XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006
Gestão de suprimentos no atacado: um estudo de caso sobre o impacto
da estratégia de marcas próprias na função suprimentos
Éderson Luiz Piato (DEP/UFSCar) [email protected]
Maria Rita Pontes Assumpção (DEP/UFSCar) [email protected]
Verônica Angélica Freitas de Paula (DEP/ UFSCar) [email protected]
Andrea Lago da Silva (DEP/UFSCar) [email protected]
Resumo
A evolução do setor atacadista foi impulsionada, nos últimos anos, pelo acirramento da
concorrência, exigindo mudanças em suas atividades tradicionais, principalmente em
atividades mercadológicas. No que se refere a introdução de marcas próprias, a situação
também se modificou. Esta mudança tornou a função compras mais importante para o
atacado, segundo dados da literatura acadêmica. A mesma sugere a crescente importância
da realização de análises sobre o fortalecimento da relação entre as atividades da gestão de
suprimentos e a estratégia mercadológica de marcas próprias. A adoção de marcas próprias
exige do atacadista um comportamento mais criterioso para avaliar e selecionar seus
fornecedores, de modo a garantir melhor desempenho dos produtos que carregam sua marca.
Este artigo objetiva identificar, por meio de um estudo de caso, a influência e o impacto da
estratégia de marcas próprias do atacado na gestão de suprimentos (compras). A análise é
focada no processo de avaliação para seleção dos fornecedores (fabricantes), assim como na
análise de seu desempenho. Os resultados apresentados são baseados em informações
coletadas em entrevistas com gerentes de marcas próprias de um grande atacadista
brasileiro e com o diretor comercial de uma indústria fornecedora de marcas próprias.
Palavras-chave: Gestão de suprimentos; Marcas próprias; Atacado.
1. Introdução
Sob o paradigma de cadeia de suprimentos, as empresas buscam alinhar a estratégia de
compras à estratégia empresarial (BAILY et al., 2000; CZINKOTA et al., 2001). Esse
alinhamento tem sido mais intensamente analisado, principalmente na relação fornecedor de
materiais e empresas manufatureiras, sendo daí a quase totalidade das proposições conceituais
em gestão de suprimentos, ou seja, em atividades de aquisição de materiais para
transformação. No entanto, organizações não manufatureiras - como o atacado tradicional que
se dedica a comprar, assumir propriedade, armazenar (em geral) e manusear produtos em
quantidades grandes, para em seguida revendê-los em quantidades menores - também
necessitam capacitar-se no desempenho desta função. A gestão de suprimentos é importante
para o atacadista que revende produtos, pois a decisão tomada sobre “o que comprar”, recai
imediatamente sobre “o que vender” (BAILY et al., 2000). Assim, a função de compras no
atacado não é restrita apenas ao processo de negociação com os fornecedores (fabricantes dos
produtos para revenda), estendendo-se também para controle de qualidade e de custos,
principalmente quando se refere aos produtos, que carreguem marca própria do atacadista.
A marca constitui propriedade daquele que a desenvolve: é chamada marca própria quando
desenvolvida por revendedores, sendo do fabricante quando por ele desenvolvida
(BOWERSOX; COOPER, 1992 e BERMAN, 1996). As marcas mudam de propriedade
quando adquiridas por outro. As marcas próprias podem ser de atacadistas ou de varejistas. A
estratégia de marca própria exige maior aproximação do atacadista ao processo produtivo,
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assim como maior capacitação para gestão de suprimentos (compras), tratada, então, como
função estratégica.
A contribuição deste artigo é delinear uma resposta à questão: como a gestão de suprimentos
se relaciona com a estratégia de marcas próprias. O objetivo do trabalho é identificar, por
meio de um estudo de caso, a influência e o impacto da estratégia de marcas próprias na
gestão de suprimentos (compras) do atacado. A análise é focada no processo de avaliação para
seleção dos fornecedores (fabricantes), assim como para análise de seu desempenho no
fornecimento dos produtos para as marcas próprias.
A relevância desta análise é pela escassez de atenção acadêmico-científica à compreensão dos
impactos proporcionados pela estratégia de marcas próprias das empresas atacadistas, em
especial nas funções que integram a cadeia de suprimentos de alimentos. A falta desta
compreensão limita as discussões científicas sobre esta estratégia no âmbito da gestão da
cadeia de suprimentos (supply chain management - SCM). Além disso, a inexistência de
trabalhos que contemplem ao mesmo tempo as discussões encontradas nas literaturas de
marketing e de gestão de suprimentos também motiva esta análise.
