vez que imputada exclusivamente ao militar que conduzia a viatura,
reconhecendo, ato contínuo, “a presença de todos os elementos necessários à
caracterização da responsabilidade da União, ação do agente, nexo causal e
dano”. E ainda (fl. 1.897e):
[...] Cabível, portanto, a majoração das pensões por morte, bem como a entrega
das diferenças entre os proventos das patentes de Cabo e o de 3º Sargento,
devendo ser afastada, todavia, a indenização por dano moral, uma vez que entendo
que aquela recomposição pecuniária abrange o numerário necessário para indenizar
o abalo sofrido. As parcelas devidas terão correção monetária pelos pelos índices
oficiais e juros moratórios (Grifos nossos).
Ocorre que, ao contrário do que restou decido pela Turma Julgadora, não
há de se confundir os pedidos de promoção post mortem e de indenização por
danos morais, porquanto, embora possuam o mesmo pressuposto fático – morte
do militar em acidente em serviço para o qual não foi responsável –, possuem
naturezas distintas.
A promoção post mortem refere-se a um direito eminentemente material
que é deferido ao militar que vier a falecer em determinadas circunstâncias,
quando preenchidos os requisitos previstos nos dispositivos abaixo relacionados:
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
165
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Lei n. 3.765/1960
Art. 21. A pensão resultante da promoção post-mortem será paga aos
beneficiários habilitados, a partir da data da promoção.
Decreto n. 52.737/1963
Art. 1º. A promoção “post mortem” de que trata o art. 21 da Lei número 3.765, de
04 de maio de 1960 será concedida, no posto imediato e na data do falecimento
ao militar do Exército que, em pleno serviço ativo, houver falecido ou vier a falecer
em conseqüência de:
I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública, ou
moléstia contraída nessa situação e que nela tenha sua causa eficiente;
II - acidente em serviço ou moléstia dele proveniente.
§ 1º. Considera-se acidente em serviço o ocorrido com o militar na execução
de:
a) serviço para o qual haja sido designado;
b) ordens recebidas, deveres ou obrigações funcionais;
c) o deslocamento ou viagens a que for obrigado para o desempenho das
missões acima referidas, exceto o trânsito normal diário entre sua residência e o
local de trabalho.
§ 2º. Não será considerado acidente em serviço o que tiver resultado de crime,
transgressão disciplinar, imperícia, imprudência ou desídia por parte do militar ou
de subordinado seu, com sua aquiescência.
§ 3º. Os casos de que trata este artigo serão comprovados por documentos
sanitários de origem, inquérito policial militar ou de ficha de evacuação. Os
termos de acidente, partes de Unidades papeleta de tratamento em hospitais
e enfermarias, registros de baixa etc., serão documentos subsidiários para
estabelecer a situação.
Decreto n. 57.272/1965
Art. 1º. Considera-se acidente em serviço, para todos os efeitos previstos na
legislação em vigor relativa às Forças Armadas, aquele que ocorra com militar da
ativa, quando:
a) no exercício dos deveres previstos no art. 25 do Decreto-Lei número 9.698,
de 02 de setembro de 1946 (Estatuto dos Militares);
b) no exercício de suas atribuições funcionais, durante o expediente normal,
ou, quando determinado por autoridade competente, em sua prorrogação ou
antecipação;
c) no cumprimento de ordens emanada de autoridade militar competente;
d) no decurso de viagens em objeto de serviço, previstas em regulamentos ou
autorizadas por autoridade militar competente;
166
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
e) no decurso de viagens impostas por motivo de movimentação efetuadas no
interesse do serviço ou a pedido;
f ) no deslocamento entra a sua residência e a organização em que serve
ou o local de trabalho, ou naquele em que sua missão deva ter início ou
prosseguimento, e vice-versa.
Lei n. 5.195/1966
Art. 1º O militar que, em pleno serviço ativo, vier a falecer em conseqüência
de ferimentos recebidos em campanha ou na manutenção da ordem pública,
ou em virtude de acidente em serviço será considerado promovido ao pôsto ou
graduação imediata, na data do falecimento.
Já o dano moral indenizável pelo Estado, por sua vez, encontra-se previsto
nos arts. 186 e 927 do Código Civil c.c. 37, § 6º, da Constituição Federal, que
têm a seguinte redação:
Código Civil
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem.
Constituição Federal
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte:
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.
Consoante o magistério de René SAVATIER, dano moral “é qualquer
sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária, e abrange
todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legitima, ao seu pudor, à
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua
inteligência, a suas afeições, etc” (Traité de La Responsabilité Civile, vol. II, n. 525,
Apud Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Editora Forense, RJ,
1989).
Segundo o Yussef Said CAHALI, dano moral “é a privação ou diminuição
daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz,
a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a
integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse
modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação,
etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza,
saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial
(cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (Dano Moral,
2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 20).
Destarte, a recomposição dos valores da pensão instituída pelo falecido
militar em favor de seus dependentes não tem o condão de compensar a
indenização por danos morais devida pela União, conforme dispõe a Súmula n.
37-STJ, por analogia:
São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do
mesmo fato.
Faz-se necessário, portanto, nesse ponto, reformar o acórdão recorrido a
fim de, com base no art. 257 do RISTJ e na Súmula n. 456-STF, fixar a verba
indenizatória.
É sempre bom lembrar que “A indenização por dano moral não é um preço
pelo padecimento da vítima ou de seu familiar, mas, sim, uma compensação
parcial pela dor injusta que lhe foi provocada, mecanismo que visa a minorar seu
sofrimento, diante do drama psicológico da perda a qual foi submetida” (REsp
n. 963.353-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27.08.2009).
Para tanto, “Os danos morais indenizáveis devem assegurar a justa
reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor,
além de sopesar a capacidade econômica do réu, devendo ser arbitrável à luz
da proporcionalidade da ofensa, calcada nos critérios da exemplariedade e da
solidariedade” (REsp n. 1.124.471-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe
1º.07.2010).
Se é certo que eventuais acidentes em serviço envolvendo viaturas militares
possam ser enquadrados dentro do risco inerente à própria atividade militar, não
168
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
é menos certo que deve ser considerada extremamente improvável que a morte
de um militar ocorra em razão de homicídio praticado por um subordinado seu.
No caso concreto, consoante constatado pelo Tribunal de origem (fl.
1.869e), o militar faleceu em razão de homicídio culposo praticado por outro militar,
seu subordinado, e que resultou na condenação deste último pela Justiça militar (fl.
497e), tendo a respectiva sentença penal militar condenatória transitado em
julgado em 1º.08.2006 (fl. 499e).
Tendo em vista tal circunstância, entendo necessária a fixação da
indenização dos danos morais no valor total de R$ 500.000,00 (quinhentos mil
reais).
Tal quantia é arbitrada utilizando-se como parâmetro inicial a indenização
prevista na Lei n. 12.257, de 12.06.2010, concedida pela União aos dependentes
dos militares mortos durante o terremoto de janeiro de 2010 ocorrido na
República do Haiti, também no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais),
independentemente do posto/graduação que ocupavam e dos demais benefícios
instituídos em favor de seus dependentes. In verbis:
Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º. Esta Lei concede auxílio especial e bolsa especial aos dependentes dos
militares das Forças Armadas falecidos durante o terremoto de janeiro de 2010 na
República do Haiti.
Art. 2º. Fica concedido auxílio especial aos dependentes dos seguintes militares
das Forças Armadas falecidos durante o terremoto de janeiro de 2010 na República
do Haiti:
I - General-de-Brigada Combatente João Eliseu Souza Zanin;
II - General-de-Brigada Combatente Emilio Carlos Torres dos Santos;
III - Coronel Marcus Vinicius Macêdo Cysneiros;
IV - Tenente-Coronel Francisco Adolfo Vianna Martins Filho;
V - Tenente-Coronel Márcio Guimarães Martins;
VI - Capitão Bruno Ribeiro Mário;
VII - 2º. Tenente Raniel Batista de Camargos;
VIII - Subtenente Davi Ramos de Lima;
IX - Subtenente Leonardo de Castro Carvalho;
X - 2º. Sargento Rodrigo de Souza Lima;
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169
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
XI - 3º. Sargento Arí Dirceu Fernandes Júnior;
XII - 3º. Sargento Douglas Pedrotti Neckel;
XIII - 3º. Sargento Washington Luis de Souza Seraphin;
XIV - Cabo Antonio José Anacleto;
XV - Cabo Felipe Gonçalves Julio;
XVI - Cabo Kleber da Silva Santos;
XVII - Cabo Rodrigo Augusto da Silva; e
XVIII - Cabo Tiago Anaya Detimermani.
Parágrafo único. O auxílio especial será concedido sem prejuízo dos demais
benefícios decorrentes da condição de militar das Forças Armadas.
Art. 3º. O auxílio especial será no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por
militar, dividido entre seus dependentes, em parcelas iguais nos termos desta Lei.
Art. 4º. A bolsa especial de educação, no valor de R$ 510,00 (quinhentos e
dez reais), será concedida ao dependente estudante do ensino fundamental,
médio ou superior até os 18 (dezoito) anos ou, em se tratando de estudante
universitário, até os 24 (vinte e quatro) anos de idade, destinada ao custeio da
educação formal, e será atualizada nas mesmas datas e pelos mesmos índices dos
benefícios do regime geral de previdência social.
Parágrafo único. O Ministério da Defesa editará as normas complementares
necessárias para a execução do disposto neste artigo, inclusive quanto ao
cadastramento dos dependentes estudantes e da comprovação da matrícula,
frequência e rendimento escolar.
Art. 5º. Para os fins desta Lei, considera-se dependente:
I - o cônjuge;
II - o companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável
como entidade familiar;
III - os filhos e o menor sob guarda ou tutela até os 21 (vinte e um) anos de
idade ou até 24 (vinte e quatro) anos de idade se estudantes em curso de nível
superior;
IV - os filhos inválidos, desde que a invalidez seja anterior à maioridade.
§ 1º. Na ausência dos dependentes referidos nos incisos I a IV deste artigo, o
auxílio especial será devido à mãe e ao pai do militar.
§ 2º. O disposto neste artigo prescinde da efetiva dependência econômica ou
dos critérios constantes na legislação militar.
Art. 6º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
170
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Tal fixação se mostra coerente com a situação concreta dos autos, não só
porque a morte do militar ocorreu durante o serviço, mas em especial porque
resultou de um homicídio culposo praticado dentro de unidade militar, em que o
agente foi outro militar.
O valor total da indenização também encontra amparo na jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça.
Com efeito, no julgamento do REsp n. 1.133.105-RJ (Rel. Min. Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJe 18.12.2009), o Superior Tribunal de Justiça
confirmou o arbitramento realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, que condenou o Município de Carmo-RJ a pagar indenização por
danos morais de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) à mãe de vítima de
homicídio culposo praticado por agente público da ré.
A propósito, confira-se a ementa do referido acórdão:
Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Morte do filho da autora.
Baixa renda. Danos morais e materiais. Indenização e pensionamento.
1. Esta Corte tem reconhecido, continuamente, o direito dos pais ao
pensionamento pela morte de filho, independente de este exercer ou não
atividade laborativa, quando se trate de família de baixa renda, como na hipótese
dos autos.
2. A revisão do valor da indenização somente é possível, em casos excepcionais,
quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante
violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que, todavia,
in casu, não se configurou.
3. Recurso parcialmente provido.
Também no REsp n. 1.109.303-RS (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma,
DJe 05.08.2009), o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a condenação
imposta à União – pagamento de indenização por danos morais, à mãe de
militar vítima de homicídio culposo dentro de sua respectiva unidade militar,
no valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) –, seria consonante com o
princípio da proporcionalidade. Confira-se o respectivo acórdão:
Processual Civil. Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Militar.
Vítima de homicídio em quartel. Sentença penal condenatória proferida pela
Justiça Militar Federal. Danos morais e materiais. Prescrição. Inocorrência. Danos
materiais e morais. Artigo 37, § 6º da Constituição Federal. Matéria constitucional.
Nexo de causalidade. Redução do quantum indenizatório. Exorbitância.
Inexistência. Juros moratórios. Cabimento. Tempus regit actum.
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171
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A prescrição de ação indenizatória, por ilícito penal praticado por agente
do Estado, tem como termo inicial o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Precedentes do STJ: AgRg no Ag n. 951.232-RN, Segunda Turma,
DJ de 05.09.2008; REsp n. 781.898-SC, Primeira Turma, DJ 15.03.2007 e REsp n.
439.283-RS, Primeira Turma, DJ 1º.02.2006.
2. In casu, trata-se de Ação de Indenização ajuizada em face da União, em
04.11.2004, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, proferida
pelo Juízo da 1ª Auditoria da 3ª CJM-Porto Alegre-RS, nos autos do Processo
Penal Militar n. 22/98-0, em 31.08.1999 (fls. 73-79), a qual transitou em julgado
em 2001, consoante noticiado pelo Juízo 6ª Vara Federal de Porto Alegre-SJ-RS
(fl. 145), objetivando a reparação de danos morais e materiais decorrentes do
falecimento de Soldado do Exército, vítima de homicídio por disparo de arma de
fogo desferida por outro soldado, no período em que prestava Serviço Militar no
3º Regimento de Cavalaria de Guardas - Regimento Osório.
3. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de
responsabilidade extracontratual (Súmula n. 54-STJ). Precedentes: REsp n.
771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 489.439-RJ,
DJ 18.08.2006; REsp n. 768.992-PB, DJ 28.06.2006.
4. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula n. 54-STJ)
à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em
vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001).
5. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001) os juros
moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta
que, como de sabença, é a Selic, nos expressos termos da Lei n. 9.250/1995.
Precedentes: REsp n. 688.536-PA, DJ 18.12.2006; REsp n. 830.189-PR, DJ
07.12.2006; REsp n. 813.056-PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp n. 947.523-PE, DJ 17.09.2007; REsp n. 856.296-SP
DJ 04.12.2006; AgRg no Ag n. 766.853-MG, DJ 16.10.2006.
6. Deveras, é cediço na Corte que o fato gerador do direito a juros moratórios
não é o ajuizamento da ação, tampouco a condenação judicial, mas, sim, o
inadimplemento da obrigação.
7. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a definição
legal dos juros de mora deve observância ao princípio do direito intertemporal
segundo o qual tempus regit actum.
8. Consectariamente, aplica-se à mora relativa ao período anterior à vigência
do novo Código Civil as disposições insertas no revogado Código Civil de 1916,
regendo-se o período posterior pelo diploma civil superveniente (REsp n.
745.825-RS, DJ 20.02.2006).
9. Fundando-se o acórdão recorrido em interpretação de matéria
eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão,
172
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa
determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência
traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação
infraconstitucional.
10. Controvérsia dirimida pelo C. Tribunal a quo à luz da Constituição Federal,
razão pela qual revela-se insindicável a questão no âmbito do Superior Tribunal
de Justiça, em sede de Recurso Especial. Precedentes: REsp n. 889.651-RJ, DJ
30.08.2007; REsp n. 808.045-RJ, DJU de 27.03.2006; REsp n. 668.575-RJ, Primeira
Turma, Relator Min. Luiz Fux, DJU de 19.09.2005.
11. In casu, restou assentado no acórdão proferido pelo Tribunal a quo: “A
responsabilidade objetiva do Estado está inserida no art. 37, § 6º, da Constituição
Federal, nos seguintes termos: ‘As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa’. Da análise dos autos,
resta incontestável o fato de que a presente ação versa sobre a responsabilidade
objetiva. Fundada na teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva
independe da apuração de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a
existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos.
Assim, demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à
administração e o dano, exsurge para o ente público o dever de indenizar o
particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma
compensação pecuniária compatível com o prejuízo. Não se perquire acerca
da existência ou não de culpa da pessoa jurídica de direito público porque a
responsabilidade, neste caso, é objetiva, importando apenas o prejuízo causado
a dado bem tutelado pela ordem jurídica (...).” 12. A modificação do quantum
arbitrado a título de danos morais somente é admitida, em sede de recurso
especial, na hipótese de fixação em valor irrisório ou abusivo, inocorrentes no
caso sub judice. Precedentes jurisprudenciais desta Corte: REsp n. 681.482-MG;
Rel. Min. José Delgado, Relator(a) p/ acórdão Min. Luiz Fux, DJ de 30.05.2005; Ag
n. 605.927-BA, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 04.04.2005; AgRg Ag n.
641.166-RS, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ de 07.03.2005; AgRg no Ag n.
624.351-RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, DJ de 28.02.2005; REsp n. 604.801RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 07.03.2005; REsp n. 530.618-MG,
Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 07.03.2005; AgRg no Ag n. 641.222MG, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 07.03.2005 e REsp n. 603.984-MT,
Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 16.11.2004.
13. Sob esse enfoque assentou o Tribunal a quo, verbis: “Ultrapassada a questão
do dano moral, deve-se adentrar para a fixação do quantum indenizatório, tendo
em vista que a União pleiteia a redução dos valores arbitrados pelo magistrado
de piso (300 salários mínimos para a mãe e 100 salários mínimos para a irmã).
(...) Assim, ultrapassada esta questão, se faz necessário observar os princípios da
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
173
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
razoabilidade e proporcionalidade, bem como o valor arbitrado deve guardar
dupla função, a primeira de ressarcir a parte afetada dos danos sofridos, e uma
segunda pedagógica, dirigida ao agente do ato lesivo, a fim de evitar que atos
semelhantes venham a ocorrer novamente e, ainda, definir a quantia de tal
forma que seu arbitramento não cause enriquecimento sem causa à parte lesada.
Nesse sentido entendo por manter a fixação realizada pelo magistrado singular.
Contudo, conforme acima relatado, transformo a fixação de salários mínimos
para valor monetário nominal, devendo a União pagar à mãe a quantia de R$
105.000,00 (cento e cinco mil reais) e à irmã o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco
mil reais) obedecidos, é claro, os parâmetros do salário mínimo vigente à época
da sentença, ou seja, R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais).
14. Os embargos de declaração que enfrentam explicitamente a questão
embargada não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC.
15. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
No caso concreto, o bem jurídico a ser reparado não é o valor “vida”, que é
inestimável, cujo titular era a vítima do homicídio, mas, sim, a privação precoce
do convívio com os familiares, ora recorrentes, em razão do lamentável evento
danoso oriundo de conduta culposa de um agente público.
Nessas circunstâncias, considerando-se o número de autores e o grau de
parentesco de cada um deles com o falecido militar, assim como o impacto que
a ausência deste terá na vida de cada um dos autores, em especial sua viúva e filhos
menores, mostra-se razoável que a divisão do quantum total seja realizado da
seguinte forma:
a) Graciela Conzatti (viúva): R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais);
b) Matheus Maçaneiro (filho): R$ 100.00,00 (cem mil reais);
c) Gabriela Maçaneiro (filha): R$ 100.000,00 (cem mil reais);
d) Natalino José Maçaneiro (pai): R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais);
e) Valéria Maçaneiro (mãe): R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais).
Quanto aos juros moratórios incidentes sobre referida indenização, devem
eles ser fixados em 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do Código Civil de
1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001), a
partir do qual, conforme disposto em seu art. 406, deverão observar a taxa que
estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda
Nacional, qual seja, a Selic, ex vi a Lei n. 9.250/1995, tudo a contar da data do
óbito do militar (16.09.2003 – fl. 56e), conforme disposto na Súmula n. 54-STJ.
174
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
Nesse mesmo sentido, confira-se o seguinte julgado:
Processual Civil. Administrativo. Intervenção do Estado no domínio econômico.
Responsabilidade objetiva do Estado. Fixação pelo poder executivo dos preços
dos produtos derivados da cana-de-açúcar abaixo do preço de custo. Dano moral.
Indenização cabível. Juros moratórios. Cabimento. Correção monetária devida.
Pedido implícito. Expurgos. Tabela única.
(...)
7. Consectariamente, tratando-se de ação de indenização ajuizada em
09.03.1990, tendo sido reconhecido o dano causado aos produtores de cana,
açúcar e álcool, no período de março de 1985 a outubro de 1989, há que se
corrigir monetariamente o quantum fixado a título indenizatório.
(...)
10. Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de
responsabilidade extracontratual (Súmula n. 54-STJ). Precedentes: REsp n.
771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 771.926-SC, DJ 23.04.2007; REsp n. 489.439-RJ,
DJ 18.08.2006; REsp n. 768.992-PB, DJ 28.06.2006.
11. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula n. 54-STJ)
à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em
vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001).
12. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2001) os juros
moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do
pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta
que, como de sabença, é a Selic, nos expressos termos da Lei n. 9.250/1995.
Precedentes: REsp n. 688.536-PA, DJ 18.12.2006; REsp n. 830.189-PR, DJ
07.12.2006; REsp n. 813.056-PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp n. 947.523-PE, DJ 17.09.2007; REsp n. 856.296-SP
DJ 04.12.2006; AgRg no Ag n. 766.853-MG, DJ 16.10.2006.
13. Deveras, é cediço na Corte que o fato gerador do direito a juros moratórios
não é o ajuizamento da ação, tampouco a condenação judicial, mas, sim, o
inadimplemento da obrigação.
14. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a definição
legal dos juros de mora deve observância ao princípio do direito intertemporal
segundo o qual tempus regit actum.
15. Consectariamente, aplica-se à mora relativa ao período anterior à vigência
do novo Código Civil as disposições insertas no revogado Código Civil de 1916,
regendo-se o período posterior pelo diploma civil superveniente (REsp n.
745.825-RS, DJ 20.02.2006).
16. A correção monetária independe de pedido expresso da parte interessada,
não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
175
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
evita, vale dizer: a correção monetária plena é mecanismo mediante o qual se
busca a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, a fim de se preservar
o poder aquisitivo original.
17. A jurisprudência do STF, cristalizada na Súmula n. 562, é no sentido de que:
“Na indenização de danos materiais decorrentes de ato ilícito cabe a atualização
de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critérios, dos índices de
correção monetária”.
18. Outrossim, a correção monetária incide a partir do prejuízo (Súmula n.
43-STJ: “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do
efetivo prejuízo”).
(...)
21. A inclusão da Selic a partir de janeiro de 2003, a título de correção
monetária nas ações condenatórias em geral, consoante determinado na aludida
Tabela corrobora o entendimento da aplicação exclusiva do referido índice a
título de juros de mora, ex vi do artigo 406, do Código Civil de 2002, uma vez que,
em virtude da natureza da Taxa Selic, revela-se impossível sua cumulação com
qualquer outro índice, seja de juros, seja de atualização monetária.
(...)
32. Recurso Especial provido (REsp n. 926.140-DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira
Turma, DJe 12.05.2008).
No que tange aos juros moratórios incidentes sobre as diferenças do
valor do benefício, já reconhecidas pelo Tribunal de origem, correta sua fixação
com base no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997, tendo em vista sua natureza
remuneratória e o fato de que a ação foi ajuizada em 19.06.2007 (fl. 02e). A
propósito, cito o seguinte julgado:
Ação de indenização. Morte de militar. Danos morais. Pensão. Ausência de
prequestionamento. Súmula n. 282-STF. Nexo causal. Atividade relacionada ao
serviço. Fundamento inatacado. Súmula n. 283-STF. Juros moratórios. Artigo 1º-F,
da Lei n. 9.494/1997. Impropriedade. Embargos declaratórios. Multa.
(...)
IV - O disposto no artigo 1º-F, da Lei n. 9.494/1997 para fixação da taxa de
juros moratórios, não se aplica à hipótese (indenização), por ser norma especial,
de alcance limitado aos casos de pagamento de verbas remuneratórias devidas
a servidores e empregados públicos. Precedente: REsp n. 865.310-RN, Rel. Min.
Denise Arruda, DJ de 27.11.2006.
(...)
176
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
VI - Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido,
somente no que diz respeito à multa (REsp n. 1.081.017-RS, Rel. Min. Francisco
Falcão, Primeira Turma, DJe 10.06.2009).
Por fim, como consectário, há de ser afastada a sucumbência recíproca
reconhecida pelo Tribunal de origem, a fim de condenar a União aos pagamentos
das custas e despesas processuais eventualmente adiantadas pelos autores, e
honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, em
10% sobre o valor da condenação. Ressalta-se, todavia, especificamente do
que diz respeito às diferenças devidas a título de pensão militar, decorrente da
promoção post mortem do ex-militar, que a base de cálculo dos honorários deverá
levar em consideração, de acordo com o art. 260 do CPC, as prestações vencidas
acrescidas de uma anualidade das vincendas.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial da União. Por sua vez,
conheço do recurso especial de Graciela Conzatti Maçaneiro e outros, dando-lhe
parcial provimento, a fim de condenar a União a pagar-lhes indenização por
danos morais decorrentes da morte Ex-Cabo do Exército Emerson Maçaneiro,
arbitrada em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), a ser dividida na forma
especificada na fundamentação, acrescida, a partir da data do óbito (16.09.2003),
de correção monetária e juros moratórios, estes fixados em 0,5% ao mês, nos
termos do art. 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo
Código Civil (Lei n. 10.406/2001), e a partir de então, conforme disposto em
seu art. 406, pela Taxa Selic, ex vi a Lei n. 9.250/1995. Condeno a União, ainda,
ao pagamento das custas e despesas processuais eventualmente adiantadas pelos
autores, e honorários advocatícios arbitrados, nos termos do art. 20, § 4º, do
CPC, em 10% sobre o valor da condenação, assim considerada, especificamente
no que se refere às diferenças devidas a título de pensão militar, de acordo com
o art. 260 do CPC, as prestações vencidas acrescidas de uma anualidade das
vincendas.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.239.027-DF (2011/0039392-0)
Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Recorrente: Instituto Cibrazem de Seguridade Social Cibrius
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
177
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Advogado: Guilherme Almeida Galdeano e outro(s)
Recorrido: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra
Procurador: Valdez Adriani Farias e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Processual Civil. Ausência de omissão. Ação
de indenização. Danos decorrentes do cancelamento de TDA’s
adquiridas no mercado mobiliário. Prescrição quinquenal reconhecida
pelo Tribunal a quo. Termo a quo do prazo prescricional. Ciência do
cancelamento dos títulos. Actio nata. Súmula n. 383-STF. Precedentes.
Divergência jurisprudencial não demonstrada. Recurso especial
desprovido.
1. Pretensão autoral voltada para a indenização pelos prejuízos
decorrentes do cancelamento de Títulos da Dívida Agrária, adquiridos
no mercado mobiliário secundário.
2. O Tribunal a quo manifestou-se fundamentadamente a
respeito de todas as questões postas à sua apreciação, notadamente
sobre a contagem do prazo prescricional, tendo decido, entretanto,
contrariamente aos interesses do recorrente, o que não configura
ofensa ao art. 535, II do CPC.
3. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata,
ou seja, o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão
ou ameaça do direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a
ser deduzida em juízo.
4. In casu, não há como acolher a tese de que o termo inicial do
prazo prescricional somente se iniciou com a recusa da Administração
em ofertar Certidão de Regularidade dos TDA’s (ocorrida em
29.07.1992), pois, antes desse fato, referidos títulos já haviam sido
anulados por Portaria do Mirad publicada em 30.07.1988, com
intimação pessoal do recorrente em 13.03.1990, sendo que nesta data
surgiu o seu interesse e a sua possibilidade de requerer judicialmente o
que entendia ser de seu direito.
5. Mesmo que contado o prazo de outro modo, com o
reconhecimento de que o direito de ação nasceu a partir da sua
178
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
intimação do cancelamento dos TDA’s, e não da publicação da
Portaria, como fez o Tribunal a quo, inafastável o acolhimento da
prescrição, nos termos do art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 e da
Súmula n. 383 do STF; isso porque, de 13.03.1990 até 30.11.1992
(data da impetração do mandado de segurança contra a decisão
administrativa, que interrompeu o prazo prescricional) transcorreram
02 anos e 08 meses; por sua vez, de 31.08.1993 (trânsito em julgado
do MS) até a propositura da presente ação (09.10.1996), passaram-se
03 anos e 02 meses, totalizando, ao final, mais de 05 anos.
6. O sugerido dissídio jurisprudencial não foi analiticamente
demonstrado de acordo com os arts. 255, § 2º do RISTJ e 541, parág.
único do Estatuto Processual Civil.
7. Recurso Especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito
Gonçalves e Arnaldo Esteves Lima votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki.
Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 18 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator
DJe 26.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Cuida-se de Recurso
Especial interposto pelo Instituto Cibrazem de Seguridade Social - Cibrius em
adversidade a acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região, assim ementado:
Civil. Administrativo. Processual Civil. Aquisição de TDA’S posteriormente
cancelados. Pretensão indenizatória. Prescrição quinquenal. Súmula n. 383-STF.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Devolução parcial do prazo prescricional após interrupção. Transcurso de mais
de dois anos e meio após a interrupção prescricional. Períodos antecessor e
predecessor à interrupção prescricional perfazendo mais de cinco anos.
Ocorrência da prescrição. Extinção do processo com resolução do mérito.
1. Caso em que pretende o Autor ver-se indenizado pelos prejuízos
decorrentes do cancelamento de Títulos da Dívida Agrária, série F, n. 036.641
a n. 643, adquiridos no mercado mobiliário secundário, tendo seu pedido
parcialmente acolhido pelo Juízo a quo.
2. O art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 confere à Fazenda Pública a redução,
à metade, do prazo prescricional devolvido ao interessado em razão de causa
interruptiva. O Verbete Sumular n. 383 do STF, restringiu a abrangência desta
disposição normativa para determinar a observância do quinquênio legal, de
forma que a soma dos períodos anterior e posterior à interrupção prescricional
perfaça cinco anos.
3. Em 30.07.1988, houve a publicação da Portaria Mirad n. 1.013/1988 que
determinou o cancelamento dos TDA’s da Série F n. 036.636, posteriormente
desdobrados. A interrupção do curso do prazo prescricional operou-se em
29.11.1989, pelo reconhecimento do direito do Autor por parte do Devedor,
com o pagamento de juros, e, posteriormente, pela impetração de mandado de
segurança, entre 30.11.1992 e 31.08.1993.
4. Ação ajuizada em 09.10.1996, mais de três após o reinício da fluência
do lapso prescricional. De modo que, transcorridos mais de dois anos e meios
após a última causa interruptiva e integralizados mais de cinco anos com a soma
dos períodos que lhe antecedem e sucedem, é de se reconhecer a prescrição da
pretensão autoral.
5. Provimento da remessa oficial e do apelo do Réu, para extinguir o processo
com resolução do mérito, com fulcro no art. 269, IV do CPC, pela ocorrência da
prescrição.
6.
Prejudicada a apelação do Autor.
7.
Inversão dos ônus da sucumbência. (fls. 339).
2. Opostos Embargos Declaratórios, foram rejeitados (fls. 350-354).
3. Em seu Apelo Raro, fundado nas alíneas a e c do art. 105, III da CF,
o Instituto sustenta, primeiramente, ofensa ao art. 535, II do CPC, porque o
aresto dos Embargos Declaratórios não teria sanado os vícios demonstrados
pelo recorrente quanto à negativa de vigência do disposto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932, revelando negativa de prestação jurisdicional.
4. Aduz, ainda, violação ao art. 9º do Decreto n. 20.910/1932, em razão
da equivocada valoração do fato jurídico relativo ao início do cômputo do
180
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
prazo prescricional, que, no caso, deve ser contado a partir da retenção dos
TDA’s, adquiridos de boa-fé pela recorrente, e da recusa do Incra em pagá-los
por suposta anulação anterior, o que somente ocorreu em 29.07.1992, quando
o Instituto requereu certidão de regularidade das cártulas, negada pelo ente
Administrativo.
5. Afirma, ainda, o seguinte:
Bem verdade que foi publicada a Portaria Mirad n. 1.013/1988 que, segundo a
Recorrida, supostamente teria cancelado os títulos em posse do Recorrente.
No entanto, em momento algum esse ato administrativo interno - instrumento
inadequado para tanto - se referiu ao Recorrente, o que, certamente, o
impossibilitou de ter conhecimento do cancelamento dos títulos de sua posse.
É certo que a publicação dessa portaria ou a própria intimação pessoal do
Recorrente não tiveram o condão de encetar o curso da prescrição, pois, ele ainda
não havia sido lesado, e acreditava no pagamento espontâneo pelo Incra.
No entanto, impende destacar, como dito na inicial, que, após o pagamento
dos juros, as cártulas ficaram em poder do Recorrido, tendo em vista que já se
encontravam vencidas.
Demonstra-se, então, que o Recorrente apenas teve o seu direito de receber o
pagamento pelos títulos malferido com a recusa do pagamento pelo Recorrido,
fato este que ocorreu em vinte e nove de julho de 1992, quando o primeiro,
via seu Advogado, requereu administrativamente ao segundo a expedição de
Certificados de Regularidade, sendo negado o pedido (fls. 376-377).
6. Cita, ademais, ementa de aresto prolatado por esta Corte que, segundo
afirma, corrobora a sua tese (REsp n. 627.218-PR, Rel. Min. Luiz Fux), assim
ementado, no que interessa:
Processual Civil. Administrativo. Resgate de TDA´S. Intimação. Litisconsórcio.
Publicação. Nome de um dos litisconsortes seguido da expressão “e outros” e
nomes dos advogados. Suficiência. Ofensa ao art. 236, do CPC não caracterizada.
Prescrição. Descumprimento de obrigação de medição de área. Juros moratórios.
Expurgos inflacionários. Precedentes jurisprudenciais do STJ.
(...).
4. O prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 1º do Decreto n.
20.910/1932, não poderia ser considerado enquanto persistisse a omissão do
Incra, quanto à obrigação de medir a área desapropriada, condição necessária
para a liberação dos 35.000 TDA’s.
5. Ademais, antes de recorrer ao Judiciário, o credor, ora recorrido, ingressou
na via administrativa para lograr a imediata medição da área desapropriada e
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
181
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conseqüente liberação dos títulos, como revela o requerimento de fl. 44, datado
de 10.10.1989.
6. Deveras, nos termos do art. 4º do Decreto n. 20.910/1932, não corre
prescrição durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no
pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários
encarregados de estudar e apurá-las.
(...) (DJe 12.09.2005).
7. Com contrarrazões (fls. 425-438), o recurso foi inadmitido (fls. 457458), subindo a esta Corte por força do provimento do Ag n. 1.211.647-DF.
8. É o que havia de relevante para relatar.
VOTO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (Relator): 1. Para melhor
esclarecer a controvérsia, merece ser transcrito o voto condutor do acórdão
recorrido, que bem esclareceu os fatos indispensáveis e incontroversos relativos
à presente demanda:
Cuidam os autos de apelações interpostas pelo Instituto Cibrazem de
Seguridade Social – Cibrius, Autor, e pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária – Incra, Réu, contra sentença que condenou o Réu/Apelante
ao pagamento dos valores consignados nos Títulos da Dívida Agrária Série F n.
036.641 a n. 643, adquiridos pelo Autor/Apelante, corrigidos monetariamente,
sem incidência de juros moratórios.
(...).
O Decreto n. 20.910/1932 disciplina a prescrição dos créditos de terceiros em
desfavor da Fazenda Pública, cujo prazo restou fixado em cinco anos, contados da
data do ato ou fato do qual se originem. Prevê, ainda, no art. 9º, a mitigação da
eficácia de causas interruptivas sobre a prescrição em favor da Fazenda Pública,
devolvendo ao credor apenas a metade do qüinqüênio acaso sobrevenha causa
interruptiva.
O Supremo Tribunal Federal, após pronunciar-se iterativamente acerca do
alcance da disposição normativa inserta no art. 9º do Decreto n. 20.910/1932,
editou o Verbete Sumular n. 383, cristalizando o entendimento de que A
prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a
partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o
titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo.
Assim, o art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 confere à Fazenda Pública a retração
do prazo prescricional em seu favor após a ocorrência de causa interruptiva,
182
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
desautorizando a devolução integral deste prazo ao credor. A Súmula n. 383,
do STF, por sua vez, limitou a abrangência deste dispositivo, condicionando sua
aplicação à integralização do qüinqüênio legal pelos períodos anterior e posterior
à interrupção.
A prescrição rege-se pelo princípio da actio nata, pelo qual o fato deflagrador
do prazo prescricional é o nascimento do direito (art. 198, Código Civil). Ora, na
espécie, a pretensão indenizatória emergiu com a publicação da Portaria Mirad
n. 1.013/1988, em 30.07.1988 (fl. 49), que determinou o cancelamento dos títulos
adquiridos pelo Autor.
E a publicação do ato de cancelamento dos TDA’s em órgão oficial de imprensa
é bastante para consubstanciar a emergência da pretensão indenizatória. A
Lei n. 9.784/1999, que disciplina o procedimento administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal, dispõe, em seu art. 26, § 4º, que a intimação dos
atos administrativos que revelarem interesse a quantidade indeterminada de
pessoas deve ser efetuada por meio de publicação oficial, como na hipótese
vertente, uma vez que o sucessivo desdobramento e transferência de títulos de
crédito impede a plena identificação dos seus portadores.
De todo modo, foi o Autor pessoalmente intimado da retenção dos TDA’s, por
meio do ofício Incra/DA/n. 071, de 13.03.1990 (fl. 26) e posteriormente instado a
devolver o valor correspondente aos juros compensatórios indevidamente pagos
após o cancelamento dos títulos, através do ofício Incra/DA/n. 110, de 10.04.1990
(fl. 47). Os telegramas acostados às fls. 47 e 48, de 29.07.1992, dão conta da
impossibilidade de expedição de certidão de regularidade dos títulos em apreço,
fazendo referência à Portaria Mirad n. 1.013/1988 e do ofício anteriormente
enviado, o que não foi infirmado pelo Autor.
O posterior pagamento dos juros compensatórios fixados nos TDA’s, em
29.11.1989 (fl. 21), contudo, configura hipótese de reconhecimento do direito
pelo devedor, a determinar a interrupção da prescrição, nos termos do inciso V,
do art. 172, do Código Civil de 1916, como asseverado pela i. Juíza de primeira
instância.
Entrementes, o Juízo primevo reconheceu que, em razão da superveniência
de causa interruptiva, a data de publicação da Portaria Mirad n. 1.013/1988
não poderia ser considerada como deflagradora do curso prescricional, que foi
retomado a partir de 1992, quando, supostamente, teria ocorrido o ato lesivo.
Ora, o art. 173, do Código Civil de 1916, estatui que A prescrição interrompida
recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo
para a interromper. Se se reputa como causa interruptiva da prescrição o
pagamento dos juros compensatórios, como reconhecimento inequívoco da
pretensão autoral, então o lapso prescricional retoma sua fluência a partir desta
data.
Portanto, a eficácia interruptiva da prescrição retroage a 29.11.1989, data
que deve ser considerada como termo inicial do lapso prescricional. A posterior
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183
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
impetração do mandado de segurança pelo Autor, em 30.11.1992 (conforme
certidão de fl. 90), em que postulou o reconhecimento da autenticidade dos
TDA’s mencionados, teve o condão de interromper o prazo prescricional, até
31.08.1993, momento em que o acórdão nele proferido transitou em julgado
(conforme certidão de fl. 106).
Todavia, nos moldes do Verbete n. 383, da Súmula do STF, é de se reconhecer
a ocorrência da prescrição, uma vez que o reinício da fluência do lapso preclusivo,
coincidente com o trânsito em julgado do acórdão proferido no mandado de
segurança, dista mais de dois anos e meio da propositura da presente ação,
conforme protocolo aposto na prefacial (09.10.1996) e, concomitantemente, a
soma de todos os períodos em que a prescrição correu validamente supera o
período de cinco anos, computando-se os períodos antecessor e predecessor aos
fatos interruptivos.
Pelo exposto, dou provimento ao apelo do Réu, bem como à remessa oficial,
para, com fulcro no art. 269, IV, extinguir o processo, com exame do mérito, em
face da ocorrência da prescrição (fls. 333-336).
2. Por ocasião do julgamento dos Embargos Declaratórios, acrescentou-se:
Ressalto que, embora a impetração de mandado de segurança pelo ora
Embargante, em 30.11.1992, mediante o qual postulou o reconhecimento e
autenticidade de TDA’s cancelados pelo Incra, de fato, tenha interrompido a
fluência do prazo prescricional para o ajuizamento interposição da ação
objetivando o pagamento dos referidos títulos até 31.08.1993, momento em que
o acórdão nele proferido transitou em julgado, como sustenta o Embargante,
ficou esclarecido no acórdão embargado que o prazo remanescente fica reduzido
à metade, isto é, dois anos e meio, contados a partir do ato interruptivo, conforme
art. 9º, do Decreto n. 20.910/1932 e Verbete Sumular n. 383 do STF. Não existem,
portanto, as contradições ou obscuridades alegadas pelo Embargante (fls. 353).
3. Inicialmente, constata-se que o Tribunal a quo, ao contrário do alegado,
manifestou-se fundamentadamente a respeito de todas as questões postas à sua
apreciação, notadamente sobre a contagem do prazo prescricional, tendo decido,
entretanto, contrariamente aos interesses do recorrente, que buscou, com os
Embargos de Declaração, a mera reapreciação do mérito da causa.
4. Os Embargos de Declaração são modalidade recursal de integração e
objetivam, tão-somente, sanar obscuridade, contradição ou omissão, de maneira
a permitir o exato conhecimento do teor do julgado; não podem, por isso,
ser utilizados com a finalidade de sustentar eventual incorreção do decisum
hostilizado ou de propiciar novo exame da própria questão de fundo, em
ordem a viabilizar, em sede processual inadequada, a desconstituição de ato
184
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
judicial regularmente proferido. Logo, em virtude da não-ocorrência de omissão,
contradição ou obscuridade não se verifica a aludida ofensa ao art. 535, I e II do
CPC.
5. Veja-se que a questão foi analisada à luz do art. 9º do Decreto n.
20.910/1932, sendo indispensável, no caso, a correta fixação do termo inicial do
prazo prescricional. Os fatos incontroversos, são os seguintes:
- em 08.01.1988, aquisição, por intermédio da Corretora de Câmbio e
Valores Mobiliários Ltda., de 8.812 TDA’s;
- em 30.07.1988, publicação da Portaria Mirad, n. 1.013/1988, cancelando
os títulos adquiridos pelo Autor;
- em 29.11.1989, pagamento dos juros compensatórios fixados nos TDA’s
pela Administração;
- em 13.03.1990, ofício intimando pessoalmente a Corretora da retenção
dos TDA’s;
- em 10.04.1990, intimação do Instituto para devolução dos juros
compensatórios indevidamente pagos;
- em 29.07.1992, negativa do pedido de Certidão de Regularidade dos
TDA’s pela Administração;
- em 30.11.1992, impetração de MS contra decisão indeferindo pedido
administrativo de certidão de autenticidade dos TDA’s;
- em 31.08.1993, trânsito em julgado da decisão do MS;
- em 09.10.1996, ajuizamento da presente ação de indenização.
6. Ao meu sentir, não há como acolher a tese do recorrente, de que o termo
inicial do prazo prescricional somente se iniciou com a recusa da Administração
em ofertar Certidão de Regularidade dos TDA’s; isso porque, antes disso,
referidos títulos já haviam sido anulados por Portaria do Mirad publicada em
30.07.1988. Ainda que não se reconheça a data dessa publicação como a do
início do prazo prescricional, como fez o acórdão impugnado, uma vez que
ela não prejudicou de pronto os interesses do recorrente, pois, posteriormente,
houve o pagamento espontâneo dos juros pela Administração, em 29.11.1989, o
fato é que o Instituto recorrente foi intimado pessoalmente da retenção das TDA’s
em 13.03.1990 e, posteriormente, instado a devolver o valor correspondente aos juros
compensatórios indevidamente pagos após o cancelamento, sendo que da referida
intimação surgiu o seu interesse e a sua possibilidade de requerer judicialmente o que
entendia ser de seu direito.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
185
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7. Quando fez o requerimento Administrativo, a parte já tinha ciência
inequívoca de que os seus títulos haviam sido cancelados, tendo sido inclusive
instada a devolver o que havia recebido, segundo os órgãos administrativos,
indevidamente. Assim, não pode pretender que a data da recusa do fornecimento
da Certidão de Regularidade tenha sido a primeira a ferir o seu direito.
8. Como é cediço, o direito à indenização em face da Administração
Pública exsurge com a efetiva lesão do direito tutelado, consoante o princípio da
actio nata. Nesse sentido:
Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Prescrição.
Reconhecimento pela administração do direito à incorporação dos quintos
pelos servidores públicos. Portaria n. 527/2004-JF-RN. Atraso nos pagamentos
devidos. Prescrição regida pela princípio da actio nata. Marco inicial para pleitear
o cumprimento das obrigações fixadas na Portaria. Momento em que se verifica a
desatenção ao pagamento na data aprazada. Agravo regimental desprovido.
1. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja, o
curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do direito
tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo.
(...) (AgRg no REsp n. 1.148.236-RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe
14.04.2011).
Processual Civil. Actio nata. Prescrição. Interrupção da prescrição. Inexistência.
Súmula n. 7-STJ. Divergência jurisprudencial não configurada. Ausência de
similitude fática.
1. O instituto da prescrição é regido pelo princípio da actio nata, ou seja,
o curso do prazo prescricional tem início com a efetiva lesão ou ameaça do
direito tutelado, momento em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo
(Precedente: AgRg no REsp n. 1.148.236-RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
Quinta Turma, julgado em 07.04.2011, DJe 14.04.2011).
(...).
Agravo regimental improvido (AgRg no REsp n. 1.247.142-PR, Rel. Min.
Humberto Martins, DJe 1º.06.2011).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Recurso especial. Art. 535.
Prescrição. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou vertente de que a contagem do prazo
prescricional tem início apenas com a efetiva lesão do direito tutelado, segundo
o princípio da actio nata, situação que se evidencia a partir do pagamento da
obrigação principal em atraso sem a inclusão dos juros de mora e da correção
monetária.
186
Jurisprudência da PRIMEIRA TURMA
2. Agravo de Instrumento ao qual se nega provimento (AgRg no Ag n. 963.929MG, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.08.2010).
9. Outrossim, mesmo que contado o prazo de outro modo, com o
reconhecimento de que o direito de ação nasceu a partir da sua intimação
do cancelamento dos TDA’s (13.03.1990), inafastável o reconhecimento da
prescrição, nos termos do art. 9º do Decreto n. 20.910/1932 e da Súmula n.
383 do STF, segundo a qual a prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a
correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém
de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do
prazo.
10. Com efeito, de 13.03.1990 até 30.11.1992 (data da impetração do
mandado de segurança contra a decisão administrativa, que interrompeu o prazo
prescricional) transcorreram 02 anos e 08 meses; por sua vez, de 31.08.1993
(trânsito em julgado do MS) até a propositura da presente ação (09.10.1996),
passaram-se 03 anos e 02 meses, totalizando, ao final, mais de 05 anos.
11. Por fim, o sugerido dissídio jurisprudencial não foi analiticamente
demonstrado de acordo com os arts. 255, § 2º do RISTJ e 541, parág. único
do Estatuto Processual Civil. Ressalte-se que a mera transcrição da ementa,
no caso, é insuficiente para a verificação da semelhança de bases fáticas das
hipóteses confrontadas; ao contrário, de sua leitura ressai que os casos são
absolutamente diversos.
12. Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial.
RSTJ, a. 23, (224): 115-187, outubro/dezembro 2011
187
Segunda Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.205.549-RS
(2010/0146554-2)
Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha
Relator para o acórdão: Ministro Castro Meira
Agravante: Fundação Nacional de Saúde - Funasa
Procurador: Mariana Gomes de Castilhos e outro(s)
Agravado: Francisco Evilásio Menezes de Souza
Advogado: Paulo Rodrigo Petry da Silva e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Execução individual de sentença coletiva.
Cobrança de anuênios decorrentes do reconhecimento do tempo de
serviço laborado sob o regime celetista. Funasa. Ilegitimidade. Eficácia
subjetiva da coisa julgada. Art. 472 do CPC.
1. A Funasa não possui legitimidade para figurar no polo passivo
de execução de sentença proferida em ação coletiva proposta contra a
União – sucessora do extinto Inamps –, por meio da qual se objetiva
o cômputo do tempo de serviço laborado sob o regime celetista e o
pagamento dos respectivos anuênios.
2. Nos termos do art. 472 do CPC, a sentença somente faz coisa
julgada entre as partes que tenham figurado na relação processual a ela
subjacente, não beneficiando nem prejudicando terceiros. É o que se
convencionou chamar de eficácia subjetiva da coisa julgada.
3. Não cabe à Funasa responder por dívida constituída em
nome da União e compreensiva dos cinco anos anteriores ao próprio
ajuizamento da demanda, período em que o autor sequer estava
vinculado a essa autarquia.
4. Os anuênios cobrados referem-se a período em que o embargado
ainda estava vinculado ao extinto Inamps. Assim, são devidos pela
União, como sucessora legal daquela autarquia, e não podem ser
cobrados da Funasa, ainda que o embargado hoje a ela esteja vinculado,
sobretudo se o trânsito em julgado operou-se exclusivamente contra a
União. Precedentes das Turmas que compõem a Terceira Seção.
5. Agravo regimental provido, divergindo do eminente Relator.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vistado Sr. Ministro Castro Meira,
divergindo do Sr. Ministro Relator, por maioria, dar provimento ao agravo
regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Castro Meira, que lavrará o
acórdão. Vencido o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha. Votaram com o Sr. Ministro
Castro Meira os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro
Campbell Marques.
Brasília (DF), 23 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator para o acórdão
DJe 06.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: A Fundação Nacional de Saúde Funasa agrava da decisão de fls. 99-100, em que neguei seguimento ao recurso
especial, nos seguintes termos:
Relativamente ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, não subsiste
a ofensa alegada, uma vez que os embargos declaratórios foram rejeitados pela
inexistência de omissão, contradição ou obscuridade, tendo o Tribunal a quo, de
forma fundamentada, dirimido as questões postas, embora de forma diversa da
pretendida.
É cediço que o julgador não está obrigado a responder a todos os
questionamentos formulados pelas partes, cabendo-lhe, apenas, indicar
a fundamentação adequada ao deslinde da controvérsia, observadas as
peculiaridades do caso concreto, como ocorreu in casu.
De outra parte, tampouco merece prosperar o recurso quanto à apontada
violação do art. 472 do CPC. As autarquias e as fundações possuem personalidade
jurídica própria e são dotadas de autonomia administrativa, jurídica e financeira.
Nesse contexto, consoante anotado pelo aresto hostilizado, além da União, a
Recorrente é parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, uma vez
que a ela subordinado o exequente, ora recorrido. À Fundação Federal competirá
a averbação do reconhecido – nos autos da Ação n. 94.0001353-1 ajuizada pelo
Sindiserf-RS contra o Inamps – tempo de serviço prestado sob o regime da CLT
para o fim de percepção de adicional por tempo de serviço.
Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial (fls. 99-100).
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Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Sustenta a agravante que tem autonomia administrativa e financeira e
que, portanto, não se confunde com a União ou com as demais autarquias
ou fundações públicas federais. Aduz sua ilegitimidade passiva no feito por
sucessão do Inamps.
Afirma que, em situações idênticas, há julgados neste Tribunal que afastam
a legitimidade da Funasa para as ações de execução.
É o relatório.
VOTO
Ementa: Processual Civil. Administrativo. Servidor público.
Tempo de serviço prestado sob regime celetista. Percepção de adicional
por tempo de serviço. Funasa. Parte legítima para figurar no polo
passivo. Subordinação do exequente. Alegado dissídio pretoriano. Não
cabimento. Recurso especial fundamentado na alínea a do permissivo
constitucional. Inovação recursal.
– A agravante é parte legítima para figurar no polo passivo
da demanda, uma vez que a ela está subordinado o exequente. À
Fundação Federal competirá a averbação do reconhecido tempo de
serviço prestado sob o regime da CLT para o fim de percepção de
adicional por tempo de serviço.
– Constitui inovação recursal a alegação de dissídio pretoriano
em sede de agravo regimental, quando o especial foi interposto apenas
com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.
Agravo regimental improvido.
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O presente recurso não
trouxe nenhum argumento capaz de desconstituir os fundamentos do decisório
agravado. Assim, nada obstante o empenho da parte, persisto no entendimento
externado.
Reafirmo que as autarquias e as fundações possuem personalidade jurídica
própria e são dotadas de autonomia administrativa, jurídica e financeira. Nesse
contexto, consoante anotado pelo aresto hostilizado, além da União, a ora
agravante possui legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, uma
vez que a ela subordinado o agravado. À Fundação Federal, portanto, competirá
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
averbar o reconhecido tempo de serviço prestado sob o regime da CLT para o
fim de percepção de adicional por tempo de serviço.
No que se refere à pretensa divergência jurisprudencial, o caso dos
autos difere dos citados como paradigma no presente recurso. Ademais, o
especial foi interposto tão somente com fundamento na alínea a do permissivo
constitucional, de forma que a alegação de dissídio em sede regimental constitui
inovação recursal inadequada.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Castro Meira: O Sindicato dos Trabalhadores Federais
da Saúde, Trabalho e Previdência no Rio Grande do Sul ajuizou ação coletiva
contra o extinto Inamps, por meio da qual pretendia, em benefício dos servidores
substituídos, (a) ver declarado como tempo de serviço aquele realizado sob o
regime da CLT e, consequentemente, (b) condenar a entidade ré ao pagamento
do respectivo adicional por tempo de serviço (anuênio).
Os pedidos foram julgados inteiramente procedentes.
No curso do processo, o Inamps foi sucedido pela União, contra quem
transitou em julgado o título judicial.
Francisco Evilásio Menezes de Souza ajuizou execução de sentença
em face da Fundação Nacional de Saúde - Funasa, que alegou, por meio de
embargos, sua ilegitimidade passiva ad causam.
A sentença acolheu o pleito de ilegitimidade, julgando procedentes os
embargos, decisão reformada pelo TRF da 4ª Região, que proveu o apelo do
embargado.
Nas razões do recurso especial, a Funasa aponta violação do art. 472 do
CPC, segundo o qual “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é
dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. Argumenta que o título
executivo judicial é oponível à União, exclusivamente, como sucessora do extinto
Inamps, mas não à Funasa, que inclusive já existia quando ajuizada a ação de
conhecimento que gerou o título executivo.
O eminente Relator Min. Cesar Asfor Rocha, em decisão singular, negou
seguimento ao apelo, orientação ratificada com o não provimento do agravo
regimental.
194
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria e chego à conclusão
diversa.
A Funasa não possui legitimidade para figurar no polo passivo de execução
de sentença proferida em ação coletiva proposta contra a União – sucessora do
extinto Inamps –, por meio da qual se objetiva o cômputo do tempo de serviço
laborado sob o regime celetista e o pagamento dos respectivos anuênios.
Nos termos do art. 472 do CPC, a sentença somente faz coisa julgada
entre as partes que tenham figurado na relação processual a ela subjacente, não
beneficiando nem prejudicando terceiros.
Poder-se-ia cogitar a flexibilização da regra, em homenagem aos princípios
da celeridade e da economia processual, se a Funasa estivesse sendo condenada
a cumprir a obrigação de fazer requerida na ação cognitiva, isto é, de anotar
nos registros funcionais do embargado o tempo de serviço laborado sob o
regime celetista. Nesse caso, não haveria qualquer reflexo patrimonial imediato
e o comando sentencial poderia ser facilmente cumprido, já que o embargado
encontra-se, hoje, vinculado a essa autarquia federal.
Ao que se depreende dos autos, a obrigação de fazer já foi há algum tempo
formalizada, de modo que a execução de sentença de que ora se cuida abrange,
apenas, a obrigação de pagar os respectivos anuênios, decorrentes da anotação
do tempo de serviço laborado sob o regime celetista.
Nesses termos posta a questão, não cabe à Funasa responder por uma dívida
pretérita, constituída em nome da União (trânsito em julgado) e compreensiva
dos cinco anos anteriores ao próprio ajuizamento da demanda, período em que o
autor sequer estava vinculado à Funasa.
Em outras palavras, sendo os anuênios cobrados anteriores à ação, referemse a período em que o embargado ainda estava vinculado ao extinto Inamps.
Desse modo, são devidos pela União, como sucessora legal daquela autarquia,
não podendo ser cobrados da Funasa, ainda que o embargado hoje a ela esteja
vinculado.
Em resumo, têm-se as seguintes premissas:
(a) trata-se da cobrança de obrigação patrimonial pretérita (anuênios)
vinculada ao extinto Inamps, e não de obrigação nova imputável à Funasa;
(b) a União sucedeu o Inamps em direitos e obrigações, nos termos do art.
11 da Lei n. 8.689/1993; e
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(c) somente a União, como sucessora do Inamps, participou da ação
cognitiva.
Logo, a Funasa é parte ilegítima para figurar no polo passivo da execução,
nos termos do que dispõe o art. 472 do CPC.
Ademais, a matéria não é nova nesta Corte.
As Turmas que compõem a 3ª Seção, à época em que lhes competia julgar
as demandas sobre servidores públicos, examinaram questão semelhante relativa
à execução individual dos 28,86% reconhecido judicialmente em ação coletiva
(ação civil pública). Em diversos arestos, reconheceram a ilegitimação passiva
da Funasa e afirmaram a legitimidade da União, como se observa dos seguintes
precedentes, verbis:
Recurso especial. Ministério Público Federal. Ação civil pública. União. Reajuste
de 28,86%. Condenação genérica. Liquidação proposta pelo servidor. INSS. Pólo
passivo. Ilegitimidade.
I - A Autarquia federal não possui legitimidade para figurar no pólo
passivo da liquidação e execução de sentença genérica, em ação civil pública,
proferida contra União, na qual se objetivava o pagamento do reajuste de
28,86%, porquanto, por ser pessoa jurídica distinta da União, possui autonomia
administrativa e financeira.
II - O efeito erga omnes previsto no art. 16 da Lei n. 7.347, de 1985, não vai ao
ponto de comprometer a situação jurídica de terceiro que não participou do pólo
passivo da relação processual (art. 472, do CPC).
Recurso especial provido (REsp n. 462.847-RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta
Turma, DJ 30.10.2006).
Administrativo e Processual Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Não indicação
dos pontos omissos. Súmula n. 284-STF. Execução de sentença proferida na ação
civil pública. Legitimidade passiva da União. Reconhecimento. Aplicação dos arts.
472, 474 e 568, inciso I, do CPC. Precatório da parte incontroversa. Possibilidade.
Execução definitiva. Precatório parcial. Lei de Diretrizes Orçamentárias. Exigência
do trânsito em julgado da sentença apenas para a inclusão das dotações
orçamentárias dos precatórios já expedidos. Mero requisito formal.
1. Incide a Súmula n. 284-STF, quando o Recorrente se limita a argüir de forma
genérica a existência de omissão, sem, contudo, apontar de maneira precisa quais
os pontos pretensamente tidos como omissos. Precedentes.
2. Tendo transitado em julgado a sentença proferida na Ação Civil Pública n.
97.00.12192-5-RS, que determinou o pagamento do reajuste de 28,86% a todos
os servidores públicos federais domiciliados no Estado do Rio Grande do Sul,
196
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
está preclusa a discussão sobre a legitimidade passiva da União, em virtude da
imutabilidade da coisa julgada, nos termos do art. 474 do CPC.
3. A referida sentença condenatória, na qual teve apenas a União como Ré,
fez coisa julgada entre as partes envolvidas no litígio (art. 472 do CPC), gerando
um título executivo judicial, no qual se reconhece apenas a União como parte
legítima para figurar no pólo passivo do processo de execução (art. 568, inciso I,
do CPC).
4. A União possui legitimidade passiva ad causam no processo executivo,
fundado na sentença proferida na Ação Civil Pública n. 97.00.12192-5-RS,
promovido por servidores públicos federais autárquicos, a despeito da alegada
autonomia e da personalidade jurídica distinta das Autarquias, uma vez que
existe expressa previsão legal de vinculação dos orçamentos das Autarquias
Federais com o da União, nos termos do art. 108 da Lei n. 4.320/1964. Precedente.
5. O art. 23, § 2º, incisos I e II, da Lei n. 9.995/2000 – Lei de Diretrizes Orçamentárias
–, não impede a expedição do precatório parcial, apenas veda a inclusão das
dotações orçamentárias necessárias ao pagamento dos precatórios, já expedidos
pelo Poder Judiciário, caso os respectivos processos não estejam devidamente
instruídos com os documentos exigidos pelo referido dispositivo legal.
6. Recurso especial desprovido (REsp n. 667.557-RS, Rel. Min. Laurita Vaz,
Quinta Turma, DJ 1º.08.2005).
Os precedentes citados, no meu sentir, ostentam a melhor orientação sobre
a controvérsia, razão por que os prestigio.
Ante o exposto, rogando vênia ao eminente Relator, dou provimento ao agravo
regimental.
É como voto.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N. 32.930-SE
(2010/0168380-9)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Ermesson Leite
Advogado: Antônio Carlos Francisco Araújo Júnior
Recorrido: Estado de Sergipe
Procurador: Guilherme Augusto Marco Almeida e outro(s)
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Constitucional. Administrativo. Servidor Público Estadual.
Militar. Acumulação de cargos. Comprovada atuação na área de
saúde. Art. 37, XVI, c, com o art. 42, § 1º, e art. 142, § 3º, II, todos da
Constituição Federal. Interpretação sistemática. Possibilidade jurídica
do pleito. Precedentes. Situação fática abrangida pelo art. 28, § 3º, da
Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares).
1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão
que denegou a segurança em postulação acerca da possibilidade de
acumular cargo militar da área de saúde com outra atividade privada
congênere. A denegação fundou-se em duas razões. A primeira decorre
do entendimento de que o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal,
aplicável aos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política,
veda o exercício de outra atividade aos servidores militares. A segunda
decorre de que o cargo do recorrente não seria do quadro da saúde.
2. O acervo probatório trazido aos autos (fls. 30-31), informa que
o recorrente atua na área de saúde. Alega no recurso que a acumulação
é permitida pelo art. 37, XVI, c, da Constituição Federal, bem como
pelo art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto Estadual
dos Policiais Militares).
3. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que deve
haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, nestes
casos, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidores
militares que atuem na área de saúde: RE n. 182.811-MG, Rel. Min.
Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30.06.2006, p. 35, Ement. vol.
2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, n. 331, 2006, p. 222-227. Neste
sentido, no STJ: RMS n. 22.765-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis
Moura, Sexta Turma, DJe 23.08.2010. Ademais, cabe frisar que a Lei
n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares) permite a pleiteada
acumulação.
Recurso ordinário provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A
198
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso ordinário, nos termos do
voto do Sr. Ministro-Relator, sem destaque”.
Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Cesar
Asfor Rocha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). Gervásio Fernandes de Serra Júnior, pela parte recorrida: Estado de
Sergipe.
Brasília (DF), 20 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 27.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso ordinário em
mandado de segurança interposto por Ermesson Leite, com fundamento no art.
105, II, b, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe, assim ementado (e-STJ, fls. 72-73):
Mandado de segurança. Policial militar que atua como técnico de enfermagem
junto ao Sesi. Aplicação da teoria da encampação para suprir a irregularidade
representada pela indicação errônea da autoridade coatora. Impossibilidade de
cumulação das atividades policiais com o emprego civil. Regras especiais que
normatizam o serviço militar, em razão da essencialidade e natureza especial
deste. Segurança denegada.
1. A indicação errônea da autoridade coatora conduz à extinção do mandamus.
Todavia, tendo a defesa de mérito sido apresentada pelo órgão superior
hierárquico, sem que haja alteração da competência, é cabível a aplicação da
teoria da encampação para suprir a irregularidade.
2. O exercício da atividade policial deve ser desenvolvido sob o regime de
dedicação integral, haja vista a natureza do serviços prestado, que exige a
presença do policial qualquer momento do dia ou da noite, o que impossibilita
a assunção de qualquer emprego no âmbito civil, salvo as exceções legalmente
previstas no Estatuto dos Policiais.
3. Segurança denegada.
Nas razões do recurso ordinário (e-STJ, fls. 85-96), descreve o recorrente
que o ato coator é consubstanciado pela determinação para que opte pelo
cargo que exerce na polícia, em razão de possuir outro emprego de técnico
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
199
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de enfermagem no Sesi. Defende o impetrante que, apesar de ser técnico em
segurança pública do Estado, exerce função de saúde no banco de sangue do
hospital da corporação e que, portanto haveria possibilidade jurídica para
acumulação, com base no art. 37, XVI, c, da Constituição Federal, bem como
o art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto Estadual dos Policiais
Militares).
Contrarrazões (e-STJ fls. 125-160) nas quais alega que a Constituição
Federal veda a acumulação de cargos públicos por militares, com força do art.
142, § 3º, II e VIII. E, ademais, aduz que a hipótese dos autos não se refere ao
art. 37, XVI, c, da Carta Política, já que a acumulação pleiteada é de um cargo
público com emprego privado, que seria impossível no regime castrense.
Parecer do Subprocurador-Geral da República opina no sentido do
provimento do recurso ordinário, em parecer com a seguinte ementa (e-STJ, fl.
170):
Constitucional. Administrativo. Acumulação de cargos. Profissional da área
de saúde. Cargo na área militar e em outra entidade. Técnico em enfermagem
em hospital militar e no Sesi. Interpretação sistemática dos artigos 37, Inciso XVI,
c, com o art. 42, § 1º e 142, § 3º, II, todos da Constituição Federal. Possibilidade.
Precedentes STJ e STF. Parecer do MPF pelo conhecimento e provimento do
recurso ordinário.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Assiste razão ao recorrente.
Há que fixar as balizas fáticas da controvérsia.
O recorrente é soldado de 1ª classe da Polícia Militar do Estado de Sergipe
(e-STJ fl. 15), e possui emprego privado (e-STJ, fl. 16) em entidade para-estatal,
no caso, o Serviço Social da Indústria (Sesi). Note-se que, no cargo militar, o
recorrente atua na área de saúde, como se comprova nos autos (e-STJ fls. 30-31).
Neste sentido, o opinativo do Parquet (e-STJ, fl. 173):
Desta forma, como o impetrante não desempenha função tipicamente exigida
para a atividade castrense, e sim atribuição inerente à profissão civil (técnico de
enfermagem no Banco de Sangue do Hospital Militar), como está comprovado
200
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
pelos documentos assinados pelo impetrante “Requisição de Transfusão” e
“Evolução de Enfermagem” (fls. 31-32) é possível a acumulação de dois cargos
privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar.
Logo, a questão vertente não está cingida à fixação da possibilidade de
acumular dois cargos, empregos ou funções estatais.
O tema diz respeito à incidência, ou não, da proibição de exercer qualquer
outra atividade profissional por servidores militares, mesmo que eles atuem, no
caso, na área de saúde.
O Tribunal de origem denegou a ordem, com base na interpretação de
que o recorrente não pode acumular as atividades privadas com o cargo público,
porquanto o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos militares
dos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, estabelece que
a posse em novo cargo civil enseja a passagem à reserva. Firma, ainda, que o
exercício funcional dos servidores militares exige a dedicação integral que, no
entender, ensejaria incompatibilidade, com base no art. 30, I, da Lei Estadual n.
2.066/1976.
Por fim, o Tribunal de origem demonstra que a sua conclusão partiu da
premissa fática, de que o servidor é militar e que exerce atividades de natureza
castrense. Cito (e-STJ, fl. 80):
Ademais, registro que o caso em voga não constitui a hipótese prevista no
art. 28, § 3º, da Lei n. 2.066/1976 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado
de Sergipe), como quer fazer crer o impetrante. Aquele dispositivo, citado na
exordial, excepciona o exercício de atividades no meio civil, para os policiais
militares integrantes do Quadro de Saúde, o que não é o caso do impetrante, que
é soldado.
Pois bem. Decido.
O douto parecer do Parquet Federal demonstra com ênfase que sobreveio
alteração constitucional - art. 37, XVI, c, por força da Emenda Constitucional n.
34/2001 -, que ensejou alteração jurisprudencial no Supremo Tribunal Federal e
no Superior Tribunal de Justiça. Relevante conferir os julgados aludidos:
Recurso extraordinário. 2. Acumulação de cargos. Profissionais de saúde. Cargo
na área militar e em outras entidades públicas. Possibilidade. Interpretação do
art. 17, § 2º, do ADCT. Precedente. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
201
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(RE n. 182.811-MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em
30.05.2006, DJ 30.06.2006, p. 35, Ement. vol. 2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, n.
331, 2006, p. 222-227).
Recurso em mandado de segurança. Administrativo. Servidor Público Estadual.
Enfermeira da polícia militar do Estado do Rio de Janeiro. Cumulação com o
cargo de enfermeira no Município do Rio de Janeiro. Possibilidade. Interpretação
sistemática dos artigos 37, inciso XVI, c, com o artigo 42, § 1º, e 142, § 3º, II, todos
da Constituição Federal.
1. Diante da interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, alínea c, com
o artigo 142, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, é possível a acumulação de
dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito das esferas civil e militar, desde
que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a
atividade castrense, e sim atribuições inerentes a profissões de civis.
2. Recurso conhecido e provido.
(RMS n. 22.765-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado
em 03.08.2010, DJe 23.08.2010).
Em síntese, os acórdãos indicam que, por interpretação sistemática, é
possível acumular cargos militares com empregos ou funções públicas, desde que
as atividades sejam sempre exercidas na área de saúde.
No caso em tela, cabe frisar a existência de permissão jurídica para que
os servidores militares da área de saúde possam exercer outra atividade, desde
que haja compatibilidade. À semelhança do regime jurídico federal, o Estado
de Sergipe também abarca a possibilidade no seu Estatuto dos Militares (Lei
Estadual n. 2.066/1976), como bem sinaliza o MPF (e-STJ, fl. 174):
Por fim, observa-se que o art. 28, § 3º, da Lei Estadual n. 2.066/1976 (Estatuto
dos Policiais Militares do Estado de Sergipe) permite a acumulação de cargo
na área civil dos profissionais integrantes do Quadro da Saúde, “no intuito de
desenvolver a prática profissional”, sendo permitido o exercício da atividade
técnica-profissional, no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço,
e este dispositivo legal deve ser estendido a todos os policiais militares que
atuem efetivamente não em atividade castrense típica, e sim, como é o caso
do impetrante (técnico em enfermagem), em funções típicas da área da saúde,
abrangendo, além de médicos, enfermeiros outros profissionais da área da saúde.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário.
É como penso. É como voto.
202
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 818.978-ES (2006/0030548-2)
Relator: Ministro Mauro Campbell Marques
Recorrente: Ministério Público do Estado do Espírito Santo
Procurador: Gabriel de Souza Cardoso e outro(s)
Recorrido: Ziul Pinheiro - espólio
Representado por: Maria Heloisa Pinheiro
Advogado: Nelson de Medeiros Teixeira
Interessado: Município de Cachoeiro de Itapemirim
EMENTA
Processual Civil. Desapropriação direta. Acordo f irmado entre
as partes. Parte incapaz. Intervenção do Ministério Público. Ausência.
Nulidade. Prejuízo. Não comprovação.
1. A discussão trazida à colação cinge-se em saber se o Ministério
Público Estadual possui legitimidade para interpor recurso de apelação
para impugnar sentença homologatória de acordo firmado entre as
partes - uma delas, incapaz - em ação expropriatória da qual não
participou como custus legis.
2. No caso dos autos, não se trata de desapropriação que envolva
discussões ambientais, do patrimônio histórico-cultural ou qualquer
outro interesse público para o qual o legislador tenha obrigado a
intervenção do Ministério Público, sob pena de nulidade. Ao revés,
cuidou-se de desapropriação por utilidade pública, em que apenas
se discutia os critérios a serem utilizados para fixação do montante
indenizatório, valores, ademais, aceitos pelos expropriados.
3. Quanto ao segundo argumento, no tocante à nulidade do
acórdão no pertinente à não intervenção do Ministério Público para
fins de preservação de interesse de incapaz, a jurisprudência desta
Corte já assentou entendimento no sentido de que a ausência de
intimação do Ministério Público, por si só, não enseja a decretação de
nulidade do julgado, a não ser que se demonstre o efetivo prejuízo para
as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia
jurídica, à luz do princípio pas de nullités sans grief. Até mesmo nas
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
203
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
hipóteses em que a intervenção do Parquet é obrigatória, como no
presente caso em que envolve interesse de incapaz, seria necessária
a demonstração de prejuízo deste para que se reconheça a nulidade
processual (Precedentes: REsp n. 1.010.521-PE, Rel. Min. Sidnei
Beneti, Terceira Turma, julgado em 26.10.2010, DJe 09.11.2010;
REsp n. 814.479-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, julgado em 02.12.2010, DJe 14.12.2010).
4. Na espécie, o Ministério Público não demonstrou ou mesmo
aventou a ocorrência de algum prejuízo que legitimasse sua intervenção.
Ao revés, simplesmente pretende, por intermédio do recurso especial,
delimitar absoluto interesse interveniente sem que indique fato ou
dado concreto ou mesmo hipotético que sustente tal legitimidade. O
prejuízo aqui tratado não pode ser presumido; precisa ser efetivamente
demonstrado, o que não se deu no caso dos autos.
5. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte
resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao
recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator”.
Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Castro Meira, Humberto Martins e
Herman Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 09 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Mauro Campbell Marques, Relator
DJe 18.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial
interposto pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, com
fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido
204
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em acórdão nesses termos ementado
(fl. 105):
Apelação cível. Sentença homologatória. Desapropriação. Acordo firmado
entre as partes. Ausência de interesse do Ministério Público em recorrer. Preliminar
suscitada e acolhida. Julgado extinto o processo.
1. A sentença homologatória de acordo firmado em ação de desapropriação só
pode ser anulada por ação própria.
2. O representante do Ministério Público, como fiscal da Lei, não tem interesse
jurídico para interpor recurso do acordo feito pelas partes, pois decorre do direito
de propriedade.
3. A homologação da transação não decide a respeito da conveniência,
inexistindo interesse em recorrer com relação ao mesmo, razão pela qual acolhese a preliminar de ausência de interesse do Ministério Público, julgando extinto o
feito com base no art. 267, VI, do CPC.
O Ministério Público afirma, em suas razões recursais, violação do disposto
no artigo 82, I e III, do CPC, ao fundamento de que seria imprescindível
a intervenção do Parquet no feito, porquanto, além de tratar-se de ação de
desapropriação, há interesse de incapaz a exigir sua presença nos autos.
Sem contrarrazões.
O recurso especial foi admitido na origem (fl. 164).
O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso especial
(fls. 173-176).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se de recurso
especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo, com
fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão proferido
pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo que, à unanimidade, extinguiu o
feito, sem julgamento de mérito, por considerar ausente o interesse recursal do
Ministério Público, no caso em análise.
A discussão trazida à colação cinge-se em saber se o Ministério Público
Estadual possui legitimidade para interpor recurso de apelação para impugnar
sentença homologatória de acordo firmado entre as partes - uma delas, incapaz
- em ação expropriatória da qual não participou como custus legis.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
205
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Inicialmente, destaco que a jurisprudência genérica, que exclui a
participação obrigatória do Ministério Público nos casos que não sejam de
desapropriação para fins de reforma agrária, não pode ser traduzida na simples
desnecessidade da intervenção do Parquet em situações específicas, em especial
nas que envolvam direitos metaindividuais ou interesse da coletividade, como
questões ambientais e fundiárias com conflitos territoriais.
Todavia, no caso dos autos, não se trata de desapropriação que envolva
discussões ambientais, do patrimônio histórico-cultural ou qualquer outro
interesse público para o qual o legislador tenha obrigado a intervenção do
Ministério Público, sob pena de nulidade. Ao revés, cuidou-se de desapropriação
por utilidade pública, em que apenas se discutia os critérios a serem utilizados
para fixação do montante indenizatório, valores, ademais, aceitos pelos
expropriados.
Assim, não havendo interesse público que indique a necessidade de
intervenção do Ministério Público, a intervenção do Parquet não se mostra
imperiosa, obrigatória a ponto de gerar nulidade insanável, como no caso dos autos.
Ressalte-se, por oportuno, que se o Ministério Público tem liberdade para
opinar, porque para tanto basta a legitimidade que a lei lhe confere para intervir,
já para acionar ou recorrer é mister que o Ministério Público tenha interesse na
propositura da ação ou na reforma do ato atacado: ele só pode agir ou recorrer
em defesa do interesse que legitimou sua ação ou intervenção no feito.
À guisa de exemplo, os seguintes precedentes:
Processual Civil e Administrativo. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência.
Desapropriação indireta. Intervenção do Ministério Público. Desnecessidade.
1. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC se o Tribunal de origem examina as
questões ditas omissas.
2. A ação de desapropriação indireta é ação de indenização, de cunho
patrimonial, não havendo interesse público que justifique a intervenção do
Ministério Público.
3. Recurso especial conhecido em parte e nesta parte provido (REsp n. 652.621RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 19.09.2005);
Processual Civil. Recurso especial. Intervenção do Ministério Público em ação
reparatória de danos morais. Desnecessidade.
1. Tratando-se de ação indenizatória por danos morais promovida em face do
Estado por abuso de autoridade em face de denúncia promovida pelo Minitério
206
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Público, não se impõe a atuação do Parquet como custos legis, consoante
jurisprudência da E. Corte (REsp n. 327.288-DF, 4ª T., Rel. Min. Cesar Asfor Rocha,
DJ 17.11.2003; AgREsp n. 449.643-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 28.06.2004;
AgRg no REsp n. 258.798, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 11.11.2002; REsp n.
137.186, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10.09.2001).
2. O artigo 82, inciso III, do CPC, dispõe que compete ao Ministério Público
intervir: “III - em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado
pela natureza da lide ou qualidade da parte”.
3. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre
o interesse público primário e o interesse da administração, cognominado
“interesse público secundário”. Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio
Bandeira de Mello e Min. Eros Roberto Grau.
3. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente
ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de
atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua
responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue
nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao aparelho estatal em
subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.
4. Deveras, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse
público, e não o interesse da administração. Nessa última hipótese, não é necessária
a atuação do Parquet no mister de custos legis, máxime porque a entidade pública
empreende a sua defesa através de corpo próprio de profissionais da advocacia da
União. Precedentes jurisprudenciais que se reforçam, na medida em que a atuação
do Ministério Público não é exigível em várias ações movidas contra a administração,
como, v.g., sói ocorrer, com a ação de desapropriação prevista no Decreto-Lei n.
3.365/1941 (Lei de Desapropriação).
