PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100)
APTE
: MARCILIO TELES DE QUEIROZ
ADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROS
APDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM
: 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIA
PENAL) - CE
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma
RELATÓRIO
O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (Relator): O Ministério Público
Federal –MPF ofereceu denúncia (fls. 03/31) contra:
a)
MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ: pela prática, em concurso
material, nos termos do art. 69 do Código Penal Brasileiro –CP, das
condutas delitivas tipificadas nos arts. 321, caput, por cinco vezes,
321, parágrafo único, por uma vez e 325, caput, por três vezes, todos
do CP;
b) TARCÍSIO VIEIRA MOTA: pela prática da conduta delitiva prevista
no art. 325, caput, por três vezes, em concurso material, nos termos
do art. 69 do CP, e em concurso de pessoas, na modalidade de adesão
à conduta do réu acima citado.
Narrou o Órgão Ministerial que foi instaurado inquérito policial para
apurar a ocorrência de supostos vazamentos de informações sigilosas referentes a
operações desempenhadas pela Polícia Federal (“
Operação Gárgula” e “
Operação
Fumaça”
) com o objetivo de investigar uma série de supostas fraudes a procedimentos
licitatórios e desvio de recursos federais em vários municípios do estado do Ceará.
Consoante o MPF, o policial federal MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ
era amigo íntimo de TARCÍSIO VIEIRA MOTA, Secretário Municipal de Eusébio/CE e
um dos aspectos de tal relação, segundo a narrativa da exordial acusatória, era a troca de
favores mútuos, decorrentes da violação de uma série de determinações legais e
funcionais.
A título de exemplo, o Parquet Federal destacou o fato de que o policial,
em troca de vantagens e facilidades, teria violado o sigilo funcional com o objeto de
impossibilitar o êxito das aludidas operações da Polícia Federal referentes à prática de
desvios de verbas públicas nas prefeituras cearenses, dentre as quais estava incluída a do
Município de Eusébio/CE.
Aduziu a denúncia, ainda, que o policial MARCÍLIO TELES DE
QUEIROZ, consoante o apurado nas interceptações telefônicas realizadas com
ACR 9208 CE
M9456
1
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
autorização judicial, teria praticado advocacia administrativa em uma série de situações.
Foram arroladas sete testemunhas.
A denúncia foi recebida em 28/05/2010 (fls. 32/33).
Por meio da decisão de fls. 36, foi revogado o recebimento da denúncia,
em face das exigências previstas no art. 514 do Código de Processo Penal –CPP, e
determinou-se a intimação dos réus para apresentar defesa prévia na forma dos arts.
514/515 do CPP.
Defesa preliminar do réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ apresentada
às fls. 42/112 e do réu TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO às fls. 123/130.
O Ministério Público Federal, às fls. 139/144, manifestou-se acerca das
defesas preliminares apresentadas.
Recebimento da denúncia em 09/09/2010 (fls. 146/147).
Por não vislumbrar quaisquer das hipóteses de absolvição sumária
previstas no art. 397 do CPP, o Juízo Sentenciante ratificou o recebimento da denúncia e
deflagrou a instrução criminal (fls. 225/226).
Em audiência realizada em 08/02/2011, as testemunhas de acusação,
Cláudio Barros Joventino, Renato Jevson Nunes Maciel, João Miceno Marques de Lima,
Maurício César Proença Bezerra e Antônio José de Freitas Mello, foram ouvidas e
tiveram seus depoimentos reduzidos a termos (fls. 300/309).
Na audiência de 14/02/2011, foram ouvidas a testemunha de defesa
Aníbal Ferreira Gomes e de acusação, Nelson Teles Júnior, João Bezerra Filho, José
Fábio de Girão Lima, Antonio Barroso Nogueira, Fares Andrade Said e Valdemar
Rodrigues da Silva. Na mesma oportunidade, os réus MARCÍLIO TELES DE
QUEIROZ e TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO foram interrogados. (fls. 337/361)
Decorrido o prazo para o cumprimento das cartas precatórias expedidas
às fls. 224, foi determinada a intimação das partes para se manifestarem acerca do
requerimento de diligências complementares à audiência, nos termos do art. 402 do CPP.
Intimado, o MPF nada requereu (fls. 407). Quanto aos réus, a defesa de
TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO deixou transcorrer o prazo sem apresentar qualquer
manifestação. Já a de MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ solicitou a reinquirição do
delegado Wellington Clay Porcino Silva (fls. 422). No entanto, como tal testemunha não
havia, até o momento, sido inquirida, restou inócuo o requerimento formulado.
Às fls. 429/458, foi juntada Carta Precatória com a inquirição das
testemunhas de defesa Wellington Clay Porcino Silva e Elmiz Antônio Rocha Júnior.
ACR 9208 CE
M9456
2
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
O MPF apresentou alegações finais, na forma de memoriais, às fls.
460/470 e os réus às fls. 480/495 e 499/523, nos termos do art. 403, § 3º, do CPP.
Às fls. 571/586, foi juntada Carta Precatória com a oitiva da testemunha
de defesa Francisco Edvan de Oliveira, a respeito da qual não houve qualquer
manifestação quer da parte acusadora, quer da parte ré.
Às fls. 596/715, foi juntada, pela defesa de MARCÍLIO TELES DE
QUEIROZ, a cópia do Processo Administrativo Disciplinar nº 15/2010 e os autos foram
devolvidos em diligência para que as outras partes se manifestassem acerca da
documentação apresentadas (fl. 716).
O MPF não se manifestou acerca dos novos documentos apresentados
(fls. 717).
O réu TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO manifestou-se, às fls. 844/847,
acerca da referida documentação.
A sentença (fls. 880/937) julgou parcialmente procedente a pretensão
punitiva estatal, consoante os critérios abaixo destacados:
a) ABSOLVEU o réu TARCÍSIO VIEIRA MOTA da acusação de haver
praticado o delito previsto no art. 325, caput, do CP, nos termos do
inciso VII do art. 386 do CPP;
b) ABSOLVEU o réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ da acusação
de haver praticado o crime previsto no art. 321, caput, do CP
(advocacia administrativa que teria sido praticada em favor do
Deputado Federal Aníbal Ferreira Gomes), nos termos do inciso VII
do art. 386 do CPP;
c) CONDENOU o réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ pela prática,
em concurso material (art. 69 do CP) das condutas delitivas previstas
no art. 321, caput, do CP, por quatro vezes, art. 321, parágrafo único
do CP, por uma vez e art. 325, § 2º, por três vezes.
A pena cominada ao réu MARCÍLIO TELES DE QUEIROS foi fixada
nos seguintes termos:
a) 4 meses de detenção pelos quatro delitos tipificados no art. 321,
caput, do CP;
b) 3 meses de detenção pelo delito previsto no art. 321, parágrafo único
do CP e pagamento de 30 dias-multa, cada um no valor de 1/3 do
ACR 9208 CE
M9456
3
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
salário mínimo vigente à época dos fatos, com atualização monetária
quando da execução do julgado (§ 2º do art. 49 do CP);
c) 6 anos de reclusão pela prática, por três vezes, do delito previsto no §
2º do art. 325 do CP e pagamento de 50 dias-multa, por cada um dos
três crimes (total de 150 dias-multa), no valor unitário de 1/3 do
salário mínimo vigente à época dos fatos, com atualização monetária
quando da execução do julgado (§ 2º do art. 49 do CP).
Pelo concurso material (art. 69 do CP), a soma das penas privativas de
liberdade ao réu cominadas atingiu o patamar de 7 meses de detenção e 6 anos de
reclusão, a serem cumpridas em regime inicial semiaberto, nos termos da alínea “
b”
, do §
2º do art. 33 do CP.
A pena de multa chegou ao quantum definitivo de 180 dias-multa, cada
fixado, em razão das boas condições econômicas do réu, no valor de 1/3 do salário
mínimo vigente à época dos fatos delituosos, com atualização monetária quando da
execução do julgado (§ 2º do art. 49 do CP).
O quantum da pena fixada impediu a substituição da pena privativa de
liberdade por sanções restritivas de direitos, nos termos do art. 44 do CP. Incabível
também, a suspensão condicional da pena nos moldes do art. 77 do CP.
Como efeito da condenação, com base nos elementos probatórios trazidos
aos autos e nas determinações das alíneas “a”e “
b”do art. 92 do CP, foi decretada a
perda do cargo de Agente da Polícia Federal, Matrícula 2669, exercido pelo réu
MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ.
TARCÍSIO VIEIRA MOTA FILHO apresentou embargos de declaração
(fls. 949/950), aos quais foi negado provimento (fls. 954).
MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ apresentou apelação (fls. 982/1044),
no escopo de ver reformada a sentença em Primeira Instância proferida, alegando:
a) Preliminarmente, a nulidade das interceptações telefônicas, diante da
não fundamentação acerca da efetiva necessidade desse meio de prova
e do excessivo número de prorrogações, também por meio de
decisões carentes de fundamentação robusta;
b) No mérito, alegou a não configuração do crime de violação de sigilo
funcional (art. 325, § 2º, do CP), a ausência de provas suficientes para
embasar a condenação, de maneira que deve ser aplicado o princípio
do in dubio pro reo, a ausência de prejuízos para a administração,
devendo ser operada a desclassificação do delito previsto no § 2º do
art. 325 do CP, para o art. 325, caput. No caso dos crimes de
ACR 9208 CE
M9456
4
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
violação de sigilo funcional, requereu, caso mantida a condenação,
que fosse aplicada, ao invés do concurso material, a causa de aumento
de pena referente à continuidade delitiva. Aduziu, também, a
necessidade de ser absolvido pela prática do crime de advocacia
administrativa diante da atipicidade das condutas por ele praticadas, as
quais, segundo o seu entendimento, não passariam de meras
transgressões disciplinares a serem investigadas em Processo
Administrativo Disciplinar, no bojo do qual já foi absolvido. Mantida a
condenação, requereu que, cessado o decreto condenatório,
procedesse o Juízo Sentenciante à motivação idônea das razões que
levaram à decretação da perda do cargo público.
Contrarrazões ao recurso de apelação apresentadas pelo MPF às fls.
1046/1067;
Ao se pronunciar sobre o feito, a Procuradoria Regional da República da
Quinta Região opinou, em parecer (fls. 1070/1079), pelo não provimento do apelo.
É o relatório.
Ao eminente revisor.
JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Relator
ACR 9208 CE
M9456
5
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100)
APTE
: MARCILIO TELES DE QUEIROZ
ADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROS
APDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM
: 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIA
PENAL) - CE
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA.
VIOLAÇÃO
DE
SIGILO
FUNCIONAL (ART. 325, CAPUT, DO CP). ADVOCACIA
ADMINISTRATIVA (ART. 321, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO DO
CP).