2. Revisão teórica
A revisão bibliográfica aborda as principais proposições conceituais sobre gestão da cadeia de
suprimentos, gestão de suprimentos (compras) e estratégia de marcas próprias no atacado.
2.1. SCM e gestão de suprimentos
Entende-se gestão da cadeia de suprimentos (SCM) como “a integração dos processos-chave
de negócios do consumidor final até o primeiro fornecedor original (matéria-prima), buscando
disponibilizar produtos, serviços e informações que adicionam valor aos clientes e a outros
stakeholders” (LAMBERT e COOPER, 2000, p.66). A idéia de “adicionar valor aos clientes e
aos stakeholders” tem forte influência da área de marketing. Isso revela que os
desenvolvimentos teóricos de outras áreas de conhecimento da administração, principalmente
da gestão de operações, tornam multidisciplinar o conceito de SCM. A característica também
multidisciplinar do objetivo proposto nesta análise traz as abordagens de Marketing e de
Compras (suprimentos) a serem expostas neste artigo. Considerando tratar-se de funções
empresariais tradicionais complementa-se a definição de SCM: “gestão da cadeia de
suprimentos é a coordenação sistêmica e estratégica das funções empresariais tradicionais, de
suas táticas e dos negócios na cadeia de suprimentos, com a finalidade de melhorar o
desempenho, no longo prazo, das companhias individuais e da cadeia de suprimentos como
um todo” (MENTZER et al., 2001).
O suprimento abrange a compra e a organização da movimentação de entrada de materiais, de
peças e de produtos acabados dos fornecedores para fábricas ou montadoras, depósitos ou
lojas de varejo (BOWERSOX e CLOSS, 2001). Para Martins (1999), Alves (2001), Ballou
(2001) e Dantas et al. (2002) a gestão de compras (ou de suprimentos) envolve as atividades
de: localização, seleção e desenvolvimento de fornecedores, negociações de preço e condições
de pagamento para aquisição de materiais, emissão e acompanhamento das ordens de compra
(follow-up), controle no recebimento do material para garantir as especificações solicitadas,
avaliação de desempenho dos fornecedores quanto aos prazos de entrega e qualidade do
material fornecido.
Segundo LARSON e HALLDORSSON, 2002 (apud PIRES, 2004), a área de compras é parte
do escopo de atuação da SCM, sendo interface da unidade produtiva e seus mercados
fornecedores (SLACK et al., 2002). O principal objetivo da área de suprimentos é dar suporte
à produção e/ou a organização de revenda, oferecendo materiais e/ou produtos no tempo certo
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ao menor custo total (ALVES, 2001). Mais especificamente, os objetivos básicos da atividade
de compras (ou variáveis-chave de compras) conforme Martins (1999), Baily et al. (2000) e
Slack et al. (2002) são: custo; prazo de entrega; quantidade; qualidade e flexibilidade dos
fornecedores. De todas estas variáveis, a qualidade se destaca como um importante fator no
monitoramento do desempenho dos fornecedores (BAILY et al., 2000) e no atendimento das
necessidades do mercado contemporâneo.
Para garantir a qualidade do suprimento é necessário selecionar e avaliar fornecedores
capazes de atender à especificação requerida pelo comprador. Lambert et al. (1998)
descrevem o seguinte procedimento para avaliação dos fornecedores: 1) identificar todos os
fornecedores em potencial para o item a ser comprado e criar uma lista de fatores pelos quais
o fornecedor será avaliado; 2) avaliar o desempenho de cada fornecedor individualmente para
cada fator; 3) determinar o peso de cada fator em sua situação específica; 4) comparar a soma
dos pontos conquistados por cada fornecedor. Este procedimento também conhecido como
“plano de pontuação” é defendido por outros autores (CZINKOTA et al., 2001). Mais
especificamente, Baily et al. (2000) mencionam cinco métodos para avaliar a capacidade do
fornecedor:
− Desempenho anterior: este método avalia os fornecedores por seu histórico de desempenho
em transações anteriores. O comprador utiliza-se desta informação para selecionar os
melhores fornecedores para avaliação;
− Reputação: este é um método amplamente utilizado por compradores experientes que
identificam no fornecedor suas habilidades no mercado;
− Visita e avaliação: envolve uma visita do comprador ao fornecedor para avaliar sua
capacitação em produzir/fornecer com qualidade. A visita avalia os sistemas de produção e
as instalações, inspeciona os instrumentos de medição da produção, bem como promove a
checagem e avaliação das rotinas de mensuração e de outros dispositivos de teste. Este
método leva um tempo maior e pode custar mais caro que os demais. Diz-se então que os
produtos são homologados pelo comprador;
− Certificação de terceiros: é a visita ao fornecedor de uma organização independente
contratada pelo comprador e/ou fornecedor que avaliará a qualidade do fornecedor e
disponibilizará os resultados na forma de certificação da qualidade;
− Avaliação de amostras de produtos: os produtos oferecidos pelo fornecedor serão avaliados
por seu desempenho final.