5. In genere, as ações que visam ao ressarcimento pecuniário contêm interesses
disponíveis das partes, não necessitando, portanto, de um órgão a fiscalizar a boa
aplicação das leis em prol da defesa da sociedade.
6. (...)
7. Ademais, a suposta nulidade somente pode ser decretada se comprovado o
prejuízo para os fins de justiça do processo, em razão do Princípio de que “não há
nulidade sem prejuízo” (“pas des nullités sans grief”).
8. Recurso especial desprovido (REsp n. 303.806-GO, desta relatoria, DJU de
25.04.2005 - grifei);
Desapropriação. Indenização. Ministério Público. Intervenção. Face ao disposto
no inciso III, do art. 82, do CPC, a intervenção do Ministério Público na causa em
que figure como parte pessoa jurídica de direito público não é obrigatória.
A obrigatoriedade dessa intervenção esta ligada ao fato da existência do interesse
público.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
207
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso não conhecido (REsp n. 10.042-AC, Rel. Min. José de Jesus Filho, DJU de
09.03.1992).
No mesmo sentido, os seguintes julgados do Pretório Excelso:
Ministério Público. Intervenção. Código de Processo Civil, art. 82, III, o só fato
de existir interesse patrimonial da Fazenda Pública na causa não torna obrigatória
a intervenção do Ministério Público. Necessidade de evidenciar-se a conotação
do interesse público. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido e
provido, para determinar que a Corte a quo julgue o mérito do recurso. Voluntário
(RE n. 96.899-ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU de 05.09.1986);
Ministério Público. Intervenção. Interesse público (conceito). Código de
Processo Civil, art. 82, III (interpretação). A circunstancia de a pessoa de direito
público ser parte na causa não constitui razão suficiente para a obrigatoriedade
da intervenção do Ministério Público, se não evidenciada a conotação de interesse
público. Na espécie, o princípio do art. 82, III, do CPC, não obriga a intervenção do
Ministério Público pelo só aspecto de haver interesse patrimonial da Fazenda
Pública. Recurso extraordinário conhecido e provido (RE n. 91.643-ES, Rel. Min.
Rafael Mayer, DJU de 02.05.1980).
Em sendo assim, o interesse público que obriga a intervenção do Parquet
deve estar relacionado com o interesse geral, da coletividade, vinculado a fins
sociais e às exigências do bem comum. Na ação expropriatória, embora se
vislumbre um interesse público, não se há de ter como configurado o interesse
geral a que acima nos referimos, até porque a discussão fica adstrita ao preço ou
a vícios do processo judicial (art. 20 do Dec.-Lei n. 3.365/1941), uma vez que
a utilidade pública, a necessidade pública ou o interesse social só poderiam ser
debatidos em ação direta.
Quanto ao segundo argumento, no tocante à nulidade do acórdão no
pertinente à não intervenção do Ministério Público para fins de preservação
de interesse de incapaz, a jurisprudência desta Corte já assentou entendimento
no sentido de que a ausência de intimação do Ministério Público, por si só, não
enseja a decretação de nulidade do julgado, a não ser que se demonstre o efetivo
prejuízo para as partes ou para a apuração da verdade substancial da controvérsia
jurídica, à luz do princípio pas de nullités sans grief.
Até mesmo nas causas em que a intervenção do Parquet é obrigatória,
como no presente caso em que envolve interesse de incapaz, seria necessária
a demonstração de prejuízo deste para que se reconheça a nulidade processual
(Precedentes: REsp n. 1.010.521-PE, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma,
208
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
julgado em 26.10.2010, DJe 09.11.2010; REsp n. 814.479-RS, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 02.12.2010, DJe 14.12.2010).
Na espécie, o Ministério Público não demonstrou ou mesmo aventou a
ocorrência de algum prejuízo que legitimasse sua intervenção. Ao revés,
simplesmente pretende, por intermédio do recurso especial, delimitar absoluto
interesse interveniente sem que indique fato ou dado concreto ou mesmo hipotético
que sustente tal legitimidade. O prejuízo aqui tratado não pode ser presumido;
precisa ser efetivamente demonstrado, o que não se deu no caso dos autos.
Por todo o exposto, nego provimento ao recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 1.168.045-RS (2009/0066919-8)
Relator: Ministro Herman Benjamin
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Recorrido: Cooperativa Arrozeira Extremo Sul Ltda.
Advogado: Edgar da Silva Carez e outro(s)
EMENTA
Processual Civil e Ambiental. Ação civil pública. Queima de
casca de arroz. Poluição do ar. Art. 535 do CPC. Não violação. Danos
causados aos moradores das proximidades. Condenação genérica.
Quantificação em liquidação de sentença. Possibilidade. Arts. 95 e 97
do CDC c.c. o art. 21 da Lei n. 7.347/1985.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente,
não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. As instâncias de origem reconheceram grave degradação
ambiental decorrente da queima, por muitos anos, de casca de arroz.
Afastada, no entanto, pelo Tribunal de Justiça a possibilidade de
condenação genérica que fixe o an debeatur, mas deixe para a fase de
liquidação a apuração do quantum debeatur a que tem direito cada uma
das vítimas.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
209
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Na hipótese de Ação Civil Pública relativa a interesses
individuais homogêneos, com a finalidade de facilitar a proteção
das vítimas e de agilizar a responsabilização do infrator, dispõe,
expressamente, o Código de Defesa do Consumidor, na parte em
que alterou a Lei da Ação Civil Pública: “Em caso de procedência do
pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu
pelos danos causados” (art. 95 – grifo acrescentado).
4. A condenação genérica poderá, posteriormente, ser liquidada
tanto pelos sujeitos intermediários como pelas próprias vítimas ou
seus sucessores (art. 97).
5. Reconhecida pelo juiz e Tribunal, in casu, a responsabilidade
da ré por danos sofridos pelos moradores, a própria lei se encarrega
de admitir que a quantificação em relação a cada um deles seja
feita em liquidação e execução de sentença (arts. 95 e 97 do CDC,
aplicáveis à Ação Civil Pública Ambiental por força do art. 21 da Lei
n. 7.347/1995). Precedentes do STJ.
6. Recurso Especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A
Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a)
Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)”. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques,
Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília (DF), 28 de setembro de 2010 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 14.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial
interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República,
contra acórdão assim ementado (fls. 33-34):
210
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Direito público não especificado. Ação civil pública. Poluição ambiental.
Responsabilidade civil objetiva e solidária. Emissão de fumaça por cooperativa
arrozeira localizada em complexo industrial. Dano ambiental caracterizado. Dano
moral ambiental. Afastamento.
A responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente é objetiva,
observado o teor do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, bem como solidária
porque a existência de outras indústrias poluidoras não exonera a apelante de
sua responsabilidade por ter contribuído para a degradação do meio ambiente,
considerada a indivisibilidade do dano pelo caráter coletivo do direito a um meio
ambiente equilibrado.
Afastamento da condenação por dano moral ambiental porque não se está
diante de nenhuma situação fática excepcional, que tenha causado grande
comoção, afetando o sentimento coletivo, acrescido à circunstância de que não
há irreparabilidade ao meio ambiente, o que é fundamental para a fixação do
dano moral pleiteado.
Precedentes do TJRS e STJ.
Danos morais e materiais individualmente considerados. Liquidação de sentença.
Impossibilidade. Falta de comprovação dos danos.
Tratando-se de condenação por danos material e moral, sequer descritos, a
prova do dano deve ser demonstrada no processo de conhecimento, não sendo
possível se relegar a devida comprovação para a liquidação de sentença sob pena
de prolatação de sentença condicional.
Possibilidade de ajuizamento de ações pelos prejudicados, mediante alegação
e comprovação dos danos, visando reparabilidade.
Multa diária fixada. Possibilidade. Redução da multa.
É possível a fixação de multa diária caso descumprida a decisão judicial, forte
no que dispõe o art. 11 da Lei n. 7.347/1985, como forma de prevenção ao meio
ambiente, uma vez que ação civil pública não pretende apenas condenar a
apelante ao pagamento de indenização em dinheiro, mas também a abstenção
de novas práticas lesivas, reduzindo-se o valor da multa anteriormente fixada.
Precedente do TJRGS.
Apelação parcialmente provida.
O Ministério Público Estadual aponta ofensa:
a) ao art. 535 do CPC, por omissão quanto à “aplicação integrada dos
artigos 95 do Código de Defesa do Consumidor e 21 da Lei n. 7.347/1985” (fl.
77); e, ultrapassado o argumento da omissão,
b) ao art. 95 do CDC c.c. art. 21 da Lei n. 7.347/1985, por, “não obstante
reputar incontroversa a responsabilidade ambiental da Cooperativa Extremo
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
211
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sul Ltda. pela emissão irregular de fuligem, considerar inviável a condenação
genérica quanto aos interesses individuais homogêneos veiculados na demanda
civil pública” (fl. 78).
O Recurso não foi admitido na origem, e subiu por força de decisão em
Agravo de Instrumento.
O MPF opinou pelo provimento (fl. 202).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos se referem a Ação
Civil Pública movida pelo MPE contra empresa que realizava queima de casca
de arroz e, por conta do desajuste de seus equipamentos e do sistema de filtração
imperfeito, causava poluição do ar, com prejuízo ao meio ambiente e aos
moradores de bairro próximo ao estabelecimento industrial.
Anoto, em tópicos separados, os pontos essenciais da sentença e do acórdão.
Em seguida, aprecio o pleito recursal.
1. Sentença
A sentença analisou em profundidade as provas dos autos e concluiu pela
responsabilidade da ré, pela ocorrência de danos morais e materiais e pelo nexo
de causalidade (fl. 140, grifei):
As provas que acompanham o inquérito civil, corroboradas pelas testemunhas
ouvidas em juízo demonstram que a ré lançava grande quantidade de fumaça e
resíduos no ar, o que deixou de acontecer no curso da demanda, justamente pela
implantação do sistema de filtros de manga, muito mais eficientes no processo de
filtragem da fumaça que o sistema de multiciclones, que antes eram utilizados.
A própria ré reconhece a mudança do equipamento de filtragem.
Restou também demonstrado que o vento jogava a fumaça e fuligem lançadas
pela ré sobre a Vila São Carlos, sujando telhados, paredes e partes internas das casas,
que inclusive tinham que ficar fechadas, e calçadas e se depositando também sobre
a vegetação do local, o que provocou danos materiais e imateriais, especialmente à
saúde, aos moradores do local e cercanias, bem como a fauna e flora da região.
Embora possa ser discutida a extensão do dano, sua ocorrência é
inqüestionável, eis que é conhecimento público que a fumaça e fuligem são
212
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
causadores desses tipos de danos. A perícia, a fl. 536, lista danos à saúde
(desconforto, odores desagradáveis, doenças do aparelho respiratório), à
vegetação, aos animais, redução de visibilidade, danos aos materiais (sujeira,
desgaste, corrosão, deterioração de borrachas e produtos sintéticos, alteração da
aparência de prédios e monumentos), desfiguração da paisagem e alteração das
características climáticas.
O juiz sentenciante afastou ainda o argumento de exclusão da
responsabilidade da ré pelo fato de outras empresas da região também causarem
a poluição (fl. 142):
A própria perita, quando a inspeção nas instalações da ré, constatou que havia
chaminés de outras empresa emitindo fumaça escura e poluidora.
Todavia, poluição por lançamento de partículas sólidas na atmosfera, causada
por várias empresas localizadas próximas umas das outras, não é situação cuja
participação individual de cada empresa possa ser perfeitamente identificada e
quantificada. Portanto, não é possível identificar a responsabilidade de cada um
dos co-obrigados (empresas poluidoras).
Assim, é obrigação indivisível por sua própria natureza (art. 258 do CC),
estando obrigados à reparação dos danos, de forma solidária (art. 259 do CC),
todos aqueles que para ela concorreram, independente do montante da sua
participação.
Portanto, a ré é responsável pela reparação total dos danos aos cidadãos e
ao meio ambiente até 15.12.2005, data em foram colhidas amostras de material
particulado das chaminé da caldeira e restou demonstrado emissão dentro dos
padrões de 70 mg/Nm³ (fl. 494).
Foi fixada “pena de pagamento de multa de R$ 50.000,00 por vez que for
detectada emissão em níveis superiores” ao determinado na sentença (70mg/
Nm³ – fl. 144).
Houve condenação ao pagamento de “R$ 200.000,00, corrigidos a partir
de 27.12.2007 pelo IGPM e acrescidos de juros de 1% a contar da citação
(24.08.2004), a título de reparação dos danos morais causados ao meio ambiente
no período de 1989 a 2005, os quais deverão ser depositados em favor do Fundo
Municipal do Meio Ambiente no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado”
(fl. 145).
Finalmente, no que interessa ao presente Recurso Especial, a sentença remeteu
à liquidação a apuração do quantum indenizatório relativo aos danos materiais e
morais causados a cada morador individualmente considerado (fl. 143):
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
213
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Quanto aos danos materiais e morais causados aos moradores e outras
pessoas individualmente consideradas, deverão ser liquidados e executados em
procedimentos individuais, movido pelo titular do direito, na forma do art. 97 da
Lei n. 8.078/1990, aplicável ao caso em face do art. 21 da Lei n. 7.347/1985. Nesses
procedimentos de liquidação, cada prejudicado exporá seus prejuízos individuais,
com a garantia da ampla defesa à ré.
Reitero que essa é a questão objeto do presente Recurso (análise, em fase
de liquidação, dos danos individualmente sofridos).
2. Acórdão recorrido
O acórdão recorrido relata e aprecia em detalhe as provas dos autos,
especialmente os laudos técnicos e os depoimentos testemunhais (fls. 41-44):
O representante legal da Arrozeira, Sr. Jairton Krüger Russo, ao se referir à
fumaça produzida pelas empresas, mencionou que “Hoje a nossa, devido aos
filtros, tem menos fumaça do que as outras, mas na época desse acontecimento era
muito igual”, fl. 753.
Valdemar da Silva Schwanz, morador da Vila São Carlos, referindo-se ao motivo
da manifestação realizada, afirmou que “O grande motivo foi o alto índice de
poluição que tinha ali no Bairro e a maior parte foi causado pela Cooperativa Extremo
Sul por seus equipamentos com problemas (...), acrescentando que “(...) agora a
gente vê que a firma está trabalhando e não está poluindo, agora estamos contentes
com a reforma que teve lá”, observando, acerca da possibilidade de a poluição da
ré ser maior porque estava mais próxima da vila, e que “(...) um dos fatores pode ser
este, mas visualmente notava-se que ela era mais poluidora”, fls. 756-758.
Ana Cláudia Duarte Lei ratifica a mesma versão, ao referir que “(...) a gente
enxergava sair fumaça. (...) Era horrível porque sujava a roupa, tinha dias que ao
passar pela rua que fica atrás da Extremo Sul, tinha que tapar os olhos, quando eles
colocavam para funcionar a todo vapor, a gente saía com os olhos cheios de cinzas,
as roupas brancas que estavam no arame ficavam pretas (...)”, acrescentando que,
desde a manifestação feita junto à empresa, “Melhorou bastante, eu não tenho
certeza, mas acho que a Extremo Sul não está mais poluindo (...)”, fls. 760-763.
Lúcia Duarte Rosa afirma que, antes da apelante se instalar no local, a empresa,
de propriedade de Helmut Tessmann, já havia problema de fumaça: “Tinha,
mas não como teve aquela época. (...) Na época que nós fizemos a manifestação
quem poluía mais era a Extremo Sul, era visível”, acrescentando também que “(...)
Gradativamente vem melhorando. (...) estamos tendo problemas agora, mas não é
com a Extremo Sul. Agora quem está poluindo, não posso dizer com certeza porque
eu não estou lá dentro, mas pelo que dá pra ver é a Camil, mas não ao ponto do
que a Extremo Sul poluía”, observando que “(...) antes de fazer tudo aquilo, fomos
214
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
várias vezes na Fepam, com o atual prefeito, que era vereador na época, nos levou.
Um motorista da Câmara passou ali na Extremo Sul, tirou uma foto e levamos para
mostrar para eles”, fl. 764-765.
Raul de Moraes, dispensado do compromisso por ser prestador de serviço
da empresa ré, ao ser questionado se constatava fuligem no chão da empresa,
afirmou que “(...) É, se nota, porque às vezes a caldeira, mesmo com o sistema de
multiciclone, em determinados momentos ela lança uma quantidade muito grande,
um momento chamado de brasagem ou ramonagem, que o momento em que tu
mexe com essas cinzas de uma forma mais forte para reativar a combustão, isso é
uma previsão normal de ocorre na operação, neste momento ela larga, realmente,
bastante e aí é impossível para o multiciclone segurar, este período dura de 10 a 30
segundos e ela larga muita fuligem, neste momento cai e quando tu olhar no pátio
vai ter, não tem como não ter”, fl. 767.
A respeito do sistema utilizado pela empresa ré à época das manifestações dos
moradores, afirma que “O sistema anterior de filtragem é um processo chamado de
multiciclone, (...) é um sistema de ciclonagem que retém a maior parte do material
particulado, só que a eficiência desse processo atinge um determinado padrão, em
que o filtro atinge um padrão mais elevado”, fl. 767.
Quanto à emissão de material particulado oriundo dessa atividade industrial,
referido por Raul Moraes, cabe destacar o esclarecimento feito pela Perita
a respeito dos efeitos adversos causados, no sentido de que “(...) a poluição
atmosférica pode resultar em impactos de alcances locais, regionais e globais. Os de
impacto local, objeto de interesse direto deste trabalho, podem ser compreendidos
como: Danos à saúde humana: desconforto; odor desagradável; doenças do
aparelho respiratório – bronquite, enfisema, asma, câncer; asfixia; irritação dos olhos,
garganta e mucosas entre outros. No entanto, importante dizer que a incidência de
doenças pode estar associada a certos poluentes atmosféricos, mas também resultar
de outras causas. Danos à vegetação: redução da fotossíntese; ataque à folhagem;
alteração no crescimento e produção de frutos. Danos aos animais: diretamente,
a partir dos poluentes atmosféricos, ou pela ingestão de vegetais contaminados.
Redução da visibilidade, podendo ocasionar acidentes. Danos aos materiais: sujeira;
desgaste; corrosão; deterioração da borracha e produtos sintéticos; enfraquecimento;
alterações da aparência de prédios e monumentos. Desfiguração da paisagem.
Alterações das características climáticas: maior precipitação; redução da radiação e
da iluminação; aumento da temperatura O material particulado, especificamente,
pode provocar doenças cardíacas e respiratórias (enfisema, bronquites); proporcionar
o carreamento de poluentes tóxicos para os pulmões; a perda da visibilidade a qual
pode ocasionar acidentes, lembrando-se da proximidade das indústrias à rodovia;
sujeira de roupas e de prédios, interferindo na paisagem”, fls. 536-537.
Em seguida, o TJ concluiu que, inquestionavelmente, houve “prova
concreta dos prejuízos ambientais causados pela apelante” (fls. 41-44, grifei):
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
215
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Como se vê, a prova documental e testemunhal demonstra quais os danos
causados pela empresa ré com a emissão da fumaça e fuligem, que se espalhavam
tanto pelas dependências da indústria apelante, quanto nos arredores, expondo
a comunidade local aos riscos decorrentes da fuligem, que se acumulavam na
vegetação, roupas e na própria pele dos moradores, causando irritação nos olhos,
problemas respiratórios, e a degradação visual do meio ambiente, sendo esta a
prova concreta dos prejuízos ambientais causados pela apelante.
Ademais, a Corte Estadual ratificou a responsabilidade objetiva do
poluidor e o nexo causal (fls. 44-45 e 47, grifei):
A responsabilidade do proprietário pelos danos causados ao meio ambiente
é assentada pelo artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, e anteriormente
pelo artigo 159 do antigo Código Civil, decorrendo da atividade econômica
desenvolvida pela recorrente, causando danos a terceiros e é objetiva, observado
o teor do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de
Meio Ambiente:
(...)
Assim, devidamente assentada a responsabilidade pelo dano ambiental, não
havendo negativa pela recorrente que emitia fumaça.
O conjunto probatório autoriza a imputação de responsabilidade à ré pela
poluição ambiental, tanto que depois de tomadas as medidas necessárias houve
redução dos poluentes, de acordo com o que afirmaram os moradores ouvidos
em audiência de instrução, conforme antes analisado.
(...)
Demonstrado, pois, o nexo causal entre a atividade da empresa apelante e o
dano causado ao meio ambiente.
A responsabilidade solidária e irrelevância, portanto, da existência de
outros poluidores para a solução da presente demanda foi também aferida pelo
TJ (fls. 46-47):
Todavia, a existência de co-responsáveis não isenta a recorrente da
responsabilidade pelos danos causados porque se trata de responsabilidade
objetiva, na qual, para a responsabilização, é necessária, apenas, a comprovação
da existência efetiva do dano e do nexo de causalidade, não importando
investigar de quem é a culpa, e solidária, podendo o prejudicado escolher contra
quem irá demandar.
(...)
Sendo assim, independentemente de haver outras indústrias emitindo fumaça
por suas chaminés, tal fato não exonera a apelante de sua responsabilidade
porque também contribuiu para a degradação daquele ambiente.
216
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Entretanto, o acórdão recorrido deu parcial provimento à Apelação da empresa
para afastar, naquilo que importa ao presente Recurso Especial, a análise, em
posterior fase de liquidação, da indenização pelos danos sofridos pelos moradores
individualmente considerados.
Eis o trecho em que o Tribunal afasta a possibilidade de apreciação,
em fase de liquidação, dos danos morais e materiais causados aos moradores
individualmente considerados (fl. 56), embora ressalve o direito de ação em via
própria (fl. 57):
Por outro lado, merece provimento a apelação no tocante à pretensão
de afastar a condenação por danos morais e materiais aos moradores a ser
solucionada em liquidação de sentença, na forma prevista pelo art. 97 do CDC em
face do art. 21 da Lei n. 7.347/1985.
Com efeito, não obstante se esteja diante de ação civil pública, deve ser
observado que não é possível se relegar para a fase de liquidação de sentença a
comprovação dos danos morais e materiais dos moradores da região, que sequer
estão descritos na inicial, porque a prova de tais fatos deve ser feita na fase de
conhecimento do processo, sob pena de prolatação de sentença condicional, o
que não é possível, descumprindo-se o disposto no artigo 286 do CPC, além de
dificultar o próprio exercício de defesa da recorrente pela falta de comprovação
dos danos.
(...)
Conveniente ressaltar que os moradores prejudicados com a atividade
poluidora da demandante, mediante a devida comprovação, podem demandar
contra a recorrente, com amparo no artigo 16 da Lei n. 7.347/1985, conjugado
com o artigo 103, I, do CDC, visando o ressarcimento dos danos materiais e morais
alegados, merecendo provimento a apelação para o afastamento da condenação
imposta.
A multa em caso de poluição futura foi reduzida de R$ 50 mil para R$ 5
mil, “sem prejuízo de futuramente, em caso de persistência no descumprimento
da decisão, ser devidamente modificada em sede de execução de sentença, de
acordo com os prudentes critérios do eminente magistrado de primeiro grau”
(fl. 59).
Saliento que o Recurso Especial do MPE impugna, no mérito, apenas a parte
do acórdão que impede a aferição dos danos, na fase de liquidação, em relação aos
moradores individualmente considerados.
Passo, a seguir, à análise dos argumentos recursais.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
217
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Art. 535 do CPC
Os aclaratórios opostos pelo MPE na origem pediram manifestação quanto
à “aplicação integrada dos artigos 95 do Código de Defesa do Consumidor e 21
da Lei n. 7.347/1985” (fl. 77).
Afirma que isso seria imprescindível para solução da demanda “afeta à
indenização por danos envolvendo direitos individuais homogêneos” (fl. 90).
Ocorre que, embora não tenha feito expressa referência ao art. 95 do CDC,
o TJ apreciou indiscutivelmente a aplicação dos dispositivos consumeristas à
Ação Civil Pública Ambiental, referindo-se expressamente ao art. 97 do CDC e
ao art. 21 da Lei n. 7.347/1995 (fl. 56):
Por outro lado, merece provimento a apelação no tocante à pretensão
de afastar a condenação por danos morais e materiais aos moradores a ser
solucionada em liquidação de sentença, na forma prevista pelo art. 97 do CDC em
face do art. 21 da Lei n. 7.347/1985.
Perceba-se, portanto, que a Corte Estadual emitiu inequívoco juízo a
respeito da matéria jurídica afeita ao art. 95 do CDC, qual seja a generalização
da condenação e conseqüente apreciação dos danos individuais na fase de
liquidação.
A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não
caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
Inexiste omissão e, portanto, houve prequestionamento, possibilitando
análise de mérito no Recurso Especial.
4. Mérito: análise, em fase de liquidação, dos danos individualmente
sofridos pelos moradores
Como visto, a sentença remeteu à liquidação a apuração do quantum
indenizatório relativo aos danos materiais e morais causados a cada morador
individualmente considerado (fl. 143).
O Tribunal de origem, entretanto, afastou essa possibilidade, pois “não
é possível se relegar para a fase de liquidação de sentença a comprovação dos
danos morais e materiais dos moradores da região”. Volto a transcrever o trecho
do acórdão recorrido a que me refiro (fl. 56):
218
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Com efeito, não obstante se esteja diante de ação civil pública, deve ser
observado que não é possível se relegar para a fase de liquidação de sentença a
comprovação dos danos morais e materiais dos moradores da região, que sequer
estão descritos na inicial, porque a prova de tais fatos deve ser feita na fase de
conhecimento do processo, sob pena de prolatação de sentença condicional, o
que não é possível, descumprindo-se o disposto no artigo 286 do CPC, além de
dificultar o próprio exercício de defesa da recorrente pela falta de comprovação
dos danos.
Ocorre que o TJ afastou o disposto nos arts. 95 e 97 do Código de Defesa
do Consumidor - CDC, aplicáveis à Ação Civil Pública Ambiental por força do
art. 21 da Lei n. 7.347/1995. Transcrevo os dispositivos do CDC:
Art. 95. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica,
fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados.
Art. 97. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela
vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
De fato, é natural que a condenação na Ação Civil Pública seja genérica,
abrangendo a constatação do dano e remetendo à fase de liquidação a apreciação
dos danos individualmente sofridos, que geram direitos individuais homogêneos
em favor dos lesados. Esse é o abalizado entendimento de Ada Pellegrini
Grinover:
Nos termos do art. 95, porém, a condenação será genérica: isso porque,
declarada a responsabilidade civil do réu e a obrigação de indenizar, sua
condenação versará sobre o ressarcimento dos danos causados e não dos
prejuízos sofridos.
Isso significa, no campo de Direito Processual, que, antes das liquidações e
execuções individuais (v. infra, comentário ao art. 97), o bem jurídico objeto de
tutela ainda é tratado de forma indivisível, aplicando-se a toda a coletividade, de
maneira uniforme, a sentença de procedência ou improcedência.
(...)
Enquadra-se no disposto no art. 586, § 1º do CPC, que contempla a condenação
genérica como aquela que, reconhecendo em definitivo o direito, há de ser
liquidada para “estabelecer o quantum, ou a res, ou o facere ou non facere” [citando
Mauro Cappelletti] (“Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais
Homogêneos”, in Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 9ª
ed., 2007, p. 903-904).
No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno:
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
219
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Por “condenação genérica” deve ser entendido o reconhecimento jurisdicional
da lesão ou ameaça a direito e a imposição das consequências daí derivadas aos
responsáveis sem necessidade de ser fixado, desde logo, o efetivo alcance desta
responsabilização. Por outras palavras, a “sentença genérica” limita-se a indicar o
an debeatur. O quantum, para os casos que reclama incidência do dispositivo, será
objeto de cognição jurisdicional ulterior, na “liquidação” a que se refere o art. 97
do Código de Defesa do Consumidor (Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil - vol. 2, tomo III. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 248).
A Corte Estadual afastou a aplicação dos dispositivos pelo argumento de
que não se pode “relegar para a fase de liquidação de sentença a comprovação
dos danos morais e materiais dos moradores da região” (fl. 56).
Sucede que não apenas a sentença, mas o próprio acórdão recorrido
reconhece, linhas antes, a ocorrência dos danos morais e materiais sofridos pelos
moradores! Esse aspecto não passou desapercebido ao Dr. Geraldo Brindeiro,
ilustre Subprocurador-Geral da República que opinou no feito (fl. 201):
(...) o dano aos moradores da localidade atingida pela atividade poluidora da
recorrida foi expressamente reconhecido (...).
Eis porque tomei a cautela de discorrer longamente a respeito da sentença
e do acórdão recorrido: para demonstrar que o TJ não apenas ratificou a
constatação de ocorrência de danos causados aos moradores, feita pelo juiz
sentenciante, como foi além, analisando em profundidade os laudos técnicos e
os depoimentos testemunhais.
Transcrevo trechos exemplificativos retirados do voto-condutor proferido
na Corte Estadual, que demonstram a incontrovérsia a respeito dos danos
individualmente sofridos pelos moradores (fls. 41-44, grifei):
Ana Cláudia Duarte Lei ratifica a mesma versão, ao referir que “(...) a gente
enxergava sair fumaça. (...) Era horrível porque sujava a roupa, tinha dias que ao
passar pela rua que fica atrás da Extremo Sul, tinha que tapar os olhos, quando
eles colocavam para funcionar a todo vapor, a gente saía com os olhos
cheios de cinzas, as roupas brancas que estavam no arame ficavam pretas
(...)”, acrescentando que, desde a manifestação feita junto à empresa, “Melhorou
bastante, eu não tenho certeza, mas acho que a Extremo Sul não está mais poluindo
(...)”, fls. 760-763.
(...)
Quanto à emissão de material particulado oriundo dessa atividade industrial,
referido por Raul Moraes, cabe destacar o esclarecimento feito pela Perita
220
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
a respeito dos efeitos adversos causados, no sentido de que “(...) a poluição
atmosférica pode resultar em impactos de alcances locais, regionais e globais. Os de
impacto local, objeto de interesse direto deste trabalho, podem ser compreendidos
como: Danos à saúde humana: desconforto; odor desagradável; doenças do
aparelho respiratório – bronquite, enfisema, asma, câncer; asfixia; irritação
dos olhos, garganta e mucosas entre outros. No entanto, importante dizer que
a incidência de doenças pode estar associada a certos poluentes atmosféricos, mas
também resultar de outras causas. Danos à vegetação: redução da fotossíntese;
ataque à folhagem; alteração no crescimento e produção de frutos. Danos aos
animais: diretamente, a partir dos poluentes atmosféricos, ou pela ingestão de
vegetais contaminados. Redução da visibilidade, podendo ocasionar acidentes.
Danos aos materiais: sujeira; desgaste; corrosão; deterioração da borracha e
produtos sintéticos; enfraquecimento; alterações da aparência de prédios e
monumentos. Desfiguração da paisagem. Alterações das características climáticas:
maior precipitação; redução da radiação e da iluminação; aumento da temperatura.
O material particulado, especificamente, pode provocar doenças cardíacas e
respiratórias (enfisema, bronquites); proporcionar o carreamento de poluentes
tóxicos para os pulmões; a perda da visibilidade a qual pode ocasionar
acidentes, lembrando-se da proximidade das indústrias à rodovia; sujeira de
roupas e de prédios, interferindo na paisagem”, fls. 536-537.
Como se vê, o TJ não aferiu apenas danos ambientais coletivos, em sentido
amplo, mas também danos causados individualmente aos moradores da região,
em relação à sua saúde, bem-estar, moradia, segurança e patrimônio, concluindo
que (fls. 41-44, grifei):
Como se vê, a prova documental e testemunhal demonstra quais os danos
causados pela empresa ré com a emissão da fumaça e fuligem, que se espalhavam
tanto pelas dependências da indústria apelante, quanto nos arredores, expondo
a comunidade local aos riscos decorrentes da fuligem, que se acumulavam na
vegetação, roupas e na própria pele dos moradores, causando irritação nos olhos,
problemas respiratórios, e a degradação visual do meio ambiente, sendo esta a
prova concreta dos prejuízos ambientais causados pela apelante.
É evidente que não houve quantificação dos danos individualmente
sofridos, pois a sistemática adotada pelo legislador foi de remeter esse
levantamento à fase de liquidação, conforme os arts. 95 e 97 do CDC (antes
transcritos), aplicáveis à Ação Civil Pública Ambiental por força do art. 21 da
Lei n. 7.347/1995. Volto às palavras de Ada Pellegrini Grinover:
E não há dúvida de que o processo de liquidação da sentença condenatória,
que reconheceu o dever de indenizar e nesses termos condenou o réu, oferece
peculiaridades com relação ao que normalmente ocorre nas liquidações de
sentença. Nesta, não mais se perquire a respeito do an debeatur, mas somente
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
221
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
sobre o quantum debeatur. Aqui, cada liquidante, no processo de liquidação,
deverá provar, em contraditório pleno e com cognição exauriente, a existência do
seu dano pessoal e o nexo etiológico com o dano globalmente causado (ou seja, o
an), além de quantificá-lo (ou seja, o quantum) (“Das Ações Coletivas...”, cit., p. 906).
Rodolfo de Camargo Mancuso cita e ratifica a lição de Ada Pellegrini
Grinover, pois, “se uma sentença coletiva não servir para facilitar o acesso à
justiça, se os indivíduos forem obrigados a exercer, num processo de liquidação,
as mesmas atividades processuais que teriam que desenvolver numa ação
condenatória de caráter individual, o provimento jurisdicional terá sido inútil
e ineficaz, não representando qualquer ganho para o povo” (Ação Civil Pública.
São Paulo: RT. 11ª ed., 2009, p. 369).
Isso porque a individualização dos danos no próprio processo coletivo
tumultuaria inapelavelmente o feito e, provavelmente, prejudicaria a efetividade
do provimento jurisdicional. Eis o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli:
Tratando-se de interesses individuais homogêneos, a condenação proferida
em ação civil pública ou coletiva será genérica, fixando a responsabilidade do
réu pelos danos. Assim, a liquidação ou a execução da sentença poderão ser
promovidas tanto pelos co-legitimados à ação coletiva, como pelos próprios
lesados ou seus sucessores. Para não tumultuar o processo coletivo com centenas
ou milhares de liquidações ou execuções individuais, o correto será que os lesados
individuais extraiam as certidões necessárias e, munidos de seu título, promovam
separadamente sua pretensão (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo:
Saraiva; 18ª ed., 2005, p. 474-475).
Assim também já se pronunciou o STJ:
Ação coletiva. Associação de moradores. Produtos tóxicos. Contaminação.
Água. Danos morais e materiais. Direitos individuais homogêneos. Caracterização.
1 - A quantificação dos danos morais e materiais fica relegada à liquidação
de sentença e, por isso mesmo, não impede a subsunção da espécie à definição
legal de direitos individuais homogêneos, caracterizados por um fato comum,
no caso específico o vazamento de produtos tóxicos e a contaminação da água
consumida pelos associados.
2 - Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a legitimidade ativa
ad causam da recorrente.
(REsp n. 982.923-PR, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado
em 10.06.2008, DJe 12.08.2008).
Direito do Consumidor e Processo Civil. Recurso especial. Ação coletiva.
Entidade associativa de defesa dos consumidores. Legitimidade. Possibilidade
222
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
jurídica do pedido. Direitos individuais homogêneos. Cerceamento de defesa.
Concessionárias de veículos e administradora de consórcio. Cobrança a maior dos
valores referentes ao frete na venda de veículos novos. Restituição.
(...)
- Os direitos individuais homogêneos, por definição legal, referem-se a um
número de pessoas ainda não identificadas, mas passível de ser determinado em
um momento posterior, e derivam de uma origem comum, do que decorre a sua
homogeneidade.
(...)
- Sendo o pedido genérico, a condenação não se particulariza em valores
líquidos, razão pela qual é preciso proceder à sua liquidação e, posteriormente, à
sua execução.
Recursos especiais não conhecidos.
(REsp n. 761.114-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
03.08.2006, DJ 14.08.2006 p. 280).
De fato, reconhecida a responsabilidade do réu (art. 95 do CDC) e a
existência de danos relacionados à saúde, ao bem-estar, à segurança, à moradia e
ao patrimônio dos moradores, cabe a quantificação em relação a cada um deles
em liquidação e execução de sentença, que “poderão ser promovidas pela vítima
e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82” do CDC
(art. 97 do mesmo Código).
Assim, a correta interpretação dos dispositivos aplicáveis ao processo civil
coletivo, no que tange à defesa dos direitos individuais homogêneos em juízo,
leva à reforma parcial do acórdão recorrido.
Diante do exposto, dou provimento ao Recurso Especial, restabelecendo a
sentença na parte em que remete à liquidação a apuração do quantum indenizatório
relativo aos danos causados a cada morador individualmente considerado.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.251.664-PR (2010/0222888-0)
Relator: Ministro Herman Benjamin
Recorrente: Fazenda Nacional
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
223
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Boa Safra Indústria e Comércio de Fertilizantes Ltda.
Advogado: André Gustavo Martins Gomes Farias e outro(s)
EMENTA
Tributário. Ilícito. Declaração incorreta de mercadoria
importada. Multa. Inexistência de lacuna legislativa, dúvida, exagero
ou teratologia. Exclusão pelo Judiciário. Impossibilidade.
1. Hipótese em que a contribuinte classificou incorretamente
a mercadoria importada na Nomenclatura Comum do Mercosul –
NCM (fato incontroverso).
2. Também não há divergência quanto ao conteúdo da legislação
que fixa a penalidade: “aplica-se a multa de um por cento sobre o
valor aduaneiro da mercadoria (...) classificada incorretamente na
Nomenclatura Comum do Mercosul” (art. 636, I, do Decreto n.
4.543/2002).
3. O Tribunal de origem, entretanto, afastou a penalidade prevista
legalmente, por entender que não houve má-fé, nem prejuízo para o
Erário, aplicando o disposto no art. 112 do CTN (interpretação mais
favorável ao acusado).
4. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente,
não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
5. No mérito, não há “dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias
materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto
à autoria, imputabilidade, ou punibilidade” (art. 112 do CTN), sendo
inaplicável a interpretação mais favorável ao acusado.
6. O Judiciário não pode excluir a multa tributária ao arrepio
da lei. A ausência de má-fé da contribuinte e de dano ao Erário é
irrelevante para a tipificação da conduta e para a exigibilidade da
penalidade (art. 136 do CTN).
7. A reprovabilidade da conduta da contribuinte é avaliada pelo
legislador, ao quantificar a penalidade prevista na lei. É por essa razão
que às situações em que há redução do imposto ou que envolvem
fraude ou má-fé são fixadas multas muito mais gravosas que o 1%
previsto para o simples erro na classificação da mercadoria importada.
224
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
8. Caberia intervenção do Judiciário se houvesse exagero ou
inconsistência teratológica, como na hipótese de multa mais onerosa
que aquela prevista para conduta mais reprovável, o que não ocorre,
no caso.
9. A Segunda Turma entende que o indeferimento do pedido
recursal relativo ao art. 535 do CPC, ainda que subsidiário, implica
provimento apenas parcial do Recurso, em caso de acolhimento do
pleito principal.
10. Recurso Especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A
Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto
do Sr. Ministro-Relator, sem destaque”. Os Srs. Ministros Mauro Campbell
Marques, Cesar Asfor Rocha, Castro Meira e Humberto Martins votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Herman Benjamin, Relator
DJe 08.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto
contra acórdão assim ementado (fl. 181):
Tributário. Importação. Regime especial aduaneiro. Erro na classificação do
produto. Multa. Desproporcionalidade. Art. 112 do CTN.
1. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpretase da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à natureza
ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos
e quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade.
2. Inexistindo qualquer evidência de má-fé na conduta do importador
que caracterize fraude inequívoca, ou algum elemento concreto que indique
alguma vantagem que adviria em favor da empresa pelos fatos ocorridos, bem
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
225
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
como inexistente diferença no recolhimento dos tributos devidos, é indevida a
imposição da multa prevista no art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002.
A Fazenda aponta ofensa:
a) ao art. 136 do CTN, relativo à irrelevância da intenção do agente ou
da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato, para fins de aplicação da
sanção tributária (fls. 195-196); e
b) ao art. 69 da Lei n. 10.833/2003 (fl. 196).
Subsidiariamente, indica violação do art. 535 do CPC (fl. 198).
Determinei a conversão do Agravo de Instrumento em Recurso Especial
(fl. 214).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): A contribuinte declarou
erroneamente a classificação fiscal de mercadoria (Nomenclatura Comum
do Mercosul – NCM) ao emitir Licença de Importação Substituta relativa a
importação de produtos químicos valorados em R$ 661.340,33 (fls. 14 e 28).
A fiscalização aplicou multa de 1% sobre o valor aduaneiro (penalidade de
R$ 6.613,40), com base no art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002 (relativo aos
arts. 69 e 81, IV, da Lei n. 10.833/2003 e ao art. 84, I, da MP n. 2.158-35/2001):
Art. 636. Aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da
mercadoria (Medida Provisória n. 2.158-35, de 2001, art. 84):
I - classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do Mercosul, nas
nomenclaturas complementares ou em outros detalhamentos instituídos para a
identificação da mercadoria; ou
(...)
O TRF, apesar de reconhecer os fatos (declaração errônea), afastou a multa
por entender que não houve má-fé, nem prejuízo para o Erário, aplicando o
disposto no art. 112 do CTN (interpretação benigna em favor do infrator).
Transcrevo trecho do acórdão recorrido (fls. 177, 178 e 180):
A aplicação da multa prevista no art. 636, I, do Regulamento Aduaneiro,
ocorreu em razão de descumprimento de obrigação tributária acessória, qual
seja, a descrição inexata da mercadoria na declaração de importação.
226
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Pretende a parte autora demonstrar que não obteve nenhuma vantagem
com o erro de digitação ocorrido na declaração de importação substitutiva e
que este não gerou prejuízo para o Fisco. Relatou que o representante legal da
empresa apenas incorreu em erro de digitação ao proceder a licença substitutiva
(NCM n. 3104.20.90 - Cloreto de Potássio para n. 3104.20.10 - Cloreto de Potássio
Granulado com teor mínimo de 60% de K2O a granel), em razão da quantidade a
menor da mercadoria embarcada.
(...)
Não deixo de considerar que a classificação adequada da mercadoria
importada é fundamental para que a Receita Federal dê andamento no despacho
aduaneiro, uma vez que depende disso a verificação do enquadramento em
regime aduaneiro especial drawback modalidade suspensão. Nesse contexto,
afigura-se plenamente justificável a cautela e as solicitações de documentação por
parte da Receita Federal, que está cumprindo seu papel no âmbito da atividade
reguladora do Estado, no intuito de proteção do mercado interno. Ou seja, a
razão da análise prévia da classificação correta está justamente na necessidade de
haver, sobre certos produtos, um controle maior, visando, dentre outros objetivos,
a adequada tributação, bem como o controle quanto à procedência do produto,
em vista de acordos internacionais com outros países.
Todavia, é necessária uma visão teleológica e sistemática da legislação
aduaneira, a fim de verificar a conduta do importador diante das circunstâncias
do caso, ainda mais quando se trata de penalidade.
Inicialmente, calha destacar que, a teor do artigo 136 do CTN, a responsabilidade
por infrações fiscais deve ser considerada, em regra, objetiva, inclusive para o
terceiro solidariamente responsável. Contudo, o CTN contém atenuante à regra,
que versa sobre princípios de interpretação e aplicação das infrações fiscais. Diz
seu artigo 112 que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades,
interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à
capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à
natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação”.
Consoante tal permissivo, a jurisprudência pátria considera as circunstâncias
materiais (casuística) do ilícito tributário, antes de aplicar (ou não) a pena de
multa. Nesse sentido, é razoável o entendimento de ser desproporcional a
imputação de multa quando o equívoco na classificação dos bens importados na
DI não implica majoração de tributos, porquanto a conduta não implicaria dano
ao erário. Veja-se, nesse sentido, o consignado pela eminente Des. Federal Maria
Lúcia Luz Leiria no voto condutor da AMS n. 2003.72.08.010811-4-SC, Primeira
Turma, DJU 09.02.2005.
(...)
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
227
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Portanto, a caracterização da conduta da importadora está baseada em
mera presunção (responsabilidade objetiva), o que é incabível para ensejar
desclassificação de regime tributário e incidência de penalidade, devendo
prevalecer a regra do art. 112 do CTN, que dispõe que a lei tributária que
define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais
favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias
materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria,
imputabilidade, ou punibilidade.
Perceba-se que houve prequestionamento implícito do art. 136 do CTN
(suscitado no Recurso Especial), pois o TRF manifestou-se inequivocamente a
respeito da responsabilidade por infrações em relação à intenção do agente e da
efetividade, natureza e extensão dos efeitos dos atos.
A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não
caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
No mérito, a Fazenda tem razão.
Os fatos são incontroversos: a contribuinte classificou incorretamente a
mercadoria importada na Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM.
Tampouco há divergência quanto ao conteúdo da legislação que fixa a
penalidade: “aplica-se a multa de um por cento sobre o valor aduaneiro da
mercadoria (...) classificada incorretamente na Nomenclatura Comum do
Mercosul” (art. 636, I, do Decreto n. 4.543/2002, relativo aos arts. 69 e 81, IV, da
Lei n. 10.833/2003 e ao art. 84, I, da MP n. 2.158-35/2001).
O Tribunal de origem, entretanto, afastou a penalidade prevista legalmente,
ao aplicar o disposto no “art. 112 do CTN, que dispõe que a lei tributária que
define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais
favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à natureza ou às circunstâncias
materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e quanto à autoria,
imputabilidade, ou punibilidade” (fl. 180).
Ocorre que, como visto, não há qualquer “dúvida quanto à natureza ou às
circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensões de seus efeitos e
quanto à autoria, imputabilidade, ou punibilidade” (art. 112 do CTN), sendo
inaplicável a interpretação mais favorável ao acusado.
O Judiciário não pode excluir a multa tributária ao arrepio da lei. A
ausência de má-fé da contribuinte e de dano ao Erário é irrelevante para a
tipificação da conduta e para a exigibilidade da penalidade. Esse é o conteúdo
do art. 136 do CTN:
228
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações
da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da
efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
A reprovabilidade da conduta da contribuinte é avaliada pelo legislador,
ao quantificar a penalidade prevista na lei. É por essa razão que às situações em
que há redução do imposto ou que envolvem fraude ou má-fé são fixadas multas
muito mais gravosas que o 1% previsto para o simples erro na classificação da
mercadoria importada.
Se houvesse, por exemplo, declaração de valor a menor, a penalidade
poderia ser de 100% sobre a diferença (art. 633, I, do Decreto n. 4.543/2002).
Como ocorreu simples erro na declaração, sem impacto financeiro para o
Erário, a multa restringiu-se a 1% do valor aduaneiro.
Nesse ponto, é interessante ressaltar que o debate nestes autos restringese aos R$ 6.613,40 fixados como multa, valor sem o desconto de 40%, em caso
de parcelamento tempestivo, ou de 50%, em caso de pagamento a vista (fl. 27).
O montante não é apenas relativamente baixo (a mercadoria, a que se refere a
declaração incorreta, vale mais de meio milhão de reais), mas também implica
antieconomicidade da própria demanda judicial.
Caberia intervenção do Judiciário se houvesse exagero ou inconsistência
teratológica, como na hipótese de multa mais onerosa que aquela prevista para
conduta mais reprovável.
Importante lembrar que o emprego da eqüidade somente é admitido, em
Direito Tributário, “na ausência de disposição expressa” da legislação tributária
(art. 108 do CTN). Ademais, como já dito, a interpretação mais favorável em
favor do acusado somente é possível, na seara fiscal, “em caso de dúvida quanto à
capitulação legal do fato, à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à
natureza ou extensão de seus efeitos, à autoria, imputabilidade, ou punibilidade,
à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação” (art. 112 do CTN).
Nada disso se verifica, in casu, pois a norma afastada pelo Tribunal de
origem é expressa, e não há dúvida alguma a respeito dos fatos ou da autoria.
O que houve foi a exclusão da penalidade pecuniária por juízo eqüitativo
do TRF, mesmo reconhecendo a tipicidade da conduta.
O art. 108, § 2º, do CTN é expresso ao vedar a aplicação da eqüidade para
afastamento do tributo. Com muito mais razão, a penalidade pecuniária não
pode ser excluída ou reduzida com base em juízo subjetivo quanto à intenção do
agente ou à ausência de dano ao Erário.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
229
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse sentido, o art. 136 do CTN, antes transcrito, é expresso ao determinar
que “a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da
intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos
efeitos do ato”.
Percebe-se, na hipótese, ofensa ao dispositivo legal, razão pela qual o
acórdão recorrido deve ser reformado, para reconhecer a exigibilidade da multa
prevista na legislação federal.
A Segunda Turma entende que o indeferimento do pedido recursal relativo
ao art. 535 do CPC, ainda que subsidiário, implica provimento apenas parcial
do Recurso, em caso de acolhimento do pleito principal.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao Recurso Especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.262.673-SE (2011/0135977-2)
Relator: Ministro Castro Meira
Recorrente: Y B F (menor)
Representado por: A L D F
Advogado: Dalmo de Figueiredo Bezerra e outro(s)
Recorrido: Colegio Appogeu Ltda.
Advogado: Sem representação nos autos
EMENTA
Direito Processual Civil e Administrativo. Inscrição. Exame
supletivo. Aprovação no vestibular. Determinação judicial. Aplicação.
Teoria do fato consumado.
1. De acordo com a Lei n. 9.394/1996, a inscrição de aluno em
exame supletivo é permitida nas seguintes hipóteses: a) ser ele maior
de 18 anos e b) não ter tido acesso aos estudos ou à continuidade
destes, no ensino médio, na idade própria, de sorte que é frontalmente
contrária à legislação de regência a concessão de liminares autorizando
o ingresso de menores de 18 anos em curso dessa natureza.
230
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
2. É inadmissível a subversão da teleologia do exame supletivo,
o qual foi concebido com o escopo de contemplar aqueles que não
tiveram acesso ao ensino na idade própria ou, mesmo o tendo, não
lograram concluir os estudos, não sendo por outra razão que o
legislador estabeleceu 18 (dezoito) anos como idade mínima para
ingresso no curso supletivo relativo ao ensino médio.
3. Lamentavelmente, a excepcional autorização legislativa,
idealizada com o propósito de facilitar a inclusão educacional daqueles
que não tiveram a oportunidade em tempo próprio, além de promover
a cidadania, vem sendo desnaturada dia após dia por estudantes
do ensino médio que visam a encurtar sua vida escolar de maneira
ilegítima, burlando as diretrizes legais.
4. Sucede que a ora recorrente, amparada por provimento liminar,
logrou aprovação no exame supletivo, o que lhe permitiu ingressar no
ensino superior, já tendo concluído considerável parcela do curso de
Direito.
5. Consolidadas pelo decurso do tempo, as situações jurídicas
devem ser respeitadas, sob pena de causar à parte desnecessário
prejuízo e afronta ao disposto no art. 462 do CPC. Aplicação da teoria
do fato consumado. Precedentes.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin (Presidente),
Mauro Campbell Marques e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Castro Meira, Relator
DJe 30.08.2011
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
231
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: Cuida-se de recurso especial interposto pelas
alíneas a e c, do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Estado de Sergipe, assim ementado:
Reexame necessário. Processual Civil e Administrativo. Mandado de segurança.
Inscrição em exame supletivo. Aprovação em exame vestibular. Menor que
pretende antecipar curso médio, mediante exame supletivo, visando matrícula
em universidade. Impossibilidade. Art. 38, § 1º, II, da Lei n. 9.394/1996. Sentença
reformada.
Para se submeter a exame supletivo de conclusão de ensino médio,
necessária idade mínima de 18 (dezoito) anos, conforme expressamente exige
o art. 38, § 1º, II, da L. n. 9.394/1996, dispositivo que não afronta o art. 208, V, da
CF (e-STJ fl. 85).
Os embargos de declaração a seguir opostos foram rejeitados, em aresto
assim sumariado:
Embargos de declaração. Reexame necessário. Sentença de procedência
em mandado de segurança. Reformada. Declaração de impossibilidade de
menor antecipar curso médio, mediante exame supletivo, visando matrícula
em universidade. Alegação de omissão no julgamento. Inexistência. Recurso
de fundamentação vinculada. Imperativa necessidade de existência de um
dos vícios: obscuridade, contradição ou omissão. Não se presta ao reexame do
julgado. Ausentes quaisquer das hipóteses justificadoras do expediente, impõese a rejeição. Embargos declaratórios conhecidos, porém improvidos.
- As razões trazidas pela embargante nos presentes aclaratórios não tem força
suficiente para direcionar o órgão colegiado a orientação diversa da já por ele
exaurida (e-STJ fl. 116).
No especial, a recorrente, além da divergência jurisprudencial, alega
violação do artigo 535 do CPC, porquanto o decisório impugnado foi omisso
quanto à apreciação dos documentos que comprovam a ocorrência do fato
consumado.
Aduz, outrossim, infringência ao artigo 462 do CPC, posto que o direito
à inscrição no curso supletivo e, posteriormente, à efetivação de matrícula
no curso universitário foi-lhe assegurada por força de provimento judicial,
posteriormente desconstituído.
As contrarrazões não foram apresentadas (e-STJ fl. 167).
232
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Admitido o recurso especial (e-STJ fls. 168-169), subiram os autos a esta
Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): No tocante ao vício de
fundamentação, verifica-se que o Tribunal Estadual apreciou todas as questões
relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não
adotando a tese vertida pela recorrente.
Não é demais lembrar que o julgador não está obrigado a responder a
todos os argumentos trazidos pelas partes, mas apenas aqueles que entenda
relevantes para a solução do conflito, o que, no caso, ocorreu.
Nesse toar, vale lembrar que o STJ entende “não haver omissão no acórdão
que, com fundamentação suficiente, ainda que não exatamente a invocada pelas
partes, decide de modo integral a controvérsia posta” (REsp n. 938.417-MG,
Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 10.09.2007).
Por outro lado, atendidos os requisitos de admissibilidade, conheço do
recurso no tocante à suposta ofensa ao art. 462 do Código de Processo Civil CPC e destaco, desde já, que a discussão não pode ser resumida aos reflexos da
eventual alteração do aresto questionado sobre a situação fática da impetrante
nos dias atuais – a célebre teoria do fato consumado –, haja vista que o arcabouço
jurídico invocado na petição inicial e submetido à Corte de origem deve ser
prestigiado, máxime diante da função uniformizadora conferida a este Superior
Tribunal de Justiça.
Caso contrário, este Superior Tribunal de Justiça correria o risco de tornarse uma terceira instância ordinária que, investigando única e exclusivamente o
estado de coisas atingido a partir de um provimento liminar, relegaria a segundo
plano as discussões sobre a interpretação da legislação infraconstitucional, o que,
em demandas cujo objeto satisfaz-se de forma quase imediata – como no caso
dos autos –, tornaria extremamente dificultosa a firmação de posicionamento
sobre a tese considerada adequada.
Assim sendo, independentemente das alegações articuladas em torno da
teoria do fato consumado – cuja incidência nos casos concretos sempre deve
(ou, pelo menos, deveria) ser diferida para o fecho da decisão judicial, como
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
233
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acontecerá na espécie –, faz-se mister promover a análise da questão jurídica
que repousa no cerne da demanda: é cabível que aluno do ensino médio que
conta com menos de 18 (dezoito) anos inscreva-se em curso supletivo com o
fito de obter certificado de conclusão e, assim, ingresse em instituição de ensino
superior na qual logrou êxito no exame de admissão/vestibular?
Com a devida vênia aos posicionamentos em contrário, penso que a
resposta é negativa, sob pena de violar-se expressamente art. 38, § 1º, II, da Lei
n. 9.394/1996:
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos,
que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao
prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
(...)
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.
Não desconheço que aqueles que advogam tese oposta tem ciência dessa
restrição legal, mas a mitigam com amparo no argumento de que a aprovação
no exame vestibular anteriormente ao término do ensino médio seria uma prova
hábil a demonstrar a capacidade já atingida pelo estudante para iniciar em curso
de nível superior, homenageando, assim, o art. 208, V, da Carta Magna, o qual
assegura acesso aos níveis mais elevados de ensino, conforme a capacidade de
cada um.
Respeitosamente, não me convence, seja porque não vejo campo
interpretativo na dicção literal da norma em questão, seja porque escapa da
finalidade precípua da educação.
Com efeito, esse entendimento enfoca o ensino médio como mera
ferramenta de acesso aos cursos superiores, esvaziando todo o planejamento
concebido pelo legislador e implementado pela Administração para proporcionar
aos cidadãos seu crescimento, a tempo e modo definidos de acordo com o
desenvolvimento psíquico e intelectual do ser humano.
Esse crescimento não se desenrola apenas no plano de dados, informações
e demais conteúdos exigidos no exame vestibular.
O ensino em todos os seus graus (fundamental, médio e superior) envolve
também sociabilização e amadurecimento adquiridos tão-somente com a
frequência efetiva dos alunos à escola e com a participação nas atividades
234
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
propostas, valores esses que devem ser perseguidos com afinco em nossa
sociedade moderna, na qual, como se sabe, a dispersão de dados e o amplo
acesso a informações decorrentes dos avanços tecnológicos não garante em
absoluto a formação plena do cidadão.
Como bem assinalou o acórdão contestado, “se há todo um pensar na
educação, inclusive com corpo normativo coeso, como visto, com regramento
próprio, constando as citadas elementares, não é possível dispensá-la. Muito
menos reconhecer como ilegal ato que apenas cumpriu a sua determinação”
(e-STJ fl. 90).
Nesse passo, em homenagem à importância desempenhada pelo ensino
escolar no ambiente macro, não vejo como a aprovação de um estudante em
exame vestibular para uma das centenas de milhares de vaga oferecidas a cada
ano no país seja capaz, por si só, a demonstrar que foram apreendidas todas as
habilidades programadas para serem desenvolvidas no ensino médio, tampouco
inteligência precoce e excepcional.
Essa orientação que trata o ensino médio como mero instrumento poderia,
em última análise, até mesmo torná-lo completamente inútil, um verdadeiro
“inconveniente” ao atalho aos cursos superiores, não sendo ocioso lembrar que
a garantia constitucional de acesso aos níveis mais elevados de ensino não deve
ser interpretada de forma absoluta e sem a devida contextualização, revelandose como valor interpretativo essencial da legislação de regência que estabelece
normas e parâmetros a fim de regulamentar a progressão do ensino.
E agora vem outro ponto crucial da discussão, a saber, a completa subversão
do exame supletivo, o qual foi concebido com o escopo de contemplar aqueles
que não tiveram acesso ao ensino na idade própria ou, mesmo o tendo, não
lograram concluir os estudos, não sendo por outra razão que o legislador
estabeleceu como 18 (dezoito) anos como idade mínima para ingresso no curso
supletivo relativo ao ensino médio.
Nesse cenário, a excepcional autorização legislativa, idealizada com
o propósito de facilitar a inclusão educacional daqueles que não tiveram a
oportunidade em tempo próprio – infelizmente, realidade comum em nosso
país – e promover a cidadania, vem sendo desnaturada cotidianamente por
estudantes do ensino médio que visam a encurtar sua vida escolar de maneira
ilegítima, burlando as diretrizes legais.
Enfim, a conclusão jurídica atingida pela Corte de origem exsurge
irrepreensível, pois conferiu a melhor exegese ao art. 38, § 1º, II, da Lei n.
9.394/1996.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
235
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Adentro, por derradeiro, a análise da teoria do fato consumado, alicerçada
na primazia da realidade.
Ao que se tem dos autos, Yandra Barreto Ferreira impetrou em 21.06.2010
mandado de segurança, com pedido de liminar, objetivando a sua imediata
inscrição para realização de exame supletivo, posto que aprovada no exame
vestibular antes de concluir o ensino médio.
A liminar concedida em 30.06.2010, para “determinar que o impetrado
proceda à matrícula da impetrante no curso de supletivo especial, em prazo que
não inviabilize a matrícula no curso superior e emita certificado de conclusão
no curso de aprovação” (e-STJ fls. 40-45) foi confirmada pela sentença de fls.
61-64.
Tal contexto, qual seja, realização de exame supletivo, expedição de
certificado de conclusão do ensino médio e matrícula no curso superior de
aprovação (Direito), o qual já se encontra no segundo semestre, implica,
segundo a jurisprudência deste STJ, a aplicação da Teoria do Fato Consumado,
mormente porque o decurso de tempo consolida fatos jurídicos que devem
ser respeitados, sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao
disposto no art. 462 do CPC.
Nesse sentido, os seguintes julgados:
Administrativo. Mandado de segurança. Inscrição em exame supletivo.
Possibilidade. Aprovação em exame vestibular. Situação fática consolidada.
1. A Lei n. 9.394/1996 exige o atendimento a dois requisitos para que seja
aceita a inscrição de aluno em exame supletivo: a) ser ele maior de 18 anos e b)
não ter tido acesso aos estudos ou à continuidade destes, no ensino médio, na
idade própria.
2. Esta Corte tem entendido que, em caso de aprovação em exame vestibular
no qual o candidato tenha-se inscrito por força de decisão em Mandado de
Segurança, o estudante beneficiado com o provimento judicial não deve ser
prejudicado pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu o direito
pleiteado inicialmente.
3. Agravo Regimental não provido (AgRg no Ag n. 997.268-BA, Rel. Min.
Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 10.06.2008, DJe 19.12.2008).
Processual Civil e Administrativo. Mandado de segurança. Artigo 535 do CPC.
Violação não configurada. Declaração de inconstitucionalidade. Reserva de
Plenário. Desnecessidade. Inscrição em exame supletivo. Possibilidade. Aprovação
em exame vestibular. Situação fática consolidada.
236
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não
caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. Desnecessária a observância da reserva de plenário (art. 481 do CPC), pois
não houve declaração de inconstitucionalidade, pelo Tribunal de origem, do
dispositivo apontado (art. 38, § 1º, II, da Lei n. 9.394/1996), mas sua interpretação
à luz dos princípios constitucionais.
3. A Lei n. 9.394/1996 exige o atendimento a dois requisitos para que seja
aceita a inscrição de aluno em exame supletivo: a) ser ele maior de 18 anos e
b) não ter tido acesso aos estudos no ensino médio, ou podido continuá-los, na
idade própria.
4. Em caso como o dos autos, o STJ tem entendido, apoiado em aplicação
conseqüencialista da norma e balanceamento de valores, que a aprovação em
exame vestibular, no qual o candidato se inscrevera por força de decisum favorável
em Mandado de Segurança, recomenda que o estudante não seja prejudicado
pela posterior desconstituição da decisão que lhe conferiu o direito pleiteado
inicialmente.
Hipótese em que o deferimento da liminar e a concessão da segurança à ora
recorrida datam do ano 2004.
5. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido
(REsp n. 969.633-BA, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em
1º.04.2008, DJe 04.03.2009).
Processual Civil. Administrativo. Exame supletivo. Idade mínima. Aprovação no
vestibular. Teoria do fato consumado. Precedentes do STJ.
1. O decurso de tempo consolida fatos jurídicos que devem ser respeitados,
sob pena de causar à parte desnecessário prejuízo e afronta ao disposto no art.
462 do CPC. Teoria do fato consumado. Precedentes desta Corte: REsp n. 686.991RO, DJ de 17.06.2005; REsp n. 584.457-DF, DJ de 31.05.2004; REsp n. 601.499-RN,
DJ de 16.08.2004 e REsp n. 611.394-RN, Relator Ministro José Delgado, DJ de
31.05.2004.
2. In casu, o aluno aprovado em concurso vestibular, a despeito de não
possuir a idade mínima de 18 (dezoito) anos exigida pelo art. 38, § 1°, II, da Lei
n. 9.394/1996, obteve, em sede de liminar em mandamus, o direito de inscreverse em curso supletivo para fins de conclusão do ensino médio, viabilizando sua
matrícula em Curso Superior.
3. Deveras, consumada a matrícula para o exame supletivo (Banco de questões)
naquela oportunidade, o impetrante, ora Recorrente, obtendo êxito nos exames,
logrou a expedição do seu certificado de conclusão do 2ª Grau, pelo que se impõe
a aplicação da Teoria do Fato Consumado.
4. Recurso especial provido para manter incólume a sentença concessiva de
segurança (REsp n. 900.263-RO, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
13.11.2007, DJ 12.12.2007).
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
237
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Administrativo. Ensino superior. Matrícula. Conclusão do curso. Situação fática
consolidada.
1. Havendo situação fática consolidada pelo decurso do tempo, não pode
o estudante beneficiado com o provimento judicial sofrer com posterior
desconstituição das decisões que lhe conferiram tal direito. Teoria do fato
consumado. Precedentes.
2. Recurso especial provido (REsp n. 887.388-RS, Rel. Ministra Eliana Calmon,
Segunda Turma, julgado em 06.03.2007, DJ 13.04.2007, p. 367).
Dessa forma, conclui-se que, na espécie, a situação fática se mostra
consolidada no tempo, sendo, pois, de imposição a aplicação da Teoria do Fato
Consumado.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.278.731-DF (2011/0212186-7)
Relator: Ministro Humberto Martins
Recorrente: Indústria e Comércio Rei Ltda.
Advogado: Luiz Alberto Bettiol e outro(s)
Recorrido: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
EMENTA
Processual Civil. Ausência de violação do art. 535 do CPC.
Agravo de instrumento. Cópias obrigatórias. Certidão de intimação
da decisão agravada. Possibilidade de aferição da tempestividade
por outros meios. Interpretação teleológica do art. 525, I, do CPC.
Mandado de segurança. Necessidade de intimação pessoal do
representante judicial da União.
1. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação
jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se
238
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
depreende da leitura do acórdão recorrido, que enfrentou o tema
abordado na medida da pretensão deduzida, decidindo de modo
integral a controvérsia.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em respeito
ao princípio da instrumentalidade das formas, tem possibilitado a
comprovação da tempestividade recursal por outros meios que não a
certidão de intimação do acórdão recorrido.
3. No caso dos autos, a tempestividade do recurso foi atestada
pela Corte Regional, conforme se extrai do seguinte trecho do
acórdão recorrido: “A intimação da União na hipótese é pessoal e
dirigida ao Procurador, constando a manifestação de ciência datada
do dia 21 de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em
intempestividade” (e-STJ fl. 527).
4. É firme a compreensão segundo a qual a prerrogativa de
intimação pessoal é conferida aos procuradores da Fazenda Nacional,
representantes da União em causas de natureza fiscal. Assim, quando
a Fazenda Nacional, por intervenção espontânea, dá-se por intimada,
antecipando-se à providência judicial, manifesta conhecimento
inequívoco da decisão, correndo daí o seu prazo recursal.
Recurso especial improvido. Medida Cautelar n. 17.609-DF
prejudicada por perda de objeto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:
“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman
Benjamin, acompanhando o Sr. Ministro Humberto Martins, a Turma, por
unanimidade, negou provimento ao recurso e julgou prejudicada a Medida
Cautelar n. 17.609-DF por perda de objeto, nos termos do voto do Sr. MinistroRelator”.
Os Srs. Ministros Herman Benjamin (voto-vista), Mauro Campbell
Marques e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Não participou, justificadamente, do julgamento o Sr. Ministro Cesar
Asfor Rocha.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
239
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília (DF), 15 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 22.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de recurso especial interposto
por Indústria e Comércio Rei Ltda., com fundamento na alínea a do permissivo
constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que
deu provimento ao agravo de instrumento da Fazenda Nacional, cuja ementa é a
seguinte (e-STJ fl. 531):
Processo Civil. Alegação de descumprimento de acórdão em mandado de
segurança com trânsito em julgado. Processo administrativo de revogação de
registro especial para fabricação de cigarros.
1 – O objeto do mandado de segurança concerne a ato administrativo que
cancelou inscrição da agravada em registro especial de empresas autorizadas a
fabricar cigarros.
2 – Cumprida a ordem concessiva da segurança com o trânsito em julgado da
sentença, viola os limites da coisa julgada discussão e decisão interlocutória sobre
as condições de funcionamento da fábrica no município do Rio de Janeiro.
3 – Agravo de instrumento provido.
Os embargos de declaração opostos pela recorrente foram rejeitados, nos
termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 1.273-1.281):
Embargos de declaração. Tempestividade do recurso. Omissão. Inexistência.
Ilegitimidade recursal da União (Fazenda Nacional). Inocorrência. Decisão que
extrapola os limites da ação mandamental que se busca cumprir. Inexistência de
contradição.
1. Os embargos de declaração constituem instrumento processual com o
escopo de eliminar do julgamento obscuridade, contradição ou omissão
sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo acórdão ou, ainda, de
corrigir evidente erro material, servindo, dessa forma, como instrumento de
aperfeiçoamento do julgado (CPC, art. 535).
2. A preliminar de intempestividade do recurso da União foi examinada e
afastada no voto condutor do acórdão, uma vez que a intimação pessoal do
240
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
representante judicial da União está expressamente demonstrada nos autos,
sendo inequívoca a tempestividade do recurso interposto.
3. A legitimidade da Fazenda Nacional (União) para interpor o recurso constitui
matéria pacífica, pois a autoridade impetrada não possui legitimidade recursal,
devendo os recursos ser interpostos pela pessoa jurídica de direito público que
suportará as conseqüências do cumprimento da decisão.
4. A determinação de cumprimento do comando contido na impetração é ato
passível de impugnação por agravo de instrumento, desde que haja extrapolação
do conteúdo decisório transitado em julgado como no caso examinado.
5. Inexistem omissões, contradições ou obscuridades a ser sanadas por meio
dos embargos de declaração.
6. Embargos de declaração rejeitados.
A recorrente alega, preliminarmente, ofensa ao art. 535, II, do CPC,
porquanto, apesar da oposição dos embargos de declaração, o Tribunal de
origem não se pronunciou sobre pontos necessários ao deslinde da controvérsia.
No mérito, sustenta que o acórdão regional contrariou as disposições contidas
no art. 525, inciso I, do CPC.
Em síntese, sustenta que “a petição de fl. 260, tomado pelo v. acórdão
recorrido como prova da tempestividade do agravo de instrumento da Fazenda
Nacional não substitui a necessária certidão de intimação da decisão agravada
exigida no art. 525, I, do Código de Processo Civil, tampouco se presta à
finalidade daquela, que, para ter fé pública, há de ser expedida por serventuário
da Justiça” (e-STJ fl. 1.925).
Por fim, assevera que não é o caso de reexame do acervo probatório, “mas
de valoração de um elemento de prova que teve influência na formulação do
acórdão recorrido” (e-STJ fl. 1.295).
Foram oferecidas contrarrazões ao recurso especial (e-STJ fls. 1.308-1.316),
nas quais a Fazenda Nacional sustenta: a) ausência de prequestionamento; b)
incidência da Súmula n. 7-STJ; e c) o agravo de instrumento interposto na
origem era tempestivo.
Sobreveio o juízo de admissibilidade negativo da instância de origem
(e-STJ fls. 1.320-1.321).
Este Relator houve por bem dar provimento ao agravo de instrumento,
para determinar a subida do presente recurso especial.
É, no essencial, o relatório.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
241
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):
SÍNTESE DA DEMANDA
Na origem, cuida-se de agravo de instrumento interposto pela Fazenda
Nacional contra decisão do juízo de primeiro grau que determinou o
restabelecimento do “registro especial” da empresa ora recorrente, verbis:
Fls. 491-53: Intime-se o Coordenado-Geral do Sistema de Fiscalização da
Receita Federal para restabelecer o registro especial concedido à impetrante
Indústria e Comercio Rei Ltda. pela sentença transitada em julgado de fls. 256-62
e 338. Está atendida a condição estabelecida no Item n. 02 da decisão de fl. 490
porque foi revogada a apreensão de parte das máquinas (termo de intimação - fls.
521-2). Cumprida a exigência prevista no art. 175 do RIPI/83 (possuir a empresa
instalações adequadas ao tipo de atividade), não se justifica o cancelamento do
registro.
2. Publique-se. Logo após, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.
Em 06.09.2000 (e-STJ fl. 284).
Na assentada do dia 22.04.2009, a Quinta Turma do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região, à unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento
interposto pela Fazenda Nacional, cancelando o registro da empresa. Isso porque
a decisão agravada teria violado os limites objetivos da coisa julgada, porquanto
“o que levou ao cancelamento do registro da agravada no município do Rio
de Janeiro é fato jurídico distinto do que foi decidido na ação mandamental”
(e-STJ fl. 529).
Contra o mencionado acórdão foram opostos embargos de declaração
pela empresa, os quais foram recebidos no seu efeito suspensivo e devolutivo,
conforme decisão da lavra da Desembargadora Selene Maria de Almeida, de
05.08.2009 (e-STJ fls. 1.203-1.205).
Por sua vez, os embargos de declaração opostos também foram rejeitados,
no julgamento ocorrido em 25.11.2009.
Irresignada, a empresa contribuinte interpôs o presente recurso especial, no
qual aponta violação dos arts. 535 e 525, I, do CPC.
Em 10.12.2009, decisão da Vice-Presidência do TRF da 1ª Região
(Desembargador Federal Souza Prudente) deferiu o efeito suspensivo ao recurso
especial até o seu julgamento no Superior Tribunal de Justiça, verbis:
242
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Em que pesem os termos do v. acórdão a que se reportam as peças de fls. 390396, integralizado pelas de fls. 598-606, da consulta dos elementos constantes
destes autos, vejo presentes, na espécie, os pressupostos legais necessários
para a concessão da tutela cautelar postulada pela autora, na medida em que,
encontrando-se o referido julgado impugnado por meio de recurso especial,
eventual cancelamento do registro da suplicante, autorizado judicialmente nos
autos de origem, caracteriza periculum in mora, ensejador do deferimento da
medida pretendida, sob pena de tornar-se ineficaz o resultado útil do julgamento
do referido recurso especial, em caso de procedência da pretensão recursal ali
formulada.
Não se pode olvidar, de outra banda, que a pretensão recursal deduzida pela
recorrente, ora autora, encontra-se, em princípio, em sintonia com o entendimento
já consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, no
sentido de que, “na formação do instrumento, a cópia da decisão agrava e da
respectiva certidão de intimação constituem peças reputadas obrigatórias pelo
§ 1º do art. 544 do Código do Processo Civil” e de que “é dever do recorrente
zelar pela correta formação do recurso especial, sendo de sua responsabilidade,
inclusive, verificar se a peça contém todos os requisitos necessários, se nela estão
contidas todas as folhas, e até mesmo, se está devidamente assinada” (AgRg no
REsp n. 434.612-DF, DJ 28.10.2003)”.
Com estas considerações, presentes os requisitos do fumus boni juris e do
periculum in mora, defiro o pedido de tutela cautela mandamental, formulado
na inicial, para conferir efeito suspensivo ao recurso especial interposto nos
autos do Agravo de Instrumento n. 2000.01.00.119899-5-DF, restabelecendose, por conseguinte, a eficácia da decisão ali agravada, proferida nos autos de
origem, até o julgamento do referido recurso, pelo colendo Superior Tribunal de
Justiça (e-STJ fls. 219-220 do Apenso n. 03, grifo meu).
Por outro lado, apesar de concedido efeito suspensivo ao recurso especial,
em 28.10.2010, não foi ele admitido pelo então Vice-Presidente do TRF-1,
Desembargador Federal Amilcar Machado. Dessa decisão, foi interposto agravo
de instrumento pela empresa (Ag n. 1.410.551-DF), o qual foi provido para
determinar a subida do recurso especial (DJe 21.06.2011).
Impende salientar que, em 21.12.2010, a Fazenda Nacional ajuizou a
medida cautelar (com pedido de contracautela) para subtrair o efeito suspensivo
deferido ao recurso especial na origem (MC n. 17.609-DF).
Após dar vista ao Ministério Público, indeferi o pedido de contracautela
requerido pela Fazenda Nacional (DJe 14.04.2010). Decisão que foi objeto de
agravo regimental, pautado para a sessão de hoje.
Feita essa breve digressão, passo à análise do recurso especial.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
243
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DA INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC
Inicialmente, inexistente a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a
prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, como se
depreende da leitura do acórdão recorrido, que enfrentou o tema abordado
nas contrarrazões ao recurso de agravo de instrumento da agravada, qual seja
a intempestividade do recurso por ausência de juntada da certidão de intimação da
decisão agravada.
É o que se infere dos seguintes excertos do voto condutor do acórdão
recorrido:
A agravada suscita, em preliminar, que o agravo é intempestivo e está
deficientemente fundamentado em razão da ausência de juntada de certidão
de intimação e da data de sua realização, o que inviabiliza a aferição da
tempestividade do recurso.
Sem razão a peticionária.
A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador,
constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl.
260), não havendo pois falar-se em intempestividade.
Rejeito, portanto, a preliminar aventada (e-STJ fl. 527, grifo meu).
Acrescente-se que o Tribunal de origem ainda cuidou de refutar a
existência da alegada omissão, conforme se extrai do trecho do voto/ementa do
acórdão que apreciou os embargos:
Não prospera a pretendida omissão suscitada pela embargante, uma vez
que a tempestividade do recurso foi examinada e reconhecida pelo acórdão
embargado.
Para melhor demonstrar, transcrevo o texto do voto no que interessa ao
deslinde desta questão:
Preliminar. Intempestividade e formação deficiente do agravo.
A agravada suscita, em preliminar, que o agravo é intempestivo e
está deficientemente fundamentado em razão da ausência de juntada
de certidão de intimação e da data de sua realização, o que inviabiliza a
aferição da tempestividade do recurso.
Sem razão a peticionária.
A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador,
constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000
(fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade.
244
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Rejeito, portanto, a preliminar aventada.
Como se vê, a pretendida intempestividade não existe, pois não se pode
confundir a comunicação dirigida à autoridade apontada como coatora para
esclarecer ao Juízo o cumprimento do comando sentencial, com a intimação
do representante jurídico do ente estatal, que na hipótese, é pessoal e, como
foi indicado no voto, apenas ocorreu em 21 de setembro de 2000, estando o
recurso interposto em 04 de outubro de 2000, tempestivo.
É desnecessário tecer considerações sobre o inciso I do artigo 525 do CPC, pois
as cópias dos documentos necessários à aferição da tempestividade do recurso
foram acostadas juntamente com a petição inicial, o que é flagrante, dada a
própria indicação no voto da página onde foi possível aferir a tempestividade
do recurso.