PRELIMINAR.
INTERCEPTAÇÕES
TELEFÔNICAS.
PRORROGAÇÕES NECESSÁRIAS À INSTRUÇÃO CRIMINAL.
FUNDAMENTAÇÃO. REQUISITO PREENCHIDO. AUSÊNCIA DE
NULIDADE.
1. A interceptação telefônica foi autorizada para que melhor pudesse ser
apurada a responsabilidade das pessoas envolvidas na empreitada
criminosa narrada na denúncia. O pedido de quebra do sigilo telefônico do
réu, atendeu a todos os requisitos legais pertinentes a matéria.
2. Os pedidos de prorrogação da referida diligência foram deferidos em
decisões devidamente fundamentadas. É pacífica a jurisprudência pátria ao
afirmar que o lapso temporal previsto no art. 5º da Lei Nº 9.296/96 não é
taxativo, podendo, assim, ser prorrogado quando estritamente necessário
à realização das investigações policiais, desde que em decisão
fundamentada. Preliminar rejeitada.
MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS.
DOSIMETERIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. PERDA
DO CARGO PÚBLICO (ART. 92, I, “
a”do CP)
3. Apesar de ter sido condenado pela prática do crime de violação de
sigilo funcional em sua forma qualificada (§2º do art. 325 do CP), não há
prova de que a conduta do réu ocasionou prejuízo para a Administração
Pública. A ocorrência de dano não pode ser presumida, como no caso,
razão pela qual a condenação pela prática do crime de violação de sigilo
funcional deve se dar na forma do art. 325, caput, do CP.
5. Há provas suficientes da autoria e da materialidade delitiva das
condutas de violação de sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e de
advocacia administrativa (art. 321, caput, e parágrafo único do CP).
6. O conjunto probatório da presente ação penal demonstra de forma
cristalina que o apelante, na condição de Agente da Polícia Federal, valiase do cargo para a prática de delitos funcionais para a satisfação de
interesses de particulares, em detrimento do interesse público.
7. Os delitos de violação de sigilo funcional (art. 325 do CP) e de
advocacia administrativa (art. 321, caput, e parágrafo único do CP) não
ACR 9208 CE
M9456
6
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
foram cometidos em concurso material (art. 69 do CP), mas sim, em
continuidade delitiva, diante da presença dos requisitos elencados no art.
71 do CP.
8. Atendidos os requisitos previstos na alínea “
a”
, do inciso I, do art. 92
do CP, deve ser mantida a decretação da perda do cargo público ocupado
pelo apelante.
9. Apelação parcialmente provida, para, mantida a condenação,
determinar a desclassificação do delito previsto no § 2º do art. 325 do CP
para o art. 325, caput do mesmo diploma legal e a substituição do
concurso material (art. 69) pela continuidade delitiva (art. 71 do CP) no
que se refere à prática dos delitos de violação de sigilo funcional (art. 325,
caput, do CP) e advocacia administrativa (art. 321, caput, do CP).
VOTO
O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (Relator): Conheço do recurso,
porque estão presentes seus pressupostos de admissibilidade intrínsecos (cabimento,
legitimidade, interesse e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer) e
extrínsecos (tempestividade e regularidade formal).
A sentença merece ser parcialmente reformada.
Inicialmente, é válido salientar que não merece acolhida a preliminar
suscitada pelo apelante em seu recurso apelatório no sentido de que seriam nulas as
interceptações telefônicas realizadas no decorrer da fase inquisitiva.
O fundamento de tal nulidade seria, no entendimento do apelante, o fato
de que as decisões que autorizaram as referidas interceptações, e suas sucessivas
prorrogações, não estariam devidamente fundamentadas, nos termos do inciso IX do art.
93 da Constituição Federal e do art. 5º da Lei nº 9.296/96.
Ocorre que não é este o quadro da presente demanda, uma vez que,
consoante se depreende dos autos, o Juiz Federal Substituto da 11ª Vara Federal da
Seção Judiciária do Ceará, ao deferir o pedido de quebra do sigilo telefônico do réu,
atendeu a todos os requisitos legais pertinentes a matéria, consoante se depreende da
decisão às fls. 52/53 do Anexo I.
Na espécie, a interceptação telefônica foi autorizada para que melhor
pudesse ser apurada a responsabilidade das pessoas envolvidas na empreitada criminosa
narrada na exordial acusatória, tendo, inclusive, o referido magistrado determinado,
explicitamente, o modo de execução daquela diligência (fls. 53, item-9), o que faz cair
por terra os argumentos trazidos pelo réu em seu recurso de apelação.
ACR 9208 CE
M9456
7
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
No que pertine aos pedidos de prorrogação, também formulados pela
autoridade policial, o Juízo a quo, ao deferi-los, agiu em total conformidade com a Lei nº
9.296/96, consoante atestam as decisões de fls. 78/80; 141/143; 213/215; 281/283;
332/335 (do Anexo 1) e 491/493; 597/599 e 645/647 (do Anexo II).
[
Quanto ao prazo de realização das interceptações, sabe-se que é pacífica a
jurisprudência pátria ao afirmar que o lapso temporal previsto no art. 5º da Lei nº
9.296/96 não é taxativo, podendo, assim, ser prorrogado quando estritamente necessário
à realização das investigações policiais, desde que em decisão devidamente
fundamentada, como é caso das acima destacadas.
No sentido do texto, os seguintes precedentes (sem grifos no original):
EMENTA: RECURSO EM HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
PRAZO DE VALIDADE. PRORROGAÇÃO. POSSIBILIDADE. Persistindo os
pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há
obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas,
nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação.
Precedente. Recurso a que se nega provimento.
(STF, RCH 85575, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Julgado em: 28/03/2006,
Dje: 16/03/2007)
PENAL.
HABEAS
CORPUS.
TRÁFICO
DE
ENTORPECENTES.
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO DA MEDIDA E
PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. LEGALIDADE DA
MEDIDA.
INDISPENSABILIDADE
DA
MEDIDA
DEMONSTRADA.
DEGRAVAÇÃO
INTEGRAL.
DESNECESSIDADE.
NULIDADE.
NÃO
OCORRÊNCIA. ESCUTA REALIZADA FORA DO PERÍODO DE
MONITORAMENTO.
OCORRÊNCIA.
DESENTRANHAMENTO.
DESCONSIDERAÇÃO COMO MEIO DE PROVA. NULIDADE DAS PROVAS
SEGUINTES. NÃO VERIFICAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I.
Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação telefônica e de
prorrogação da medida encontram-se adequadamente fundamentadas, eis que
proferidas em acolhimento às postulações da autoridade policial necessárias
para a continuidade das investigações em curso voltadas para a apuração da
prática do delito de tráfico de entorpecentes. II. "A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual as interceptações
telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente fundamentadas pelo
juízo competente quanto à necessidade para o prosseguimento das investigações"
(STF, RHC 88371/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 02/02/07). III.
In casu, o monitoramento foi deferido nos exatos termos da Lei 9.296/2006, uma
vez que, havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal
em delito punível com pena de reclusão , foi determinado pela Juíza a
requerimento da autoridade policial, na investigação criminal , que representou
no sentido da necessidade da medida. IV. Entendimento jurisprudencial no sentido
de que a averiguação da indispensabilidade da medida como meio de prova não
pode ser apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação
probatória que se faria necessária. V. Desnecessidade de transcrição integral dos
diálogos gravados durante a quebra do sigilo telefônico. Precedentes. VI. Dada a
regularidade da medida, tem-se como legítimas as diligências advindas das
interceptações telefônicas realizadas, quais sejam, a prisão em flagrante e a busca
e apreensão, bem como de todo o procedimento criminal, a sentença condenatória
ACR 9208 CE
M9456
8
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
e a prisão do réu, eis que embasados em elementos de prova idôneos. VII.
Verificada a realização de escuta em data não incluída no período de
monitoramento autorizado, a mesma deve ser excluída e desconsiderada como
meio de prova, o que não representa a nulidade das provas seguintes que não
derivaram desta escuta em particular, mas do primeiro deferimento, proferido em
consonância com as disposições legais. VIII. Ordem parcialmente concedida.
(STJ, HC126231, Rel.: Ministro GILSON DIPP, Órgão Julgador: QUINTA
TURMA, Julgado em: 09/11/2010, DJe: 22/11/2010)
HC LIBERATÓRIO. NARCOTRAFICÂNCIA E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.
CERCEAMENTO DE DEFESA PELO INDEFERIMENTO DE VISTA DOS
AUTOS. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NULIDADE DO AUTO DE PRISÃO EM
FLAGRANTE INEXISTENTE. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOS
MILICIANOS. FLAGRANTE PREPARADO NÃO CONFIGURADO. INÉPCIA DA
PEÇA ACUSATÓRIA NÃO CARACTERIZADA. DESNECESSIDADE DE AMPLA
FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
PRECEDENTES DO STJ. EXCESSO DE PRAZO (1 ANO E 4 MESES)
JUSTIFICADO EM RAZÃO DA COMPLEXIDADE DO FEITO, DO ELEVADO
NÚMERO DE RÉUS (35 NO TOTAL), DA NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE
CARTAS PRECATÓRIAS PARA A OITIVA DE TESTEMUNHAS E DO
REQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE REALIZAÇÃO DO EXAME DE
DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA. PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO EM
19.11.08. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. NORMA ESPECIAL.
LEI 11.343/06. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM
PÚBLICA. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA (34 PORÇÕES DE
COCAÍNA EM FORMA DE CRACK, TOTALIZANDO 10 GRAMAS). MANDADO
DE BUSCA E APREENSÃO E DECISÃO DE AUTORIZAÇÃO DE
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADOS.
PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. HABEAS CORPUS
PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DENEGADA A ORDEM. 1.
Em relação ao alegado cerceamento da defesa do paciente por ter sido indeferido
seu pedido de vista dos autos, cumpre reconhecer que a matéria sequer foi
submetida à análise do Tribunal de origem, o que impede seu exame por esta
Corte, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 2. Não é nulo o
auto de prisão em flagrante ainda que fundamentado nos testemunhos apenas dos
policiais encarregados da captura e condução do paciente à Delegacia, os quais
são idôneos e estarão sujeitos a confirmação no curso da instrução processual.
