XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 Gestão de suprimentos no atacado: um estudo de caso sobre o impacto da estratégia de marcas próprias na função suprimentos Éderson Luiz Piato (DEP/UFSCar) [email protected] Maria Rita Pontes Assumpção (DEP/UFSCar) [email protected] Verônica Angélica Freitas de Paula (DEP/ UFSCar) [email protected] Andrea Lago da Silva (DEP/UFSCar) [email protected] Resumo A evolução do setor atacadista foi impulsionada, nos últimos anos, pelo acirramento da concorrência, exigindo mudanças em suas atividades tradicionais, principalmente em atividades mercadológicas. No que se refere a introdução de marcas próprias, a situação também se modificou. Esta mudança tornou a função compras mais importante para o atacado, segundo dados da literatura acadêmica. A mesma sugere a crescente importância da realização de análises sobre o fortalecimento da relação entre as atividades da gestão de suprimentos e a estratégia mercadológica de marcas próprias. A adoção de marcas próprias exige do atacadista um comportamento mais criterioso para avaliar e selecionar seus fornecedores, de modo a garantir melhor desempenho dos produtos que carregam sua marca. Este artigo objetiva identificar, por meio de um estudo de caso, a influência e o impacto da estratégia de marcas próprias do atacado na gestão de suprimentos (compras). A análise é focada no processo de avaliação para seleção dos fornecedores (fabricantes), assim como na análise de seu desempenho. Os resultados apresentados são baseados em informações coletadas em entrevistas com gerentes de marcas próprias de um grande atacadista brasileiro e com o diretor comercial de uma indústria fornecedora de marcas próprias. Palavras-chave: Gestão de suprimentos; Marcas próprias; Atacado. 1. Introdução Sob o paradigma de cadeia de suprimentos, as empresas buscam alinhar a estratégia de compras à estratégia empresarial (BAILY et al., 2000; CZINKOTA et al., 2001). Esse alinhamento tem sido mais intensamente analisado, principalmente na relação fornecedor de materiais e empresas manufatureiras, sendo daí a quase totalidade das proposições conceituais em gestão de suprimentos, ou seja, em atividades de aquisição de materiais para transformação. No entanto, organizações não manufatureiras - como o atacado tradicional que se dedica a comprar, assumir propriedade, armazenar (em geral) e manusear produtos em quantidades grandes, para em seguida revendê-los em quantidades menores - também necessitam capacitar-se no desempenho desta função. A gestão de suprimentos é importante para o atacadista que revende produtos, pois a decisão tomada sobre “o que comprar”, recai imediatamente sobre “o que vender” (BAILY et al., 2000). Assim, a função de compras no atacado não é restrita apenas ao processo de negociação com os fornecedores (fabricantes dos produtos para revenda), estendendo-se também para controle de qualidade e de custos, principalmente quando se refere aos produtos, que carreguem marca própria do atacadista. A marca constitui propriedade daquele que a desenvolve: é chamada marca própria quando desenvolvida por revendedores, sendo do fabricante quando por ele desenvolvida (BOWERSOX; COOPER, 1992 e BERMAN, 1996). As marcas mudam de propriedade quando adquiridas por outro. As marcas próprias podem ser de atacadistas ou de varejistas. A estratégia de marca própria exige maior aproximação do atacadista ao processo produtivo, ENEGEP 2006 ABEPRO 1 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 assim como maior capacitação para gestão de suprimentos (compras), tratada, então, como função estratégica. A contribuição deste artigo é delinear uma resposta à questão: como a gestão de suprimentos se relaciona com a estratégia de marcas próprias. O objetivo do trabalho é identificar, por meio de um estudo de caso, a influência e o impacto da estratégia de marcas próprias na gestão de suprimentos (compras) do atacado. A análise é focada no processo de avaliação para seleção dos fornecedores (fabricantes), assim como para análise de seu desempenho no fornecimento dos produtos para as marcas próprias. A relevância desta análise é pela escassez de atenção acadêmico-científica à compreensão dos impactos proporcionados pela estratégia de marcas próprias das empresas atacadistas, em especial nas funções que integram a cadeia de suprimentos de alimentos. A falta desta compreensão limita as discussões científicas sobre esta estratégia no âmbito da gestão da cadeia de suprimentos (supply chain management - SCM). Além disso, a inexistência de trabalhos que contemplem ao mesmo tempo as discussões encontradas nas literaturas de marketing e de gestão de suprimentos também motiva esta análise. 