Assim, a pretensa omissão apenas pode ser atribuída a uma desatenção na
leitura do voto condutor, que foi expresso em relação ao exame da preliminar de
intempestividade suscitada pela agravada.
Portanto, a hipótese é de rejeição da preliminar de omissão suscitada pela
embargante (e-STJ fl. 1.274).
Não viola o art. 535 do CPC nem importa negativa de prestação
jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada
um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação
suficiente para decidir de modo integral a controvérsia colocada.
É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as
alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a
responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo
suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu.
DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 525, I, DO CPC
Melhor sorte não assiste à recorrente.
Em síntese, sustenta que “a petição de fl. 260, tomado pelo v. acórdão
recorrido como prova da tempestividade do agravo de instrumento da Fazenda
Nacional não substitui a necessária certidão de intimação da decisão agravada
exigida no art. 525, I, do Código de Processo Civil, tampouco se presta à
finalidade daquela, que, para ter fé pública, há de ser expedida por serventuário
da Justiça” (e-STJ fl. 1.925).
Assim estabelece o art. 525, inciso I, do Código de Processo Civil:
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
245
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída:
I - obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva
intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do
agravado;
II - facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis.
[...] (grifo meu).
Nota-se que se exige certidão de intimação da decisão recorrida para que
se possa aferir a tempestividade do recurso interposto.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em respeito ao
princípio da instrumentalidade das formas, tem amenizado o rigor da norma,
possibilitando-se a comprovação da tempestividade recursal por outros meios
que não a certidão de intimação do acórdão recorrido.
Portanto, a ausência de peça obrigatória à formação do agravo de
instrumento, quando se tratar da certidão de intimação de decisão agravada,
pode ser irrelevante, caso seja possível, por outros elementos, constatar a
tempestividade do recurso.
Nesse sentido, as ementas dos seguintes julgados:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ausência de peça obrigatória.
Certidão de intimação da decisão agravada. Comparecimento espontâneo.
Ciência inequívoca. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios.
1. A retirada dos autos do cartório por procurador enseja a ciência inequívoca
da parte, começando aí a contagem do prazo para recurso.
2. A jurisprudência do STJ releva a ausência de peça obrigatória à formação
do agravo de instrumento quando se tratar da certidão de intimação de decisão
agravada, caso seja possível aferir a tempestividade do recurso por outros meios.
3. Agravo regimental provido.
(AgRg no Ag n. 1.314.771-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma,
julgado em 17.02.2011, DJe 25.02.2011).
Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Deficiência na fundamentação.
Súmula n. 284-STF. Agravo de instrumento. Certidão de intimação da decisão
agravada. Possibilidade da aferição da tempestividade por meio diverso. Princípio
da instrumentalidade das formas. Aplicação. Habilitação de sucessores na fase de
execução. Ausência de prejuízo. Fundamento não impugnado. Súmula n. 283-STF.
Divergência jurisprudencial. Não-comprovação. Descumprimento dos requisitos
legais.
246
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art. 535 do
CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o
acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula n. 284-STF.
2. Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão
de intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a
comprovar a tempestividade do Agravo de Instrumento. Precedentes do STJ.
3. In casu, a Corte de origem considerou que o Agravo de Instrumento está
corretamente instruído, porquanto, apesar da falta da certidão de intimação da
decisão agravada, é aferível a tempestividade do recurso por outro meio, uma
vez que a intimação da parte autora se deu pela aposição de ciência da decisão
agravada pelo patrono dos ora recorridos.
4. O fundamento do Tribunal a quo, de que a habilitação dos herdeiros na
execução não trouxe prejuízo ao processo, não foi atacado pela recorrente.
Incidência, por analogia, da Súmula n. 283-STF.
5. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem
recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os
casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles.
Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos
recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o
intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses
requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RISTJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base no art. 105, III, alínea
c, da Constituição Federal.
6. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.246.173-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 24.05.2011, DJe 30.05.2011).
Processual Civil. Recurso especial. Art. 535 do CPC. Violação. Inocorrência.
Agravo de instrumento. Certidão de intimação da decisão agravada. Ausência.
Tempestividade verificada por outra maneira. Possibilidade. Precedentes. Multa.
Art. 538, § 1º do CPC. Exclusão.
1. A instância inferior analisou de modo claro e preciso o art. 544, § 1º do CPC,
tanto é que afastou sua aplicação ao caso dos autos por manifesta impertinência,
oportunidade em que aplicou a multa prevista no parágrafo único do art. 538
do Diploma Processual. Não restou, portanto, violado o art. 535 do CPC, eis
que inexistente qualquer omissão a ser sanada. Neste contexto, e com base na
fundamentação esposada, afasta-se a pretensa ofensa ao art. 544, § 1º daquele
texto.
2. O inciso I do artigo 525 do CPC dispõe que o agravo de instrumento deve ser
instruído com a cópia da intimação da decisão agravada, pois, de outra maneira,
não será conhecido. Entretanto, a instrumentalidade processual permite que os
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
247
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
atos sejam considerados válidos, mesmo quando realizados de modo diverso,
quando atingida a finalidade.
3. Ante a impossibilidade de verificar-se a tempestividade do agravo por modo
diverso, deve ser mantida a decisão recorrida. Embora admissível a comprovação
da tempestividade recursal por outros meios, não se pode reconhecê-la com base
apenas no “ciente” aposto pelo advogado.
4. Não deve prevalecer a incidência da multa de 1% aplicada com base no
parágrafo único do art. 538 do CPC, pois os embargos de declaração não restaram
protelatórios.
5. Recurso especial provido em parte.
(REsp n. 683.504-SC, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
23.08.2005, DJ 19.09.2005, p. 286).
No caso dos autos, a tempestividade do recurso foi atestada pela Corte
Regional, ao reconhecer que a intimação da União, por seu representante
judicial (Fazenda Nacional), deu-se em 21.09.2000 (e-STJ fl. 294), conforme se
extrai do seguinte trecho do acórdão recorrido:
A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador,
constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl.
260), não havendo pois falar-se em intempestividade (e-STJ fl. 527).
Registre-se que decisão agravada somente determinou a notificação da
autoridade coatora para restabelecer o registro da ora recorrente, verbis:
Fls. 491-53: Intime-se o Coordenado-Geral do Sistema de Fiscalização da Receita
Federal para restabelecer o registro especial concedido à impetrante Indústria e
Comercio Rei Ltda. pela sentença transitada em julgado de fls. 256-62 e 338. Está
atendida a condição estabelecida no Item n. 02 da decisão de fl. 490 porque
foi revogada a apreensão de parte das máquinas (termo de intimação - fls. 5212). Cumprida a exigência prevista no art. 175 do RIPI/83 (possuir a empresa
instalações adequadas ao tipo de atividade), não se justifica o cancelamento do
registro.
2. Publique-se. Logo após, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.
Em 06.09.2000 (e-STJ fl. 284).
Por sua vez, o órgão de representação judicial da União (Fazenda Nacional)
somente teve conhecimento da decisão que determinava o restabelecimento
do registro especial da empresa por meio do Ofício SRF/COFIS/GAB n.
2000/00386, de 20 de setembro de 2000 (e-STJ fl. 32), o qual solicitava
providências urgentes.
248
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
Desse modo, por intervenção espontânea, a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional se deu por intimada no dia 21.09.2000 (e-STJ fl. 294), dia seguinte
ao do citado ofício. Sendo razoável concluir, conforme constato pela Corte
Regional, que o agravo de instrumento é tempestivo, porquanto interposto em
04.10.2000 (e-STJ fl. 02).
Logo, se a tempestividade do recurso pode ser aferida por outros meios, é
dispensável a juntada da certidão de intimação, o que não viola o disposto no art.
525, I, do CPC.
O inciso V do art. 12 da Lei Complementar n. 73/1993 afirma que
“à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente
subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente: (...).
V - representar a União nas causas de natureza fiscal”.
Por sua vez, os arts. 35 e 38 da Lei Complementar n. 73/1993 determinam
que o representante judicial da União será intimado pessoalmente, verbis:
Art. 35. A União é citada nas causas em que seja interessada, na condição de
autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, na pessoa:
I - do Advogado-Geral da União, privativamente, nas hipóteses de competência
do Supremo Tribunal Federal;
II - do Procurador-Geral da União, nas hipóteses de competência dos Tribunais
Superiores;
III - do Procurador-Regional da União, nas hipóteses de competência dos
demais Tribunais;
IV - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da União, nas hipóteses
de competência dos juízos de primeiro grau.
Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da
União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos.
É firme no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a compreensão segundo
a qual a prerrogativa da intimação pessoal é conferida aos procuradores da
Fazenda Nacional. Nesse sentido, cito precedentes: AgRg no Ag n. 1.318.904BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 26.05.2011; REsp
n. 869.169-SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado
em 19.08.2008, DJe 16.09.2008; EREsp n. 1.048.993-PR, Rel. Min. Fernando
Gonçalves, Corte Especial, julgado em 07.04.2010, DJe 19.04.2010.
Importante ter em mente que o órgão de representação judicial da União
(Fazenda Nacional) é diferente da autoridade coatora. Assim, o prazo recursal
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
249
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
somente se inicia com a intimação do representante judicial da União, não da
simples ciência da autoridade coatora.
Conforme já decidido por esta Corte superior, não é bastante a ciência da
sentença concessiva da ordem pela autoridade impetrada, revelando necessária a
intimação pessoal do representante judicial da União.
A propósito:
Processual Civil. Artigos 458 e 535 do CPC. Intimação pessoal do representante
judicial da Fazenda Pública. Mandado de segurança. Apelação. Obrigatoriedade.
1. Analisadas pela Corte a quo todas as questões relevantes postas em
julgamento de maneira adequada e suficiente ao deslinde do litígio, rechaçase as prefaciais de nulidade do acórdão recorrido e de negativa de prestação
jurisdicional.
2. Consoante disposto nos artigos 38 da Lei Complementar n. 73/1993 e 6º
da Lei n. 9.028/1995 revela-se imperativa a intimação pessoal do Procurador
da Fazenda Nacional, nas ações em que seja interessada, autora, assistente,
recorrente ou recorrida, não sendo bastante a ciência da sentença a quo
concessiva da ordem pela autoridade impetrada.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 844.793-MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
17.08.2006, DJ 29.08.2006, p. 157).
Na hipótese dos autos, acolheu-se a tese da intimação do próprio
representante judicial, que, por intervenção espontânea, deu-se por intimado. Em
outras palavras, o Procurador da Fazenda Nacional se antecipou à providência
judicial, abrindo mão da intimação pessoal, manifestando conhecimento
inequívoco da decisão, correndo daí, portanto, o seu prazo recursal, não havendo
qualquer contradição com o julgado acima mencionado.
DA MEDIDA CAUTELAR N. 17.609-DF
A Medida Cautelar n. 17.609-DF foi ajuizada pela Fazenda Nacional no
intuito de subtrair o efeito suspensivo deferido ao recurso especial na origem
(pedido de contracautela). Todavia, observo que o efeito suspensivo somente foi
concedido até o julgamento do recurso especial, verbis:
Com estas considerações, presentes os requisitos do fumus boni juris e do
periculum in mora, defiro o pedido de tutela cautela mandamental, formulado
na inicial, para conferir efeito suspensivo ao recurso especial interposto nos
250
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
autos do Agravo de Instrumento n. 2000.01.00.119899-5-DF, restabelecendose, por conseguinte, a eficácia da decisão ali agravada, proferida nos autos de
origem, até o julgamento do referido recurso, pelo colendo Superior Tribunal de
Justiça (e-STJ fls. 220 do Apenso n. 03, grifo meu).
Desse modo, o não provimento do recurso especial ora apreciado, acarreta,
por consequência lógica, a prejudicialidade da cautelar proposta pela Fazenda
Nacional, uma vez que o julgamento do presente apelo, de modo desfavorável à
empresa, retira a eficácia suspensiva deferida na origem.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial, fazendo parte
integrante deste acórdão o voto-vista do Min. Herman Benjamin.
Medida Cautelar n. 17.609-DF prejudicada por perda de objeto.
É como penso. É como voto.
VOTO-VISTA
Ementa: Processual Civil. Violação ao art. 535 do CPC. Omissão.
Não-ocorrência. Agravo de instrumento. Art. 522 do CPC. Cópias
obrigatórias. Certidão de intimação. Possibilidade de comprovação da
tempestividade por outros elementos. Interpretação teleológica do art.
525, I, do CPC. Mandado de segurança. Necessidade de intimação
pessoal do representante judicial da União. Precedentes do STJ.
1. Não há violação ao art. 535 quando o julgador decide, integral
e motivadamente, a questão jurídica controvertida.
2. Se o Tribunal puder verificar, por outros elementos acostados,
a tempestividade do Agravo de Instrumento, é dispensável a certidão
de intimação, à luz da interpretação teleológica do art. 525, I, do CPC.
Precedentes do STJ.
3. No que tange à necessidade de intimação pessoal do
representante judicial da União, aplica-se o disposto na LC n.
73/1993, que determina, expressamente, que as citações e intimações
deste ente, nas causas de seu interesse, incluindo-se, evidentemente,
os Mandados de Segurança, sejam realizadas nas pessoas ali indicadas
(arts. 35 e 38). É a partir dessa intimação que se inicia o prazo recursal.
Precedentes: REsp n. 776.667-SE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira
Turma, julgado em 15.03.2007, DJ 26.04.2007; REsp n. 869.169-SP,
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
251
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em
19.08.2008.
4. Tal orientação, atualmente pacífica, já era acolhida em julgados
contemporâneos ao acórdão recorrido, tanto no STJ, quanto nos
Tribunais Regionais Federais (REsp n. 78.175-PE, Rel. Ministro
Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão Ministro Adhemar
Maciel, Segunda Turma, julgado em 24.04.1997, DJ 1º.09.1997, p.
40.796; TRF3, Ag n. 96.03.040396-2, Sexta Turma, Relatora Mairan
Maia, Julgamento: 09.08.2000).
5. Encontra-se, até mesmo, posição em favor da atribuição de
efeitos de intimação pessoal, equivalente à realizada por oficial de
justiça, à intervenção pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional,
que, antecipando-se à providência judicial, dá-se por intimada.
Logicamente, nessa hipótese, o prazo para a interposição do recurso
tem, como termo inicial, o momento em que o advogado público
comparece aos autos, haja vista a precedência deste ato à intimação
por mandado (TRF4, Ag n. 1998.04.01.020390-7, Segunda Turma,
Relator Vilson Darós, DJ 06.09.2000).
6. Ressalto, a propósito, a existência de precedente da Segunda
Turma, REsp n. 844.793-MG, Rel. Ministro Castro Meira, no qual
se fez a distinção entre o momento da ciência da autoridade coatora e
o da intimação do representante judicial da União. No presente caso,
o ato processual acolhido como termo inicial do prazo recursal foi
a intimação do próprio representante judicial, de modo que não há
contrariedade ao entendimento deste órgão julgador.
7. Conforme cópia do documento de fl. 537 dos autos originais,
apresentada pela PGFN, o qual serviu de referência para o Tribunal
Regional Federal identificar o instante da formalização da intimação
pessoal do órgão, vê-se, claramente, ao contrário do registro eletrônico
e digitalizado constante no sistema do STJ, que a data do protocolo
foi, de fato, 21 de setembro de 2000.
8. Em síntese: a intimação pessoal do representante judicial da
União pode ser suprida por sua intervenção espontânea, registrada
nos autos, na hipótese em que ele antecipa-se à providência judicial,
manifestando conhecimento do teor da decisão, contando-se, a partir
daquele ato, por óbvio, o prazo recursal.
252
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
9. Se, nos termos da Lei Complementar n. 73/1993, o representante
da Fazenda Pública deve ser intimado pessoalmente e, não obstante essa
garantia, abre mão da intimação por oficial de justiça, é dessa data que corre
o prazo para a interposição de recurso.
10. Recurso Especial não provido.
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial
interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República,
contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que julgou Agravo
de Instrumento, conforme o entendimento assim ementado:
Processo Civil. Alegação de descumprimento de acórdão em mandado de
segurança com trânsito em julgado. Processo administrativo de revogação de
registro especial para fabricação de cigarros.
1 - O objeto do mandado de segurança concerne a ato administrativo que
cancelou inscrição da agravada em registro especial de empresas autorizadas a
fabricar cigarros.
2 - Cumprida a ordem concessiva da segurança com o trânsito em julgado da
sentença, viola os limites da coisa julgada discussão e decisão interlocutória sobre
as condições de funcionamento da fábrica no município do Rio de Janeiro.
3 - Agravo de Instrumento provido (fl. 531).
Os Embargos de declaração foram rejeitados, nos termos da ementa a
seguir:
Embargos de declaração. Tempestividade do recurso. Omissão. Inexistência.
Ilegitimidade recursal da União (Fazenda Nacional). Inocorrência. Decisão que
extrapola os limites da ação mandamental que se busca cumprir. Inexistência de
contradição.
1. Os embargos de declaração constituem instrumento processual com o
escopo de eliminar do julgamento obscuridade, contradição ou omissão
sobre tema cujo pronunciamento se impunha pelo acórdão ou, ainda, de
corrigir evidente erro material, servindo, dessa forma, como instrumento de
aperfeiçoamento do julgado (CPC, art. 535).
2. A preliminar de intempestividade do recurso da União foi examinada e
afastada no voto condutor do acórdão, uma vez que a intimação pessoal do
representante judicial da União está expressamente demonstrada nos autos,
sendo inequívoca a tempestividade do recurso interposto.
3. A legitimidade da Fazenda Nacional (União) para interpor o recurso constitui
matéria pacífica, pois a autoridade impetrada não possui legitimidade recursal,
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
253
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
devendo os recursos ser interpostos pela pessoa jurídica de direito público que
suportará as conseqüências do cumprimento da decisão.
4. A determinação de cumprimento do comando contido na impetração é ato
passível de impugnação por agravo de instrumento, desde que haja extrapolação
do conteúdo decisório transitado em julgado como no caso examinado.
5. Inexistem omissões, contradições ou obscuridades a ser sanadas por meio
dos embargos de declaração.
6. Embargos de declaração rejeitados (fls. 1.273-1.281).
A recorrente alega violação dos arts. 535, II, e 525, I, do CPC. Afirma,
preliminarmente, que o Tribunal a quo incorreu em omissão, pois, mesmo
interpostos Embargos de Declaração, deixou de se pronunciar sobre questões
relevantes à resolução da controvérsia. No mérito, questiona a tempestividade
do Agravo de Instrumento julgado na origem, sob o fundamento de que a prova
documental acolhida para a aferição do termo inicial do prazo recursal não
supre a exigência feita pelo art. 525, I, do CPC: a juntada de cópia da certidão
da respectiva intimação.
Contra-razões apresentadas às fls. 1.308-1.316.
Após o juízo negativo de admissibilidade, deu-se provimento ao Agravo de
Instrumento para determinar a subida do Recurso Especial.
O e. Ministro Relator Humberto Martins desproveu o presente recurso,
nos termos do voto cuja ementa apresenta a seguinte redação:
Processual Civil. Ausência de violação do art. 535 do CPC. Agravo de
instrumento. Ausência de peça obrigatória. Certidão de intimação da decisão
agravada. Intimação pessoal do representante da Fazenda Pública. Ciência
inequívoca. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios.
1. Inexiste a alegada violação do art. 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional
foi dada na medida da pretensão deduzida, como se depreende da leitura do
acórdão recorrido, que enfrentou o tema abordado na medida da pretensão
deduzida, decidindo de modo integral a controvérsia.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em respeito ao princípio
da instrumentalidade das formas, tem possibilitado a comprovação da
tempestividade recursal por outros meios que não a certidão de intimação do
acórdão recorrido.
3. No caso dos autos a tempestividade do recurso foi atestada por meio da
manifestação de ciência do Procurador da Fazenda Nacional, conforme se extrai
do seguinte trecho do acórdão recorrido: “A intimação da União na hipótese é
254
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
pessoal e dirigida ao Procurador, constando manifestação de ciência datada de 21
de setembro de 2000 (fl. 260), não havendo pois falar-se em intempestividade” (e-STJ
fl. 527).
Colhe-se do entendimento exposto que não teria havido violação ao
art. 535 do CPC, porquanto a questão supostamente omitida, a saber, a
intempestividade do Agravo de Instrumento, foi devidamente enfrentada, tanto
no primeiro acórdão, quanto naquele que apreciou os Embargos. Com relação à
alegada ofensa ao art. 525, I, do CPC, o e. Ministro Humberto Martins assentou,
com base em precedentes desta Corte e no princípio da instrumentalidade das
formas, ser admissível a comprovação da tempestividade recursal por outros
meios que não a certidão de intimação da decisão recorrida.
Dada a complexidade da controvérsia, pedi vista dos autos.
É o relatório.
Expostas as questões em debate, manifesto-me em relação a cada uma
delas.
1. Violação do art. 535 do CPC: ausência de omissão
A recorrente aponta ofensa ao art. 535 do CPC, afirmando que o Tribunal
Regional Federal, embora provocado, persistiu na omissão quanto ao disposto no
art. 525, I, do CPC, especificamente a exigência de que o Agravo de Instrumento
seja instruído com cópia da certidão de intimação da decisão agravada.
A análise do acórdão recorrido revela que a falta de comprovação da
tempestividade recursal, pela ausência da certidão de intimação, foi devidamente
apreciada. Confira-se:
A agravada suscita, em preliminar, que o agravo é intempestivo e está
deficientemente fundamentado em razão da ausência de juntada de certidão
de intimação e da data de sua realização, o que inviabiliza a aferição da
tempestividade do recurso.
Sem razão a peticionária.
A intimação da União na hipótese é pessoal e dirigida ao Procurador,
constando a manifestação de ciência datada do dia 21 de setembro de 2000 (fl.
260), não havendo pois falar-se em intempestividade (fl. 527).
Instado a emitir juízo acerca do mandamento contido no art. 525, I, do
CPC, o Tribunal Regional afirmou, no julgamento dos Embargos:
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
255
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não prospera a pretendida omissão suscitada pela embargante, uma vez
que a tempestividade do recurso foi examinada e reconhecida pelo acórdão
embargado.
Para melhor demonstrar, transcrevo o texto do voto no que interessa ao
deslinde desta questão:
(...)
Como se vê, a pretendida intempestividade não existe, pois não se pode
confundir a comunicação dirigida à autoridade apontada como coatora para
esclarecer ao Juízo o cumprimento do comando sentencial, com a intimação do
representante jurídico do ente estatal, que na hipótese, é pessoal e, como foi
indicado no voto, apenas ocorreu em 21 de setembro de 2000, estando o recurso
interposto em 04 de outubro de 2000, tempestivo.
É desnecessário tecer consideração sobre o inciso I do art. 525 do CPC, pois
as cópias dos documentos necessários à aferição da tempestividade do recurso
foram acostadas juntamente com a petição inicial, o que é flagrante, dada a
própria indicação no voto da página onde foi possível aferir a tempestividade do
recurso (fl. 1.274).
Verifico que não houve violação ao art. 535, afinal o Tribunal a quo decidiu,
integral e motivadamente, a questão jurídica controvertida, inexistindo omissão
acerca do que prescreve o art. 525, I, do CPC.
Sobre a suposta deficiência na instrução do traslado, cumpre frisar, consta
no acórdão recorrido que “as cópias dos documentos necessários à aferição da
tempestividade foram acostadas juntamente com a petição inicial”, de modo que
não há falar em negativa de prestação jurisdicional.
2. Violação do art. 525, I, do CPC: a interpretação teleológica do
dispositivo permite que a comprovação da tempestividade seja realizada por
outros elementos, além da certidão de intimação
A resolução da controvérsia pressupõe a interpretação do mandamento
contido no art. 525, I, do CPC, segundo o qual a petição do Agravo de
Instrumento deve ser instruída, obrigatoriamente, “com cópias da decisão
agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos
advogados do agravante e do agravado”.
O Agravo de Instrumento é um recurso interposto contra decisões
interlocutórias, diretamente perante o Tribunal ad quem (arts. 522 e 524 do
CPC). Por inaugurar autos distintos dos principais do processo, a lei impõe
sejam juntadas as cópias necessárias à compreensão do litígio, à comprovação
256
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
do atendimento dos requisitos de admissibilidade recursal, e à identificação das
partes e dos seus advogados.
Nesse sentido, a cópia da certidão da intimação da decisão recorrida é
exigida com a finalidade de possibilitar a análise da tempestividade recursal.
No presente caso, o Tribunal Regional, examinando as cópias que instruem
o Agravo, identificou o momento em que se deu a intimação pessoal do
representante da União, refutando a alegação de intempestividade (fl. 527).
Em outros termos, o órgão julgador entendeu que o traslado foi devidamente
composto com todas as peças obrigatórias exigidas pelo CPC.
A exigência irrestrita de juntada da cópia da certidão da respectiva
intimação privilegia a interpretação literal do inciso I do art. 525, em detrimento
da interpretação teleológica do dispositivo. Isso porque, vale ressaltar, “A certidão
da intimação da decisão serve para aferição da tempestividade do recurso” (Luiz
Guilherme Marinoni, Código de Processo Civil comentado artigo por artigo, São
Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 538).
Portanto, se o Tribunal puder verif icar, por outros elementos acostados, a
tempestividade, é possível dispensar a certidão de intimação. Este é o entendimento
da jurisprudência do STJ. Por todos:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Ausência de peça obrigatória.
Certidão de intimação da decisão agravada. Comparecimento espontâneo.
Ciência inequívoca. Possibilidade de aferição da tempestividade por outros meios.
1. A retirada dos autos do cartório por procurador enseja a ciência inequívoca
da parte, começando aí a contagem do prazo para recurso.
2. A jurisprudência do STJ releva a ausência de peça obrigatória à formação
do agravo de instrumento quando se tratar da certidão de intimação de decisão
agravada, caso seja possível aferir a tempestividade do recurso por outros meios.
3. Agravo regimental provido.
(AgRg no Ag n. 1.314.771-DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta
Turma, julgado em 17.02.2011, DJe 25.02.2011).
Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Deficiência na fundamentação.
Súmula n. 284-STF. Agravo de instrumento. Certidão de intimação da decisão
agravada. Possibilidade da aferição da tempestividade por meio diverso. Princípio
da instrumentalidade das formas. Aplicação. Habilitação de sucessores na fase de
execução. Ausência de prejuízo. Fundamento não impugnado. Súmula n. 283-STF.
Divergência jurisprudencial. Não-comprovação. Descumprimento dos requisitos
legais.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
257
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Não se conhece de Recurso Especial em relação a ofensa ao art. 535 do
CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o
acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula n. 284-STF.
2. Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão
de intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a
comprovar a tempestividade do Agravo de Instrumento. Precedentes do STJ.
3. In casu, a Corte de origem considerou que o Agravo de Instrumento está
corretamente instruído, porquanto, apesar da falta da certidão de intimação da
decisão agravada, é aferível a tempestividade do recurso por outro meio, uma
vez que a intimação da parte autora se deu pela aposição de ciência da decisão
agravada pelo patrono dos ora recorridos.
(...)
6. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.246.173-PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 24.05.2011, DJe 30.05.2011).
É oportuno destacar que, no precedente da Segunda Turma acima citado,
AgRg no REsp n. 1.246.173-PE, de minha relatoria, decidiu-se que a falta da
certidão de intimação poderia ser suprida por outro instrumento hábil, inclusive
pela aposição de ciência da decisão agravada pelo advogado da parte, que é
justamente a hipótese do presente feito.
No caso em tela, o Tribunal Regional Federal reconheceu que a intimação
pessoal do Procurador da Fazenda Nacional efetivou-se pela manifestação
de ciência, datada de 21 de setembro de 2000 (fl. 294). A decisão agravada foi
proferida em 06 de setembro de 2000, tendo determinado apenas a notificação
da autoridade coatora para restabelecer o registro especial pleiteado pela
impetrante, nos seguintes termos:
Decisão:
Fls. 491-53: Intime-se o Coordenador-Geral do Sistema de Fiscalização da
Receita Federal para restabelecer o registro especial concedido à impetrante (...).
Está atendida a condição estabelecida no Item n. 02 da decisão de fl. 490 porque
foi revogada a apreensão de parte das máquinas (termo de intimação - fls. 5212). Cumprida a exigência prevista no art. 175 do RIPI/83 (possuir a empresa
instalações adequadas ao tipo de atividade), não se justifica o cancelamento do
registro.
2. Publique-se. Logo após, arquivem-se os autos com baixa na distribuição (fl.
284 - grifos no original).
258
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
A certidão de fl. 292 atesta que foi intimada no dia 08 de setembro de 2000
a autoridade apontada como coatora, que, por sua vez, expediu ofício, no dia 20
de setembro de 2000, cientificando o Procurador-Chefe da Fazenda Nacional
do Distrito Federal do teor da decisão, além de solicitar urgência no emprego
das providências cabíveis (fl. 32). A formalização da intimação do Procurador
da Fazenda Nacional, como visto, é datada, justamente, no dia seguinte ao do
aludido ofício, ou seja, 21 de setembro de 2000 (fl. 294). Interpôs-se o Agravo de
Instrumento em 04 de outubro de 2000 (fl. 02), antes do término do prazo, que
se encerraria no dia 11 de outubro de 2000, a contar da manifestação em que se
deu por intimado, sem a qual não havia sequer sido fixado o termo inicial para
recorrer.
Diante desse contexto, é razoável concluir que o protocolo da intimação
da Procuradoria ocorreu, de fato, em 21 de setembro de 2000, um dia após a
comunicação feita pela autoridade coatora, fato, aliás, atestado pelo Tribunal
Regional Federal, a quem compete a delimitação do contexto fático-probatório.
Ademais, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com a finalidade
de esclarecer esta questão, apresentou cópia do documento de fl. 537 dos autos
originais, o qual serviu de referência para o Tribunal Regional Federal identificar
o instante da formalização da intimação pessoal do órgão, possibilitando ver,
claramente, ao contrário do registro eletrônico e digitalizado constante no
sistema do STJ, que a data do protocolo foi, de fato, 21 de setembro de 2000.
No que tange à necessidade de intimação pessoal do representante judicial
da União, prevalece o disposto na LC n. 73/1993, que determina, expressamente,
que as citações e intimações deste ente sejam realizadas, nas causas em que
interessado, nas pessoas apontadas nos arts. 35 e 38, verbis:
Art. 35. A União é citada nas causas em que seja interessada, na condição de
autora, ré, assistente, oponente, recorrente ou recorrida, na pessoa:
I - do Advogado-Geral da União, privativamente, nas hipóteses de competência
do Supremo Tribunal Federal;
II - do Procurador-Geral da União, nas hipóteses de competência dos Tribunais
Superiores;
III - do Procurador-Regional da União, nas hipóteses de competência dos
demais Tribunais;
IV - do Procurador-Chefe ou do Procurador-Seccional da União, nas hipóteses
de competência dos juízos de primeiro grau.
Art. 38. As intimações e notificações são feitas nas pessoas do Advogado da
União ou do Procurador da Fazenda Nacional que oficie nos respectivos autos.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
259
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tal orientação é confirmada pela jurisprudência desta Corte:
Processual Civil. Mandado de segurança. Decisão concessiva liminar. Intimação
pessoal do representante da Fazenda Pública. Lei Complementar n. 73/1993.
Imprescindibilidade.
1. A autoridade coatora, no mandado de segurança, é notificada para prestar
as informações necessárias ao deferimento ou indeferimento da liminar pleiteada.
Indeferido o pedido de liminar, o rito mandamental prossegue normalmente
com a oitiva do Ministério Público como custos legis, mas sem a intervenção do
procurador da Fazenda até ser proferida a sentença concessiva ou denegatória da
segurança.
2. Por outro lado, deferida a tutela in limine litis, contra esta decisão é cabível
agravo de instrumento, cuja legitimidade para a interposição do recurso é do
procurador da Fazenda, nos casos em que a autoridade coatora for o Delegado da
Receita Federal ou o próprio Ministro da Fazenda.
3. Subtrair a possibilidade de interpor agravo de instrumento contra a decisão
que concede ou denega a liminar em mandado de segurança, ressoa incompatível
com os cânones da ampla defesa e do devido processo legal; cláusulas albergadas
pela Constituição Federal.
4. A Lei do Mandado de Segurança admite integração do CPC na parte em que
não há incompatibilidade com a lex specialis.
5. Há nítida distinção entre o prazo para prestar informações e o prazo para
recorrer, este último regulado pelo Código de Processo Civil, tanto mais que da
sentença do mandamus cabe apelação e da decisão interlocutória de urgência, o
agravo. Em ambos os casos, por força da LC n. 73/1993 e 6º da Lei n. 9.028/1995,
o termo a quo do prazo recursal pressupõe a intimação do representante da
Fazenda não eliminada pela exegese do art. 3.º da Lei n. 4.348/1964, porquanto
diploma anterior às leis retrocitadas.
6. É assente na jurisprudência que “A lei do mandado de segurança (Lei n.
1.533/1951, art. 7ª, I), em reforço da celeridade - uma das tônicas do instituto rompeu com a sistemática anterior (Lei n. 191/1936, art. 8º, § 1º, e CPC, art. 332, II).
Basta, assim, que se ‘notifique’ o órgão coator. O órgão não ‘representa’ a pessoa
jurídica. Ele é ‘fragmento’ dela (Otto von Gierke). Desse modo, não se pode falar
em ‘litisconsórcio necessário’ entre órgão (autoridade coatora) e a pessoa jurídica
(ré)” (REsp n. 29.582, Sexta Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 27.09.1993).
Ora, não havendo litisconsórcio, tem-se que a parte é a entidade pública a que
pertence a autoridade coatora, de regra, carente de legitimatio ad processum,
tese que reforça a necessidade de intimação da pessoa de direito público para
recorrer, máxime à luz da novel Carta Federal que privilegia sob a fórmula pétrea a
ampla defesa, o contraditório e o due process of law.
260
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
7. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é remansosa no sentido de
que o recurso cabível contra decisão que defere ou indefere liminar em mandado
de segurança é o agravo de instrumento, em face da nova sistemática introduzida
pela Lei n. 9.139/1995, a qual alterou os arts. 527, II, e 588, do CPC. Precedentes
das 1ª, 2ª, 3ª, 5ª e 6ª Turmas desta Corte” (REsp n. 426.439, Rel. Min. José Delgado,
DJ de 09.09.2002).
8. A disciplina da Lei n. 4.348/1964 colide com o art. 131 da Carta Federal, que
determina que a organização e funcionamento da Advocacia Geral da União é
regulada por Lei Complementar.
9. Consectariamente, é aplicável o comando do art. 38 da LC n. 73/1993,
que determina que as intimações e notificações dos Procuradores da Fazenda
Nacional devem ser feitas pessoalmente (Precedentes: REsp n. 882.857-SP, Rel.
Min. Castro Meira, DJU de 17.11.2006; REsp n. 881.781-MG, Rel. Min. Humberto
Martins, DJU de 30.10.2006; e REsp n. 285.806-PR, Segunda Turma, Rel. Min.
Peçanha Martins, DJ de 1º.09.2003).
10. Recurso especial provido.
(REsp n. 776.667-SE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
15.03.2007, DJ 26.04.2007, p. 219).
Processual Civil. Recurso especial. Mandado de segurança. Concessão.
Necessidade de intimação pessoal do representante judicial da União. Reexame
necessário. Prevalência do duplo grau de jurisdição.
1. O Tribunal de origem não conheceu da apelação por entender que o prazo
para a interposição de recurso contar-se-ia da intimação da autoridade coatora e
por aplicar à espécie o § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil no concernente
ao reexame necessário de sentença concessiva de mandado de segurança.
2. A necessidade de intimação pessoal das liminares concedidas em sede de
mandado de segurança, o que reforça a imperatividade da intimação da sentença,
é confirmada na redação dada pela Medida Provisória n. 2.180/2001 ao § 4º, do
art. 1º, da Lei n. 8.437/1992, que determina: “Nos casos em que cabível medida
liminar, sem prejuízo da comunicação ao dirigente do órgão ou entidade, o
respectivo representante judicial dela será imediatamente intimado”. Precedentes:
REsp n. 833.394-SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 23.04.2007; REsp
n. 883.830-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27.02.2007,
DJ 09.03.2007; REsp n. 601.251-CE, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma,
julgado em 19.10.2004, DJ 04.04.2005; REsp n. 285.806-PR, Rel. Ministro Francisco
Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 10.06.2003, DJ 1º.09.2003.
3. “É inaplicável ao mandado de segurança o § 2º do art. 475 do CPC, inserido
pela Lei n. 10.352/2001, pois a regra especial, contida no art. 12, parágrafo único,
da Lei n. 1.533/1951, prevalece sobre a disciplina genérica do Código de Processo
Civil (art. 2º, § 2º, da LICC)”. (REsp n. 788.847-MT, Primeira Seção, Rel. Min. Eliana
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
261
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Calmon, DJ de 05.06.2006, p. 279). Precedentes: REsp n. 833.394-SP, Rel. Min.
Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 23.04.2007; REsp n. 604.050-SP, Rel. Ministra
Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24.05.2005, DJ 1º.07.2005; REsp n.
655.958-SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 09.11.2004, DJ
14.02.2005.
4. Impõe-se a reforma do aresto recorrido com a determinação do retorno dos
autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga o julgamento da apelação e
proceda ao reexame necessário da sentença.
5. Recurso especial provido.
(REsp n. 869.169-SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 19.08.2008, DJe 16.09.2008).
Com efeito, não se pode confundir a notificação da autoridade coatora para
prestar informações com a necessidade de intimação pessoal do representante
judicial da pessoa jurídica, cuja competência foi atribuída constitucionalmente à
Advocacia-Geral da União (art. 131 da Constituição da República), segundo a
disciplina da LC n. 73/1993. Desse modo, o prazo para recurso apenas se inicia
a partir deste último ato processual, e não da simples ciência daquela autoridade.
À época da interposição do Agravo de Instrumento, tanto o Superior
Tribunal de Justiça, como os Tribunais Regionais Federais já possuíam
precedentes que adotavam a mesma orientação acolhida pela Relatora do
acórdão recorrido, no sentido da obrigatoriedade da intimação pessoal do
representante judicial da União. Encontra-se, até mesmo, posição em favor da
atribuição de efeitos de intimação pessoal, equivalente à realizada por oficial
de justiça, à intervenção pessoal da Procuradoria da Fazenda Nacional, que,
antecipando-se à providência judicial, dá-se por intimada. Logicamente, nessa
hipótese, o prazo para a interposição do recurso tem, como termo inicial,
o momento em que o advogado público comparece aos autos, haja vista a
precedência deste ato à intimação por mandado. Confira-se:
Processual Civil. Mandado de segurança. Procurador do Estado. Intimação via
imprensa, e não pessoalmente. Recurso especial interposto fora do prazo legal.
Recurso não conhecido.
I - Ao contrario do advogado da União, do procurador da Fazenda Nacional (art. 38
da Lei Complementar n. 73/1993), do defensor publico (art. 44 da Lei Complementar
n. 80/1994), e do Ministerio Publico (art. 41 da Lei n. 8.625/1993), o procurador do
Estado, do Distrito Federal e do municipio, salvo excecões previstas em lei (verbi
gratia, art. 25 da Lei n. 6.830/1980), não fazem jus ao beneficio da intimação pessoal,
sendo válida a intimação efetuada via imprensa.
262
Jurisprudência da SEGUNDA TURMA
II - Recurso especial não conhecido por ser intempestivo.
(REsp n. 78.175-PE, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. p/ acórdão
Ministro Adhemar Maciel, Segunda Turma, julgado em 24.04.1997, DJ 1º.09.1997,
p. 40.796).
Ementa: Agravo de instrumento. Apelação em mandado de segurança. LC n.
73/1993. Art. 38. Intimação pessoal do Advogado da União e do Procurador da
Fazenda Nacional. A autoridade impetrada representa a União até o momento de
prestar as informações que instruem o mandado de segurança. Com a prolação
da sentença, deve a Procuradoria da União ser pessoalmente intimada acerca
dos atos processuais que carecem de conhecimentos técnico-jurídicos. O prazo
para a interposição do recurso inicia-se com a intervenção pessoal do Procurador da
Fazenda Nacional, sendo a exigência suprida no momento em que o Procurador
assinou o livro de carga para a retirada dos autos (TRF4, Ag n. 1998.04.01.0203907, Segunda Turma, Relator Vilson Darós, DJ 06.09.2000).
Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Intimação pessoal do
Procurador da Fazenda Nacional. Necessidade. Lei Complementar n. 73/1993 e Lei
n. 9.028/1995.
1. Nas causas de natureza fiscal, a representação judicial da União compete à
Procuradoria da Fazenda Nacional.
2. O procurador da Fazenda Nacional tem a prerrogativa de intimação pessoal,
nos termos do artigo 6º da Lei n. 9.028/1995.
3. Agravo de instrumento provido.
(TRF3, Ag n. 96.03.040396-2, Sexta Turma, Relatora Mairan Maia, Julgamento:
09.08.2000).
Ressalto, a propósito, a existência de precedente da Segunda Turma, REsp
n. 844.793-MG, Rel. Ministro Castro Meira, no qual se fez a distinção entre o
momento da ciência da autoridade coatora e o da intimação do representante
judicial da União:
Processual Civil. Artigos 458 e 535 do CPC. Intimação pessoal do representante
judicial da Fazenda Pública. Mandado de segurança.
Apelação. Obrigatoriedade.
1. Analisadas pela Corte a quo todas as questões relevantes postas em
julgamento de maneira adequada e suficiente ao deslinde do litígio, rechaçase as prefaciais de nulidade do acórdão recorrido e de negativa de prestação
jurisdicional.
RSTJ, a. 23, (224): 189-264, oubutro/dezembro 2011
263
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Consoante disposto nos artigos 38 da Lei Complementar n. 73/1993 e 6º
da Lei n. 9.028/1995 revela-se imperativa a intimação pessoal do Procurador
da Fazenda Nacional, nas ações em que seja interessada, autora, assistente,
recorrente ou recorrida, não sendo bastante a ciência da sentença a quo concessiva
da ordem pela autoridade impetrada.
3. Recurso especial provido.
(REsp n. 844.793-MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em
17.08.2006, DJ 29.08.2006, p. 157).
No presente caso, o ato processual acolhido como termo inicial do prazo
recursal foi a intimação do próprio representante judicial, de modo que não há
contrariedade ao entendimento deste órgão julgador.
Reconhecido o valor legal da prova – ou seja, que a tempestividade do
Agravo de Instrumento pode ser aferida por outro elemento, além da certidão
de intimação, bem como que a manifestação de ciência pessoal nos autos, pelo
representante judicial, é meio idôneo a tanto – o afastamento da conclusão do
Tribunal a quo exigiria o revolvimento fático-probatório, procedimento vedado a
este Tribunal Superior, nos termos da Súmula n. 7-STJ: “A pretensão de simples
reexame de prova não enseja recurso especial”.
Em síntese: a intimação pessoal do representante judicial da União pode
ser suprida por sua intervenção espontânea, registrada nos autos, na hipótese em
que ele antecipa-se à providência judicial, manifestando conhecimento do teor
da decisão, contando-se, a partir daquele ato, por óbvio, o prazo recursal.
Se, nos termos da Lei Complementar n. 73/1993, o representante da
Fazenda Pública deve ser intimado pessoalmente e, não obstante essa garantia,
abre mão da intimação por oficial de justiça, é dessa data que corre o prazo para
a interposição de recurso.
Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial.
É como voto.
264
Segunda Seção
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 114.952-SP (2010/0211320-6)
Relator: Ministro Raul Araújo
Suscitante: Pantanal Linhas Aéreas S/A - em recuperação judicial
Advogado: Anie Carvalho Ferreira da Silva Casaroli e outro(s)
Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações
Judiciais de São Paulo-SP
Suscitado: Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP
Interessado: Fernando Antônio Simão - espólio
Advogado: Tomás Alexandre da Cunha Binotti
Interessado: Pantanal Linhas Aéreas S/A - em recuperação judicial
EMENTA
Conflito de competência. Recuperação judicial. Crédito sujeito
à recuperação. Crédito líquido. Não inclusão no plano. Habilitação.
Faculdade. Impossibilidade de prosseguimento da execução individual
durante o trâmite da recuperação.
1. Nos termos do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos
à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido,
ainda que não vencidos.
2. Se o crédito é ilíquido, a ação deve prosseguir no Juízo
trabalhista até a apuração do respectivo valor (art. 6º, § 2º, da Lei n.
11.101/2005). Porém, se o crédito já foi apurado, pode ser habilitado
na recuperação judicial.
3. Nos termos do art. 10 da Lei n. 11.101/2005, o crédito líquido
não habilitado no prazo de quinze dias após a publicação do edital será
recebido na recuperação na condição de habilitação retardatária, sendo
da competência do Juízo da Recuperação estabelecer a forma como
será satisfeito, sob pena de não ser adimplido durante o trâmite da
recuperação, mas somente após seu encerramento, já que as execuções
individuais permanecem suspensas.
4. A habilitação é providência que cabe ao credor, mas a este
não se impõe. Caso decida aguardar o término da recuperação para
prosseguir na busca individual de seu crédito, é direito que lhe assegura
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a lei. Porém, admitir que alguns credores que não atenderam ou não
puderam atender o prazo para habilitação de créditos submetidos
à recuperação (arts. 7º, § 1º, e 52, § 1º, III, da LF) prossigam com
suas execuções individuais ofende a própria lógica do sistema legal
aplicável. Importaria em conferir melhor tratamento aos credores
não habilitados, além de significar a inviabilidade do plano de
reorganização na medida em que parte do patrimônio da sociedade
recuperanda poderia ser alienado nas referidas execuções, implicando,
assim, a ruptura da indivisibilidade do juízo universal da recuperação e
o desatendimento do princípio da preservação da empresa (art. 47 da
LF), reitor da recuperação judicial.
5. Conflito conhecido, em face da impossibilidade de dois
diferentes juízos decidirem acerca do destino de bens pertencentes à
empresa sob recuperação, para declarar a competência do Juízo da 2ª
Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP.
ACÓRDÃO
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy
Andrighi, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, e o voto dos Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira
e Luis Felipe Salomão, no mesmo sentido, a Segunda Seção, por unanimidade,
decide conhecer do conflito de competência e declarar competente o Juízo
de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São PauloSP, o primeiro suscitado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Não
participaram do julgamento os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva,
Marco Buzzi e Massami Uyeda (art. 162, § 2º, RISTJ).
Brasília (DF), 14 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Raul Araújo, Relator
DJe 26.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de conflito positivo de competência,
com pedido de liminar, suscitado por Pantanal Linhas Aéreas S/A - em recuperação
268
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
judicial, em face do Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações
Judiciais de São Paulo-SP e do Juízo de Direito da 54ª Vara do Trabalho de São
Paulo-SP.
Diz a suscitante que em 15.01.2009 foi deferido seu pedido de
processamento de recuperação judicial (fl. 25), com a posterior aprovação e
homologação do plano. Apesar disso, o Juízo da 54ª Vara do Trabalho, mesmo
cientificado desses fatos, teria determinado o bloqueio de valores em conta, nos
autos da execução trabalhista movida pelo Espólio de Fernando Antônio Simão,
interferindo na competência do Juízo da Recuperação (fl. 41).
Requereu fosse deferida liminar para determinar o sobrestamento da
execução em trâmite no juízo trabalhista suscitado, bem como para anular os
atos constritivos efetivados, com a imediata liberação dos valores bloqueados.
A liminar foi parcialmente deferida tão somente para determinar o
sobrestamento da execução manejada pelo Espólio de Fernando Antônio
Simão, em curso no Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo (fl. 64).
Vieram as informações do Juízo da Recuperação que esclareceu, verbis:
Num exame feito por este Juízo neste momento, da relação de credores
apresentada pelo administrador judicial, não se verifica a indicação do crédito
de Fernando Antonio Simão - Espólio, lembrando-se que só estará obrigado a se
submeter aos seus efeitos caso seu crédito tenha sido constituído anteriormente
a seu ajuizamento (fls. 77-78).
O Juízo da 54ª Vara do Trabalho deixou de prestar informações, apesar da
reiteração do ofício enviado (certidão de fl. 86).
A Subprocuradoria-Geral da República opina pela competência da Justiça
especializada, em parecer assim sintetizado:
Conflito de competência. Justiça Comum Estadual e Justiça do Trabalho.
Recuperação judicial. Execução trabalhista. Respectivo crédito não incluído no
plano de recuperação. Não sujeição à competência do juízo da recuperação. Pela
competência do Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP (fl. 83).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): Nos termos do art. 49 da Lei n.
11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
269
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
data do pedido, ainda que não vencidos. Assim, todas as obrigações assumidas
antes da data do pedido de processamento da recuperação a ela se submeterão,
com exceção das ressalvas constantes da própria lei (art. 49, §§ 3º e 4º, dentre
outras).
Para se encontrar qual a data do pedido de recuperação judicial, é necessário
se socorrer do art. 263 do Código de Processo Civil, que estabelece que se
considera proposta a ação na data da distribuição quando houver mais de uma
vara competente para seu conhecimento na mesma comarca.
No caso dos autos, em que há mais de uma vara competente na mesma
comarca, o pedido de recuperação judicial da suscitante foi distribuído em 18 de
dezembro de 2008 (consulta ao sítio do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo), devendo ser esta a data considerada para verificação da submissão dos
créditos aos efeitos da recuperação judicial.
A reclamação trabalhista em epígrafe foi proposta em 1999 (Processo n.
2.715/1999), sendo julgada parcialmente procedente em 06.06.2000 (consulta
ao andamento do processo no sítio do Tribunal Regional Federal da 2ª Região),
estando o crédito, portanto, submetido à recuperação judicial.
Como se vê na decisão que determina a constrição dos saldos bancários da
suscitante, e na consulta ao andamento processual, a reclamação ajuizada por
Fernando Antônio Simão está em fase de execução, havendo, portanto, crédito
líquido sendo exigido da sociedade recuperanda (fl. 41).
Nesse contexto, nos termos do art. 10 da Lei n. 11.101/2005, o crédito
líquido não habilitado no prazo de quinze dias após a publicação do edital
previsto no art. 52 da LF será recebido na recuperação na condição de habilitação
retardatária, sendo da competência do Juízo da Recuperação estabelecer a
forma como será satisfeito, sob pena de não ser adimplido durante o trâmite
da recuperação, mas somente após seu encerramento, já que as execuções
individuais permanecem suspensas.
Cumpre lembrar que “Se o nome do credor constar da relação publicada
no edital, não há necessidade de habilitação; se não constar, o credor estará
alertado para o prazo de habilitação, nos termos do art. 7º, § 1º, devendo,
portanto, providenciar a habilitação de seu crédito.” (Comentários à Nova Lei
de Falência e Recuperação de Empresas. Coordenadores: Osmar Brina CorrêaLima e Sérgio Mourão Corrêa-Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 379).
Nesse sentido:
270
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Processual Civil. Conflito positivo de competência. Juízo de Direito e Juizado
Especial Cível. Processo de recuperação judicial (Lei n. 11.101/2005). Ação de
indenização. Danos morais. Valor da condenação. Crédito apurado. Habilitação.
Alienação de ativos e pagamentos de credores. Competência do Juízo da
Recuperação Judicial. Precedentes do STJ.
1. Com a edição da Lei n. 11.101/2005, respeitadas as especificidades da falência
e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento
dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores,
que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas,
ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor.
2. Após a apuração do montante devido, processar-se-á no juízo da recuperação
judicial a correspondente habilitação, sob pena de violação dos princípios da
indivisibilidade e da universalidade, além de desobediência ao comando prescrito no
art. 47 da Lei n. 11.101/2005.
3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de
Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro (RJ).
(CC n. 90.160-RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Seção, julgado
em 27.05.2009, DJe de 05.06.2009).
Confira-se, também, lição de Fábio Ulhoa Coelho, verbis:
Suspendem-se as execuções individuais contra o empresário individual ou
sociedade empresária que requereu a recuperação judicial para que eles tenham
o fôlego necessário para atingir o objetivo pretendido da reorganização da
empresa. A recuperação judicial não é execução concursal e, por isso, não se
sobrepõe às execuções individuais em curso. A suspensão, aqui, tem fundamento
diferente. Se as execuções continuassem, o devedor poderia ver frustrados os
objetivos da recuperação judicial, em prejuízo, em última análise, da comunhão
dos credores (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas.
5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 38-39).
Vale ressaltar que ainda que já tenha sido homologado o quadro geral de
credores, a Lei n. 11.101/2005 prevê a habilitação dos créditos submetidos à
recuperação (ação ordinária). Confira-se a redação do art. 10, § 6º, da Lei de
Recuperações e Falências, verbis:
Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as
habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias.
(...)
§ 6º - Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não
habilitarem seu crédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
271
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
previsto no Código de Processo Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação
judicial a retificação do quadro-geral para inclusão do respectivo crédito.
Confira-se a lição de Manoel Justino Bezerra Filho, verbis:
Sem embargo, a rigor, a Lei não estabelece limite temporal para a habilitação
retardatária, de tal forma que, em tese, até o momento da extinção da recuperação
(art. 63) ou da extinção das obrigações na falência (art. 159), é possível receber
habilitações (como habilitação ou como resultado de julgamento em ação de
rito ordinário), as quais serão normalmente processadas, para fins de inclusão no
quadro-geral de credores, na categoria que a lei reserva para aquele crédito. Tanto
é assim que o próprio § 6º menciona a possibilidade de ajuizamento de ação
ordinária para tal fim, sem limitação temporal (Lei de Recuperação de Empresas
e Falências Comentada - Lei n. 11.101/2005 - Comentário artigo por artigo. 5ª ed.
São Paulo: RT, 2008).
Como se vê, a habilitação é providência que cabe ao credor, mas a este
não se impõe. Caso decida aguardar o término da recuperação para prosseguir
na busca individual de seu crédito, é direito que se lhe assegura (salvo se a
recuperação judicial for convolada em falência).
Porém, admitir que alguns credores que não atenderam ao prazo para
habilitação de créditos submetidos à recuperação (arts. 7º, § 1º, e 52, § 1º, III,
da LRF) prossigam com suas execuções individuais ofende a própria lógica
do sistema legal aplicável, pois importaria em conferir melhor tratamento aos
credores não habilitados.
Não é por outra razão que o caput do art. 6º da Lei n. 11.101/2005 fala em
suspensão do curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor,
e não somente em suspensão das execuções cujos créditos estão mencionados na
relação de credores.
Também o art. 49 da LRF estabelece que todos os créditos existentes na data
do pedido se submetem à recuperação, e não somente aqueles constantes da
relação de credores.
Fosse assim, o credor que tivesse a “sorte” de não estar incluído na relação
nominal de credores (art. 52, § 1º, II, da LRF), poderia optar por não habilitar
seu crédito e, assim, prosseguir com sua execução individual, enquanto os
mencionados na relação elaborada pelo administrador judicial teriam de
renegociar seus créditos, se submetendo aos prazos da recuperação.
Essa situação, além de criar privilégios entre credores titulares de créditos
semelhantes, poderia implicar também a própria inviabilidade do plano de
272
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
reorganização, na medida em que parte do patrimônio da sociedade recuperanda
poderia ser alienada nas referidas execuções, com dois juízos decidindo acerca
do destino do mesmo patrimônio.
A propósito:
Conflito de competência. 1. Conflito e recurso. A regra mais elementar em matéria
de competência recursal é a de que as decisões de um juiz de 1º grau só podem
ser reformadas pelo tribunal a que está vinculado; o conflito de competência
não pode ser provocado com a finalidade de produzir, per saltum, o efeito que só
o recurso próprio alcançaria, porque a jurisdição sobre o mérito é prestada por
instâncias (ordinárias: juiz e tribunal; extraordinárias: Superior Tribunal de Justiça
e Supremo Tribunal Federal). 2. Lei de Recuperação Judicial (Lei n. 11.101, de 2005).
A Lei n. 11.101, de 2005, não teria operacionalidade alguma se sua aplicação pudesse
ser partilhada por juízes de direito e juízes do trabalho; competência constitucional
(CF, art. 114, incs. I a VIII) e competência legal (CF, art. 114, inc. IX) da Justiça do
Trabalho. Conflito conhecido e provido para declarar competente o MM. Juiz de
Direito da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
(CC n. 61.272-RJ, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, julgado em
25.04.2007, DJ de 25.06.2007, p. 213).
Assim, não seria observado o princípio da conservação da empresa, reitor
da recuperação judicial, bem como o princípio da universalidade e unicidade do
juízo da recuperação, que assim é definido por Marcelo M. Bertoldi e Marcia
Carla Pereira Ribeiro, ao comentar o art. 3º da Lei n. 11.101/2005, verbis:
O juízo universal da recuperação judicial está vinculado aos princípios da
universalidade e da unidade. Uma vez concedida, será aberto um leque de
procedimentos que estarão sujeitos a uma direção única. O principio da
unidade tem por finalidade a eficiência do processo, evitar repetições de atos e
contradições. Seria inviável mais de uma recuperação, por isso a exigência da lei
de um único processo para o mesmo devedor. O principio da universalidade está
na previsão de um só juízo para todas as medidas judiciais, todos os atos relativos ao
devedor empresário. Todas as ações e processos estarão na competência do juízo da
recuperação (...) (in Curso Avançado de Direito Comercial - 3ª edição - RT - 2006, p.
462).
Nesse contexto, os valores constritos na execução em epígrafe devem
ser colocados à disposição do Juízo de Direito onde se processa o plano de
reabilitação da empresa, devendo ser expedida certidão pela Justiça especializada
para que o credor, caso tenha interesse, possa habilitar seu crédito na recuperação.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
273
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Ante o exposto, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo
de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de conflito positivo de
competência em que é suscitante Pantanal Linhas Aéreas S.A., em recuperação
judicial, e suscitados o Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações
Judiciais de São Paulo-SP e o Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP,
porque, não obstante homologado pela Justiça Comum o plano de recuperação
judicial da suscitante, o Juízo Laboral teria dado continuidade à prática de atos
de execução.
Ação: reclamação trabalhista, ajuizada pelo espólio de Fernando Antônio
Simão em desfavor da suscitante, julgada procedente pela Justiça Laboral,
resultando na homologação de um crédito de R$ 2.817,29 a favor do reclamante.
Recuperação judicial: em 25.09.2009 o Juízo Estadual homologou plano
de recuperação judicial apresentado pela suscitante (fls. 39-40, e-STJ).
Execução: a despeito de a suscitante ter informando sobre a homologação
do seu plano de recuperação judicial (fls. 30-37, e-STJ), a Justiça do Trabalho
prosseguiu com a execução do crédito, sob o argumento de que “o art. 6º, caput,
da Lei n. 11.101/2005 é expresso ao definir que o curso das ações fica suspenso
a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial. No § 4º do
mencionado artigo, está definido que a suspensão jamais excederá 180 dias.
(...) a ré teve deferido o processamento da recuperação judicial em 13.01.2008,
de forma que o prazo de 180 dias acima mencionado expirou em 11.07.2008,
possibilitando assim a continuidade do processo de execução” (fl. 43, e-STJ).
Voto do Relator: conhece do conflito para declarar competente o Juízo
da Recuperação Judicial, ressalvando que, mesmo não incluído no rol de
credores ou não se habilitando no prazo de 15 dias previsto no art. 10 da Lei n.
11.101/2005, pode o credor se habilitar de forma retardatária.
Revisados os fatos, decido.
Cinge-se a lide a determinar a existência de conflito positivo de
competência na realização, pela Justiça do Trabalho, de atos de execução, após
a Justiça Comum ter deferido o processamento de recuperação judicial da
empresa reclamada.
274
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
O STJ possui entendimento assente no sentido de que, uma vez aprovado
o plano de recuperação judicial, é do Juízo cível respectivo a competência
para tomar todas as medidas de constrição e de venda de bens integrantes do
patrimônio da empresa, sujeitos ao plano de recuperação. Confiram-se, nesse
sentido, os seguintes precedentes: CC n. 103.025-SP, 2ª Seção, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJe de 05.11.2009; CC n. 100.922-SP, 2ª Seção, Rel.
Min. Sidnei Beneti, DJe de 26.06.2009; CC n. 88.661-SP, 2ª Seção, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJe de 28.05.2008); e CC n. 61.272-RJ, 2ª Seção, Rel.
Min. Ari Pargendler, DJ de 25.06.2007.
O Juízo laboral houve por bem determinar o prosseguimento da execução
afirmando ter decorrido o prazo de 180 dias previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n.
11.101/2002.
Ocorre que o prazo previsto no mencionado dispositivo legal referese apenas ao período de processamento do pedido de recuperação judicial,
conforme se infere do próprio caput da norma. Com a aprovação do plano, há
novação de todos os créditos nele contemplados, nos termos do art. 59, caput, da
Lei n. 11.101/2005, de sorte que não se pode cogitar do restabelecimento das
execuções trabalhistas.
De acordo com o art. 62 da Lei n. 11.101/2005, após a concessão da
recuperação judicial, eventual execução específica somente poderá ser requerida
pelos credores em caso de descumprimento do plano e após o prazo de 02 anos
previsto no art. 61 da Lei n. 11.101/2005.
Essa questão, aliás, já foi objeto de apreciação pelo STJ, no julgamento do
AgRg no CC n. 110.250-DF, 2ª Seção, minha relatoria, DJe de 16.09.2010,
tendo ficado decidido que “superado o prazo de suspensão sem que tenha
havido a aprovação do plano de recuperação, devem as ações e execuções
individuais retomar o seu curso, até que seja aprovado o plano ou decretada a
falência da empresa” (sem destaques no original).
Na hipótese específica dos autos, o plano de recuperação foi homologado
em 25.09.2009 (fls. 39-40, e-STJ), enquanto a determinação de prosseguimento
da execução trabalhista se deu quase 06 meses depois, em 19.03.2010, invadindo,
pois, a esfera de competência da Justiça Cível.
Não bastasse isso, e como bem ressalvou o i. Min. Relator, pouco importa o
fato do crédito executado não ter sido incluído no rol de credores.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
275
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conforme salientei no julgamento do CC n. 117.407-SP, “a Lei de
Recuperações Judiciais e Falências é diploma que contém regras de ordem
pública, inderrogáveis pela simples vontade das partes, não sendo possível ao
devedor excluir um credor que, por imposição legal, deva obrigatoriamente ser
abrangido pelo plano. Da mesma forma, não é dado ao credor indevidamente
excluído do plano optar por executar individualmente o devedor, agindo
paralelamente à recuperação judicial”.
Com efeito, a exegese lógico-sistemática da Lei n. 11.101/2005 permite
inferir que os créditos trabalhistas devem necessariamente estar contidos
no plano de recuperação judicial. O teor de vários dos seus dispositivos –
notadamente os arts. 26, I (inclui os credores trabalhistas como classe
específica integrante do comitê de credores), 37 § 5º (autoriza os sindicatos de
trabalhadores a representar seus associados na assembleia-geral de credores), 41
(relaciona os credores trabalhistas como uma das classes a compor a assembleiageral de credores), 51, IX (exige que a petição inicial do pedido de recuperação
seja instruída com a relação de todas as reclamações trabalhistas nas quais
figure o devedor) e 54 (fixa o prazo máximo de um ano para que o plano de
recuperação judicial programe o pagamento de créditos derivados da legislação
do trabalho vencidos até a data do pedido) – evidencia a importância dos
créditos de natureza trabalhista e a especial proteção a eles conferida, do que
só pode resultar a indispensabilidade de que sejam incluídos no plano de
recuperação judicial.
Sérgio Campinho bem anota que, afora as exclusões expressamente
apontadas na própria Lei n. 11.101/2005 – da qual não fazem parte os créditos
trabalhistas – “encontram-se sujeitos à recuperação judicial todos os demais
créditos existentes na data do pedido, vencidos e vincendos” (Falência e
recuperação de empresa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 144).
Por outro lado, para a hipótese eventual de exclusão indevida de um
credor, o art. 7º e seguintes da Lei n. 11.101/2005 facultam a apresentação de
impugnações e/ou habilitações, podendo essa última ser inclusive retardatária,
sempre com vistas à preservação de créditos que devam necessariamente ser
incluídos no plano de recuperação.
Assim, o fato de o reclamante Fernando Antônio Simão não constar do rol
de credores homologado pelo Juízo da Recuperação não autoriza o Juízo do
Trabalho a realizar atos executórios objetivando a satisfação de crédito passível
de habilitação – ainda que de forma retardatária – na recuperação judicial.
276
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Ao assim proceder, o Juízo da 54ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP invadiu
a esfera de competência do Juízo de Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações
Judiciais de São Paulo-SP.
Forte nessas razões, acompanho na íntegra o voto do i. Min. Relator, para
reconhecer a existência de conflito positivo e declarar competente o Juízo de
Direito da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo-SP.
RECURSO ESPECIAL N. 1.117.614-PR (2009/0068833-5)
Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti
Recorrente: Altair Luiz Ehrlich
Advogado: Júlio Cesar Dalmolin e outro(s)
Recorrido: Banco do Brasil S/A
Advogado: Fernando Alves de Pinho e outro(s)
Interessada: Federação Brasileira de Bancos Febraban - “amicus curiae”
Advogado: Luiz Rodrigues Wambier e outro(s)
EMENTA
Processual Civil. Recurso especial. Ação de prestação de contas.
Prazo decadencial. Art. 26 do Código de Defesa do Consumidor. Não
incidência. Recurso representativo da controvérsia.
1. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre
o prazo decadencial para a reclamação por vícios em produtos ou
serviços prestados ao consumidor, não sendo aplicável à ação de
prestação de contas ajuizada pelo correntista com o escopo de obter
esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou encargos
bancários.
2. Julgamento afetado à Segunda Seção com base no procedimento
estabelecido pela Lei n. 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos) e
pela Resolução-STJ n. 8/2008.
3. Recurso especial provido.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
277
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti
acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, a Seção, por maioria, deu
provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora,
vencido o Sr. Ministro João Otávio de Noronha, que negava provimento ao
recurso especial.
Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, o prazo de decadência do artigo
26 do Código de Defesa do Consumidor não é aplicável à ação de prestação de
contas ajuizada com o escopo de se obter esclarecimentos acerca da cobrança
de taxas, tarifas e/ou encargos bancários. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Luis
Felipe Salomão, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra.
Ministra Relatora. A Sra. Ministra Nancy Andrighi já havia votado com a Sra.
Ministra Relatora.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (art.
162, § 2º, RISTJ).
Afirmou suspeição o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 10 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora
DJe 10.10.2011
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Cuida-se de recurso especial
interposto por Altair Luiz Ehrlich contra o acórdão de fls. 190-214, integrado
por aquele juntado às fls. 226-233, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos:
Apelação cível. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de
abertura de crédito em conta-corrente. Preliminares de não-conhecimento do
recurso, de ilegitimidade passiva ad causam, de impossibilidade jurídica do
pedido e de ausência de interesse de agir afastadas. Direito pessoal do correntista
em promover a ação de prestação de contas. Prescrição vintenária. Irregularidades
nos serviços prestados pelo banco. Prazo decadencial de 90 (noventa) dias
para sua reclamação (artigo 26, II, do CDC). Vício aparente de fácil constatação.
Insurgência quanto ao período das contas a serem prestadas. Resoluções do
278
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Banco Central. Insubsistência. Regra prevalente do Código Civil. Custos oriundos
do fornecimento de novos extratos. Ônus a ser suportado pela instituição
financeira. Recurso adesivo. Honorários advocatícios. Majoração. Impossibilidade.
Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo desprovido.
Em suas razões, alega o recorrente, em síntese, a violação do art. 26, II, do
Código de Defesa do Consumidor, ao argumento central de que “trata-se de
um direito pessoal do recorrente, e não de vícios aparentes, ou seja, o recorrente
possui o direito de exigir a prestação de contas dos lançamentos, que possuem
natureza diversa, em sua conta corrente”, razão pela qual conclui que “não é
possível a aplicação do prazo decadencial estabelecido no Código de Defesa do
Consumidor, mas sim o prazo prescricional previsto no Código Civil” (fls. 237249).
Aponta, ainda, divergência jurisprudencial em relação ao tema.
Contrarrazões juntadas às fls. 269-277 (e-STJ).
O recurso foi admitido na origem como representativo da controvérsia, nos
moldes do art. 543-C, § 1º, do Código de Processo Civil.
No parecer de fls. 276-279, o Ministério Público Federal, baseado em
precedentes desta Corte, opina pelo provimento do recurso especial.
Às fls. 317-331, a Febraban junta petição requerendo a sua admissão no
feito, na qualidade de amicus curiae.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Analiso, inicialmente,
o pedido de intervenção no feito formulado pela Febraban. Observo que,
muito embora a decisão que admitiu o presente recurso como representativo
da controvérsia tenha sido publicada em 10 de dezembro de 2010, a aludida
petição somente foi apresentada no dia 1º de abril do ano corrente, após a
inclusão do processo na pauta de julgamento.
Indesejável, portanto, via de regra, a admissão do amicus curiae em tais
situações, porque a apresentação tardia do pedido de admissão no processo
pode, em muitos casos, subverter a marcha processual, com excessivo número de
sustentações orais e incidentes, ou até mesmo, a prática ensina, de adiamento do
julgamento.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
279
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A
propósito, destaco os seguintes precedentes:
Agravo regimental. Ação direta de inconstitucionalidade manifestamente
improcedente. Indeferimento da petição inicial pelo relator. Art. 4º da Lei n.
9.868/1999.
(...)
4. O amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até a data em
que o Relator liberar o processo para pauta.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(ADI n. 4.071 AgR, Relator: Min. Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgado em
22.04.2009, DJe-195 Divulg 15-10-2009 Public 16-10-2009 Ement Vol-02378-01
PP-00085 RTJ VOL-00210-01 PP-00207).
Processual Civil. Agravo regimental. Controle de constitucionalidade
concentrado. Admissão de amicus curiae. Prazo.
Segundo precedente da Corte, é extemporâneo o pedido para admissão nos
autos na qualidade de amicus curiae formulado após a liberação da ação direta
de inconstitucionalidade para julgamento. Agravo regimental ao qual se nega
provimento (ADI n. 4.067 AgR, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe071 23-04-2010).
Tendo em vista, todavia, o inegável grau de representatividade da
requerente admito sua intervenção a partir do presente momento, no estado em
que se encontram os autos, sem adiamento do julgamento.
Ultrapassada a preliminar, cinge-se a controvérsia à verificação da incidência
da regra estabelecida no art. 26, II, do Código de Defesa do Consumidor, à
ação de prestação de contas ajuizada pelo ora recorrente, cliente da instituição
financeira ora recorrida, visando a obter esclarecimentos acerca da cobrança de
taxas, tarifas e/ou encargos, os quais reputa indevidos, em conta corrente de sua
titularidade.
O Tribunal de origem entendeu que a cobrança abusiva de taxas, tarifas
e outros encargos corresponde a um vício no serviço prestado pelo banco, de
fácil constatação, razão que determinaria o prazo decadencial de 90 (noventa)
dias para o direito de o cliente reclamá-lo. Por outro lado, quanto aos demais
lançamentos não correspondentes a serviços prestados pelo banco aplicou o
prazo de prescrição das ações pessoais previsto no art. 177 do Código Civil de
1916 (20 anos).
280
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
A jurisprudência desta Corte Superior possui, contudo, entendimento
consolidado no sentido de que o artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor
não tem aplicação em ação de prestação de contas ajuizada com o objetivo de se
obter esclarecimentos sobre lançamentos efetuados em conta corrente de cliente
bancário. A propósito, os seguintes precedentes:
Agravo regimental em recurso especial. Ação de prestação de contas.
O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes
ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo
aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca
revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente.
Independentemente do fornecimento de extratos bancários e da prova de prévio
pedido de esclarecimento, se há dúvida quanto à correção dos valores lançados
na conta, há interesse processual na ação de prestação de contas. Agravo
regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.021.221-PR, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 03.08.2010, DJe 12.08.2010);
Consumidor e Processual Civil. Agravo no recurso especial. Ação de prestação
de contas. Prazo decadencial. Não-aplicação do CDC.
O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou
de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência. Não tem qualquer
interferência com o julgado que se limitou a afirmar a ausência de provas sobre a
correção dos lançamentos que justificaram o saldo devedor.
Agravo no recurso especial não provido.
(AgRg no REsp n. 1.045.528-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 21.08.2008, DJe 05.09.2008).
Direito do Consumidor. Prestação de contas ajuizada em face de instituição
financeira. Cobrança não contratada de taxas e tarifas bancárias. Direito de
repetição. Prazo decadencial do art. 26, CDC. Inaplicabilidade.
Na hipótese de vício, os prazos são decadenciais, nos termos do art. 26 do CDC,
sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90 (noventa)
dias para produto ou serviço durável. Já a pretensão à reparação pelos defeitos
vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 5 (cinco) anos.
O pedido para repetição de taxas e tarifas bancárias pagas indevidamente,
por serviço não prestado, não se equipara às hipóteses estabelecidas nos arts.
20 e 26, CDC. Repetir o pagamento indevido não equivale a exigir reexecução
do serviço, à redibição e tampouco ao abatimento do preço, pois não se trata de
má-prestação do serviço, mas de manifesto enriquecimento sem causa, porque o
banco cobra por serviço que jamais prestou.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
281
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Os precedentes desta Corte impedem que a instituição financeira exija
valores indevidos, mesmo que tais quantias não tenham sido reclamadas
pelos consumidores nos prazos decadenciais do art. 26, CDC. Diante deste
entendimento, de forma análoga, não se pode impedir a repetição do indébito
reclamada pelo consumidor.
Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.094.270-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
02.12.2008, DJe 19.12.2008).
No sistema do Código de Defesa do Consumidor, são vícios as
características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços
impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam, ou lhes diminuam
o valor, ou apresentem divergência com as indicações constantes da embalagem
ou publicidade (CDC, art. 18). Como exemplo de serviço viciado, menciona
Júlio Cesar Bacovis aqueles que apresentam características com funcionamento
falho ou inadequado e que, portanto, não correspondem às expectativas de quem
contratou; assim a aplicação de veneno para matar o mato que não atinge tal
objetivo, o telhado que em vez de ser consertado continua com infiltração de
água em outro ou no mesmo lugar (Prescrição e Decadência no Código de
Defesa do Consumidor - Análise Crítica, publicado na Revista Jurídica, n. 379,
maio de 2009). Já o defeito ocorre, segundo o art. 12, § 1º, do CDC, quando o
produto não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se
em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais, sua apresentação, o
uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado
em circulação. Portanto, defeito é a combinação de vício e dano ao patrimônio
ou a própria pessoa, conclui o mencionado autor.
Nem todos os conflitos de interesse ocorridos no âmbito de relações
contratuais regidas pelo Código de Defesa do Consumidor podem ser
enquadrados como dizendo respeito a vício ou defeito do produto ou serviço, de
modo a ensejar a incidência dos prazos de decadência (art. 26) ou de prescrição
(art. 27) estabelecidos no referido diploma legal. Estando fora dos conceitos
legais de vício ou defeito, aplica-se o prazo de prescrição do Código Civil.
A propósito do tema, Leonardo de Medeiros Garcia disserta:
Indagação importante é se a norma disposta no art. 27 estaria limitada ao
“acidente de consumo”, ou seja, à ocorrência de vícios de qualidade por
insegurança; ou se poderia ser aplicada a toda e qualquer ação indenizatória
(porquanto, prescricional) oriunda de relação de consumo, como por exemplo,
282
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
indenização por inadimplemento contratual ou por danos morais sem que haja
potencialidade de causar acidente.
Ao que parece, o CDC não desejou disciplinar toda espécie de responsabilidade.
Somente o fez em relação àquelas que entendeu ser específicas para as
relações de consumo. Nesse sentido é que deu tratamento diferenciado para
a responsabilidade pelo fato e por vício do produto e serviço, deixando outras
modalidades de responsabilidade serem tratadas em normas específicas ou no
Código Civil. (...)
O art. 27 é claro no sentido de delimitar sua aplicação às situações concernentes
à “reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na
Seção II deste Capítulo,” ou seja, a aplicação da norma é restrita às hipóteses de
acidente de consumo. (...)
Assim, com a devida vênia dos que entendem em sentido contrário, entendo
que as demais ações condenatórias (que não envolvam acidente de consumo)
oriundas das relações de consumo têm os respectivos prazos estabelecidos pelo
Código Civil ou leis específicas, cuja aplicação é subsidiária.
Corroborando a tese exposta, destaca a Minª. Nancy Andrighi que
“importa ponderar que o fato de o CDC ter regulado duas novas categorias de
responsabilidade: do vício e do fato do produto, não exclui aquelas previstas no
CC. Ao contrário, havendo multifárias formas de se gerar dano, a coexistência
de diferentes responsabilidades é medida que se impõe como pressuposto
de justiça (...) Assim, ainda que haja relação de consumo, podem haver outras
espécies de responsabilidade (legal, contratual, extracontratual) que não tratou
o CDC. Com esta consideração, ao exegeta não se impõe o trabalho de tentar
subsumir toda e qualquer situação fática danosa às responsabilidades regradas
no código consumerista. Não reunidos os pressupostos destas, há que se invocar
por extensão o Código Civil para que se cumpra o postulado ético “ onde há dano
deve haver reparação.
(GARCIA, Leonardo de Medeiros. DIREITO DO CONSUMIDOR: código
comentado, jurisprudência, doutrina, questões, Decreto n. 2.181/1997. 6ª ed. rev.,
ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2010.)
Da jurisprudência deste Tribunal cito, dentre outros, os seguintes
precedentes:
Civil. Acidente de veículo. Seguro. Indenização. Recusa. Prescrição ânua.
Código Civil, art. 178, § 6º, II. Inaplicabilidade à espécie do Código de Defesa do
Consumidor, art. 27.
I. Em caso de recusa da empresa seguradora ao pagamento da indenização
contratada, o prazo prescricional da ação que a reclama é o de um (1) ano, nos
termos do art. 178, parágrafo 6º, inciso II, do Código Civil.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
283
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
II. Inaplicabilidade do lapso prescricional qüinqüenal, por não se enquadrar a
espécie do conceito de “danos causados por fato do produto ou do serviço”, na
exegese dada pela 2ª Seção do STJ, uniformizadora da matéria, ao art. 27 c.c. os
arts. 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor.
III. Recurso especial conhecido e provido (grifos nossos).
(REsp n. 207.789-RJ, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/
acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, julgado em 27.06.2001,
DJ 24.09.2001, p. 234).
Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ministério Público. Plano
de saúde. Interesse individual indisponível. Reajuste. Cláusula abusiva. Prescrição.