Precedentes. 3. Ademais, a atuação da polícia não colocou o paciente no estado
de flagrância em que foi surpreendido, de modo que os fatos não se encaixam na
situação contida no enunciado 145 da Súmula de Jurisprudência do STF, bem
como as circunstâncias em que a droga foi apreendida revelam seu destino
comercial (34 porções de cocaína em forma de crack, totalizando 10 gramas),
além do que a quantidade de entorpecente, em si mesma, não constitui elemento
dos tipos penais pelos quais o paciente se encontra denunciado. 4. Da narrativa
contida na denúncia pode-se obter a descrição sobre como teriam ocorrido e em
que circunstâncias se deram os fatos em apuração, o que possibilita a ampla
defesa e o contraditório. 5. Esta Corte entende que o despacho de recebimento da
denúncia, por sua natureza interlocutória simples, prescinde de ampla
fundamentação, até porque o Juiz, ao deflagrar a Ação Penal, não deve incidir em
pré-julgamento da matéria criminal objeto da inicial acusatória (HC 119.226/PR, ,
Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de 08.09.2009 e HC 138.089/SC, Rel.
Min. FELIX FISCHER, DJe 22.02.2010). 6. No caso em exame, eventual delonga
para o término da instrução probatória como um todo (1 ano e 4 meses) pode ser
ACR 9208 CE
M9456
9
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
atribuída à complexidade do feito, em razão do elevado número de réus (35 no
total), à necessidade de expedição de cartas precatórias para a oitiva de
testemunhas e ao requerimento, pela defesa, de realização do exame de
dependência toxicológica. 7. A vedação de concessão de liberdade provisória aos
acusados de tráfico de drogas é razão idônea e suficiente para o indeferimento da
benesse, de sorte que prescinde de maiores digressões a decisão que indefere o
pedido de liberdade provisória, nesses casos; ademais, no caso concreto, havendo
fortes indícios de autoria e materialidade do delito, a manutenção da prisão
cautelar encontra-se plenamente justificada na garantia da ordem pública, tendo
em vista a extensão e articulação da quadrilha supostamente integrada pelo
paciente, a quantidade e a natureza do entorpecente apreendido (34 porções de
cocaína em forma de crack, totalizando 10 gramas), a indicar a periculosidade do
acusado. 8. Encontram-se devidamente fundamentadas as decisões que
autorizaram a busca e apreensão domiciliar e a interceptação telefônica, bem
como suas sucessivas prorrogações, porquanto ancoradas em elementos
concretos que apontam para a imprescindibilidade das medidas como forma de
identificação de todos os envolvidos na prática delituosa em diversas cidades do
Estado de Goiás, tudo devidamente registrado pelo Magistrado supervisor das
medidas, não se vislumbrando qualquer irregularidade apta a fulminar de
nulidade a prova colhida durante o Inquérito Policial. 9. A ausência da
assinatura do Magistrado em uma das folhas de uma das decisões que prorrogou a
interceptação telefônica constitui mera irregularidade, já devidamente sanada
pelas decisões que a sucederam e mantiveram a prorrogação da escuta, não sendo
razoável a pretensão do impetrante em ver declarada a nulidade de toda a
investigação realizada. 10. Habeas Corpus parcialmente conhecido e, nessa parte,
denegada a ordem, em conformidade com o parecer ministerial.
(STJ, HC144303, Rel.: Ministro NAPOLEAO NUNES MAIA FILHO, Órgão
Julgador: QUINTA TURMA, Julgado em: 06/05/2010, DJe: 07/06/2010)
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. INDÍCIOS
DA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
RECEBIMENTO DA INICIAL. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PROVA
EMPRESTADA DE PROCEDIMENTO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES. LEGALIDADE. PEDIDO DE
SUSPENSÃO DO FEITO ORIGINÁRIO ATÉ QUE SE ULTIMEM AS
DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELO MPF. DESCABIMENTO. DILIGÊNCIAS
CABÍVEIS NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. AGTR IMPROVIDO. 1. A decisão
agravada recebeu a inicial da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade
Administrativa originária, rejeitando as prejudiciais de suspensão do feito, de
ilegalidade das interceptações telefônicas e de impossibilidade de utilização de
prova emprestada, reconhecendo a presença de justa causa para o manejo da
referida ação (fls. 196/199). 2. Analisando-se as alegações postas pelo agravante,
verifica-se que não merece prosperar o argumento de que deve ser determinada a
suspensão do feito originário até que se ultimem as diligências requisitadas, na
exordial, pelo MPF, nos termos do art. 265, IV, b, do CPC; isso porque o
requerimento de diligências efetuado pelo MPF e deferido pelo douto Magistrado
a quo se insere na fase de instrução processual, em que o autor deve apresentar as
provas dos fatos constitutivos de seu direito. 3. Sabe-se que para o recebimento da
inicial da Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa não é necessária a
existência de prova cabal dos fatos reputados ímprobos, sendo suficiente a
presença de indícios da prática do ato, bem como de sua autoria, podendo a
comprovação dos mesmos se dar na referida fase instrutória. 4. No que se refere à
alegada nulidade da interceptação telefônica por excesso de prazo, há
ACR 9208 CE
M9456
10
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
posicionamento consolidado nos Tribunais Superiores, no sentido de que as
interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que devidamente
fundamentadas as prorrogações pelo juízo competente quanto à necessidade para
o prosseguimento das investigações (RHC 88371, GILMAR MENDES, STF;
RHC 85575, JOAQUIM BARBOSA, STF; e STJ, HC 200802308598, JORGE
MUSSI, - QUINTA TURMA, 13/12/2010). 5. Não merece melhor sorte a
alegação de nulidade da interceptação procedida, sob o argumento de ausência
de notificação do Ministério Público, vez que referida nulidade igualmente já se
encontra afastada pelo Supremo Tribunal Federal (HC 83515, NELSON
JOBIM, STF). 6. Considere-se, ainda, que não há qualquer restrição à utilização
da prova emprestada de ação penal para a Ação de Improbidade, à luz do
entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
(Inq-QO 2725, CARLOS BRITTO, STF; e RESP 200902128645, MAURO
CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, 08/10/2010). 7. Afastadas as
alegações apresentadas pelo ora agravante, a petição inicial da Ação Civil
Pública de Improbidade Administrativa originária deve mesmo ser recebida, dado
que presentes os indícios de cometimento de atos enquadrados na Lei de
Improbidade Administrativa e que o agravante não logrou afastar tais indícios,
sendo certo que, nesta fase inicial, deve ser observado o princípio do in dubio pro
societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público. 8. AGTR
improvido.
(TRF 5, AG 112004, Rel.: Desembargador Federal MANOEL ERHARDT, Órgão
Julgador: PRIMEIRA TURMA, Julgado em:17/05/2012, 24/05/2012)
Diante do exposto, não há que se falar, no caso, em violação de quaisquer
determinações constitucionais ou legais acerca da quebra do sigilo telefônico, razão pela
qual se rejeita a preliminar de nulidade na produção de provas.
Feitas essas considerações, passa-se ao mérito.
I - DA PRÁTICA DO CRIME DE VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art.
325 do Código Penal)
Compulsando os autos, entendo ser correta a condenação do réu pela
prática da conduta criminosa narrada na denúncia, vez que há, nos autos, elementos
probatórios que atestam, cabalmente, a autoria e materialidade da conduta criminosa
tipificada no art. 325, caput, do Código Penal.
No caso, consoante se depreende dos elementos de prova trazidos ao
processo, o réu concorreu, com vontade livre e consciente, em três momentos distintos,
para a prática do delito acima destacado.
Por meio da interceptação telefônica determinada na “
Operação Gárgula”
,
foi constatada a estreita relação de amizade entre o apelante e o Secretário Municipal da
cidade de Eusébio/CE, vínculo por meio do qual aquele repassava a este uma série de
informações relativas a operações sigilosas desenvolvidas pela Polícia Federal.
A primeira prática da conduta delitiva supracitada data das ligações
realizadas entre 07/04/2009 e 10/04/2009, ocasiões em que o apelante repassou ao
ACR 9208 CE
M9456
11
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Secretário Municipal uma série de informações acerca da “
Operação Fumaça”
,
consoante se depreende do Relatório Parcial 001/2009 (fls. 170/173 do Apenso III), do
qual se transcreve, abaixo, alguns trechos que corroboram a prática da conduta
criminosa pelo apelante (sem grifos no original):
“DIA 07/04/2009 –‘
TELES pergunta se vão almoçar. TARCISIO diz que algo (?)
já está com ele (TARCISIO) e aceita o convite para almoçarem. TELES diz que vai
com o PAULINHO, PAULO SIDNEY, e para irem almoçar no Zé do Peixe ao meio
dia.
DIA 09/04/2009 (14:38:01) –TELES diz estar no Campestre. TARCISIO diz que
vai dar um pulo lá bem rápido. TELES diz estar com a namorada e não queria que
ela visse TARCISIO, pois ela já o conhece, e pede para TARCISIO lhe chamar.
TARCISIO diz estar com sua esposa. TELES diz que pode chegar com sua esposa,
mas que pare do outro lado, que vai lá falar com TARCISIO.
DIA 09/04/2009 (aproximadamente 20:15) –TARCISIO, em conversa com seu
filho, TARCÍSIO NETO, entre um assunto e outro, comenta que havia se
encontrado com aquele “AMIGO”, e que uma confusão grande estaria por vir.
DIA 10/04/2009 –TARCISIO mantém contato com ACILON GONÇALVES. Nesta
oportunidade, TARCÍSIO comenta que havia recebido uma importante informação
dos ‘
MENINOS’
,‘
SEUS AMIGOS’
, e que precisaria se reunir com ele para tratar
da questão. TARCISIO explica que há 10 inquéritos sobre a campanha eleitoral,
relativos à compra “DAQUILO/”, e que envolveriam também EDSON SÁ, prefeito
de Aquiraz/CE;”
A linguagem codificada e cifrada dos diálogos acima transcritos já denota,
de plano, o fato de que os interlocutores estão tratando de um assunto que, em razão de
sua provável ilicitude, não pode ser conversado abertamente. Enfatiza-se, ainda mais, o
caráter ilícito das tratativas acima o pedido feito pelo apelante (TELES) para que
TARCÍSIO o encontrasse em um local em que não estivessem presentes suas
companheiras.
Tais encontros foram realizados com o intuito de se repassar informações
sigilosas acerca da “
Operação Fumaça”
, acima mascarada sob a alcunha de “
confusão
grande”que estava em vias de acontecer.
A segunda prática do crime previsto no art. 325, caput, do CP restou
comprovada por meio das interceptações telefônicas realizadas nos dias 08, 16 e 17 de
junho de 2009, nas quais demonstrou-se que TARCISIO tinha sido anteriormente
avisado acerca de uma operação que seria realizada pela Polícia Federal no dia 17 de
junho.