2. Revisão teórica A revisão bibliográfica aborda as principais proposições conceituais sobre gestão da cadeia de suprimentos, gestão de suprimentos (compras) e estratégia de marcas próprias no atacado. 2.1. SCM e gestão de suprimentos Entende-se gestão da cadeia de suprimentos (SCM) como “a integração dos processos-chave de negócios do consumidor final até o primeiro fornecedor original (matéria-prima), buscando disponibilizar produtos, serviços e informações que adicionam valor aos clientes e a outros stakeholders” (LAMBERT e COOPER, 2000, p.66). A idéia de “adicionar valor aos clientes e aos stakeholders” tem forte influência da área de marketing. Isso revela que os desenvolvimentos teóricos de outras áreas de conhecimento da administração, principalmente da gestão de operações, tornam multidisciplinar o conceito de SCM. A característica também multidisciplinar do objetivo proposto nesta análise traz as abordagens de Marketing e de Compras (suprimentos) a serem expostas neste artigo. Considerando tratar-se de funções empresariais tradicionais complementa-se a definição de SCM: “gestão da cadeia de suprimentos é a coordenação sistêmica e estratégica das funções empresariais tradicionais, de suas táticas e dos negócios na cadeia de suprimentos, com a finalidade de melhorar o desempenho, no longo prazo, das companhias individuais e da cadeia de suprimentos como um todo” (MENTZER et al., 2001). O suprimento abrange a compra e a organização da movimentação de entrada de materiais, de peças e de produtos acabados dos fornecedores para fábricas ou montadoras, depósitos ou lojas de varejo (BOWERSOX e CLOSS, 2001). Para Martins (1999), Alves (2001), Ballou (2001) e Dantas et al. (2002) a gestão de compras (ou de suprimentos) envolve as atividades de: localização, seleção e desenvolvimento de fornecedores, negociações de preço e condições de pagamento para aquisição de materiais, emissão e acompanhamento das ordens de compra (follow-up), controle no recebimento do material para garantir as especificações solicitadas, avaliação de desempenho dos fornecedores quanto aos prazos de entrega e qualidade do material fornecido. Segundo LARSON e HALLDORSSON, 2002 (apud PIRES, 2004), a área de compras é parte do escopo de atuação da SCM, sendo interface da unidade produtiva e seus mercados fornecedores (SLACK et al., 2002). O principal objetivo da área de suprimentos é dar suporte à produção e/ou a organização de revenda, oferecendo materiais e/ou produtos no tempo certo ENEGEP 2006 ABEPRO 2 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 ao menor custo total (ALVES, 2001). Mais especificamente, os objetivos básicos da atividade de compras (ou variáveis-chave de compras) conforme Martins (1999), Baily et al. (2000) e Slack et al. (2002) são: custo; prazo de entrega; quantidade; qualidade e flexibilidade dos fornecedores. De todas estas variáveis, a qualidade se destaca como um importante fator no monitoramento do desempenho dos fornecedores (BAILY et al., 2000) e no atendimento das necessidades do mercado contemporâneo. Para garantir a qualidade do suprimento é necessário selecionar e avaliar fornecedores capazes de atender à especificação requerida pelo comprador. Lambert et al. (1998) descrevem o seguinte procedimento para avaliação dos fornecedores: 1) identificar todos os fornecedores em potencial para o item a ser comprado e criar uma lista de fatores pelos quais o fornecedor será avaliado; 2) avaliar o desempenho de cada fornecedor individualmente para cada fator; 3) determinar o peso de cada fator em sua situação específica; 4) comparar a soma dos pontos conquistados por cada fornecedor. Este procedimento também conhecido como “plano de pontuação” é defendido por outros autores (CZINKOTA et al., 2001). Mais especificamente, Baily et al. (2000) mencionam cinco métodos para avaliar a capacidade do fornecedor: − Desempenho anterior: este método avalia os fornecedores por seu histórico de desempenho em transações anteriores. O comprador utiliza-se desta informação para selecionar os melhores fornecedores para avaliação; − Reputação: este é um método amplamente utilizado por compradores experientes que identificam no fornecedor suas habilidades no mercado; − Visita e avaliação: envolve uma visita do comprador ao fornecedor para avaliar sua capacitação em produzir/fornecer com qualidade. A visita avalia os sistemas de produção e as instalações, inspeciona os instrumentos de medição da produção, bem como promove a checagem e avaliação das rotinas de mensuração e de outros dispositivos de