Art. 27 do CDC. Inaplicabilidade. Lei n. 7.347/1985 omissa. Aplicação do art. 205
do CC/2002. Prazo prescricional de 10 anos. Recurso não provido.
1. A previsão infraconstitucional a respeito da atuação do Ministério Público
como autor da ação civil pública encontra-se na Lei n. 7.347/1985 que dispõe
sobre a titularidade da ação, objeto e dá outras providências. No que concerne ao
prazo prescricional para seu ajuizamento, esse diploma legal é, contudo, silente.
2. Aos contratos de plano de saúde, conforme o disposto no art. 35-G da
Lei n. 9.656/1998, aplicam-se as diretrizes consignadas no CDC, uma vez que a
relação em exame é de consumo, porquanto visa a tutela de interesses individuais
homogêneos de uma coletividade.
3. A única previsão relativa à prescrição contida no diploma consumerista (art.
27) tem seu campo de aplicação restrito às ações de reparação de danos causados
por fato do produto ou do serviço, não se aplicando, portanto, à hipótese dos
autos, em que se discute a abusividade de cláusula contratual.
4. Por outro lado, em sendo o CDC lei especial para as relações de consumo –
as quais não deixam de ser, em sua essência, relações civis – e o CC, lei geral sobre
direito civil, convivem ambos os diplomas legislativos no mesmo sistema, de
modo que, em casos de omissão da lei consumerista, aplica-se o CC.
5. Permeabilidade do CDC, voltada para a realização do mandamento
constitucional de proteção ao consumidor, permite que o CC, ainda que lei geral,
encontre aplicação quando importante para a consecução dos objetivos da
norma consumerista.
6. Dessa forma, frente à lacuna existente, tanto na Lei n. 7.347/1985, quanto no
CDC, no que concerne ao prazo prescricional aplicável em hipóteses em que se
discute a abusividade de cláusula contratual, e, considerando-se a subsidiariedade
do CC às relações de consumo, deve-se aplicar, na espécie, o prazo prescricional
de 10 (dez) anos disposto no art. 205 do CC.
7. Recurso especial não provido.
(REsp n. 995.995-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 16.11.2010)
284
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Como exemplo de vício de serviço bancário, poderia eu figurar a hipótese
de um investidor que solicitasse a aplicação de seus recursos em determinado
tipo de investimento de risco e o empregado do banco o aplicasse em caderneta
de poupança ou vice-versa. Não reclamado pelo correntista o equívoco na
prestação do serviço no prazo decadencial de 90 dias, perderia o direito de
postular ressarcimento por eventual prejuízo ou diferença de rendimentos.
Igualmente ocorreria vício de serviço, se o banco deixasse de promover o débito
em conta de fatura previamente agendada, caso em que o cliente teria o prazo de
90 dias para reclamar dos prejuízos causados pela falha na prestação do serviço.
Já o débito em conta corrente de tarifas bancárias não se enquadra no
conceito legal de vício de quantidade ou qualidade do serviço bancário e
nem no de defeito do serviço, ligado este, por expressa definição legal, à falta
de segurança que dele legitimamente se espera. Trata-se custo contratual
dos serviços bancários, não dizendo respeito à qualidade, confiabilidade ou
idoneidade dos serviços prestados.
A explicitação das tarifas debitadas em conta corrente do consumidor,
assim como dos demais tipos de lançamentos a crédito e a débito efetuados, por
meio de prestação de contas, destina-se à verificação da legalidade da cobrança
(ou do direito à repetição ou compensação), direito pessoal, portanto, que tem
como prazo de prescrição (e não de decadência) o mesmo da ação de prestação
de contas em que solicitada esta explicitação e também o mesmo prazo da ação
de cobrança correspondente.
De fato, o escopo da ação de prestação de contas em casos tais não é a
reclamação de vícios (aparentes ou de fácil constatação) no fornecimento de
serviço prestado. Não se cuida, também, de reclamação a propósito da idoneidade
dos extratos mensais já encaminhados pelo banco. Pretende-se esclarecimentos
sobre os lançamentos efetuados em conta corrente, o que a jurisprudência
sumulada do STJ entende ser direito do cliente bancário, independentemente
dos extratos periodicamente recebidos (Súmula n. 259). A ação de prestação
de contas constitui-se em medida anterior, prévia, para eventual solicitação da
compensação ou repetição dos lançamentos efetuados em sua conta, sujeitandose, pois, ao prazo de prescrição estabelecido no Código Civil.
Nesse passo, relembro a lição deixada pelo saudoso Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.
685.297-MG:
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
285
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou
de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência. Não tem qualquer
interferência com o julgado que se limitou a afirmar a ausência de provas sobre
a correção dos lançamentos que justificaram o saldo devedor. Não se trata de
nenhum vício, mas, sim, de falta de prova do que o banco pretende cobrar.
(...), imaginar que os correntistas ficariam inibidos de contestar débito
resultante de lançamentos unilaterais pela aplicação do dispositivo equivaleria
a conceder uma autorização em branco para a formação dos débitos a partir
do fornecimento de extratos bancários mensais. Não se pode impedir que o
correntista, diante de ação de cobrança ajuizada pelo banco, conteste os
lançamentos a salvo da decadência prevista no art. 26 do Código de Defesa do
Consumidor. (...)
Na mesma linha foi o entendimento foi consagrado pela 1ª Seção desta
Corte, no julgamento do REsp n. 1.144.354-RJ, submetido ao rito dos recursos
repetitivos, conforme se verifica do seguinte acórdão:
Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Tarifa de água e esgoto.
Restituição de tarifa de esgoto paga indevidamente. Prescrição regulada pelo
Código Civil. Agravo não provido.
1. Relativamente ao prazo prescricional, a Primeira Seção do Superior Tribunal
de Justiça, em 09.09.2009, mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC,
ao julgar o REsp n. 1.113.403-RJ, concluiu que, em se tratando de pretensão para a
restituição de tarifa de serviço paga indevidamente, não há como aplicar a norma
inserta no art. 27 CDC, que cuida da reparação de danos causados por defeito na
prestação de serviços, sendo cabível, portanto, a incidência da regra prevista no
Código Civil.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.144.354-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª Turma, data
da pub. DJe 23.02.2011).
Logo, tendo o consumidor dúvidas quanto à lisura dos lançamentos
efetuados pelo Banco, é cabível a ação prestação de contas, sujeita ao prazo de
prescrição regulado pelo Código Civil, imune ao prazo decadencial estabelecido
no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que esta não se
confunde com a reclamação por vício no produto ou no serviço, prevista no
mencionado dispositivo legal.
Registro, por fim, que a alegação feita em memorial da Febraban de
que, caso afastada a aplicação do art. 26, II, do CPC, seja estabelecido,
alternativamente, o prazo para a prestação de contas em 03, ou no máximo,
286
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
05 anos, adotando-se com fundamento os arts. 206, § 3º, IV, do Código Civil
(pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa) ou 27 do CDC
(reparação de danos por fato do produto ou do serviço) é matéria não devolvida
ao conhecimento do STJ no presente recurso especial. Com efeito, o acórdão
recorrido aplicou a decadência do art. 26 do CDC apenas para o correntista
reclamar das tarifas e outros encargos relativos à cobrança dos serviços bancários.
Para a prestação de contas referente aos demais lançamentos, julgou incidente
a prescrição vintenária, com base no art. 177 do Código Civil revogado, sem
recurso por parte do banco. A inovação trazida no memorial também não foi
cogitada nas contra-razões ao recurso especial, na qual se sustentou, ao revés, que
o prazo de prescrição da ação de prestação de contas seria realmente vintenário,
mas que passado o prazo de decadência de 90 dias não mais se poderia exigir a
devolução de possível valor indevido (fl. e-STJ 272).
A tese assentada para os efeitos previstos no art. 543-C, do CPC, é, pois,
a de que o prazo de decadência estabelecido no art. 26 do Código de Defesa
do Consumidor não é aplicável à ação de prestação de contas ajuizada com o
escopo de se obter esclarecimentos acerca da cobrança de taxas, tarifas e/ou
encargos bancários.
Em face do exposto, dou provimento ao recurso especial, determinando,
após a publicação do acórdão, a comunicação ao Presidente e aos Ministros
integrantes das Turmas da 2ª Seção desta Corte, bem como aos Presidentes dos
Tribunais de Justiça dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais, para os
procedimentos previstos no art. 543-C, parágrafo 7º, incisos I e II, do Código
de Processo Civil, na redação dada pela Lei n. 11.672/2008, e no art. 5º, incisos
I, II, e III da Resolução-STJ n. 8/2008.
É como voto.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto
por Altair Luiz Ehrlich, com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF/1988,
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - TJ-PR.
Ação: de prestação de contas ajuizada pelo recorrente em face do Banco do
Brasil S.A., tendo por objeto a apresentação de esclarecimentos e documentos
relativos ao contrato de manutenção de conta-corrente que o recorrente mantém
junto à instituição financeira recorrida (e-STJ fls. 04-20).
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
287
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sentença: julgou procedente o pedido do recorrente, a fim de condenar o
Banco do Brasil a prestar as contas mencionadas na inicial (e-STJ fls. 112-115).
O recorrido interpôs recurso de Apelação (e-STJ fls. 119-131) e o recorrente
apresentou recurso adesivo, com a finalidade de majorar a verba de sucumbência
(e-STJ fls. 160-167).
Acórdão: o TJ-PR deu parcial provimento à apelação do recorrido e
negou provimento ao recurso adesivo interposto pelo recorrente, nos termos da
seguinte ementa (e-STJ fls. 185-213):
Apelação cível. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de
abertura de crédito em conta-corrente. Preliminares de não-conhecimento do
recurso, de ilegitimidade passiva ad causam, de impossibilidade jurídica do
pedido e de ausência de interesse de agir afastadas. Direito pessoal do correntista
em promover a ação de prestação de contas. Prescrição vintenária. Irregularidades
nos serviços prestados pelo banco. Prazo decadencial de 90 (noventa) dias
para sua reclamação (artigo 26, II, do CDC). Vício aparente de fácil constatação.
Insurgência quanto ao período das contas a serem prestadas. Resoluções do
Banco Central. Insubsistência. Regra prevalente do Código Civil. Custos oriundos
do fornecimento de novos extratos. Ônus a ser suportado pela instituição
financeira. Recurso adesivo. Honorários advocatícios. Majoração. Impossibilidade.
Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo desprovido.
Embargos de Declaração: interpostos pelo recorrente para efeitos de
prequestionamento (e-STJ fls. 216-222), foram rejeitados (e-STJ fls. 226233).
Recurso Especial: alega violação do art. 26, II, do CDC, bem como
divergência jurisprudencial. Segundo o recorrente, a prestação de contas é “um
direito pessoal do recorrente”, de maneira que “não é possível a aplicação do
prazo de decadência estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, mas
sim o prazo prescricional previsto no Código Civil” (e-STJ fls. 237-249).
Exame de Admissibilidade: o i. Des. Vidal Coelho, presidente do TJ-PR,
admitiu o recurso especial como representativo da controvérsia, nos termos do
art. 543-C, § 1º, do CPC, e determinou a remessa dos autos ao STJ (e-STJ fl.
293).
Decisão unipessoal: considerando a multiplicidade de recursos com
fundamento em idêntica questão de direito, a i. Min. Maria Isabel Gallotti
afetou o julgamento deste recurso à 2ª Seção, suspendendo o processamento dos
recursos especiais que tratem de tema análogo (e-STJ fls. 309-310).
288
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Parecer do MPF: de lavra do i. Subprocurador-Geral da República
João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho, opina pelo conhecimento e
provimento do Recurso Especial (e-STJ fls. 302-305).
Petição: a Federação Brasileira de Bancos - Febraban requereu sua
admissão como amicus curiae, aduzindo que “a existência de recentíssimos
acórdãos, unânimes, da 4ª Turma” demonstra a impossibilidade de processamento
do presente Recurso Especial sob o regime previsto pelo art. 543-C do CPC.
No mérito, sustenta a aplicação do prazo decadencial do art. 26, II, do CDC
à espécie dos autos, pois “o esclarecimento sobre os lançamentos realizados
integra o serviço durável de conta corrente, de modo que qualquer inadequação
relativa a tais esclarecimentos revela inadequação do serviço” (e-STJ fls. 317385).
Voto da Relatora: a i. Min. Maria Isabel Gallotti deu provimento ao
recurso especial, sob o fundamento de que “a explicitação das tarifas debitadas
em conta corrente do consumidor, por meio da prestação de contas, é
pressuposto da verificação da legalidade da cobrança (ou do direito à repetição
ou compensação), direito pessoal, portanto, que tem como prazo de prescrição
o mesmo da ação de prestação de contas em que solicitada esta explicitação e
também o mesmo prazo da ação de cobrança correspondente.”
É o relatório.
Cinge-se a lide a determinar se o direito do correntista em pleitear a
prestação de contas da instituição financeira está sujeito ao prazo decadencial
previsto no art. 26 do CDC ou ao prazo prescricional regulado pelo Código
Civil.
Apesar de já ter sido objeto de diversas manifestações desta Corte, o tema
ainda suscita divergências. A questão, portanto, se amolda perfeitamente aos
propósitos do procedimento do art. 543-C do CPC, cujo objetivo é unificar o
entendimento e orientar a solução de lides futuras, conferindo maior celeridade
à prestação jurisdicional.
Além do acórdão trazido pelo recorrente para demonstrar o dissídio
jurisprudencial – proferido no julgamento do REsp n. 685.297-MG, 3ª Turma,
Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 29.08.2005 – existem outros
precedentes desta Corte no sentido de que “é vintenária a prescrição da ação de
prestação de contas”, à qual não se aplica o prazo decadencial previsto no art.
26 do CDC (REsp n. 37.526-CE, 3ª Turma, Rel. Min. Cláudio Santos, DJ de
08.08.1994). No mesmo sentido: REsp n. 1.033.241-RS, 2ª Seção, Rel. Min.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
289
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Aldir Passarinho Junior, DJ de 05.11.2008; REsp n. 1.094.270-PR, 3ª Turma,
de minha relatoria, DJe de 19.12.2008; AgRg no REsp n. 708.073-DF, 4ª
Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 15.03.2010).
Tanto a Febraban (amicus curiae) quanto o Banco do Brasil alegam a
incidência da norma do art. 26, II, do CDC à espécie. Assim, o prazo decadencial
para que o consumidor de serviços bancários reclame por vícios aparentes em
relação ao fornecimento de produtos e serviços expira em 90 (noventa) dias após
a data de recebimento dos extratos.
A exata compreensão da controvérsia demanda, antes de mais nada, a
constatação de que, da relação jurídica estabelecida entre o banco e seus clientes,
emergem dois direitos absolutamente distintos: (i) o de solicitar a prestação
de contas, que tem por base a gestão de recursos alheios e não pressupõe a
ocorrência de nenhum ilícito; e (ii) o de reclamar por eventuais vícios, seja eles
ocultos seja aparentes.
As ações de prestações de contas ajuizadas pelos consumidores de serviços
bancários buscam verificar a regularidade da gestão dos recursos financeiros que
estes mantêm junto à instituição financeira, ou seja, representam o exercício
de um direito individual, decorrente da administração de bens e interesses do
correntista por terceiro.
Assim, embora seja necessário reconhecer que os bancos, via de regra,
disponibilizam extratos periódicos com as principais transações efetuadas pelo
correntista, essa providência não os exime da prestação das contas de sua gestão.
Isso porque esses extratos são demonstrativos unilaterais, que muitas vezes
trazem códigos de difícil compreensão para relacionar os encargos cobrados,
porém sem especificá-los detalhadamente. Esta Corte já teve a oportunidade
de afirmar que “o titular da conta tem (...) legitimidade e interesse para ajuizar
ação de prestação de contas contra a instituição financeira, sendo esta obrigada a
prestá-las, independentemente do envio regular de extratos bancários” (REsp n.
258.744-SP, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 07.11.2005).
Com efeito, a emissão periódica dos extratos de conta-corrente não elide
a obrigação de prestar contas. Esses extratos, infelizmente, são por vezes vagos,
genéricos e contêm dados ininteligíveis. Assim, “a prestação de contas não
significa a simples apresentação material daquelas, mas é todo um instrumento
de determinação da certeza do saldo credor ou devedor daquele que administra
e guarda bens alheios, sendo certo que a prestação amigável de contas (...) não
impede a ida a juízo daquele que tem direito de exigi-la” (Bortolai, Edson
Cosac. Da ação de prestação de contas. São Paulo: Saraiva, 3ª. Ed., 1988, p. 95).
290
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Como ressalvado inicialmente, a análise da alegação de suposta ofensa
ao art. 26, II, do CDC exige que se distinga o direito à prestação de contas do
direito a reclamar por vícios do serviço.
O pressuposto da prestação de contas não é a existência de ato ilícito ou de
vício – seja ele oculto seja aparente – mas consubstancia meramente um dever
geral inerente ao contrato de gestão de patrimônio alheio. Esse dever geral de
prestar contas, que não encontra regulação específica no CDC, é disciplinado
pelo Código Civil, inclusive no que tange à prescrição, não obstante a relação
entre o banco e seus correntistas seja, essencialmente, de consumo.
O direito de reclamar por vícios, por sua vez, não se confunde com as
hipóteses nas quais o correntista pretende que o banco preste contas dos
contratos entre eles firmados. Eventuais vícios ou ilícitos, inclusive, podem ser
constatados apenas nessa prestação de contas ou até mesmo serem identificados
independentemente dela, o que evidencia a autonomia de um direito frente ao
outro.
Nesse contexto, anoto que o lançamento de débitos indevidos pela
instituição financeira nem sempre é considerado um vício do serviço bancário,
especialmente diante da definição que o CDC confere à prestação defeituosa
dessas atividades. Caso seja verificada a cobrança abusiva de encargos, por
exemplo, o debate terá por objeto a ilegalidade dessa arrecadação face ao
contrato celebrado entre correntista e o banco. Não se trata, portanto, de
defeito na acepção do art. 20 do CDC. Segundo o Prof. Zelmo Denari, “os
serviços padecem de vício de qualidade quando são impróprios ao consumo,
ou seja, quando se mostram inadequados para os fins que dele se esperam ou
não atendam às normas regulamentares de prestabilidade”, ou, ainda, “quando
houver disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem
publicitária” (Grinover, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do
consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense,
Universitária, 2001, p. 192).
Além do mais, ainda que fosse admitido o entendimento segundo o qual os
débitos indevidos constituem vícios na prestação do serviço bancário, é evidente
que essa falha nem sempre pode ser qualificada como um vício aparente ou de
fácil verificação, especialmente quando só constatada no decorrer da segunda
fase da ação de prestação de contas.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
291
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Conclui-se que, para fins de estabelecimento da tese repetitiva - nos
termos do art. 543-C - a ação de prestação de contas proposta por correntista em face
de instituição financeira deriva da gestão de patrimônio alheio, independentemente da
natureza da relação jurídica subjacente, razão pela qual a prescrição deve obedecer aos
dispositivos do Código Civil, excluída a aplicação da norma do art. 26 do CDC.
Do recurso representativo
A sentença julgou procedente o pedido inicial, a fim de condenar o Banco
do Brasil à prestação das contas pleiteadas pelo recorrente. O TJ-PR, contudo,
deu parcial provimento à apelação da instituição financeira, reconhecendo a
decadência do direito do recorrente e aduzindo que “em se tratando de eventual
irregularidade na cobrança dos serviços bancários, tem o correntista o prazo de
90 (noventa) dias para interpor sua reclamação, diante de vício aparente e de
fácil constatação, no produto ou serviço prestado pela instituição financeira”
(e-STJ fl. 205).
Assim, o recurso especial há de ser provido para, com base nos fundamentos
e conclusões contidos nos itens anteriores, afastar a alegação de decadência do
direito do recorrente, de modo a restabelecer a Sentença proferida pelo Juízo da
2ª Vara Cível da Comarca de Toledo-PR.
Forte nessas razões, acompanho na íntegra o laborioso voto da i. Min.
Relatora e dou provimento ao recurso especial.
QUESTÃO DE ORDEM
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Eu persisto no entendimento de
que foi adequadamente posto como repetitivo, para que seja decidida apenas a
questão concernente à aplicação do prazo de decadência previsto no art. 26, do
CDC. A questão do prazo de prescrição não consta do recurso e, portanto, não
foi afetada, nada interferindo com o presente julgamento, data vênia.
QUESTÃO DE ORDEM
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: Manterei a minha sugestão, Sr.
Presidente, de julgarmos na Seção, sem o efeito repetitivo, apenas para
definirmos a tese.
292
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
QUESTÃO DE ORDEM
O Sr. Ministro Raul Araújo Filho: Sr. Presidente, acompanho a eminente
Relatora. Também sou pela manutenção do repetitivo.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1.- Trata-se de Recurso Especial processado
como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C do Código de
Processo Civil, no qual se discute a incidência do prazo decadencial previsto no
art. 26 do Código de Defesa do Consumidor nas ações de prestação de contas
ajuizadas pelo consumidor, fundadas em contrato de abertura de crédito em
conta-corrente.
2.- Narram os autos que Altair Luiz Ehrlich interpôs Recurso Especial,
com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra Acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (Relatora Desembargadora Maria
Mercis Gomes Aniceto), proferido em autos de Ação de Prestação de Contas
ajuizada pelo recorrente contra o Banco do Brasil S/A, objetivando a obtenção
de esclarecimentos relativos às movimentações feitas no contrato de abertura de
crédito em conta-corrente firmado pelas partes.
O pedido foi julgado procedente (e-STJ fls. 112-115) para condenar o
ora recorrido a prestar as contas requeridas, na forma do art. 917 do Código de
Processo Civil, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), sob pena de não poder
impugnar as contas que o autor apresentar, nos termos do art. 915, § 2º, do
Código de Processo Civil.
Inconformadas, apelaram as partes ao e. Tribunal a quo, que conferiu
parcial provimento ao recurso da instituição financeira, acolhendo a prejudicial
de mérito alegada, para reconhecer a decadência do direito do recorrido, e negou
provimento ao apelo adesivo do autor, em Acórdão assim ementado (e-STJ fls.
191-192):
Apelação cível. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de
abertura de crédito em conta-corrente. Preliminares de não-conhecimento do
recurso, de ilegitimidade passiva ad causam, de impossibilidade jurídica do
pedido e de ausência de interesse de agir afastadas. Direito pessoal do correntista
em promover a ação de prestação de contas. Prescrição vintenária. Irregularidades
nos serviços prestados pelo banco. Prazo decadencial de 90 (noventa) dias
para sua reclamação (artigo 26, II, do CDC). Vício aparente de fácil constatação.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
293
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Insurgência quanto ao período das contas a serem prestadas. Resoluções do
Banco Central. Insubsistência. Regra prevalente do Código Civil. Custos oriundos
do fornecimento de novos extratos. Ônus a ser suportado pela instituição
financeira. Recurso adesivo. Honorários advocatícios. Majoração. Impossibilidade.
Recurso de apelação parcialmente provido. Recurso adesivo desprovido.
3.- Embargos de Declaração interpostos pelo recorrente (e-STJ fls. 216222) foram rejeitados (e-STJ fls. 226-233).
4.- As razões de Recurso Especial apontam ofensa ao artigo 26, II, do
Código de Defesa do Consumidor, bem como dissídio jurisprudencial.
Sustenta o recorrente, em suma, que não pode ser aplicado, no caso, o prazo
de decadência estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, por tratar-se
a hipótese do direito pessoal do correntista de exigir a prestação de contas dos
lançamentos efetuados em sua conta-corrente.
Argumenta que, ainda que se entenda pela aplicação do dispositivo em
comento, deve-se considerar que os vícios existentes são ocultos, devendo o
prazo decadencial de 90 dias incidir apenas após o trânsito em julgado da ação
de prestação de contas.
5.- Contra-arrazoado (e-STJ fls. 269-277), o Recurso Especial foi admitido
na origem como representativo da controvérsia (e-STJ fls. 293).
6.- O Ministério Público Federal opinou, por intermédio do e.
Subprocurador-Geral da República Dr. João Pedro de Saboia Bandeira de Mello
Filho pelo conhecimento e provimento do Recurso Especial.
7.- A Ministra Maria Isabel Gallotti, e. Relatora, deu provimento ao
Recurso Especial, sendo acompanhada pela e. Ministra Nancy Andrighi.
8.- Após proferido o voto da e. Ministra Nancy Andrighi, foi suscitada
Questão de Ordem, tendo a Segunda Seção, por maioria, decidido manter o
julgamento do processo como recurso repetitivo.
9.- O e. Ministro João Otávio de Noronha proferiu, então, voto divergente
sem, contudo, apresentar, até este momento, suas razões de decidir.
É o relatório.
10.- Inicialmente, cumpre consignar que não foram trazidas para esta
Corte, por meio do Recurso Especial interposto, as discussões a respeito da
possibilidade jurídica do pedido de prestação de contas e do interesse de agir
do correntista, muito embora tenham sido tratadas pelo Acórdão recorrido,
fazendo-se, com relação a esses tópicos, a necessária ressalva do meu ponto
294
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
de vista pessoal, uma vez que, nesses pontos, tenho entendimento divergente
daquele adotado pelo Acórdão recorrido e da jurisprudência firmada neste
Tribunal sobre a matéria, pois entendo não ser cabível a prestação de contas em
casos como o presente.
11.- Com relação à questão tratada no Recurso Especial, a matéria, como
já observado pelas Eminentes Ministras Relatora e Nancy Andrighi, já está
pacificada no âmbito da Segunda Seção desta Corte.
12.- Como visto, o Acórdão recorrido diverge do entendimento deste
Tribunal no sentido de que o artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do
Consumidor não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição
do direito do correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em
sua conta-corrente. Isso porque o dispositivo em comento refere-se à decadência
do direito de reclamar pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios
ocultos, o que não se amolda à hipótese em tela.
Nesse sentido:
Agravo regimental em recurso especial. Ação de prestação de contas.
O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes ou
de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo aplicação
em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca revisar ou
questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Independentemente do
fornecimento de extratos bancários e da prova de prévio pedido de esclarecimento, se
há dúvida quanto à correção dos valores lançados na conta, há interesse processual
na ação de prestação de contas. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.021.221-PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta
Turma, julgado em 03.08.2010, DJe 12.08.2010);
Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo
regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Ação de repetição de indébito.
Contratos bancários. Prescrição vintenária. Incidência. Prazo decadencial do art.
26, II, do CDC. Inaplicabilidade. Precedentes. Agravo improvido.
(EDcl no Ag n. 1.130.640-PR, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma,
julgado em 09.06.2009, DJe 19.06.2009);
Agravo regimental. Recurso especial. Decisão monocrática. Artigo 557,
§ 1º-A, do Código de Processo Civil. Possibilidade. Ação de prestação de
contas. Decadência. Artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.
Inaplicabilidade. Decisão agravada mantida.
Improvimento.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
295
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - Nos termos do artigo 557, § 1º-A, do CPC, com redação dada pela Lei n.
9.756/1998, o Relator poderá dar provimento ao recurso especial quando o
Acórdão recorrido estiver em divergência com a jurisprudência desta Corte.
II - O artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica
às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista
de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Isso
porque o dispositivo em comento refere-se à decadência do direito de reclamar
pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos, o que não se
amolda à hipótese em tela.
III - O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a
conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.
Agravo improvido.
(AgRg no REsp n. 1.064.246-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,
julgado em 05.03.2009, DJe 23.03.2009);
Agravo regimental. Recurso que não logra infirmar os fundamentos da decisão
agravada. Ação de prestação de contas. Direito do correntista. Lançamentos.
Conta-corrente. Art. 26 da Lei n. 8.078/1990. Inaplicabilidade.
1. Mantém-se na íntegra a decisão recorrida cujos fundamentos não foram
infirmados.
2. O prazo decadencial de que trata o art. 26, II e §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.078/1990
não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do
correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua contacorrente.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.053.734-PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta
Turma, julgado em 09.12.2008, DJe 18.12.2008);
Direito do Consumidor. Prestação de contas ajuizadas em face de instituição
financeira. Cobrança não contratada de taxas e tarifas bancárias. Direito de
repetição. Prazo decadencial do art. 26, CDC. Inaplicabilidade.
- Na hipótese de vício, os prazos são decadenciais, nos termos do art. 26
do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90
(noventa) dias para produto ou serviço durável. Já a pretensão à reparação pelos
defeitos vem regulada no art. 27 do CDC, prescrevendo em 05 (cinco) anos.
- O pedido para repetição de taxas e tarifas bancárias pagas indevidamente,
por serviço não prestado, não se equipara às hipóteses estabelecidas nos arts.
20 e 26, CDC. Repetir o pagamento indevido não equivale a exigir reexecução
do serviço, à redibição e tampouco ao abatimento do preço, pois não se trata de
má-prestação do serviço, mas de manifesto enriquecimento sem causa, porque o
banco cobra por serviço que jamais prestou.
296
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
- Os precedentes desta Corte impedem que a instituição financeira exija
valores indevidos, mesmo que tais quantias não tenham sido reclamadas
pelos consumidores nos prazos decadenciais do art. 26, CDC. Diante deste
entendimento, de forma análoga, não se pode impedir a repetição do indébito
reclamada pelo consumidor.
Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.094.270-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
02.12.2008, DJe 19.12.2008); e
Ação de cobrança. Saldo devedor. Impugnação dos lançamentos. Art. 26 do
Código de Defesa do Consumidor. Art. 333, I e II, do Código de Processo Civil.
1. O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes
ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência. Não tem qualquer
interferência com o julgado que se limitou a afirmar a ausência de provas sobre a
correção dos lançamentos que justificaram o saldo devedor. Não se trata de nenhum
vício, mas, sim, de falta de prova do que o banco pretende cobrar. Outrossim,
imaginar que os correntistas ficariam inibidos de contestar débito resultante de
lançamentos unilaterais pela aplicação do dispositivo equivaleria a conceder uma
autorização em branco para a formação dos débitos a partir do fornecimento de
extratos bancários mensais. Não se pode impedir que o correntista, diante de ação
de cobrança ajuizada pelo banco, conteste os lançamentos a salvo da decadência
prevista no art. 26 do Código de Defesa do Consumidor.
2. O autor é que tem de provar o seu direito ao crédito, quando impugnado
pelo réu, compelido o banco a juntar documentos que comprovem a veracidade
dos lançamentos. Se os documentos juntados não comprovam, o autor não pode
cobrar o débito que se mostrou insubsistente.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 685.297-MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 07.06.2005).
13.- Com estas observações, acompanha-se o voto da e. Relatora.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): Sr. Presidente, ouvi
atentamente os debates.
A questão ora objeto de análise vinha sendo suscitada por força de decisões
unipessoais do Ministro Aldir Passarinho Junior, que entendia aplicável o
Enunciado da Súmula n. 7-STJ para as ações de prestação de contas relativas
a taxas e tarifas bancárias, nas quais o Tribunal local constatava a decadência
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
297
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
do direito do autor, aplica-se o artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do
Consumidor, relativo à decadência para reclamar vícios aparentes e de fácil
constatação.
Houve, efetivamente, um grande número de causas relacionadas a prestação
de contas bancárias que fizeram com que eu, inclusive, pensasse em alteração da
jurisprudência consolidada desta Corte.
Contudo, o voto da eminente Relatora, Ministra Maria Isabel, é bastante
elucidativo e permite verificar que a jurisprudência é realmente sólida em não
admitir a aplicação do artigo 26, inciso II, do CDC para as ações de prestação
de contas.
Certamente, a decadência é a perda do direito material pela inércia da
parte que deveria praticar determinado ato dentro de um lapso temporal
específico para preservar seu direito e não o fez. O pressuposto é que se não
houve interesse do consumidor em buscar a reparação do dano, inviável seria
permitir o que o fornecedor ad perpetum se responsabilize pelo produto/serviço.
Após vasta pesquisa jurisprudencial, verifiquei que somente nos processos
de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior, aplicou-se o
entendimento no sentido de que a decadência estabelecida pelo art. 26, II do
CDC, deve incidir para as ações de prestação de contas quando se tratar de
reclamação proveniente de “vícios aparentes ou de fácil constatação”.
O Ministro Aldir alegava que, em relação às tarifas bancárias decorrentes
de serviços prestados pela instituição financeira, é inverossímil supor que exista
alguma irregularidade se o cliente aceitou os débitos que foram feitos em sua
conta, sob esse título, posto que tais débitos são facilmente identificados nos
extratos e discriminados através de rubricas específicas.
Em todos os precedentes existentes, o Ministro Aldir aplicou o Enunciado
da Súmula n. 7-STJ, informando que seria inviável revolver matéria fáticoprobatória para concluir de forma contrária ao entendimento exarado pelo
Tribunal de origem, que, baseado nas provas constantes dos autos, entendeu que
taxas e tarifas bancárias são consideradas vício aparente e de fácil constatação,
posto que verificáveis de plano pela simples leitura dos extratos mensais.
Assim estão ementados os inúmeros julgados:
Civil e Processual Civil. Agravo regimental. Ação de prestação de contas. “Vícios
aparentes ou de fácil constatação”. CDC, art. 26, II. Decadência. Análise da matéria
fática colacionada. Recurso especial. Reexame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ.
298
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
I. Tratando-se de “vícios aparentes ou de fácil constatação” (art. 26, II, do CDC),
aplica-se à ação de prestação de contas o prazo decadencial de 90 (noventa) dias.
II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” Súmula n. 7-STJ.
III. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.032.789-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta
Turma, julgado em 18.11.2010, DJe 1º.12.2010).
Confiram-se outros acórdãos deste mesmo relator, que retratam, no mesmo
sentido o posicionamento acima explicitado: AgRg no REsp n. 1.076.590-PR;
AgRg no REsp n. 1.100.211-PR; AgRg no REsp n. 1.100.245-PR; AgRg no
REsp n. 1.101.361-PR; AgRg no REsp n. 1.103.213-PR; AgRg no REsp n.
1.103.351-PR; AgRg no REsp n. 1.106.884-PR; AgRg no REsp n. 1.033.123PR; AgRg no REsp n. 1.050.160-PR; AgRg no REsp n. 1.063.220-PR; AgRg
no REsp n. 1.109.682-PR; AgRg no REsp n. 1.076.196-PR; AgRg no REsp n.
1.033.841-PR; AgRg no REsp n. 1.054.298-PR; AgRg no REsp n. 1.079.523PR; AgRg no REsp n. 980.205-PR; AgRg no REsp n. 1.054.018-PR e AgRg
no REsp n. 1.137.725-PR.
Entretanto, no outro extremo, inúmeros são os julgados que rechaçam a
aplicação do mencionado artigo do Código Consumerista, ainda mesmo em
ação de prestação de contas.
Confiram-se precedentes de minha relatoria:
Agravo regimental em recurso especial. Ação de prestação de contas.
O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes
ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo
aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca
revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente.
Independentemente do fornecimento de extratos bancários e da prova de prévio
pedido de esclarecimento, se há dúvida quanto à correção dos valores lançados
na conta, há interesse processual na ação de prestação de contas. Agravo
regimental improvido.
(AgRg no REsp 1.021.221-PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 03.08.2010, DJe 12.08.2010).
Sucessivos: AG n. 1.369.280-PR; AG n. 1.262.438-PR; AG n. 1.255.674PR; AG n. 1.242.838-PR; REsp n. 1.064.116-PR e REsp n. 1.198.857-PR
Precedentes de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha:
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
299
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo regimental. Recurso que não logra infirmar os fundamentos da decisão
agravada. Ação de prestação de contas. Direito do correntista. Lançamentos.
Conta-corrente. Art. 26 da Lei n. 8.078/1990. Inaplicabilidade.
1. Mantém-se na íntegra a decisão recorrida cujos fundamentos não foram
infirmados.
2. O prazo decadencial de que trata o art. 26, II e §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.078/1990
não se aplica às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do
correntista de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua contacorrente.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.053.734-PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta
Turma, julgado em 09.12.2008, DJe 18.12.2008).
Sucessivos: AgRg no REsp n. 1.116.916-PR; AgRg no REsp n. 1.106.587PR e AgRg no REsp n. 1.100.222-PR.
Precedentes de relatoria do Ministro Sidnei Benetti:
Agravo regimental. Recurso especial. Decisão monocrática. Artigo 557,
§ 1º-A, do Código de Processo Civil. Possibilidade. Ação de prestação de
contas. Decadência. Artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.
Inaplicabilidade. Decisão agravada mantida. Improvimento.
I - Nos termos do artigo 557, § 1º-A, do CPC, com redação dada pela Lei n.
9.756/1998, o Relator poderá dar provimento ao recurso especial quando o
Acórdão recorrido estiver em divergência com a jurisprudência desta Corte.
II - O artigo 26, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, não se aplica
às ações que versam sobre a decadência/prescrição do direito do correntista
de revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente. Isso
porque o dispositivo em comento refere-se à decadência do direito de reclamar
pelos vícios aparentes, ou de fácil constatação, e vícios ocultos, o que não se
amolda à hipótese em tela.
III - O agravante não trouxe nenhum argumento capaz de modificar a
conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.
Agravo improvido.
(AgRg no REsp n. 1.064.246-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,
julgado em 05.03.2009, DJe 23.03.2009).
Sucessivos: AgRg no REsp n. 1.139.972-PR; AgRg no REsp n. 960.784-RJ;
AgRg no REsp n. 1.096.841-PR; AgRg no REsp n. 1.033.886-PR; AgRg no REsp n.
1.051.992-PR; AgRg no REsp n. 1.054.507-PR e AgRg no REsp n. 1.064.288-PR.
300
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Precedentes de relatoria do Ministro Massami Uyeda:
Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo
regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Ação de repetição de indébito.
Contratos bancários. Prescrição vintenária. Incidência. Prazo decadencial do art.
26, II, do CDC. Inaplicabilidade. Precedentes. Agravo improvido.
(EDcl no Ag n. 1.130.640-PR, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma,
julgado em 09.06.2009, DJe 19.06.2009).
Sucessivos: AgRg no REsp n. 1.125.959-PR; AgRg no REsp n. 1.099.849PR; AgRg no REsp n. 1.053.850-PR e AgRg no REsp n. 1.064.284-PR.
Precedentes de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:
Direito do Consumidor. Prestação de contas ajuizada em face de instituição
financeira. Cobrança não contratada de taxas e tarifas bancárias. Direito de
repetição. Prazo decadencial do art. 26, CDC.
Inaplicabilidade.
- Na hipótese de vício, os prazos são decadenciais, nos termos do art. 26
do CDC, sendo de 30 (trinta) dias para produto ou serviço não durável e de 90
(noventa) dias para produto ou serviço durável.
Já a pretensão à reparação pelos defeitos vem regulada no art. 27 do CDC,
prescrevendo em 05 (cinco) anos.
- O pedido para repetição de taxas e tarifas bancárias pagas indevidamente,
por serviço não prestado, não se equipara às hipóteses estabelecidas nos arts.
20 e 26, CDC. Repetir o pagamento indevido não equivale a exigir reexecução
do serviço, à redibição e tampouco ao abatimento do preço, pois não se trata de
má-prestação do serviço, mas de manifesto enriquecimento sem causa, porque o
banco cobra por serviço que jamais prestou.
- Os precedentes desta Corte impedem que a instituição financeira exija
valores indevidos, mesmo que tais quantias não tenham sido reclamadas
pelos consumidores nos prazos decadenciais do art. 26, CDC. Diante deste
entendimento, de forma análoga, não se pode impedir a repetição do indébito
reclamada pelo consumidor.
Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.094.270-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
02.12.2008, DJe 19.12.2008).
Processual Civil. Consumidor. Agravo no recurso especial. Ação de prestação
de contas. Prazo decadencial. Não-aplicação do CDC.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
301
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- O art. 26 do Código de Defesa do Consumidor destina-se a vícios aparentes
ou de fácil constatação e vícios ocultos, regulando a decadência, não tendo
aplicação em ação de prestação de contas onde o autor, ora recorrente, busca
revisar ou questionar os lançamentos efetuados em sua conta-corrente.
Recurso não provido.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 1.011.822-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 16.10.2008, DJe 03.11.2008).
Ademais, é necessário ressaltar, que para aquele que pleiteia a prestação de
contas, a ação divide-se em duas fases. A primeira corresponde à discussão da
obrigatoriedade do réu prestar contas ou não e, a segunda fase diz respeito ao
exame do conteúdo das contas apresentadas, com vistas à apuração da existência
de saldo em favor de uma ou de outra parte.
Entendo que, na primeira fase da ação de prestação de contas, não se
discute sobre vícios no fornecimento de serviços, daí porque de decadência não
se poderia cogitar.
Humberto Theodoro Júnior leciona:
No caso, entretanto, em que a ação é proposta pela parte que invoca para
si o direito de exigir contas, a causa torna-se mais complexa, provocando o
desdobramento do objeto processual em duas questões distintas. Em primeiro
lugar, ter-se-á que solucionar a questão prejudicial sobre a existência ou não
do dever de prestar contas, por parte do réu. Somente quando for positiva a
sentença quanto a essa primeira questão é que o procedimento prosseguirá com
a condenação do demandado a cumprir uma obrigação de fazer, qual seja, a de
elaborar as contas a que tem direito o autor. Exibidas as contas, abre-se uma nova
fase procedimental destinada à discussão de suas verbas e à fixação do saldo
final do relacionamento patrimonial existente entre os litigantes. Descumprida
a condenação, incide um efeito cominatório que transfere o réu para o autor a
faculdade de elaborar as contas, ficando o inadimplente da obrigação de dar
contas privado do direito de discutir as que o autor organizou (CPC, art. 915, § 2º)
(Curso de Direito Processual Civil, vol. III, p. 86, 26ª edição).
Adroaldo Furtado Fabrício, aduz:
Como é da tradição do direito nacional, o procedimento se estrutura em duas
fases bem distintas, cada qual com seu objeto próprio. Na primeira, a atividade
processual se orienta no sentido de apurar-se se o réu está ou não obrigado a
prestar contas ao autor: essa questão e apenas ela constitui a parte do mérito a
ser solucionada na fase inicial. Não está em causa, ainda, o problema de saber-se
quem deve a quem, e quanto: esse tema envolve o tema o exame das próprias
302
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
contas a serem prestadas se consideradas devidas, exame do qual resultará a
definição da posição econômica das partes uma em face da outra. E é bem de verse que só depois de estabelecer-se a existência da obrigação de prestar contas
atribuída ao demandado, e por conseqüência fazer-se que elas venham aos
autos, poderá tornar-se objeto de controvérsia e julgamento o conteúdo delas e
a decorrente apuração de saldo. Essa é a segunda fase. Fácil também é entenderse que a questão envolvida na primeira fase é preliminar (não prejudicial) da que
vai ser tratada na segunda, pois ao exame desta só se há de chegar se for positiva
a solução dada àquela outra (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. VIII,
tomo III, p. 316, 2ª ed).
Portanto, a rigor, só se deve examinar, nesta fase, a pretensão relativa à
prestação de contas quanto ao direito do correntista de exigi-la, sujeita, como se
sabe, exclusivamente à prescrição.
Assim, para os simpatizantes da corrente que afasta a aplicabilidade do
artigo 26 do CDC, temos entendido que, enquanto não estiver prescrita a
ação principal - sobre a qual poderá ter efeito a prestação de contas pleiteada
-, devida é a prestação de contas, nos termos dos artigos 914 e seguintes do
Código de Processo Civil.
Certamente, a decadência prevista no art. 26, inciso do CDC não guarda
relação com o objeto da ação de prestação de contas, pois, sendo esta um direito
pessoal, se sujeita, tão somente, aos prazos do Código Civil.
Desta forma, a pretensão de prestação de contas está sujeita ao prazo
prescricional para o exercício das pretensões de direito pessoal previsto no
Código Civil, devendo ser observado o disposto no artigo 177 do Código Civil
de 1916 e nos artigos 205 e 2.028 do Código Civil atual.
Saliento, ainda, apenas para acalorar o debate, que temos aplicado, em larga
escala, o prazo prescricional vintenário para as ações de prestação de contas
que visam os expurgos inflacionários, isto porque, tratando-se de discussão do
próprio crédito, que deveria ter sido corretamente pago, o prazo prescricional
seria de vinte anos, uma vez que não se refere a juros ou a quaisquer prestações
acessórias.
Confira-se:
Processual Civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento.
Prestação de contas. Súmula n. 259-STJ. Detalhamento das ontas.
Desnecessidade. Emissão de extrato. Irrelevância. Prescrição vintenária.
Fundamento. Inovação. Inadmissibilidade. Desprovimento.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
303
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(AgRg no Ag n. 1.003.498-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta
Turma, julgado em 14.10.2008, DJe 17.11.2008).
Civil. Processual Civil. Ação de prestação de contas. Prescrição. É vintenária a
prescrição da ação de prestação de contas.
(3ª Turma, REsp n. 37.526-CE, Rel. Min. Cláudio Santos, unânime, DJU de
08.08.1994).
Ademais, é preciso mencionar que o próprio § 1º do art. 26 do CDC
delimita que a contagem do prazo decadencial somente tem início a partir da
entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços, circunstância
esta que não estaria configurada nos casos de prestação de contas judicial
requerida pelo consumidor (Súmula n. 259-STJ): “A ação de prestação de contas
pode ser proposta pelo titular de conta-corrente bancária.”
Assim, irrefutável a tese de que, se é necessária a prestação de contas
para que o consumidor verifique a existência de lançamentos indevidos, e que,
eventualmente, geraram um saldo devedor em sua conta corrente, por certo que
não se poderia falar em vícios aparentes e de fácil constatação.
A situação, de todo modo, se analisada sob o aspecto consumerista, somente
poderia ser vista sob a perspectiva de vício oculto, ou seja, aquele que somente
no futuro (com a efetiva prestação de contas), será conhecido pelo correntista,
posto que apenas a partir daí poderia ter curso o prazo decadencial para que o
consumidor reclame do vício, nos termos do artigo 26, § 3º do CDC.
Por fim, esta Corte tem entendimento assente no sentido de que, mesmo
tendo recebido extratos emitidos pelo banco, assiste ao correntista o direito de
pleitear judicialmente prestação de contas.
Confira-se:
Processual Civil. Agravo regimental. Agravo de instrumento. Correntista.
Prestação de contas. Interesse. Questão pacífica. Súmula n. 259-STJ. Multa. Artigo
557, § 2º, do CPC. Desprovimento.
I. “Esta Corte de Uniformização Infraconstitucional firmou entendimento no
sentido de que o correntista tem direito de solicitar informações acerca dos
lançamentos realizados unilateralmente pelo banco em sua conta-corrente, a
fim de verificar a correção dos valores lançados. O titular da conta tem, portanto,
legitimidade e interesse para ajuizar ação de prestação de contas contra a
instituição financeira, sendo esta obrigada a prestá-las, independentemente do
envio regular de extratos bancários.” (4ª Turma, REsp n. 258.744-SP, Rel. Min. Jorge
Scartezzini, DJ 07.11.2005).
304
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
II. Agravo desprovido com aplicação de multa.
(AgRg no Ag n. 1.204.104-PR, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta
Turma, julgado em 16.09.2010, DJe 1º.10.2010).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Prestação de contas. Emissão de
extratos pela instituição financeira. Irrelevância. Detalhamento dos lançamentos
controvertidos na petição inicial. Desnecessidade.
1. Esta Corte tem entendimento assente no sentido de que, mesmo tendo
recebido extratos emitidos pelo banco, assiste ao correntista o direito de pleitear
judicialmente prestação de contas. Precedentes.
2. “O direito do correntista de solicitar informações sobre lançamentos
realizados unilateralmente pelo Banco em sua conta-corrente independe da
juntada de detalhes sobre tais lançamentos na petição inicial.” (AgRg no Ag n.
814.417-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 19.03.2007).
3. Agravo Regimental desprovido.
(4ª Turma, AgRg no Ag n. 691.760-PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime,
unânime, DJU de 10.12.2007).
Processual Civil. Ação de prestação de contas. Recurso especial.
Prequestionamento. Ausência. Súmulas n. 282 e n. 356-STF. Honorários
advocatícios. Interesse. Lançamentos em conta-corrente. Dúvidas. Fornecimento
de extratos. Súmula n. 7-STJ.
I. Inadmissível recurso especial na parte em que debatida questão federal não
enfrentada no acórdão a quo, nos termos das Súmulas n. 282 e n. 356-STF.
II. Independentemente do fornecimento de extratos de movimentação
financeira dos recursos vinculados a contrato de crédito em conta-corrente, ou
de simples depósito, remanesce o interesse processual do correntista para a
ação de prestação de contas em havendo dúvida sobre os critérios considerados.
Precedentes.
III. Conclusões do aresto recorrido quanto ao montante dos honorários
advocatícios e inépcia do pedido, todavia, que não têm como ser afastadas sem
que se proceda à análise dos fatos da causa, com óbice na Súmula n. 7-STJ.
IV. Recurso especial não conhecido.
(4ª Turma, REsp n. 424.280-MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU
de 24.02.2003).
Louvando o trabalho que fez a eminente Ministra Relatora, de um cotejo
bem analítico e cuidadoso de todos os ângulos da questão, rogando vênia à
divergência, acompanho Sua Excelência, no sentido de dar provimento ao
recurso especial.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
305
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO-VOGAL
O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, acompanho o voto da eminente
Ministra Relatora, dando provimento ao recurso especial.
RECURSO ESPECIAL N. 1.199.782-PR (2010/0119382-8)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: Elisangela da Costa Fernandes
Advogado: Leandro Luiz Zangari e outro(s)
Recorrido: Banco do Brasil S/A
Advogado: Jorge Elias Nehme e outro(s)
Interessada: Federação Brasileira de Bancos Febraban - “amicus curiae”
Advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes e outro(s)
EMENTA
Recurso especial representativo de controvérsia. Julgamento
pela sistemática do art. 543-C do CPC. Responsabilidade civil.
Instituições bancárias. Danos causados por fraudes e delitos praticados
por terceiros. Responsabilidade objetiva. Fortuito interno. Risco do
empreendimento.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias
respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou
delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de
conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou
utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade
decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito
interno.
2. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
306
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Para efeitos do art. 543-C, do CPC, as instituições bancárias respondem
objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por
terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de
empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos - porquanto
tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizandose como fortuito interno. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso
Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Sidnei Beneti
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Afirmou suspeição o Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Sustentou, oralmente, o Dr. Jorge Elias Nehme, pelo recorrido Banco do
Brasil S/A.
Brasília (DF), 24 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 12.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Elisângela da Costa Fernandes
ajuizou em face do Banco Nossa Caixa S/A ação declaratória de inexistência
de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais, noticiando
que teve o nome negativado em órgãos de proteção ao crédito por indicação da
instituição ré, a qual teria permitido que terceira pessoa estelionatária abrisse
conta-corrente em nome na autora, tendo sido inclusive fornecido talonário de
cheques à falsária. Em razão disso, vários cheques foram emitidos sem provisão
de fundos, resultando no inadimplemento que deu causa à negativação.
O Juízo de Direito da Comarca de Alto Paraná-PR julgou parcialmente
procedente o pedido, apenas para declarar a inexistência da dívida e determinar
a exclusão do nome da autora dos órgãos de proteção ao crédito. O pedido de
indenização foi julgado improcedente, tendo entendido o juízo sentenciante que
a conta-corrente foi aberta mediante falsificação perfeita dos documentos da
autora, circunstância que afastaria o dever de indenizar (fls. 160-165).
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
307
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em grau de recurso de apelação, a sentença foi mantida, em síntese, pelos
mesmos fundamentos, os quais foram sintetizados na seguinte ementa:
Apelação (1). Ação declaratória de negativa de débito c.c. responsabilidade
civil. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Abertura de conta
corrente. Golpe de terceiros que com má-fé utilizam certidão de nascimento da
vitima para confecção de carteira de identidade ideologicamente falsa no Estado
de São Paulo. Inexistência de erro grosseiro. Exceção à regra do art. 14 do Código
de Defesa do Consumidor. Culpa exclusiva de terceiro.
1. A instituição bancária que inscreve em órgão de proteção ao crédito nome
de consumidora com a qual nunca contratou, não responde na modalidade
objetiva quando ficar comprovada a inexistência de erro grosseiro na falsificação
de documento, dando origem a nova carteira de identidade ideologicamente
falsa.
2. Quando a falsidade ideológica decorre da culpa de terceiro que utiliza cópia
original da certidão de nascimento da apelante para a confecção de carteira de
identidade no Estado de São Paulo, portanto, materialmente autêntica e, de posse
dela, o falsário promove abertura de conta corrente. Nessas condições, diante
da ausência de erro grosseiro não responde a instituição bancária pelos danos
morais reclamados.
Recurso conhecido e não provido.
Apelação (2). Ação declaratória de negativa de débito c.c. responsabilidade
civil. Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes. Fraude na abertura de
conta corrente. Declaração de inexigibilidade do contrato de empréstimo em
relação à autora. Prática de fraude.
Diante da ausência de vontade da Autora para a prática do ato, a qual foi
vítima de terceiro falsário, impõe-se a declaração de inexigibilidade do contrato
firmado com o Apelante.
Recurso conhecido e não provido (fls. 250-266).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 275-283).
Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas a e c do permissivo
constitucional, no qual o recorrente sustenta, além de dissídio, ofensa ao art.
14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), arts. 186 e 927, parágrafo
único, ambos do Código Civil de 2002, e art. 515 do Código de Processo
Civil. O recorrente alega, em síntese, que a responsabilidade da instituição
financeira ré é objetiva, fundamentada na teoria do risco do empreendimento,
independentemente de culpa. Sustenta ainda que o acórdão recorrido, para
308
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
afastar o dever de a instituição indenizar, apoiou-se em fundamento não alegado
pela parte ré.
Contra-arrazoado (fls. 356-363), o especial foi admitido na origem (fls.
400-402).
Noticia-se, à fl. 356, a incorporação da instituição ré (Banco Nossa Caixa
S/A) pelo Banco do Brasil S/A, em razão do que foi retificada a autuação dos
autos.
Verificando a multiplicidade de recursos que ascendem a esta Corte
versando idêntica controvérsia, afetei o julgamento do presente feito ao rito
do art. 543-C do CPC, para que este Colegiado aprecie a questão relativa
à responsabilidade civil de fornecedores de serviços ou produtos - no caso,
instituição financeira - por inclusão indevida do nome de consumidores em
cadastros de proteção ao crédito, em razão de fraude praticada por estelionatários
- no caso, abertura de conta-corrente mediante utilização de documentos falsos.
A Federação Brasileira de Bancos - Febraban, como amicus curiae,
manifestou-se no seguinte sentido:
a) Não há responsabilidade da instituição financeira diante da fraude praticada
por terceiros ante a inexistência de ilícito praticado e nexo de causalidade.
b) A inscrição da negativação pela instituição financeira é exercício regular do
direito do fornecedor.
c) A responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 do Código de Defesa do
Consumidor é afastada quando provada a culpa exclusiva do consumidor ou de
terceiro a teor da lei e da jurisprudência desta Corte.
d) Não há defeito na prestação de serviço ou hipótese de incidência de
responsabilização objetiva pelo risco, prevalecendo a boa-fé do Banco (fls. 427428).
O Ministério Público Federal, mediante parecer elaborado pelo
Subprocurador-Geral da República Pedro Henrique Távora Niess, opina
pelo provimento do recurso especial, ao fundamento de que “a pactuação
de contratos bancários, mediante fraude praticada por terceiro/falsário, por
constituir risco inerente à atividade econômica das instituições financeiras, não
elide a responsabilidade destas pelos danos daí advindos” (fl. 483).
É o relatório.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
309
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A responsabilidade civil
das instituições bancárias é tema que atravessa décadas no cenário jurídico
brasileiro, tendo o STJ, tal como o STF, jurisprudência razoavelmente firme
nesse aspecto.
É da década de 60, por exemplo, a Súmula n. 28-STF, segundo a qual:
“O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso,
ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista”.
O mencionado verbete possuía como suporte jurídico a idéia de risco do
empreendimento ou da profissão, como ficou claro no voto do relator do RE n.
3.876-SP, um dos precedentes que deram origem à Súmula.
Como razões de decidir, o relator, Ministro Anibal Freire, mencionou a
sentença de piso nos seguintes termos:
Em caso como o dos autos, em que não há culpa do suposto emissor, nem do
sacado, este deve suportar os prejuízos do pagamento do cheque falso, porque
isto é um dos riscos de sua profissão, porque o pagamento é feito com seus
fundos, porque o crime de falsidade foi contra ele dirigido e porque ao suposto
emissor era impossível evitar que o crime produzisse seus efeitos (RE n. 3.876,
Relator(a): Min. Anibal Freire, Primeira Turma, julgado em 03.12.1942).
Ainda que o conteúdo da Súmula n. 28-STF esboce algo de
responsabilidade objetiva, revelava-se nítida a atenuação da responsabilidade
da instituição financeira, na medida em que havia possibilidade de afastamento
desta, em caso de culpa concorrente do correntista.
Nessa esteira, foi o voto proferido pelo Ministro Orozimbo Nonato,
no sentido de que, em relação a cheque falsificado, “em princípio, o Banco é
responsável pelo seu pagamento, podendo ilidir ou mitigar sua responsabilidade,
se provar culpa grave do correntista” (RE n. 8.740, Relator(a): Min. Orozimbo
Nonato, Segunda Turma, julgado em 18.11.1949).
Essa visão histórica apenas para assinalar a tendência sinalizada pela Corte
Suprema, antes da vigência do Código Consumerista.
Todavia, atualmente, a elisão da responsabilidade do banco, por exemplo,
por apresentação de cheque falsificado, não se verifica pela mera concorrência de
culpa do correntista.
310
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
É que o art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, somente
afasta a responsabilidade do fornecedor por fato do serviço quando a culpa do
consumidor ou de terceiro for exclusiva, verbis:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência
de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
[...]
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
No caso de correntista de instituição bancária que é lesado por fraudes
praticadas por terceiros - hipótese, por exemplo, de cheque falsificado, cartão de
crédito clonado, violação do sistema de dados do banco -, a responsabilidade do
fornecedor decorre, evidentemente, de uma violação a um dever contratualmente
assumido, de gerir com segurança as movimentações bancárias de seus clientes.
Ocorrendo algum desses fatos do serviço, há responsabilidade objetiva da
instituição financeira, porquanto o serviço prestado foi defeituoso e a pecha
acarretou dano ao consumidor direto.
Nesse sentido, confira-se o magistério de Sérgio Cavalieri Filho:
Muito se tem discutido a respeito da natureza da responsabilidade civil das
instituições bancárias, variando opiniões desde a responsabilidade fundada na
culpa até a responsabilidade objetiva, com base no risco profissional, conforme
sustentou Odilon de Andrade, filiando-se à doutrina de Vivante e Ramela (“Parecer”
in RF 89/714). Neste ponto, entretanto, importa ressaltar que a questão deve ser
examinada por seu duplo aspecto: em relação aos clientes, a responsabilidade dos
bancos é contratual; em relação a terceiros, a responsabilidade é extracontratual
(Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 417).
3. Situação que merece exame específico, por outro lado, ocorre em relação
aos não correntistas.
Com efeito, no que concerne àqueles que sofrem os danos reflexos de
serviços bancários falhos, como o terceiro que tem seu nome utilizado para
abertura de conta-corrente ou retirada de cartão de crédito, e em razão disso é
negativado em órgãos de proteção ao crédito, não há propriamente uma relação
contratual estabelecida entre eles e o banco.
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311
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não obstante, a responsabilidade da instituição financeira continua a ser
objetiva.
Aplica-se o disposto no art. 17 do Código Consumerista, o qual equipara a
consumidor todas as vítimas dos eventos reconhecidos como “fatos do serviço”,
verbis:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento.
É nesse sentido o magistério de Cláudia Lima Marques:
A responsabilidade das entidades bancárias, quanto aos deveres básicos
contratuais de cuidado e segurança, é pacífica, em especial a segurança das
retiradas, assinaturas falsificadas e segurança dos cofres. Já em caso de falha
externa e total do serviço bancário, com abertura de conta fantasma com
o CPF da “vítima-consumidor” e inscrição no Serasa (dano moral), usou-se a
responsabilidade objetiva da relação de consumo (aqui totalmente involuntária),
pois aplicável o art. 17 do CDC para transforma este terceiro em consumidor
e responsabilizar o banco por todos os danos (materiais e extrapatrimoniais)
por ele sofridos. Os assaltos em bancos e a descoberta das senhas em caixas
eletrônicos também podem ser considerados acidentes de consumo e regulados
ex vi art. 14 do CDC (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários do Código de Defesa do
Consumidor. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 424).
4. Com efeito, por qualquer ângulo que se analise a questão, tratando-se
de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição
financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos
consumidores, é objetiva e somente pode ser afastada pelas excludentes previstas
no CDC, como, por exemplo, “culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros”.
As instituições bancárias, em situações como a abertura de conta-corrente
por falsários, clonagem de cartão de crédito, roubo de cofre de segurança ou
violação de sistema de computador por crackers, no mais das vezes, aduzem a
excludente da culpa exclusiva de terceiros, sobretudo quando as fraudes praticadas
são reconhecidamente sofisticadas.
Ocorre que a culpa exclusiva de terceiros apta a elidir a responsabilidade
objetiva do fornecedor é espécie do gênero fortuito externo, assim entendido
aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor,
absolutamente estranho ao produto ou serviço (CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 185).
312
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
É a “causa estranha” a que faz alusão o art. 1.382 do Código Civil Francês
(Apud. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006, p. 926).
É o fato que, por ser inevitável e irresistível, gera uma impossibilidade
absoluta de não ocorrência do dano, ou o que, segundo Caio Mário da Silva
Pereira, “aconteceu de tal modo que as suas consequências danosas não puderam
ser evitadas pelo agente, e destarte ocorreram necessariamente. Por tal razão,
excluem-se como excludentes de responsabilidade os fatos que foram iniciados
ou agravados pelo agente” (Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000,
p. 305).
Valiosa também é a doutrina de Sérgio Cavalieri acerca da diferenciação
do fortuito interno do externo, sendo que somente o último é apto a afastar a
responsabilidade por acidente de consumo:
Cremos que a distinção entre fortuito interno e externo é totalmente pertinente
no que respeita aos acidentes de consumo. O fortuito interno, assim entendido o
fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do
produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor
porque faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento,
submetendo-se a noção geral de defeito de concepção do produto ou de
formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do
produto no mercado de consumo ou durante a prestação do serviço, não importa
saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável
pela suas conseqüências, ainda que decorrente de fato imprevisível e inevitável.
O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato
que não guarda nenhuma relação com a atividade do fornecedor, absolutamente
estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior
ao da sua fabricação ou formulação. Em caso tal, nem se pode falar em defeito
do produto ou do serviço, o que, a rigor, já estaria abrangido pela primeira
excludente examinada - inexistência de defeito (art. 14, § 3º, I) (CAVALIERI FILHO,
Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008. p. 256-257).
Na mesma linha vem entendendo a jurisprudência desta Corte, dando
conta de que a ocorrência de fraudes ou delitos contra o sistema bancário,
dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas, insere-se na categoria
doutrinária de fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do
empreendimento e, por isso mesmo, previsíveis e, no mais das vezes, evitáveis.
Por exemplo, em um caso envolvendo roubo de talões de cheque, a Ministra
Nancy Andrighi, apoiada na doutrina do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
assim se manifestou:
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
313
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não basta, portanto, que o fato de terceiro seja inevitável para excluir a
responsabilidade do fornecedor, é indispensável que seja também imprevisível.
Nesse sentido, é notório o fato de que furtos e roubos de talões de cheques
passaram a ser prática corriqueira nos dias atuais. Assim, a instituição financeira,
ao desempenhar suas atividades, tem ciência dos riscos da guarda e do transporte
dos talões de cheques de clientes, havendo previsibilidade quanto à possibilidade
de ocorrência de furtos e roubos de malotes do banco; em que pese haver
imprevisibilidade em relação a qual (ou quais) malote será roubado.
Aliás, o roubo de talões de cheques é, na verdade, um caso fortuito interno,
que não rompe o nexo causal, ou seja, não elide o dever de indenizar, pois é um
fato que se liga à organização da empresa; relaciona-se com os riscos da própria
atividade desenvolvida (cfr. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Responsabilidade civil
no Código do consumidor e a defesa do fornecedor, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 293).
Portanto, o roubo de malote contendo cheques de clientes não configura fato
de terceiro, pois é um fato que, embora muitas vezes inevitável, está na linha
de previsibilidade da atividade bancária, o que atrai a responsabilidade civil da
instituição financeira (REsp n. 685.662-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 10.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 323).
O raciocínio tem sido o mesmo para casos em que envolvem roubo de cofre,
abertura de conta-corrente ou liberação de empréstimo mediante utilização de
documentos falsos, ou, ainda, saques indevidos realizados por terceiros.
Nesse sentido são os seguintes precedentes:
Direito Processual Civil e do Consumidor. Recurso especial. Roubo de talonário
de cheques durante transporte. Empresa terceirizada. Uso indevido dos cheques
por terceiros posteriormente. Inscrição do correntista nos registros de proteção
ao crédito. Responsabilidade do banco. Teoria do risco profissional. Excludentes
da responsabilidade do fornecedor de serviços. Art. 14, § 3º, do CDC.
Ônus da prova.
- Segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ, o fato de terceiro só atua como
excludente da responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível.
- O roubo do talonário de cheques durante o transporte por empresa
contratada pelo banco não constituiu causa excludente da sua responsabilidade,
pois trata-se de caso fortuito interno.
- Se o banco envia talões de cheques para seus clientes, por intermédio de
empresa terceirizada, deve assumir todos os riscos com tal atividade.
- O ônus da prova das excludentes da responsabilidade do fornecedor de
serviços, previstas no art. 14, § 3º, do CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, §
3º, também do CDC.
314
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Recurso especial provido.
(REsp n. 685.662-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
10.11.2005, DJ 05.12.2005, p. 323).
Agravo regimental em agravo de instrumento contra a inadmissão de
recurso especial. Indenização por danos morais. Abertura de conta corrente por
terceiro. Inscrição indevida em órgão de restrição ao crédito. Dever de indenizar
reconhecido na decisão ora agravada. [...]
[...]
3. O nexo de causalidade entre a conduta do banco e o dano decorre do
reconhecimento da abertura de conta corrente, em agência do agravante, em
nome do autor/agravado, mediante fraude praticada por terceiro falsário, o que,
à luz dos reiterados precedentes deste Pretório, por constituir risco inerente à
atividade econômica das instituições financeiras, não elide a responsabilidade
destas pelos danos daí advindos.
[...]
(AgRg no Ag n. 1.235.525-SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado
em 07.04.2011, DJe 18.04.2011).
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Inscrição
em cadastro de proteção ao crédito. Abertura de conta-corrente. Documentos
falsificados. Danos morais. Dever de indenizar. Decisão agravada mantida.
Improvimento.
I - A falsificação de documentos para abertura de conta corrente não isenta
a instituição financeira da responsabilidade de indenizar, pois constitui risco
inerente à atividade por ela desenvolvida.
(REsp n. 671.964-BA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJe
29.06.2009). Precedentes.
[...]
(AgRg no Ag n. 1.292.131-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado
em 17.06.2010, DJe 29.06.2010).
Recurso especial. Competência vara especializada. Direito local.
Responsabilidade civil. Abertura de conta corrente. Documentação falsa. Inclusão
indevida nos cadastros de proteção ao crédito. Indenização. Necessidade.
Julgamento ultra petita. Inocorrência. Valor arbitrado a título de danos morais.
Redução.
[...]
2. A falsificação de documentos para abertura de conta corrente não isenta
a instituição financeira da responsabilidade de indenizar, pois constitui risco
inerente à atividade por ela desenvolvida.
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
315
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Precedentes.
[...]
(REsp n. 671.964-BA, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, julgado
em 18.06.2009, DJe 29.06.2009).
Recurso especial. Dano moral. Inclusão indevida em cadastro restritivo de
crédito. Abertura de conta corrente e fornecimento de cheques mediante fraude.
Falha administrativa da instituição bancária. Risco da atividade econômica.
Ilícito praticado por terceiro. Caso fortuito interno. Revisão do valor. Violação
dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Recurso parcialmente
provido.
1. Inescondível a responsabilidade da instituição bancária, atrelada ao risco
da própria atividade econômica que exerce, pela entrega de talão de cheques a
terceiro, que mediante fraude, abriu conta bancária em nome do recorrido, dando
causa, com isso e com a devolução do cheque emitido, por falta de fundos, à
indevida inclusão do nome do autor em órgão de restrição ao crédito.
2. Irrelevante, na espécie, para configuração do dano, que os fatos tenham se
desenrolado a partir de conduta ilícita praticada por terceiro, circunstância que
não elide, por si só, a responsabilidade da instituição recorrente, tendo em vista
que o panorama fático descrito no acórdão objurgado revela a ocorrência do
chamado caso fortuito interno.
[...]
(REsp n. 774.640-SP, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Quarta Turma, julgado
em 12.12.2006, DJ 05.02.2007, p. 247).
Direito Civil. Penhor. Danos morais e materiais. Roubo/furto de jóias
empenhadas. Contrato de seguro. Direito do Consumidor. Limitação da
responsabilidade do fornecedor. Cláusula abusiva. Ausência de indício de fraude
por parte da depositante.
[...]
IV - Na hipótese dos autos, em que o credor pignoratício é um banco e o bem
ficou depositado em cofre desse mesmo banco, não é possível admitir o furto ou
o roubo como causas excludentes do dever de indenizar. Há de se levar em conta
a natureza específica da empresa explorada pela instituição financeira, de modo
a considerar esse tipo de evento, como um fortuito interno, inerente à própria
atividade, incapaz de afastar, portanto, a responsabilidade do depositário.
Recurso Especial provido.
(REsp n. 1.133.111-PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em
06.10.2009, DJe 05.11.2009).
316
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Consumidor. Saque indevido em conta corrente. Cartão bancário.
Responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços. Inversão do ônus da prova.
- Debate referente ao ônus de provar a autoria de saque em conta corrente,
efetuado mediante cartão bancário, quando o correntista, apesar de deter a
guarda do cartão, nega a autoria dos saques.
- Reconhecida a possibilidade de violação do sistema eletrônico e, tratandose de sistema próprio das instituições financeiras, ocorrendo retirada de
numerário da conta corrente do cliente, não reconhecida por este, impõe-se o
reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente
passível de ser ilidida nas hipóteses do § 3º do art. 14 do CDC.
- Inversão do ônus da prova igualmente facultada, tanto pela hipossuficiência
do consumidor, quanto pela verossimilhança das alegações de suas alegações de
que não efetuara o saque em sua conta corrente.
Recurso não conhecido.
(REsp n. 557.030-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
16.12.2004, DJ 1º.02.2005, p. 542).
Agravo regimental no agravo de instrumento. Princípio da unirrecorribilidade.
Assalto a banco. Morte. Responsabilidade civil. Risco da atividade econômica.
Dano moral. Valor.
1. Conforme a jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte, a
interposição de dois recursos pela mesma parte contra a mesma decisão impede o
conhecimento do segundo recurso interposto, haja vista a preclusão consumativa
e a observância ao princípio da unirrecorribilidade das decisões. Precedentes.
2. A jurisprudência do STJ tem entendido que, tendo em conta a natureza
específica da empresa explorada pelas instituições financeiras, não se admite,
em regra, o furto ou o roubo como causas excludentes do dever de indenizar,
considerando-se que este tipo de evento caracteriza-se como risco inerente à
atividade econômica desenvolvida. Precedentes.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 997.929-BA, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,
julgado em 12.04.2011, DJe 28.04.2011).
Recurso especial. Contrato de aluguel de cofre. Roubo. Responsabilidade
objetiva. Cláusula limitativa de uso. Abusividade. Inexistência. Delimitação
da extensão dos direitos e deveres das partes contratantes. Recurso especial
improvido.
I - Os eventos “roubo” ou “furto”, ocorrências absolutamente previsíveis, a
considerar os vultosos valores mantidos sob a guarda da instituição financeira,
que assume profissionalmente todos os riscos inerentes à atividade bancária,
não consubstanciam hipóteses de força maior, mantendo-se, por conseguinte,
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
317
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
incólume o nexo de causalidade existente entre a conduta negligente do banco e
o prejuízo suportado por seu cliente;
[...]
(REsp n. 1.163.137-SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em
14.12.2010, DJe 03.02.2011).
5. Em casos como o dos autos, o serviço bancário é evidentemente
defeituoso, porquanto é aberta conta-corrente em nome de quem
verdadeiramente não requereu o serviço (art. 39, inciso III, do CDC) e, em
razão disso, teve o nome negativado. Tal fato do serviço não se altera a depender
da sofisticação da fraude, se utilizados documentos falsificados ou verdadeiros,
uma vez que o vício e o dano se fazem presentes em qualquer hipótese.
6. Portanto, para efeitos do que prevê o art. 543-C do CPC, encaminho a
seguinte tese:
As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por
fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de contacorrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos
falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento,
caracterizando-se como fortuito interno.
7. No caso concreto, o acórdão recorrido entendeu por bem afastar a
responsabilidade do banco pela abertura de conta-corrente em nome da ora
recorrente, ao fundamento de se tratar de fraude sofisticada de difícil percepção.
Tal entendimento testilha com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, que
possui, inclusive, precedente específico para o caso (REsp n. 964.055-RS, Rel.
Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 28.08.2007, DJ
26.11.2007, p. 213).
Em casos tais, a jurisprudência tem entendido que o abalo moral é in
re ipsa e que é possível a fixação de indenização por danos morais em até 50
(cinquenta) salários mínimos.
Nesse sentido, são os seguintes precedentes: AgRg no REsp n. 971.113-SP,
Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 23.02.2010;
AgRg no Ag n. 889.010-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,
julgado em 11.03.2008.
Nada obstante, o caso ora em exame não revela nenhuma excepcionalidade
a ponto de justificar o arbitramento da indenização no patamar máximo adotado
nesta Corte.
318
Jurisprudência da SEGUNDA SEÇÃO
Cuida-se de situação corriqueira, em que o consumidor tem seu nome
negativado em razão de fraudes praticadas por terceiros, não constando dos
autos consequências outras que extravasem os danos normalmente verificados.
Assim, entendo razoável o arbitramento de indenização por danos morais
no patamar de R$ 15.000,00, com correção monetária a partir dessa data
(Súmula n. 362) e juros moratórios desde o evento danoso (Súmula n. 54).
Com valores próximos, confiram-se os seguintes precedentes: AgRg no
Ag n. 1.095.337-GO, Rel. Ministro Raul Araújo; AgRg no Ag n. 1.095.939MS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão; AgRg no Ag n. 1.189.673-SP, Rel.
Ministro Sidnei Beneti; REsp n. 696.717-SE, Rel. Ministro Aldir Passarinho
Junior, Quarta Turma, julgado em 02.10.2008, DJe 24.11.2008; AgRg no Ag n.
777.185-DF, Rel. Ministro Fernando Gonçalves.
A cargo da ré, custas processuais e honorários advocatícios, esses fixados
em 15% sobre o valor da condenação (art. 20, § 3º, do CPC).
8. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial.
É como voto.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Sr. Presidente, gostaria apenas de
acrescentar aos fundamentos do eminente Relator que verifico a responsabilidade
do banco também com apoio no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de
2002, segundo o qual haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. É precisamente o
caso de risco da atividade econômica desenvolvida pelos bancos.
Quanto à extensão da responsabilidade, especialmente o arbitramento do
valor da indenização por dano moral, entendo que se deve verificar, na análise de
cada caso, de um lado, a gravidade dos danos sofridos pelas vítimas, e, de outro, a
conduta do banco, diante do evento.
Com efeito, o banco, diante da notícia da falsidade, pode ter tomado
imediatamente uma providência para deixar de cobrar a dívida contraída pelo
falsário, excluir o nome da vítima de cadastros negativos, devolver valores
sacados por estelionatários, entre outras providências. Esta conduta mais ou
menos diligente do banco deve ser levada em conta, para diminuir ou majorar o
RSTJ, a. 23, (224): 265-320, outubro/dezembro 2011
319
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
valor da indenização por dano moral ou, até mesmo, para afastar o dano moral,
se o banco imediatamente resolver o problema da vítima.
Em outros casos, todavia, o que se verifica é que o banco, mesmo sabendo
da falsidade, não toma providência alguma para limpar o nome da vítima, não
impede a continuidade das cobranças, ela tem que entrar com uma ação na
Justiça, obter antecipação de tutela, nem sempre cumprida prontamente, e ficar
anos esperando com restrições de crédito de toda ordem. Nestes casos, o valor
da indenização por dano moral deve ser mais alto.
Na hipótese ora em exame, concordo com a indenização arbitrada pelo
Ministro Relator.
Acompanho o Sr. Ministro Relator e, no caso concreto, dou provimento ao
recurso especial.
320
Terceira Turma
RECURSO ESPECIAL N. 312.661-SP (2001/0033637-0)
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Recorrente: Jacqueline Franca
Advogado: Irapuan Mendes de Morais e outro
Recorrido: Roberto Spadari
Advogado: José Ulisses Peruch e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Direito Processual Civil. Embargos de terceiro.
Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência.
Violação de enunciado de súmula. Impossibilidade. Art. 515 do CPC.
Apelação. Matéria impugnada. Efeito devolutivo amplo. Fraude à
execução. Súmula n. 375-STJ. Má-fé dos adquirentes reconhecida
pelas instâncias ordinárias. Fundamento inatacado. Súmula n. 283STF.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o
Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando
a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à
hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
2. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que
incabível a análise de recurso especial, por quaisquer das alíneas do
permissivo constitucional, que tenha por fundamento violação de
enunciado ou súmula.
3. O art. 515, caput e § 1º, do Código de Processo Civil autoriza
o Tribunal a apreciar amplamente a matéria impugnada nas razões
de apelação, bem como todas as questões suscitadas e discutidas no
processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.
4. A teor da Súmula n. 375-STJ, o reconhecimento da fraude
à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da
prova de má-fé do terceiro adquirente, esta última soberanamente
reconhecida pelas instâncias ordinárias.
5. Restando inatacados os fundamentos esposados no acórdão
recorrido quanto à má-fé dos adquirentes, é de se aplicar, por analogia,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o óbice da Súmula n. 283-STF, a inviabilizar o conhecimento do
recurso especial.