Uma vez estabelecidos os critérios de avaliação, o fornecedor será selecionado, segundo um
conjunto de habilidades, representados por suas capacidades: tecnológicas (de
projeto/produto, de processo e fabricação e de gestão), de atender às especificações para
conformidade do produto, de entrega (tempo e forma de entrega) e de custos (redução de
preço dos produtos adquiridos) (MARTINS, 1999). O fornecedor selecionado deve ter
constantemente monitorado o seu desempenho, utilizando-se dos mesmos critérios de seleção,
pois são estes, que atendem às necessidades especificadas pelos compradores.
2.2. Estratégia de marcas próprias
Nesse artigo, dados os objetivos pretendidos define-se marcas do fabricante como os produtos
produzidos por uma indústria que mantém o uso e a posse da mesma. Por sua vez, a marca
própria, segundo Churchill e Peter (2000, p.246), baseia-se na “marca de propriedade e uso de
um atacadista ou varejista”. Segundo Stern e El-Ansary (1996, p.326), marca própria é
“aquela que é possuída ou controlada, por meio de direitos de contrato, por uma empresa
varejista, por um grupo filiado de varejistas ou por uma organização compradora”. Apesar da
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fabricação ficar a cargo da indústria, os direitos de propriedade e uso dos produtos são
transferidos para os revendedores (atacadistas e ou varejistas) que se encarregam de gerenciar
o produto com sua própria marca, vendendo-os exclusivamente em seus estabelecimentos
(OLIVEIRA, 2005).
As marcas próprias surgiram como uma evolução das marcas genéricas (“marca do dono da
loja” que existem até hoje em mercearias tradicionais e lojas de vizinhança) (TAVARES,
1998; OLIVEIRA, 2005). Segundo Oliveira e Machado (2003) o desenvolvimento de marcas
próprias no Brasil pode ser explicado pelo aumento de concentração econômica nos setores
atacadistas e varejistas, onde as empresas que concorrem nestes mercados acabaram por
buscar alternativas de diferenciação das estratégias de comercialização, devido à forte
concorrência nos setores e à redução do poder aquisitivo da população (CHURCHILL e
PETER, 2000). E também, porque os problemas inerentes ao sistema de gestão da marca, que
traduz a falha de marketing de muitos fabricantes (CHETOCHINE, 1999) deram uma enorme
“abertura” aos distribuidores na implementação efetiva dessa estratégia (WEBSTER Jr.,
2000).
Pires, Neves e Spers (2000) mencionam que a atual expansão das marcas próprias pode ser
associada à reformulação do seu conceito. Este atravessa hoje um importante momento de
transição, no qual as palavras que definem marcas próprias não se resumem mais a “preços
baixos”, pois as mesmas começaram a incorporar a qualidade como um fator importante
(COUGHLAN et al., 2002). Alguns revendedores que apostaram em tal atributo, tornaram
suas marcas referências em qualidade (SOUZA e NEMER, 1993).
2.3. Gestão de suprimentos e marcas próprias no atacado
O desafio da qualidade dos produtos de marca própria no atacado incorre diretamente sobre as
decisões de suprimentos. Entre elas, está a decisão sobre quem vai fabricar o produto. A
tomada de decisão sobre qual fonte de suprimento utilizar na estratégia de marcas próprias
impacta a maneira na qual o atacadista (comprador) se relaciona com o fabricante
(fornecedor) e determina em parte, o sucesso da estratégia. É importante salientar que o
revendedor precisa decidir sobre como o fabricante vai fornecer a marca própria. Segundo
Baily et al. (2000) existem duas formas em que o fabricante (fornecedor) pode fornecer marca
própria: na primeira, o fabricante pode fornecer produtos de sua linha de produção padrão
(idênticos), mas com a marca do revendedor (comprador); a outra forma é a “compra por
especificação”, onde o revendedor especifica detalhadamente todos os atributos referentes a
matérias-primas, processos, métodos de controle e qualidade.