teste. Este método leva um tempo maior e pode custar mais caro que os demais. Diz-se então que os produtos são homologados pelo comprador; − Certificação de terceiros: é a visita ao fornecedor de uma organização independente contratada pelo comprador e/ou fornecedor que avaliará a qualidade do fornecedor e disponibilizará os resultados na forma de certificação da qualidade; − Avaliação de amostras de produtos: os produtos oferecidos pelo fornecedor serão avaliados por seu desempenho final. Uma vez estabelecidos os critérios de avaliação, o fornecedor será selecionado, segundo um conjunto de habilidades, representados por suas capacidades: tecnológicas (de projeto/produto, de processo e fabricação e de gestão), de atender às especificações para conformidade do produto, de entrega (tempo e forma de entrega) e de custos (redução de preço dos produtos adquiridos) (MARTINS, 1999). O fornecedor selecionado deve ter constantemente monitorado o seu desempenho, utilizando-se dos mesmos critérios de seleção, pois são estes, que atendem às necessidades especificadas pelos compradores. 2.2. Estratégia de marcas próprias Nesse artigo, dados os objetivos pretendidos define-se marcas do fabricante como os produtos produzidos por uma indústria que mantém o uso e a posse da mesma. Por sua vez, a marca própria, segundo Churchill e Peter (2000, p.246), baseia-se na “marca de propriedade e uso de um atacadista ou varejista”. Segundo Stern e El-Ansary (1996, p.326), marca própria é “aquela que é possuída ou controlada, por meio de direitos de contrato, por uma empresa varejista, por um grupo filiado de varejistas ou por uma organização compradora”. Apesar da ENEGEP 2006 ABEPRO 3 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 fabricação ficar a cargo da indústria, os direitos de propriedade e uso dos produtos são transferidos para os revendedores (atacadistas e ou varejistas) que se encarregam de gerenciar o produto com sua própria marca, vendendo-os exclusivamente em seus estabelecimentos (OLIVEIRA, 2005). As marcas próprias surgiram como uma evolução das marcas genéricas (“marca do dono da loja” que existem até hoje em mercearias tradicionais e lojas de vizinhança) (TAVARES, 1998; OLIVEIRA, 2005). Segundo Oliveira e Machado (2003) o desenvolvimento de marcas próprias no Brasil pode ser explicado pelo aumento de concentração econômica nos setores atacadistas e varejistas, onde as empresas que concorrem nestes mercados acabaram por buscar alternativas de diferenciação das estratégias de comercialização, devido à forte concorrência nos setores e à redução do poder aquisitivo da população (CHURCHILL e PETER, 2000). E também, porque os problemas inerentes ao sistema de gestão da marca, que traduz a falha de marketing de muitos fabricantes (CHETOCHINE, 1999) deram uma enorme “abertura” aos distribuidores na implementação efetiva dessa estratégia (WEBSTER Jr., 2000). Pires, Neves e Spers (2000) mencionam que a atual expansão das marcas próprias pode ser associada à reformulação do seu conceito. Este atravessa hoje um importante momento de transição, no qual as palavras que definem marcas próprias não se resumem mais a “preços baixos”, pois as mesmas começaram a incorporar a qualidade como um fator importante (COUGHLAN et al., 2002). Alguns revendedores que apostaram em tal atributo, tornaram suas marcas referências em qualidade (SOUZA e NEMER, 1993). 2.3. Gestão de suprimentos e marcas próprias no atacado O desafio da qualidade dos produtos de marca própria no atacado incorre diretamente sobre as decisões de suprimentos. Entre elas, está a decisão sobre quem vai fabricar o produto. A tomada de decisão sobre qual fonte de suprimento utilizar na estratégia de marcas próprias impacta a maneira na qual o atacadista (comprador) se relaciona com o fabricante (fornecedor) e determina em parte, o sucesso da estratégia. É importante salientar que o revendedor precisa decidir sobre como o fabricante vai fornecer a marca própria. Segundo Baily et al. (2000) existem duas formas em que o fabricante (fornecedor) pode fornecer marca própria: na primeira, o fabricante pode fornecer produtos de sua linha de produção padrão (idênticos), mas com a marca do revendedor (comprador); a outra forma é a “compra por especificação”, onde o revendedor especifica detalhadamente todos os atributos referentes a matérias-primas, processos, métodos de controle e qualidade. Tendo optado pela forma de fornecimento, o revendedor precisa avaliar e selecionar seu fornecedor. Conforme já apresentado no item 2.1 deste artigo, a literatura de gestão de suprimentos contribui com alguns métodos de se avaliar a capacidade