6. O registro da penhora, não obstante ser do conhecimento da
embargante, conforme afirmou nos autos, faz publicidade erga omnes
da constrição, de modo que, a partir dele, são ineficazes, perante
a execução, todas as posteriores alienações do imóvel, inclusive as
sucessivas. Precedentes.
7. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy
Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator
DJe 26.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial
interposto por Jacqueline França, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas
a e c, da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Primeiro Tribunal
de Alçada Civil do Estado de São Paulo.
Noticiam os autos que a ora recorrente opôs embargos de terceiro tendo
em vista a penhora levada a efeito nos autos de execução movida por Roberto
Spadari, ora recorrido, contra Carlos Eitutis e Roseli Zenaro Eitutis.
Segundo narra a embargante na inicial,
Em julho de 1995, Carlos Wanderlei Borges França e sua mulher, pais da
embargante, pretendendo adquirir o imóvel objeto da penhora de fls. 45 dos
Autos da Execução n. 96/93, fez as pesquisas de praxe para verificar se contra o
titular de domínio, então vendedor, havia alguma medida judicial que pudesse
324
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
comprometer a negociação. Também procurou saber se contra o mesmo imóvel
incidia algum gravame judicial ou extra-judicial que pudesse colocar em risco o
negócio.
Nada havendo que pudesse colocar em risco a aquisição a ser efetuada pelos
pais da embargante, os mesmos, compromissaram a aquisição do referido imóvel,
através de pagamentos parcelados, como se verifica dos anexos documentos,
por preço considerado e de acordo com os valores então praticados no mercado.
Assim, em cumprimento desse compromisso, em 28 de dezembro de 1995, o
executado consumou a venda do bem objeto da penhora para Carlos Wanderlei.
Em 21 de junho de 1996, Carlos Wanderlei veio a vender referida propriedade
para Isaias Girelli e sua mulher.
Tendo em vista o ato de apreensão de fls. 45, Isaias Girelli entendeu ter sido
ludibriado em sua boa-fé e veio a novamente alienar dito imóvel à pessoa da ora
embargante.
Por sua vez, o exequente Roberto Spadari, requereu a penhora desse bem,
conforme auto de fls. 45, requerendo, também, fosse declarada a figura processual
da fraude de execução, declarando, também, a ineficácia das alienações havidas
pelos executados, atingindo, por conseguinte, o título de Isaias Girelli e, por fim, o
título da ora embargante.
Pelo despacho de fls. 120, V. Exa. afastou manifestação de Isaias Girelli e
reconheceu a prática de Fraude de Execução na alienação havida para Carlos
Wanderlei, determinando o cancelamento dos registros imobiliários (fls. 02-03).
Aduziu a embargante que é parte legítima para defender a posse que
ostenta em decorrência da qualidade de titular do direito de propriedade que lhe
confere seu título aquisitivo.
Sustentou que não há falar em fraude à execução, porquanto o primeiro
compromisso de compra e venda, entabulado entre Carlos Eitutis e sua esposa e
Carlos Wanderlei Borges França e cônjuge, deu-se em 28.12.1995, data anterior
à propositura da ação executiva.
Argumentou, ainda, que a falta de registro do referido compromisso
não impede a defesa da posse por meio de embargos de terceiro, invocando o
disposto na Súmula n. 84-STJ.
Requereu, por fim, a procedência dos embargos com o levantamento da
penhora.
Em contestação, o recorrido refutou as alegações deduzidas na inicial,
considerando caracterizada a figura da simulação, estampada “na própria folha
de matrícula onde o pai da Embargante para esconder a falcatrua, passa o imóvel
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
325
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
a uma outra pessoa e esta à Embargante” (fl. 38). Segundo argumenta, “não fosse
a simulação, o pai da Embargante teria passado diretamente para o nome da
mesma, sem envolver o nome dele e de mais um, como ocorreu” (fl. 38). Atribui
à embargante a figura de “laranja” a intermediar negócio viciado pela simulação.
Tem por evidenciada também a fraude à execução, sob os seguintes
argumentos:
O executado alienou o bem teoricamente em 29.01.1996, todavia a ação
de execução foi proposta em 19.01.1996, assim os protestos levados a efeito já
tinham ocorrido antes desta data.
A dívida já existia muito antes, terminado em 24.08.1995 em um termo de
confissão irretratável e irrevogável para o exequente.
Os protestos dos títulos já tinham acontecido em 23.11.1995, como é verificado
nos Autos n. 3.144/95, em trâmite perante o 6º Ofício local (fl. 38).
O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os embargos de terceiro
(fls. 51-52).
Inconformada, a autora da demanda manejou recurso de apelação (fls. 5867).
A Sexta Câmara de Férias do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado
de São Paulo, por unanimidade de votos dos seus integrantes, negou provimento
ao recurso, em aresto assim ementado:
Embargos de terceiro. Fraude executória reconhecida nos autos da execução,
atingindo, por decisão intercorrente ali proferida, as alienações posteriores.
Matéria reagitada nos embargos pela última adquirente. Possibilidade de sua
apreciação. Fraude realmente configurada. Rejeição dos embargos decretada em
primeiro grau. Recurso improvido (fl. 107).
Os primeiros embargos de declaração opostos foram acolhidos
parcialmente apenas para correção de erro material (fls. 119-121).
Novos embargos declaratórios opostos foram rejeitados (fls. 132-134).
Nas razões recursais, alega a recorrente, além de dissídio jurisprudencial
com a Súmula n. 84-STJ, violação dos seguintes dispositivos com as respectivas
teses: (a) art. 515 do Código de Processo Civil - ao argumento de que era
defeso ao Tribunal de origem a apreciação do mérito dos embargos de terceiro
se o magistrado de primeiro grau considerou preclusa a matéria por já ter sido
326
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
apreciada em decisão anterior; (b) art. 458, inciso II, do Código de Processo
Civil - sustentando que o acórdão recorrido padece de vício de nulidade por
deficiência de fundamentação; (c) art. 535, incisos I e II, do Código de Processo
Civil - porque teria havido negativa de prestação jurisdicional no julgamento
dos embargos declaratórios; (d) art. 593, inciso II, do Código de Processo
Civil - tendo em vista que ausentes os requisitos caracterizadores da fraude
à execução, especialmente pelo fato de a execução ter sido proposta em data
posterior à alienação do bem penhorado e (e) art. 1.046 do Código de Processo
Civil - sob a alegação de que forçoso o acolhimento dos embargos de terceiro.
Decorrido sem manifestação o prazo para as contrarrazões (fl. 151), e
admitido o recurso na origem (fls. 153-155), subiram os autos a esta colenda
Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Preenchidos os
pressupostos de admissibilidade recursal, impõe-se o conhecimento do especial.
De início, inviável o acolhimento da pretensão recursal no tocante ao art.
535, incisos I e II, do Código de Processo Civil.
O Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, solucionando
a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não
há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo fato de o
acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte. Sobre
o tema, o seguinte precedente:
Civil e Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento.
Embargos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional (...).
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de
declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na
medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A
motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535
do CPC (...).
(AgRg no Ag n. 1.160.319-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 26.04.2011,
DJe 06.05.2011).
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
327
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Pelas mesmas razões, não é o caso de ausência de fundamentação a ensejar
a nulidade do julgado por contrariedade ao art. 458, inciso II, do CPC, mas, sim,
motivação contrária aos interesses da recorrente.
Quanto ao tema, há muito se encontra pacificada a jurisprudência desta
Corte no sentido de que, “se os fundamentos do acórdão não se mostram
suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não
existam. Não pode confundir ausência de motivação com fundamentação
contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP, Rel. Ministro
Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 16.11.1994, DJ 12.12.1994 p.
34.335).
No que respeita à Súmula n. 84-STJ, esta Corte Superior firmou
entendimento no sentido de que incabível a análise de recurso especial, por
quaisquer das alíneas do permissivo constitucional, que tenha por fundamento
violação de enunciado ou súmula de Tribunal Superior. Nesse sentido:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Seguro. Invalidez permanente.
Exame de violação à enunciado de súmula. Impossibilidade. (...).
I - Refoge à competência do Superior Tribunal de Justiça apreciar alegada
violação de enunciado de Súmula em sede de Recurso Especial, uma vez que o
mesmo não se insere no conceito de lei federal, previsto no artigo 105, II, a, da
Constituição Federal.
(...)
Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag n. 1.320.143-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado
em 28.09.2010, DJe 21.10.2010).
Agravo regimental no agravo de instrumento. Divergência jurisprudencial.
Não demonstração. Enunciado n. 13 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Dissídio com súmula. Impossibilidade. Relação processual não formalizada.
Enunciado n. 240-STJ. Inaplicabilidade.
(...)
2. O dissídio jurisprudencial com súmula não autoriza a interposição do recurso
especial fundado na letra c do permissivo constitucional.
(...)
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag n. 1.135.323-SP, Rel. Min. Raul Araújo Filho, Quarta Turma, julgado
em 08.06.2010, DJe 18.06.2010).
328
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Também não prospera a alegada violação do art. 515 do Código de
Processo Civil.
Referido dispositivo, em seu caput e § 1º, permite ao Tribunal a análise
ampla da matéria impugnada nas razões de apelação, bem como de todas as
questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha
julgado por inteiro.
No caso dos autos, a sentença de primeiro grau, ainda que, em um primeiro
momento, tenha mencionado a impossibilidade de reexame dos pressupostos
para a configuração da fraude à execução, fazendo referência à preclusão, teceu
considerações acerca da ineficácia das alienações, julgando improcedentes os
embargos de terceiro (fls. 52-54).
Ademais, o acórdão recorrido decidiu a demanda com base nos fatos
narrados nas razões de apelação interposta por terceiro adquirente do imóvel,
apresentando solução compatível com o princípio do tantum devolutum quantum
appellatum.
Nesse contexto, não está a merecer nenhuma censura o acórdão recorrido,
que, provocado pelas razões de apelação, apreciou o mérito da demanda como
consequência natural do efeito devolutivo do recurso.
Quanto ao mais, cinge-se a irresignação recursal, tão somente, ao
argumento de que não há falar em fraude à execução pelo fato de a demanda
ter sido proposta em data posterior à alienação do bem constrito pela penhora.
Aludida orientação, a propósito, não discrepa da jurisprudência firmada
nesta Corte Superior de Justiça, conforme se verifica no seguinte precedente:
Locação. Agravo regimental no recurso especial. Embargos de terceiro.
Alienação do bem imóvel pelo devedor no curso da execução. Ausência do
registro da penhora. Não elidida a presunção de boa-fé do terceiro adquirente.
Fraude à execução não caracterizada. Súmula n. 375-STJ. Agravo regimental
desprovido.
1. A orientação pacífica deste Tribunal é de que, em relação a terceiros, é
necessário o registro da penhora para a comprovação do consilium fraudis, não
bastando, para tanto, a constatação de que o negócio de compra e venda tenha
sido realizado após a citação do executado (REsp n. 417.075-SP, Rel. Min. Laurita
Vaz, DJe 09.02.2009).
2. A matéria está sumulada nos termos do Enunciado n. 375 do STJ, segundo o
qual o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
329
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
3. Se a embargada/exequente, por quase 10 anos, quedou-se inerte sem
providenciar a averbação da penhora na matrícula do imóvel é de se afastar a
presunção relativa da ocorrência de fraude à execução, competindo ao credor o
ônus da prova da alegada má-fé em relação ao terceiro/adquirente. Precedentes:
REsp n. 1.143.015-MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 30.08.2010; AgRg no Ag n.
922.898-RS, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 25.08.2010; AgRg no REsp n. 801.488-RS,
Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 18.12.2009; e AgRg no REsp n. 1.177.830-MG, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, DJe 22.04.2010.
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 963.297-RS, Rel. Ministro
Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 05.10.2010, DJe 03.11.2010
- grifou-se).
Processual Civil e Civil. Agravo nos embargos de declaração no recurso especial.
Embargos de terceiro. Ausência do registro da penhora. Fraude à execução. Não
configuração. Súmula n. 375-STJ.
- Segundo o entendimento pacificado pelo STJ por meio da Súmula n. 375, “o
reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
- Agravo nos embargos de declaração no recurso especial não provido (AgRg
nos EDcl no REsp n. 1.190.782-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma,
julgado em 18.08.2011, DJe 25.08.2011 - grifou-se).
Com efeito, a Súmula n. 375-STJ, consolidou o entendimento no sentido
de que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do
bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (grifou-se).
A questão, portanto, merece ser analisada sob um dos dois enfoques, já que
alternativos.
De início, a primeira parte do enunciado torna-se irrelevante para a solução
deste litígio, pois a primeira venda do bem se deu antes da penhora, e não após.
Com isso, para a caracterização da fraude à execução, resta ser reconhecida a
má-fé dos adquirentes.
É, em essência, o que se extrai dos seguintes arestos:
Fraude de execução. Precedentes da Corte.
1. Como já assentou precedente de que Relator o Ministro Eduardo Ribeiro
a “fraude à execução pressupõe uma de duas situações: a alienação de imóvel
na pendência de uma demanda, circunstância que só se caracteriza com a citação
válida ou após o registro da penhora; e caso não se demonstre a má-fé do adquirente”
(REsp n. 235.639-RS, DJ de 08.03.2000).
330
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
2. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 625.235-RN, Rel. Ministro
Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 21.09.2004, DJ
25.10.2004, p. 344 - grifou-se).
Processual Civil. Execução. Embargos de terceiro. Fraude à execução.
Configuração. Exigência de prévia inscrição da penhora. Acórdão Estadual. Má
aplicação do art. 600, I, do Código de Ritos.
I. Inexistindo prévio registro da penhora, não se caracteriza a fraude à execução se
inidentificado conluio com o adquirente.
II. Recurso especial conhecido em parte e provido (REsp n. 626.067-RS, Rel.
Ministro Fernando Gonçalves, Rel. p/ acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior,
Quarta Turma, julgado em 02.12.2004, DJ 13.06.2005, p. 312 - grifou-se).
Processo Civil. Recurso especial. Deficiência na fundamentação. Acórdão
recorrido que se afina à jurisprudência do STJ. Súmula n. 83-STJ. Embargos
de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Inexistência. Fraude à
execução. S. n. 375-STJ. Boa-fé do adquirente demonstrada com a apresentação
de certidões de distribuição obtidas no domicílio da alienante e no local do
imóvel.
- É inadmissível o recurso especial deficientemente fundamentado. Súmula n.
284-STF.
- Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação
do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida. Súmula n. 83-STJ.
- Não há ofensa ao art. 535 do CPC se o acórdão recorrido examinou,
motivadamente, todas as questões pertinentes.
- O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. Súmula n. 375-STJ.
- Sem o registro da penhora, o reconhecimento de fraude à execução depende de
prova do conhecimento, por parte do adquirente do imóvel, de ação pendente contra
o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência. Precedentes desta Corte.
(...)
- Recurso Especial improvido (REsp n. 1.015.459-SP, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.05.2009, DJe 29.05.2009 – grifou-se).
Processual Civil. Execução. Ônus hipotecário. Pedido de preferência. Penhora
não registrada. Alegação de fraude à execução. Inexistência de inscrição da
penhora. Boa-fé presumida do credor hipotecário. Violação dos arts. 167, 169
e 240 da Lei n. 6.015/1973 e 711 do CPC. Hipótese anterior à Lei n. 8.953/1994.
Súmula n. 375-STJ.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
331
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. A Lei dos Registros Públicos, em seus arts. 167, 169 e 240, determina que seja
feito o registro (atualmente, averbação) da penhora de imóvel no registro público
competente, para que ela tenha eficácia erga omnes.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que,
mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei n. 8.953/1994, ante a ausência do
registro da penhora, a decretação da fraude à execução depende da prova de máfé do terceiro, na hipótese, do credor hipotecário. Tema que foi consolidado com a
edição da Súmula n. 375-STJ.
3. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 316.242-SP, Rel. Ministro Luis
Felipe Salomão, Rel. p/ acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma,
julgado em 10.08.2010, DJe 26.10.2010 - grifou-se).
No caso, as instâncias ordinárias efetivamente concluíram pela existência
de má-fé por parte dos adquirentes, conforme se colhe da decisão proferida nos
autos do processo de execução que reconheceu a fraude à execução, mantida
integralmente tanto pela sentença quanto pelo acórdão proferido em sede de
embargos de terceiros, e não impugnada, ressalta-se, pela ora recorrente:
Na declaração de fraude à Execução é desnecessária a verificação do Consiliun
Fraudis, que é presumido (RT 624/116). Não obstante é clara a má-fé dos
executados que já tinham vários títulos protestados à época anterior a lavração da
escritura. O mesmo se diga do adquirente que teria dispensado expressamente
a apresentação de certidões sobre os vendedores, acrescendo-se por fim o
preço declarado.
Conforme se verifica nos autos nenhum outro bem do patrimônio dos
devedores sobrou para garantir a dívida, caracterizando-se então a hipótese do
inciso II do art. 593 do CPC (fls. 15-16 – grifou-se).
De fato, tomando por base o comportamento do homem médio, zeloso
e diligente no trato dos seus negócios, bem como a praxe na celebração de
contratos de venda e compra de imóveis, é de se esperar que o adquirente efetue,
no mínimo, pesquisa nos distribuidores das comarcas de localização do bem e de
residência do alienante, e não dispensando expressamente as certidões sobre os
vendedores e o bem como ocorreu na hipótese.
Como se não bastasse, o Tribunal local, além de ratificar a sentença, aditou
tal conclusão, conforme se extrai da seguinte passagem:
Ora, está mais do que evidenciada a fraude executória, reconhecida na execução e
reafirmada na r. sentença (...) Por certo que a ineficácia decorrente daquela fraude
executória afeta as alienações posteriores, sendo de se ressalvar que a embargante,
332
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
filha de Carlos Vanderlei Borges França – exatamente o primeiro comprador do imóvel
penhorado – não poderia, de forma alguma, alegar desconhecimento daquele fato,
pelo que sequer pode invocar aquisição de boa-fé (...) (fl. 110 - grifou-se).
Verifica-se, portanto, que mesmo não tendo havido a prévia penhora,
as instâncias ordinárias, soberanas na análise fática da causa, reconheceram a
ausência de boa fé dos adquirentes, situação suficiente para a fraude à execução,
tornando ineficaz os negócios jurídicos realizados.
Não se há esquecer, ainda, que tal fundamento, suficiente por si para
manter a conclusão do acórdão recorrido, não restou impugnado nas razões
do apelo nobre, motivo pelo qual a pretensão recursal encontra-se também
inviabilizada pela aplicação, por analogia, da Súmula n. 283 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, calha o seguinte precedente:
Direito Civil. Processual Civil. Recurso especial. Locação. Cerceamento de
defesa. Não-ocorrência. Matéria fática. Exame. Impossibilidade. Súmula n. 7-STJ.
Litigância de ma-fé. Fundamento inatacado no acórdão recorrido. Súmula n.
283-STF. Fiança. Exoneração. Não-ocorrência. Precedente do STJ. Dissídio
jurisprudencial. Inexistência. Súmula n. 83-STJ. Recurso especial conhecido e
improvido.
(...)
3. No que tange à suposta litigância de má-fé da recorrida, verifica-se que os
recorrentes não infirmaram os fundamentos esposados no acórdão recorrido,
segundo os quais tal tema estaria precluso, porquanto somente argüido no recurso
de apelação. Súmula n. 283-STF.
(...)
7. Recurso especial conhecido e improvido (REsp n. 908.374-SP, Rel. Ministro
Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 11.12.2008, DJe 02.02.2009 grifou-se).
De qualquer modo, não caberia, pela via recursal eleita, a reapreciação da
existência ou não de má fé por parte dos adquirentes, por exigir revolvimento
probatório, o que, nos termos do Enunciado n. 7 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça, é vedado a esta Corte.
A propósito:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Embargos de declaração. Omissão.
Não ocorrência. Fraude à execução. Aquisição de imóvel. Má-fé do adquirente.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
333
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Comprovação. Ausência. Súmulas n. 7 e n. 375-STJ. Registro da penhora.
Inexistência. Recurso não provido.
1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao
deslinde da controvérsia não se configura violação ao art. 535 do CPC.
2. “O reconhecimento de fraude à execução depende do registro da penhora
do bem alienado ou de prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375STJ).
3. Concluir-se, na hipótese dos autos, pela existência de má-fé da parte agravada
importa, necessariamente, no reexame de fatos e provas soberanamente delineados
pelas instâncias ordinárias. Incidência da Súmula n. 7-STJ.
4. A inexistência, ademais, do prévio registro da penhora ao tempo da
escrituração do imóvel afasta a pretensão reformatória.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag n. 1.163.297RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 04.08.2011, DJe
15.08.2011 - grifou-se).
Processo Civil. Alienação de bem arrestado. Ciência do comprador. Ineficácia
do negócio em relação ao exeqüente. Embargos de terceiro. Manutenção de
posse. Descabimento. Questão de prova. Súmula n. 7-STJ.
I - A alienação de um bem penhorado ou sujeito a outro tipo de constrição
judicial, por si só, não constitui fraude à execução prevista no artigo 593, II, do
Código de Processo Civil, mas “é ineficaz em relação ao exeqüente porque decorre
da circunstância de o bem estar submetido ao poder jurisdicional do Estado,
através de ato público formal e solene”.
II - Afirmado pelo acórdão recorrido que, na data da celebração da compra e
venda, tinha o embargante conhecimento da constrição judicial pendente sobre a
aeronave, é de ser indeferido o pedido de manutenção de posse, questão cuja revisão
encontra óbice no Enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.
Recurso especial não conhecido (REsp n. 690.005-MG, Rel. Ministro Castro
Filho, Terceira Turma, julgado em 27.09.2005, DJ 17.10.2005, p. 293 - grifou-se).
Direito Processual Civil. Execução de alimentos. Fraude de execução. Requisitos.
Citação válida do devedor. Prova da Insolvência. Ciência dos adquirentes a
respeito da ação em curso. Embargos de declaração. Reexame de provas vedado.
(...)
- Para caracterização da fraude de execução prevista no art. 593, inc. II, do CPC,
ressalvadas as hipóteses de constrição legal, necessária a demonstração de dois
requisitos: (i) que ao tempo da alienação/oneração esteja em curso uma ação,
com citação válida; (ii) que a alienação/oneração no curso da demanda seja capaz
de reduzir o devedor à insolvência. Precedentes.
334
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
- Dessa forma, se o Tribunal de origem entende que os requisitos da fraude de
execução estão presentes, a modificação do julgado esbarra na proibição de se
analisar fatos e provas em sede de recurso especial.
Recurso especial não conhecido (REsp n. 862.123-AL, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 07.05.2007, DJ 04.06.2007, p. 351 - grifou-se).
Agravo regimental no recurso especial. Processo Civil. Fraude à execução.
Compra e venda de imóvel penhorado. Ausência de registro da penhora. Não
configuração de ma-fé. Súmula n. 7.
(...)
2. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora
do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375STJ).
3. Em nenhum momento do acórdão recorrido, afirmou o Tribunal Estadual ter
sido comprovada a má-fé do recorrente, em que pese ter insinuado a ocorrência
de desídia. Sendo assim, não é possível nesta via especial afirmar estar nos autos
comprovada a má-fé do embargante, por incidência do óbice da Súmula n. 7-STJ.
(...)
5. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp n. 907.559-RS, Rel. Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 23.08.2011, DJe
31.08.2011).
Por fim, ainda que tais óbices pudessem ser afastados, o que não é o caso,
registra-se que, quando da realização da compra e venda do imóvel pela ora
recorrente, esta já possuía ciência inequívoca do registro da penhora, conforme
mesmo afirma (fl. 60), o que, por consequência, já invalida o negócio jurídico
realizado.
Com efeito, o registro faz publicidade erga omnes da constrição judicial e a
partir dele são ineficazes, perante a execução, todas as alienações posteriores do
imóvel.
A propósito, os seguintes julgados que bem elucidam a questão:
Processual Civil. Violação do art. 535 do CPC. Inocorrência. Embargos de
terceiro. Alienação do bem pelo devedor no curso da execução. Ausência do
registro da penhora. Presunção de boa-fé do terceiro adquirente.
1. Afasta-se violação do art. 535 do CPC, quando a instância de origem analisa
adequada e suficientemente a controvérsia objeto do recurso especial.
2. Em se tratando de bem imóvel, é lícito que se presuma a boa-fé do terceiro
que o adquire, se nenhuma constrição judicial estiver anotado no registro
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
335
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
imobiliário, presunção que se estende aos posteriores adquirentes, se houver
alienações sucessivas.
3. O registro faz publicidade erga omnes da constrição judicial e a partir dele é que
serão ineficazes perante a execução todas as alienações posteriores do imóvel.
4. Recurso especial não provido (REsp n. 1.143.015-MG, Rel. Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.08.2010, DJe 30.08.2010 - grifou-se).
Civil. Recurso especial. Art. 105, inciso III, da CF. Embargos de terceiro.
Adquirente de boa-fé. Ausência de registro da penhora. Prévio conhecimento do
embargante acerca do gravame não comprovado.
1. À luz da sedimentada jurisprudência desta Corte Superior, nos termos do art.
659, § 4º do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.953/1994 é exigível a
averbação da penhora no cartório de registro imobiliário para que passe a ter efeito
erga omnes e, nessa circunstância, torne-se eficaz para impedir a venda a terceiros
em fraude à execução.
2. Inexistindo registro da penhora sobre bem alienado a terceiro, incumbe
ao exeqüente e embargado fazer a prova de que o terceiro tinha conhecimento
da ação ou da constrição judicial, agindo, assim, de má-fé (Precedentes: REsp n.
742.097-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 28.04.2008; REsp n. 493.914SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 05.05.2008; e AgRg no REsp n. 1.046.004MT, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 23.06.2008; REsp n. 494.545-RS, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki).
3. Recurso especial conhecido e provido (REsp n. 753.384-DF, Rel. Ministro
Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Quarta
Turma, julgado em 1º.06.2010, DJe 07.10.2010 - grifou-se).
Processo Civil. Alienação de bem penhorado. CPC, art. 659, § 4º, com a redação
da Lei n. 8.953/1994. Efeitos do registro da penhora.
1. Sem o registro da penhora não se podia, mesmo antes da vigência da Lei
n. 8.953/1994, afirmar, desde logo, a má-fé do adquirente do imóvel penhorado.
Com o advento do § 4º do art. 659 do CPC (redação dada pela Lei n. 8.953/1994),
nada de substancial se operou a respeito.
2. Convém evitar a confusão entre (a) a fraude à execução prevista no inciso II
do art. 593, cuja configuração supõe litispendência e insolvência, e (b) a alienação
de bem penhorado (ou arrestado, ou seqüestrado), que é ineficaz perante a
execução independentemente de ser o devedor insolvente ou não. Realmente,
se o bem onerado ou alienado tiver sido objeto de anterior constrição judicial, a
ineficácia perante a execução se configurará, não propriamente por ser fraude à
execução (CPC, art. 593, II), mas por representar atentado à função jurisdicional.
3. Em qualquer caso, impõe-se resguardar a situação do adquirente de boa-fé.
Para tanto, é importante considerar que a penhora, o seqüestro e o arresto são
336
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
medidas que importam, em regra, a retirada do bem da posse de seu proprietário.
Assim, é lícito que se presuma, em se tratando de bem móvel, a boa-fé do terceiro que
o adquire de quem detenha a posse, sinal evidente da ausência de constrição judicial.
A mesma presunção milita em favor de quem adquire bem imóvel, de proprietário
solvente, se nenhum ônus ou constrição judicial estiver anotado no registro
imobiliário, presunção que, com maior razão, se estende aos posteriores adquirentes,
se houver alienações sucessivas. É presunção juris tantum, cabendo ao credor o ônus
de desfazê-la. O registro, porém, faz publicidade erga omnes da constrição judicial,
de modo que, a partir dele, serão ineficazes, perante a execução, todas as posteriores
onerações ou alienações do imóvel, inclusive as sucessivas.
4. Recurso especial desprovido (REsp n. 494.545-RS, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, julgado em 14.09.2004, DJ 27.09.2004, p. 214 - grifou-se).
Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 737.000-MG (2005/0049017-5)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Ângela de Lima e outro
Advogados: Flávio Couto Bernardes
Flávio de Mendonça Campos e outro
Luiz Guilherme de Melo Borges
Recorrido: Marcelo da Silva Cataldo e outro
Advogado: Belmar Azze Ramos - defensor público
Interessado: Savoi Sena Arquitetura e Construções Ltda. e outro
EMENTA
Recurso especial. Ação de resolução de contrato de promessa
de compra e venda de imóvel proposta contra a construtora e seus
sócios. Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 28, caput e §
5º, do CDC. Prejuízo a consumidores. Inatividade da empresa por má
administração.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
337
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda
de imóvel movida contra a construtora e seus sócios.
2. Reconhecimento pelas instâncias ordinárias de que, em
detrimento das consumidoras demandantes, houve inatividade da
pessoa jurídica, decorrente da má administração, circunstância apta, de
per si, a ensejar a desconsideração, com fundamento no art. 28, caput,
do CDC.
3. No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28,
§ 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem
ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard
doctrine, bastando a caracterização da dificuldade de reparação dos
prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária.
4. Precedente específico desta Corte acerca do tema (REsp n.
279.273-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJ de 29.03.2004).
5. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer do recurso especial e dar -lhe provimento, nos termos
do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas
Bôas Cueva, Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 12.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de ação
ordinária de resolução de contrato de promessa de compra e venda proposta por
Ângela de Lima e outra em face de Savoi Sena Arquitetura e Construções Ltda.
e seus sócios, Marcelo da Silva Cataldo e outros.
338
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
A pretensão deduzida nos autos diz respeito à pretensão de resolução de
contrato de promessa de compra e venda de imóvel firmado entre as partes,
bem como de restituição do sinal e das parcelas pagas, diante da paralisação e
abandono das obras por parte da construtora.
Requereram as autoras, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica
da empresa ré, a fim de alcançar o patrimônio dos seus sócios.
Em primeiro grau de jurisdição, foi determinada a desconsideração da
personalidade jurídica, com base no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor,
“não só em decorrência da aparente inatividade da ré, como também da má
administração promovida pelos sócios, facilmente comprovada pela paralisação
das obras do citado edifício” (fls. 145). Ao final, os pedidos foram julgados
procedentes.
O extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais deu provimento
à apelação interposta por três dos sócios (Marcelo da Silva Cataldo, Geraldo
Gabriel de Paiva e Roberto Rodrigues Maia), reconhecendo a impossibilidade de
desconsideração da personalidade jurídica e, conseqüentemente, a ilegitimidade
dos apelantes para figurarem como réus na demanda. Eis a ementa do julgado:
Ação de rescisão de contrato. Desconsideração da personalidade jurídica.
Ausência de provas.
- Só se verifica a responsabilidade pessoal dos sócios por dívida da sociedade,
se se provar, em processo regular, com ampla possibilidade de defesa, o excesso
de poderes ou infração da lei.
- Os bens dos sócios somente respondem pela condenação, se comprovado
que os mesmos, na qualidade de sócios-gerentes, praticaram atos com excesso de
poderes ou infração da lei, provocando prejuízos a terceiros (fls. 105).
O aresto desafiou dois embargos de declaração, ambos desacolhidos.
As autoras interpuseram, então, recurso especial, com base no art. 105, III,
a, da Constituição Federal.
Nas razões do especial, alegaram as recorrentes violação ao art. 28, caput
e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que (a) houve prejuízo
a consumidores, o que, por si só, autoriza o disregard, de acordo com a teoria
menor da desconsideração; bem como (b) a má administração da sociedade
decorre de fatos incontroversos e reconhecidos pela Corte de origem, quais
sejam: “paralisação da obra, paralisação da própria empresa, dissolução irregular
de seu estabelecimento, sem que fossem deixados bens suficientes para satisfação
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
339
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
dos credores, e fuga de três de seus quatro sócios da praça onde a empresa
atuava” (fls. 156). Aduziram, ainda, ofensa ao art. 6º, VIII, do Código de Defesa
do Consumidor, ao argumento de que “deveria o TAMG, no limite, caso
entendesse realmente insuficiente a prova produzida, aplicar o art. 6º, VIII, do
CPC, de molde a permitir a inversão do ônus” (fls. 158).
Houve oferecimento de contra-razões.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas,
a irresignação recursal das autoras merece acolhida.
Cinge-se a controvérsia, neste momento processual, à verificação da
possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré, a fim
de alcançar o patrimônio de seus sócios, ora recorridos.
No Direito brasileiro, disputam o regulamento legislativo dessa matéria, em
se tratando de relações contratuais de direito privado, os enunciados normativos
do art. 50 do Código Civil e do art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do
Consumidor, verbis:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio
de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento
da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que
os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado
de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores.
Acerca da conciliabilidade e do âmbito de incidência dos mencionados
dispositivos legais, esta Terceira Turma, em emblemático precedente, envolvendo
a explosão de shopping center na Cidade de Osasco-SP, com voto vencedor da
eminente Ministra Nancy Andrighi, teve a oportunidade de decidir:
340
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Responsabilidade civil e Direito do Consumidor. Recurso especial. Shopping
Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais.
Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria
maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa
do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores. Art. 28, § 5º.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica,
e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o
Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais
homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro,
não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica
insolvente para o cumprimento de suas obrigações.
Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de
desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de
confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico
excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide
com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas
obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de
confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas
não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas
pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta
administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de
identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores
da pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo
está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a
incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos
previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera
existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.
(REsp n. 279.273-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJ de 29.03.2004).
Em comentário a este julgado, observa André Luiz Santa Cruz Ramos
(Direito Empresarial Esquematizado, São Paulo: Método, 2010, p. 353-354):
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
341
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse acórdão, o STJ entendeu: (i) que a regra geral sobre a disregard doctrine
no Brasil é o art. 50 do Código Civil; e (ii) que para a aplicação da teoria da
desconsideração é preciso, “para além da prova da insolvência”, a demonstração
do desvio de finalidade (que a relatora associa à concepção subjetivista) ou da
confusão patrimonial (que a relatora associa à concepção objetivista). (...)
A análise do acórdão também deixa claro que o STJ entendeu que, no direito
do consumidor e no direito ambiental, aplica-se a disregard doctrine quando há
o mero prejuízo do credor (por haver regras legais específicas nesse sentido) (...).
Por fim, registre-se que o acórdão faz uso das expressões teoria maior e teoria
menor da desconsideração da personalidade jurídica, que foram lançadas por
Fábio Ulhoa Coelho, mas que hoje não são usadas nem mesmo por ele nas últimas
edições de sua obra. A expressão teoria maior é usada para identificar a regra legal
geral que admite a desconsideração quando há abuso de personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial (art. 50 do
Código Civil).
Por outro lado, a expressão teoria menor é usada para identificar as regras
legais específicas que admitem a desconsideração quando há o mero prejuízo do
credor, ou seja, a simples insolvência da pessoa jurídica (art. 28, § 5º, do CDC, e art.
4º da Lei n. 9.605/1998).
Destarte, resta claro que, no contexto de uma relação de consumo, em
atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica
podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, por meio da disregard doctrine, a
partir da caracterização da configuração de prejuízo de difícil e incerta reparação
em decorrência da insolvência da sociedade.
Na espécie, é nítida a dificuldade na reparação do prejuízo experimentado
pelas autoras, ora recorrentes, consubstanciado, nos termos da sentença prolatada
em primeiro grau de jurisdição, na circunstância de que, “conquanto tenha sido
estipulado no contrato a data de 28.02.1999 para a entrega da construção do
prédio e respectivas unidades imobiliárias, livre e desembaraçada de quaisquer
ônus e gravames, os réus não cumpriram o avençado, eis que a obra permanece
completamente paralisada, a despeito das autoras terem quitado o valor inicial
do contrato e mais 30 (trinta) parcelas, de um total de 36 (trinta e seis)” (fls.
144).
Possível, pois, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa ré,
com fundamento no art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda que assim não fosse, a desconsideração, in casu, poderia ser
determinada com base no caput do dispositivo legal em apreço.
342
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Com efeito, nos termos do segundo acórdão integrativo proferido pela
Corte de origem, “existe, nos autos, vistoria comprovando que a construção
do imóvel adquirido pelas recorrentes foi indevidamente paralisada, desde
praticamente o seu início (f. 134) e, também, fortes indícios de que a sociedade
vendedora do bem se dissolveu de forma irregular, não se tendo, inclusive,
localizado todos os seus sócios, tornando-se necessário que a maioria destes
fosse representada, nestes autos, por curador especial” (fls. 140-141).
Destarte, resta claro que, em detrimento dos consumidores, houve
inatividade da pessoa jurídica decorrente, quando menos, de má administração,
circunstância apta, de per si, a ensejar a aplicação da disregard doctrine.
Correto, pois, o magistrado sentenciante ao determinar a desconsideração
da personalidade jurídica da empresa ré.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou provimento, restabelecendo
os comandos da sentença prolatada em primeira instância, inclusive quanto aos ônus
sucumbenciais.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 935.003-BA (2006/0267942-5)
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Recorrente: Apotex do Brasil Ltda.
Advogados: Flávio Luiz Yarshell e outro(s)
Carlos Roberto Fornes Mateucci e outro(s)
Maise Gerbasi Morelli
Paulo Roberto Murray
José Luiz Cabello Campos e outro(s)
Recorrido: DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos
Ltda. e outros
Advogado: Arnaldo Rocha Mundim Júnior
Interessado: Alberto Murray Neto
Advogado: Carlos Roberto Fornes Mateucci e outro(s)
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA
Recurso especial. Direito Processual Civil. Ação de indenização.
Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência.
Prequestionamento. Ausência. Súmula n. 211-STJ. Retificação de
voto. Possibilidade, até a proclamação do resultado final do julgamento.
Agravo retido. Matéria preliminar ao julgamento da apelação. Cláusula
compromissória e laudo arbitral. Reexame de cláusulas contratuais e
de provas. Inviabilidade. Súmulas n. 5 e n. 7-STJ. Precedentes do
Superior Tribunal de Justiça e doutrina.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o
Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando
a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à
hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte.
2. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no
recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração,
impede o conhecimento do recurso especial (Súmula n. 211 do STJ).
3. Nos órgãos colegiados dos Tribunais, enquanto não encerrado
o julgamento - pela proclamação do resultado final, após a coleta de
todos os votos - qualquer dos seus membros pode retificar o voto
anteriormente proferido, inclusive quanto a questões preliminares já
apreciadas.
4. O agravo retido, apesar de constituir recurso distinto da
apelação, com objeto e fundamento próprios, possui sua apreciação
condicionada, não só à reiteração expressa nas razões ou na resposta
da apelação, mas também à própria admissibilidade do recurso de
apelação. Constitui, portanto, matéria preliminar ao julgamento da
apelação.
5. As conclusões da Corte de origem acerca da inaplicabilidade da
cláusula compromissária ao caso dos autos, bem como da ausência de
identidade entre a causa de pedir e pedido desta ação de indenização
e o conflito que gerou a instalação do juízo arbitral, decorreram
inquestionavelmente do exame das cláusulas insertas no acordo de
quotistas e da análise do conjunto probatório dos autos. A revisão
desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do
recurso especial, nos termos das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não
provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a Terceira Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e
nesta parte negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)
Relator(a). Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Sidnei Beneti e
Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 20 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator
DJe 28.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial
interposto por Apotex do Brasil Ltda., com fundamento no art. 105, inciso III,
alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia.
Noticiam os autos que, em fevereiro de 1999, foi celebrado “contrato de
compra de cotas” entre DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos
Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza
Andrade, José do Patrocínio de Andrade Filho e Elmeco Prod. Med. Ltda., como
vendedores, e a recorrente, na condição de compradora, visando a transferência
de 51% (cinquenta e um por cento) das cotas emitidas e em circulação do capital
da sociedade Ibfarma Indústria de Biotecnologia Farmacêutica Ltda. (fls. 172-198,
vol. 1).
Na mesma ocasião, foi celebrado “acordo de cotistas” entre as mesmas
partes (fls. 685-695, vol. 4).
Em 1º.03.1999, a Ibfarma Indústria de Biotecnologia Farmacêutica Ltda.,
por meio da celebração de “protocolo de intenções”, promoveu associação com
a ora recorrente buscando o “desenvolvimento de indústria para fabricação de
produtos farmacêuticos no Estado da Bahia” (fls. 76-80, vol. 1).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na data de 14.12.2000, foi instituída arbitragem, a pedido da Apotex, tendo
sido proferido, em 15.01.2002, laudo do Tribunal Arbitral (fls. 2.349-2.384, vol. 12).
Já em 12.02.2001, DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos
Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza Andrade, Geraldo Souza
Andrade e José do Patrocínio de Andrade Filho - sócios integrantes da Ibfarma ajuizaram ação de indenização contra a ora recorrente, Alberto Murray Neto e o
Banco do Nordeste do Brasil S.A., objetivando condenação dos réus pelos prejuízos
que teriam experimentado em virtude da gestão que inquinaram de “temerária e
fraudulenta” a cargo da Apotex (fls. 36-46, vol. 1).
Referida ação deu origem física aos presentes autos.
Contestada a demanda, sobreveio decisão interlocutória rejeitando as
preliminares arguidas (fls. 2.248-2.250, vol. 12), o que ensejou a interposição
de agravos retidos pela Apotex e por Alberto Murray Neto (fls. 2.304-2.310 e fls.
2.340-2.348, vol. 12).
O juízo de primeiro grau, na sentença, afastou as preliminares e julgou
procedente o pedido (fls. 2.408-2.418, vol. 13).
Inconformados, apelaram o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fls. 2.4242.434, vol. 13), a Apotex do Brasil Ltda. (fls. 2.437-2.453, vol. 13) e Alberto
Murray Neto (fls. 2.460-2.486, vol. 13).
Incluído o processo em pauta, na sessão do dia 30.09.2003, foi proferido
voto pela Relatora “acolhendo a preliminar de carência de ação e extinguindo o
processo sem julgamento do mérito em relação à apelação de Apotex do Brasil
Ltda., e o voto da revisora apreciando em blocos os agravos retidos da Apotex
do Brasil Ltda. e Alberto Murray Neto, acolhendo ambos e extinguindo o
processo sem julgamento do mérito (...), pediu vista o Des. José Milton Mendes
de Sena” (fl. 2.553, vol. 13).
Prosseguindo o julgamento, na sessão do dia 04.11.2003, assim ficou
registrado na respectiva certidão: “Acolheu-se por unanimidade o agravo retido
em relação à Apotex, extinguindo-se o processo sem conhecimento de mérito,
rejeitando-se por maioria o agravo retido de Antônio Murray, em seguida
suspendeu-se o julgamento do processo para designação de um Relator, para o
julgamento do mérito” (fl. 2.553, verso - vol. 13).
Na sessão do dia 28.09.2004, foi o processo retirado de pauta para conferir
oportunidade às partes de manifestação acerca de documentos juntados aos
autos (fls. 2.620, 2.717-2.718, vol. 14).
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Designado novo relator, em virtude da aposentadoria da relatora originária,
foi o feito mais uma vez submetido a julgamento, em 16.08.2005, tendo sido
consignado o seguinte resultado parcial:
Avaliando a questão do reexame do agravo retido, admitiu por maioria rever
o resultado, para rejeitar o agravo retido da Apotex do Brasil, reconhecida a sua
legitimidade ao processo. Rejeitadas as preliminares de cerceamento de defesa e
nulidade de sentença, por unanimidade, transferindo para o mérito o julgamento
da terceira preliminar de falta de responsabilidade de Alberto Murray Neto, no
mérito, o relator negou-se provimento aos recursos de Alberto Murray Neto,
Apotex do Brasil e do BNB - Banco do Nordeste do Brasil S.A. - Após o voto da
revisora dando provimento aos recursos de: Alberto Murray Neto e do Banco
do Nordeste do Brasil S.A., negando provimento ao recurso da Apotex do Brasil.
O relator, reconsiderando seu voto aderiu a manifestação da revisora, para dar
provimento aos recursos de Alberto Murray Neto e do Banco do Nordeste do
Brasil S.A., mantendo a decisão que negou-se provimento ao recurso da Apotex
do Brasil, após o que pediu vista dos autos o Des. Eduardo Jorge - 3º julgador (fl.
2.840, verso, vol. 15).
Levado novamente em pauta, na sessão do dia 06.09.2005, foi concluído o
julgamento do processo e lavrado o acórdão, nos seguintes termos:
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 17.291-5/2003,
de Salvador-BA, figurando como partes apelantes Banco do Nordeste do Brasil S/A,
Apotex do Brasil Ltda. e Alberto Murray Neto, e apelados DPM - Bahia Distribuidora
de Perfumaria e Medicamentos Ltda., R. B. Faria Laboratórios Ltda., Carlos de Souza
Andrade, Geraldo Souza Andrade e José Patrocínio Andrade Filho.
Acordam os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, por maioria,
vencido o Des. Eduardo Jorge Mendes de Magalhães, a colher novos votos e
negar provimento ao agravo retido da Apotex do Brasil Ltda., reconhecida a
sua legitimidade no processo. E por unanimidade: rejeitadas as preliminares
de cerceamento de defesa e nulidade da sentença; transferido para o mérito o
julgamento da 3º preliminar de falta de responsabilidade de Alberto Murray Neto.
No mérito, deu-se provimento aos recursos de Alberto Murray Neto e do Banco
do Nordeste do Brasil S/A, à unanimidade, invertendo-se o ônus da sucumbência
no particular; e negou-se provimento ao recurso da Apotex do Brasil Ltda., à
unanimidade, com a fixação de uma indenização por danos morais em valor
equivalente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, atualizável, a partir desta
data, segundo às variações do INPC (fl. 2.846, vol. 15).
O arestou ficou assim ementado:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Processo Civil. Apelação cível. Má administração de sociedade. Dívida
contraída. Danos sofridos. Responsabilidade configurada. Indenização. Sentença
procedente. 1. Caracterizada a direção temerária de empresa pelo controlador, e
desta conduta acarretando danos para os sócios minoritários, age com acerto a
sentença que condena o gestor ao pagamento de indenização. 2. O mandatário,
por não agir em nome próprio, mas segundo as diretrizes e interesses do
mandante, não responde pessoalmente pelos atos praticados. 3. Não há ilicitude,
em princípio, no ato de demandar em juízo contra aquele que figura contra
avalista de título de crédito. 4. Procedente o pedido de indenização por danos
morais, deve seu valor ser fixado segundo o prudente arbítrio do julgador, não se
concebendo seja esta parcela indenizatória quantificada em sede de liquidação
de sentença (fl. 2.845, vol. 15).
Os embargos de declaração opostos por Alberto Murray Neto (fls.
2.865-2.867, vol. 15) e pelo Banco do Nordeste do Brasil S.A. (fls. 2.878-2.879,
vol. 15) foram acolhidos para “fixar em valor equivalente a 50 (cinquenta)
salários mínimos os honorários de sucumbência devidos pela parte autora,
solidariamente, a cada um dos referidos Embargantes” (fl. 2.891, vol. 15).
Já os embargos de declaração opostos pela Apotex do Brasil Ltda. (fls. 2.8702.876, vol. 15) e pela DPM Bahia Distribuidora de Perfumaria e Medicamentos
Ltda. (fls. 2.881-2.888, vol. 15) foram rejeitados.
Eis a ementa do acórdão:
Processual Civil. Embargos de declaração em apelação cível. Honorários
de sucumbência. Parâmetros. Art. 20, § 4º, CPC. Inexistência de pontos
contraditórios ou omissos no acórdão embargado. Pretensão de devolução de
matéria. Impossibilidade. 1. Se a hipótese não contempla condenação, devem
os honorários de sucumbência ser fixados segundo a apreciação eqüitativa do
julgador, como dispõe o art. 20, § 4º, do CPC. 2. A estreita via dos embargos de
declaração não autoriza a devolução de matéria já decidida (fl. 2.890, vol. 15).
Opostos novos embargos de declaração pelo Banco do Nordeste do Brasil
S.A. (fls. 2.900-2.902, vol. 15), foram rejeitados (fls. 2.904-2.907, vol. 15).
Nas razões do especial (fls. 2.924-2950, vol. 15), alega a ora recorrente
violação dos seguintes dispositivos com as respectivas teses: (i) artigos 267,
incisos V e VII, do Código de Processo Civil e 31 da Lei n. 9.307/1996 porque teria o Tribunal de origem desconsiderado a cláusula arbitral que regia o
conflito entre as partes, bem como o processo resolvido pelo Tribunal Arbitral;
(ii) artigos 46 e 47 do Código de Processo Civil - ao argumento de que não há
litisconsórcio necessário entre a recorrente e o Banco do Nordeste do Brasil;
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
(iii) artigos 463, 523, 556 e 557 do Código de Processo Civil - entendendo
não ser possível a renovação do julgamento do agravo retido, cujo resultado
já havia sido publicado; (iv) artigos 496, incisos I e II, 522 e 523 do Código
de Processo Civil - sustentando que o julgamento do agravo retido não se
confunde com o julgamento da apelação; (v) artigo 462 do Código de Processo
Civil - defendendo a ausência de questões novas aptas a interferir no julgamento
realizado ou modificar os votos já proferidos no agravo retido; (vi) artigo 330 do
Código de Processo Civil - suscitando cerceamento do seu direito de defesa
ao ser impedido de produzir provas, em especial, com relação à: “(1) ciência
e anuência dos Recorridos quanto a todos os atos praticados; (2) inexistência
de atos de má-gestão ou ilícitos; (3) inexistência de prejuízos” (fl. 2.931, vol.
15) e (vii) artigos 458, inciso II, e 535, inciso II, do Código de Processo Civil
- por negativa de prestação jurisdicional ao deixar o Tribunal de origem de se
manifestar em sede de embargos declaratórios acerca de contradição apontada
no julgado recorrido.
Com as contrarrazões (fls. 3.079-3.092, vol. 16) e não admitido o recurso
na origem (fls. 3.113-3.120, vol. 16), foi provido o recurso de agravo de
instrumento para melhor exame do recurso especial em decisão da lavra do
Ministro Ari Pargendler (fl. 3.147, vol. 16).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Não merecem
acolhida as pretensões da recorrente.
Da alegada negativa de prestação jurisdicional
De início, inviável o acolhimento da pretensão recursal no tocante ao art.
535, inciso II, do Código de Processo Civil.
Segundo a recorrente, o Tribunal de origem teria partido da “premissa
(equivocada) de que o processo arbitral tinha causa de pedir diferente do
processo judicial” (fl. 2.947, vol. 15).
Logo, não poderia, no seu entendimento “ter adotado como razão de
decidir as conclusões do laudo arbitral” (fl. 2.948, vol. 16).
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sob sua ótica, referida contradição enseja ausência de fundamentos e
deveria ter sido sanada em sede de embargos declaratórios.
O que se verifica dos autos, entretanto, é que o Tribunal de origem motivou
adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do
direito que entendeu cabível à hipótese.
Não há falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional apenas pelo
fato de o acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da
parte. Sobre o tema, o seguinte precedente:
Civil e Processual Civil. Agravo regimental em agravo de instrumento.
Embargos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional. (...)
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional nos embargos de
declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na
medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A
motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535
do CPC (...).
(AgRg no Ag n. 1.160.319-MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina
(Desembargador convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 26.04.2011,
DJe 06.05.2011).
Pelas mesmas razões, não é o caso de ausência de fundamentação a ensejar
a nulidade do julgado por contrariedade ao art. 458, inciso II, do CPC, mas, sim,
motivação contrária aos interesses da recorrente.
Quanto ao tema, há muito se encontra pacificada a jurisprudência desta
Corte no sentido de que, “se os fundamentos do acórdão não se mostram
suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não
existam. Não pode confundir ausência de motivação com fundamentação
contrária aos interesses da parte” (AgRg no Ag n. 56.745-SP, Rel. Ministro
Cesar Asfor Rocha, Primeira Turma, julgado em 16.11.1994, DJ 12.12.1994 p.
34.335).
Da ausência de prequestionamento
No tocante ao conteúdo normativo do art. 330 do Código de Processo
Civil, não foi objeto de debate pelas instâncias ordinárias, sequer de modo
implícito, apesar de opostos embargos de declaração.
Com efeito, o Tribunal de origem, em sede de embargos declaratórios,
instado a se manifestar acerca da nulidade do processo em função do julgamento
350
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
antecipado da lide, anotou tratar-se a irresignação de “autêntica inovação, uma
vez que não foi suscitado na apelação qualquer cerceamento ao princípio da
ampla defesa, do qual é corolário o direito à produção de provas” (fl. 2.896, vol.
15).
Por esse motivo, ausente o prequestionamento, incide o disposto na Súmula
n. 211 do STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito
da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
Do apontado vício no julgamento
Nas razões do especial, a recorrente defende a tese de que o julgamento
do agravo retido não se confunde com o da apelação, de modo que impossível a
renovação do julgamento do agravo retido, cujo resultado já havia sido anunciado
publicamente.
A teor do art. 556 do Código de Processo Civil, “Proferidos os votos, o
presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o
acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor”.
Este Superior Tribunal, interpretando referido dispositivo, firmou
orientação no sentido de que, nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento
se encerra com a proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos.
Enquanto não encerrado o julgamento, qualquer dos seus membros,
inclusive o relator, pode retificar o voto anteriormente proferido.
Nesse sentido:
Processual Civil. Recurso especial. Retificação do voto após proclamado o
resultado do julgamento. Impossibilidade.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que,
nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a proclamação
do resultado final, após a coleta de todos os votos. Enquanto tal não ocorrer, pode
qualquer dos seus membros, inclusive o relator, retificar o voto anteriormente
proferido. Nesse sentido são os seguintes precedentes: HC n. 22.214-SP, 5ª Turma,
Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 25.11.2002, p. 250; REsp n. 351.881-PB, 3ª
Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJ 07.06.2004, p. 216; REsp n. 258.649-PR, 1ª Turma,
Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 13.09.2004, p. 173; HC n. 64.835-RJ, 5ª Turma,
Rel. Min. Felix Fischer, DJ 13.08.2007, p. 393; REsp n. 1.080.189-MG, 1ª Turma, Rel.
Min. Francisco Falcão, DJe 20.10.2008; AgRg no REsp n. 704.775-SC, 4ª Turma, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, DJe 29.03.2010.
2. Recurso especial provido.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(REsp n. 1.086.842-PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 14.12.2010, DJe 10.02.2011).
Agravo regimental no Resp. Processual Civil. Execução provisória de título
executivo judicial constituído em ação rescisória. Liquidação por arbitramento
processada no Tribunal de Justiça. Quantum debeatur. Critério utilizado na perícia.
Voto divergente. Embargos infringentes conhecidos e providos. Impossibilidade
de modificação do julgamento após proclamação do resultado. Ofensa aos artigos
463 e 556 do CPC configurada. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
1. Acolhidos os embargos infringentes, por meio dos quais o Tribunal resolveu
apreciar a “impugnação”, determinando que fosse feita nova perícia por entender
que o laudo pericial, que serviu de base para os cálculos de liquidação, não se
ateve ao decidido no acórdão da ação rescisória, não poderia o Tribunal recorrido,
após a proclamação daquele julgamento, proceder à sua modificação, sob pena de
ofensa aos artigos 463 e 556 do CPC.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 704.775-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 04.03.2010, DJe 29.03.2010).
Administrativo. Processo Civil. Ação indenizatória contra a Fazenda Pública.
Prazo quinquenal. Retificação de voto pelo relator. Possibilidade, até a
proclamação do resultado do julgamento.
1. Nos órgãos colegiados dos Tribunais, o julgamento se encerra com a
proclamação do resultado final, após a coleta de todos os votos.
Enquanto tal não ocorrer, pode qualquer dos seus membros, inclusive o relator,
retificar o voto anteriormente proferido.
(...)
3. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 258.649-PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,
julgado em 17.08.2004, DJ 13.09.2004, p. 173).
A doutrina corrobora tal posicionamento ensinando que, enquanto não
concluído o julgamento, qualquer magistrado integrante do órgão colegiado
poderá modificar o seu voto, inclusive quanto a questões preliminares já
apreciadas.
A propósito, NERY e NERY, em seus comentários:
Qualquer juiz do órgão colegiado poderá alterar o seu voto, enquanto não
terminado o julgamento. Isto pode ocorrer inclusive quanto à matéria preliminar,
se for de ordem pública. Isto porque a questão de ordem pública não está
352
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
sujeita à preclusão do CPC 471, de sorte que, a qualquer tempo, enquanto não
terminado o julgamento, o juiz pode voltar atrás e mudar o seu voto quanto
à preliminar de ordem pública ou quanto ao próprio mérito do recurso ou
ação originária. A mudança de voto pode ser feita até o momento imediatamente
anterior à proclamação do resultado. Anunciado o resultado, tem-se por terminado
o julgamento e não poderá mais haver alteração de voto (Código de Processo Civil
comentado, 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 1.008).
Conclui-se, portando, que até a proclamação do resultado da votação de
todas as questões suscitadas nos recursos submetidos ao colegiado é viável a
retificação dos votos sem nenhuma afronta aos dispositivos apontados como
malferidos.
Daí porque não há falar em proclamação de resultado parcial do julgamento
coletivo aperfeiçoando-se este, tão somente, com a proclamação do resultado
final acerca de todas as questões debatidas: preliminares e de mérito.
Sobre o ponto, oportuna a anotação de Humberto Theodoro Júnior:
Há dois atos de publicação no julgamento colegiado de Tribunal: o primeiro se dá
quando se completa a votação e o presidente proclama, na sessão de julgamento,
o resultado a que a Turma julgadora chegou (isto é, a conclusão do “acórdão”);
nesse momento se tem por cumprida e acabada a prestação jurisdicional a cargo
do Tribunal, motivo pelo qual não mais poderão os juízes alterar seus votos. O
segundo ato de publicação se dá depois que o relator redige o texto do acórdão
já proclamado na sessão pública de julgamento, e consiste na divulgação das
respectivas conclusões pela imprensa oficial (art. 564). (...) (Código de Processo
Civil anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 647).
No caso dos autos, houve renovação do julgamento do agravo retido, após
sucessivas suspensões do julgamento - primeiro em razão de pedido de vista,
depois em virtude da aposentadoria da relatora originária e, por último, para
conferir às partes oportunidade de manifestação acerca de documentos juntados
aos autos -, ocasião em que foram colhidos novos votos e alterado o resultado do
julgamento do agravo retido.
Somente na sessão seguinte foi efetivamente concluído o julgamento
de todas as questões e proclamado o resultado final do acórdão, conferindo
publicidade ao julgamento colegiado.
O fato de tratar-se, no caso concreto, de matéria arguida em sede de
agravo retido não apresenta nenhuma particularidade apta a afastar o referido
entendimento.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
É que o agravo retido, apesar de constituir recurso distinto da apelação,
com objeto e fundamento próprios, possui, a teor do art. 523, § 1º, do Código
de Processo Civil, sua apreciação condicionada não só à reiteração expressa nas
razões ou na resposta da apelação, mas também à própria admissibilidade do
recurso de apelação.
Nesse rumo:
Recurso especial. Negativa de prestação jurisdicional. Matéria suscitada em
momento inoportuno. Inexistência. Embargos de declaração intempestivos.
Impugnação via agravo retido. Apelação extemporânea. Recursos não conhecidos.
Tempestividade dos aclaratórios. Matéria preclusa. Recurso improvido.
(...)
2. Agravo retido. Ausência de autonomia recursal. Apreciação pela Corte
originária. Condição: conhecimento da apelação. Relação de dependência do agravo
retido para com o apelo.
3. Apelação intempestiva não conhecida pelo Tribunal de origem.
Consequência: não conhecimento da matéria deduzida no agravo retido extemporaneidade dos aclaratórios.
4. Intempestividade dos embargos de declaração. Impugnação por meio de
agravo retido. A simples interposição do agravo retido não tem o condão de tornar
os embargos de declaração tempestivos, porquanto não há no ordenamento
jurídico regra que confira tal efeito ao agravo apresentado na modalidade retida.
5. Agravo retido. Interrupção de prazo. Inocorrência. Somente os aclaratórios
interpostos tempestivamente possuem a aptidão de interromper o prazo recursal.
In casu, os motivos que conduziram a extemporaneidade dos embargos de
declaração não foram apreciados pelo Tribunal a quo.
6. Recurso improvido.
(REsp n. 709.426-BA, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador
convocado do TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 07.10.2010, DJe 20.10.2010).
A respeito, a doutrina de José Carlos Barbosa Moreira:
(...) o agravo retido, já se registrou, não está sujeito a deserção. Se, todavia,
deserta ficar a apelação, e por isso não subir ao Tribunal, é claro que tampouco
subirá o agravo. O mesmo se dirá de qualquer outra hipótese em que a apelação
tenha barrada a sua marcha no juízo a quo. Por outro lado, mesmo que a apelação
suba, o agravo retido não será apreciado se daquela não puder conhecer o órgão
ad quem: nesse caso, com efeito, a sentença haverá transitado em julgado no
momento em que ocorreu a causa de inadmissibilidade (...), e nenhum sentido
teria reexaminar a solução de questão incidente. Significa isso que, embora o
354
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
agravo deva em princípio ser julgado antes da apelação (“preliminarmente”, reza
o texto), dele não se ocupará o Tribunal sem antes certificar-se de que a apelação é
admissível (Comentário ao Código de Processo Civil. v. 5. 11. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 504-505).
Nessa linha, os ensinamentos de Pontes de Miranda, com as atualizações
de Sérgio Bermudes:
Se não houver apelação, o agravo retido não subsiste, mas ele se julga antes
dela, de sorte que primeiro se decide o agravo e depois a apelação. Pode,
entretanto, ocorrer a necessidade de se verificar se, efetivamente, se interpôs
apelação válida ou eficaz, como não acontecerá na hipótese de inexistência
dela (v.g., juntou-se aos autos, por equívoco, a apelação interposta de outra
sentença), da sua intempestividade, ou de desistência. Se houve fato ou ato
processual suscetível de apagar a apelação, ou se apelação não se interpôs,
incumbe a verificação dessas circunstâncias, antes do julgamento do agravo, cujo
conhecimento pressupõe a apelação (Comentários ao Código de Processo Civil. t.
7. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 244).
O agravo retido constitui, portanto, matéria preliminar ao julgamento
da apelação, de modo que se encontra intimamente vinculado ao seu
julgamento (nesse sentido, cite-se ainda: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso
Sistematizado de Direito Processual Civil. v. 5. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 175; FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao Código de
Processo Civil. v. 7. São Paulo: RT, 2001, p. 215, e MARQUES, José Frederico.
Instituições de Direito Processual Civil. v. 4. Campinas: Millennium, 1999, p.
198).
Nesse contexto, nada impedia mesmo os julgadores integrantes da Segunda
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia de, apresentado
novamente o processo, após a suspensão da sessão, renovar o julgamento do
agravo retido e rejeitá-lo.
Da cláusula compromissória e do laudo arbitral
Segundo a recorrente, teriam as instâncias ordinárias desconsiderado a
cláusula arbitral que regia o conflito entre as partes, bem como o laudo arbitral,
que, se respeitados, ensejariam a extinção do processo sem resolução do mérito,
a teor do que dispõe o art. 267, incisos V e VII, do Código de Processo Civil.
A seu ver, “a cláusula VIII (Item n. 8.10) do contrato de transferência de
cotas societárias e a cláusula X (Item n. 10.2) do contrato de cotistas determinam
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
355
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que os conflitos entre as litigantes devem ser resolvidos mediante arbitragem
perante a Câmara de Comércio Brasil/Canadá” (fl. 2.932, vol. 15).
Também argumenta que foi reproduzida perante o Poder Judiciário
“rigorosamente a mesma demanda” (fl. 2.934, vol. 15) resolvida pelo Tribunal
Arbitral.
É certo que após o advento da Lei n. 9.307/1996 - Lei de
Arbitragem, a eleição da convenção de arbitragem, seja na modalidade de
cláusula compromissória seja na de compromisso arbitral, passou a afastar,
obrigatoriamente, a solução judicial do conflito.
Daí porque o art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil passou a
prever a extinção do processo sem resolução de mérito diante da existência de
convenção de arbitragem.
Nesse sentido, a lição de Carlos Alberto Carmona:
Até o advento da Lei n. 9.307/1996, somente o compromisso arbitral teria
o condão de instituir o juízo arbitral. Exceção feita às hipóteses tratadas na
Convenção de Genebra, a cláusula compromissória, sempre tida entre nós como
mero pacto de contrahendo, não servia para afastar a competência do juiz togado,
e muito menos tinha o condão de instituir o juízo arbitral: quando muito, serviria
para obrigar a parte renitente a celebrar compromisso arbitral, daí seu inafastável
caráter de pré-contrato, que para muitos não gerava efeito algum.
A nova lei põe fim a este estado de coisas, tratando num mesmo capítulo - e sob
a mesma rubrica - tanto a cláusula como o compromisso. A mudança não é apenas
formal, como se percebe, pois doravante tanto a cláusula como o compromisso são
aptos a afastar a jurisdição estatal e a instituir a arbitragem, sendo de insistir que
não há mais obrigatoriedade de firmarem os litigantes um compromisso arbitral; (...)
(Arbitragem e Processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 87).
Esta Corte já teve a oportunidade de se manifestar nesse sentido:
Processual Civil. Recurso especial. Cláusula arbitral. Lei de Arbitragem.
Aplicação imediata. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato
internacional. Protocolo de Genebra de 1923.
- Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação
tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese
de extinção do processo sem julgamento do mérito.
- Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando
invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda
356
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as
normas processuais têm aplicação imediata.
- Pelo Protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de
compromisso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de
submeter eventuais conflitos à arbitragem, ficando afastada a solução judicial.
- Nos contratos internacionais, devem prevalecer os princípios gerais de direito
internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que
justifica a análise da cláusula arbitral sob a ótica do Protocolo de Genebra de
1923. Precedentes.
Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.
(REsp n. 712.566-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
18.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 407).
Processual Civil. Arbitragem. Obrigatoriedade da solução do litígio pela
via arbitral, quando existente cláusula previamente ajustada entre as partes
neste sentido. Inteligência dos arts. 1º, 3º e 7º da Lei n. 9.307/1996. Precedentes.
Provimento neste ponto. Alegada ofensa ao art. 535 do CPC. Não ocorrência.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 791.260-RS, Rel. Ministro Paulo Furtado (Desembargador convocado
do TJ-BA), Terceira Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 1º.07.2010).
Ocorre que, no caso dos autos, o Tribunal de origem, à luz da prova
dos autos e dos termos das cláusulas contratuais, concluiu que (i) a cláusula
compromissória firmada entre as partes não afastou a solução judicial do
conflito nos moldes como colocado na presente ação e (ii) não há identidade
entre a causa de pedir e o pedido da presente ação de indenização e a matéria
submetida ao juízo arbitral.
É o que se extrai da leitura do voto condutor do acórdão, merecendo
destaque os seguintes trechos:
Melhor analisando o feito, entendo que o agravo retido interposto pela
apelante Apotex não merece provimento, com o que revejo posição já externada
anteriormente. E assim o faço por estar absolutamente convencido de que a
cláusula compromissária firmada entre os Apelados e a apelante Apotex não afasta
do Poder Judiciário a apreciação do conflito colocado nesta ação.
Isso porque enquanto a cláusula compromissária reservou para o juízo arbitral a
competência para conhecer e julgar conflitos decorrentes de obrigações contratuais
ajustadas no contrato de quotistas, a causa de pedir dos ora Apelados gira em
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
357
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
torno de potencial violação, por parte dos Apelantes, à lei e ao contrato social, o
que redundaria na prática de ato ilícito ensejador de responsabilidade civil, cuja
procedência, aliás, foi reconhecida pelo juízo a quo.
Não bastasse a ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta
demanda e do conflito que resultou na instalação do juízo arbitral, é forçoso
reconhecer, como muito bem observou o Prof. Humberto Theodoro Júnior em
seu parecer, que “pelo menos em um ponto pode se dizer que existe litisconsórcio
necessário unitário que estaria a impedir que a sentença arbitral produzisse
efeitos válidos: quanto à responsabilidade contratual dos sócios administradores
antigos ou novos em face do financiamento celebrado com o Banco do Nordeste.
De fato, se o que se pretendeu declarar na sentença arbitral foi a titularidade
passiva de uma relação obrigacional que tem por credor a instituição financeira
que sequer foi intimada a aceitar o compromisso arbitral, não se pode recusar
a existência de um litisconsórcio necessário-unitário desrespeitado e capaz de
retirar toda a validade da sentença (fl. 2.849, vol. 15) (grifo nosso).
Nesse contexto, o que se vê é que as conclusões da Corte de origem
acerca da inaplicabilidade da cláusula compromissária ao caso dos autos, bem
como da ausência de identidade entre a causa de pedir e pedido desta ação de
indenização e o conflito que gerou a instalação do juízo arbitral, decorreram
inquestionavelmente do exame das cláusulas insertas no acordo de quotistas e
da análise do conjunto probatório dos autos.
A revisão desse entendimento é procedimento inadmissível no âmbito do
recurso especial, nos termos das Súmulas n. 5 e n. 7-STJ.
Ante todo o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa parte,
nego-lhe provimento.
É o voto.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Srs. Ministros, cumprimentando
os eminentes Advogados pelas sustentações orais, já havia tido conhecimento
prévio do voto do eminente Relator. Acuso o recebimento dos memoriais, mas
a decisão aqui apresentada pelo Sr. Ministro Relator é consentânea com o meu
entendimento.
Conheço em parte do recurso especial, mas nego-lhe provimento.
358
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 1.106.625-PR (2008/0259499-7)
Relator: Ministro Sidnei Beneti
Recorrente: Mauricio Urbanetz
Advogado: Suzana Valenza Manocchio e outro(s)
Recorrido: Nelson Leandro de Souza
Advogado: Fernanda Fortunato Mafra e outro(s)
EMENTA
Direito Civil. Teoria dos atos jurídicos. Invalidades. Título
executivo extrajudicial. Notas promissórias. Agiotagem. Princípio da
conservação dos atos e dos negócios jurídicos redução dos juros aos
parâmetros legais com conservação do negócio jurídico.
1. - A ordem jurídica é harmônica com os interesses
individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não fulmina
completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer
extensão. A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo
princípio da conservação dos seus efeitos, estabelece que até mesmo
as normas cogentes destinam-se a ordenar e coordenar a prática dos
atos necessários ao convívio social, respeitados os negócios jurídicos
realizados. Deve-se preferir a interpretação que evita a anulação
completa do ato praticado, optando-se pela sua redução e recondução
aos parâmetros da legalidade.
2. - O Código Civil vigente não apenas traz uma série de regras
legais inspiradas no princípio da conservação dos atos jurídicos, como
ainda estabelece, cláusula geral celebrando essa mesma orientação
(artigo 184) que, por sinal, já existia desde o Código anterior (artigo
153).
3. - No contrato particular de mútuo feneratício, constatada,
embora a prática de usura, de rigor apenas a redução dos juros
estipulados em excesso, conservando-e contudo, parcialmente
o negócio jurídico (artigos 591, do CC/2002 e 11 do Decreto n.
22.626/1933).
4. - Recurso Especial improvido.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
359
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)
Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,
Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro
Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Sidnei Beneti, Relator
DJe 09.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Mauricio Urbanetz interpõe recurso
especial com fundamento nas alíneas a e c do inciso III do artigo 105 da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná, Relator o Desembargador Hélio Henrique Lopes Fernandes
Lima, cuja ementa ora se transcreve (fls. 117-118):
Apelação cível. Embargos à execução. Título executivo extrajudicial. Notas
promissórias. Sentença “extra petita”. Inocorrência. Agiotagem. Decretação de
nulidade da execução. Desnecessidade. Redução. Valor da execução. Sucumbência
recíproca. Inocorrência. Pedido sucessivo. Recurso parcialmente provido.
1 - O Juízo monocrático não deixou de apreciar todas as questões levantadas,
bem como não decidiu além do pedido, não ultrapassando os limites da ação.
2 - O reconhecimento da prática da agiotagem, por si só, não implica na
nulidade das notas promissórias objeto da execução, haja vista a possibilidade
de anulação da cobrança de juros usurários com a redução da execução a medida
legal.
3 - O valor de R$ 1.808,00 (um mil, oitocentos e oito reais) não representa
o valor do primeiro empréstimo realizado, eis que resulta do valor principal
acrescido dos juros remuneratórios. Assim, merece reforma a r. sentença, a fim de
que sejam considerados os valores originalmente contratados.
4 - Não há que se falar em sucumbência recíproca quando, havendo pedido
sucessivo, um deles é deferido na íntegra.
360
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
2. - O Recorrente alega que as três notas promissórias que instruem a
execução contra ele intentada pelo Recorrido são nulas, porque contêm a juros
superiores àqueles legalmente permitidos em verdadeira caracterização de
agiotagem.
3. - Segundo sustenta, o Tribunal de origem, ao deixar de anular os títulos
em questão e autorizar o prosseguimento da execução pelo valor real da dívida,
com exclusão dos juros abusivos, teria violado os artigos 1º do Decreto n.
22.626/1933, que tratam de limitação de juros remuneratórios, o artigo 145, II,
do Código Civil de 1916, aplicável a espécie, que afirma ser nulo o ato jurídico
quando ilícito for o seu objeto e o artigo 11 do referido Decreto n. 22.626/1933,
nos termos do qual deve ser considerado nulo de pleno direito o contrato
celebrado com infração das disposições contidas naquela norma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4. - Mauricio Urbanetz opôs
embargos à execução proposta Nelson Leandro de Souza, alegando, basicamente,
que as notas promissórias indicadas como títulos executivos seriam nulas. Isso
porque espelhavam um mútuo celebrado entre particulares no qual estipulados
juros ilegais, caracterizadores de agiotagem. Nesses embargos requereu (fls. 13):
b) o reconhecimento da nulidade das notas promissórias emitidas pelo
Embargante e o acolhimento destes embargos para o fim de ser julgada extinta a
execução promovida com base nelas.
c) quanto menos, pede, sucessivamente, o acolhimento destes embargos para
o fim de ser reconhecida a nulidade das promissórias e reduzida a dívida nelas
estampadas para o valor originariamente emprestado, delas excluíndo-se os juros
cobrados pelo Embargado.
5. - A sentença julgou procedente em parte os embargos, para, sem anular
as promissórias, determinar o prosseguimento da execução, mediante recálculo
da obrigação, com exclusão dos juros abusivos (fls. 66-68).
6. - O Tribunal de origem deu parcial provimento à apelação do embargante,
apenas para esclarecer que, como havia sido acolhido o pedido sucessivo por ele
formulado, os ônus de sucumbência deveriam correr inteiramente por conta do
exequente embargado. Quanto ao mais, manteve a sentença.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
361
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
7. - Em sede de recurso especial procura, como relatado, ver reconhecida
a nulidade do negócio jurídico firmado com a consequente anulação das notas
promissórias.
8. - A Lei da Usura (Decreto n. 22.626/1933) em seu artigo 1º, proíbe
expressamente a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal. Ao
tempo do Código Civil de 1916, essa taxa legal era aquela prevista no artigo
1.062 daquele diploma, de 0,5% ao mês. Conclui-se, assim, que eram tidos por
usurários e, portanto, contrários à lei, os juros estipulados acima a 1% ao mês
(12% ao ano).
9. - As instâncias de origem, reconhecendo a verossimilhança das alegações
apresentadas pelo embargante, concluíram de forma definitiva pela existência
dessa ilegalidade.
10. - Nos termos do artigo 145, II, do Código Civil de 1916 e do artigo
166, II, do Código vigente, é nulo o ato jurídico (lato sensu) quando ilícito for o
seu objeto.
11. - Não se discute, nesta sede, questões de ordem processual, como a
possibilidade de prosseguimento do processo de execução com base em títulos
que tenham sido parcialmente desconstituídos judicialmente.
Importa saber, nesta oportunidade, se a invalidação do ato jurídico que
tenha um objeto ilícito é medida que se impõem de forma total e inafastável ou
se, tal como decidiu o Tribunal de origem, é possível, de alguma forma, salvá-lo.
12. - De início é preciso ter presente que a ordem jurídica não é inimiga
dos interesses individuais e do desenvolvimento econômico-social. Ela não
fulmina completamente os atos que lhe são desconformes em qualquer extensão.
A teoria dos negócios jurídicos, amplamente informada pelo princípio da
conservação dos negócios jurídicos, determina que mesmo as regras cogentes
existem apenas ordenar e coordenar a prática dos atos necessários ao convívio
social. Por isso o ordenamento somente sanciona quando e na medida em que os
valores ou interesses impregnados na norma o exijam.
Não se pode esquecer que contrato é apenas a veste jurídica de uma
operação econômica, pelo que sobreleva o interesse da própria coletividade
na manutenção dos efeitos dos negócios jurídicos realizados com vistas à
estabilidade social e segurança jurídica. Sempre que possível, portanto, deve-se
evitar a anulação completa do ato praticado, reduzindo-o ou reconduzindo-o
aos parâmetros da legalidade.
362
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
13. - O Código Civil, por exemplo, está impregnado de dispositivos que
celebram o princípio da conservação dos atos jurídicos. Muito além de um
punhado esparso e assistemático de regras inspiradas em uma mesma orientação,
a preocupação com a manutenção dos atos jurídicos aproveitáveis foi encarecida
pelo legislador de forma expressa e genérica ao dispor, no capítulo V do Código,
intitulado “Da Invalidade do Negócio Jurídico” que “Respeitada a intenção das
partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte
válida, se esta for separável” (artigo 184).
Essa orientação já existia, por sinal, desde o Código Civil anterior, que, em
seu artigo 153, dispunha: “A nulidade parcial de um ato não o prejudicará na
parte válida, se esta for separável”.
14. - No caso dos autos, a petição dos embargos à execução narra que o
recorrente tomou o empréstimo em questão para atender necessidade premente
da empresa de engenharia e consultoria de que é sócio.
Nessa situação lembra-se logo do artigo 157 do Código, que estabelece
como hipótese de anulabilidade do negócio jurídico a figura da lesão, assim
compreendida como a assunção de obrigação manifestamente desproporcional
em razão de necessidade premente ou de inexperiência.
O parágrafo 2º desse mesmo dispositivo, nitidamente inspirado no
princípio da conservação dos atos jurídicos, preceitua que “Não se decretará
a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito”.
15. - Dentre as inúmeras hipóteses concretizadoras desse princípio, merece
destaque especial o instituto conhecido como “conversão substancial do negócio
jurídico” previsto nos artigos 169 e 170 do Código:
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem
convalesce pelo decurso do tempo.
Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro,
subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam
querido, se houvessem previsto a nulidade.
16. - Na hipótese em testilha não há elementos para afirmar com segurança
que os juros estipulados no contrato podem ser reduzidos aos patamares legais
com base no instituto da conversão, sobretudo porque não se tem como apurar
se o mutuante teria celebrado o negócio nesses termos.
17. - Também não é possível afirmar que o negócio deve ser preservado com
base no § 2º, do artigo 157, porque não se tem notícia de que o mutuante tenha
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
363
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
concordado com a redução do proveito. Muito pelo contrário, na impugnação
aos embargos, ele pleiteou pela improcedência total dos pedidos ali formulados.
18. - Com efeito, mesmo em relação à regra do artigo 184, não se tem uma
subsunção perfeita, do fato à norma, porque não é possível afirmar que o mútuo
em questão teria uma parte válida e outra inválida. O valor dos juros, com
efeito, é da essência da espécie contratual destacada, é elemento estruturante do
contrato e não pode ser cindido em partes.
ZENO VELOSO, a respeito do tema, ensina que a redução do negócio
jurídico às sua parte válida não pode ocorrer quando sobressair um aspecto
unitário do ato. Isto é, quando patente que as partes somente o teriam ajustado
se fosse válido em seu conjunto, consequentemente não admitindo seu
fracionamento. Nessas hipóteses prevalecerá o reconhecimento da nulidade
de todo o negócio (VELOSO, Zeno. Invalidade do negócio jurídico. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002. p. 95). Na mesma linha, MARCOS BERNARDES
DE MELLO entende que mesmo que a separação do negócio em partes seja
possível objetivamente, a finalidade do negócio não pode ser desfigurada pela
redução, entendendo que, nesse caso, a invalidade total será a regra (MELLO,
Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico: plano da validade. São Paulo: Saraiva,
2000. p. 64).
19. - Em todo caso, sem dúvida mesmo quando afastada a aplicação desses
dispositivos, ainda restaria regra do artigo 591, que, de forma expressa, autoriza
a redução dos juros pactuados em excesso (por particulares), independentemente
do que teriam as partes convencionado se soubesses da ilegalidade que inquinava
o contrato. Confira-se:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos
juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere
o art. 406 (...).
20. - Nem se diga que o artigo 591 do Código Civil de 2002 seja inaplicável
ao caso presente, porque celebrado o do negócio jurídico à época da vigência do
Código anterior. O comando legal em questão é apenas a explicitação de um
princípio jurídico que já existia, como visto, desde o Codex passado (artigos 148
e 153, por exemplo).
Não por outro motivo se admite, por exemplo, desde há muito, a revisão
dos contratos de mútuo bancário para redução de encargos abusivos, como juros
de mora superiores à taxa legal, correção monetária por índice não autorizado,
364
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
cumulação de comissão de permanência com correção monetária etc. Nesses
casos sempre se admitiu a declaração de nulidade parcial do contrato, com
manutenção das partes válidas e na proporção em que eram válidas.
21. - E, para aplacar qualquer dúvida, quanto à possibilidade de redução dos
juros aos patamares legais, cumpre conferir o que dispõe o artigo 11 do Decreto
n. 22.626/1933, curiosamente apontado violado pelo próprio recorrente.
Art. 11. O contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito,
ficando assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais.
Ora, se ao devedor é assegurada a repetição do que houver pago a mais é
porque o que foi corretamente, dentro do que autorizado pela norma, não deve
ser repetido. E se não deve ser repetido é porque deve ser mantido.
Se a lei tivesse imposto a anulação de todo o negócio jurídico ela teria
dito que a infração aos seus termos implicaria a resolução do contrato, com
restituição das partes ao estado anterior. Não foi isso, porém, o que o legislador
disse. Lê-se na norma, repita-se, que será repetido, isto é, devolvido, apenas o
que foi pago a maior.
22. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
RECURSO ESPECIAL N. 1.110.506-DF (2008/0274511-0)
Relator: Ministro Sidnei Beneti
Recorrente: Evandro Diniz Cotta e outros
Advogado: José Carlos de Almeida e outro(s)
Recorrido: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do
Brasil Previ
Advogado: Carolina Carvalhais Vieira de Melo e outro(s)
EMENTA
Direito Civil. Previdência privada. Reserva de poupança.
Execução. Atualização da dívida.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
365
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
1. - Os índices previstos para juros e correção monetária pelo
estatuto da empresa de previdência privada só podem incidir durante
o período da contratualidade. Isso precisamente porque o contrato
já previa que, até o desligamento do plano, as contribuições pessoais
vertidas pelos associados deveriam ser reajustadas por esses índices.
2. - Após o término do contrato, não podem ser aplicados os
índices estipulados pelas partes com exclusividade para o período de
vigência do contrato. Depois do desligamento dos associados, devem
ser aplicados, a depender da situação, quando tão-somente, os juros de
mora no índice legal e a correção monetária oficial.
3. - Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)
Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino,
Ricardo Villas Bôas Cueva e Massami Uyeda votaram com o Sr. Ministro
Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Sidnei Beneti, Relator
DJe 09.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti: 1. - Evandro Diniz Cotta e outros interpõem
recurso especial com fundamento na alínea c do inciso III do artigo 105 da
Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios, Relatora a Desembargadora Nídia Correa Lima,
cuja ementa ora se transcreve (fls. 784):
Direito Civil e Processual Civil. Embargos à execução. Plano de previdência
privada. Previ – Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil.
Preliminares de intempestividade e de deserção afastadas. Pagamento de
correção monetária sobre as contribuições pessoais com base no IPC. Juros e
366
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
correção monetária contratuais. Limite. Data do desligamento. Sucumbência
mínima. Art. 21, parágrafo único, do CPC.
1. Não há necessidade de renovação do pedido de gratuidade de justiça em
sede de apelação, tampouco de recolhimento do preparo, porquanto nos termos
do art. 9º da Lei n. 1.060/1950, o benefício concedido compreende todos os atos
do processo até decisão final do litígio e abrange todas as instâncias.
2. O pagamento dos juros remuneratórios e da correção monetária está
previsto no contrato devendo incidir sobre as contribuições pessoais vertidas que
não foram pagas por ocasião do resgate. Entretanto, tais encargos contratuais
deverão incidir sobre o capital das contribuições pessoais vertidas tão somente
até a data de desligamento do empregado do quadro social da empresa
empregadora.
3. Verificado que a parte embargada decaiu de parte mínima da pretensão
executória, deve a parte embargante arcar com a integralidade do pagamento
das custas processuais e honorários advocatícios, conforme dispõe o art. 21,
parágrafo único, da Lei Processual Civil.
4. Preliminares rejeitadas. Recursos de apelação e recurso adesivo conhecidos
e não providos.
2. - Os embargos de declaração opostos (fls. 796-798) foram rejeitados (fls.
801-807).
3. - Os recorrentes alegam, em síntese, que os juros remuneratórios
previstos no Estatuto da empresa recorrida devem incidir sobre as diferenças
das contribuições previdenciárias não apenas até a data do desligamento do
empregado do quadro da Previ, mas até o efetivo pagamento das diferenças
apontadas. Nesse sentido aponta dissídio jurisprudencial, colacionando
precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Ressalta que a orientação preconizada no acórdão paradigma visa a
assegurar a incidência de juros e correção também no espaço de tempo que
vai do desligamento do plano até a citação. Esse posicionamento seria mais
isonômico, tendo em vista que os sócios remanescentes, que não se desligaram
do plano, continuam recendo os juros contratuais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator): 4. - A situação fática dos autos é
bem delineada na seguinte passagem da sentença (fls. 704-705):
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
367
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Trata-se de Embargos à execução opostos por Previ - Caixa de Previdência
dos Funcionários do Banco do Brasil em face do alegado excesso de execução
promovida por Evandro Diniz Cotta e outros.
A questão controversa reside apenas nos índices de correção e juros aplicados
pelos exequentes, que no entender da executada, causaram o excesso na
execução. Foi determinado que se aplicassem na correção monetária do saldo
devedor da contribuição pessoal vertida pelos embargado, por ocasião de seus
desligamentos do plano de previdência privada administrado pela embargante,
os expurgos inflacionários relativos aos meses de junho de 1987, janeiro de 1989,
março de 1990, abril de 1990, maio de 1990, fevereiro de 1991 e março de 1991.
Não há controvérsia em relação aos índices a serem aplicados na correção
da dívida reconhecida, discordando as partes em relação à metodologia
a ser empregada na elaboração dos cálculos e encargos acessórios a serem
considerados.
5. - Na sentença propugnou-se pela seguinte solução (fls. 705):
Devem ser considerados os juros remuneratórios, segundo a regulamentação
contratual e juros moratórios previstos desde o inadimplemento de cada uma das
prestações, até o efetivo pagamento, com a correção monetária do valor apurado,
a partir da aplicação do INPC.
No que concerne à aplicação de juros moratórios e correção monetária, a
regulamentação advém de normas de ordem pública. Já em relação aos juros
remuneratórios, os mesmos são os especificados no contrato, e são previstos
desde a admissão do réu, como segurado até o seu efetivo desligamento do
plano, devendo recompensar o capital aplicado, nos termos do contrato.
6. - O Tribunal de origem, negou provimento à apelação, reiterando que
(fls. 790):
No mérito, afirmaram os embargados que a inclusão dos juros e da correção
monetária previstos nos estatutos após o saque parcial ocorrido, até a data em
que foram efetivamente pagas as cotas retidas indevidamente, não podem ser
considerados excesso de execução.
Quanto à irresignação dos apelantes, importante ressaltar que assim como
ocorre com a aplicação da correção monetária, o Estatuto da Previ também prevê
o pagamento de juros contratuais, a teor do disposto no art. 9º, alínea a.
Pois bem, considerando que o pagamento dos juros remuneratórios está
previsto no contrato, para o caso de desligamento, impõe-se reconhecer que
sua incidência também é devida com relação à diferença dos valores da correção
monetária sobre as contribuições pessoais vertidas que não foram pagas
por ocasião do resgate. Entretanto, mencionados juros e correção monetária
368
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
contratuais deverão incidir sobre o capital das contribuições pessoais vertidas tão
somente até a data de desligamento do empregado do quadro social da Previ, sob
pena de configurar bis in idem, razão pela qual a exclusão dos valores calculados
em período posterior é medida que se impõe.
7. - O acórdão paradigma trazido no recurso especial, de sua parte, assinala
que (fls. 815):
No tocante ao recurso dos autores, que diz respeito ao período de incidência
dos juros remuneratórios de 6%, é de se salientar que os mesmos são previstos
no estatuto da ré, em seu artigo 9º e, ao contrário do que ficou estipulado na
sentença, deve ser calculado até o efetivo pagamento das diferenças apontadas.
8. - Como se vê, a controvérsia posta no presente recurso especial está em
saber se as diferenças devidas em razão da restituição a menor das contribuições
de previdência privada podem ser reajustadas com os juros remuneratórios
contratualmente estabelecidos, mesmo após o desligamento do sócio até a data
do efetivo pagamento, ou se, ao contrário, tais juros somente poderiam incidir
durante o período de vigência do contrato.
9. - No caso dos autos, a Previ foi condenada a pagar aos recorrentes
valor correspondente à diferença de correção monetária incidente sobre as
contribuições pessoais por eles vertidas ao plano de previdência privada. Sucede
que o próprio plano de previdência, tendo em conta a sua finalidade precípua,
já previa, em seu estatuto, a incidência de juros e correão monetária sobre os
valores ordinariamente depositados pelos associados.
10. - Dessa forma é que, na fase de execução, foi considerado, pela
contadoria judicial, segundo se infere da sentença, que, sobre a diferença devida
em cada mês (expurgos inflacionários relativos aos meses de junho de 1987,
janeiro de 1989, março de 1990, abril de 1990, maio de 1990, fevereiro de
1991 e março de 1991) deveriam incidir os índices de atualização previstos no
estatuto da empresa, até o desligamento dos associados recorrentes.
11. - Os recorrentes pleiteiam que esses índices devem ser aplicados,
também após o encerramento do contrato. O Tribunal de origem disse que isso
não poderia acontecer por dois motivos: a) porque as estipulações do contrato
só podem ter validade para o período da sua vigência, e b) porque haveria bis in
indem.
12. - É de se reconhecer, não merece reparos o posicionamento do
acórdão recorrido. De fato, só faz sentido a aplicação dos índices previstos
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
369
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
para juros e correção monetária pelo estatuto da empresa durante o período da
contratualidade. Isso precisamente porque durante esse período o contrato já
tinha por finalidade o incremento monetário das contribuições pessoais vertidas
pelos associados.
Após o término do contrato, não podem, naturalmente, ser aplicados os
índices previstos pelo contrato com exclusividade para o período de sua vigência.
Depois do desligamento dos associados, devem ser aplicados, a depender da
situação, quando muito, os juros de mora no índice legal e a correção monetária
oficial.
13. - Perceba-se que o Tribunal de origem, quando se referiu a um possível
bis in idem que deveria ser evitado, deixou transparecer, que (pelo menos após a
citação na ação de cobrança do valor pago a menor), já deveriam correr os juros
de mora e a correção monetária nos índices previstos por lei. Segundo se pode
inferir, era justamente a incidência em duplicidade dessa atualização (uma vez
pelos índices do contrato e outra pelos índices legais) que se pretendeu evitar.
14. - Destaque-se que o dissídio jurisprudencial em que assentado o
recurso especial não permite discutir o termo inicial da incidência dos juros e da
correção monetária. Não se pode examinar, assim, se a atualização dos valores
devidos deve se iniciar logo após o desligamento dos associados ou se isso deve
acontecer apenas a partir da citação no processo de conhecimento.
15. - Ante o exposto, nega-se provimento ao Recurso Especial.
RECURSO ESPECIAL N. 1.129.344-SP (2009/0142123-6) (f)
Relator: Ministro Massami Uyeda
Recorrente: Manufatura de Brinquedos Estrela S/A
Advogado: Arnoldo Wald e outro(s)
Recorrido: Mattel INC e outro
Advogados: Patricia Guimarães Hernandez
Luiz Fernando Henry Sant’anna
Advogada: Maria Helena Ortiz Bragaglia e outro(s)
370
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
EMENTA
Recurso especial. Estrela X Mattel. Parceria para comercialização
de brinquedos no Brasil. Ação de indenização por danos morais e
materiais. Suposta prática de concorrência desleal e responsabilidade
pré-contratual. Negativa de prestação jurisdicional. Não-ocorrência.
Alegação genérica de omissão no julgado. Incidência do Enunciado n.
284-STF. Análise de matéria constitucional pelo STJ. Impossibilidade.
Revelia. Julgamento antecipado da lide. Pleito de produção de provas.
Não-atendimento. Cerceamento de defesa. Ocorrência. Recurso
especial provido.
I - Todas as questões suscitadas pela recorrente Estrela foram
solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada;
II - A alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional
atrai a incidência do disposto na Súmula n. 284-STF;
III - Este Egrégio Superior Tribunal de Justiça não se presta à
análise de matéria constitucional;
IV - Ocorre cerceamento de defesa quando, ocorrida a revelia
da ré e indeferido o pedido de produção de provas formulado pela
autora, o Juiz julga antecipadamente a lide e conclui que a autora não
comprovou os fatos constitutivos de seu direito;
V - Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no
julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a
Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 18 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda, Relator
DJe 22.09.2011
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
371
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Massami Uyeda: Os elementos dos autos dão conta de
que Manufatura de Brinquedos Estrela S.A. ajuizou ação pelo rito ordinário
em face de Mattel INC. e outro, objetivando em síntese, a condenação das rés
ao pagamento de indenização solidária por perdas e danos morais, materiais
e lucros cessantes, em razão de suposta prática de concorrência desleal, bem
como responsabilidade pré-contratual derivada do fim da parceria empresarial
travada pelas partes ao longo de vários anos para a produção e comercialização
de brinquedos no Brasil.
A revelia dos recorridos Mattel e outro foi decretada pelo acórdão de fls.
605-609, em sede de agravo de instrumento julgado pelo egrégio Tribunal de
Justiça de São Paulo.
Após a instrução processual, o r. Juízo de Direito da 17ª Vara Cível da
Comarca da Capital do Estado de São Paulo julgou improcedente a demanda
(fls. 8.010-8.017, volume n. 41).
Interposto recurso de apelação pela Estrela (fls. 8.019-8.049), e apresentadas
contra-razões pela Mattel e outro (fls. 8.058-8.076), o egrégio Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo negou provimento ao apelo, conforme assim ementado:
Contrato. Validade. Obrigações assumidas livremente pelas partes. Ausência
de coação ou má-fé. Aliciamento não comprovado. Concorrência desleal não
configurada. Autora que não logrou demonstrar os fatos alegados. Recurso
improvido (fl. 8.126).
Opostos embargos de declaração pela Estrela (fls. 8.152-8.160), foram eles
desacolhidos (fls. 8.164-8.170).
No presente recurso especial, interposto pela Estrela, com fundamento no
art. 105, inciso III, alíneas a e c, em que alega negativa de vigência dos arts. 165,
319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, inciso I, 458, 471, 473 e 535, inciso II, do
Código de Processo Civil; 159 e 160 do Código Civil de 1916; 20, 21 e 29 da
Lei n. 8.884/1994, busca a recorrente a reforma do r. decisum, sustentando, em
síntese (fls. 8.174-8.215):
(i) Preliminarmente, negativa de prestação jurisdicional, tendo em vista a
existência de omissões no acórdão recorrido relativamente aos arts. 165, 319,
320, 332, 334, 348, 435, 452, 458, 471 e 473 do Código de Processo Civil, 159 e
160 do Código Civil, 20, incisos I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV,
372
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n. 8.884/1994, e 5º, incisos LIV e LV, 93,
inciso IX, e 173, § 4º, da Constituição Federal de 1988, bem como deficiência
na fundamentação do julgado, que não teria apreciado “um dos principais
fundamentos jurídicos do pedido da Estrela: a incidência da Lei de Defesa da
Concorrência (n. 8.884/1994)”;
(ii) Ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez que a recorrente teria
insistido na realização da audiência de instrução e julgamento, bem como na
oitiva das testemunhas e da perita judicial, postulações não atendidas pelo r.
Juízo de Direito a quo, alegando a recorrente, ainda, que, “não é possível afastar
a produção de provas requeridas pela parte e, ao mesmo tempo, rejeitar sua
pretensão por ausência de comprovação”;
(iii) Ofensa à coisa julgada, tendo em vista que a realização de audiência
de instrução e julgamento já havia sido determinada em despacho saneador
transitado em julgado, não podendo o r. Juízo de Direito a quo decidir novamente
questões já decididas e atingidas pela preclusão. Assevera, assim, que, saneado o
processo, deferindo-se as provas a serem produzidas, não poderia o Magistrado
ter antecipado o julgamento da lide, mas sim deveria ter designado audiência de
instrução e julgamento;
(iv) Desconsideração dos efeitos da revelia, porquanto as recorridas teriam
apresentado contestação intempestiva, sendo que deveria o acórdão ter reputado
como verdadeiros os fatos alegados pela recorrente (confissão ficta da recorrida);
(v) Por fim, caso superadas as questões preliminares, requer o
reconhecimento do direito à indenização por danos morais, materiais e lucros
cessantes, por força da alegada responsabilidade pré-contratual das recorridas,
que teriam praticado atos ilícitos e de infração à legislação de defesa da
concorrência.
As recorridas Mattel e outro apresentaram contra-razões ao recurso especial,
alegando, preliminarmente, ausência de prequestionamento, incidência do
Enunciado n. 7 da Súmula-STJ e não-comprovação do dissídio jurisprudencial.
No mérito, requereu a manutenção das conclusões do acórdão recorrido (fls.
8.345-8.361, Volume n. 43).
A Presidência da Seção de Direito Privado do e. Tribunal de Justiça de São
Paulo negou seguimento ao recurso especial (fls. 8.363-8.365), decisum objeto de
agravo de instrumento interposto perante o STJ, ao qual foi dado provimento,
tendo sido determinada, por esta Relatoria, a subida do recurso especial (fl. 8.457).
É o relatório.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
373
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Inicialmente, anota-se inexistir
ofensa ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil, porquanto,
relativamente aos arts. 165, 319, 320, 332, 334, 348, 435, 452, 458, 471 e 473
do Código de Processo Civil, 159 e 160 do Código Civil, 20, incisos I, II, III e
IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29 da Lei n.
8.884/1994, há alegação genérica de negativa de prestação jurisdicional, sem a
indicação específica da pretensa omissão, contradição ou obscuridade do aresto
recorrido, caracteriza deficiência de fundamentação do recurso especial a atrair a
incidência do disposto na Súmula n. 284-STF.
Já em relação à pretensa omissão do julgado em relação aos arts. 20, incisos
I, II, III e IV, 21, incisos V, VI, IX, XIII, XIV, XVIII, XX, XXII e XXIII, e 29
da Lei n. 8.884/1994, veja-se que todas as questões suscitadas pela recorrente
Estrela foram solucionadas à luz da fundamentação que pareceu adequada ao
caso concreto, conforme se extrai do seguinte excerto do acórdão de embargos
de declaração, in verbis:
Relativamente ao mérito, isto é, dizer que não tratou o acórdão da concorrência
desleal, isso não é verdade. Foi observado que não se trata de concorrência
desleal, mesmo porque o ardil invocado como ocorrente não restou reconhecido.
Tratar-se-ia de embuste maquinado durante trinta anos. E a concorrência teria
havido por ato da própria autora, que afastou seu produto por entender mais
vantajosa comerciar aquele obtido por concessão de uso da requerida.
De qualquer sorte, se isso satisfaz a embargante, fica esclarecido que não
houve, no entender da Turma julgadora, concorrência desleal (fl. 8.170).
É entendimento assente que o órgão judicial, para expressar sua convicção,
não precisa mencionar todos os argumentos levantados pelas partes, mas, tãosomente, explicitar os motivos que entendeu serem suficientes à composição do
litígio, sendo esta a hipótese dos autos.
Bem de ver, outrossim, no tocante à alegação de omissão do acórdão
quanto aos arts. 5º, incisos LIV e LV, 93, inciso IX, e 173, § 4º, da Constituição
Federal de 1988, que este Egrégio Superior Tribunal de Justiça não se presta à
análise de matéria constitucional, cabendo-lhe, somente, a infraconstitucional,
já que o art. 105, inciso III, da Constituição Federal prevê o cabimento do
especial apenas quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou
negar-lhes vigência (ut, entre outros, REsp n. 72.995-RJ, relator Ministro Aldir
374
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Passarinho Júnior, DJ de 14.06.2004; n. 416.340-SP, relator Ministro Fernando
Gonçalves, DJ de 22.03.2004 e n. 439.697-ES, relator Ministro Cesar Asfor
Rocha, DJ de 30.06.2003).
Superada a preliminar de negativa de prestação jurisdicional, passa-se
à análise da tese suscitada pela autora/recorrente Estrela de que teria havido
cerceamento de defesa ante o julgamento antecipado da lide sem que fosse
oportunizada a produção de prova requerida pela autora/recorrente e sem que se
considerassem os efeitos da revelia dos recorridos.
Nesse ponto, o inconformismo recursal merece prosperar.
Com efeito.
In casu, veja-se que a recorrente Estrela (autora), formulou pedido de
intimação do perito para esclarecimentos acerca do laudo por ele apresentado
(o que foi indeferido pelo r. Juízo de Direito a quo), tendo peticionado nos
autos manifestando sua pretensão de julgamento antecipado da lide, com o
reconhecimento integral da procedência do pedido em razão da ocorrência da
revelia dos recorridos Mattel e outro (rés). Alternativamente, caso não houvesse
o julgamento antecipado da lide, a recorrente Estrela requereu a designação de
audiência de instrução e julgamento, onde seriam produzidas provas periciais
e testemunhais, para comprovar os fatos constitutivos de seu direito (fl. 7.968,
Volume n. 41).
Registre-se, por oportuno, que tal pedido formulado pela Estrela, ao
contrário do entendimento das instâncias ordinárias, não pretendeu vincular o
r. Juízo de Direito a quo para que julgasse a causa em favor da recorrente, mas
apenas objetivou a análise do pedido alternativo de dilação probatória, caso o
pedido principal - qual seja, a procedência integral do pedido da recorrente
em face do reconhecimento da revelia da recorrida e da veracidade dos fatos
alegados na inicial -, não fosse acatado para fins de julgamento antecipado da
lide.
Contudo, apesar do pedido alternativo formulado pela recorrente Estrela,
o r. Juízo de Direito a quo julgou a lide antecipadamente, no sentido de sua
improcedência, sem considerar como verdadeiros os fatos alegados pela
recorrente Estrela e sem possibilitar a esta a produção de provas necessárias à
comprovação do direito por ela postulado.
Nesse ponto, é importante consignar que a ocorrência da revelia não
tem necessariamente como consectário lógico o julgamento no sentido da
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
375
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
procedência do pedido - haja vista a relatividade da presunção de veracidade
dos fatos alegados. Por esse motivo, caso não reconheça a veracidade dos fatos
alegados na inicial, deve o julgador, com vistas à formação de sua convicção
e para que sejam observados os princípios do contraditório, da ampla defesa
e do devido processo legal, possibilitar à parte autora a produção das provas
constitutivas do seu direito, o que, na espécie, não ocorreu.
Ademais, a relação jurídica havida pelas partes envolve constituição de
sociedade de fato, cuja comprovação, em princípio, depende da produção de
prova testemunhal, que foi previamente requerida pela autora/recorrente Estrela
à fl. 7.968, Volume n. 41.
É certo, ainda, que a jurisprudência desta Corte Superior firmou o
entendimento de que não é admissível antecipar o julgamento da lide,
indeferindo a produção de prova necessária ao deslinde da controvérsia, para,
posteriormente, desprover a pretensão com fundamento na ausência daquela
prova cuja produção não foi permitida, porquanto tal conduta implica infração
aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo
legal (ut REsp n. 436.027-MG, relator Ministro Honildo Amaral de Mello
Castro, DJ de 30.09.2010).
Assim sendo, dá-se provimento ao recurso especial, para reconhecer a
ocorrência de cerceamento de defesa e decretar a nulidade da sentença e dos
atos decisórios subsequentes, determinando-se o retorno dos autos à origem
para que seja possibilitada a produção das provas requeridas pela recorrente
Estrela, prejudicada a análise das demais questões.
É o voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Presidente, pedi vista dos
autos para o seu melhor exame.
A Manufatura de Brinquedos Estrela S/A ajuizou ação ordinária em face
da Mattel INC. – que lhe licenciara, por longos anos, com exclusividade, a
fabricação e a comercialização de seus produtos no Brasil – e da Mattel Comercial
de Brinquedos Ltda. – que passou a desenvolver as atividades antes licenciadas.
Postulou, na sua petição inicial, o pagamento de lucros cessantes e de
indenização por danos materiais e morais, por terem as rés, antes, durante e
376
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
após o término das relações comerciais, praticado atos que se enquadrariam no
conceito de concorrência desleal.
Em que pese a revelia das rés, o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, confirmando a sentença do juízo de primeiro grau, julgou improcedentes
os pedidos.
No seu recurso especial, afirmou a Estrella S/A, preliminarmente, a nãoeliminação, pelo Tribunal de origem, das omissões indicadas em embargos de
declaração; a ocorrência de cerceamento de defesa e de violação à coisa julgada;
a ausência de fundamentação no acórdão recorrido; e a desconsideração dos
efeitos da revelia.
No mérito, sustentou a procedência dos pedidos veiculados na petição
inicial.
O eminente Ministro Massami Uyeda, relator do recurso, após afirmar não
haver o Tribunal de origem se omitido a respeito de questões relevantes para o
julgamento da causa, reconheceu a ocorrência do cerceamento de defesa, nos
seguintes termos:
Ocorre cerceamento de defesa quando, ocorrida a revelia da ré e
indeferido o pedido de produção de provas formulado pela autora, o Juiz
julga antecipadamente a lide e conclui que a autora não comprovou os fatos
constitutivos do direito.
Inicio apreciando a alegação de cerceamento de defesa, cuja prática, se
confirmada, precederia a suposta não-eliminação, pelo Tribunal de origem, das
omissões indicadas em embargos de declaração.
Enquanto que a Estrella S/A afirma ter o juízo de primeiro grau indeferido
o seu pedido de produção de provas, promovido o julgamento antecipado da
lide, mas lhe atribuído o ônus da não-comprovação dos fatos constitutivos do
direito, as sociedades integrantes do Grupo Mattel sustentam exatamente o
oposto, que a própria autora teria postulado o julgamento antecipado.
Esta disparidade reflete o pedido formulado pela autora na fl. 7.968 dos
autos:
Por todo o exposto e considerando-se os efeitos da revelia, requer o
julgamento do processo no estado em que se encontra, com o reconhecimento
integral da procedência do pedido. Caso assim não entenda V. Exa, que então se
digne designar data para a realização da audiência de instrução e julgamento,
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
377
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
se reservando a autora no direito de arrolar oportunamente as testemunhas
e eventualmente solicitar o comparecimento da Sra. Perita para prestar os
esclarecimentos necessários (grifo da autora).
Nada obstante, para o reconhecimento do cerceamento de defesa afirmado
pela autora, importa – especialmente diante da revelia das rés – menos a atuação
das partes e mais a do magistrado, a quem compete a direção do processo (art.
125 do CPC).
Neste aspecto, dispõe o art. 330 do CPC, in verbis:
Art. 330. O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:
I - quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito
e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência;
II - quando ocorrer a revelia (art. 319).
Ao comentar o inciso II deste dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery (Código de processo civil comentado e legislação
extravagante. 11ª Ed., rev., ampl. e atual. até 17.02.2010. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2010, p. 626) relembram a impropriedade da utilização
do vocábulo “revelia”, quando o correto seria a menção a “efeitos da revelia”.
De fato, o julgamento antecipado da lide, com base no inciso II do art. 330
do CPC, exige, além da perda do prazo para contestar, a decretação dos efeitos
da revelia, reputando o magistrado, nos termos do art. 319 do CPC, “verdadeiros
os fatos afirmados pelo autor”.
No caso dos autos, no entanto, o juízo de primeiro grau, mesmo não
considerando provados, ou “verdadeiros”, os fatos constitutivos do direito da
autora, julgou antecipadamente a lide.
Com isto, ao ratificar os fundamentos e o comportamento do juízo de
primeiro grau, que procedeu como se houvesse decretado a ocorrência dos
efeitos da revelia, abreviando a fase de dilação probatória, contrariou o Tribunal
de origem o disposto no art. 330, II, do CPC, cerceando o direito da autora
produzir provas.
Ressalto a relevância da prova testemunhal para o presente caso, em que
submetida ao Poder Judiciário a apreciação de controvérsia singular, com causa
de pedir complexa, composta por diversos fatos, como o repentino abandono
de projetos pela parte ré, a inesperada não renovação de licenças ou o abusivo
aliciamento de funcionários da autora.
378
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
A bem da verdade, ainda que se pudesse considerar contraditório o pedido
formulado pela parte autora na fl. 7.968 dos autos, a prudência recomendava a
designação de audiência de instrução, resguardando o válido desenvolvimento
do processo.
Assim sendo, acompanho o eminente Relator, dando provimento ao
recurso especial para decretar a nulidade da sentença e dos atos decisórios
subsequentes, determinando o retorno dos autos à origem para que seja
assegurada a possibilidade de produção das provas requeridas pela recorrente.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.152.541-RS (2009/0157076-0)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Maria Cecília de Castro Baraldo
Advogado: Sérgio Moacir de Oliveira Cruz e outro(s)
Recorrido: Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre
Advogado: Cristina Garrafiel de Carvalho Woltmann e outro(s)
EMENTA
Recurso especial. Responsabilidade civil. Dano moral. Inscrição
indevida em cadastro restritivo de crédito. Quantum indenizatório.
Divergência jurisprudencial. Critérios de arbitramento equitativo pelo
juiz. Método bifásico. Valorização do interesse jurídico lesado e das
circunstâncias do caso.
1. Discussão restrita à quantificação da indenização por dano
moral sofrido pelo devedor por ausência de notificação prévia antes de
sua inclusão em cadastro restritivo de crédito (SPC).
2. Indenização arbitrada pelo Tribunal de origem em R$ 300,00
(trezentos reais).
3. Dissídio jurisprudencial caracterizado com os precedentes das
duas Turmas integrantes da Segunda Secção do STJ.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
379
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
4. Elevação do valor da indenização por dano moral na linha dos
precedentes desta Corte, considerando as duas etapas que devem ser
percorridas para esse arbitramento.
5. Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para
a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base
em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos
semelhantes.
6. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias
do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, atendendo a
determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz.
7. Aplicação analógica do enunciado normativo do parágrafo
único do art. 953 do CC/2002.
8. Arbitramento do valor definitivo da indenização, no caso
concreto, no montante aproximado de vinte salários mínimos no dia
da sessão de julgamento, com atualização monetária a partir dessa data
(Súmula n. 362-STJ).
9. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.
10. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)
Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva,
Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília (DF), 13 de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 21.09.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Versam os autos acerca de
ação ordinária de cancelamento cumulada com indenização por danos morais
380
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
movida por Maria Cecília de Castro Baraldo em desfavor da Câmara de Dirigentes
Lojistas de Porto Alegre - CDL, em razão de ter seu nome cadastrado no banco de
dados da demandada, sem que houvesse prévia comunicação.
Na primeira instância, a ação foi julgada extinta por ausência de
legitimidade passiva da ré.
Irresignada, a ora recorrente manejou recurso de apelação, tendo o
eminente Relator, Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, em decisão
monocrática dado provimento ao reclamo, nos seguintes termos:
Apelação cível. Inscrição em órgão de proteção ao crédito. Danos morais e
pedido de cancelamento de registro. Legitimação passiva. Prescrição trienal.
Notificação prévia. Endereço distinto. Ônus da prova. Prejuízo in re ipsa. Exclusão
do apontamento.
1. É a CDL de Porto Alegre parte legítima para responder pelos registros
efetuados por outros integrantes do sistema, à medida que disponibiliza a
consulta e divulgação do mesmo.
2. Não encontra-se prescrita a pretensão de reparação civil por ato ilícito,
uma vez que do elemento probatório encontrado nos autos presume-se que
o demandante apenas tomou conhecimento das inclusões desabonatórias em
22.11.2007, vindo a ajuizar a demanda já em 27.11.2007.
3. Quando o endereço para onde remetido o aviso de cadastramento restritivo
diverge daquele informado pelo autor na inicial, é ônus da demandada comprovar
que o local foi o fornecido pelo credor associado, configurando hipótese de
excludente de culpa de terceiro. Prova não realizada nos autos, gerando o dever
de indenizar. Dano moral in re ipsa.
4. A falta de notificação prévia autoriza igualmente o cancelamento do aponte
negativo.
Rejeitada a preliminar e provida a apelação em decisão monocrática (e-STJ fl.
131).
A parte autora, inconformada com o valor fixado a título de indenização
por danos morais, interpôs agravo interno perante o Órgão Colegiado, que
restou desprovido pela Nona Câmara Cível do Tribunal de Origem.
Daí adveio o presente recurso especial, com fundamento na alínea c do
permissivo constitucional, em que a ora recorrente sustenta que o montante
indenizatório foi fixado em valor irrisório, aduzindo divergência jurisprudencial
quanto ao ponto. Colaciona julgados em defesa de sua tese.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
381
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Requer, dessa forma, o provimento do recurso especial, a fim de elevar o
quantum fixado a título de indenização por danos morais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Preliminarmente,
deve-se ressaltar a comprovação e caracterização do dissídio jurisprudencial,
nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC c.c. o art. 255 do RISTJ, em
face da notória discrepância entre o valor arbitrado a título de danos morais
em razão da inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito pelo acórdão
recorrido e os precedentes desta Corte, o que justifica a excepcional intervenção
do STJ para o controle do montante da indenização.
A questão relativa à reparação dos danos extrapatrimoniais, especialmente
a quantificação da indenização correspondente, constitui um dos problemas
mais delicados da prática forense na atualidade, em face da dificuldade de
fixação de critérios objetivos para o seu arbitramento.
Em sede doutrinária, tive oportunidade de analisar essa questão,
tentando estabelecer um critério razoavelmente objetivo para essa operação de
arbitramento judicial da indenização por dano moral (Princípio da Reparação
Integral – Indenização no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 275-313).
Tomo a liberdade de expor os fundamentos desse critério bifásico em que se
procura compatibilizar o interesse jurídico lesado com as circunstâncias do caso.
I – Tarifamento legal
Um critério para a quantificação da indenização por dano extrapatrimonial
seria o tarifamento legal, consistindo na previsão pelo legislador do montante da
indenização correspondente a determinados eventos danosos.
A experiência brasileira, porém, de tarifamento legal da indenização por
dano moral não se mostrou satisfatória.
O próprio CC/1916 continha dois casos de tarifamento legal em seus
artigos 1.547 (injúria e calúnia) e 1.550 (ofensa à liberdade pessoal), estatuindo,
que, quando não fosse possível comprovar prejuízo material, a fixação de
indenização deveria corresponder ao “dobro da multa no grau máximo da pena
criminal respectiva”.
382
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Esta Corte, em função do valor absurdo alcançado, firmou entendimento,
com fundamento nos postulados normativos da proporcionalidade
e da razoabilidade, no sentido da inaplicabilidade desse tarifamento legal
indenizatório, inclusive porque a remessa feita pelo legislador do CC/1916 à
legislação penal era anterior ao próprio Código Penal de 1940, mais ainda em
relação à reforma penal de 1984.
A recomendação passou a ser no sentido de que os juízes deveriam proceder
ao arbitramento eqüitativo da indenização, que foi também a orientação seguida
pelo legislador do CC de 2002 ao estabelecer a redação do enunciado normativo
do parágrafo único do art. 953:
Parágrafo único - Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá
ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das
circunstâncias do caso.
Outra hipótese muito importante de tarifamento legal indenizatório
encontrada no Direito Brasileiro era a prevista pela Lei de Imprensa (Lei n.
5.250/1967), que, em seus artigos 49 e segs., regulava a responsabilidade civil
daquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de
informação, com dolo ou culpa, causar danos materiais e morais. Em relação
aos danos materiais, estabelecia, em seu art. 54, que a indenização tem por
finalidade restituir o prejudicado ao estado anterior ao ato ilícito, acolhendo,
assim, expressamente o princípio da reparação integral.
Porém, em relação aos danos morais, estabelecia, no art. 51, um limite
indenizatório, que, para o jornalista profissional, variava entre dois e vinte salários
mínimos, conforme a gravidade do ato ilícito praticado. Em relação à empresa
jornalística, o valor da indenização, conforme indicado pelo art. 52, poderia ser
elevado em até dez vezes o montante indicado na regra anterior. Com isso, o
valor máximo da indenização por danos morais por ilícitos civis tipificados na
Lei de Imprensa poderia alcançar duzentos (200) salários mínimos.
Passou a ser discutida, a partir da vigência da CF/1988, a compatibilidade
desse tarifamento legal indenizatório da Lei de Imprensa com o novo sistema
constitucional, que, entre os direitos e garantias individuais, em seu art. 5º,
logo após regular o princípio da livre manifestação do pensamento, assegurou
“o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem” (inciso V ), bem como estabeleceu que “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
383
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
assegurado direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação” (inciso X).
A jurisprudência do STJ, após longo debate, com fundamento no disposto
nessas normas do art. 5º, incisos V e X, da CF/1988, firmou o seu entendimento
no sentido de que foram derrogadas todas as restrições à plena indenizabilidade
dos danos morais ocasionados por atos ilícitos praticados por meio da imprensa,
deixando de aplicar tanto as hipóteses de tarifamento legal indenizatório
previstas nos artigos 49 a 52, como também o prazo decadencial de três meses
estatuído pelo art. 56 da Lei da n. 5.250/1967. Consolidada essa orientação,
houve a edição da Súmula n. 281 em que fica expressa essa posição firme
do STJ no sentido de que “a indenização por dano moral não está sujeita à
tarifação prevista pela Lei de Imprensa”. Com isso, com fulcro nas normas
constitucionais, a jurisprudência culminou por consagrar a determinação da
reparação integral dos danos materiais e morais causados por meio da imprensa.
Nessas hipóteses de tarifamento legal, seja as previstas pelo CC/1916, seja
as da Lei de Imprensa, que eram as mais expressivas de nosso ordenamento
jurídico para a indenização por dano moral, houve a sua completa rejeição pela
jurisprudência do STJ, com fundamento no postulado da razoabilidade.
II – Arbitramento equitativo pelo juiz
O melhor critério para quantificação da indenização por prejuízos
extrapatrimoniais em geral, no atual estágio do Direito Brasileiro, é por
arbitramento pelo juiz, de forma eqüitativa, com fundamento no postulado da
razoabilidade.
Na reparação dos danos extrapatrimoniais, conforme lição de Fernando
Noronha, segue-se o “princípio da satisfação compensatória”, pois “o
quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser equivalente a
um preço”, mas “será o valor necessário para lhe proporcionar um lenitivo para
o sofrimento infligido, ou uma compensação pela ofensa à vida ou integridade
física” (NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 569).
Diante da impossibilidade de uma indenização pecuniária que compense
integralmente a ofensa ao bem ou interesse jurídico lesado, a solução
é uma reparação com natureza satisfatória, que não guardará uma relação
de equivalência precisa com o prejuízo extrapatrimonial, mas que deverá ser
pautada pela eqüidade.
384
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Na Itália, Valentina di Gregório, a partir da norma do art. 1.226 do Código
Civil italiano, ressalta a presença da eqüidade integrativa, pois a norma confere
poderes ao juiz para proceder eqüitativamente à liquidação do dano (lucros
cessantes, danos futuros – art. 2.056), inclusive dos danos morais, nos seguintes
termos:
Art. 1.226 (Valutazione equitativa del danno): “Se il danno non può essere provato
nel suo preciso ammontare, è liquidato dal giudice com valutazione equitativa (art.
2.056).
Refere Valentina di Gregório que a Corte de Cassação italiana deixa
claro que não se trata de decidir por eqüidade, conforme autorizado pelo art.
114 do CPC italiano para alguns casos, mas de liquidação eqüitativa do dano,
considerando os seus aspectos objetivos, a sua gravidade, o prejudicado, a
condição econômica dos envolvidos, deixando claro que, embora a avaliação seja
subjetiva, deve ser pautada por critérios objetivos (GREGORIO, Valentina di.
La valutazione eqüitativa del danno. Padova: Cedam, 1999, p. 04).
Em Portugal, Almeida Costa chama também a atenção para aspecto
semelhante, afirmando, com fundamento no art. 496, n. 03, do CC português,
que a indenização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser pautada
segundo critérios de eqüidade, atendendo-se “não só a extensão e a gravidade
dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação econômica deste
e do lesado, assim como todas as outras circunstâncias que contribuam para
uma solução eqüitativa”. Ressalva apenas que esse critério não se confunde
com a atenuação da responsabilidade prevista no art. 494 do CC português
(correspondente ao parágrafo único do art. 944 do CC/2002), pois esta norma
pode ser utilizada apenas nos casos de mera culpa, enquanto o art. 496, n. 03,
mostra-se aplicável mesmo que o agente tenha procedido com dolo (COSTA,
Mário Júlio Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 2004, 554).
No Brasil, embora não se tenha norma geral para o arbitramento da
indenização por dano extrapatrimonial semelhante ao art. 496, n. 03, do CC
português, tem-se a regra específica do art. 953, parágrafo único, do CC/2002,
já referida, que, no caso de ofensas contra a honra, não sendo possível provar
prejuízo material, confere poderes ao juiz para “fixar, eqüitativamente, o valor da
indenização na conformidade das circunstâncias do caso”.
Na falta de norma expressa, essa regra pode ser estendida, por analogia, às
demais hipóteses de prejuízos sem conteúdo econômico (LICC, art. 4º).
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
385
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Menezes Direito e Cavalieri Filho, a partir desse preceito legal,
manifestam sua concordância com a orientação traçada pelo Min. Ruy Rosado
de que “a eqüidade é o parâmetro que o novo Código Civil, no seu artigo 953,
forneceu ao juiz para a fixação dessa indenização” (DIREITO, Carlos Alberto
Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da
responsabilidade civil, das preferência e privilégios creditórios. Rio de Janeiro:
Forense, 2004. v. 13, p. 348).
Esse arbitramento eqüitativo será pautado pelo postulado da razoabilidade,
transformando o juiz em um montante econômico a agressão a um bem
jurídico sem essa natureza. O próprio julgador da demanda indenizatória, na
mesma sentença em que aprecia a ocorrência do ato ilícito, deve proceder ao
arbitramento da indenização. A dificuldade ensejada pelo art. 946 do CC/2002,
quando estabelece que, se a obrigação for indeterminada e não houver disposição
legal ou contratual para fixação da indenização, esta deverá ser fixada na forma
prevista pela lei processual, ou seja, por liquidação de sentença por artigos e por
arbitramento (arts. 603 a 611 do CPC), supera-se com a aplicação analógica do
art. 953, parágrafo único, do CC/2002, que estabelece o arbitramento eqüitativo
da indenização para uma hipótese de dano extrapatrimonial.
Com isso, segue-se a tradição consolidada, em nosso sistema jurídico,
de arbitrar, desde logo, na mesma decisão que julga procedente a demanda
principal (sentença ou acórdão), a indenização por dano moral, evitando-se que
o juiz, no futuro, tenha de repetir desnecessariamente a análise da prova, além
de permitir que o Tribunal, ao analisar eventual recurso, aprecie, desde logo, o
montante indenizatório arbitrado.
A autorização legal para o arbitramento eqüitativo não representa a
outorga pelo legislador ao juiz de um poder arbitrário, pois a indenização, além
de ser fixada com razoabilidade, deve ser devidamente fundamentada com a
indicação dos critérios utilizados.
A doutrina e a jurisprudência têm encontrado dificuldades para estabelecer
quais são esses critérios razoavelmente objetivos a serem utilizados pelo juiz
nessa operação de arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial.
Tentando-se proceder a uma sistematização dos critérios mais utilizados
pela jurisprudência para o arbitramento da indenização por prejuízos
extrapatrimoniais, destacam-se, atualmente, as circunstâncias do evento danoso
e o interesse jurídico lesado, que serão analisados a seguir.
386
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
III - Valorização das circunstâncias do evento danoso (elementos
objetivos e subjetivos de concreção)
O arbitramento equitativo da indenização constitui uma operação de
“concreção individualizadora” na expressão de Karl Engisch, recomendando que
todas as circunstâncias especiais do caso sejam consideradas para a fixação das
suas conseqüências jurídicas (ENGISCH, Karl. La idea de concrecion en el derecho
y en la ciência jurídica atuales. Tradução de Juan José Gil Cremades. Pamplona:
Ediciones Universidade de Navarra, 1968, p. 389).
No arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais, as
principais circunstâncias valoradas pelas decisões judiciais, nessa operação de
concreção individualizadora, têm sido a gravidade do fato em si, a intensidade
do sofrimento da vítima, a culpabilidade do agente responsável, a eventual
culpa concorrente da vítima, a condição econômica, social e política das partes
envolvidas.
No IX Encontro dos Tribunais de Alçada, realizado em 1997, foi aprovada
proposição no sentido de que, no arbitramento da indenização por dano moral,
“o juiz (...) deverá levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade
na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do
bem jurídico lesado”.
Maria Celina Bodin de Moraes catalagou como “aceites os seguintes dados
para a avaliação do dano moral”: o grau de culpa e a intensidade do dolo (grau de
culpa); a situação econômica do ofensor; a natureza a gravidade e a repercussão
da ofensa (a amplitude do dano); as condições pessoais da vítima (posição
social, política, econômica); a intensidade do seu sofrimento (MORAES, Maria
Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 29).
Assim, as principais circunstâncias a serem consideradas como elementos
objetivos e subjetivos de concreção são:
a) a gravidade do fato em si e suas conseqüências para a vítima (dimensão
do dano);
b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do
agente);
c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da
vítima);
d) a condição econômica do ofensor;
e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica).
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
387
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
No exame da gravidade do fato em si (dimensão do dano) e de suas
conseqüências para o ofendido (intensidade do sofrimento). O juiz deve avaliar
a maior ou menor gravidade do fato em si e a intensidade do sofrimento
padecido pela vítima em decorrência do evento danoso.
Na análise da intensidade do dolo ou do grau de culpa, estampa-se a
função punitiva da indenização do dano moral, pois a situação passa a ser
analisada na perspectiva do ofensor, valorando-se o elemento subjetivo que
norteou sua conduta para elevação (dolo intenso) ou atenuação (culpa leve) do
seu valor, evidenciando-se claramente a sua natureza penal, em face da maior ou
menor reprovação de sua conduta ilícita.
Na situação econômica do ofensor, manifestam-se as funções preventiva e
punitiva da indenização por dano moral, pois, ao mesmo tempo em que se busca
desestimular o autor do dano para a prática de novos fatos semelhantes, punese o responsável com maior ou menor rigor, conforme sua condição financeira.
Assim, se o agente ofensor é uma grande empresa que pratica reiteradamente o
mesmo tipo de evento danoso, eleva-se o valor da indenização para que sejam
tomadas providências no sentido de evitar a reiteração do fato. Em sentido
oposto, se o ofensor é uma pequena empresa, a indenização deve ser reduzida
para evitar a sua quebra.
As condições pessoais da vítima constituem também circunstâncias
relevantes, podendo o juiz valorar a sua posição social, política e econômica.
A valoração da situação econômica do ofendido constitui matéria
controvertida, pois parte da doutrina e da jurisprudência entende que se deve
evitar que uma indenização elevada conduza a um enriquecimento injustificado,
aparecendo como um prêmio ao ofendido.
O juiz, ao valorar a posição social e política do ofendido, deve ter a
mesma cautela para que não ocorra também uma discriminação, em função
das condições pessoais da vítima, ensejando que pessoas atingidas pelo mesmo
evento danoso recebam indenizações díspares por esse fundamento.
Na culpa concorrente da vítima, tem-se a incidência do art. 945 do
CC/2002, reduzindo-se o montante da indenização na medida em que a
própria vítima colaborou para a ocorrência ou agravamento dos prejuízos
extrapatrimoniais por ela sofridos.
No caso de dano decorrente do “abalo de crédito”, discute-se a possibilidade
da redução da indenização, em face da culpa concorrente do devedor. Yussef
Cahali, entende que “se o autor da ação de indenização também concorreu
388
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
culposamente pra o evento danoso, por sua habitual impontualidade, pela parcial
emenda da mora que deu causa ao protesto e omissão, no acompanhamento do
caso, na comunicação com o credor e no cumprimento das regras contratuais, tais
circunstâncias são aptas a criar algum embaraço na ação do credor, autorizando
o reconhecimento da culpa concorrente, reduzindo à metade à indenização
devida” (CAHALI, Yussef Said. Dano moral. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1998, p. 389-390).
Afinal, acrescenta Cláudio Luiz Bueno Godoy (in Código Civil
Comentado, Manole, 5ª ed., Coordenador Ministro CEZAR PELUSO), “não
seria leal imaginar que alguém que houvesse agido com culpa, malgrado não
exclusiva, para a eclosaão do evento, pudesse se ver ressarcido integralmente,
sem nenhuma redução, em nome de uma responsabilidade objetiva da outra
parte. Na justa observação de João Calvão da Silva (Responsabilidade civil do
produtor. Coimbra, Almedina, 1999, p. 733-4), admitir que alguém pudesse
reclamar indenização cabal, integral, mesmo havendo contribuído para o evento
lesivo, seria um verdadeiro venire contra factum proprium que, na sua função de
limitação de direitos, a boa-fé objetiva repudia”.
Na jurisprudência do STJ, em julgados das duas Turmas integrantes da
Seção de Direito Privado, tem sido reconhecida a possibilidade de redução
da indenização na hipótese de culpa concorrente do devedor, conforme se
depreende dos seguintes julgados:
a) STJ, 4ª T., Ag n. 1.172.750-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe
06.09.2010.
b) STJ, 4ª T., REsp n. 632.704-RO, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Dj.
1º.02.2006.
c) STJ, 3ª T., REsp n. 712.591-RS, rel.: Min. Nancy Andrighi, j. 16.11.2006,
Dje 04.12.2006.
Mostra-se correta essa orientação, pois, devendo o juiz proceder a um
arbitramento equitativo da indenização, não pode deixar também de valorar essa
circunstância relevante, que é a concorrência de culpa do devedor negativado.
Essas circunstâncias judiciais, que constituem importantes instrumentos
para auxiliar o juiz na fundamentação da indenização por dano extrapatrimonial,
apresentam um problema de ordem prática, que dificulta a sua utilização.
Ocorre que, na responsabilidade civil, diferentemente do Direito Penal,
não existem parâmetros mínimos e máximos para balizar a quantificação da
indenização.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
389
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Desse modo, embora as circunstâncias judiciais moduladoras sejam
importantes elementos de concreção na operação judicial de quantificação
da indenização por danos, deve-se tentar estabelecer uma base de cálculo
razoavelmente objetiva para o seu arbitramento.
No futuro, na hipótese de adoção de um tarifamento legislativo, poder-seiam estabelecer parâmetros mínimos e máximos bem distanciados, à semelhança
das penas mínima e máxima previstas no Direito Penal, para as indenizações
relativas aos fatos mais comuns.
Mesmo essa solução não se mostra alinhada com um dos consectários
lógicos do princípio da reparação integral, que é a avaliação concreta dos
prejuízos indenizáveis.
De todo modo, no momento atual do Direito Brasileiro, mostra-se
impensável um tarifamento ou tabelamento da indenização para os prejuízos
extrapatrimoniais, pois a consagração da sua reparabilidade é muito recente,
havendo necessidade de maior amadurecimento dos critérios de quantificação
pela comunidade jurídica.
Deve-se ter o cuidado, inclusive, com o tarifamento judicial, que começa
silenciosamente a ocorrer, embora não admitido expressamente por nenhum
julgado, na fixação das indenizações por danos extrapatrimoniais de acordo
com precedentes jurisprudenciais, considerando apenas o bem jurídico atingido,
conforme será analisado a seguir.
IV – Interesse jurídico lesado
A valorização do bem ou interesse jurídico lesado pelo evento danoso (vida,
integridade física, liberdade, honra) constitui um critério bastante utilizado na
prática judicial, consistindo em fixar as indenizações por danos extrapatrimoniais
em conformidade com os precedentes que apreciaram casos semelhantes.
Na doutrina, esse critério foi sugerido por Judith Martins-Costa, ao
observar que o arbítrio do juiz na avaliação do dano deve ser realizado com
observância ao “comando da cláusula geral do art. 944, regra central em tema de
indenização” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil:
do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 5, t.1-2, p.
351). A autora remete para a análise por ela desenvolvida acerca das funções e
modos de operação das cláusulas gerais em sua obra A boa-fé no direito privado
(São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 330).
390
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Salienta que os operadores do direito devem compreender a função das
cláusulas gerais de molde a operá-las no sentido de viabilizar a ressistematização
das decisões, que atomizadas e díspares em seus fundamentos, “provocam
quebras no sistema e objetiva injustiça, ao tratar desigualmente casos similares”.
Sugere que o ideal seria o estabelecimento de “grupos de casos típicos”,
“conforme o interesse extrapatrimonial concretamente lesado e consoante a
identidade ou a similitude da ratio decidendi, em torno destes construindo a
jurisprudência certos tópicos ou parâmetros que possam atuar, pela pesquisa do
precedente, como amarras à excessiva flutuação do entendimento jurisprudencial”.
Ressalva que esses “tópicos reparatórios” dos danos extrapatrimoniais devem ser
flexíveis de modo a permitir a incorporação de novas hipóteses e evitar a pontual
intervenção do legislador.
Esse critério, bastante utilizado na prática judicial brasileira, embora sem
ser expressamente reconhecido pelos juízes e Tribunais, valoriza o bem ou
interesse jurídico lesado (vida, integridade física, liberdade, honra) para fixar
as indenizações por danos morais em conformidade com os precedentes que
apreciaram casos semelhantes.
A vantagem desse método é a preservação da igualdade e da coerência
nos julgamentos pelo juiz ou Tribunal. Assegura igualdade, porque casos
semelhantes recebem decisões similares, e coerência, pois as decisões variam na
medida em que os casos se diferenciam.
Outra vantagem desse critério é permitir a valorização do interesse jurídico
lesado (v.g. direito de personalidade atacado), ensejando que a reparação do
dano extrapatrimonial guarde uma razoável relação de conformidade com o
bem jurídico efetivamente ofendido.
Esse método apresenta alguns problemas de ordem prática, sendo
o primeiro deles o fato de ser utilizado individualmente por cada unidade
jurisdicional (juiz, Câmara ou Turma julgadora), havendo pouca permeabilidade
para as soluções adotadas pelo conjunto da jurisprudência.
Outro problema reside no risco de sua utilização com excessiva rigidez,
conduzindo a um indesejado tarifamento judicial das indenizações por prejuízos
extrapatrimoniais, ensejando um engessamento da atividade jurisdicional e
transformando o seu arbitramento em uma simples operação de subsunção, e
não mais de concreção.
O tarifamento judicial, tanto quanto o legal, não se mostra compatível
com o princípio da reparação integral que tem, como uma de suas funções
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
391
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
fundamentais, a exigência de avaliação concreta da indenização, inclusive
por prejuízos extrapatrimoniais. Na França, a jurisprudência da Corte de
Cassação entende sistematicamente que a avaliação dos danos é questão de
fato, prestigiando o poder soberano dos juízes na sua apreciação e criticando as
tentativas de tarifamento de indenizações (VINEY, Geneviève; MARKESINIS,
Basil. La Reparation du dommage corporel: Essai de comparaison des droits
anglais e français. Paris: Economica, 1985, p. 48). No Brasil, a jurisprudência do
STJ tem respeitado as indenizações por danos extrapatrimoniais arbitradas pelas
instâncias ordinárias desde que atendam a um parâmetro razoável, não podendo
ser excessivamente elevadas ou ínfimas, consoante será analisado em seguida.
Em suma, a valorização do bem ou interesse jurídico lesado é um critério
importante, mas deve-se ter o cuidado para que não conduza a um engessamento
excessivo das indenizações por prejuízos extrapatrimoniais, caracterizando um
indesejado tarifamento judicial com rigidez semelhante ao tarifamento legal.
VI – Método bifásico para o arbitramento equitativo da indenização
O método mais adequado para um arbitramento razoável da indenização
por dano extrapatrimonial resulta da reunião dos dois últimos critérios analisados
(valorização sucessiva tanto das circunstâncias como do interesse jurídico lesado).
Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização,
considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes
jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma
exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento
para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas
desigualmente na medida em que se diferenciam.
Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustandose o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias.
Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor
de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si,
culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica
das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um
arbitramento efetivamente eqüitativo, que respeita as peculiaridades do caso.
Chega-se, com isso, a um ponto de equilíbrio em que as vantagens dos
dois critérios estarão presentes. De um lado, será alcançada uma razoável
correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado,
enquanto, de outro lado, obter-se-á um montante que corresponda
392
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
às peculiaridades do caso com um arbitramento equitativo e a devida
fundamentação pela decisão judicial.
O STJ, em acórdão da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, fez utilização
desse método bifásico para quantificação da indenização por danos morais
decorrentes do abalo de crédito, cuja ementa foi a seguinte:
Consumidor. Recurso especial. Cheque furtado. Devolução por motivo de
conta encerrada. Falta de conferência da autenticidade da assinatura. Protesto
indevido. Inscrição no cadastro de inadimplentes. Dano moral. Configuração.
Culpa concorrente.
- A falta de diligência da instituição financeira em conferir a autenticidade da
assinatura do emitente do título, mesmo quando já encerrada a conta e ainda que
o banco não tenha recebido aviso de furto do cheque, enseja a responsabilidade
de indenizar os danos morais decorrentes do protesto indevido e da inscrição do
consumidor nos cadastros de inadimplentes. Precedentes.
- Consideradas as peculiaridades do processo, caracteriza-se hipótese de culpa
concorrente quando a conduta da vítima contribui para a ocorrência do ilícito,
devendo, por certo, a indenização atender ao critério da proporcionalidade.
Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte provido.
(REsp n. 712.591-RS, Dje 04.12.2006, Rela. Min. Nancy Andrighi).
No caso apreciado nesse precedente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul concluíra ser hipótese de culpa exclusiva da autora e, em razão disso,
não reconheceu a ocorrência de ato ilícito ensejador do dano moral. A ministra
relatora, após admitir a responsabilidade concorrente do banco pelo evento
danoso, e analisar o valor fixado por danos morais para hipóteses semelhantes
neste Tribunal - que variam entre 10 mil a 14 mil reais, - fazendo referência a
dois precedentes, passou a analisar as peculiaridades do caso, arbitrando, então, a
indenização 4.000 reais a título de danos morais.
Esse método bifásico é o que melhor atende às exigências de um
arbitramento eqüitativo da indenização por danos extrapatrimoniais.
VII – Jurisprudência do STJ nos casos de dano moral por inclusão
irregular em cadastro restritivo de crédito
Na análise de acórdãos desta Corte relativos aos diversos julgamentos
realizados ao longo dos últimos anos, em que houve a apreciação da indenização
por prejuízos extrapatrimoniais decorrentes de fatos semelhantes (inscrição
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
393
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
irregular em cadastros de restrição de crédito, devolução indevida de cheques,
protesto indevido, etc.) fica clara a existência de divergência entre as Turmas
julgadoras do STJ acerca do que se pode considerar como um valor razoável
para essas indenizações.
Os valores das indenizações têm sofrido significativas variações, tendo
sido mantida, por exemplo, uma indenização por danos morais no valor
correspondente a trezentos salários mínimos (STJ, 3ª T., REsp n. 650.793PE, rel.: Min. Nancy Andrighi, Dj. 04.10.2004). Nesse caso, foi mantida a
condenação estabelecida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco no valor
correspondente a trezentos salários mínimos - R$ 140.000,00 considerando
diversos aspectos fáticos relacionados ao evento danoso, tal como os efeitos
decorrentes do abalo de crédito da recorrida.
Também já houve o arbitramento de indenizações na faixa de quinhentos
reais (STJ, 4ª T., REsp n. 540.944-RS, rel.: Min. Jorge Scartezzini, j. 17.08.2004).
O recurso especial foi parcialmente provido, sendo fixada a indenização em
apenas quinhentos reais, em face da postura costumeira do devedor em desonrar
seus compromissos gerando incertezas no meio comercial.
Esses valores, entretanto, situados em posições extremas, apresentam
peculiaridades próprias, não podendo ser considerados como aquilo que o STJ
entende por razoável para indenização de prejuízos extrapatrimoniais derivados
da restrição indevida de crédito, inclusive por versarem, em regra, acerca de
casos excepcionais em que o arbitramento eqüitativo justificava a fixação da
indenização em montante diferenciado.
Normalmente, o arbitramento da indenização feito por esta Corte é bem
mais comedido pautado pela razoabilidade.
Pode-se tentar identificar a noção de razoabilidade desenvolvida pelos
integrantes desta Corte na média dos julgamentos atinentes à inclusão indevida
de nome em rol de maus pagadores.
Os julgados que, na sua maior parte, oscilam na faixa entre 20 e 50 salários
mínimos, podem ser divididos em dois grandes grupos: recursos providos e
recursos desprovidos.
Nos recursos especiais desprovidos, chama a atenção o grande número de
casos em que a indenização foi mantida em valor correspondente a 20 salários
mínimos.
394
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Os recursos especiais providos, para alteração do montante da indenização
por dano extrapatrimonial, são aqueles que permitem observar, com maior
precisão, o valor que o STJ entende como razoável para essa parcela indenizatória.
Atualmente os parâmetros têm-se revelado os mesmos, como adiante
evidencio, iniciando com julgados da Terceira Turma e, após, exemplificando
com decisões da Colenda Quarta Turma desta Corte, ambas integrantes da
Seção de Direito Privado do STJ (Segunda Seção):
1) Embargos de declaração. Caráter infringente. Recebimento como agravo
regimental. Fungibilidade recursal. Possibilidade. Responsabilidade civil. Inscrição
indevida em cadastro de inadimplentes. Quantum indenizatório. Redução.
Necessidade. Agravo improvido.
(AgRg no Ag n. 1.083.670-PE, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado
em 12.05.2009, DJe 27.05.2009).
Excerto:
Na espécie, a existência do dano encontra-se demonstrada; todavia,
constata-se que o montante indenizatório fixado no importe de R$
70.000,00 (setenta mil reais), em razão da inscrição indevida do nome
do ora agravado em órgãos de serviço de proteção ao crédito, destoa
do valor que tem sido mantido por esta Corte em situações análogas.
Confiram-se: REsp n. 680.207-PA, Relator Juiz Federal Convocado Carlos
Fernando Mathias, DJ de 03.11.2008; REsp n. 912.756-RN, Relator Ministro
Sidnei Beneti, DJ 09.04.2008; e REsp n. 856.755-SP, Relator Ministro Jorge
Scartezzini, DJ 09.10.2006.
Desse modo, tendo em vista as peculiaridades do caso, bem como os
padrões adotados por esta col. Turma na fixação do quantum indenizatório
a título de danos morais em casos análogos, impõe-se a redução do valor
indenizatório para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
2) Civil. Inclusão indevida em cadastro de inadimplentes. Reincidência da
negativação. Indenização. Dano moral. Revisão pelo STJ. Possibilidade, nas
hipóteses em que o valor for fixado em patamar irrisório ou exorbitante.
- o valor da indenização por danos morais pode ser revisto na via especial
nas hipóteses em que contrariar a lei ou o senso médio de justiça, mostrando-se
irrisório ou exorbitante.
- o STJ tem se pautado pela fixação de valores que se mostrem adequados à
composição do dano moral, mas sem implicar no enriquecimento sem causa da
parte.
- tendo em vista os precedentes desta Corte e a peculiaridade da espécie,
mantem-se a indenização fixada em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
395
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recurso especial da autora não conhecido.
Recurso especial do banco réu conhecido e parcialmente provido.
(REsp n. 872.181-TO, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
20.03.2007 , Dje 18.06.2007).
Excerto:
A circunstância foi salientada pela autora ainda na fase de instrução,
reiterada tanto na apelação quanto no recurso especial, jamais tendo sido
contestada pelo banco e, ao que parece, não foi levada em consideração
pelas instâncias ordinárias.
Portanto, a despeito do exagero em que incorreu o Tribunal a quo ao
manter a indenização em 200 (duzentos) salários mínimos, entendo que a
condenação a ser imposta à instituição financeira de refletir o fato dela ter
reincidido no ato danoso.
Não se trata, repita-se, de uma tendência à criação de uma jurisprudência
tendente à tarifação da compensação por dano moral; mas tendo em
vista os julgados supra transcritos e a peculiaridade da espécie, fixo a
indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
3) Ação de indenização. Danos materiais e morais. Inscrição indevida nos
serviços de proteção ao crédito. Danos materiais não comprovados. Afastamento.
Danos morais. Valor exagerado. Redução do quantum indenizatório de R$
50.000,00 para R$ 10.000,00 para cada autor.
1. - Para deferimento dos danos materiais pleiteados, necessária sua
comprovação pelos Autores (CPC, art. 333, I).
2. - As circunstâncias da lide não apresentam nenhum motivo que justifique a
fixação do quantum indenizatório em patamar especialmente elevado, devendo,
portanto, ser reduzido para R$ 10.000,00, a cada um dos autores, se adequar aos
valores aceitos e praticados pela jurisprudência desta Corte.
3. - A orientação das Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal,
nos casos de indenização por danos morais, é no sentido de que a correção
monetária deve incidir a partir do momento em que fixado um valor definitivo
para a condenação.
Recurso Especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.094.444-PI, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em
24.04.2010, Dje 21.05.2010).
4) Agravo regimental no agravo de instrumento. Responsabilidade civil.
Protesto indevido. Quantum indenizatório. Redução pelo STJ. Possibilidade. Valor
exorbitante.
396
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
1. Excepcionalmente, pela via do recurso especial, o STJ pode modificar o
quantum da indenização por danos morais, quando fixado o valor de forma
abusiva ou irrisória. Precedentes.
2. Na espécie, o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias, em R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais), mostra-se elevado, considerando os padrões adotados por
esta Corte em casos semelhantes, devendo ser reduzido para R$ 20.000,00 (vinte
mil reais).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag n. 1.321.630-BA, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador
convocado TJ-RS), Terceira Turma, julgado em 15.02.2011, Dje 22.02.2011).
5) Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil.
Indenização por danos morais. Inscrição em cadastro de inadimplentes indevida.
Valor indenizatório majorado de acordo com a jurisprudência desta Corte.
Recurso manifestamente infundado.
1. Esta Corte, em casos de inscrição indevida em órgão de proteção ao crédito,
tem fixado a indenização por danos morais em valor equivalente a até cinqüenta
salários mínimos. Precedentes.
2. Agravo Regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.
(AgRg no Ag n. 1.383.254-SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma,
julgado em 07.04.2011, Dje 12.04.2011).
Excerto:
No presente caso, a quantia fixada pelo Tribunal de origem, qual seja, R$
5.000,00 (cinco mil reais), mostrava-se demasiadamente irrisória, ensejando
a revisão em sede de recurso especial, para adequação aos parâmetro
estabelecidos por esta Corte, que em casos de inscrição indevida em órgão
de proteção ao crédito, tem fixado a indenização por danos morais em valor
equivalente a até cinqüenta salários mínimos.
Por tanto, a decisão agravada que conheceu do agravo de instrumento,
para dar provimento ao especial interposto por Eron Everaldo Maia, a fim de
majorar o quantum indenizatório para o importe de R$ 20.000,00 (vinte mil
reais), merece ser prestigiada, vez que alinha-se à pacífica jurisprudencia
deste Superior Tribunal.
6) Agravo regimental em recurso especial. Indenização por danos morais.
Ausência de prévia notificação. Descumprimento de ordem judicial. Alegação de
inscrição extraída de cartório de protesto de títulos. Falta de prequestionamento.
Quantum indenizatório reduzido para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) pela
decisão agravada. Razoabilidade. Agravo regimental desprovido.
1. A assertiva de que as inscrições indevidas foram extraídas de dados
constantes de Cartório de Protesto de Títulos, o que dispensaria a prévia
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
397
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
notificação, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, tampouco foram opostos
embargos declaratórios para sanar eventual omissão. Dessa forma, tal matéria
não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável
prequestionamento. Aplica-se, por analogia, o óbice das Súmulas n. 282 e n. 356
do STF.
2. A decisão agravada, ao reduzir a verba indenizatória de R$ 40.000,00 para
R$ 25.000,00 pela ausência de prévia notificação e pelo descumprimento de
ordem judicial, adequou a quantia fixada pela Corte de origem aos patamares
estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e às peculiaridades da espécie,
não merecendo acolhida a pretensão da ora agravante de que seja reduzido ainda
mais o quantum indenizatório, razão por que o referido decisum deve ser mantido
por seus próprios fundamentos.
3. A incidência de correção monetária e de juros moratórios, meros
consectários legais da condenação, normalmente não tem o condão de tornar
exacerbado a importância arbitrada pela reparação moral.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 1.136.802-PI, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado
em 16.02.2011, DJe 24.02.2011);
7) Civil e Processual Civil. Agravo regimental. Indenização. Dano moral.
Inscrição indevida. Redução do valor fixado com base na tradição jurisprudencial
do STJ. Desprovimento.
(AgRg no Ag n. 1.211.327-RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma,
julgado em 02.03.2010 Dje 15.03.2010).
Excerto:
Em que pese a relevância do ato lesivo e o prejuízo causado, o Tribunal
local não registrou maiores conseqüências além dos inconvenientes da
retirada do montante (dano material ressarcido pelas instâncias de origem)
e a inscrição indevida do nome do autor em cadastros de inadimplência.
Ante o exposto, conforme o art. 544, § 3º, do CPC, conheço do agravo de
instrumento e dou parcial provimento ao recurso especial, para reduzir o
quantum indenizatório por danos morais para R$ 25.500,00 (vinte e cinco mil
e quinhentos reais), atualizado a partir da presente data.
Depreende-se desse leque de decisões de integrantes da Segunda Seção
do STJ que esta Corte tem-se utilizado do princípio da razoabilidade para
tentar alcançar um arbitramento eqüitativo das indenizações por danos
extrapatrimoniais derivados da inscrição indevida em cadastro de restrição ao
crédito.
398
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
De acordo com esses precedentes, pode-se estimar que um montante
indenizatório razoável para o STJ situa-se na faixa entre 20 e 50 salários
mínimos.
Saliente-se, mais uma vez que, embora seja importante que se tenha um
montante referencial em torno de trinta a quarenta salários mínimos para a
indenização dos prejuízos extrapatrimoniais ligados ao abalo provado pela restrição
indevida do crédito, isso não deve representar um tarifamento judicial rígido, pois
entraria em rota de colisão com o próprio princípio da reparação integral.
Cada caso apresenta particularidades próprias e variáveis importantes
como a gravidade do fato em si, a culpabilidade do autor do dano, o número
de autores, a situação sócio-econômica do responsável, que são elementos de
concreção que devem ser sopesados no momento do arbitramento eqüitativo da
indenização pelo juiz.
VII – Caso concreto
Passo, assim, ao arbitramento equitativo da indenização, atendendo as
circunstâncias do caso.
Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização, considerando o
interesse jurídico lesado (abalo de crédito), em conformidade com os precedentes
jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos), acima aludidos, deve ser
fixado em montante equivalente a 30 salários mínimos na data de hoje, que é a
média do arbitramento feito pelas duas Turmas integrantes da Segunda Seção
desta Corte.
Na segunda fase, para a fixação definitiva da indenização, ajustando-se
às circunstâncias particulares do caso, deve-se considerar, em primeiro lugar, a
gravidade do fato em si, que, na hipótese em tela, tratando-se de dano moral
de pequeno monta revela-se de pequena proporção. A responsabilidade do
agente, reconhecida pelo acórdão recorrido, é a normal para o evento danoso,
tendo sido reconhecida a ineficácia da tentativa de notificação prévia. Deve-se
reconhecer a culpa concorrente da vítima, pois a existência da dívida inadimplida
é incontroversa, tendo sido reconhecida pelo acórdão recorrido e, em nenhum
momento, foi negada pela autora da ação. Finalmente, não há elementos acerca
da condição econômica da parte autora da ação.
Assim, torno definitiva a indenização no montante equivalente a vinte
salários mínimos, o que corresponde, na data de hoje, a R$ 10.900,00 (dez mil e
novecentos reais).
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
399
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Esse valor será acrescido de correção monetária pelo IPC desde a data da
presente sessão de julgamento (Súmula n. 362-STJ).
Os juros legais moratórios e os honorários advocatícios seguirão o definido
no acórdão recorrido, pois esses tópicos não foram objeto do recurso especial.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.161.411-RJ (2009/0197795-3)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Banco Dibens S/A
Advogados: Roberto Benjó e outro(s)
Fábio Lima Quintas
Henrique Leite Cavalcanti
Fábio de Sousa Coutinho
Ricardo Luiz Blundi Sturzenegger
Gustavo César de Souza Mourão
Luiz Carlos Sturzenegger
Luciano Correa Gomes
Thiago Luiz Blundi Sturzenegger
Luís Carlos Cazetta
Advogados: Livia Borges Ferro Fortes Alvarenga
Gustavo Baratella de Toledo
Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
EMENTA
Processual Civil. Recurso especial. Ação civil pública. Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro. Fundamentação. Ausente.
Deficiente. Súmula n. 284-STF. Reexame de fatos e provas.
Inadmissibilidade. Interpretação de cláusulas contratuais. Vedação.
400
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Tarifa de emissão de boleto bancário. Abusividade. Devolução do
indébito em dobro. Demonstração de má-fé. Prequestionamento.
Ausência. Súmula n. 282-STF
1. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência implica o
não conhecimento do recurso quanto ao tema.
2. É vedado em recurso especial o reexame de fatos e provas e a
interpretação de cláusulas contratuais.
3. Não é razoável que o consumidor seja obrigado a arcar com
os custos de serviço contratado entre o recorrente e outra instituição
bancária, sem que tenha qualquer participação nessa relação e sem que
tenha se responsabilizado pela remuneração de serviço.
4. O serviço prestado por meio do oferecimento de boleto bancário
ao mutuário já é remunerado por meio da “tarifa interbancária”, razão
pela qual a cobrança de tarifa, ainda que sob outra rubrica, mas que
objetive remunerar o mesmo serviço, importa em enriquecimento
sem causa e vantagem exagerada das instituições financeiras em
detrimento dos consumidores.
5. A cobrança de tarifa dos consumidores pelo pagamento de
uma conta ou serviço mediante boleto bancário significa cobrar para
emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por ela não pode
nada solicitar (art. 319 do CC/2002).
6. O entendimento dominante no STJ é no sentido de admitir
a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo
provada má-fé. Contudo, a ausência de decisão acerca dos argumentos
invocados pelo recorrente em suas razões recursais (ausência de máfé) impede o conhecimento do recurso especial.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e nessa parte não
provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo no julgamento, após o votovista do Sr. Ministro Villas Bôas Cueva, acompanhando o voto da Sra. Ministra
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
401
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Relatora, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte,
negar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJe 10.10.2011
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Cuida-se de recurso especial interposto
por Banco Diebens S/A. com fundamento na alínea a do permissivo constitucional,
contra acórdão proferido pelo TJ-RJ.
Ação (e-STJ fls. 03-29): civil pública com pedido de antecipação de
tutela, proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em desfavor
do recorrente objetivando tutelar os interesses difusos e coletivos de todos
os consumidores sujeitos à cláusula contratual que estabeleceu a cobrança de
emissão de boleto (Tarifa de Emissão de Boleto) ou qualquer outro custo para a
cobrança de seus respectivos produtos ou serviços, inclusive taxas de cobranças
bancárias.
Alega que o banco réu, que se dedica a operações de financiamento ao
consumidor por meio de contratos de empréstimo, teria contratado serviços
de cobrança bancária com outra instituição financeira (Unibanco), buscando
facilitar o processo de cobrança e recebimento pela prestação de seus serviços.
Ocorre que o banco réu, como alega o órgão ministerial, tem repassado
indevidamente aos consumidores, usuários dos seus serviços, os custos da
obrigação que contraíra com o Unibanco. Sustenta o Ministério Público que
essa cláusula é abusiva, porquanto acarreta o enriquecimento sem causa da
instituição financeira ré e implica ofensa ao equilíbrio dos direitos e obrigações
contraídos pelas partes.