Nesse sentido, as transcrições abaixo (fls. 24-25 do Anexo 1 - sem grifos
no original):
“DIA 08/06/2009 –TARCISIO pede para RENATO lhe ajudar. TARCISIO quer
que CRISTIANO RESOLVA um problema do superior deles. TARCISIO pergunta
ACR 9208 CE
M9456
12
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
se RENATO lembra daquele amigo, aquele moreno que TARCISIO apresentou
em seu escritório. RENATO fala que não está lembrado. TARICIO argumenta
que é aquele amigo seu. RENATO lembra. TARCÍSIO diz que esse amigo falou
que aquele assunto seria entre o dia 16 e 18 deste mês.
DATA 16/06/2009 (11:29:47) –TELES pergunta onde TARCISIO está. TARCISIO
diz no escritório. TELES diz que está precisando falar com TARCÍSIO agora.
TARCISIO pergunta se é coisa boa. TELES diz que é o negócio de umas meninas
muito importante e pergunta como fazem para pegar seu carro no departamento, e
se podem encontrar-se no Zé do Peixe. TARCISIO diz que vai só falar com
TELES, pois tem outras coisas para fazer e pergunta se TELES acha melhor no
Campestre, Teles diz que irá demorar pouco, pois tem outras coisas para fazer.
DATA 16/06/2009 (12:30:03) –TELES fala que vai almoçar no Parque Recreio.
TARCISIO pergunta qual. TELES diz que é o seis bocas. TARCISIO pergunta se
TELES acha melhor lá, TELES diz que sim e que o MONTE (policial federal
aposentado) está esperando lá. TARCÍSIO pergunta se é coisa boa. TELES
repete não várias vezes, demonstrado que não quer falar ao telefone. TARCÍSIO
entende e se despede.”
Novamente, a linguagem em código denota que os interlocutores
conversam sobre algo que, provavelmente, reveste-se de ilegalidade. Da mesma forma,
fica evidenciado o repasse de informações acerca das operações sigilosas da Polícia
Federal, vez que o “
amigo moreno”(TELES –fls. 36 do Anexo 1) avisou a TARCISIO
que “
aquele assunto”(Operação Fumaça) seria entre o dia 16 e 18 do mês de junho de
2009.
Após o encontro marcado na gravação datada de 16/09/2009, às
11:29:47, TARCÍSIO informou uma série de pessoas acerca da realização, no dia
seguinte, da “
Operação Fumaça”
, consoante se depreende do que abaixo se transcreve
(fls. 26 do Anexo 1 - sem grifos no original):
“DIA 16/06/09 (13:44:09) –TARCISIO diz para HNI (homem não identificado)
que aquele negócio que ele havia falado anteriormente com HNI está
confirmado e vai ser amanhã. HNI demora a compreender a que assunto
TARCÍSIO se refere. TARCISIO fala que é aquele assunto que HNI havia ficado
de confirmar. HNI diz que ele está limpo. TARCISIO pergunta se HNI gostou. HNI
diz que sim. TARCISIO fala que depois dá os detalhes.
DIA 16/06/2009 (15:24:51) –TARCISIO fala que deu três datas para HNI sobre
a possibilidade de acontecer um evento (Operação da Polícia Federal) HNI não
entende a que evento TARCISIO se refere. TARCISIO insiste, dizendo que seria
algo que eles temem bastante. HNI acha que entende e pensa que TARCISIO
estaria fazendo referência ao sorteio. TARCISIO fala que não, mas diz que esse
evento estria certo para ocorrer amanhã.
DATA 16/06/2009 (15:27:38) –TARCISIO fala com HNI sobre aquilo que ele
Haia pedido para HNI ver com seus amigos (Operação da Polícia Federal), sobre
a confirmação da possibilidade de vir a ocorrer. HNI entende que não pode
confirmar. TARCISIO fala que está certo para amanhã. HNI diz que só fizeram 27
mil. TARCISIO pergunta porque. HNI pergunta se é melhor marcar para amanhã.
TARCISIO concorda.
ACR 9208 CE
M9456
13
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Consoante se depreende dos diálogos acima destacados, a informação
acerca da realização da “
Operação Fumaça”foi repassada pro TARCISIO a várias
pessoas em um curto espaço de tempo, o que, consequentemente, acabou por prejudicar
o sigilo das investigações e dos procedimentos conduzidos pela Polícia Federal.
Além do mais, as gravações supracitadas estão em total conformidade
com a linguagem cifrada dos outros diálogos já analisados, vez que fazem menção
“
àquele negócio”(“
Operação Fumaça”
), que ele havia anteriormente falado com HNI
(TELES), e que seria realizado no outro dia pela manhã (17 de junho de 2009).
Saliente-se, ainda, que a realização da referida operação, pelo menos a
partir do que se extrai das interceptações em comento, seria extremamente prejudicial
aos interlocutores, vez que TARCISIO deixa claro que estava para acontecer “
algo que
eles temiam bastante”(“
Operação Fumaça”
).
O temor em face de tal operação só pode ser justificado diante da
probabilidade de estarem alguns dos interlocutores dos diálogos acima mencionados
envolvidos no suposto esquema de fraudes a procedimentos licitatórios e desvio de
recursos federais, investigados, de maneira sigilosa, pela Polícia Federal, em vários
municípios do estado de Ceará.
Os diálogos em análise deixam claro que foi em decorrência da conduta
do apelante que foram divulgadas uma série de informações que, em razão do seu
conteúdo, deveriam ser restritas aos agentes da Polícia Federal, contexto que se amolda
perfeitamente às elementares do tipo penal previsto no art. 325, caput, do CP.
A terceira violação de sigilo veio à tona por meio das interceptações
telefônicas realizadas entre os dias 04 e 07 de dezembro, em que o apelante divulgou a
TARCISIO várias informações sigilosas acerca da “
Operação Gárgula”
.
Dos elementos probatórios carreados aos autos depreende-se que o
apelante, no dia 04/12/2009, ao tomar ciência da referida operação, marcou, novamente,
um encontro com seu comparsa TARCISIO, para informá-lo acerca do procedimento
que seria realizado pela Polícia Federal, consoante se extrai dos diálogos abaixo
transcritos (fls. 834/839 do Anexo II, fls. 44/52 do Apenso 02 –sem grifos no original):
“DIA 04/12/2009 (14: 20: 28) –DIÁLOGO TELES X JOSABETH:
JO: Teles, eu queria saber se você estar (sic) aqui hoje a tarde que tem um, um
documento aqui para dar ciência de uma... serviço que vai ter na madrugada de
terça-feira; Dr. Casarine pediu para eu pegar a assinatura pessoal.
TE: Eu to (sic) aqui na Secretaria de Segurança.
JO: Hum... você só vem.
TE: Eu já to (sic) ciente. O que é, que hora é na terça-feira?
JO: É de madrugada, cedinho.
DIA 07/12/2009 (10:40:06 –horário de Brasília) DIÁLOGO TELES X TARCÍSIO
ACR 9208 CE
M9456
14
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
TE: E aí
TA: O que há meu príncipe!
TE: To (sic) precisando falar contigo urgente, eu, eu teve uma reunião lá...
Pacajus... Ta (sic) entendendo?
[...]
TA: É o que?
TE: Quando mais tarde, eu aviso, que eu vou pro (sic) aeroporto meio dia, ao
quando eu voltar do aeroporto eu ligo pra ti pra gente se encontrar.
TA: Mas não é problema não é?
TE: É da, da polícia, lá. Entendeu?
TA: Certo.
Da mesma forma que nas interceptações telefônicas anteriormente
analisadas, a linguagem em código denota que os interlocutores conversam sobre algo
que, provavelmente, reveste-se de ilegalidade. Além do mais, fica, novamente,
evidenciado o repasse de informações acerca das operações sigilosas da Polícia Federal,
vez que TELES, após a realização da “reunião lá em Pacajus” logo procurou
TARCISIO para avisá-lo acerca do “problema lá da polícia”, isto é, dos procedimentos
relativos à “
Operação Gárgula”
.
O conjunto de diálogos analisados revela, por parte do apelante, o dolo
necessário à prática da conduta delitiva prevista no art. 325, caput, do CP, representado
pela vontade livre e consciente de revelar segredo de que tem conhecimento em
decorrência direta do exercício de cargo ou função pública, tendo ciência de que se trata
de fato protegido por sigilo funcional e que o dever funcional lhe impede que o divulgue.
Ora, os elementos probatórios trazidos ao processo revelam a ocorrência
do suporte fático acima descrito, pois foi exaustivamente comprovado que o apelante,
com vontade livre e consciente, revelou, por três vezes, a amigos informações sigilosas
acerca de operações da Polícia Federal, conduta que se amolda como luva às elementares
do tipo penal acima referido, que estabelece:
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva
permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime
mais grave.
Ocorre que o apelante foi condenado pela prática da referida conduta em
sua modalidade qualificada, nos termos do § 2º do art. 325 do Código Penal, que dispõe:
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
(Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena –reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
No entanto, com base nos elementos de prova trazidos ao processo,
entendo não ser possível a condenação do apelante pela prática do crime de violação de
sigilo funcional em sua forma qualificada, vez que não restou efetivamente comprovado
que da prática daquela conduta resultou dano efetivo para a Administração Pública.
ACR 9208 CE
M9456
15
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
A mera presunção de ocorrência de dano, ao contrário do que entendeu o
Juízo Originário, impossibilita a configuração da hipótese normativa prevista no § 2º do
art. 325 do CP.
Dessa forma, como não foi possível chegar à conclusão de que, em
decorrência da conduta do apelante, houve dano concreto à Administração Pública ou a
terceiro, a condenação deve ser mantida, mas na forma das elementares do caput do art.
325 do CP.
Saliente-se, ainda, que a própria denúncia apresentada pelo Parquet
Federal admite (fls. 45) que não houve comprovação do dano necessário à configuração
do crime de violação de sigilo funcional nos termos do § 2º do art. 325 do CP.
Destarte, a condenação do apelante pela prática do crime acima citado,
em sua forma qualificada, sem que a denúncia tenha descrito os elementos necessários à
sua configuração, no caso, a ocorrência de dano efetivo à Administração, violaria o
princípio da correlação entre acusação e sentença.
"O princípio da correlação entre a denúncia e a sentença condenatória
representa no sistema processual penal uma das mais importantes garantias ao
acusado, porquanto descreve balizas para a prolação do édito repressivo ao dispor que
deve haver precisa correspondência entre o fato imputado ao réu e a sua
responsabilidade penal reconhecida na sentença" (STJ, HC no 145.385/RS, rel. Min.
Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13 set. 2011, DJe 26 set. 2011).
Dito isto, entendo que deve ser reformada a sentença em Primeira
Instância proferida para, diante da comprovação da autoria e da materialidade delitiva,
manter a condenação do apelante pela prática do delito de violação de sigilo funcional,
mas na forma prevista no caput do art. 325 do CP.