dos fornecedores (critérios de seleção). A título de comparação, do ponto de vista da literatura de marketing, os critérios de seleção do fornecedor de marca própria segundo Oliveira (2005), baseiam-se em: verificação da idoneidade e credibilidade do fornecedor; levantamento da estabilidade financeira e situação fiscal; análise da capacidade produtiva, ociosa e de instalação; comparação do grau de competitividade da fábrica e do produto; levantamento do histórico do fornecedor nos últimos anos; análise do tamanho da empresa; auditoria da fábrica; verificação da capacidade de manutenção da qualidade final do produto; análise do sistema de logística nacional e verificação do sistema de atendimento aos consumidores nacionalmente. Após a seleção do fornecedor, freqüentes auditorias de produção com inspeção no controle de qualidade (produto, embalagem, experimentação em “teste cego”) (OLIVEIRA, 2005) ajudam ENEGEP 2006 ABEPRO 4 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 a monitorar o desempenho do fornecedor que deve entre muitas coisas, seguir todas as especificações estabelecidas no contrato de suprimento. 3. Procedimento metodológico Os resultados apresentados neste artigo são baseados na análise de dados de entrevistas realizadas com dois gerentes de marcas próprias de um atacadista e com o diretor comercial de um fabricante de marcas próprias. Assim, o presente estudo pode ser classificado como um estudo de caso, essencialmente qualitativo, do tipo exploratório. A escolha do atacadista para o estudo de caso, foi entre os cinco maiores atacadistas brasileiros que possuem marcas próprias (baseando-se no ranking 2006 da ABAD – Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores) independentemente do tipo (formato) de atacado. Estes atacadistas foram contatados por e-mail e telefone, sendo escolhido aquele que primeiro informou sua disponibilidade à concessão da entrevista. Desta forma o procedimento amostral, caracterizase como não-probabilístico do tipo intencional (MATTAR, 2001). Foi solicitada ao atacadista escolhido a indicação de uma empresa fornecedora (fabricante) de marca própria para também fazer parte do estudo. As entrevistas foram orientadas por um roteiro semi-estruturado elaborado a partir do referencial teórico. Os nomes das empresas e dos entrevistados foram preservados a pedido das próprias empresas. 4. Análise e discussão do caso 4.1. Gestão de suprimentos: a compra da marca própria A gestão de suprimentos do atacadista é comparável às atividades descritas por Alves (2001), Ballou (2001) e Dantas et al. (2002), constitui-se no processo de planejamento das necessidades de localização e seleção de fornecedores (fontes de suprimento), em procedimentos para aquisição de produtos através de negociação de preço e condições de pagamento, no acompanhamento das ordens de compra (follow-up) junto ao fornecedor escolhido, e na recepção, inspeção, armazenagem e manuseio dos produtos para controlar e garantir o abastecimento dentro das especificações solicitadas. Os objetivos da gestão de suprimentos também são os mesmos descritos por Martins (1999), Baily et al. (2000) e Slack et al. (2002), ou seja: custo; prazo de entrega; quantidade; qualidade e flexibilidade dos fornecedores. O atacadista estudado considera todas estas atividades como algo corriqueiro e habitual e que é inerente às funções de qualquer atacadista tradicional. Independente da compra ser de produtos de marcas dos fabricantes (dos fornecedores) ou de marcas próprias (do atacadista) estas atividades são desempenhadas da mesma forma e com os mesmos critérios. Assim, não existe nenhuma diferença no que diz respeito aos procedimentos de gestão deste ou daquele suprimento, ou seja, os acordos de prazo, entrega (loja a loja) e preço estão firmados em contratos comerciais padronizados que são estabelecidos tanto para os produtos de marca do fabricante quanto para produtos de marcas próprias. O que diferencia a aquisição de produtos de marca própria é a assinatura por parte do fornecedor de marca própria de um “Acordo de Fornecimento”, onde o atacadista determina algumas cláusulas específicas para o desenvolvimento de marcas próprias. Estas cláusulas garantem que: i) a marca é de propriedade absoluta do atacadista; ii) o fornecedor não pode comercializar a marca própria do atacadista com nenhum outro agente; iii) para manutenção do padrão de qualidade especificado, o fornecedor submete-se periodicamente à auditoria em suas instalações; iv) e não deve haver excedente em estoque de marca própria, além do nível determinado pelo atacadista. Os contratos de suprimento são assinados mediante uma seleção prévia dos fornecedores. Assim, o processo de avaliação e seleção da fonte de suprimentos ENEGEP 2006 ABEPRO 5 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 (fornecedores) impacta diretamente a estratégia de marcas próprias, pois coloca em risco a imagem e a credibilidade do atacadista (OLIVEIRA, 2005). 