Busca, por fim, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano
material, repetindo o indébito em valor igual ao dobro do que pagou em excesso,
além de compensação pelos eventuais danos morais causados aos consumidores
decorrentes da prática tida como abusiva.
402
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Sentença (e-STJ fls. 371-376): sobreveio sentença que julgou parcialmente
procedente o pedido inicial para “declarar a abusividade da prática adotada pelo
banco réu relativa a cobrança de emissão de boleto ou qualquer outro custo
destinado a cobrança de seus respectivos produtos ou serviços, inclusive taxas de
cobrança bancária” e, em consequência, condenou o réu a restituir o indébito de
forma simples.
Acórdão (e-STJ fls. 533-547): ambas as partes, inconformadas,
interpuseram recurso de apelação (pelo Banco Dibens S/A às fls. 390-414 e pelo
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro às fls. 461-489). O TJ-RJ, após não
conhecer, por unanimidade, do recurso interposto pelo Ministério Público e por
maioria, não conhecer da apelação do réu, na parte em que pedia a limitação
territorial (vencido, nesta parte, o relator), deu parcial provimento ao recurso
interposto pela parte autora, por maioria, para determinar a devolução em dobro
do indébito, vencido o relator. Ficou vencido o relator, ainda, na parte em que
dava provimento ao recurso da parte autora, para fixação de multa diária. O
acórdão ficou assim ementado:
Apelação civel. Ação civil pública. Direito do Consumidor. Alegação de
abusividade da cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário. Preliminar
de ilegitimidade do Ministério Público bem como alegação de cerceamento de
defesa em vista do indeferimento de provas requeridas pela parte ré já rejeitadas
em recurso de agravo de instrumento. Violação dos princípios da transparência
da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade. Onerosidade excessiva caracterizada.
Repetição do indébito em dobro, por maioria. Dano moral não caracterizado.
Legitimidade do Ministério Público para promover ação coletiva em defesa
dos interesses ou direitos individuais homogêneos. A prova se destina ao
convencimento do juiz, a quem incumbe verificar a necessidade e a utilidade
da produção daquelas requeridas pelas partes. A aplicação do princípio do livre
convencimento autoriza que o magistrado indefira a produção de provas que
entender impertinentes ou inúteis ao deslinde da controvérsia. Matéria relativa
à ilegitimidade do Ministério Público, bem como ao cerceamento de defesa já
analisada em sede recursal, quando do julgamento de recurso de agravo de
instrumento interposto pela parte ré-apelante. Normas insertas no Código de
Defesa do Consumidor, que são de ordem pública e interesse social, sobrepondose as normas regulamentares editadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo
Banco Central do Brasil. É abusivo o atuar da instituição financeira que procede
a cobrança de tarifa por emissão de boleto bancário, repassando ao consumidor
custo que deveria ser suportado pela própria instituição que presta o serviço.
Se para a emissão de boleto bancário existe um custo, este deve ser suportado
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
pela instituição bancária, caracterizando onerosidade excessiva o repassar de tal
custo ao consumidor, na medida em que a instituição financeira já é remunerada
pelos serviços que presta aos seus clientes. A ausência de informação adequada
e suficiente retrata violação do princípio da transparência, insculpido no Código
de Defesa do Consumidor. Princípios da boa-fé objetiva e da vulnerabilidade
que também restaram violados. Os contratantes devem manter tanto na fase
pré-contratual, quanto nas fases da contratação e da execução do contrato
comportamento que é exigível ao homem médio, comportamento ético, probo,
reto, sob pena de nulidade. O contrato de adesão, como é o caso dos autos, não
permite a possibilidade de discussão das cláusulas ou regras insertas no mesmo.
Ademais, a ausência de redação da cláusula com o destaque que é exigido pela
lei consumerista, somente vem a ratificar que a parte ré, quando da contratação
adesiva, não observou o princípio da transparência. Uma vez caracterizada a
abusividade da cobrança, ausente qualquer engano justificável, incide a norma
constante do artigo 42, parágrafo único, do CDC, autorizando a repetição do
indébito em dobro, conforme decisão por maioria. O dano moral não comporta
caracterização em sede de ação coletiva, na medida em que se constitui em
direito personalíssimo, portanto, individual de cada um dos consumidores, não
podendo ser aferido de forma global para todos. Entendeu a maioria por não
conhecer o recurso da parte ré na parte em que postula a limitação territorial
da decisão, na medida em que a matéria não foi enfrentada pela sentença
recorrida. Neste ponto, este relator ficou vencido na medida em que reconhecia
a abrangência nacional dos efeitos da coisa julgada, nos termos do Código de
Defesa do Consumidor. Desprovimento do recurso do primeiro recurso (réu), por
maioria e provimento parcial do segundo recurso (autor), por maioria com relação
a determinação de devolução em dobro da repetição de indébito e, por maioria,
para determinar que não há fixação de multa diária.
Embargos de declaração (e-STJ fls. 551-561): interposto pelo banco
recorrente, foi rejeitado às fls. 569-571 (e-STJ):
Embargos de declaração. Acórdão proferido em apelação civel. Ação civil pública.
Cobrança de boleto bancário. Omissão, obscuridade e contradição inexistentes. Não
caracteriza obscuridade o não conhecimento do recurso em determinada parte da
matéria objeto das razões recursais, considerando não ter sido a mesma decidida
pelo juízo de primeiro grau. Também não se evidencia obscuro acórdão que
rejeita preliminares que já haviam sido rejeitadas em recurso anterior de agravo
de instrumento. A declaração de voto vencido acostada aos autos prejudica
alegada omissão a respeito de sua ausência. Não há que se falar em omissão em
razão de não manifestação respeito da manutenção ou não do efeito suspensivo
anteriormente concedido ao recurso de apelação. Matéria que deve ser suscitada
pela via própria e, perante o juízo competente. Recurso conhecido e desprovido.
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Embargos infringentes (e-STJ 574-584): interposto pelo banco
recorrente, foi desprovido pelo Tribunal de origem, nos termos do acórdão assim
ementado:
Embargos infringentes. Delimitação. CPC, art. 530. Ação civil pública.
Direito do Consumidor. Cobrança de “tarifa de emissão de boleto” considerada
indevida. Trânsito em julgado da decisão, neste ponto. Devolução da quantia.
Aplicabilidade da dobra prevista no § único do art. 42 do CDC. Não configuração
do “engano justificável”. Desprovimento do recurso.
Nos exatos termos do art. 530 do CPC, os embargos infringentes só são
admissíveis quando tratarem de parcela da sentença reformada por decisão não
unânime. Se a divergência dos doutos desembargadores que julgaram a apelação
era quanto ao conhecimento ou não de parte do recurso, sendo minoritário o
posicionamento pela sua admissibilidade, não se trata de divergência passível de
superação pela via dos embargos infringentes.
Considerada indevida a cobrança de determinada quantia desembolsada pelo
consumidor, sua devolução só não se dará em dobro caso comprovada a hipótese
de “engano justificável”, como consta do art. 42, § único, do CDC, in fine.
Para conceituação do que seria o “engano justificável”, vale a analogia ao art.
138 do Código Civil, que ao tratar da anulabilidade do negócio jurídico, toma por
condição que as declarações de vontade tenham emanado de “erro substancial
que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal”.
Não pode ser considerado engano justificável (assim entendido como erro
que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal) a transferência, ao
consumidor, de gastos cujo ônus deveriam recair sobre o fornecedor, a teor da
regra geral inserta no art. 325 do Código Civil, uma vez que a emissão de boletos
para pagamento de tarifas bancárias pode-se equiparar ao “fato do credor” de
que trata o referido dispositivo da lei civil.
A inexistência de expressa proibição, por parte do Conselho Monetário
Nacional, quanto à cobrança de “tarifa de emissão de boleto”, não equivale à sua
autorização, até porque o não é exaustivo o rol do art. 1º da Resolução Bacen n.
2.303/96, que trata dos serviços bancários cuja cobrança ao consumidor é vedada.
Desprovimento do recurso.
Recurso especial (e-STJ fls. 625-649): interposto com base na alínea a do
permissivo constitucional, aponta ofensa aos seguintes dispositivos de lei, todos
do diploma consumerista:
(i) art. 46, haja vista a recorrente entregar aos consumidores, no ato da
celebração, o respectivo contrato, dando a esses a oportunidade de conhecimento
prévio acerca do conteúdo do instrumento contratual. Se, contudo, o consumidor
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
“opta por não ler os termos do contrato, apenas a ele se pode imputar as
consequências dessa escolha” (e-STJ fl. 636);
(ii) art. 54, § 3º e § 4º, porquanto as disposições contratuais, em especial
no que diz respeito à tarifa de emissão de boleto bancário, são claras e de fácil
compreensão;
(iii) art. 52, V, eis que nos contratos utilizados pela recorrente são inseridos
todos os dados relativos às operações por ele contratadas;
(iv) art. 47, na medida em que esse dispositivo de lei somente encontra
aplicação nas hipóteses em que determinada cláusula contratual der margem
a mais de uma interpretação, que não é o caso dos autos, no qual o órgão
ministerial busca a nulidade de cláusula;
(v) art. 51, IV, porquanto a cláusula em análise não coloca o consumidor
em desvantagem exagerada, não podendo ser considerada abusiva. Argumenta
que a tarifa discutida integra o preço final dos produtos, razão pela qual não
se pode falar que sua cobrança seja ilegal. Sustenta que o pagamento por meio
de boleto, comparativamente com os pagamentos por débito em conta, envolve
mais risco de inadimplência. Aduz que existem custos para emissão, remessa e
processamento do boleto e que ao consumidor assiste a faculdade de escolher
com que fornecedor e qual tipo de produto quer contratar. Alega, por fim, que
se a conduta da ré fosse mesmo abusiva, a procura pelos seus serviços não teria
crescido exponencialmente nos últimos anos;
(vi) art. 42 do CDC, haja vista que o STJ firmou o entendimento de que a
devolução em dobro está condicionada à verificação de má-fé, o que não ocorreu
na hipótese em apreço, razão pela qual a restituição deve se dar na forma
simples.
Recurso extraordinário: interposto às fls. 701-724 (e-STJ), não foi
admitido (e-STJ fls. 756-761).
Prévio juízo de admissibilidade (e-STJ fls. 756-761): após a apresentação
das contrarrazões (e-STJ fls. 731-741), o recurso especial não foi admitido na
origem (fls. 437-439). Dei, no entanto, provimento ao agravo de instrumento
para melhor análise da questão, e determinei a subida dos autos ao STJ (e-STJ
fl. 808).
Parecer Ministério Público Federal (e-STJ fls. 783-791): a i.
Subprocuradora-Geral da República Dra. Maria Caetana Cintra Santos opinou
pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
406
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a controvérsia
a determinar se a cobrança da chamada Tarifa de Emissão de Boleto deve
ser considerada prática abusiva ou encontra-se em consonância com a Lei
Consumerista.
I – Da ofensa ao art. 46 do CDC. Fundamentação deficiente (Súmula n.
284-STF)
Embora o recurso especial mencione a possível negativa de vigência ao
art. 46 do CDC, o banco recorrente não demonstrou de forma clara, precisa
e objetiva, como seria de rigor, em que consistiria a alegada afronta a tal
dispositivo, limitando-se a sustentar a ocorrência de equívoco cometido pelo
acórdão recorrido na aplicação do mencionado preceito de lei à hipótese em
apreço, considerando que “os contratos praticados pelo Recorrente são sempre
entregues ao consumidor no ato da sua celebração” (e-STJ fl. 636).
A impressão que toma o leitor das razões do recurso especial é que o
recorrente não está dialogando com os fundamentos do acórdão recorrido. Isso
porque a aplicação do art. 46 do CDC à espécie não se deu em razão de não se
ter oportunizado ao consumidor tomar conhecimento prévio do instrumento
contratual – o que configura a primeira das hipóteses de incidência dos efeitos
do art. 46 –, mas sim em decorrência da difícil compreensão do contrato.
Deve-se concluir, nesse ponto, que o recurso especial encontra-se
deficientemente fundamentado, razão pela qual seu conhecimento encontra
óbice na Súmula n. 284-STF.
II – Da violação dos arts. 47, 52, V, e 54, § 3º e § 4º, do CDC. Necessidade
de revolvimento do conjunto fático-probatório e interpretação de cláusulas
contratuais (Súmulas n. 5 e n. 7, ambas do STJ)
A instituição financeira recorrente alega que o acórdão recorrido teria
violado os arts. 52, V, e 54, § 3º e § 4º, do CDC, porquanto as disposições
contratuais, especialmente a referente à tarifa discutida, são legíveis e
de fácil compreensão. Sustenta ainda que os consumidores são informados
adequadamente acerca da “soma total a pagar, com e sem financiamento”, tal
como exige o art. 52, V, do CDC. Alega que, tratando-se “de cláusula clara, que
estabelece a cobrança de tarifa pelo fornecimento de boleto bancário”, não há
que se falar em aplicação do art. 47 do CDC à espécie.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O TJ-RJ, por sua vez, soberano na apreciação fática, concluiu que (i) “não
há redação clara e com caracteres ostensivos e legíveis, bem como as cláusulas
não se encontram redigidas com destaque que é necessário” (e-STJ fl. 541) e (ii)
que há “ausência de informação adequada a respeito da soma total a pagar, com
e sem financiamento” (e-STJ fl. 542).
Assim, a única forma de viabilizar o conhecimento do presente recurso
seria alterar o decidido no acórdão impugnado, o que exigiria o reexame de fatos
e provas e a interpretação de cláusulas contratuais, situação vedada em recurso
especial pelas Súmulas n. 5 e n. 7, ambas do STJ.
III – Da abusividade da cobrança de Tarifa de Emissão de Boleto Bancário
(Violação dos arts. 47 e 51, IV, do CDC)
O recorrente alega que a cobrança de tarifa de emissão de boleto bancário,
além de não ter proibição legal, não pode ser caracterizada como prática
abusiva, pois, integrando o preço final dos produtos, visa tão somente cobrir
os custos dos serviços prestados, especialmente com a contratação de outra
instituição bancária, in casu, o Unibanco, que fica responsável pela emissão,
remessa e processamento dos boletos e pelo recebimento dos pagamentos e
redirecionamento desses ao recorrente, que não possui rede bancária. Sustenta
que essa tarifa também objetiva compensar o risco de inadimplência inerente
a essa modalidade de pagamento, que é maior se comparado aos pagamentos
efetuados por desconto automático de conta corrente.
Aduz que impossibilitar ao recorrente a cobrança dessa tarifa importa em
interferência na sua esfera privada, “impedindo-o de cobrar preço justo pelos
serviços prestados a sua clientela” (e-STJ fl. 642), a quem, além do mais, assiste
à faculdade de escolher com qual fornecedor e qual produto quer contratar. Por
fim, sustenta que, se fosse mesmo essa cobrança abusiva, a procura pelos seus
serviços não teria crescido tanto nos últimos anos.
O TJ-RJ, por sua vez, ao apreciar a controvérsia em apreço, concluiu que “a
cobrança perpetrada pela ré em face de seus clientes (consumidores) se encontra
eivada de abusividade, na medida em que repassa seus próprios custos aos
consumidores para os quais presta serviço” (e-STJ fl. 538), razão pela qual viola
os princípios da transparência, da boa-fé e da vulnerabilidade do consumidor.
É verdade que, em regra, os serviços prestados pelas entidades bancárias
são onerosos, sendo geralmente facultados a essas instituições estipularem
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
a cobrança de taxas e tarifas bancárias de seus clientes, dentro dos limites
estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, conforme preceitua o art. 4º,
IX, da Lei n. 4.595/1964.
Nesse sentido, dentro da sistemática de regulamentação do Conselho
Monetário Nacional, além da vedação expressa de cobrança por serviços tidos
como “essenciais” previstos no art. 2º da Resolução n. 3.518/2007, como o
fornecimento de cartão com função débito e a realização de até quatro saques
por mês, a mesma resolução, regulamentada por meio da Circular n. 3.371/2007,
institui a categoria dos serviços “prioritários”, que são passíveis de cobrança,
de modo que a cobrança de qualquer outra tarifa que não os previamente
discriminados depende de prévia e expressa autorização do Banco Central.
Em se tratando de Tarifa para Emissão de Boleto Bancário, cuja possibilidade
de cobrança é o cerne da controvérsia posta nos autos, o Banco Central, atento
à crescente prática operada pelas instituições bancárias e buscando inibi-la,
alterou, por meio da Resolução n. 3.693/2009, a redação do art. 1º da Resolução
n. 3.518/2007, que passou a prever expressamente a proibição da cobrança da
tarifa para ressarcimento “de despesas de emissão de boletos de cobrança, carnês
e assemelhados”.
Convém ressaltar, ademais, que a entidade representativa dos bancos
(Febraban), muito antes da entrada em vigor da Resolução n. 3.518/2007, houve
por bem recomendar em Carta-Circular (Comunicado FB-049/2002 disponível
no sítio http://www.febraban.org.br/Arquivo/Servicos/Dicasclientes/dicas2.asp
na rede mundial de computadores) não só a suspensão da cobrança da tarifa em
questão, mas a própria eliminação dessa tarifa das tabelas de preços de serviços
afixados nas suas agências e postos de serviços, justificando sua decisão na
existência de tarifa interbancária “justamente para ressarcir os custos dos bancos
recebedores nesta prestação de serviços”.
Não obstante isso, ou seja, abstraindo-se a lógica regulamentar e analisando
a questão sob a ótica do direito do consumidor, não há, por diversos fundamentos,
como se prestigiar a prática adotada pela instituição bancária recorrente.
Em primeiro lugar, saliento que mencionado encargo tem como suporte de
incidência o simples fato de ter sido celebrado contrato de financiamento entre
o banco e seus clientes e, como sustenta o recorrente, destina-se a reembolsar as
despesas feitas por ele com emissão, envio e processamento de boletos bancários,
ou, como na hipótese dos autos, com os custos de contratar outra instituição
financeira para que com tais providências se ocupe.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A tarifa bancária em comento é, portanto, uma consequência da prestação
de um serviço oneroso por parte da instituição bancária contratada – no
caso o Unibanco – em benefício do próprio recorrente. Não se destina, assim,
evidentemente, a remunerar um serviço prestado ao cliente, ou, em outras
palavras, a concretização de efetiva prestação de serviço aos consumidores (art.
3º, § 2º, do CDC), única hipótese em que poderia ser admitida sua cobrança.
Dessa forma, não é razoável que o consumidor seja obrigado a arcar com os
custos de serviço contratado entre o recorrente e outra instituição bancária, sem
que tenha qualquer participação nessa relação e sem que tenha se responsabilizado
pela remuneração de serviço que não contratou. Falta, portanto, causa à tarifa
bancária por pagamentos efetuados mediante boletos, pois ela diz respeito apenas
a despesas feitas pelo banco financiador para facilitar o desempenho de sua
atividade profissional, não podendo ser suportada pelo consumidor.
Não bastasse isso, não há se olvidar da regra contida no art. 51, IV, do
CDC – dispositivo legal tido como violado –, que dispõe que são nulas de pleno
direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços
que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou
a equidade”.
Outro relevante fundamento decorre do fato de que sobre todo o boleto
bancário liquidado por meio do “sistema de liquidação interbancário nacional”
ocorre a incidência da chamada “tarifa interbancária”, consoante informações
divulgadas pelo Bacen na rede mundial de computadores (http://www.bcb.
gov.br/htms/spb/Diagnostico%20do%20Sistema%20de%20Pagamentos%20
de%20Varejo%20no%20Brasil.pdf ). Isso significa que o serviço prestado por
meio do oferecimento de boleto bancário ao mutuário já é remunerado por
meio da tarifa interbancária, razão pela qual a cobrança de tarifa, ainda que sob
outra rubrica, mas que objetive remunerar o mesmo serviço – acobertando as
despesas de inerentes à operação de outorga de financiamento –, caracterizase como indevida e abusiva “dupla tarifação”, que importa em enriquecimento
sem causa e vantagem exagerada das instituições financeiras em detrimento dos
consumidores. Outro não foi entendimento adotado por esta Corte por ocasião
do julgamento do REsp n. 794.752-MA, de relatoria do e. Min. Luis Felipe
Salomão (4ª Turma, DJe de 12.04.2010).
Ainda que no mais das vezes tal tarifa seja de pequeno valor mensal, o
certo é que não deixam de representar um encargo a mais sobre os ombros do
410
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
consumidor, elevando sem justa causa o preço final do produto ou serviço por
ele adquirido. E quanto menores os valores dos empréstimos, se pagos de forma
parcelada, com a emissão de tantos boletos quantas forem as prestações, no final,
mais próximo será o valor despendido com o pagamento de tarifa de emissões
de boleto do montante a ser pago pelo mutuário ao banco.
Quanto mais não fosse, perfeitamente aplicável à hipótese o disposto
no art. 39, do CDC, que caracteriza como prática abusiva “condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou
serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
Por derradeiro e não menos importante, há de se consignar que a cobrança
de tarifa pelo pagamento de uma conta ou serviço mediante boleto bancário
significa cobrar para emitir recibo de quitação, o que é dever do credor que por
ela não pode nada solicitar, além de aceitar que o direito à quitação pode ser
condicionado ao pagamento de quantia em dinheiro. Isso porque o devedor
tem, conforme dispõe o art. 319 do CC/2002 (art. 939 do CC/1916), “direito
a quitação regular”, podendo “reter o pagamento, enquanto não lhe seja dada”.
Dessarte, considerando-se que a expedição de boleto de pagamento é
ônus da instituição financeira, não se podendo o seu custo ser transferido ao
financiado, e que assim o fazendo, acarretará “dupla tarifação” e, por consequência,
enriquecimento sem causa do banco, conclui-se que a cláusula que estabelece a
cobrança de tarifas de emissão de boleto bancário, incidente na outorga do
financiamento, é nula de pleno direito, por se configurar obrigação iníqua e
abusiva na medida em que coloca o consumidor em desvantagem exagerada,
proclamando, ainda, flagrante ofensa à boa-fé e à equidade contratual, conforme
o disposto no art. 51, IV, do CDC.
A respeito do tema, houve manifestação desta Corte, por ocasião da
apreciação do REsp n. 794.752-MA, de relatoria do e. Min. Luis Felipe Salomão
(4ª Turma, DJe de 12.04.2010), nos seguintes termos:
Civil e Processual Civil. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do
Maranhão. Legitimidade. Ilegalidade da cobrança de tarifa sob emissão de boleto
bancário.
1. O Tribunal a quo manifestou-se acerca de todas as questões relevantes
para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida. Não cabe
alegação de violação do artigo 535 do CPC, quando a Corte de origem aprecia a
questão de maneira fundamentada, apenas não adotando a tese da recorrente.
Precedentes.
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 4°, 9°, 10 e 11, da Lei n.
4.595/1964, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula
n. 211-STJ.
3. Portarias, circulares e resoluções não se encontram inseridas no conceito de
lei federal para o efeito de interposição deste apelo nobre. Precedentes.
4. Não se verifica a alegada vulneração dos artigos 458 do Código de Processo
Civil, porquanto a Corte local apreciou a lide, discutindo e dirimindo as questões
fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas.
5. A presente ação civil pública foi proposta com base nos “interesses individuais
homogêneos” do consumidores/usuários do serviço bancário, tutelados pela Lei
n. 8.078, em seu art. 81, parágrafo único, inciso III, ou seja, aqueles entendidos
como decorrentes de origem comum, consoante demonstrado pelo Tribunal
de origem, motivo pelo qual não há falar em falta de legitimação do Ministério
Público para propor a ação.
6. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários
e a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor,
conforme decidiu a Suprema Corte na ADI n. 2.591. Precedentes.
7. Sendo os serviços prestados pelo Banco remunerados pela tarifa
interbancária, conforme referido pelo Tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos
consumidores pelo pagamento mediante boleto/ficha de compensação constitui
enriquecimento sem causa por parte das instituições financeira, pois há “dupla
remuneração” pelo mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos
Bancos em detrimento dos consumidores, razão pela qual abusiva a cobrança da
tarifa, nos termos do art. 39, V, do CDC c.c. art. 51, § 1°, I e III, do CDC.
8. O pedido de indenização pelos valores pagos em razão da cobrança de
emissão de boleto bancário, seja de forma simples, seja em dobro, não é cabível,
tendo em vista que a presente ação civil pública busca a proteção dos interesses
individuais homogêneos de caráter indivisível.
9. A multa cominatória, em caso de descumprimento da obrigação de não
fazer, deverá ser destinada ao Fundo indicado pelo Ministério Público, nos
termos do art. 13 da Lei n. 7.347/1985, uma vez que não é possível determinar
a quantidade de consumidores lesados pela cobrança indevida da tarifa sob a
emissão de boleto bancário.
10. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos.
IV – Da repetição do indébito em dobro (Ofensa ao art. 42 CDC)
Por fim, caracterizada de modo inequívoco a abusividade na cobrança
da tarifa para emissão de boleto bancário e, com isso, a obrigação do banco
recorrente de restituir os valores indevidamente recebidos, há de se determinar
412
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
se a devolução se dará de forma simples, como pretende o recorrente, ou dupla,
como determinado pelo Tribunal de origem.
Nesse ponto, alega a instituição bancária recorrente que esta Corte tem
entendimento consolidado no sentido de que a devolução em dobro está
condicionada à verificação de má-fé, razão pela qual requer a restituição na
forma simples, haja vista que nos autos a má-fé não restou comprovada.
O acórdão recorrido, por sua vez, para justificar a negativa ao indébito
em dobro, entendeu por afastar a ocorrência de engano justificável, sob o
fundamento de que “não se pode considerar engano injustificável a atitude
do credor que visando maior ganho onere o consumidor com uma despesa
desnecessária, pois a regra geral do mercado é que as tarifas, que já possibilitam
aos bancos um ganho suficiente para pagar sua folha de pagamento como
noticiou em passado próximo a imprensa, são debitados na conta corrente”
(e-STJ fl. 621).
Com efeito, “o entendimento dominante neste STJ é no sentido de admitir
a repetição do indébito na forma simples, e não em dobro, salvo provada má-fé”
(AgRg no Ag n. 570.214-MG, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 28.04.2004).
Nesse sentido, vejam-se ainda os seguintes precedentes: REsp n. 453.782-RS,
4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 24.02.2003 e REsp n.
647.838-RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Norinha, DJ de 06.06.2005.
Contudo, na hipótese dos autos, o acórdão recorrido não decidiu acerca
dos argumentos invocados pelo recorrente em seu recurso especial quanto ao art.
42 do CDC (ausência de má-fé), o que inviabiliza o seu julgamento, atraindo, à
espécie, a aplicação da Súmula n. 282-STF.
Forte nessas razões, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte,
nego-lhe provimento.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Senhor Presidente, como
relatado, trata-se de recurso especial interposto por Dibens Leasing S.A. contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em ação civil
pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, manteve
a sentença de procedência do pedido para declarar a abusividade da prática
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
adotada pelo banco réu relativa a cobrança de emissão de boleto e, em consequência,
condenou o réu a restituição do indébito de forma composta (art. 42, parágrafo
único, do CDC).
Em seu apelo excepcional, informa o recorrente que:
(...)
A cobrança da referida tarifa é resultado dos custos relacionados com a
emissão, impressão e envio do boleto ao cliente, custos esses que não seriam
incorridos na hipótese, por exemplo, de pagamento por meio de débito em conta
corrente.
Diga-se, ainda, que o Banco Dibens S/A não possui rede bancária, o que significa
que, para emitir os referidos boleto, é necessário contratar uma instituição financeira,
que não apenas providenciará a emissão dos documentos, mas receberá os
pagamentos e os redicionará ao recorrente. No caso, a instituição contratada é o
Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/A, que, a despeito de pertencer ao mesmo
grupo econômico do recorrente, não pode prestar quaisquer serviços sem a
devida remuneração.
Nessa perspectiva, a esse ponto é fundamental para a compreensão da
controvérsia, verifica-se que a Tarifa de Emissão de Boleto Bancário integra a
remuneração cobrada pelas empresas financeiras (e, em especial, pelo Recorrente)
para a concessão de seus empréstimos e, como tal, é parte integrante da estratégia
mercadológica de cada empresa. Em outras palavras, a tarifa para emissão de boleto
bancário integra o “preço” dos empréstimos e financiamento.
Com efeito, a remuneração dos empréstimos concedidos pelas instituições
financeiras não se dá apenas pelos juros, mas pela combinação de juros com
tarifas (...) (fl. 62 - grifou-se).
Alega violação dos artigos 46, 47, 52, inciso V, 51, inciso IV, e 54, parágrafos
3º e 4º, do CDC, sustentando as seguintes teses: a tarifa reflete um custo
incorrido pelo banco e um serviço efetivamente prestado ao cliente; não existe
norma legal que vede a cobrança da tarifa, e o consumidor tem ciência de que a
cobrança será realizada em caso de opção pela emissão de boleto bancário.
Inconforma-se, ainda, quanto à condenação à repetição dobrada a que
se refere o parágrafo único do artigo 42 do CDC, aduzindo que a cobrança,
amparada em normatização regulamentar do Conselho Monetário Central,
configura “engano justificável” a amparar a devolução de forma simples.
Em memorial, o recorrente reafirma a legalidade da cobrança da tarifa,
estabelecendo uma cronologia da normatização no âmbito do CMN, entre
25.07.1996 e 26.03.2009, bem como a impossibilidade de repetição de forma
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
dobrada, à míngua de existência de má-fé na cobrança, haja vista a existência de
regulação específica.
Na sessão do dia 02 de agosto de 2011, após o voto da eminente Ministra
Nancy Andrighi, que conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa parte,
negou provimento, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros Massami
Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino, pedi vista para melhor
compreensão da controvérsia.
Peço vênia à ilustre relatora para tecer algumas considerações.
De início, não obstante as informações e os esclarecimentos trazidos
no memorial em favor do recorrente, mormente quanto à normatização
regulamentar do CMN e do Banco Central e a sua relação com as regras
de proteção ao consumidor, ressalta-se que o especial é um recurso de
fundamentação vinculada, no qual o efeito translativo se opera, tão-somente,
nos termos do que foi impugnado.
Assim, passo à análise da pretensão recursal, nos limites em que posta.
O egrégio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 2.591,
em 07.06.2006, que confirmou a constitucionalidade do artigo 3°, parágrafo
2°, da Lei n. 8.078/1990 em relação aos “serviços de natureza bancária”, pôs
fim à controvérsia a respeito da relação jurídica entre o contratante/usuário de
serviços bancários e a instituição financeira, firme no entendimento de que a
matéria deve ser disciplinada e interpretada de acordo com o Código de Defesa
do Consumidor.
É o que se extrai de parte do elucidativo voto do eminente Ministro Carlos
Velloso, que ora se transcreve:
(...)
Tal como entende o eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo
Brindeiro, no parecer que ofereceu, “pela Lei n. 8.078 não se criam atribuições
peculiares ao mercado e às instituições financeiras; as normas ali insculpidas
não dizem respeito, absolutamente, à regulação do Sistema Financeiro, mas à
proteção e defesa do consumidor, pressuposto de observância obrigatória por
todos os operadores do mercado de consumo - até mesmo pelas instituições
financeiras”.
(...)
Não há, pois, invasão de competência alguma; mostra-se perfeitamente possível a
coexistência entre a lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional e o
Código a que devam sujeitar-se as instituições bancárias, financeiras, de crédito e de
seguros, como todos os demais fornecedores, em suas relações com os consumidores.
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De mais a mais, inúmeros outros diplomas legais, de índole ordinária, acabam
por criar, de alguma forma “atribuições” para as instituições financeiras: a
legislação do imposto sobre a renda, a legislação previdenciária, a trabalhista, a
societária. Logo, não seria sequer sensato que os integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, pelo só fato de terem suas atividades reguladas por lei complementar e
fiscalizada por um banco central, postulassem eximir-se do dever de obediência às
demais leis do País.
(...)
De outro lado, a existência de um Código de Defesa do Consumidor, com
incidência nas relações entre instituições financeiras e consumidores, não subtrai ao
Banco Central o ônus de disciplinar a prestação de serviços bancários a clientes e ao
público em geral, como previsto na legislação pertinente.
(...)
É que o Código do Consumidor não interfere com a estrutura institucional do
Sistema Financeiro Nacional. Esta, sim, será regulada por lei complementar - CF,
art. 192 (...) Da mesma forma (...) também não se pode afirmar que os direitos dos
consumidores de produtos financeiros e serviços bancários estariam inscritos no
citado art. 192 e incisos da Constituição Federal.
(...)
Esse é, exatamente, o ponto: os direitos dos consumidores de produtos financeiros
e serviços bancários, bem como os meios para seu reconhecimento, não são
disciplinados, nem poderiam ser, na lei que hoje regula o Sistema Financeiro Nacional
porque semelhante encargo compete, de modo inequívoco, ao Código de Defesa do
Consumidor (...).
Nem mesmo a decantada relação estreita das instituições financeiras com a
política monetária adotada no País, vale salientar - idêntica, de resto, à vinculação
experimentada por quem quer que explore atividade econômica - constitui
fundamento bastante para desobrigá-las da submissão às regras do mercado de
consumo.
(...) (grifou-se).
Tal entendimento restou cristalizado nesta Corte Superior, nos termos da
Súmula n. 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições
financeiras”.
Posto isso, quanto à tarifa em questão, não se desconhece que se constitui
em exigência não deferida ou legalizada expressamente em nenhum ato ou
texto normativo, da mesma forma que não existe previsão legal para sua
inexigibilidade.
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Com efeito, embora a taxa de emissão de boleto de cobrança não estivesse
vedada desde a Resolução n. 2.303/1996 - até à Resolução n. 3.693/2009, como
afirma o recorrente -, não é crível a premissa de que as instituições bancárias
podem arbitrar e repassar ao consumidor qualquer ônus, pois, como dito, as
atividades de natureza bancária são regidas pelo CDC, e, portanto, devem
respeitar um mínimo de razoabilidade na relação contratual.
O consumidor não pode ser impelido a arcar com o gasto de serviço
contratado entre instituições bancárias, sem que tenha possibilidade de excluir
sua participação nessa relação. Se o serviço é prestado através de contrato
realizado entre a instituição bancária e um fornecedor (Unibanco), não tem o
consumidor qualquer participação no negócio.
Assim, deve ser aplicado o entendimento de que somente pode ser exigido
do consumidor o pagamento do débito contraído ou do serviço contratado e,
no caso de atraso do pagamento, os juros de mora e demais encargos legais, mas
nunca as “hidden taxes” (taxas ocultas).
Outra não é a letra do artigo 325 do Código Civil:
Presumem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação;
se ocorrer aumento por fato do credor, suportará este a despesa acrescida.
Ressalta-se, ainda, por pertinente, que a Resolução CMN n. 3.518, de
26.07.2007, determinava:
Art. 1º A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições
financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil
deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o cliente ou ter sido
o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo
usuário.
Parágrafo único. Para efeito desta resolução:
(...)
III - não se caracteriza como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de
prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que
devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de arrendamento
mercantil.
(...).
Não bastasse, a própria Febraban, da qual o recorrente é associado, já havia
enviado o Comunicado FB n. 049/2002 aos bancos, nos seguintes termos:
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Face a continuidade de inúmeras ocorrências e reclamações - ao Banco Central,
Procons e à Federação - a respeito da cobrança de tarifa aos clientes ou usuários
que apresentem para pagamento bloquetos de outros bancos relativos a títulos
em cobrança, conhecida como “tarifa do sacado”, a Diretoria Executiva, reunida em
20.03.2002, e o Conselho Diretor, nesta data, decidiram recomendar aos bancos que
reforcem sua orientação no sentido de:
1.1. suspender a cobrança desse serviço;
1.2. eliminar essa tarifa das tabelas de preços de serviços afixadas nas suas
agências e postos de serviços.
2. Tal recomendação - já constante da Circular FB-058/2000, de 25.05.2000,
que reiterava o contido nas Circulares FB-168/99, FB-385/97 e Carta-Circular BAG70.318, de 22.05.1997 - tem por base o fato de:
2.1. já existir Tarifa Interbancária, criada - por protocolo assinado em 27.06.1995,
pela Febraban, Asbace, Abbi, Abbc e o Banco do Brasil, como Executante do Serviço
de Compensação - justamente para ressarcir os custos dos bancos recebedores nesta
prestação de serviços;
(...).
Portanto, os serviços prestados pelo banco já eram remunerados através
da “tarifa interbancária”, configurando a cobrança de tarifa dos consumidores
pelo pagamento mediante boleto/ficha de compensação em enriquecimento
sem causa por parte da instituição financeira, pois estava havendo “dupla
remuneração” pelo mesmo serviço, importando, em consequência, vantagem
exagerada a favor dos bancos em detrimento dos consumidores.
Ao que se tem, portanto, cabe ao consumidor apenas o pagamento
da prestação que assumiu junto ao seu credor, não sendo razoável que seja
responsabilizado pela remuneração de serviço com o qual não se obrigou, mas
lhe é imposto como condição para quitar a fatura recebida, seja em relação a
terceiro, seja do próprio banco.
De fato, importando a referida prática em vantagem exagerada em prejuízo
dos consumidores, é de se ter como abusiva a cobrança da tarifa pela emissão do
boleto bancário (art. 51, IV, do CDC).
A bem ilustrar esta tese, o seguinte precedente da eg. Quarta Turma:
Civil e Processual Civil. Ação civil pública. Ministério Público do Estado do
Maranhão. Legitimidade. Ilegalidade da cobrança de tarifa sob emissão de boleto
bancário.
(...)
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
6. A relação jurídica existente entre o contratante/usuário de serviços bancários e a
instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme
decidiu a Suprema Corte na ADI n. 2.591. Precedentes.
7. Sendo os serviços prestados pelo Banco remunerados pela tarifa interbancária,
conforme referido pelo Tribunal de origem, a cobrança de tarifa dos consumidores
pelo pagamento mediante boleto/ficha de compensação constitui enriquecimento
sem causa por parte das instituições financeira, pois há “dupla remuneração” pelo
mesmo serviço, importando em vantagem exagerada dos Bancos em detrimento dos
consumidores, razão pela qual abusiva a cobrança da tarifa, nos termos do art. 39, V,
do CDC c.c. art. 51, § 1°, I e III, do CDC.
(...)
10. Recursos especiais conhecidos em parte e, nesta parte, providos (REsp
n. 794.752-MA, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em
16.03.2010, DJe 12.04.2010, RSTJ vol. 218, p. 408 - grifou-se).
No tocante à apontada violação do art. 42 do Código de Defesa do
Consumidor, a insurgência recursal cinge-se ao argumento de que, para a
condenação à devolução do indébito em dobro, indispensável a verificação da
má-fé do credor.
Verifica-se que, contudo, a matéria versada não foi objeto de debate pelas
instâncias ordinárias sob o enfoque pretendido pelo recorrente, sequer de modo
implícito, e não foram opostos embargos de declaração com a finalidade de
sanar omissão porventura existente. Por esse motivo, ausente o requisito do
prequestionamento, incide o disposto na Súmula n. 282 do STF: “É inadmissível
o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão
federal suscitada”.
De qualquer sorte, registre-se que a jurisprudência desta Corte tem
evoluído no sentido de considerar devida a repetição em dobro do indébito tanto
nas hipóteses de má-fé quanto nos casos de culpa (imprudência, negligência e
imperícia).
Nesse sentido:
Processual Civil. Agravo regimental no agravo de instrumento. Ofensa ao
art. 535 do CPC não configurada. Omissão. Inexistência. Serviço de telefonia.
Cobrança indevida. Devolução em dobro. Art. 42, parágrafo único, do CDC.
Engano justificável. Não-configuração. Juros de mora. Obrigação ilíquida. Dies a
quo. Citação válida. Correção monetária. Termo inicial. Pagamento indevido.
1. (...)
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Em memoriais, a agravante insiste na tese de que a incidência do art. 42,
parágrafo único, do CDC depende da configuração da má-fé do fornecedor.
3. O STJ firmou a orientação de que tanto a má-fé como a culpa (imprudência,
negligência e imperícia) dão ensejo à punição do fornecedor do produto na
restituição em dobro.
4. Descaracterizado o erro justificável, devem ser restituídos em dobro os
valores pagos indevidamente.
5. (...)
6. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 1.344.906-MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 17.02.2011, DJe 15.03.2011).
Recurso especial. Processual Civil. Administrativo. Tarifa de água e esgoto.
Cobrança indevida. Culpa da concessionária. Restituição em dobro.
(...)
4. Interpretando o disposto no art. 42, parágrafo único, do CDC, as Turmas
que compõem a Primeira Seção desta Corte de Justiça firmaram orientação no
sentido de que “o engano, na cobrança indevida, só é justificável quando não
decorrer de dolo (má-fé) ou culpa na conduta do fornecedor do serviço” (REsp n.
1.079.064-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 20.04.2009). Ademais,
“basta a culpa para a incidência de referido dispositivo, que só é afastado
mediante a ocorrência de engano justificável por parte do fornecedor” (REsp n.
1.085.947-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 12.11.2008). Destarte,
o engano somente é considerado justificável quando não decorrer de dolo ou
culpa.
5. Na hipótese dos autos, a Corte de origem concluiu que estava caracterizada
a culpa da concessionária na cobrança indevida da tarifa de água e esgoto, não
sendo, portanto, razoável falar em engano justificável.
6. A apreciação dos critérios necessários à descaracterização do dolo, da
culpa ou da má-fé da concessionária, conforme previsto no art. 42, parágrafo
único, do CDC, enseja indispensável análise das circunstâncias fático-probatórias
constantes dos autos, cujo reexame é vedado em sede de recurso especial, nos
termos da Súmula n. 7-STJ.
7. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.115.741-RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em
03.11.2009, DJe 24.11.2009).
Nesse contexto, irrepreensível o Tribunal de origem, que concluiu pela
condenação à repetição em dobro, amparado na ausência de engano justificável
420
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
do fornecedor, sob o fundamento de que “não se pode considerar como engano
justificável uma atitude que deve ser considerada abusiva e ilícita, realizada de
forma consciente” (e-STJ fl. 622).
Ante o exposto, acompanho a eminente Ministra Relatora, negando
provimento ao recurso especial.
É o voto.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, eu havia
recebido o voto disponibilizado pela eminente Relatora, e prestei muita
atenção na sustentação do eminente Advogado. Eu estava até imaginando essa
questão da colidência das normas do Código de Defesa do Consumidor com as
instruções normativas do Conselho Monetário Nacional, mas Sua Excelência,
a Sra. Ministra Relatora, eliminou qualquer dúvida ao longo do seu bem
elaborado voto quando disse que, na verdade, houve uma resolução posterior,
do próprio Conselho Monetário Nacional, que acabou, vamos dizer, pondo por
terra essa afirmação, e uma recomendação da própria Febraban no sentido de
não se admitir essa prática.
De maneira que acompanho integralmente o voto de Sua Excelência, no
sentido de conhecer parcialmente do recurso especial, e, nessa parte, negar-lhe
provimento, cumprimentando o Advogado pela sustentação.
RECURSO ESPECIAL N. 1.259.020-SP (2010/0134557-7)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Securinvest Holdings S/A
Advogados: Sergio Ronaldo Sahione Fadel e outro(s)
Antônio Augusto Gonçalves Tavares e outro(s)
Marcelo Fadel e outro(s)
Recorrido: Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda. - massa falida
Advogados: Afonso Henrique Alves Braga - síndico
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Rodrigo Kaysserlian
Antônio Rulli Neto e outro(s)
Angelino Ruiz
Rodrigo Campos
EMENTA
Processo Civil. Falência. Extensão de efeitos. Sociedades
coligadas. Possibilidade. Ação autônoma. Desnecessidade. Decisão
“inaudita altera parte”. Viabilidade. Recurso improvido.
1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em
torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios
formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio
de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder
Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios
eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando
os envolvidos.
2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de
sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando
claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para
desvio patrimonial. Não há nulidade no exercício diferido do direito
de defesa nessas hipóteses.
3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser
feita independentemente da instauração de processo autônomo. A
verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita
com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência
de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de
se constatar a existência de participação no capital social.
4. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade
falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a
utilização de complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica
da desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de
modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos.
5. Recurso especial não provido.
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Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs.
Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo
Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr. Marcelo Fadel,
pela parte recorrente: Securinvest Holdings S/A. Dr. Rodrigo Kaysserlian, pela
parte recorrida: Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda.
Brasília (DF), 09 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJe 28.10.2011
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recuro especial interposto
por Securinvest Holdings S/A, para impugnação de acórdão exarado pelo TJ-SP
no julgamento de agravo de instrumento.
Ação: de falência da sociedade Petroforte Brasileiro de Petróleo Ltda.
Em 20 de julho de 2007, o síndico requereu a extensão dos efeitos da
falência da sociedade Petroforte a uma série de empresas, discriminadas no
requerimento apresentado (fls. 74 a 115, e-STJ), a saber: River South S.A.,
Vultee Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros, Securinvest
Holdings S.A., Turvo Participações S.A., Agroindustrial Espírito Santo do
Turvo Ltda., Kiaparack Participações e Serviços Ltda., MT&T Prestação
de Serviços em Envasamento Ltda., All Sugar International Inc (off-shore),
Red Cloud Ltda. (off-shore), Blue Snow Holdings Inc (off-shore) e Real Sugar
Corporation (off-shore), além de uma série de pessoas naturais, a saber: Carlos
Masetti Junior, Carlos Masetti Neto, Ida Tufano, Francisco Bosque Neto,
Watson Gonçalves, Fernando Masetti, Wellengton Carlos de Campos, Myriam
Nívea de Andrade Ortolan e Maria Isabel Quintino Nicotero Pestana.
O motivo seria o de que todas elas teriam participado de diversas operações
realizadas com o intuito de desviar bens da massa falida. Especificamente com
relação à recorrente Securinvest, o síndico argumenta que ela teria ativamente
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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
participado, juntamente com as sociedades Rural Leasing Arrendamento
Mercantil e Sobar S/A Álcool e Derivados, de operações societárias destinadas
a desviar entre outros bens, uma valiosa usina de açúcar e álcool, em 22 de
agosto de 2000.
Decisão: deferiu o pedido de extensão dos efeitos da quebra (fls. 116 a
117, e-STJ).
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela
Securinvest, nos termos da seguinte ementa (fls. 297 a 305, e-STJ):
Falência. Petroforte. Extensão dos efeitos de sua quebra à agravante nos
autos da falência. Admissibilidade. Possibilidade de defesa por meio de recurso.
Nulidade inexistente. Recurso desprovido.
Falência. Petroforte. Extensão dos efeitos de sua quebra à agravante.
Cabimento. Desvio de finalidade social e abuso de personalidade jurídica da
sociedade. Transferências sucessivas de bens para mantê-los fora do alcance da
justiça. Recurso desprovido.
Embargos de declaração: interpostos (fls. 307 a 316), foram rejeitados (fls.
318 a 320, e-STJ).
Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas a e c do
permissivo constitucional (fls. 357 a 426, e-STJ). Alega-se violação dos arts.
165, 213, 458 e 535 do CPC, além dos arts. 82 da Lei n. 11.101/2005, 6º, 11, 12,
52 e 53 do DL n. 7.661/1945 e 50 do CC/2002.
Recurso extraordinário: interposto (fls. 322 a 342, e-STJ).
Admissibilidade: o TJ-SP negou seguimento ao recurso especial, por
decisão do i. Des. Presidente da Seção de Direito Privado, Luiz Antônio
Rodrigues da Silva, motivando a interposição do Ag n. 1.335.918-SP, por mim
convertido em recurso especial para imediato julgamento.
Medida cautelar: ajuizada objetivando a concessão de efeito suspensivo
ao recurso especial, distribuída à minha relatoria sob o número MC n. 15.526SP. A medida liminar foi inicialmente deferida, pelo colegiado, nos termos da
seguinte ementa:
Processo Civil. Medida cautelar visando a obter antecipação de tutela em
recurso especial ainda não sujeito a exame de admissibilidade. Direito Civil e
Comercial. Extensão de falência a sociedade que supostamente integraria o
grupo econômico da falida. Incerteza acerca da existência de liame societário
424
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
entre a empresa falida, e a empresa a quem a falência se estendeu. Deferimento
da liminar, “ad cautelam”, determinando-se o esclarecimento, pela requerente, de
sua cadeia societária, com a reapreciação da matéria em 15 dias.
- Ao permitir a extensão da falência mediante procedimento incidental, o STJ
teve em mira as hipóteses em que há vínculo societário. Sem ele, não há como
atingir, mediante a desconsideração, o patrimônio de terceiro alheio ao grupo
econômico.
- A dúvida quanto ao grupo econômico a que pertence a requerente
recomenda que, inicialmente, o seu direito seja acautelado. Contudo, esta medida
não pode se estender indefinidamente. A indefinição que paira, sobre o tema,
deve ser esclarecida.
- É necessário que a requerente não se limite a dizer quem não participa de seu
capital social. Para eliminar os impasses quanto à questão, deve indicar quem dele
efetivamente participa.
Medida liminar deferida provisoriamente, concedendo-se a requerente o
prazo de 15 dias para esclarecer a cadeia societária que integra, com o retorno
dos autos à conclusão para ratificação ou revogação da liminar concedida.
Essa medida liminar, concedida em caráter temporário, foi posteriormente
ratificada por mim nos autos da medida cautelar.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora): Cinge-se a lide a estabelecer
se é possível estender os efeitos da falência de uma empresa a outra, por decisão
incidentalmente proferida, sem a oitiva da interessada, na hipótese em que
não há vínculo societário direto entre as empresas, mas em que há suspeita de
realização de operações societárias para desvio de patrimônio da falida nos anos
anteriores à quebra, inclusive com a constituição de sociedades empresárias
conjuntas para esse fim.
I – Histórico da alegada fraude
Para compreensão da lide, é necessário descrever, antes de mais nada,
no que consistem as fraudes que a massa falida alega terem sido cometidas,
justificando a desconsideração da personalidade jurídica e extensão dos efeitos
da falência a uma série de empresas e pessoas físicas.
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425
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Segundo afirma o síndico, uma série de operações societárias foi montada
para desvio de bens da massa falida, notadamente os bens da sociedade Sobar
S/A – Álcool e Derivados, do grupo Petroforte. A fraude consistiria na seguinte
operação, utilizando-se as palavras do acórdão recorrido:
Os autos indicam que entre a Rural Leasing e a Sobar foi celebrado contrato
de arrendamento mercantil, na modalidade “lease back”. Para instrumentalização
do negócio, a Sobar transmitiu à Rural Leasing a propriedade do imóvel (por
escritura aparentemente não registrada no Registro de Imóveis competente)
e dos equipamentos nele instalados. Alegadamente inadimplido o contrato, a
arrendadora ajuizou ação de rescisão, obtendo posteriormente sua reintegração
na posse dos bens arrendados.
Entrementes, a Rural Leasing cedeu seus direitos creditórios, oriundos do
mesmo contrato de arrendamento mercantil, à ora agravante, “Securinvest
Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros”, que por seu turno
integralizou, com os bens objeto do leasing (e não com os direitos creditórios
de que era cessionária), ações destinadas ao aumento do capital social de “Turvo
Participações S.A.”, que posteriormente os arrendou a “Agroindustrial Espírito
Santo do Turvo”.
Consta ainda a existência de um “contrato particular de compra e venda de
universalidade de bens” pelo qual a “Turvo Participações S.A. alienou os mesmos
bens a “Kiaparack Participações e Serviços Ltda.”, que por seu turno os teria
arrendado (novamente...) a “Agroindustrial Espírito Santo do Turvo”.
A mesma operação é descrita com mais detalhes pela recorrente, no agravo
de instrumento que deu origem a este recurso especial (fls. 46 a 65). A descrição
da recorrente, contudo, objetiva naturalmente fazer crer ao julgador que todo o
processo foi revestido de legalidade:
Não é demais relembrar que em 22 de agosto de 2000, a sociedade Rural
Leasing realizou com Sobar S.A. – Álcool e Derivados uma operação de crédito
revestida de toda legalidade, no caso um lease back. Por força da referida operação,
a Rural Leasing adquiriu da Sobar o terreno, as construções nele erguidas e todas
as máquinas e equipamentos empregados na atividade industrial. Ato contínuo
os arrendou através de contrato de arrendamento mercantil. Tudo dentro da
mais rigorosa legalidade, repita-se. Comprove-se pelos documentos que estão
nos autos que por força da operação a Rural leasing efetivamente entregou à
vendedora a importância de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), no
caso o preço do negócio.
De seu lado, a arrendatária se obrigou a pagar à arrendante 42 (quarenta e
duas) parcelas mensais, iguais e consecutivas, no valor de R$ 328.907,32, pelo
426
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
arrendamento e R$ 187.320,79, pela antecipação do valor residual garantido.
Em razão do inadimplemento parcial as partes celebraram instrumento de
aditamento e re-ratificação do contrato de arrendamento mercantil ajustando
que a dívida seria agora resgatada em 37 parcelas mensais e sucessivas de R$
655.823,05, a partir de 22 de outubro de 2001. Diante do novo inadimplemento
a Rural Leasing promoveu em face da Sobar a competente ação de rescisão
contratual (2ª vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo – doc. Junto).
Uma vez cumprida a reintegração na posse dos bens objeto do arrendamento
as partes em 07 de junho de 2002, celebraram novo acordo eis que não era
interesse da Rural Leasing ter a posse dos bens. Pelos termos do acordo, seriam
pagos R$ 24.135.318,80 em 82 (oitenta e duas) parcelas mensais e consecutivas
sendo a primeira em 25 de junho de 2002. Diante do reiterado descumprimento
dos ajustes, a arrendante se reintegrou na posse do imóvel em 04 de abril de 2003,
tudo conforme objeto do acordo. Foi quando a Agravante adquiriru os direitos
junto à Rural Leasing que não tinha interesse ou em seu objeto a administração
do acerca de bens.
Esse foi o procedimento mediante o qual a Securinvest adquiriu os bens
pertencentes à Sobar, do grupo Petroforte.
Para o síndico, a operação empreendida se enquadrava em um contexto
rotineiro, escancarando um método seguidamente adotado pelo Grupo
Petroforte e pelo Grupo Rural para fraudar credores das empresas em situação
pré-falimentar. Com efeito, na petição que deu origem a todo este incidente, o
síndico pondera que:
As operações são sempre as mesmas: as empresas e os sócios do Grupo
Econômico da Petroforte contraem dívidas – geralmente com o Rural Leasing ou
com o Banco Rural – como não são pagas, são movidas ações judiciais que nem
sequer chegam à segunda instância. Daí se obtém uma sentença judicial, ora
condenatória, ora homologatória de acordo entre as partes e, como consequência,
os bens dados em garantia são transmitidos aos “credores” – empresas do Grupo
Rural. Ato contínuo, aparece a Securinvest que subroga-se na dívida e os bens
são rapidamente repassados a terceiros ou outras empresas dos mesmos Grupos
Econômicos.
Ainda segundo o síndico, no caso específico da Sobar, para além da
reintegração judicial dos bens controvertidos, a operação de desvio teria
sido complementada da seguinte forma: os antigos proprietários da Sobar
constituíram uma sociedade chamada River South S.A. Essa empresa associouse à Securinvest para a constituição de uma terceira sociedade, chamada Turvo
Participações Ltda. A Securinvest teria utilizado o patrimônio que recebeu da
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
427
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sobar para integralizar suas quotas na Turvo Participações, na qual detinha 51%
do capital social. Os outros 49% seriam da River South, integrante do Grupo
Petroforte. Posteriormente, a Turvo Participações alienou os bens que lhe foram
transferidos a uma outra sociedade, denominada Kiaparak Participações e Serviços
Ltda., também supostamente do Grupo Rural e os bens teriam, então, sido
arrendados a uma nova sociedade, Agroindustrial Espírito Santo do Turvo Ltda.,
sociedade empresária cujos sócios são duas off-shores sediadas nas Ilhas Virgens
Britânicas: All Sugar International e Real Sugar Corporation, ambas, segundo o
Síndico, do Grupo Rural.
Ou seja: uma cadeia de operações societárias teria sido preparada, segundo
o síndico, de modo a tentar criar uma veste de legalidade para a transferência
dos bens. Durante a criação dessa cadeia, empresas do Grupo Rural teriam se
associado com a Securinvest, criando, entre eles, significativo vínculo societário.
Além disso, haveria, sempre segundo o síndico, grande intercâmbio entre
os grupos econômicos Rural e Petroforte. Afirma-se que “nos autos da ação
falimentar da Petroforte existem diversos documentos que comprovam a
interferência direta na administração das empresas relacionadas no parágrafo
anterior [do grupo Petroforte por pessoas que são funcionários do Grupo
Rural”. Toda a operação teria sido escancarada em uma ação declaratória de
nulidade de ato jurídico proposta pela River South em face de Vultee, Securinvest
e Carlos Masetti, na qual farta documentação acerca de tudo teria sido juntada.
Também se afirma, por fim, que a própria Securinvest, cujos sócios são duas
empresas sediadas em paraíso fiscal, seria, mediatamente, integrante do Grupo
Rural.
É dentro desse panorama que o presente recurso deverá ser julgado.
II – Negativa de prestação jurisdicional. Violação dos arts. 165, 458 e
535 do CPC
Os embargos de declaração constituem instrumento processual de emprego
excepcional, visando ao aprimoramento dos julgados que encerrem obscuridade,
contradição ou omissão. O acórdão recorrido se manifestou sobre todos os
pontos suscitados nas apelações, inclusive os vários temas enumerados nas
razões recursais e reputados de omissos ou contraditórios, alcançando solução
tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente.
428
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente
objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser
aclarada. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos
termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante
dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência,
aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.
Por outro lado, já é pacífico o entendimento no STJ, e também nos
demais Tribunais Superiores, de que os embargos declaratórios, mesmo quando
manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a
decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua
interposição (AgRg no Ag n. 680.045-MG, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer,
DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp n. 647.747-RS, 4ª Turma, Rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS n. 11.038-DF, 1ª
Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007).
Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de
emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra
viável no contexto do art. 535 do CPC.
III – Mérito do recurso
III. a) Art. 82 da Lei n. 11.101/2005. Inaplicabilidade
Adentrando ao mérito da impugnação, é importante frisar, desde já, que
a falência da Petroforte foi decretada quando vigente o DL n. 7.661/1945, de
modo que qualquer alegação de ofensa aos dispositivos da Lei n. 11.101/2005
não poderá ser conhecida nesta sede por força do disposto no art. 192 da referida
Lei, salvo hipóteses excepcionais, em que não há, na lei antiga, norma para uma
situação concreta específica (REsp n. 1.172.387-RS, de minha relatoria, DJe
24.03.2011; AgRG no REsp n. 1.089.092-SP, Rel Min. Massami Uyeda, DJe
de 29.04.2009, entre outros).
Na hipótese dos autos, o art. 82 da Lei n. 11.101/2005 tem correspondência
no art. 6º do DL n. 7.661/1945, de modo que sua violação não poderá ser
apreciada nesta sede.
II. b) A quebra sem prévia citação. Violação dos arts. 213 do CPC, 11 e
12 do DL n. 7.661/1945
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
429
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O tema de mérito deste recurso se resume à possibilidade de extensão da
falência da Petroforte à Securinvest, sem sua prévia intimação ou oitiva desta
empresa. Com efeito, no processo que originou este recurso o pedido do síndico
de extensão da quebra foi autuado em expediente avulso e deferido, pelo juízo,
em primeiro grau, sem a participação da recorrente, destinatária dos efeitos da
decisão. O exercício do contraditório foi, com isso, diferido, possibilitando-se a
defesa da recorrente apenas por meio de recurso.
A análise da regularidade desse procedimento não pode, naturalmente,
desprender-se das peculiaridades da espécie. Com efeito, não é mais possível,
no processo civil moderno, tomar a apreciação de uma causa baseando-se
exclusivamente nas regras processuais sem se considerar, em cada hipótese, as
suas especificidades e, muitas vezes, a evidência com que se descortina o direito
material por detrás do processo. Hoje está muito claro, tanto na doutrina como
na jurisprudência, que as regras processuais devem estar a serviço do direito
material, nunca o contrário.
Na hipótese dos autos, de fato não há notícia de que o juízo de primeiro
grau tenha promovido a citação ou a notificação da recorrente antes da
decretação da extensão de sua quebra. Contudo, é fato também que os efeitos
dessa extensão não se produziram de imediato, tampouco se verificaram antes que
tivesse, a parte, oportunidade para se defender.
De fato, não obstante o pedido de efeito suspensivo formulado no agravo
de instrumento que deu origem a este recurso tenha sido indeferido, tão logo
julgado o mérito desse agravo a requerente propôs, perante o STJ, a MC n.
15.526-SP solicitando a suspensão dos efeitos da decisão. Seu pedido foi
liminarmente deferido independentemente de interposição do recurso especial,
por acórdão exarado por esta 3ª Turma.
Os efeitos de referido acórdão foram posteriormente estendidos por esta
Relatora até o julgamento final do recurso especial, de modo que o exercício
do direito de defesa da agravante foi possível sem qualquer prejuízo para
suas atividades. A suspensão dos efeitos do acórdão, inclusive, gerou diversos
transtornos e incidentes no curso deste processo, do que são exemplos um pedido
de instauração de incidente sigiloso, formulado pelo síndico, para apuração,
no exterior, sem o conhecimento da recorrente, da composição de sua cadeia
societária; e a propositura de reclamação, pela recorrente, alegando desrespeito à
decisão do STJ que suspendera a extensão dos efeitos da falência. Enfim, o que
se pode notar, a partir da liminar deferida, foi o elevado grau de litigiosidade
430
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
existente entre as partes, por um lado, e a ausência de resultado útil no que diz
respeito à demonstração, pela recorrente, de que não colaborou ativamente para
o desvio de patrimônio das empresas do grupo Petroforte.
A condução do processo, portanto, deu-se de modo a garantir o pleno
exercício, pela recorrente, de seu direito de defesa, não havendo que se falar em
violação dos arts. 213 do CPC e 11 e 12 do DL n. 7.661/1945.
III. c) A desconsideração de personalidade jurídica e suposta ausência
de grupo econômico. Alegação de violação dos arts. 50 do CC/2002 e 6º do
DL n. 7.661/1945;
Para além da falta de prévia citação, ou da necessidade de formação de
processo autônomo, a recorrente também impugna o acórdão recorrido sob o
fundamento de que não estaria autorizada, na espécie, a extensão do decreto
de falência porquanto: (i) esse procedimento somente seria autorizado na
hipótese em que estivesse caracterizada a existência de grupo econômico; (ii) a
desconsideração da personalidade jurídica seria instituto inaplicável, porquanto,
removido o suposto véu da sociedade Petroforte, não se descortinaria, por detrás
dela, como sócios, as empresas do grupo Securinvest. A violação, aqui, estaria
circunscrita à norma do art. 6º do DL n. 7.661/1945.
As duas alegações podem ser apreciadas em conjunto.
É importante frisar que a jurisprudência desta Corte tem se posicionado
no sentido de dispensar a propositura de ação autônoma para que se defira
a extensão dos efeitos da falência de uma sociedade a empresas coligadas,
consoante se vê nos seguintes precedentes: REsp n. 1.034.536-MG, Rel. Min.
Fernando Gonçalves, DJe de 16.02.2009; REsp n. 228.357-SP, Rel. Min. Castro
Filho, DJ de 19.12.2003; entre outros. Assim, em princípio, caracterizada a
coligação de empresas, a exigência de processo autônomo não se justificaria.
A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é, antes de mais
nada, uma questão fática. Portanto, o que tiver decidido o Tribunal a esse
respeito não pode ser revisto nesta sede por força do óbice da Súmula n. 7-STJ.
De todo modo, trata-se de um conceito societário. A coligação se
caracteriza, essencialmente, na influência que uma sociedade pode ter nas
decisões de políticas financeiras ou operacionais da outra, sem controlá-la.
Antigamente, a Lei das S/A dispunha, em seu art. 243, § 1º, acerca de um
montante fixo para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
431
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
empresas. Dizia que “são coligadas as sociedades quando um participa, com 10%
(dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la”. Esse percentual,
contudo, era fixado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput
desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no
relatório anual da administração. Na prática, contudo, independentemente de
um percentual fixo, o conceito de coligação está muito mais ligado a atitudes
efetivas que caracterizem a influência de uma sociedade sobre a outra. Há
coligação, por exemplo, sempre que se verifica o exercício de influência por força
de uma relação contratual ou legal, e em muitas situações até mesmo o controle
societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria
do capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com
significativa emissão de ações preferenciais sem direito a voto.
De todo modo, hoje a Lei das S/A modificou o critério anterior, justamente
adaptando-se ao que, na realidade, já era perfeitamente passível de ocorrer. Com
a modificação empreendida pela Lei n. 11.941/2009, o art. 243, § 1º, da Lei das
S/A passou a simplesmente prever que “são coligadas as sociedades nas quais a
investidora tenha influência significativa”. Essa influência, segundo o § 5º desse
artigo, incluído pela mesma Lei n. 11.941/2009 em consonância com a redação
anteriormente dada pela MP n. 449/2008, é presumida “quando a investidora
for titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem
controlá-la”.
Referidas disposições legais sequer foram cogitadas no recurso especial,
deixando ao ar as alegações da recorrente de violação de seu direito. De todo
modo, a cadeia societária descrita neste processo, não só em relação ao complexo
agroindustrial Sobar, mas em relação a diversos outros bens, demonstra a
existência de um modus operandi que evidencia a influência de um grupo de
sociedades (Grupo Securinvest, seja ele ou não integrante do mais amplo Grupo
Rural), sobre o outro (Petroforte).
Isso é especialmente significativo quando nos debruçamos sobre a operação
societária aqui descrita, consistente em arrendamento de bens, posterior
inadimplemento da arrendante, retomada judicial da garantia, constituição de
empresas para a administração desses bens e seu posterior redirecionamento a
sucessivas sociedades que, na forma, são aparentemente independentes, mas cujo
capital social é, na maioria das vezes, detido por sociedades off shore cuja efetiva
propriedade não é dado aos credores da massa falida conhecer. É significativo
notar inclusive que a influência de um grupo sobre outro se manifesta até
432
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
mesmo na constituição de uma sociedade (Turvo Participações Ltda.) cujo capital
era dividido entre o Grupo Securinvest e o Grupo Petroforte, para quem os bens
aqui discutidos foram inicialmente transferidos antes de serem repassados a
terceiros supostamente independentes.
É possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técnica da
desconsideração da personalidade jurídica, ainda que, para isso, seja necessário
dar-lhe nova roupagem. Para as modernas lesões, promovidas com base em
novos instrumentos societários, são necessárias soluções também modernas e
inovadoras. A desconsideração da personalidade jurídica é técnica desenvolvida
pela doutrina diante de uma demanda social, nascida da praxis, e justamente
com base nisso foi acolhida pela jurisprudência e pela legislação nacional.
Como sói ocorrer nas situações em que a jurisprudência vem dar resposta a um
anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do direito, referida
técnica tem de se encontrar em constante evolução para acompanhar todas as
mutações do tecido social e coibir, de maneira eficaz, todas as novas formas de
fraude mediante abuso da personalidade jurídica.
Inexiste, portanto, violação, nem do art. 50 do CC/2002, nem do art. 6º do
DL n. 7.661/1945.
III. d) A motivação do decreto de extensão da quebra e a ação revocatória.
Violação dos arts. 52 e 53 do DL n. 7.661/1945
Por fim, a recorrente alega que foram violados os arts. 52 e 53 do DL
n. 7.661/1945, porquanto o TJ-SP, ao corroborar a decisão que lhe estendeu
a quebra da Petroforte, teria se valido de motivos que somente autorizariam a
propositura de ação revocatória. Para ela, em primeiro lugar, “a recorrente não
poderia ter-se beneficiado de qualquer bem ou direito envolvido no processo de
falência da Petroforte”, porque “jamais celebrou negócio jurídico com qualquer
pessoa envolvida no processo falencial”. Além disso, “ainda que tivesse havido
essa transferência pretensamente fraudulenta, o fato não ensejaria a extensão da
falência, mas sim a ação revocatória conforme prescrição dos artigos 52 ou 53 da
Lei de Quebras”.
Há, aqui, duas questões independentes. A primeira delas, consubstanciada
na suposta inexistência de negócios jurídicos com a falida, não pode naturalmente
ser revista nesta sede por força do óbice dos Enunciados n. 5 e n. 7 da Súmula de
Jurisprudência do STJ. A segunda, consubstanciada na suposta necessidade de
discussão da matéria via ação revocatória, converge para o que já foi ponderado
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
433
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
acima: a jurisprudência do STJ tem considerado possível, sem ação autônoma,
estender os efeitos do decreto de falências a sociedades coligadas ao falido.
Não há, portanto, sob qualquer uma das óticas apontadas, violação a ser
corrigida nesta sede.
IV – Divergência jurisprudencial
O recurso, por fim, quanto à divergência, pauta-se pela alegada necessidade
de processo autônomo para implementar a extensão dos efeitos da falência, como
único instrumento passível de garantir o pleno exercício, pela recorrente, de seu
direito de defesa. Essa questão já foi apreciada acima, quando da análise do
recurso pela alínea a do permissivo constitucional. Assim, torna-se desnecessário
tecer maiores considerações sobre a matéria porquanto, ainda que conhecido o
recurso quanto à divergência, o seu resultado naturalmente convergirá para o
que já se decidiu quando da análise da violação a dispositivos de lei federal.
Forte nessas razões, conheço do recurso especial, mas lhe nego provimento.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, eu havia
recebido o voto antecipado de Sua Excelência, já havia tido a oportunidade
de fazer uma análise, e compareceram em audiência o síndico e o Advogado
que atua, que também referendaram alegações em memorial. Também recebi
memorial da outra parte e aqui tive a oportunidade de ouvir as excelentes
sustentações orais dos causídicos, e a bem colocada manifestação do Sr.
Subprocurador-Geral da República.
Essa questão pode ter parecido, a alguns, uma questão muito simples;
simples, mas consubstanciada, segundo se sustentou da tribuna, em quinhentos
volumes, envolvendo operações complexas, que redundaram em conclusões que
desaguaram no reconhecimento de manobras fraudulentas.
Estou, aqui, já manifestando o meu voto, porque aqui se contempla uma
nova faceta da teoria do disregard, sofisticada é verdade, com a participação de
offshores, no sentido de dar-se uma aparência de legalidade, de normalidade à
intenção deliberada em fraudar credores.
Na verdade, Sua Excelência, a Sra. Ministra Relatora, em percuciente
voto, como é do seu feitio, fez uma análise bem detida deste processo, não só
deste, mas dos processos que estão correlatos - na pauta temos mais dois ou três
434
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
casos, que versam sob hipótese um pouco diversa. Mas, aqui, como ressaltado
na doutrina, a caracterização da desconsideração assume multifacetária [...].
Não há um padrão, na verdade, essas tantas multifacetárias manifestações do
disregard são derivadas de situações ora simples, ora complexas.
Se olharmos a história da criação desse instituto, que vem do Direito
Norte-Americano do século XIX, ali, para poder caracterizar, vamos dizer, o
disregard, era uma manobra simplória, mas a evolução da interpretação dos
institutos chegou à necessidade de coibir essas manobras que, na verdade,
acobertam intenções manifestamente [...] e prejudiciais aos credores.
E, aqui, estamos vendo, em época de tecnologia, de transferência de
valores, de dados, em tempo real, a caracterização da constituição de empresas
aparentemente autônomas, mas que, na raiz, no fundo, acabam tendo a
participação das mesmas pessoas físicas que estão se alterando, no sentido de
dizer que não têm essa participação, que são meras operações normais.
Então, é uma grande oportunidade de analisarmos este caso, será até
mesmo um paradigma, um leading case, porque é muito complexo, mas mostra o
mecanismo em que se engendram essas operações.
O véu com que se pretendia dar a aparência de legalidade para não
caracterizar-se a desconsideração foi afastada, e o cerne dessa teoria do disregard
é exatamente afastar o véu de uma aparente normalidade.
Não se pode “tomar a nuvem com Juno”. É essa, mais ou menos, a tradução
em termos de Direito Comercial, da própria ética, da própria moral, em que
essas considerações redundaram na criação desse instituto que, aqui no Brasil,
foi aperfeiçoado, pela primeira vez, pela doutrina de Requião, nos idos de 1970.
Então, mais ou menos aqui a Sra. Ministra Nancy Andrighi atualiza, com
a sua experiência de Ministra, de Magistrada, com essa disposição em enfrentar
casos complicados, que demandaram, certamente, precioso tempo no Gabinete
e na residência de Sua Excelência. Quero cumprimentá-la, dizendo que a
extensão dos efeitos da falência se impõe e, nesse sentido, também acompanho
integralmente o voto brilhante de Sua Excelência.
Conheço do recurso especial, mas nego-lhe provimento.
ADITAMENTO AO VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Presidente): Srs. Ministros, aproveito
a oportunidade para complementar o meu voto oral porque, aqui, poder-seRSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
435
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ia pensar que a concessão de uma liminar, em medida cautelar incidental ao
recurso especial, como até mesmo foi aventado, poderia ser uma antecipação de
um provimento. Na verdade, longe disso.
Esta Turma, como também é do feitio do Tribunal, da Corte, ao conceder
essas liminares em matéria de incidente em recurso especial, com o nome
de cautelar, na verdade visa prestigiar os ornamentes constitucionais do
contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal.
Então, isso não significa dizer que quando alguém, um Ministro ou uma
Ministra, concede uma liminar, em caráter excepcionalíssimo, isso seja uma
proclamação de vitória. E a Sra. Ministra Nancy Andrighi também deixou isso
bem claro.
RECURSO ORDINÁRIO N. 89-BA (2009/0076537-0) (f)
Relator: Ministro Massami Uyeda
Recorrente: Raimundo Nonato de Souza
Advogado: João Floquet Azevedo e outro(s)
Recorrido: Fundo das Nações Unidas para a Infância Unicef
EMENTA
Recurso ordinário. Ação de indenização por danos materiais e
morais decorrentes de acidente do trabalho proposta pelo trabalhador
em face de organismo internacional (Unicef ). Discussão acerca da
instauração da jurisdição brasileira. Objeto recursal prejudicado.
Reconhecimento da incompetência da Justiça Comum. Emenda
Constitucional n. 45/2004. Litígio oriundo da relação de trabalho
e presença de organismo internacional. Inexistência de sentença de
mérito. Competência da Justiça do Trabalho. Recurso prejudicado e
declaração, de ofício, da incompetência da Justiça Comum.
I - De acordo com o Princípio da “perpetuatio jurisdicione”,
expressamente adotado pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 87, a
436
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
competência é definida no momento da propositura da ação, sendo
irrelevantes as alterações do estado de fato ou de direito ocorridas
posteriormente, “salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou
alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”;
II - Quando da proposição da presente ação, em junho de 2002,
as ações de indenização decorrentes de acidente do trabalho não
possuíam tratamento especializado pelo Constituinte, incidindo, por
conseguinte, no âmbito da competência residual da Justiça Comum,
entendimento que restou, inclusive, cristalizado no Enunciado n. 366
da Súmula do Superior Tribunal de Justiça;
III - Em razão da edição da Emenda Constitucional n. 45,
publicada no Diário Oficial da União, em 31.12.2004, a competência
que, até então, era da Justiça Comum (no caso dos autos, Federal,
ante a presença de organismo internacional), passou a ser da Justiça
Especializada do Trabalho. Operou-se, na verdade, mudança legislativa
que excepciona o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, pois, em
virtude da supracitada alteração legislativa, redefiniu-se, na hipótese
dos autos, a competência em razão da matéria;
IV - In casu, nos termos relatados, a ação indenizatória pelos
danos físicos e morais decorrentes de acidente de trabalho até o
presente momento não teve seu mérito decidido, na medida em que
o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção Judiciária
da Bahia-BA, então competente, extinguiu o processo sem julgamento
de mérito, o que, de acordo com a atual orientação jurisprudencial
desta Corte e do Pretório Excelso, autoriza o deslocamento dos autos
à Justiça do Trabalho, competente para conhecer da lide posta (ut
Súmula Vinculante n. 22 do STF);
V - Definido que as ações de indenização por danos morais
e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por
empregado contra empregador são oriundas da relação de trabalho
e, por isso, são da competência da Justiça especializada laboral, a
presença, num dos pólos da ação, de um organismo internacional (ente
de direito público externo), de acordo com o inciso I do artigo 114 da
Constituição Federal, com redação conferida também pela supracitada
Emenda Constitucional n. 45/2004, robustece a compreensão de
competir à Justiça do Trabalho o conhecimento do presente litígio;
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437
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VI - Ante a especialidade do litígio, proveniente da relação
de trabalho, não se pode negar a prevalência do inciso I do artigo
114 sobre o inciso II do artigo 109, ambos da Constituição Federal,
notadamente porque a competência da Justiça Comum é residual
em relação à competência das Justiças Especializadas, igualmente
definidas na Constituição Federal;
VII - Ante o reconhecimento da incompetência absoluta da
Justiça Comum, tem-se por prejudicado o conhecimento do presente
recurso ordinário. Assim, declara-se, de ofício, a incompetência absoluta
da Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os
atos decisórios até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios,
determinando a remessa dos autos a Justiça Trabalhista local.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Turma, por
unanimidade, declarar de ofício a incompetência absoluta da Justiça Comum
para conhecer do presente feito, anular os atos decisórios até então prolatados,
mantidos, todavia, os instrutórios e determinar a remessa dos autos à Justiça
Trabalhista local, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os
Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas
Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra.
Ministra Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 16 de agosto de 2011 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda, Relator
DJe 26.08.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Massami Uyeda: Cuida-se de recurso ordinário interposto
por Raimundo Nonato de Souza em face da sentença prolatada pelo r. Juízo de
Direito da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia, que julgou extinto o
processo, sem julgamento de mérito.
438
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Os elementos dos autos dão conta de que, em junho de 2002, Raimundo
Nonato de Souza promoveu, perante o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível
da Comarca de Salvador-BA, ação indenizatória pelos danos físicos e morais
suportados em decorrência de acidente de trabalho em face do Unicef - Fundo
das Nações Unidas para a Infância (fls. 02-06).