Tendo optado pela forma de fornecimento, o revendedor precisa avaliar e selecionar seu
fornecedor. Conforme já apresentado no item 2.1 deste artigo, a literatura de gestão de
suprimentos contribui com alguns métodos de se avaliar a capacidade dos fornecedores
(critérios de seleção). A título de comparação, do ponto de vista da literatura de marketing, os
critérios de seleção do fornecedor de marca própria segundo Oliveira (2005), baseiam-se em:
verificação da idoneidade e credibilidade do fornecedor; levantamento da estabilidade
financeira e situação fiscal; análise da capacidade produtiva, ociosa e de instalação;
comparação do grau de competitividade da fábrica e do produto; levantamento do histórico do
fornecedor nos últimos anos; análise do tamanho da empresa; auditoria da fábrica; verificação
da capacidade de manutenção da qualidade final do produto; análise do sistema de logística
nacional e verificação do sistema de atendimento aos consumidores nacionalmente.
Após a seleção do fornecedor, freqüentes auditorias de produção com inspeção no controle de
qualidade (produto, embalagem, experimentação em “teste cego”) (OLIVEIRA, 2005) ajudam
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a monitorar o desempenho do fornecedor que deve entre muitas coisas, seguir todas as
especificações estabelecidas no contrato de suprimento.
3. Procedimento metodológico
Os resultados apresentados neste artigo são baseados na análise de dados de entrevistas
realizadas com dois gerentes de marcas próprias de um atacadista e com o diretor comercial
de um fabricante de marcas próprias. Assim, o presente estudo pode ser classificado como um
estudo de caso, essencialmente qualitativo, do tipo exploratório. A escolha do atacadista para
o estudo de caso, foi entre os cinco maiores atacadistas brasileiros que possuem marcas
próprias (baseando-se no ranking 2006 da ABAD – Associação Brasileira de Atacadistas e
Distribuidores) independentemente do tipo (formato) de atacado. Estes atacadistas foram
contatados por e-mail e telefone, sendo escolhido aquele que primeiro informou sua
disponibilidade à concessão da entrevista. Desta forma o procedimento amostral, caracterizase como não-probabilístico do tipo intencional (MATTAR, 2001). Foi solicitada ao atacadista
escolhido a indicação de uma empresa fornecedora (fabricante) de marca própria para também
fazer parte do estudo. As entrevistas foram orientadas por um roteiro semi-estruturado
elaborado a partir do referencial teórico. Os nomes das empresas e dos entrevistados foram
preservados a pedido das próprias empresas.
4. Análise e discussão do caso
4.1. Gestão de suprimentos: a compra da marca própria
A gestão de suprimentos do atacadista é comparável às atividades descritas por Alves (2001),
Ballou (2001) e Dantas et al. (2002), constitui-se no processo de planejamento das
necessidades de localização e seleção de fornecedores (fontes de suprimento), em
procedimentos para aquisição de produtos através de negociação de preço e condições de
pagamento, no acompanhamento das ordens de compra (follow-up) junto ao fornecedor
escolhido, e na recepção, inspeção, armazenagem e manuseio dos produtos para controlar e
garantir o abastecimento dentro das especificações solicitadas. Os objetivos da gestão de
suprimentos também são os mesmos descritos por Martins (1999), Baily et al. (2000) e Slack
et al. (2002), ou seja: custo; prazo de entrega; quantidade; qualidade e flexibilidade dos
fornecedores.
O atacadista estudado considera todas estas atividades como algo corriqueiro e habitual e que
é inerente às funções de qualquer atacadista tradicional. Independente da compra ser de
produtos de marcas dos fabricantes (dos fornecedores) ou de marcas próprias (do atacadista)
estas atividades são desempenhadas da mesma forma e com os mesmos critérios. Assim, não
existe nenhuma diferença no que diz respeito aos procedimentos de gestão deste ou daquele
suprimento, ou seja, os acordos de prazo, entrega (loja a loja) e preço estão firmados em
contratos comerciais padronizados que são estabelecidos tanto para os produtos de marca do
fabricante quanto para produtos de marcas próprias.