4.2. O processo de avaliação e seleção do fornecedor de marca própria Quando o atacadista identifica a oportunidade de introdução de um produto com sua marca própria surge a necessidade de seleção da fonte de suprimento. A princípio, esse processo de avaliação e seleção do fornecedor consiste em dois métodos para avaliar a capacidade do fornecedor: desempenho anterior e reputação (BAILY et al. 2000). A seleção baseada no desempenho anterior, prioriza fornecedores que já possuem um bom relacionamento anterior com o atacadista. Isto facilita a negociação dos critérios estabelecidos nos acordos comerciais como custo, preço, prazos, entrega e capacidade de fornecimento, tornando muito mais fácil o diálogo no estabelecimento do acordo de suprimento. Outro critério de seleção baseia-se na reputação, onde é dada preferência a fornecedores tradicionais e que possuam experiência anterior no fornecimento de marcas próprias, pois torna o processo de desenvolvimento da marca própria muito mais ágil e rápido. No caso de haver mais de um fornecedor para o produto, o atacadista escolherá aquele que melhor se adequar às condições de fornecimento. Entretanto, no caso de não haver um fornecedor para determinado produto que já possua uma relação comercial antecedente com o atacadista, é necessário selecionar no mercado um fornecedor. Nesta situação, os gerentes de marcas próprias do atacadista adotam o seguinte procedimento: a) Contrata-se pesquisa de mercado de empresas especializadas, para selecionar no mercado alguns fornecedores para avaliação (certificação de terceiros mencionado por BAILY et al., 2000). Estas empresas fazem uma auditoria (de fábrica, processos, qualidade dos produtos e etc) dos fornecedores, estabelecendo uma pontuação a cada fornecedor avaliado (mesmo procedimento descrito por LAMBERT et al., 1998 e CZINKOTA et al., 2001). O resultado desta avaliação (ou “certificação”) é repassado ao atacadista; b) O atacadista analisa se os fornecedores avaliados já fornecem marcas próprias para outros revendedores, analisando sua reputação (conforme BAILY et al. 2000). Como já mencionado essa experiência anterior é um critério que facilita o acordo entre as partes; c) O atacadista também verifica o histórico da empresa e de sua idoneidade ética e moral (OLIVEIRA, 2005), pois segundo os gerentes, isso afeta a imagem da marca: (ex. trabalho infantil em uma carvoaria que fornece carvão com a marca do atacadista); d) Além da auditoria realizada por empresas terceirizadas, os gerentes de marca própria do atacadista também fazem uma visita à fabrica do fornecedor (BAILY et al., 2000) e avaliam aspectos importantes da produção (equipamentos e processo), nível tecnológico e logístico (ex. se existe rastreamento do produto), aspectos organizacionais (funcionários, estrutura física e departamental do fornecedor) e principalmente a qualidade dos produtos (OLIVEIRA, 2005); e) A análise da qualidade do produto no fabricante segue em geral as especificações de uma ficha técnica pautada nos padrões de órgãos regulamentadores (por exemplo, ANVISA) e nas especificações técnicas exigidas pelo atacadista; f) Em muitos casos (principalmente para produtos alimentícios) é realizada uma avaliação de amostras dos produtos de alguns fornecedores (BAILY et al., 2000). Estes produtos são submetidos à experimentação em “teste cego” (OLIVEIRA, 2005) para avaliar o desempenho e a qualidade dos mesmos; g) Um outro aspecto verificado, mas não com tanto critério é se o fornecedor possui uma marca de fabricante com expressividade no mercado (marcas líderes com produtos ENEGEP 2006 ABEPRO 6 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 tradicionais (KOTLER, 2000)). Isso traz uma certa tranqüilidade ao atacadista quanto à qualidade dos produtos oferecidos e torna a escolha do fornecedor mais fácil. Segundo os gerentes de marcas próprias, os procedimentos acima descritos são de caráter geral, porém, são os mais importantes no processo de avaliação e seleção dos fornecedores. Outro fator importante está relacionado à manutenção da qualidade do produto em situações adversas de custos. Isso significa que para alguns produtos, apenas a embalagem é modificada e o produto mantém-se idêntico ao distribuído com a marca do fabricante. Entretanto, em outros casos, é