JEAN PIAGET E MERLEAU-PONTY NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Kassius Otoni Vieira
Rodrigo Luciano Reis da Silva
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Harley Juliano Mantovani
Faculdade Católica de Uberlândia
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PIBIC/FAPEMIG/CATÓLICA
Piaget, como era conhecido o Sr. Jean William Fritz Piaget, geralmente reconhecido
como um psicólogo infantil e educador, nasceu na Suíça na cidade de Neuchâtel em 9 de
agosto de 1896 e morreu no mesmo país, na cidade de Genebra, aos 84 anos em 16 de
setembro de 1980. Piaget foi um proeminente epistemólogo, que chegou a ser considerado
o maior expoente do estudo do desenvolvimento cognitivo, do qual, muitos estudiosos da
psicologia, da fenomenologia e sobre tudo da pedagogia usufrui de seus estudos na
contemporaneidade.
Piaget teve uma vasta experiência no meio científico acadêmico, ele estudou
inicialmente biologia, na Suíça, e posteriormente se dedicou à área de psicologia,
epistemologia e aprofundou de forma incisiva seus estudos na área da educação. Na
academia também atuou como docente e foi professor de psicologia na Universidade de
Genebra de 1929 a 1954, o que lhe deu grande notoriedade, tornando-o mundialmente
reconhecido pela sua revolução epistemológica. Sua produção bibliográfica foi muito vasta,
ele escreveu mais de cinquenta livros e diversas centenas de artigos, gerando um grande
documental de todas as suas pesquisas.
Ao observar minuciosamente seus filhos e também outras crianças, Piaget percebeu
variáveis e distinções que impulsionaram a sua Teoria Cognitiva, na qual propôs a
existência de quatro estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano: o estágio
sensório-motor (0 a 2 anos), pré-operacional ou pré-operatório (2 a 7 anos), operatório
concreto (7 a 11 ou 12 anos) e operatório formal (11 ou a 12 anos em diante). Ele considera
esses quatro períodos no processo evolutivo da espécie humana que são caracterizados "por
aquilo que o indivíduo consegue fazer melhor" no decorrer das diversas faixas etárias ao
longo do seu processo de desenvolvimento (Furtado, 1999, p. 27)
O Período Sensório-motor é "a passagem do caos ao cosmo", Piaget usa essa
expressão para traduzir o que o estudo sobre a construção do real descreve. A criança nasce
em um universo para ela caótico, habitado por objetos que desaparecem fora do campo
visual, basicamente a criança interage com o mundo através da visão posteriormente com
outros sentidos. Com o passar do tempo criança vai aperfeiçoando tais movimentos reflexos
e adquirindo habilidades e chega ao final do período sensório-motor já se concebendo
dentro de um cosmo "com objetos, tempo, espaço, causalidade objetivados e solidários,
entre os quais situa a si mesma como um objeto específico, agente e paciente dos eventos
que nele ocorrem" (Furtado, 1999, p. 27).
O período pré-operatório é aquele que marca a passagem do período sensório-motor
para o pré-operatório, este é evidenciado pelo aparecimento da função simbólica ou
semiótica, noutros termos, é o inicio da manifestação da linguagem. Neste caso, a
inteligência é anterior ao surgimento da linguagem e neste caso "não se pode atribuir à
linguagem a origem da lógica, que constitui o núcleo do pensamento racional" (COLL E
GILLIÈRON, 1987, p. 32).
O período das operações concretas é marcado pelo egocentrismo intelectual e social,
ou seja, incapacidade de se colocar no ponto de vista de outros, e por outro lado, na
capacidade da criança de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes e de
integrá-los de modo lógico e coerente, que se apresenta como uma inovação se considerado
a fase anterior. A criança começa a interiorizar as ações realizando operações mentalmente
e não mais apenas através de ações físicas, lançando mão de uma elaboração mental pura.
(WADSWORTH, 2003, p. 105)
O período operatório formal é distinguido pela ampliação das capacidades
conquistadas pela criança na fase anterior, porque ela então, já consegue raciocinar sobre
hipóteses na medida em que ela é capaz de formar esquemas conceituais abstratos e através
deles executar operações mentais dentro de princípios da lógica formal. A criança passa ter
a capacidade de discute valores morais de seus pais e construindo os seus
próprios
conceitos. De acordo com Piaget nesta fase, o indivíduo adquire a sua forma final de
equilíbrio, ou seja, ele consegue alcançar o padrão intelectual que persistirá durante a idade
adulta, porém ainda, com seu desenvolvimento conseguirá a ampliação de conhecimentos
tanto em extensão como em profundidade. (WADSWORTH, 2003, p. 133).