O que diferencia a aquisição de produtos de marca própria é a assinatura por parte do
fornecedor de marca própria de um “Acordo de Fornecimento”, onde o atacadista determina
algumas cláusulas específicas para o desenvolvimento de marcas próprias. Estas cláusulas
garantem que: i) a marca é de propriedade absoluta do atacadista; ii) o fornecedor não pode
comercializar a marca própria do atacadista com nenhum outro agente; iii) para manutenção
do padrão de qualidade especificado, o fornecedor submete-se periodicamente à auditoria em
suas instalações; iv) e não deve haver excedente em estoque de marca própria, além do nível
determinado pelo atacadista. Os contratos de suprimento são assinados mediante uma seleção
prévia dos fornecedores. Assim, o processo de avaliação e seleção da fonte de suprimentos
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(fornecedores) impacta diretamente a estratégia de marcas próprias, pois coloca em risco a
imagem e a credibilidade do atacadista (OLIVEIRA, 2005).
4.2. O processo de avaliação e seleção do fornecedor de marca própria
Quando o atacadista identifica a oportunidade de introdução de um produto com sua marca
própria surge a necessidade de seleção da fonte de suprimento. A princípio, esse processo de
avaliação e seleção do fornecedor consiste em dois métodos para avaliar a capacidade do
fornecedor: desempenho anterior e reputação (BAILY et al. 2000). A seleção baseada no
desempenho anterior, prioriza fornecedores que já possuem um bom relacionamento anterior
com o atacadista. Isto facilita a negociação dos critérios estabelecidos nos acordos comerciais
como custo, preço, prazos, entrega e capacidade de fornecimento, tornando muito mais fácil o
diálogo no estabelecimento do acordo de suprimento. Outro critério de seleção baseia-se na
reputação, onde é dada preferência a fornecedores tradicionais e que possuam experiência
anterior no fornecimento de marcas próprias, pois torna o processo de desenvolvimento da
marca própria muito mais ágil e rápido. No caso de haver mais de um fornecedor para o
produto, o atacadista escolherá aquele que melhor se adequar às condições de fornecimento.
Entretanto, no caso de não haver um fornecedor para determinado produto que já possua uma
relação comercial antecedente com o atacadista, é necessário selecionar no mercado um
fornecedor. Nesta situação, os gerentes de marcas próprias do atacadista adotam o seguinte
procedimento:
a) Contrata-se pesquisa de mercado de empresas especializadas, para selecionar no mercado
alguns fornecedores para avaliação (certificação de terceiros mencionado por BAILY et
al., 2000). Estas empresas fazem uma auditoria (de fábrica, processos, qualidade dos
produtos e etc) dos fornecedores, estabelecendo uma pontuação a cada fornecedor
avaliado (mesmo procedimento descrito por LAMBERT et al., 1998 e CZINKOTA et al.,
2001). O resultado desta avaliação (ou “certificação”) é repassado ao atacadista;
b) O atacadista analisa se os fornecedores avaliados já fornecem marcas próprias para outros
revendedores, analisando sua reputação (conforme BAILY et al. 2000). Como já
mencionado essa experiência anterior é um critério que facilita o acordo entre as partes;
c) O atacadista também verifica o histórico da empresa e de sua idoneidade ética e moral
(OLIVEIRA, 2005), pois segundo os gerentes, isso afeta a imagem da marca: (ex. trabalho
infantil em uma carvoaria que fornece carvão com a marca do atacadista);
d) Além da auditoria realizada por empresas terceirizadas, os gerentes de marca própria do
atacadista também fazem uma visita à fabrica do fornecedor (BAILY et al., 2000) e
avaliam aspectos importantes da produção (equipamentos e processo), nível tecnológico e
logístico (ex. se existe rastreamento do produto), aspectos organizacionais (funcionários,
estrutura física e departamental do fornecedor) e principalmente a qualidade dos produtos
(OLIVEIRA, 2005);
e) A análise da qualidade do produto no fabricante segue em geral as especificações de uma
ficha técnica pautada nos padrões de órgãos regulamentadores (por exemplo, ANVISA) e
nas especificações técnicas exigidas pelo atacadista;
f) Em muitos casos (principalmente para produtos alimentícios) é realizada uma avaliação de
amostras dos produtos de alguns fornecedores (BAILY et al., 2000). Estes produtos são
submetidos à experimentação em “teste cego” (OLIVEIRA, 2005) para avaliar o
desempenho e a qualidade dos mesmos;
g) Um outro aspecto verificado, mas não com tanto critério é se o fornecedor possui uma
marca de fabricante com expressividade no mercado (marcas líderes com produtos
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tradicionais (KOTLER, 2000)). Isso traz uma certa tranqüilidade ao atacadista quanto à
qualidade dos produtos oferecidos e torna a escolha do fornecedor mais fácil.