Da mesma maneira, deve ser reformado o decreto condenatório no que se
refere à aplicação, no caso, do art. 69 do CP, vez que entendeu o Juízo Originário que a
prática dos três delitos de violação de sigilo funcional pelos quais foi condenado o
apelante ocorreu em concurso material.
Contudo, tal raciocínio, no meu sentir, não é aplicável à situação ao
presente processo, vez que, pela análise dos autos e dos contextos neles delineados,
chega-se à conclusão de que o apelante, na verdade, praticou o delito tipificado no art.
325, caput, do CP em continuidade delitiva, vez que presentes todos os elementos
previstos no art. 71 do CP, que estabelece:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas,
ACR 9208 CE
M9456
16
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois
terços.
A figura jurídica do crime continuado refere-se, portanto, a um contexto
fático que, embora constituído por diversas ações, cada uma em si mesma criminosa,
recebe, por uma questão de política criminal, um tratamento jurídico que as considera
como se um único crime fossem.
Nas palavras do mestre Nelson Hungria (sem grifos no original):
"O que decide para a existência do crime continuado é tão-somente a
homogeneidade objetiva das ações, abstraído qualquer nexo psicológico, seja
volitivo, seja meramente intelectivo. A unidade do dolo, de resolução ou de
desígnio, quando efetivamente apurada, longe de funcionar como causa de
benigno tratamento penal, deve ser, como índice de maior intensidade do dolo do
agente ou de sua capacidade de delinqüir, uma circunstância judicial de
elevação da pena-base.1"
Partindo desse pressuposto, é válido, agora, fazer uma análise minuciosa,
a partir do contexto descrito nos autos, com o objetivo de comprovar a existência dos
requisitos caracterizadores do crime do crime continuado de maneira a justificar a
incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 71 do CP, reformando-se, assim,
a sentença em primeira instância proferida.
A partir dos autos, resta claro que houve, efetivamente, pluralidade e
uniformidade de condutas criminosas da mesma espécie, consubstanciadas nas várias
ligações por meio das quais o apelante repassou para o Secretário TARCISIO, conforme
o acima narrado, uma série de informações sigilosas acerca de operações de investigação
realizadas pela Polícia Federal.
Quanto à periodicidade, comprova-se tal requisito quando se atenta para
o fato de que as a primeira violação de sigilo funcional ocorreu por meio das ligações
realizadas entre 07/04/2009 e 10/04/2009, a segunda mediante as interceptações
telefônicas realizadas nos dias 08, 16 e 17 de junho de 2009 e a terceira por meio das
interceptações telefônicas realizadas entre os dias 04 e 07 de dezembro daquele mesmo
ano.
Ainda na seara do nexo de causalidade do crime continuado, restam,
também, comprovados, os requisitos de condições de lugar, maneira e contexto de
execução, vez que o modus operandi e as circunstâncias de ocorrência foram, no caso,
praticamente idênticos para todas as três violações de sigilo funcional praticadas pelo
apelante.
Diante disso, deve ser reformada a sentença objeto do presente recurso
para, excluindo a aplicação do art. 69 do CP (concurso material de crimes), manter a
1
HUNGRIA, Nélson, Comentários Código Penal, Rio de Janeiro, Forense.
ACR 9208 CE
M9456
17
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
condenação do réu pela prática do delito previsto no art. 325, caput, do CP, aplicandose, na terceira fase da dosimetria da pena, a causa de aumento referente à continuidade
delitiva, vez que as circunstâncias fáticas narradas nos autos possibilitam a perfeita
incidência das disposições normativas constantes do art. 71 do Diploma Penal Pátrio.
II –DA PRÁTICA DO CRIME DE ADVOCACIA ADMINISTRATIVA (Art. 321,
caput, do Código Penal)
Compulsando os autos, entendo, como a sentença, ser correta a
condenação do réu pela prática da conduta criminosa narrada na denúncia, vez que há,
nos autos, elementos probatórios que atestam, cabalmente, a autoria e materialidade da
conduta criminosa tipificada nos arts. 321, caput, e 321, parágrafo único, ambos do
Código Penal.
No caso, a prática de advocacia administrativa, nos termos do caput do
art. 321 do CP verificou-se nos vários momentos em que o apelante, valendo-se da sua
condição de servidor público, patrocinou uma série de interesses privados perante a
Administração Pública.
A primeira prática ocorreu no dia 07/09/2012, ocasião em que o apelante,
atendendo a pedido de seu íntimo amigo TARCISIO, entrou em contato com o delegado
NELSON TELES, com o objetivo de adiar a oitiva do prefeito de Eusébio/CE, um dos
vários municípios investigados pelas operações desenvolvidas pela Polícia Federal.
Prova o fato acima narrado o diálogo abaixo transcrito, obtido mediante
interceptação telefônica realizada com a devida autorização judicial (sem grifos no
original):
“DIA 07/12/2009 (12:20:06) –DIÁLOGO TARCÍSIO TELES X NELSON
TE: Nelsão... Nelsão
NE: Oi?
TE: É Teles.
NE: Opa Teles, o que é que há cara?
[...]
TE: Deixa eu te falar. Eu to (sic) com Acilon aqui, conversando com ele, ele tem
uma audiência contigo no dia quinze.
NE: Certo, e...
TE: Às quatorze horas... e no dia quinze.
NE: Rapaz, é... ô, ô, viu TELES, é porque o seguinte, TELES, eu, eu não consigo
desmarcar porque eu tô (sic) de férias, ta (sic) cara.
TE: Pronto, sim.
NE: Eu to (sic) de férias, ai só vou tar (sic) de volta a partir do dia dezessete viu.
TE: Não, então marca, marca pra janeiro.
NE: Tá (sic) certo, tudo bem, tem problema não.
[...]
NE: Tá (sic) certo, tranqüilo, PNE (palavra não entendida) fale com João Filho,
viu.
TE: Tá jóia, PNE, valeu, obrigado viu meu irmão.
ACR 9208 CE
M9456
18
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
DIA 07/12/2009 (12:21:39) DIÁLOGO TARCISIO/TELES X ACILON
TA: É o MARCÍLIO TELES, ele quer... falar com você.
AC: Certo, beleza.
TE: Diga aí meu querido...
AC: Oi amigo, tudo bem?
[...]
TE:...Oh! Resolvi seu negócio aqui, passei pra janeiro viu.
AC: Ok, ta (sic) bom demais, o meu e o outro NE?
TE: É! Todos os dois... ontem eu liguei pra ele... o celular dele, ele num tava, no,
no prédio, ele disse ‘
Teles faz o seguinte passa lá com meu escrivão... diz que já
falou comigo, pode marcar o dia que você quiser
[...]
AC: Pois obrigado por tudo, viu, ta (sic)
TE: Você manda”
É válido, ainda, salientar que o próprio delegado da Polícia Federal,
NELSON TELES, afirmou, em Juízo (fls. 341), que se recordava da referida conversa,
consoante se depreende do que abaixo se destaca (sem grifos no original):
“QUE se recordava de ter conversado ao telefone com o APF Teles, que a
conversa girava em torno de uma oitiva do Prefeito de Eusébio/CE, Acilon
Gonçalves, designada ou para o dia 14 ou para o dia 15; (...); QUE a solicitação
feita por Teles era no sentido de saber se era possível adiar a audiência para
janeiro; que ele não declinou o motivo do adiamento;
Além do mais, o próprio apelante, em seu depoimento em Juízo (fls. 359),
confirmou a razão pela qual entrou em contato com o delegado NELSON TELES,
conforme se extrai da leitura do abaixo destacado (sem grifos no original):
“QUE atendendo a um pedido de Tarcísio, portanto, ligou para o DPF Nelson
Teles e lhe indagou se seria possível marcar uma outra data para essa oitiva, já
que o prefeito estaria viajando.”
A partir da leitura dos diálogos acima em destaque, não resta dúvidas de
que o apelante, na condição de servidor público, patrocinou interesse eminentemente
privado perante a Administração, tratando esta como se fosse uma extensão das suas
relações pessoais, desrespeitando, assim, as diretrizes principiológicas mais elementares
do Direito Administrativo.
Ao agir de tal maneira, concorreu, com vontade livre e consciente, para a
prática da conduta delituosa prevista no art. 321, caput, do CP, a qual se consuma “
com
a realização do primeiro ato que caracteriza o patrocínio, ou seja, a prática de um ato
inequívoco de patrocinar interesse privado perante a Administração Pública, sendo
irrelevante o sucesso ou insucesso do patrocínio.”2
A segunda prática do crime de advocacia administrativa, na forma do art.
321, caput, do CP, teve lugar em 15/09/2009, quando o apelante patrocinou, junto a
Administração Pública, interesse do Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES
2
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7. ed. Saraiva, São Paulo: 2012.
ACR 9208 CE
M9456
19
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
com o objetivo de agilizar a realização de uma perícia no âmbito da Polícia Federal,
consoante se depreende dos diálogos abaixo destacados (fls. 164/165 –do Apenso 3 –
sem grifos no original):
DIA 15/09/2009 (10: 41: 35) –DIÁLOGO ANA/ANIBAL X TELES
A: Oi doutor TELES tudo bem?
TE: Tudo bom. É a ANA?
A: É a ANA tudo bem com o senhor?
TE: Tudo bom. Como é que você estar?
[...]
A: Eu vou passar o deputado ANIBAL ta (sic)?
TE: Tá (sic) certo.
[...]
ANI: TELES, alô TELES!
TE: Diga aí deputado
ANI: Meu amigo tudo bem?
TE: Tudo Jóia.
ANI: TELES era só para você dá uma forcinha no nosso perito... negócio de... lá
do município que eu te falei. Era só para agilizar.
TE: Eu falei com ele. Lá naquela hora eu tava lá.
ANI: É Umirim, o município de Umirim
TE: Eu estava com o chefe da custódia... do chefe da perícia lá.
ANI: Certo!
TE: É o dr. MAURÍCIO aí eu falei com ele, inclusive na hora que eu estava
conversando contigo ele estava na dúvida em dois que tinha lá, entendeu, porque
tem dois. Agora a dúvida você me dissipou naquela hora.
ANI: Certo.
TE: Quando eu voltar, quando eu voltar. Que eu estou indo lá no presídio,
quando eu voltar com ele para ver qual o andamento. Aí eu te dou uma
ligadinha.
ANI: Tá bom meu irão. É só para agilizar.
TE: Não eu sei. Eu falei para ele e ele entendeu.