Em sua exordial, Raimundo Nonato de Souza aduziu, em suma, que
foi empregado do organismo internacional demandado, entre o período de
16.10.1992 a 30.03.1993, como motorista. Anota que, no dia 04.12.1992,
no exercício de seu ofício e da função que lhe fora determinada, ao conduzir
veículo de propriedade da Unicef, ante as más condições da pista e do tempo,
veio a sofrer um acidente automobilístico. Em razão de tal evento, requereu a
condenação da Unicef ao pagamento dos danos suportados à saúde (no importe
de R$ 800.000,00 [oitocentos mil reais]), os lucros cessantes (no valor de R$
108.000,00 [cento e oito mil reais]), a indenização trabalhista por despedida
sem justa causa (na quantia de R$ 5.926,00 [cinco mil, novecentos e vinte e
seis reais]), a lesão indireta, causada aos seus familiares (mensurada em R$
100.000,00 [cem mil reais]), os valores despendidos com exames e remédios
(consistentes em R$ 21.600,00 [vinte e um mil e seiscentos reais]), além de uma
pensão, na quantia de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), considerada a
expectativa de vida (fls. 02-06).
Citado, o Unicef, em “Nota Verbal” dirigida ao Ministério das Relações
Exteriores, por meio de ofício, assentou, no que importa à controvérsia, que
“o Fundo das Nações Unidas para a Infância goza dos privilégios e imunidade
em processos judiciais no país, como órgão regido pela legislação das Nações
Unidas” (fl. 80).
O r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de Salvador-BA, a
despeito de reconhecer, expressamente, que a Jurisdição Brasileira não alberga
o presente litígio, na parte dispositiva da sentença, reconheceu, tão-somente, a
incompetência do Juízo, determinando, após o transcurso do prazo recursal, a
remessa dos autos ao Ministério das Relações Exteriores, conforme dá conta o
seguinte excerto:
Com efeito, o art. II, Seção 2º, da mencionada Convenção, a qual o Brasil se
comprometeu a respeitar e cumprir ao promulgá-la, reza que a Organização das
Nações Unidas, da qual é a Unicef um órgão, gozará, dentre outros privilégios,
de imunidade de jurisdição, salvo se dela houver renunciado. No presente caso
não houve nenhuma manifestação de renúncia a tal privilégio, ao contrário,
[...]. Daí, pode-se afirmar, com segurança, não ter aplicação no caso concreto os
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439
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
dispositivos estatuídos nos incisos II e III, do artigo 109, da CF - 1988 que disciplina
a competência da Justiça Federal Brasileira para os litígios envolvendo organismos
internacionais, e por identidade de razão, nenhum outro, uma vez que o art. VIII,
Seção 30, da retrocitada Convenção fixa a competência da Corte Internacional
de Justiça para dirimir todas e quaisquer divergências dela decorrentes ou para
aplicar os seus postulados. Dessa forma, manifesta a incompetência da Justiça
Brasileira para processar e julgar o presente litígio uma vez que a Unicef a ela não
se encontra submetida por força das imunidades e privilégios de que goza.
Pelas razões expostas, declaro a incompetência absoluta deste Juízo para
processar e julgar a presente ação, tempo em que ordeno a remessa dos autos
para o Ministério das Relações Exteriores para as medidas que entender cabíveis,
após decorrido o prazo (fl. 129).
O Ministério das Relações Exteriores restituiu os autos ao Juízo de origem,
esclarecendo, por meio de ofício, à fl. 132, a impropriedade de tal remessa,
deixando assente que: “a atribuição legal do Ministério das Relações Exteriores
consiste apenas em servir de elemento de ligação entre o Poder Judiciário
Brasileiro e as Missões Diplomáticas e Repartições Consulares Estrangeiras
acreditadas no Brasil, não se responsabilizando, portanto, em dar ‘motu proprio’
seguimento processual ou manter, em seus arquivos, documentos originais
relativos a ações judiais” (fl. 132).
Ato contínuo, o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de
Salvador-BA, sob o argumento de que, tendo o Ministério das Relações
Exteriores asseverado a impossibilidade de enviar os presentes autos à Corte
Internacional de Justiça, entendeu que a decisão que declarou a incompetência
absoluta do Juízo restara prejudicada, ocasião em que reconheceu a competência
da Justiça Federal. É o que se denota da transcrição do decisum:
Tendo em vista o ofício de fls. 132-133, enviado pelo Ministério das Relações
Exteriores, o qual asseverou a impossibilidade do envio destes autos para a Corte
Internacional de Justiça, ofício este que foi em resposta à decisão de fls. 128-129
que declarou a incompetência absoluta desta Juízo, [...] tenho que tal decisão
restou prejudicada. Assim, como a presente lide envolve, de um lado, pessoa física
residente e domiciliada no Brasil e de outro, Organismo Internacional - Unicef,
e considerando qua a Constituição Federal de 1988, em seu art. 109, II, prevê
expressamente que a competência para processar e julgar este tipo de ação é da
Justiça Federal. [...]. Desta forma, considerando a incompetência absoluta deste
Juízo para processar e julgar esta demanda, ordeno a remessa destes autos para
a Justiça Federal, seção Bahia, para ser redistribuído para uma de suas Varas,
transcorrido o prazo para interposição de recurso (fl. 141).
440
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
Distribuído o processo ao r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da
Seção Judiciária da Bahia-BA, este extinguiu o processo sem julgamento de
mérito, “por ausência de um dos pressupostos de existência do processo, haja
vista a imunidade da jurisdição brasileira em confronto com o ‘status’ jurídico do
réu Unicef - Fundo das Nações Unidas para Infância, órgão vinculado à ONU,
e submetido à legislação que lhe é própria, nos termos do art. 11 do DecretoLei n. 4.657, de 04.09.1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), art. II, Seções
2 e 3 do Decreto n. 27.784, de 16.02.1950 (Convenção sobre Privilégios e
Imunidades das Nações Unidas), art. VII do Decreto n. 62.125, de 16.01.1968
(Acordo Intenacional entre o Unicef (Fisi) e o Governo Brasileiro) e art. 267,
inciso IV, e § 3º (fls. 152-157).
Dessa sentença, Raimundo Nonato de Souza interpôs, perante o Tribunal
Regional Federal da Primeira Região, recurso de apelação (fls. 159-166). O
ilustre Desembargador Relator, com lastro no artigo 105, inciso II, alínea c,
da Constituição Federal, entendeu que a competência para processar e julgar
recurso interposto contra sentença ou decisão em causas em que figura como
parte organismo internacional é do Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso ordinário. Por tal razão, o ilustre desembargador Relator declinou da
competência recursal para esta augusta Corte (fl. 192).
Em seu recurso ordinário, Raimundo Nonato de Souza sustenta, em
suma, que a imunidade de jurisdição de Estados Estrangeiros, assim como
dos organismos internacionais, não é absoluta, mas sim relativa, sendo o
Poder Judiciário Brasileiro, portanto, competente para julgar o presente litígio,
que versa sobre atos de gestão praticados pelo organismo internacional, ora
demandado (fls. 159-166).
O Ministério Público Federal ofertou parecer no sentido de conferir
provimento ao recurso (fls. 195-198).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): A celeuma instaurada no
presente recurso ordinário cinge-se em saber se a ação indenizatória pelos
danos físicos e morais, decorrentes de acidente de trabalho, promovida pelo ora
recorrente, Raimundo Nonato de Souza, em face do Unicef - Fundo das Nações
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
441
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Unidas para a Infância, organismo internacional, é ou não albergada pela
Jurisdição Brasileira.
Tal pronunciamento, entretanto, conforme se demonstrará, deve ficar à
cargo da Justiça Especializada Laboral.
Na verdade, é de se reconhecer, de ofício, a própria incompetência da
Justiça Comum para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios
até então prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios.
Com efeito.
De acordo com o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, expressamente
adotado pela Lei Adjetiva Civil, em seu artigo 87, a competência é definida no
momento da propositura da ação, sendo irrelevantes as alterações do estado de
fato ou de direito ocorridas posteriormente, “salvo quando suprimirem o órgão
judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia”.
Na espécie, nos termos relatados, subjaz ao presente recurso ordinário, ação
indenizatória pelos danos físicos e morais, decorrentes de acidente de trabalho,
promovida, em junho de 2002, pelo ora recorrente, Raimundo Nonato de Souza,
em face do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância, organismo
internacional.
Dos elementos da ação sub judice, para efeito de definição da competência,
merecem especial destaque, a causa de pedir, no caso, a alegada ocorrência de
danos decorrentes de acidente do trabalho, e a presença, num dos pólos da ação,
de um organismo internacional.
Quando da proposição da presente ação, em junho de 2002, as ações de
indenização decorrentes de acidente do trabalho não possuíam tratamento
especializado pelo Constituinte, incidindo, por conseguinte, no âmbito da
competência residual da Justiça Comum. Aliás, o entendimento consistente
no reconhecimento da competência da Justiça Comum para dirimir a ação de
indenização pelos danos materiais e morais em razão de acidente de trabalho
restou, inclusive, cristalizado no Enunciado n. 366 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça.
De acordo com o ordenamento jurídico vigente à época do ajuizamento da
ação, verifica-se que a presente ação encontrava-se no âmbito de competência
da Justiça Comum, restando definir, se da Justiça Comum Estadual, ou se da
Justiça Comum Federal. Na espécie, em atenção à presença de um organismo
internacional num dos pólos da ação, de acordo com o artigo 109, inciso II,
da Constituição Federal, a competência para conhecer da presente ação seria
442
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
da Justiça Comum Federal. Por oportuno, transcreve-se o referido preceito
constitucional:
Art. 109. Aos Juízes Federais compete processar e julgar:
[...]
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município
ou pessoa domiciliada ou residente no País;
Na hipótese dos autos, nos termos relatados, constata-se que a demanda
fora, inicialmente, promovida incorretamente perante a Justiça Comum Estadual.
É certo, também, que o r. Juízo de Direito da 12ª Vara Cível da Comarca de
Salvador-BA, a despeito de não ter observado a melhor técnica (especialmente
ao enviar os autos ao Ministério das Relações Exteriores), declinou de sua
competência à Justiça Federal, o que, de acordo com o ordenamento jurídico
então vigente, estaria correto.
Em janeiro de 2003, o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça Federal da Seção
Judiciária da Bahia-BA, por sua vez, extinguiu o processo sem julgamento de mérito,
por entender que o Unicef, na qualidade de organismo internacional, goza de
imunidade absoluta no território nacional, razão pela qual a Jurisdição Brasileira,
in casu, não se encontraria instaurada (fls. 152-157). Somente em 2009, em sede
recursal, o ilustre Relator Desembargador declinou da competência do Tribunal
Regional Federal para esta Corte (fl. 192).
Entretanto, nesse interregno, em razão da edição da Emenda
Constitucional n. 45, publicada no Diário Oficial da União em 31.12.2004, a
competência que, até então, era da Justiça Comum (no caso, Federal), passou
a ser da Justiça Especializada do Trabalho. Operou-se, na verdade, mudança
legislativa que excepciona o princípio da “perpetuatio jurisdicione”, pois, em
virtude da supracitada alteração legislativa, redefiniu-se, na hipótese dos autos, a
competência em razão da matéria.
De acordo com a Emenda Constitucional n. 45/2004, o artigo 114 da
Constituição Federal, que disciplina a competência da Justiça do Trabalho,
passou a ter a seguinte redação, no que importa à controvérsia:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
443
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
[...]
VI - As ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da
relação de trabalho;
Assim, diante dessa nova Ordem Constitucional, a então jurisprudência
que reconhecia a competência da Justiça Comum (Enunciado n. 366 da Súmula
do Superior Tribunal de Justiça) restou superada, inclusive, pelo Supremo
Tribunal Federal, que, por ocasião do julgamento do Conflito de Competência
n. 7.545-SC, Relator Ministro Eros Grau, DJe., reconheceu competir à Justiça
do Trabalho o julgamento de ação de indenização pelos danos provenientes
de acidente do trabalho, ainda que promovida pelos parentes do trabalhadorfalecido.
O marco temporal da competência da Justiça Trabalhista, na matéria em
apreço, é, portanto, o advento da Emenda Constitucional n. 45/2004. Ressaltese que, como política judiciária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal definiu
que as ações que tramitam perante a Justiça Comum dos Estados, com sentença
de mérito anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004,
devem lá permanecer até o trânsito em julgado e correspondente execução. Em
relação às ações cujo mérito ainda não foi apreciado, devem ser remetidas à
Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com o aproveitamento dos
atos praticados.
Por oportuno, transcreve-se a ementa do julgado da Corte Excelso que bem
explicita as demandas que, em virtude da edição da Emenda Constitucional n.
45/2004, devem ser deslocadas à Justiça do Trabalho:
Constitucional. Competência judicante em razão da matéria. Ação de
indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho,
proposta pelo empregado em face de seu (ex-) empregador. Competência da
Justiça do Trabalho. Art. 114 da Magna Carta. Redação anterior e posterior à
Emenda Constitucional n. 45/2004. Evolução da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal. Processos em curso na Justiça Comum dos Estados. Imperativo
de política judiciária.
1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro,
o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos
morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas
pelo empregado contra seu (ex-) empregador, eram da competência da Justiça
Comum dos Estados-Membros.
2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana
de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114,
444
Jurisprudência da TERCEIRA TURMA
já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela
primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa
verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das
Constituições anteriores.
3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária - haja vista o
significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias
ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa –, o Plenário decidiu,
por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça Trabalhista é o
advento da EC n. 45/2004. Emenda que explicitou a competência da Justiça
Laboral na matéria em apreço.
4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça Comum
Estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que
tramitam perante a Justiça Comum dos Estados, com sentença de mérito anterior
à promulgação da EC n. 45/2004, lá continuam até o trânsito em julgado e
correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado,
hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram,
com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em
razão das características que distinguem a Justiça Comum Estadual e a Justiça
do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata
correlação.
5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana,
pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às
suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que
proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione
materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais
que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.
6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito n.
687, Sessão Plenária de 25.08.1999, ocasião em que foi cancelada a Súmula n.
394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões
proferidas na vigência do verbete.
7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos
ao Tribunal Superior do Trabalho (CC n. 7.204-MG, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de
09.12.2005).
Entendimento, aliás, que, em 11.12.2009, restou cristalizado na Súmula
Vinculante n. 22, in verbis: “A Justiça do Trabalho é competente para processar
e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes
de acidente do trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive
aquelas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau quando
da promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004”.
RSTJ, a. 23, (224): 321-446, outubro/dezembro 2011
445
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
In casu, nos termos relatados, a ação indenizatória pelos danos físicos e
morais decorrentes de acidente de trabalho até o presente momento não teve
seu mérito decidido, na medida em que o r. Juízo da 13ª Vara Cível da Justiça
Federal da Seção Judiciária da Bahia-BA, então competente, extinguiu o processo
sem julgamento de mérito, o que, de acordo com a orientação jurisprudencial desta
Corte e do Pretório Excelso, autoriza o deslocamento dos autos à Justiça do
Trabalho, competente para conhecer da lide posta.
Ademais, definido que as ações de indenização por danos morais e
patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho propostas por empregado
contra empregador são oriundas da relação de trabalho e, por isso, são da
competência da Justiça especializada laboral, a presença, num dos pólos da ação,
de um organismo internacional (ente de direito público externo), de acordo com
o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal, com redação conferida também
pela supracitada Emenda Constitucional n. 45/2004, robustece a compreensão
de competir à Justiça do Trabalho o conhecimento do presente litígio. Por
oportuno, transcreve-se o inciso I do artigo 114 da Constituição Federal:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Aliás, ante a especialidade do litígio, proveniente da relação de trabalho,
não se pode negar a prevalência do inciso I do artigo 114 sobre o inciso II do
artigo 109, ambos da Constituição Federal, notadamente porque a competência
da Justiça Comum (Federal) é residual em relação à competência das Justiças
Especializadas, igualmente definidas na Constituição Federal.
Ante o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Comum,
tem-se por prejudicado o conhecimento do presente recurso ordinário.
Assim, declara-se, de ofício, a incompetência absoluta da Justiça Comum
para conhecer do presente feito, anulando-se os atos decisórios até então
prolatados, mantidos, todavia, os instrutórios, determinando-se a remessa dos
autos a Justiça Trabalhista local.
É o voto.
446
Quarta Turma
AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR N. 18.432-SP
(2011/0218651-0)
Relator: Ministro Marco Buzzi
Agravante: Manoel Domingues da Silva
Agravante: Tereza Fortunato da Silva
Advogado: Fernando Rodrigues
Agravado: Companhia de Habitação Popular de Bauru - Cohab Bauru
Advogado: Roberto Antônio Claus
EMENTA
Agravo regimental em medida cautelar. Pretensão voltada à
atribuição de efeito suspensivo a recurso especial pendente de juízo de
admissibilidade perante o Tribunal a quo. Inexistência de teratologia
do decisum estadual ou manifesto confronto com jurisprudência desta
Corte. Fumus boni juris necessário à excepcional concessão da medida
não demonstrado. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe
Salomão (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.
Brasília (DF), 06 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Marco Buzzi, Relator
DJe 14.10.2011
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de agravo regimental, interposto
por Manoel Domingues da Silva e Tereza Fortunato da Silva contra decisão
monocrática deste relator, que indeferiu a petição inicial, negando seguimento à
medida cautelar, ante a ausência de fumus boni juris.
Os ora agravantes reiteram os argumentos invocados no recurso especial,
sustentando que o “efeito suspensivo visa impedir o uso desproporcional do
direito da resolução do contrato por parte da agravada, impedindo a rescisão
em prol da preservação do contrato, levando em consideração os princípios
da boa-fé e da função social do contrato, principalmente, diante da teoria do
adimplemento substancial do contrato (...)” (fl. 195, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): Sem razão os insurgentes,
impondo-se o desprovimento do agravo regimental.
Com efeito, a competência do STJ para a apreciação de ação cautelar,
objetivando a concessão de efeito suspensivo a recurso especial, instaura-se,
a rigor, após a realização do juízo de admissibilidade no Tribunal de origem,
consoante se infere dos Verbetes n. 634 e n. 635 da Súmula do STF.
Súmula n. 634 – Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida
cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi
objeto de juízo de admissibilidade na origem.
Súmula n. 635 – Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido
de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de
admissibilidade.
In casu, conforme alegação dos próprios requerentes (fl. 04, e-STJ), o
recurso especial interposto pende de análise do juízo de admissibilidade pela
Corte Estadual.
Desta feita, a admissibilidade da medida cautelar encontra-se condicionada
à demonstração de teratologia ou manifesto confronto do acórdão recorrido com
jurisprudência consolidada na Corte, pois, do contrário, incide o entendimento
de que “a competência do STJ para a apreciação de ação cautelar, objetivando
450
Jurisprudência da QUARTA TURMA
a concessão de efeito suspensivo a recurso especial, instaura-se, a rigor, após
a realização do juízo de admissibilidade no Tribunal de origem, consoante
se infere dos Verbetes n. 634 e n. 635 da Súmula do STF” (AgRg na MC n.
18.395-SP, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 4ª Turma, j. em 15.09.2011).
No mesmo sentido:
Processual Civil. Medida cautelar. Atribuição de efeito suspensivo a recurso
especial pendente do juízo de admissibilidade na origem. Impossibilidade.
Súmulas n. 634 e n. 635-STF.
1. Compete ao Tribunal de origem a apreciação de medida cautelar destinada
a conferir efeito suspensivo a recurso especial ainda pendente de juízo de
admissibilidade. Súmulas n. 634 e n. 635-STF.
2. Incabível o abrandamento dos comandos sumulares retro, quando não
evidenciado o caráter teratológico da decisão estadual impugnada.
3. Carece de interesse processual a parte que postula o “imediato
processamento do recurso especial” sem comprovar tenha a Corte de origem
determinado a aplicação da regra retentiva constante no art. 542, § 3º, do Código
de Processo Civil.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg na MC n. 17.399-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha).
Na espécie, conforme fundamentação constante do decisum atacado, o
aresto emanado do Tribunal de origem não contém solução jurídica teratológica,
sendo descabida, portanto, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial,
por esta Corte, previamente ao juízo de admissibilidade a ser realizado em sede
estadual.
Por brevidade, vale a transcrição do decisum hostilizado, no que interessa,
para confirmação ante esta colenda Turma:
A própria requerente afirma, já em sua exordial, encontrar-se ainda pendente
o exercício do exame de admissibilidade do Recurso Especial interposto junto ao
Tribunal a quo.
Nesse estágio processual, portanto, a concessão da medida cautelar, para
conferir efeito suspensivo a recurso sequer admitido, pressupõe a aferição da
existência de decisão teratológica ou manifestamente contrária à jurisprudência
deste Superior Tribunal de Justiça.
Sobre o tema, vale conferir pronunciamentos desta Casa: 1) AgRg na MC n.
13.123-RJ, Rel. Min. Nancy; Andrighi, Terceira Turma, DJ 08.10.2007; 2) AgRg na MC
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
451
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
n. 12.595-SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 03.05.2007; 3) AgRg
na MC n. 17.818-PB, rel Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJ 28.06.2011.
No caso concreto, não se vislumbra teratologia ou manifesto conflito entre o
que restou decidido no acórdão atacado e a jurisprudência deste STJ.
Com efeito, a matéria principal alegada no Recurso Especial diz com a falta de
antecedente notificação dos devedores a lhes constituir em mora previamente à
deflagração do pedido de cumprimento de sentença.
Todavia, para defender referida argumentação, citam os requerentes artigos
concernentes à execução de título extrajudicial, os quais não se coadunam à
hipótese concreta discutida nos autos, que versa sobre cumprimento de título
judicial, hipótese na qual o devedor já se encontra constituído em mora desde a
citação (art. 219 do CPC).
De resto, analisando as demais teses suscitadas no Recurso Especial, não
se verifica, primo oculi, em nenhuma delas, plausibilidade jurídica suficiente a
derrubar a inadimplência dos devedores, daí por que não há falar em acórdão
teratológico ou confrontante à jurisprudência pacífica deste STJ.
Logo, não se verifica a existência do fumus boni juris indispensável ao
ajuizamento da medida cautelar em sede de Recurso Especial, que ainda sequer
teve seu processamento admitido no Tribunal local.
Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.181.920-MG
(2010/0032109-3)
Relator: Ministro Marco Buzzi
Agravante: Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A
Advogados: Juliana dos Santos Caetano
Márcio Alexandre Malfatti
Patricia Carrilho Corrêa Gabriel Freitas e outro(s)
Agravado: Tarcisio dos Santos Balbino
Advogado: Joaquim Celestino Soares Pereira e outro(s)
452
Jurisprudência da QUARTA TURMA
EMENTA
Agravo regimental em recurso especial. Ação de cobrança
lastrada em contrato de seguro. Pretensão cujo exercício prescreve em
prazo ânuo. Suspensão de sua fluência entre a data da comunicação
do sinistro em sede administrativa e posterior recusa de pagamento.
Súmula n. 229-STJ. Análise da contagem do prazo realizada no
Tribunal a quo. Impossibilidade por demandar o reexame de aspectos
fáticos da lide. Incidência da Súmula n. 7. Recurso desprovido.
I. “A ação de indenização do segurado em grupo contra a
seguradora prescreve em um ano”. - Súmula n. 101-STJ.
II. “O pedido do pagamento de indenização à seguradora
suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da
decisão”. - Súmula n. 229-STJ.
III. “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de
indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da
incapacidade laboral”. - Súmula n. 278-STJ.
IV. Rever o confronto de datas promovido pelas instâncias
ordinárias, cuja investigação levou em consideração as provas
coligidas no iter processual para aferir a fluência do prazo prescritivo,
demandaria revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível
na via recursal eleita, como cristalizado no Verbete n. 7 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
V. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe
Salomão (Presidente), Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Raul Araújo.
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
453
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília (DF), 06 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Marco Buzzi, Relator
DJe 14.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Buzzi: Trata-se de agravo regimental, interposto por
Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S/A contra decisão monocrática
do eminente Ministro João Otávio de Noronha, que negou seguimento a recurso
especial. Transcreve-se a ementa do decisum hostilizado (fl. 296 e-STJ):
Civil. Seguro. Ação do segurado contra seguradora. Indenização securitária.
Prescrição ânua. Reexame de provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ.
1. O prazo prescricional decorrente de contrato de seguro tem início na data
em que o segurado tem conhecimento inequívoco do sinistro (Súmula n. 278STJ), ficando suspenso entre a comunicação do sinistro e a recusa ao pagamento
da indenização.
2. O recurso especial não é via própria para a apreciação de questão relativa
ao decurso do prazo prescricional, pois, para tanto, é necessário o reexame dos
elementos probatórios considerados para a solução da controvérsia.
3. Recurso especial não conhecido.
A ora agravante assevera que não há necessidade de nova análise do
conjunto fático-probatório para o reconhecimento da prescrição. Reitera os
argumentos lançados no recurso especial, mediante os quais sustenta que o
pedido administrativo do segurado, não suspende o prazo prescricional para o
exercício da pretensão de cobrança.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Buzzi (Relator): Sem razão a agravante, impondo-se
o desprovimento do agravo regimental.
Como bem anotado na brilhante decisão do eminente Ministro João
Otávio de Noronha, relator originário, de acordo com precedentes deste Superior
Tribunal de Justiça, o marco inicial da contagem do prazo prescricional ânuo é a
454
Jurisprudência da QUARTA TURMA
data em que o segurado tem inequívoca ciência de sua incapacidade laborativa,
sendo que este interregno permanece suspenso entre a data da comunicação do
sinistro, e a recusa do pagamento da indenização por parte da seguradora.
Outrossim, rever o confronto de datas promovido pelas instâncias
ordinárias, cuja investigação levou em consideração as provas coligidas no iter
processual, de modo a definir a fluência do prazo prescricional, demandaria
revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível na via recursal eleita,
como cristalizado no Verbete n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido:
Civil e Processo Civil. Violação do art. 535 do CPC. Não ocorrência. Seguro.
Ação do segurado contra seguradora. Indenização securitária. Prescrição ânua.
Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Livre convencimento do julgador.
Reexame de provas. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Aplicação de multa. Art. 557,
§ 2º, CPC.
1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado
pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa,
congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.
2. O prazo prescricional decorrente de contrato de seguro tem início na data
em que o segurado tem conhecimento inequívoco do sinistro (Súmula n. 278STJ), ficando suspenso entre a comunicação do sinistro e a recusa ao pagamento
da indenização.
3. O recurso especial não é via própria para a apreciação de questão relativa
ao decurso do prazo prescricional, pois, para tanto, é necessário o reexame dos
elementos probatórios considerados para a solução da controvérsia.
4. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ quando a apreciação da tese versada no
recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao
longo da demanda.
5. Cabe aplicação da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC na hipótese de
recurso manifestamente improcedente e procrastinatório.
6. Agravo regimental desprovido.
AgRg no REsp n. 1.236.485-SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha,
Quarta Turma, DJe 09.08.2011).
Contrato de seguro de vida em grupo. Embargos de declaração recebidos
como agravo regimental. Reexame de provas em sede de recurso especial.
Inviabilidade.
1. Orienta a Súmula n. 7 desta Corte que a pretensão de simples reexame de
provas não enseja recurso especial.
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
455
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. O prazo de prescrição para ajuizamento da ação de indenização relativa a
seguro de vida poderá iniciar-se a partir da concessão de aposentadoria pelo INSS
como termo inicial do prazo prescricional.
3. No caso, portanto, diante da moldura fática apurada pela Corte local,
ainda que o requerimento administrativo possa suspender a fluência do prazo
prescricional, não há como afastar a sua ocorrência.
4. Agravo regimental não provido.
(EDcl no REsp n. 856.596-SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta
Turma, DJe 09.08.2011).
Do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 494.183-SP (2002/0155865-3)
Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti
Recorrente: Nelinho Candido Moutim
Advogado: Roberto Dias Vianna de Lima e outro
Advogada: Andrea Helena Costa Prieto e outro(s)
Recorrido: Rede Ferroviária Federal S/A - RFFSA - em liquidação
extrajudicial
Advogado: Marcia Rodrigues dos Santos e outro(s)
EMENTA
Civil e Processual Civil. Recurso especial. Responsabilidade civil.
Atropelamento em via férrea. Morte de transeunte. Concorrência de
culpas da vítima e da empresa ferroviária. Dano moral. Juros de mora.
Termo inicial. Data do arbitramento. 13º salário. Não comprovação de
exercício de atividade remunerada pela vítima. Improcedência. Pensão
devida ao filho da vítima. Limite etário.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece
a concorrência de culpas da vítima de atropelamento em via férrea e
456
Jurisprudência da QUARTA TURMA
da concessionária de transporte ferroviário, porquanto cabe à empresa
fiscalizar e impedir o trânsito de pedestres nas suas vias.
2. Dano moral fixado em razão da perda da genitora em valor
condizente com a linha dos precedentes do STJ.
3. Não comprovado o exercício de atividade remunerada pela
vítima, não procede o pedido de 13º salário.
4. Pensionamento devido até a idade em que o filho menor da
vítima completa 25 anos, conforme precedentes do STJ.
5. A correção monetária deve incidir a partir da fixação de valor
definitivo para a indenização do dano moral. Enunciado n. 362 da
Súmula do STJ.
6. Os juros moratórios devem fluir, no caso de indenização por
dano moral, a partir da data do julgamento em que foi arbitrada
a indenização (REsp n. 903.258-RS, 4ª Turma, Rel. Min. Isabel
Gallotti, julgado em 21.06.2011).
7. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial,
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido em parte o Ministro Luis
Felipe Salomão, no tocante ao termo inicial dos juros dos danos morais. Os Srs.
Ministros Antonio Carlos Ferreira, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). Andrea Helena Costa Prieto, pela parte recorrente: Nelinho
Candido Moutim.
Brasília (DF), 1º de setembro de 2011 (data do julgamento).
Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora
DJe 09.09.2011
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Nelinho Cândido Moutim ajuizou
ação de reparação de danos em face da Rede Ferroviária Federal S/A, alegando
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
457
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
responsabilidade da ré no acidente envolvendo composição férrea que resultou
na morte de sua mãe.
Pleiteou a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos
morais, pensões mensais vencidas e vincendas, 13º salário, constituição de
capital garantidor, juros de mora e correção monetária sobre todas as verbas
indenizatórias.
O MM. Juiz da 13ª Vara Cível Central de São Paulo julgou improcedente
o pedido, ao fundamento de que houve culpa exclusiva da vítima no sinistro, que
teria agido com imprudência e descuido ao caminhar sobre o leito ferroviário
(fls. 238-243).
Inconformado, o autor interpôs apelação cível, alegando que a Rede
Ferroviária falhou no dever de fiscalizar e vigiar a via férrea, devendo, por isso,
ser responsabilizada pelo evento fatal.
Contra-razões da apelada às fls. 267-271, requerendo o julgamento do
agravo retido em que alegou cerceamento de defesa por de ter sido indeferida a
coleta do depoimento do maquinista do trem.
O Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo negou
provimento à apelação e ao agravo retido, em acórdão que recebeu a seguinte
ementa (fl. 281):
Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Atropelamento de pedestre.
Depoimento do condutor do trem. Desnecessidade. Cerceamento de defesa
inocorrente. Culpa exclusiva da vítima que caminhava sobre a linha férrea.
Indenizatória improcedente. Recursos improvidos.
O autor, então, interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, III,
alínea c, da Constituição Federal, sustentado a culpa da empresa ferroviária
no acidente que vitimou sua mãe, ao argumento de que é ônus da ré cercar e
fiscalizar a linha férrea. Ressaltou que não foi cumprida a determinação contida
no art. 10 do Decreto n. 2.080/1963, no sentido de cercar a faixa ocupada por
suas linhas, conservando cercas, muros ou valas para impedir a circulação de
pessoas no leito férreo.
Contrarrazões às fls. 327-349, pugnando pela aplicação das Súmulas n.
282-STF e n. 7-STJ ao recurso especial.
Juízo prévio positivo de admissibilidade à fl. 397.
458
Jurisprudência da QUARTA TURMA
A decisão denegatória do recurso especial de fls. 413-414, proferida pelo
Desembargador Convocado Honildo Amaral de Mello Castro, foi impugnada
pelo agravo regimental de fls. 420-424 e reconsiderada por esta relatora à fl. 426.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti (Relatora): Como se vê do
relatório, trata-se de recurso especial em que o recorrente aponta divergência
jurisprudencial entre o acórdão recorrido e precedentes desta Corte, quanto à
responsabilidade da ferrovia nos atropelamentos em via férrea.
Tenho por demonstrado o dissídio invocado. Passo, pois, ao exame do
recurso.
I
No tocante à culpa pelo acidente, colhe-se da leitura da sentença (fls. 240243) que, no dia 12.02.1984, a vítima, mãe do autor, caminhava pela linha do
trem quando foi atropelada por uma composição da ré, vindo a falecer.
Depreende-se dos autos, também, que o acidente ocorreu nas proximidades
de estação ferroviária provida de passagem de nível para pedestres.
Ocorre que a presença de passagem para transeuntes, por si só, não retira a
responsabilidade da concessionária, pois a empresa deveria ter mantido fechados
outros acessos, mesmo que clandestinamente abertos por populares, pois cuidase de área urbana, questão, aliás, que não é meramente fática, mas de direito.
Confira-se nesse sentido:
Responsabilidade civil. Ferrovia. Passagem clandestina. Concorrência de culpa.
A companhia ferroviária tem o dever de cuidado e conservação de cercas e
muros que ergue ao longo das linhas férreas, não podendo permitir o uso de
passagem clandestina pelos moradores próximos da estrada. A existência de
passarela, que poderia ter sido utilizada para a travessia, caracteriza a culpa
concorrente da vítima. Precedentes.
Recurso conhecido e provido em parte.
(REsp n. 480.357-SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado
em 18.02.2003, DJ 15.09.2003, p. 326).
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
459
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Civil e Processual. Ação de indenização. Atropelamento em via férrea. Morte
de ciclista. Passagem clandestina. Existência de passagem de nível próxima.
Concorrência de culpas da vítima e da empresa concessionária de transporte.
Danos materiais e morais devidos. Pensão. Juros moratórios. Súmula n. 54-STJ.
Constituição de capital ou caução fidejussória.
I. Inobstante constitua ônus da empresa concessionária de transporte
ferroviário a fiscalização de suas linhas em meios urbanos, a fim de evitar a
irregular transposição da via por transeuntes, é de se reconhecer a concorrência
de culpas quando a vítima, tendo a sua disposição passagem de nível construída
nas proximidades para oferecer percurso seguro, age com descaso e imprudência,
optando por trilhar caminho perigoso, levando-o ao acidente fatal.
(...)
VI. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp n. 622.715-SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
julgado em 24.08.2010, DJe 23.09.2010).
Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Vítima fatal. Culpa concorrente.
Danos morais e materiais. Proporcionalidade.
Neste Superior Tribunal de Justiça, prevalece a orientação jurisprudencial
no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte
ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem
em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e
fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua invasão por terceiros,
notadamente em locais urbanos e populosos. Nesses casos, é reconhecida a culpa
concorrente da vítima que, em razão de seu comportamento, contribuiu para o
acidente, por isso a indenização deve atender ao critério da proporcionalidade,
podendo ser reduzida à metade.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 257.090-SP, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em
16.12.2003, DJ 1º.03.2004, p. 178).
Não se pode desconhecer, contudo, que houve descuido da vítima ao
transitar pela linha férrea, fator que deve ser considerado na avaliação do grau de
culpa da empresa.
Em vista disso, o pedido de indenização mostra-se parcialmente
procedente, sendo o caso de aplicar-se o art. 257 do RISTJ, para fazer incidir o
direito pertinente em face do pedido exordial, examinando-se o cabimento das
verbas postuladas.
460
Jurisprudência da QUARTA TURMA
II
O pedido de indenização por dano moral formulado pelo autor merece
acolhida, pela obviedade da lesão moral sofrida com a perda de sua genitora.
A jurisprudência do STJ tem fixado como indenização de dano moral
em caso de morte o valor em moeda corrente situado por volta de 500 salários
mínimos (cf. entre outros, REsp n. 1.021.986-SP, Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão, Quarta Turma, DJe 27.04.2009; REsp n. 959.780-CE, Rel. Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 06.05.2011; REsp n. 731.527SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, DJe 17.08.2009).
Aqui, considerada a culpa recíproca, fixo a indenização em R$ 136.000,00
(cento e trinta e seis mil reais), a ser corrigida a partir da presente data pelos
índices oficiais aplicáveis à espécie (Súmula n. 362-STJ).
III
Quanto ao pedido de 13º salário, o quadro fático descrito nos autos
reflete que o autor perdeu sua mãe em tenra idade, não havendo, entretanto,
comprovação de que a vítima exercia atividade remunerada de doméstica/
diarista, como alegado na inicial. Ao contrário, consta do depoimento de
testemunha arrolada pelo autor (fls. 167) que a vítima à época “cuidava da
família, que era sustentada pelo marido”.
Indevido, portanto, o 13º salário.
IV
Já com relação ao pensionamento, o entendimento jurisprudencial desta
Corte é no sentido de que, no caso de morte de genitor(a), é devida pensão
aos filhos no valor de um salário mínimo, caso a vítima não exerça trabalho
remunerado. A propósito:
Recurso especial. Ação de indenização. Danos materiais e morais. Acidente de
trânsito. Pensionamento. Exercício de atividade remunerada. Fixação em salário
mínimo. Precedentes da Corte.
I - A jurisprudência desta Corte orienta que “o fato de a vítima não exercer
atividade remunerada não nos autoriza concluir que, por isso, não contribuía ela com
a manutenção do lar, haja vista que os trabalhos domésticos prestados no dia-a-dia
podem ser mensurados economicamente, gerando reflexos patrimoniais imediatos”
(REsp n. 402.443-MG, Rel. Min. Castro Filho, DJ 1º.03.2004).
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
461
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
II - Quanto à vinculação da pensão ao salário mínimo, a fim de evitar distorções,
é possível em razão de seu caráter sucessivo e alimentar e, por esse motivo que,
“segundo a jurisprudência dominante no C. Supremo Tribunal Federal e nesta
Corte, admissível é fixar-se a prestação alimentícia com base no salário-mínimo”
(REsp n. 85.685-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 17.03.1997).
III - A Agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a
conclusão alvitrada, que está em consonância com a jurisprudência consolidada
desta Corte, devendo a decisão ser mantida por seus próprios fundamentos.
Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.076.026-DF, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,
julgado em 20.10.2009, DJe 05.11.2009, grifei).
Tenho por devida, assim, a pensão mensal, a título de dano material, no
valor correspondente a um salário mínimo desde o óbito até a data em que o
autor completou 25 anos de idade. Registro que a jurisprudência deste Tribunal
estabelece ser devido o pensionamento até a data em que os descendentes
beneficiários completarem 25 anos de idade. Note-se:
Agravo regimental. Agravo de instrumento. Responsabilidade civil. Danos
morais. Acidente de veículo. Omissões no acórdão. Inexistência. Denunciação
da lide. Seguradora. Obrigatoriedade. Perda do direito de regresso. Ausência.
Pensionamento mensal. Morte do pai dos agravados. Termo final. Decisão
agravada mantida. Improvimento.
(...)
III - A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que termo ad quem
da pensão devida aos filhos menores em decorrência do falecimento do genitor
deve alcançar a data em que os beneficiários completem vinte e cinco anos de
idade, quando se presume concluída sua formação.
Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag n. 1.190.904-SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado
em 27.10.2009, DJe 06.11.2009).
Recurso especial. Civil e Processual Civil. Morte do pai e marido dos recorridos.
Pensão mensal. Termo final. Dano moral. Redução. Súmula n. 7-STJ. Verba
honorária. Base de cálculo. Justiça gratuita. Suspensão do pagamento. Atualização
do valor devido. Indexação ao salário mínimo. Não-cabimento. Súmula n. 284-STF.
Deficiência na fundamentação. Divergência jurisprudencial. Súmula n. 83-STJ.
Omissão no acórdão recorrido. Inexistência.
1. A pensão mensal a ser paga ao filho menor, fixada em razão do falecimento
do seu genitor em acidente de trânsito, deve estender-se até que aquele complete
25 anos.
462
Jurisprudência da QUARTA TURMA
(...)
8. Recurso especial não-conhecido.
(REsp n. 586.714-MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma,
julgado em 03.09.2009, DJe 14.09.2009).
Direito Civil e Processual Civil. Acidente ferroviário. Vítima fatal. Culpa
concorrente. Indenização por danos materiais e morais.
(...)
4. A pensão mensal fixada, a título de danos materiais, à luz do disposto no
art. 945 do CC/2002, é devida a partir da data do evento danoso em se tratando
de responsabilidade extracontratual, até a data em que o beneficiário - filho da
vítima - completar 25 anos, quando se presume ter concluído sua formação.
Precedentes.
(...)
9. Recurso especial parcialmente provido, com o afastamento da incidência da
multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC.
(REsp n. 1.139.997-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
15.02.2011, DJe 23.02.2011).
Em face da culpa recíproca, entretanto, a verba referente ao pensionamento
será devida pela ré à razão de 50% (cinquenta por cento), ou seja, pela metade
do seu total.
V
O pedido de constituição de capital para assegurar o pagamento de pensão
encontra suporte na Súmula n. 313 do STJ, que estabelece:
Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição
de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão,
independentemente da situação financeira do demandado.
No caso dos autos, entretanto, mostra-se desnecessária a constituição desse
fundo, pois, em razão da idade atual do autor - mais de 25 anos - não há que se
falar em prestações vincendas a serem garantidas.
VI
Quanto aos juros moratórios incidentes sobre a indenização por dano
moral, a Quarta Turma, em recente pronunciamento acerca da matéria, nos
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
463
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
autos do REsp n. 903.258-RS (julgado em 21.06.2011), de minha relatoria,
reviu seu posicionamento concluindo que a indenização por dano moral puro
(prejuízo, por definição, extrapatrimonial) somente passa a ter expressão em
dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou. Isso porque a ausência de
seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão
imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o
quisesse, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral, sem
base de cálculo, não traduzida em dinheiro por sentença judicial, arbitramento
ou acordo (CC/1916, art. 1.064). Pertinente a transcrição, por esclarecedor da
questão, de parte do voto condutor do acórdão do referido precedente:
Na linha da jurisprudência sumulada no STJ, tratando-se de responsabilidade
extracontratual, os juros de mora fluem desde a data do evento danoso (Súmula
n. 54). Orienta-se a jurisprudência no sentido de que este enunciado aplica-se
também no caso de indenização por dano moral (cf, entre diversos outros, o
acórdão no EDREsp n. 295.175, 4ª Turma, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo).
Por outro lado, cuidando-se de responsabilidade contratual, os juros de mora
contam-se a partir da citação (Código Civil de 1916, art. 1.536, § 2º). Nesse sentido,
entre muitos outros, REsp n. 651.555-MT, rel. Ministro Aldir Passarinho, DJe
16.11.2009).
No caso dos autos, o fundamento da imposição de responsabilidade ao
Hospital foi a relação contratual mantida com o autor e seus pais, na qual se
compreendia o dever de prestar serviço a salvo de infecções hospitalares.
Embora tenha eu seguido a linha da jurisprudência acima sumariada,
conforme precedentes invocados no bem elaborado memorial oferecido pelo
autor, a solução adotada pelo acórdão recorrido me faz presente a necessidade de
repensar a questão.
Com efeito, a questão do termo inicial dos juros de mora no tocante ao
pagamento de indenização por dano moral, seja o seu fundamento contratual
ou extracontratual, merece ser reexaminada, tendo em vista as peculiaridades
deste tipo de indenização. E o presente caso presta-se como uma luva para o
reexame da questão, sem que a mudança de jurisprudência seja prejudicial aos
interessados, pois há recurso especial de ambas as partes, o autor pretendendo
o aumento da indenização e o réu a sua diminuição, de forma que o exame da
própria base de cálculo da condenação foi devolvido ao STJ e não apenas o termo
inicial dos juros de mora e da correção monetária.
Considero que, em se tratando de indenização por dano moral, da mesma
forma como não se aplica a pacífica jurisprudência do STJ segundo a qual “incide
correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”
(Súmula n. 43), na linha do entendimento consagrado na Súmula n. 362, também
464
Jurisprudência da QUARTA TURMA
não deve ser invocada a Súmula n. 54, de acordo com a qual “os juros moratórios
fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.
Isto porque como a indenização por dano moral (prejuízo, por definição,
extrapatrimonial) só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial
que a arbitrou, não há como incidir, antes desta data, juros de mora sobre quantia
que ainda não fora estabelecida em juízo.
Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano
moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele
não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial,
arbitramento, ou acordo entre as partes. Incide, na espécie, o art. 1.064 do Código
Civil de 1916, segundo o qual os juros de mora serão contados “assim às dívidas
de dinheiro, como às prestações de outra natureza, desde que lhes seja fixado o
valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”.
No mesmo sentido, o art. 407 do atual Código Civil.
Observo que, a rigor, a literalidade do citado art. 1.064 conduziria à conclusão
de que, sendo a obrigação ilíquida, e, portanto, não podendo o devedor precisar
o valor de sua dívida, não lhe poderiam ser imputados os ônus da mora – é o
princípio in iliquidis non fit mora, consoante ressaltado pelo Ministro Orozimbo
Nonato em seu voto no julgamento do Recurso n. 111, cujo acórdão foi publicado
na Revista Forense, de junho de 1942, p. 145.
Mas, conforme assinalou o eminente Ministro, no mesmo julgamento, tal
entendimento tornaria sem sentido a regra do § 2o do art. 1.536, do Código de
1916, segundo o qual “contam-se os juros de mora, nas obrigações ilíquidas,
desde a citação inicial”.
A jurisprudência e a doutrina, em interpretação harmonizadora da aparente
antinomia entre os dois dispositivos, reduziu o alcance do princípio do art.
1.064, para consagrar o entendimento de que “se a obrigação é ilíquida os juros
se contam desde a petição inicial, mas sobre a importância determinada pela
sentença judicial (na ação), pelo arbitramento, ou pelo acordo das partes” (cf. voto
citado).
Observo que a tese de que os juros de mora fluem desde data anterior ao
conhecimento, pelo próprio devedor, do valor pecuniário de sua obrigação,
decorre de uma mora ficta imposta pelos arts. 962 e 1.536, § 2o, do Código de 1916.
Esta ficção – de que desde o ato ilícito (art. 962) ou desde a citação (1.536, §
2o, aplicável aos casos de inadimplemento contratual) o devedor está em mora e
poderia, querendo, reparar plenamente o dano, a despeito de ilíquida a obrigação
– é razoável nos casos de indenização por dano material (danos emergentes e
lucros cessantes).
Com efeito, considera-se em mora o devedor desde a data do evento danoso,
porque o procedimento correto, que dele se espera, é o reconhecimento de
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
465
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
que causou o dano e sua iniciativa espontânea de repará-lo, de acordo com as
circunstâncias do caso concreto, prestando socorro à vítima, pagando-lhe o
tratamento necessário, provendo o sustento de seus dependentes, indenizando-a
dos prejuízos materiais sofridos, prejuízo este apurável com base em dados
concretos, objetivos, materialmente existentes e calculáveis desde a data do
evento. Se assim não age, ou se não repara espontaneamente a integralidade
dos danos, no entender da vítima, caberá a esta ajuizar a ação, considerando-se
o devedor em mora não apenas desde a fixação do valor da indenização por
sentença, como decorreria da interpretação isolada do art. 1.064, do Código Civil,
mas desde a data do ato ilícito (no caso de responsabilidade extracontratual) ou
desde a citação (no caso de responsabilidade contratual).
Em se tratando de danos morais, contudo, que somente assumem expressão
patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de
mérito (até mesmo o pedido do autor é considerado pela jurisprudência do
STJ mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor
da indenização seja bastante inferior ao pedido, conforme a Súmula n. 326), a
ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada
como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois,
mesmo que o quisesse o devedor, não teria como satisfazer obrigação decorrente
de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por
arbitramento e nem por acordo (CC/1916, art. 1.064).
Se a jurisprudência do STJ não atribui responsabilidade ao autor pela estimativa
do valor de sua pretensão, de modo a impor-lhe os ônus da sucumbência quando
o valor da condenação é muito inferior ao postulado (Súmula n. 326), não vejo
como atribuir esta responsabilidade ao réu, para considerá-lo em mora, desde a
data do ilícito, no que toca à pretensão de indenização por danos morais.
De tal forma, os juros moratórios devem fluir, no caso de indenização por
dano moral, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento
em que foi arbitrada a indenização, no caso em exame a partir da presente data.
Já com relação ao dano material, indenizado em forma de pensão, incidem
juros moratórios desde a morte da genitora do autor (Súmula n. 54).
VII
Em face do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial nos termos
acima. Considerada a sucumbência recíproca, determino que cada parte arque
com os honorários advocatícios dos seus advogados e a metade das custas
processuais, ressalvada a concessão de justiça gratuita ao autor.
É como voto.
466
Jurisprudência da QUARTA TURMA
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Presidente): Vou ressalvar o meu
entendimento em relação aos juros, sobretudo porque a Segunda Seção está
apreciando a matéria e sua jurisprudência torrencial é em sentido contrário. A
Quarta Turma está julgando contra a jurisprudência maciça da Corte Especial e
da Segunda Seção.
Por isso, apenas no tocante aos juros quanto ao dano moral, que fico vencido,
acompanho integralmente o voto da eminente Relatora, complementando que a
jurisprudência também nossa estabelece a culpa concorrente.
RECURSO ESPECIAL N. 888.751-BA (2006/0207513-3)
Relator: Ministro Raul Araújo
Recorrente: Acyr Velloso Soares e outros
Advogados: Lea Márcia Britto Mesquita e outro
Isabel Santos Castro
Recorrido: Atlas Turismo Ltda.
Advogado: Aurélio Pires
EMENTA
Recurso especial. Consumidor. Ofensa ao art. 535 do CPC.
Não caracterizada. Falha na prestação de serviços. Pacote turístico.
Inobservância de cláusulas contratuais. Agência de turismo.
Responsabilidade (CDC, art. 14). Indenização. Danos materiais.
Necessidade de comprovação. Súmula n. 7 do STJ. Danos morais
reconhecidos. Recurso parcialmente provido.
1. Não há ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil se o
Tribunal a quo decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao
julgamento da lide.
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
467
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Esta eg. Corte tem entendimento no sentido de que a agência de
turismo que comercializa pacotes de viagens responde solidariamente,
nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, pelos
defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote.
3. No tocante ao valor dos danos materiais, parte unânime do
acórdão da apelação, decidiu a eg. Corte a quo que seriam indenizáveis
apenas os prejuízos que foram comprovados, o que representa o
valor de R$ 888,57. O acolhimento da tese recursal de que estariam
comprovados os demais prejuízos de ordem material relativos ao que
foi originalmente contratado demandaria, inevitavelmente, o reexame
de fatos e provas, o que esbarra no óbice da Súmula n. 7-STJ.
4. Já quanto aos danos morais, o v. acórdão recorrido violou
a regra do art. 14, § 3º, II, do CDC, ao afastar a responsabilidade
objetiva do fornecedor do serviço. Como registram a r. sentença e o
voto vencido no julgamento da apelação, ficaram demonstrados outros
diversos percalços a que foram submetidos os autores durante a viagem,
além daqueles considerados no v. acórdão recorrido, evidenciando os
graves defeitos na prestação do serviço de pacote turístico contratado
pelo somatório de falhas, configurando-se, in casu, os danos morais
padecidos pelos consumidores.
5. Caracterizado o dano moral, mostra-se compatível a fixação
da indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada autor. Em
razão do prolongado decurso do tempo, nesta fixação da reparação a
título de danos morais já está sendo considerado o valor atualizado
para a indenização pelos fatos ocorridos, pelo que a correção monetária
e os juros moratórios incidem a partir desta data.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Retificando a proclamação feita em 27.09.2011, a Quarta Turma, por
maioria, decide dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Votou vencido parcialmente o Sr. Ministro Luis Felipe
Salomão, que fixava os juros a contar da citação. Os Srs. Ministros Maria Isabel
Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro
Relator.
468
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Brasília (DF), 25 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Raul Araújo, Relator
DJe 27.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Raul Araújo: Cuida-se de recurso especial, fundamentado
nas alíneas a e c do permissivo constitucional, interposto contra v. acórdão do eg.
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Acyr Velloso Soares e outros propuseram Ação de Indenização por Danos
Materiais e Morais em desfavor de Atlas Turismo Ltda., buscando a reparação
pelos danos padecidos em razão de transtornos e aborrecimentos ocorridos
durante viagem internacional, contratada junto à ré, consistente em “pacote
turístico” para a Copa do Mundo de Futebol de 1998, realizada na França,
diante do não cumprimento dos termos do contrato.
O Juízo de planície julgou procedente a demanda ajuizada pelos quatro
consumidores “para condenar a ré a pagar aos autores, a título de ressarcimento
pelos danos materiais sofridos, a importância de R$ 13.882,59 (treze mil
oitocentos e oitenta e dois reais e cinquenta e nove centavos), devidamente
corrigida a partir de 27.08.1999, quando foi convertida pelo câmbio do dia,
e mais 100 (cem) salários mínimos a cada um dos autores a título de danos
morais, tudo acrescido de juros legais, contados da data da citação” (e-STJ, fl.
395). Condenou, ainda, a ré a pagar honorários advocatícios de 20% (vinte por
cento) sobre o valor da condenação.
A parte ré interpôs apelação, a qual foi julgada parcialmente provida, por
maioria. O v. acórdão encontra-se assim ementado:
Danos materiais não comprovados, e Dano moral não caracterizado. Recurso
de Apelação que se acolhe, em parte, para reduzir a indenização imposta. Apelo
parcialmente provido (e-STJ, fl. 444).
Os autores opuseram embargos declaratórios, que foram rejeitados (e-STJ,
fls. 486-491).
Em seguida, foram opostos embargos infringentes, os quais também foram
desacolhidos. O v. acórdão apresenta a seguinte ementa:
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
469
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Embargos infringentes. CDC. Código de Processo Civil. Empresa de turismo
não pode ser responsabilizada por dano moral que não deu causa vez que
cumpriu o contrato que previa um “tour” pela França, inexistindo à venda, na
ocasião, ingresso para o primeiro jogo da seleção brasileira de futebol na copa do
mundo, fato de terceiro comprovado nos autos, excludente de responsabilização
(art. 14, II, do CDC).
Inexiste argumento jurídico apto a modificar a decisão majoritária, plena de
juridicidade, deve ser mantida por seus próprios e precisos fundamentos.
Acórdão mantido.
Embargos rejeitados (e-STJ, fl. 542).
Foram opostos novos embargos de declaração contra tal v. acórdão, os
quais foram igualmente rejeitados (e-STJ, fls. 551-556).
Irresignados, ingressaram os promoventes com o presente recurso especial,
alegando contrariedade aos artigos 186 do Código Civil de 2002, 14, § 3º,
II, do Código de Defesa do Consumidor e 535, II, do CPC, além de dissídio
jurisprudencial. Sustentam, em suma, que: a) não há falar em excludente de
responsabilidade, uma vez que “a agência de turismo Atlas, ora recorrida,
responsável pela venda dos ‘pacotes’ turísticos, responde pelos danos decorrentes
da má prestação dos serviços, ainda que estes tenham sido prestados por outra
empresa, já que entre elas prevalece a responsabilidade solidária” (e-STJ, fl. 569);
b) devem ser restabelecidas as indenizações por danos materiais e morais fixadas
na r. sentença, tendo em vista que os serviços não foram prestados a contento
pela recorrida; c) há omissão no v. acórdão recorrido, pois não foram apreciadas
questões arguidas pelos recorrentes e necessárias ao deslinde da controvérsia.
Às fls. 637-654, constam as contrarrazões da recorrida.
O recurso especial foi admitido (e-STJ, fls. 661-665).
VOTO
O Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): O recurso especial merece ser
conhecido. Com efeito, a questão debatida foi diretamente enfrentada no v.
acórdão recorrido, pelo que não há falar em ausência de prequestionamento, e
o dissídio jurisprudencial foi suficientemente demonstrado, nos termos do art.
541, parágrafo único, do CPC e do art. 255 do RISTJ.
De início, não há falar em ofensa ao artigo 535 do CPC. O Tribunal a
quo decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide,
470
Jurisprudência da QUARTA TURMA
conforme se observa nos arestos recorridos (fls. 441 a 453, 486 a 491 e 538 a
544), tendo concluído, por maioria, que as situações pelas quais passaram os
quatro recorrentes não lhes enseja o direito à indenização por danos morais e,
com relação aos materiais, na forma definida pela sentença.
A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que o julgador não
é obrigado a responder a cada uma das teses suscitadas pelas partes, quando
já tiver formado seu convencimento acerca da controvérsia (EDcl no AgRg
nos EREsp n. 113.049-DF, Rel. Ministro José Delgado, Corte Especial, julgado
em 03.11.1999, DJ 17.12.1999 e REsp n. 521.120-RS, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.02.2008, DJ de 05.03.2008).
Quanto às demais disposições legais, especialmente o art. 14, § 3º, II, do
Código de Defesa do Consumidor, melhor sorte merecem os recorrentes.
Transcrevem-se, a propósito, os dispositivos do Código de Defesa do
Consumidor que versam sobre o assunto:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de
culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à
prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor
dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.
Ocorre que, no caso, os fatos descritos na inicial, considerados realmente
ocorridos nas instâncias ordinárias, caracterizam patente falha na prestação do
serviço, apresentando gravidade suficiente para configurar danos patrimonial
e moral, de responsabilidade do fornecedor, de acordo com as normas
consumeristas.
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
471
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Esta eg. Corte tem entendimento de que a agência de turismo que
comercializa pacotes de viagens responde solidariamente, nos termos do art. 14
supratranscrito, pelos defeitos na prestação dos serviços que integram o pacote.
Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes:
Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Pacote de viagem
incluindo ingressos para os jogos da Copa do Mundo de Futebol. Má prestação
dos serviços. Legitimidade da agência que comercializa o pacote. Alteração dos
danos morais. Descabimento.
1. - A agência de viagens que vende pacote turístico responde pelo dano
decorrente da má prestação dos serviços.
2. - A intervenção deste Tribunal para a alteração de valor de indenização
fixado por danos morais se dá excepcionalmente, quando verifica-se exorbitância
ou irrisoriedade da quantia estabelecida, o que não ocorre no caso concreto.
Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 850.7680-SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma,
julgado em 27.10.2009, DJe de 23.11.2009).
Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade do fornecedor.
Culpa concorrente da vítima. Hotel. Piscina. Agência de viagens.
- Responsabilidade do hotel, que não sinaliza convenientemente a
profundidade da piscina, de acesso livre aos hóspedes. Art. 14 do CDC.
- A culpa concorrente da vítima permite a redução da condenação imposta ao
fornecedor. Art. 12, § 2º, III, do CDC.
- A agência de viagens responde pelo dano pessoal que decorreu do mau serviço
do hotel contratado por ela para a hospedagem durante o pacote de turismo.
Recursos conhecidos e providos em parte.
(REsp n. 287.849-SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado
em 17.04.2001, DJ de 13.08.2001, p. 165).
Colocada a questão da responsabilidade da recorrida, passa-se à análise dos
danos materiais e morais pleiteados pelos autores.
No tocante ao valor dos danos materiais, parte unânime do acórdão da
apelação, decidiu a eg. Corte a quo que seriam indenizáveis apenas os prejuízos
que foram comprovados, o que representa o valor de R$ 888,57 (oitocentos
e oitenta e oito reais e cinquenta e sete centavos). Colhe-se, a propósito, a
fundamentação adotada pelo eg. Tribunal de origem ao apreciar tal aspecto da
controvérsia:
472
Jurisprudência da QUARTA TURMA
No particular da reparação por danos materiais, há que se situar a mesma,
tão somente no importe de R$ 888,57, reconhecido pela sentença como valores
comprovados, a qual de modo expresso consigna “não haver comprovação de
outras despesas por eles feitas durante a viagem”. E neste modo de decidir,
integral apoio lhe empresta a doutrina e a jurisprudência de nossas Cortes, como
mencionado na apelação o que se adota integrando este acórdão. É dos Apelados
o ônus da prova posto que:
a existência de defeito é fato constitutivo do direito do Autor/
Consumidor cabendo-lhe portanto a prova consoante o artigo 331 I do
CPC- Código de Processo Civil (...)
e nos ensinamentos de AGUIAR DIAS (...) de que o “prejuízo deve ser certo”, é a
regra essencial da reparação.
E disso não se desincumbiram os Apelados, como bem ressaltou a Sentença
apelada pelo que no particular do dano material, a condenação só pode subsistir
parcialmente, como bem nela enfatizado pelo ressarcimento da parcela de R$
888,57 (oitocentos reais e oitenta e oito centavos e cinquenta e sete centavos),
pelos Apelados devidamente comprovada (e-STJ, fls. 446-447).
O acolhimento da tese recursal de que estariam comprovados os demais
prejuízos de ordem material relativos ao que foi originalmente contratado
demandaria, inevitavelmente, o reexame de fatos e provas, o que esbarra no
óbice da Súmula n. 7-STJ.
Já quanto aos danos morais, afastados pelo Tribunal, merece reforma o
julgado.
O v. acórdão recorrido violou a regra do art. 14, § 3º, II, do CDC, ao afastar
a responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço sob o fundamento de que,
no tocante ao fornecimento dos ingressos para o jogo inaugural da Seleção
Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 1998, haveria culpa exclusiva de
terceiro, e, quanto aos demais fatos narrados na inicial, não caracterizariam dano
moral, mas simples aborrecimentos e desconfortos insuscetíveis de indenização.
A motivação relativa à culpa exclusiva de terceiros foi utilizada pelo
Tribunal para afastar também a responsabilidade da ré com relação ao atraso de
vôos.
Ocorre que, além de deixar de levar em conta a cadeia de fornecedores
solidariamente envolvida no caso (CDC, art. 14), a atrair a responsabilidade
objetiva da promovida, pelo êxito do pacote que comercializou, os demais
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
473
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
defeitos na prestação do serviço, tidos como irrelevantes para gerar dano moral,
não poderiam ter sido ignorados.
Nesse sentido, invoca-se o seguinte precedente:
Consumidor. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais.
Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não
ocorrência. Recusa indevida de pagamento com cartão de crédito.
Responsabilidade solidária. “Bandeira”/marca do cartão de crédito.
Legitimidade passiva. Reexame de fatos e provas. Incidência da Súmula n.
7-STJ.
- Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
- O art. 14 do CDC estabelece regra de responsabilidade solidária entre os
fornecedores de uma mesma cadeia de serviços, razão pela qual as “bandeiras”/
marcas de cartão de crédito respondem solidariamente com os bancos e as
administradoras de cartão de crédito pelos danos decorrentes da má prestação de
serviços.
- É inadmissível o reexame de fatos e provas em recurso especial.
- A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais
somente é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia
estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
Recurso especial não provido.
(REsp n. 1.029.454-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
1º.10.2009, DJe de 19.10.2009).
Como registram a r. sentença e o voto vencido no julgamento da apelação,
ficaram demonstrados outros diversos percalços a que foram submetidos os
autores durante a viagem, além daqueles considerados no v. acórdão recorrido,
evidenciando os graves defeitos na prestação do serviço de pacote turístico
contratado pelo somatório de falhas.
A propósito, transcrevem-se os seguintes trechos da r. sentença:
Examinando-se as provas produzidas nos autos, constata-se a veracidade das
afirmações dos autores em relação ao descumprimento do quanto contratado,
e em especial o pouco empenho da acionada na solução dos problemas que
foram surgindo ao longo da viagem, muito embora tenham sido insistentemente
contatados tanto pelos autores como por seus familiares.
Os transtornos ocorridos com a parte aérea do pacote, muito embora não se possa
atribuir qualquer culpa à acionada pela greve dos aeroviários, são pertinentes tendo
474
Jurisprudência da QUARTA TURMA
em vista a inércia com que agiu (vide depoimento da preposta da ré às fls. 275),
deixando os autores sem assistência e tendo que adotar providências eles próprios.
Aliás, é bom que também se frise que a ré praticamente não contestou os fatos
alegados pelos autores, tendo todo o tempo buscado apenas jogar a culpa para a
empresa Eurovips.
(...)
Não nega também a ré que a festa “Mundialista”, cujo ingresso e traslado
estava incluído no “pacote” (fls. 33), não ocorreu.
E quanto às demais queixas - de mudança de itinerários, de hospedagem em
hotéis de categoria inferior à contratada, etc. - todas elas foram confessadas pela
preposta da acionada e confirmada pelas testemunhas arroladas pelos autores (fl.
387).
(...)
A má prestação do serviço está clara e cristalina, e a responsabilidade da ré
evidente, pois contratou com as autoras um pacote de serviços que não foi capaz de
oferecer a contento, pela irresponsabilidade e falta de idoneidade das empresas com
quem operou.
(...)
(...) inúteis as tentativas da ré em jogar a culpa do serviço mal prestado nas
operadoras vinculadas ao pacote. Se foi a ré quem vendeu o referido pacote e
isso está comprovado através dos recibos de fls. 28-30, deve responder perante
os autores pelos danos por eles sofridos em razão da má prestação dos serviços.
Depois, então poderá acionar regressivamente as empresas a quem atribui a
culpa pelos transtornos.
A agência de viagens, quando contrata um pacote de serviços, contrai
uma obrigação de resultado, onde o turista, mediante o pagamento de um
valor correspondente a esses serviços, quer ser exonerado das preocupações
organizacionais e dedicar-se exclusivamente a desfrutar da sua viagem. Se o
agente de viagens não cumpre com essa obrigação, deve responder perante o
cliente pelos transtornos por ele sofridos.
(...) inegáveis os transtornos psicológicos por que passaram os autores, em
terra estrangeira e com pouquíssimo apoio da agência de viagens que falhou no
seu serviço.
É de frisar-se que as duas testemunhas arroladas pelos autores, que
contrataram o mesmo “pacote” mas com outra agência de viagens, receberam o
apoio devido na situação, diferentemente do que ocorreu com os autores” (fls.
389 a 391).
Tal fato foi confirmado pelo depoimento da preposta e das próprias
testemunhas arroladas pela ré, que se limitaram a repetir terem somente “tentado
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
475
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
resolver” os problemas junto à Eurovips, por telefone e por fax - naturalmente sem
obter qualquer êxito - tendo em verdade deixado os autores à própria sorte.
Os danos morais são, repetimos, indiscutíveis, consistentes nos transtornos,
preocupações aborrecimentos e em especial, pela frustração das expectativas dos
acionantes na viagem pela qual tanto sonharam fazer, tirando-lhes a alegria e a
despreocupação que seriam normais.
Ninguém pode por em dúvida os transtornos psicológicos e o desconforto
que sofreram os autores, sem qualquer apoio num país estranho, vendo planos
anteriormente tão sonhados serem desfeitos dia a dia, e passando por momentos de
frustração, que acarretaram até doenças em dois deles (fls. 47-49) (fls. 384 a 395).
Já do voto vencido no acórdão da apelação extrai-se:
A sentença fundamenta de forma bastante elucidativa e clara a questão,
examinando ponto por ponto.
Infere-se dos autos que os apelados passaram por dificuldades durante a excursão
pelo descumprimento do contrato nos termos em que foi o mesmo celebrado entre as
partes.
(...)
Na própria contestação, o apelante, às fls. 108, afirma que a Eurovip’s ofereceu a
devolução dos valores dos ingressos e mais US$ 500,00 por conta da indenização
a título de danos materiais e morais, o que foi recusado pelos suplicantes.
(...)
As testemunhas arroladas pelos autores, fls. 276-279, confirmam a falta dos
ingressos, mudança de roteiro, troca de cidades e hospedagens em hotéis de categoria
inferior aos contratados e de que foram acomodados em hotéis de estrada.
A má prestação do serviço é evidente e induvidosa, não tendo a apelante cumprido
com o que contratou, operando com empresas que atuaram com irresponsabilidade.
O pleito dos apelados está respaldado no art. 14 do CDC que atribuiu
ao fornecedor do serviço a responsabilidade pela reparação de danos,
independentemente de culpa, consagrando a responsabilidade objetiva.
O dano material encontra-se demonstrado no valor de R$ 888,57, relativo às
despesas com ligações telefônicas e aluguel de veículo, fls. 41-44 e 54 e mais o
valor correspondente aos ingressos que não foram entregues. No que se refere
ao valor de R$ 12.994,02 a título de devolução parcial do preço pago, não ficou
comprovado que 50% da viagem contratada não tenha sido cumprida, apesar dos
transtornos.
Diante de tais fatos e circunstâncias, é evidente também a configuração do dano
moral, ante os transtornos, vexame, a decepção, os aborrecimentos sofridos pelos
apelados.
476
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Reconhecendo, assim, a ocorrência do dano moral, pois devidamente
demonstrado, merece, entretanto, reparo o valor arbitrado em 100 salários
mínimos para cada um dos apelados, não pela alegação de nulidade pela
vinculação ao salário mínimo, pois inúmeros são os julgados, inclusive do STJ,
que se toma apenas como uma orientação para estabelecimento da verba
indenizatória e, portanto, não merece o acolhimento de nulidade da decisão,
mas, considerando os valores que têm sido objeto de reparação de danos nos
julgados deste Tribunal e dos demais deste país, pelo que entendo deve ser
arbitrado em R$ 15.000,00 para cada apelado, considerando a extensão do dano,
as circunstâncias dos fatos, a finalidade da reparação.
Assim, o voto é no sentido de dar provimento parcial ao recurso para
reconhecer o dano material no valor de R$ 888,57 e mais a devolução dos valores
dos ingressos e a indenização por dano moral no valor de R$ 15.000,00 para cada
apelado, tudo corrigido e com juros (fls. 450 a 453).
Como se vê, os fatos ocorridos estão descritos nos autos. Inquestionável,
assim, a configuração do dano moral sofrido pelos autores. Trata-se de
dano moral in re ipsa, que, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho, “deriva
inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa,
ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma
presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum” (in
Programa de Responsabilidade Civil, 9ª edição, Editora Atlas, p. 90).
Com efeito, a perda do jogo inaugural da seleção de futebol do Brasil na
Copa do Mundo de 1998, a mudança unilateral de roteiro, com troca de cidades,
a hospedagem em hotéis de categoria inferior aos contratados, sendo os autores
acomodados em hotéis de estrada, são circunstâncias que evidenciam a má
prestação do serviço, em desconformidade com o que foi contratado, situações
essas que, no somatório, não se restringem a um simples aborrecimento de
viagem, configurando, sim, um abalo psicológico ensejador do dano moral.
Esta eg. Corte já adotou o mesmo entendimento em situação semelhante,
senão veja-se:
Direito do Consumidor. Prestação de serviços. Vício de qualidade. Art. 20, CDC.
Viagem turística. Dano material e dano moral. Distinção. Opção do consumidor.
Adequação à reparação do dano. Recurso desacolhido.
I - Na prestação de serviços de viagem turística, o desconforto, o abalo, o
aborrecimento e a desproporção entre o lazer esperado e o obtido não se incluem
entre os danos materiais, mas pertencem à esfera moral de cada um dos viajantes,
devendo a esse título ser ressarcidos.
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
477
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
II - Os danos materiais, que sabidamente se distinguem dos morais, devem
recompor estritamente o dispêndio do consumidor efetuado em razão da
prestação de serviços deficiente, sem o caráter de punir o fornecedor.
III - O direito de opção mencionado no art. 20, I a III do Código de Defesa do
Consumidor, relaciona-se com a suficiência da reparação do dano, não devendo
afrontar nem a proporcionalidade entre a conduta do fornecedor e o dano
causado, nem o princípio que veda o enriquecimento indevido.
(REsp n. 328.182-RS, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,
julgado em 09.10.2001, DJ de 04.02.2002, p. 390).
Responsabilidade civil. Agência de turismo. Pacote turístico. Serviço prestado
com deficiência. Dano moral. Cabimento. Prova. Quantum. Razoabilidade. Recurso
provido.
I - A prova do dano moral se satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato
que o ensejou e pela experiência comum. Não há negar, no caso, o desconforto, o
aborrecimento, o incômodo e os transtornos causados pela demora imprevista, pelo
excessivo atraso na conclusão da viagem, pela substituição injustificada do transporte
aéreo pelo terrestre e pela omissão da empresa de turismo nas providências, sequer
diligenciando em avisar os parentes que haviam ido ao aeroporto para receber os ora
recorrentes, segundo reconhecido nas instâncias ordinárias.
II – A indenização por danos morais, como se tem salientado, deve ser fixada
em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento
indevido, com manifestos abusos e exageros.
III - Certo é que o ocorrido não representou desconforto ou perturbação
de maior monta. E que não se deve deferir a indenização por dano moral por
qualquer contrariedade. Todavia, não menos certo igualmente é que não se pode
deixar de atribuir à empresa-ré o mau serviço prestado, o descaso e a negligência
com que se houve, em desrespeito ao direito dos que com ela contrataram.
(REsp n. 304.738-SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,
julgado em 08.05.2001, DJ de 13.08.2001, p. 167).
Por outro lado, o posicionamento que se adota neste julgamento não
enseja reexame de provas, razão por que se afasta o óbice da Súmula n. 7-STJ,
tratando-se de típica valoração de provas, porquanto não se discute a veracidade
dos fatos expostos no acórdão, estando a discussão limitada a saber se os fatos
narrados são passíveis de ensejar indenização por dano moral.
Por essas razões, conheço do recurso especial e dou-lhe parcial provimento
para reconhecer a ocorrência do dano moral, fixando o valor da reparação em R$
20.000,00 (vinte mil reais) para cada um dos autores.
478
Jurisprudência da QUARTA TURMA
No caso em apreço, em razão do prolongado decurso do tempo, na
fixação da reparação a título de danos morais já está sendo considerado o
valor atualizado para a indenização pelos fatos ocorridos, pelo que a correção
monetária e os juros moratórios incidem a partir da data desta fixação.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 907.014-MS (2006/0265012-4)
Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira
Recorrente: Carlos Wilson de Souza Pimentel
Advogado: Cynthia Raslan e outro(s)
Recorrido: Hidrate Indústria e Comércio de Produtos Farmacêuticos
Ltda. e outros
Advogado: Gustavo Romanowski Pereira e outro(s)
EMENTA
Direito Societário. Dissolução parcial de sociedade. Apuração de
haveres. Inclusão do fundo de comércio.
1. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior
Tribunal de Justiça, o fundo de comércio (hoje denominado pelo
Código Civil de estabelecimento empresarial - art. 1.142) deve ser
levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio
excluído da sociedade.
2. O fato de a sociedade ter apresentado resultados negativos nos
anos anteriores à exclusão do sócio não significa que ela não tenha
fundo de comércio.
3. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
RSTJ, a. 23, (224): 447-545, outubro/dezembro 2011
479
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 11 de outubro de 2011 (data do julgamento).
Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator
DJe 19.10.2011
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Trata-se, na origem, de ação de
apuração de haveres, recebida pelo juízo de primeira instância como ação de
ressarcimento, sob o rito ordinário.
À parte algumas questões processuais, discute-se se o fundo de comércio
deve ser levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a sócio
minoritário excluído de sociedade limitada.
Quanto a esse ponto, o acórdão recorrido manteve incólume a sentença
(e-STJ fls. 383-392), entendendo que “fica inviabilizado o cálculo do valor
referente ao fundo de comércio se a empresa analisada apresentar apenas
resultados negativos, porquanto necessário à projeção que a sociedade tenha
lucro” (e-STJ fls. 452-453).
Inconformado, o autor da ação interpôs o presente recurso especial (e-STJ
fls. 476-489), suscitando dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido
e a jurisprudência desta Corte Superior, bem como alegando violação aos
seguintes dispositivos legais: (i) art. 668 do CPC/1939, (ii) art. 15 do Decreto n.
3.708/1919 e (iii) art. 20 do CPC/1973.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira (Relator): Merece ser conhecido e
provido o presente recurso especial: a interposição foi tempestiva, foi realizado o
preparo, a matéria nele discutida está devidamente prequestionada e, a despeito
de não ter havido violação aos dispositivos legais mencionados, o recorrente
logrou êxito em demonstrar a existência do dissídio jurisprudencial.
480
Jurisprudência da QUARTA TURMA
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada
segundo a qual o fundo de comércio (hoje denominado pelo Código Civil de
estabelecimento empresarial - art. 1.142) deve ser levado em conta na aferição
dos valores eventualmente devidos a sócio excluído da sociedade.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
Comercial e Processual Civil. Dissolução parcial de sociedade. Apuração de
haveres. Inclusão do fundo de comércio. Juros de mora. Termo inicial. Honorários
advocatícios. Art. 20, § 4º do CPC. O fundo de comércio integra o montante dos
haveres do sócio retirante. Precedentes.
(...)
(REsp n. 564.711-RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em
13.12.2005, DJ 20.03.2006, p. 278).
Comercial e Processual Civil. Ação de apuração de haveres. Coisa julgada
não identificada. Prequestionamento deficiente. Critério de levantamento
patrimonial. Decreto n. 3.708/1919, art. 15. Exegese. Divergência jurisprudencial
não caracterizada.
(...)
III. Afastado o sócio minoritário por desavenças com os demais, admite-se
que a apuração dos haveres se faça pelo levantamento concreto do patrimônio
empresarial, incluído o fundo de comércio, e não, exclusivamente, com base no
último balanço patrimonial aprovado antes da ruptura social.
(...)
(REsp n. 130.617-AM, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
julgado em 18.10.2005, DJ 14.11.2005, p. 324).
Dissolução de sociedade. Apuração de haveres. Fundamentação suficiente
do acórdão. Julgamento extra petita. Inocorrência. Inclusão dos fundos de
comércio e de reserva e dos dividendos dentre os haveres. Interesse de agir.
Sócio retirante. Existência ainda que a sociedade e o sócio remanescente
concordem com a dissolução. Ofensa ao contrato social. Inviabilidade de exame
no recurso especial. Enunciado n. 5 da Súmula-STJ. Juros moratórios. Incidência.
Caracterização da mora. Honorários de advogado. Sucumbência parcial. Arts.
20, 21, 131, 165, 293, 458-II, 460, CPC, 668, CPC/1939, 955, 960, 963, CC. Recurso
desacolhido.
(...)
II – O fundo de comércio e o fundo de reserva instituído pela vontade dos
sócios integ
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RSTJ 224.indd - Superior Tribunal de Justiça