Segundo os gerentes de marcas próprias, os procedimentos acima descritos são de caráter
geral, porém, são os mais importantes no processo de avaliação e seleção dos fornecedores.
Outro fator importante está relacionado à manutenção da qualidade do produto em situações
adversas de custos. Isso significa que para alguns produtos, apenas a embalagem é modificada
e o produto mantém-se idêntico ao distribuído com a marca do fabricante. Entretanto, em
outros casos, é necessário que o atacadista em conjunto com o fabricante alterem a
composição do produto desenvolvendo-o de acordo com as exigências de custo e qualidade
contidos na ficha técnica determinada pelo atacadista (“compra por especificação”, segundo
BAILY et al., 2000). O fator qualidade é tão importante que existe uma freqüente
preocupação do atacadista quanto a um possível rompimento no acordo de fornecimento da
marca própria por parte do fornecedor. Segundo o atacadista, selecionar outro fornecedor
capaz de oferecer um produto com a mesma qualidade sem que o cliente/consumidor perceba
qualquer diferença, passa a ser um grande desafio.
Alguns dos procedimentos utilizados para selecionar a fonte de suprimento de marca própria
são utilizados pelo atacadista estudado para avaliar o desempenho do fornecedor escolhido.
Assim, o fornecedor pode ser desabilitado no momento em que a avaliação de seu
desempenho não atender os critérios de custo, preço, prazos, entrega e principalmente de
qualidade que foi estipulado no contrato comercial de marca própria. Segundo os gerentes
entrevistados, o fator qualidade é o mais monitorado pelo atacadista, uma vez que os outros
fatores são habitualmente rotineiros e controlados pelo departamento comercial. Desta forma,
o atacadista controla a qualidade dos produtos através de visitas periódicas às fábricas
(auditoria de fábrica) que são realizadas no mínimo uma vez no ano, ou periodicamente em
um tempo reduzido, dependendo da sensibilidade e das características do produto. Utiliza-se
também, de experimentação (ou degustação no caso de alimentos) por “teste cego” para
avaliar o desempenho e a qualidade dos produtos e dos fornecedores.
Segundo relato da indústria entrevistada é freqüente a realização de visitas periódicas, testes
de qualidade e auditorias de empresas especializadas para a verificação da qualidade dos
produtos com marcas próprias do atacado. O atacadista considera todos os procedimentos da
função suprimentos incluindo os critérios de avaliação e seleção dos fornecedores, aliados às
ações de marketing, como os fatores determinantes do sucesso da estratégia de marcas
próprias.
5. Considerações finais e sugestões de pesquisa
O estudo de caso contribui para a compreensão da função suprimentos de produtos de marca
própria de atacadistas, verificando a similaridade desta função na gestão de suprimento em
empresas de manufatura. Foi constatado que a função suprimentos, com destaque para as
atividades de avaliação para seleção de fornecedores é crucial para o fortalecimento das
marcas próprias de um atacadista que precisa zelar pela qualidade dos produtos que carregam
sua marca. O estudo também propiciou a confluência de áreas do conhecimento distintas
(marketing e compras), mas que neste caso são ao mesmo tempo interdependentes e
condicionantes para o sucesso da estratégia de marcas próprias.
É importante lembrar que por se tratar de um estudo de caso, as considerações feitas no estudo
empírico apresentam uma análise específica das empresas estudadas, no segmento de marcas
próprias e, portanto, limita-se às considerações dessas empresas. Quaisquer tipos de
generalizações devem ser realizadas com cautela, evitando-se possíveis distorções. Por fim,
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ressalta-se que ainda não se esgotaram as indagações que circundam o campo da estratégia de
marcas próprias e da gestão de suprimentos, pois estudos que relacionam o setor atacadista
nestas funções dentro da cadeia de suprimentos ainda são incipientes. Assim, para a realização
de pesquisas futuras, sugere-se outras análises sobre o impacto das atividades relacionadas à
função suprimentos nas estratégias de marcas próprias dos atacadistas.
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