Confirmando o teor do diálogo acima, trazem-se à baila trechos dos
depoimentos prestados em Juízo pelo apelante (fls. 359) e pelo deputado ANÍBAL
FERREIRA GOMES (fls. 339/340), que corroboram a prática da conduta delitiva pela
qual foi denunciado o apelante (sem grifos no original):
“QUE quanto ao evento envolvendo o deputado Aníbal Gomes, tem a dizer que
recebeu deste uma ligação pedindo que o interrogando intermediasse o encontro
entre um perito da Polícia Federal e uma advogada; que o interrogando, ‘
para
fazer uma média’
, disse que era amigo do perito Maurício, e que o deputado
poderia mandar a advogada que concretizaria o referido encontro.”(MARCÍLIO
TELES DE QUEIROZ –em Juízo –fls. 359)
“QUE conhece o denunciado Marcilio Teles de Queiroz há mais de dez anos, que
se recorda de, certa vez, haver telefonado para o APF Teles, indagando ao
mesmo se conhecia o perito da Polícia Federal responsável pela elaboração de
uma perícia envolvendo fatos ocorridos em Umirim/CE, que o telefonema foi no
sentido de agilizar a elaboração dessa perícia...”(ANÍBAL FERREIRA GOMES
–em Juízo –fls. 339)
ACR 9208 CE
M9456
20
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
A partir do cotejo dos elementos probatórios em análise chega-se à
inequívoca conclusão de que o apelante, novamente, concorreu, com vontade livre e
consciente, para a prática da conduta delituosa prevista no art. 321, caput, do CP.
Consta dos autos, ainda, provas de que o apelante, por uma terceira vez,
praticou aquela conduta criminosa, quando, em 01/09/2009 contatou o delegado da
Polícia Federal CLÁUDIO JOVENTINO com o objetivo de saber o porquê de ter sido
expedido mandado de intimação em face ANTÔNIO JOSÉ DE FREITAS MELLO,
conhecido do apelante.
Tal fato foi confessado em Juízo (fls. 359) pelo próprio apelante,
consoante se depreende do que abaixo se transcreve (sem grifos no original):
“QUE quanto ao episódio envolvendo a pessoa de Antonio José, esclarece que
efetivamente, atendendo a um pedido deste, se dirigiu ao gabinete do DPF
Cláudio Joventino apenas para saber se aquele precisava comparecer para ser
ouvido com um advogado;”
Ressalte-se, ainda, que o próprio delegado CLÁUDIO JOVENTINO
confirmou, perante a autoridade policial (fls. 27/28, do apenso 2) e em Juízo (fls.
300/301), o teor integral das escutas telefônicas, afirmando que foi procurado pelo
apelante para saber do que se tratava a intimação emitida em face de ANTONIO JOSÉ
DE FREITAS MELLO.
Nesse sentido, destacam-se, abaixo, trechos das declarações prestadas, em
Juízo, por CLÁUDIO JOVENTINO e dos diálogos telefônicos interceptados com
autorização judicial (sem grifos no original):
“... o depoente foi procurado pelo APF Marcilio Teles, após ter expedido uma
intimação para a oitiva do Sr. Antônio José de Freitas Melo, no âmbito da
‘
Operação Marambaia’
, para apurar supostas concessões irregulares de licenças
ambientais em Guaramiringa/CE; que o APF Teles o procurou para saber do
que se tratava a intimação e perguntou se precisava levar algum documento”
(CLÁUDIO JOVENTINO –em Juízo –fls. 300/301)
DIA 01/09/2009 (14:40:54) –DIÁLOGO ANTONIO JOSÉ X TELES
AJ:... IPL que diabo é isso hein (sic)?
TE: É inquérito policial.
AJ: Risos... Agora estou fudido. (sic)
TE: Não é daquela porra (sic) lá do coisa das tuas construções lá de
Guaramiringa.
AJ: É 244 barra 07 barra 4 delegacia de repreensão (sic) a crimes fazendários.
TE: É! Iche (sic) é negócio de contrabando. Contrabandeou o quê?
[...]
TE: Não 24407 pronto. Zero sete quatro. Quem é o delegado?
AJ: Pelo ao menos é gente boa.
TE: Quem é?
AJ: CLAUDIO BARROS.
ACR 9208 CE
M9456
21
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
TE: Ah, é o Doutor CLÁDIO!
AJ: É... jovem.
TE: Pronto é seu amigo. Deixa eu te falar uma coisa. Eu vou perguntar ao
escrivão dele e ai eu te aviso. Que eu estou Aquino aeroporto num negócio do
Banco Central.
[...]
TE: Ai eu vou falar com o doutor CLÁUDIO quando eu voltar, eu falo com o
CLÁUDIO e aí te dou um toque, viu.
AJ: Tranqüilo, sem problema nenhum beleza.
TE: Valeu, tchau.
AJ: Obrigado, príncipe.
Em harmonia com os elementos de prova acima elencados, tem-se o
depoimento prestado em Juízo por ANTONIO JOSÉ DE FREITAS MELO (fls.
308/309), o qual confirmou ter procurado o apelante para que este diligenciasse junto à
Administração Pública com o escopo de descobrir o motivo de ter sido expedido o já
mencionado mandado de intimação.
Ora, sabe-se que o inquérito policial é um procedimento administrativo de
natureza inquisitiva, conduzido pela autoridade policial e protegido pela garantia do
sigilo dos procedimentos a ele referentes, vez que se trata de um instrumento mediante o
qual se garante a inviolabilidade do segredo com o escopo de garantir a melhor
elucidação possível dos fatos objeto da investigação.
Diante de tal pressuposto, não poderia o apelante ter diligenciado junto ao
delegado da Polícia Federal CLÁUDIO JOVENTINO para saber o motivo de ter sido
expedido mandado de intimação em face de ANTONIO JOSÉ DE FREITAS MELO,
para que este prestasse informações no Inquérito Policial referente à “
Operação
Marambaia”
, que investigava supostas concessões irregulares de licenças ambientais em
Guaramiringa/CE.
Conclui-se, portanto, que, ao agir dessa maneira, o apelante, mais uma
vez, patrocinou interesse eminentemente privado perante a Administração Pública,
concorrendo, assim, com vontade livre e consciente, para a prática da conduta delituosa
prevista no art. 321, caput, do CP.
Em outro contexto semelhante, consoante de depreende dos autos, o
apelante foi contatado pelo policial rodoviário federal JOÃO MICENO MARQUES DE
LIMA, o qual solicitou que fosse marcado um encontro com o delegado da Polícia
Federal RENATO JEVSON para tratar acerca de um Inquérito Policial em que o
solicitante estaria sendo investigado pela prática dos delitos de formação de quadrilha,
concussão e corrupção.
Tal fato foi confirmado, em Juízo, pelo apelante (fls. 357/361), pelo
delegado RENATO JEVSON (fls. 302/303) e pelo policial rodoviário federal JOÃO
MICENO MARQUES DE LIMA, nos termos dos trechos abaixo destacados (sem grifos
no original):
ACR 9208 CE
M9456
22
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
“QUE quanto ao fato referente ao PRF Miceno, tem a dizer que, conforme foi
por ele solicitado, o conduziu à presença do DPF Renato Jevson; que o PRF
Miceno se dizia injustiçado; que o interrogando apenas conduziu o PRF Miceno à
sala do DPF Renato e os deixou a sós”(MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ –Em
Juízo –fls. 359)
“
... QUE o depoente presidiu e relatou o IPL 204/2007; que conforme relatou em
termo de declarações, foi procurado pelo APF Teles, na companhia do Policial
Rodoviário Miceno, o qual fora indiciado no mencionado IPL; que estavam em
busca de obter cópias do referido IPL.”(RENATO JEVSON NUNES MACIEL –
Em Juízo –fls. 302/303)
“... QUE conhece o APF Teles há nove anos; [...] que foi com o APF Teles à
presença do delegado Renato Jevson, para obter cópias de um inquérito policial
em que fora indiciado.”( JOÃO MICENO MARQUES DE LIMA –Em Juízo –fls.
304/305)
Consoante o anteriormente exposto, o sigilo é uma das características do
Inquérito Policial, razão pela qual não poderia o apelante providenciar meios para que
um terceiro tivesse acesso ao procedimento inquisitivo sigiloso conduzido pela Polícia
Federal.
Dessa forma, com base nos elementos de prova acima elencados, resta
evidente que o apelante, mais uma vez, patrocinou eminentemente privado junto à
Administração Pública, concorrendo, assim, com vontade livre e consciente, para a
prática do delito previsto no art. 321, caput, do CP.
Há nos autos, ainda, prova de que o apelante, por uma quinta vez,
praticou a mesma conduta criminosa quando, em 03/08/2009, patrocinou, perante a
Polícia Federal, o interesse de FRANCISCO EDVAN DE OLIVEIRA para que fosse
liberada uma quantia em dinheiro que se encontrava em um carro de sua propriedade
apreendido pela PF.
Corroborando o fato acima narrado, destacam-se, abaixo, trechos das
interceptações telefônicas (fls. 45/47, Apenso III) obtidas com a devida autorização
judicial (sem grifos no original):
“DIA 03/08/2009 (08:46:10) DIÁLOGO TELES X FRANCISCO EDVAN (AINDA
NAÕ IDENTIFICADO NESTA LIGAÇÃO)
TE: Diga rapaz!
HNI: Custe a falar com você mais (sic) estou conseguindo agora.
[...]
HNI: Me diga uma coisa. Ontem a tardezinha (sic) para a noite houve uma
batida no meu carro com outro.
TE: Sei!
[...]
HNI: ME parece que a polícia federal levou o carro para Fortaleza.
TE: Hum!
ACR 9208 CE
M9456
23
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
HNI: E eu queria ver se tu tinha. Que a militar já ligou ali para o posto do
triângulo e não foi para lá o carro. Disseram que foi para Fortaleza e eu queria
ver se tinha como tu descobrir aonde estava o carro para a gente pegar o carro.
[...]
TE: Não na hora que você ligar eu dou um pulo lá. Você pode para direto lá no
DER e aí eu dou um pulo lá e falo com o pessoal para saber aonde estar o seu
carro.
HNI: Sei!
TE: Para saber o que é preciso para sair. Se for coisa pouca a gente dar um jeito
lá Falo com AGIDENOR, UBIRATAN com qualquer pessoa lá. Agora você
tem...PNE... com a documentação. Os papéis que você tem aí.”
DIA 03/08/2009 (14:48:59) DIÁLOGO TELES X FRANCISCO EDVAN (AINDA
NÃO IDENTIFICADO NESTA LIGAÇÃO)
HNI: Macho velho o rapaz não apareceu e eu falei com o outro aqui, certo?
TE: Hum!
HNI: Eu falei com o outro e disse que já tinha falado com aquele senhor lá e
tudo mais. Mais (sic) ele não liberou o carro, certo.