necessário que o atacadista em conjunto com o fabricante alterem a composição do produto desenvolvendo-o de acordo com as exigências de custo e qualidade contidos na ficha técnica determinada pelo atacadista (“compra por especificação”, segundo BAILY et al., 2000). O fator qualidade é tão importante que existe uma freqüente preocupação do atacadista quanto a um possível rompimento no acordo de fornecimento da marca própria por parte do fornecedor. Segundo o atacadista, selecionar outro fornecedor capaz de oferecer um produto com a mesma qualidade sem que o cliente/consumidor perceba qualquer diferença, passa a ser um grande desafio. Alguns dos procedimentos utilizados para selecionar a fonte de suprimento de marca própria são utilizados pelo atacadista estudado para avaliar o desempenho do fornecedor escolhido. Assim, o fornecedor pode ser desabilitado no momento em que a avaliação de seu desempenho não atender os critérios de custo, preço, prazos, entrega e principalmente de qualidade que foi estipulado no contrato comercial de marca própria. Segundo os gerentes entrevistados, o fator qualidade é o mais monitorado pelo atacadista, uma vez que os outros fatores são habitualmente rotineiros e controlados pelo departamento comercial. Desta forma, o atacadista controla a qualidade dos produtos através de visitas periódicas às fábricas (auditoria de fábrica) que são realizadas no mínimo uma vez no ano, ou periodicamente em um tempo reduzido, dependendo da sensibilidade e das características do produto. Utiliza-se também, de experimentação (ou degustação no caso de alimentos) por “teste cego” para avaliar o desempenho e a qualidade dos produtos e dos fornecedores. Segundo relato da indústria entrevistada é freqüente a realização de visitas periódicas, testes de qualidade e auditorias de empresas especializadas para a verificação da qualidade dos produtos com marcas próprias do atacado. O atacadista considera todos os procedimentos da função suprimentos incluindo os critérios de avaliação e seleção dos fornecedores, aliados às ações de marketing, como os fatores determinantes do sucesso da estratégia de marcas próprias. 5. Considerações finais e sugestões de pesquisa O estudo de caso contribui para a compreensão da função suprimentos de produtos de marca própria de atacadistas, verificando a similaridade desta função na gestão de suprimento em empresas de manufatura. Foi constatado que a função suprimentos, com destaque para as atividades de avaliação para seleção de fornecedores é crucial para o fortalecimento das marcas próprias de um atacadista que precisa zelar pela qualidade dos produtos que carregam sua marca. O estudo também propiciou a confluência de áreas do conhecimento distintas (marketing e compras), mas que neste caso são ao mesmo tempo interdependentes e condicionantes para o sucesso da estratégia de marcas próprias. É importante lembrar que por se tratar de um estudo de caso, as considerações feitas no estudo empírico apresentam uma análise específica das empresas estudadas, no segmento de marcas próprias e, portanto, limita-se às considerações dessas empresas. Quaisquer tipos de generalizações devem ser realizadas com cautela, evitando-se possíveis distorções. Por fim, ENEGEP 2006 ABEPRO 7 XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006 ressalta-se que ainda não se esgotaram as indagações que circundam o campo da estratégia de marcas próprias e da gestão de suprimentos, pois estudos que relacionam o setor atacadista nestas funções dentro da cadeia de suprimentos ainda são incipientes. Assim, para a realização de pesquisas futuras, sugere-se outras análises sobre o impacto das atividades relacionadas à função suprimentos nas estratégias de marcas próprias dos atacadistas. Referências ALVES, M. R. Logística Agroindustrial. In: BATALHA, M. O...[et al.].Gestão Agroindustrial. São Paulo: Atlas, 2001, p. 162-240. BAILY, Peter…[et al.]. Compras: Princípios e Administração. São Paulo: Atlas, 2000. 471 p. BALLOU, Ronald H. Decisões de compras e programação de suprimentos. In: _____. Gerenciamento da cadeia de suprimentos: planejamento, organização e logística empresarial. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001, cap. 11, p. 312-343. BERMAN, Barry. Marketing channels. New York: John Wiley & sons, 1996. 727p. BOWERSOX, Donald J.; COOPER, M. Bixby. Strategic marketing channel management. New York: McGraw-Hill, 1992. 488 p. BOWERSOX, Donald J.; CLOSS, David J. Logística empresarial: o processo de integração da cadeia de suprimento. São Paulo: Atlas, 2001. 594 p. CHETOCHINE, Georges. 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