[...]
HNI: E aí que estou indo embora.
TE: Não rapaz. Vai lá para o coisa que eu vou para lá agora. Tu estar (sic) de
carro.
HNI: Eu vim de reboque para levar o carro. Eu estou no reboque de PEDRINHO
lá do JOSÉ CAMELO.
TE: Pois vá para lá...PNE... que eu vou falar com o UBIRATAN agora. Vai lá
para polícia rodoviária.
A partir da leitura dos diálogos acima em destaque, não resta dúvidas de
que o apelante, na condição de servidor público, patrocinou interesse eminentemente
privado perante a Administração, novamente, tratando esta como se fosse uma extensão
das suas relações pessoais, desrespeitando, assim, as diretrizes principiológicas mais
elementares do Direito Administrativo.
Em conformidade com o teor das interceptações telefônicas destacadas,
tem-se o depoimento, prestado em Juízo e, pelo próprio FRANSCISCO EDVAN DE
OLIVEIRA (fls. 583/584), o qual confirma o teor integral dos fatos acima narrados.
Dessa forma, com base nos referidos elementos de prova, resta evidente
que o apelante, mais uma vez, patrocinou eminentemente privado junto à Administração
Pública, concorrendo, assim, com vontade livre e consciente, para a prática do delito
previsto no art. 321, caput, do CP.
Ressalto, no entanto, que deve ser reformado o decreto condenatório no
que se refere à aplicação, no caso, do art. 69 do CP, pois entendeu o Juízo Originário
que a prática dos delitos de advocacia administrativa pelos quais foi condenado o
apelante ocorreu em concurso material.
Contudo, tal raciocínio, no meu sentir, não é aplicável à situação ao
presente processo, vez que, pela análise dos autos e dos contextos neles delineados,
ACR 9208 CE
M9456
24
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
chega-se à conclusão de que o apelante, na verdade, praticou o delito tipificado no art.
321, caput, do CP em continuidade delitiva, diante da presença de todos os elementos
previstos no art. 71 do CP, que estabelece:
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois
ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de
execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas,
ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois
terços.
A figura jurídica do crime continuado refere-se, portanto, a um contexto
fático que, embora constituído por diversas ações, cada uma em si mesma criminosa,
recebe, por uma questão de política criminal, um tratamento jurídico que as considera
como se um único crime fossem.
Nas palavras do mestre Nelson Hungria (sem grifos no original):
"O que decide para a existência do crime continuado é tão-somente a
homogeneidade objetiva das ações, abstraído qualquer nexo psicológico, seja
volitivo, seja meramente intelectivo. A unidade do dolo, de resolução ou de
desígnio, quando efetivamente apurada, longe de funcionar como causa de
benigno tratamento penal, deve ser, como índice de maior intensidade do dolo do
agente ou de sua capacidade de delinqüir, uma circunstância judicial de
elevação da pena-base.3"
Partindo desse pressuposto, é válido, agora, fazer uma análise minuciosa,
a partir do contexto descrito nos autos, com o objetivo de comprovar a existência dos
requisitos caracterizadores do crime do crime continuado de maneira a justificar a
incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 71 do CP, reformando-se, assim,
a sentença em primeira instância proferida.
A partir do exame dos autos, resta claro que houve, efetivamente,
pluralidade e uniformidade de condutas criminosas da mesma espécie, consubstanciadas
nos vários patrocínios, por parte do apelante, de interesses eminentemente privados
perante a Administração Pública.
Quanto à periodicidade, comprova-se tal requisito quando se atenta para
o fato de que os patrocínios se deram a intervalos periódicos e relativamente constanres.
Ainda na seara do nexo de causalidade do crime continuado, restam,
também, comprovados, os requisitos de condições de lugar, maneira e contexto de
execução, vez que o modus operandi e as circunstâncias de ocorrência foram, no caso,
praticamente idênticos.
3
HUNGRIA, Nélson Comentários Código Penal. Rio de Janeiro, Forense.
ACR 9208 CE
M9456
25
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Diante disso, deve ser reformada a sentença objeto do presente recurso
para, excluindo a aplicação do art. 69 do CP (concurso material de crimes), manter a
condenação do réu pela prática do delito previsto no art. 321, caput, do CP, aplicandose, na terceira fase da dosimetria da pena, a causa de aumento referente à continuidade
delitiva, vez que as circunstâncias fáticas narradas nos autos possibilitam a perfeita
incidência das disposições normativas constantes do art. 71 do Diploma Penal Pátrio.
III – DA PRÁTICA DO CRIME DE ADVOCACIA ADMINISTRATIVA NA
FORMA QUALIFICADA (art. 321, parágrafo único, do Código Penal)
Por fim, é necessário salientar que há, também, nos autos, provas
suficientemente robustas para manter a condenação do réu, nos termos da sentença, pela
prática do crime de advocacia administrativa em sua forma qualificada, nos termos do
parágrafo único do art. 321 do CP, que estabelece (sem grifos no original):
Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a
administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.
Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo:
Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.
A forma qualificada do crime de advocacia administrativa evidencia a
preocupação do legislador em punir com um maior grau de severidade o patrocínio,
perante a Administração Pública, de interesses contrários à ordem jurídica.
Trata-se, na verdade, de uma decorrência lógica da forma prevista no
caput do art. 321, vez que, se já constitui crime o patrocínio, junto à Administração, de
interesse eminentemente privado, seja este legítimo ou não, é evidente que o patrocínio
de interesse que, além de privado, exala ilegitimidade, merecerá, por parte do Direito,
uma maior reprimenda.
No caso, verificou-se o interesse ilegítimo quando, em 28/07/2009, o
apelante patrocinou, perante a Policia Federal, a liberação do caminhão de IVONILDO,
que, em razão de traficar com uma série de irregularidades, havia recebeu seis multas e
foi apreendido pela autoridade policial.
O apelante entrou em contato com o policial JOAO MICENO, com quem
tinha relação de amizade, e articulou a liberação do referido veículo, consoante se
depreende dos trechos de diálogos abaixo transcritos (fls. 31/34 –Apenso 3 - sem grifos
no original):
“DIA 28/07/2009 (10:36:55) –DIÁLOGO TELEX X IVONILDO
IVO: Teles!
TE: Oi.
IVO: Ivonildo, macho.
TE: Diz aí Ivonildo Macho.
ACR 9208 CE
M9456
26
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
[...]
IVO: Rapaz, meu TIM ta (sic) no prego macho e eu tô (sic) precisando falar
contigo urgente, prenderam meu caminhão acolá, a porra (sic) da 020
TE: Hum
IVO: Tá lá. No POSTO DA RODOVIÁRIA oh!
TE: Da onde é (sic)?
IVO: Ta lá no POSTO DE RODOVIÁRIA, lá na 020 pro acolá.
TE: Sim, mas o que foi?
IVO: Rapaz, um bocado de coisa, o motorista não tem carteira, tacógrafo, num
sei o quê, num sei o quê, o cara tirou seis multa (sic)
[...]
TE: Ele vai buscar pra te (sic) lá porra (sic)... e eu ligo pro pessoal liberar.
IVO: Rapaz é foda viu, eu perdi um temop medonho macho...
DIA 28/07/2009 (10:55:18) DIÁLOGO TELES X IVONILDO
TE: Sou eu macho.
IVO: Diga meu filho.
TE: Manda a pessoa procurar, manda motorista procurar LUCIANO... lá
IVO: Foi ele que prendeu foi?
[...]
TE: Por que... é! Disse que manda-se (sic) com certeza que ele entregava... eu já
pedi uma pessoa pra ligar pra ele, que eu num conheço ele... aí, o, o, o, por
coincidência veio uma pessoa aqui falar comigo hoje, que é da POLÍCIA
RODOVIÁRIA, aí ele falou, liguei pra ele, aí ele ligou pra lá falou com esse
LUCIANO COUTINHO e ele, disse aí pediu que você manda-se um motorista
que libera o carro.
DIA 28/07/2009 (11:05:45) DIÁLOGO TELES X IVONILDO
IVO: Vou deixar pra pegar o caminhão bem cedinho lá
TE: Tá certo, ta bom...
IVO: Sabe porque...
TE: Agora tem um detalhe preste atenção... o cara deve sair hoje do plantão dele
me, e bom você dá uma ligadinha pra ele, dizer oh rapaz, eu sou o rapaz dono do
caminhão, que MICENO falou pra você, eu queria dizer pra você que tô sem
condições de ir agora... por causa da minha empresa é, é to muito ocupado aqui.
IVO: Não, eu vou arrumar um motorista com carteira...
TE: Pois é, aí você fala com ele, pra, pra quem que você vai procurar amanhã e
até que horas, ligue logo pra ele lá!”
É válido, ainda, salientar que o apelante, ao prestar declarações perante a
autoridade policial (fls. 11/23 –Apenso 2), forneceu alguns detalhes acerca das infrações
que deram causa à apreensão do carro de IVONILDO, consoante se depreende do que
abaixo se transcreve (sem grifos no original):
“... QUE inclusive se recorda que IVANILDO disse ao declarante que o
documento somente poderia ser retirado com a apresentação do caminhão ao
Posto da Polícia Rodoviária da Caucaia, uma vez que o referido caminhão estava
com o vidro quebrado antes mesmo da apreensão pela PRF; QUE o responsável
pelo posto de CAUCAIA disse que somente devolveria o documento do caminhão
se IVANILDO consertasse o vidro do caminhão.”
O Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 162, estabelece que constitui
infração de trânsito:
ACR 9208 CE
M9456
27
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Art. 162. Dirigir veículo:
I - sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (três vezes) e apreensão do veículo.
Já o art. 230 do mesmo diploma legal preceitua que (sem grifos no
original):
Art. 230. Conduzir o veículo:
XVIII - em mau estado de conservação, comprometendo a segurança, ou
reprovado na avaliação de inspeção de segurança e de emissão de poluentes e
ruído, prevista no art. 104
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - retenção do veículo para regularização;
Do exame dos autos, vê-se que o veículo apreendido recebeu seis multas,
dentre as quais se destacam uma em razão de estar o então condutor dirigindo sem
carteira de habilitação e outra pelo do fato de que o referido veículo estava trafegando
em estado de conservação incompatível com as determinações da legislação pertinentes à
matéria.
Veja-se que, consoante a legislação de trânsito, o aludido veículo não
poderia ser liberado até que fossem sanadas as irregularidades que deram causa à
apreensão, sobretudo aquelas referentes ao mau estado de conservação, o qual acarreta
situação de perigo não só para o próprio condutor, mas também para os demais
motoristas e pedestres.
Diligenciar no sentido de obter a liberação de tal veículo, portanto,
macula de ilegitimidade o interesse eminentemente privado patrocinado pelo apelante
perante a Administração Pública, razão pela qual resta devidamente configurado o
suporte fático referente à prática do crime de advocacia administrativa em sua forma
qualificada, nos termos do parágrafo único do art. 321 do CP.
IV –DA DOSIMETERIA DA PENA
IV.1 –VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (art. 325 do Código Penal)
O art. 325 do Código Penal comina pena de detenção de seis meses a
dois anos, ou multa, quando constatada a prática da conduta de violação de sigilo
funcional. Em atendimento ao sistema trifásico, e diante da ausência de recurso de
apelação por parte do Ministério Público, fixo, na primeira fase da dosimetria da pena, a
pena-base no mínimo legal, ou seja, em seis meses de detenção.
Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.
ACR 9208 CE
M9456
28
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Na terceira fase da dosimetria, deve ser aplicada a causa de aumento de
pena referente à continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do CP, pelo que aumento a
pena em 1/2, tornando-a definitiva em nove meses de detenção.
IV.2 –ADVOCACIA ADMINISTRATIVA (art. 321 do Código Penal)
O art. 321 do Código Penal comina pena de detenção de um a três meses,
ou multa, quando constatada a prática da conduta advocacia administrativa. Em
atendimento ao sistema trifásico, e diante da ausência de recurso de apelação por parte
do Ministério Público, fixo, na primeira fase da dosimetria da pena, a pena-base no
mínimo legal, ou seja, em um mês de detenção
Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.
Na terceira fase da dosimetria, deve ser aplicada a causa de aumento de
pena referente à continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do CP, pelo que aumento a
pena em 1/2, tornando-a definitiva em um mês e quinze dias de detenção.
IV.3 –ADVOCACIA ADMINISTRATIVA NA FORMA QUALIFICADA
(art. 321, Parágrafo único, do Código Penal)
O parágrafo único do art. 321 do Código Penal comina pena de detenção
de três meses a um ano, além de multa, quando constatada a prática da conduta
advocacia administrativa em sua modalidade qualificada. Em atendimento ao sistema
trifásico, e diante da ausência de recurso de apelação por parte do Ministério Público,
fixo, na primeira fase da dosimetria da pena, a pena-base no mínimo legal, ou seja, em
três meses de detenção mês de detenção e ao pagamento de 10 dias-multa.
As condições econômicas do apelante, consideradas boas com base nos
elementos probatórios trazidos aos autos, justificam a imposição de um patamar mais
elevado a título de dia-multa, razão pela qual o valor de cada um será equivalente, nos
termos da sentença, a 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos
geradores da condenação.
Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.
Não verifico a presença de causas de aumento ou de diminuição da pena,
pelo que torno definitiva a sanção penal a ser ao apelante cominada em três meses de
detenção mês de detenção e ao pagamento de 10 dias-multa.
Pelo concurso material (art. 69 do CP), a soma das penas privativas de
liberdade atinge o patamar de um ano, um mês e quinze dias de detenção, a ser
cumprida em regime inicial aberto (art. 36 do CP), além do pagamento de 10 diasACR 9208 CE
M9456
29
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
multa no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos
fatos geradores da condenação.
Presentes os requisitos do art. 44 do CP, determino a substituição da pena
privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação
de serviços à comunidade ou entidades públicas (inciso IV do art. 43 do CP) e no
pagamento de prestação pecuniária (inciso I, do art. 43 do CP) no valor
correspondente a quatro vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos geradores da
condenação.
Como efeito da condenação, mantenho a decretação da perda do cargo
público, nos termos da alínea “
a”
, do inciso I, do art. 92 do CP, que estabelece (sem
grifos no original):
Art. 92 - São também efeitos da condenação:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: (Redação dada pela Lei
nº 9.268, de 1º.4.1996)
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a
Administração Pública;
Como razões complementares à decisão, adoto o acertado e idôneo
posicionamento do Juízo sentenciante, nos termos do que abaixo se transcreve:
“O conjunto probatório da presente ação penal, associado às circunstâncias em
que se deram os fatos, demonstra de forma cristalina que Marcílio Teles,
possuidor de um cargo público de alta relevância À sociedade (Polícia Federal),
utiliza-o de forma contumaz para cometer delitos, promover ‘
favores’em busca de
votos, conforme ele mesmo afirmou (que costuma fazer favores, ‘
e os faz porque é
político em sua cidade’
). Ressalte-se que esses favores são prestados a ‘
amigos’
,
políticos famosos (Deputado Estadual Fernando Hugo, Deputado Federal Aníbal
Ferreira Gomes, Eugênio Rabelo, Prefeito do Eusébio/CE, de Pacajú/CE etc.),
grandes empresários (Francisco Claudio Saraiva Leão Dias Branco, Antônio José
de Freitas Melo –Normatel etc.), servidores de outros órgãos, como, por exemplo,
da Polícia Rodoviária Federal, enfim, Marcílio Teles usa seu cargo de Policial
Federal de forma desvirtuada, para a satisfação de seus interesses particulares,
em detrimento do interesse público. Utiliza-se do cargo, inclusive, para ‘
arranjar’
empregos para os filhos, quer na Prefeitura do Eusébio/CE, quer em grandes
empresas (em troca de favores com empresários)
(...)
O mais grave, porém, diz respeito à traição do réu em relação à instituição que o
tem como servidor há anos e que durante todo esse tempo pagou seu salário e
colaborou para forma sua identidade, circunstâncias estas desprezadas pelo réu. A
revelação dos segredos profissionais que detinha indica não apenas o cometimento
do fato típico em si e de gerar prejuízos evidentes às investigações, mas revela
pouco caso com os demais colegas de profissão, não sendo demais esclarecer que
divulgações de diligências de busca e apreensão e prisões tem o poder de expor
policiais federais a verdadeiros riscos de vida”
ACR 9208 CE
M9456
30
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Destarte, deve ser mantida, nos termos da sentença proferida pelo Juízo
originário, a perda do cargo de Agente de Polícia Federal, matrícula 2669, exercido pelo
apelante MARCÍLIO TELES DE QUEIROZ.
Ressalto, por fim, que a incidência do efeito extrapenal específico
disposto no artigo 92, I, “a”, do CP, nada tem a ver com a efetiva execução de pena
privativa de liberdade, mas com sua "aplicação" por tempo igual ou superior a um ano,
nos crimes ali definidos, subsistindo, assim, a perda do cargo, ainda que tenha havido
substituição da pena corporal.
Isto posto, dou parcial provimento à apelação do réu para, mantida a
condenação, determinar:
a) a desclassificação do delito previsto no § 2º do art. 325 do CP para o
art. 325, caput do mesmo diploma legal;
b) a substituição do concurso material (art. 69) pela continuidade delitiva
(art. 71 do CP) no que se refere à prática dos delitos de violação de
sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e advocacia administrativa
(art. 321, caput, do CP).
Mantidos os demais termos da sentença.
É como voto.
JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Relator
ACR 9208 CE
M9456
31
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032-70.2010.4.05.8100)
APTE
: MARCILIO TELES DE QUEIROZ
ADV/PROC : ANTONIO AZEVEDO VIEIRA FILHO E OUTROS
APDO
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM
: 11ª VARA FEDERAL DO CEARá (PRIVATIVA EM MATéRIA
PENAL) - CE
RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL (ART.
325, CAPUT, DO CP). ADVOCACIA ADMINISTRATIVA (ART. 321,
CAPUT,
E
PARÁGRAFO
ÚNICO
DO
CP).
PRELIMINAR.
INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES NECESSÁRIAS À
INSTRUÇÃO
CRIMINAL.
FUNDAMENTAÇÃO.
REQUISITO
PREENCHIDO. AUSÊNCIA DE NULIDADE.
1. A interceptação telefônica foi autorizada para que melhor pudesse ser apurada
a responsabilidade das pessoas envolvidas na empreitada criminosa narrada na
denúncia. O pedido de quebra do sigilo telefônico do réu, atendeu a todos os
requisitos legais pertinentes a matéria.
2. Os pedidos de prorrogação da referida diligência foram deferidos em decisões
devidamente fundamentadas. É pacífica a jurisprudência pátria ao afirmar que o
lapso temporal previsto no art. 5º da Lei Nº 9.296/96 não é taxativo, podendo,
assim, ser prorrogado quando estritamente necessário à realização das
investigações policiais, desde que em decisão fundamentada. Preliminar
rejeitada.
MÉRITO.
AUTORIA
E
MATERIALIDADE
COMPROVADAS.
DOSIMETERIA DA PENA. CONTINUIDADE DELITIVA. PERDA DO
CARGO PÚBLICO (ART. 92, I, “
a”do CP)
3. Apesar de ter sido condenado pela prática do crime de violação de sigilo
funcional em sua forma qualificada (§2º do art. 325 do CP), não há prova de que
a conduta do réu ocasionou prejuízo para a Administração Pública. A ocorrência
de dano não pode ser presumida, como no caso, razão pela qual a condenação
pela prática do crime de violação de sigilo funcional deve se dar na forma do art.
325, caput, do CP.
5. Há provas suficientes da autoria e da materialidade delitiva das condutas de
violação de sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e de advocacia administrativa
(art. 321, caput, e parágrafo único do CP).
6. O conjunto probatório da presente ação penal demonstra de forma cristalina
que o apelante, na condição de Agente da Polícia Federal, valia-se do cargo para
a prática de delitos funcionais para a satisfação de interesses de particulares, em
detrimento do interesse público.
7. Os delitos de violação de sigilo funcional (art. 325 do CP) e de advocacia
administrativa (art. 321, caput, e parágrafo único do CP) não foram cometidos
ACR 9208 CE
M9456
32
PODER JUDICIáRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
em concurso material (art. 69 do CP), mas sim, em continuidade delitiva, diante
da presença dos requisitos elencados no art. 71 do CP.
8. Atendidos os requisitos previstos na alínea “
a”
, do inciso I, do art. 92 do CP,
deve ser mantida a decretação da perda do cargo público ocupado pelo apelante.
9. Apelação parcialmente provida, para, mantida a condenação, determinar a
desclassificação do delito previsto no § 2º do art. 325 do CP para o art. 325,
caput do mesmo diploma legal e a substituição do concurso material (art. 69) pela
continuidade delitiva (art. 71 do CP) no que se refere à prática dos delitos de
violação de sigilo funcional (art. 325, caput, do CP) e advocacia administrativa
(art. 321, caput, do CP).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os presentes autos, DECIDE a Primeira Turma do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação, nos termos do
relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.
Recife, 08 de maio de 2014.
JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI
Relator
ACR 9208 CE
M9456
33
Download

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 9208 CE (0004032