Através de seus experimentos e a partir da elaboração da sua Teoria Cognitiva,
Piaget propôs que a construção do conhecimento ocorre quando acontecem ações físicas ou
mentais sobre objetos que, provocando o desequilíbrio, resultam em assimilação ou,
acomodação e assimilação dessas ações, ou seja, quando o equilíbrio se rompe, o indivíduo
age sobre o que o afetou buscando se reequilibrar e isso é feito por adaptação e por
organização e, assim, ocorre a construção de esquemas ou conhecimento. Noutros termos,
quando uma criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta fazer uma acomodação e
após a acomodação, uma assimilação e após ela ser bem sucedida na assimilação ocorre
finalmente o equilíbrio, gerando na criança um conhecimento novo em seus esquemas.
Maurice Merleau-Ponty nasceu na França na cidade de Rochefort-sur-Mer em 14 de
março de 1908 e morreu no mesmo país na cidade de Paris aos 53 anos no dia 4 de maio de
1961. Merleau-Ponty foi um filósofo fenomenologista francês, que militou na linha do
existencialismo, e dedicou a sua vida ao estudo filosófico do comportamento, no ramal da
psicologia e todas as demais áreas do conhecimento que ditavam sobre a interioridade do
ser humano em relação à exterioridade com o mundo. Merleau-Ponty também considerou
em sua obra a educação, e usou o seu arcabouço filosófico na construção de uma sólida
compreensão do desenvolvimento e educação infantil. Vamos nos deter aqui basicamente
nas conclusões que ele nos oferece na Estrutura do Comportamento.
Para Merleau-Ponty o corpo tem um papel preponderante dentro de sua filosofia, o
corpo irrompe como sentido, ele se apresenta como aquele que estrutura os estímulos,
fazendo os estímulos ter relevância para o ser afetado por eles, sem este, o meio externo, as
fontes estimulantes, não poderiam agir sobre ele. O corpo não pode ser confundido
meramente como parte de uma materialidade inerte, mas participante ativo na produção da
experiência. O corpo então é também fenomenal, ou seja, está para os estímulos objetivos, e
promove a determinação própria de sentido prático a estes estímulos, gerando significação
aos mesmos. Esse fluxo de atividades, pela qual o corpo se depara constantemente em
relação ao mundo, concretiza certo estilo de experiência. (MERLEAU-PONTY, 1975, p.
35).
A pura reação frente ao estimulo não pode explicar por si somente a complexidade
do comportamento. O mundo sem dúvida alguma é protagonista na condição de pólo
mundano gerador dos estímulos, contudo, outro protagonista de mesma importância e,
portanto indispensável para essa geração de diferença de potencial está no corpo. Este não
só é afetado, mas é capaz de afetar-se e decide ser exposto ao estímulo. Temos então a
principio uma dualidade, onde o estimulo e o corpo, não respectivamente, possuem certa
dignidade de uma causa, contudo não pode-se sustentar a causalidade neste aspecto. “No
estudo científico do comportamento, deve-se rejeitar como subjetivas todas as noções de
intenção ou de utilidade ou de valor, porque elas não têm fundamentos nas coisas e não são
determinações intrínsecas delas.” (MERLEAU-PONTY, 1975, p.35).
Na concepção de Merleu-Ponty, entre a situação e a resposta vemos se estabelecer
uma ligação dialética de sentido entre o organismo e o meio, relação de reciprocidade e
interatividade. Existe uma interdependência momentânea que faz a gestão dessa relação
entre o organismo e o meio, que no momento da relação não é possível valorar as partes ou
admitir graus de importância. O que pode ser rigorosamente concebido é um conjunto de
agentes e condições que possibilitam o fenômeno do comportamento.
A excitação não é de forma alguma a resposta passiva, e estática quanto à
intensidade e teor, de uma ação exterior, mas uma complexa decisão que o organismo
produz, e este é o indivíduo, mesmo em face de uma mudança da excitação, que está
totalmente submissa às normas descritivas do organismo. Como poderia ser aceito então a
reação? Para Merleau-Ponty existe a necessidade de admitir que a ideia de atividade
específica, proveniente de determinada “provocação externa”, nada mais é que uma
impressão que um espectador possui do fenômeno, o que desqualifica totalmente a
aceitabilidade dessa proposição. “Mesmo se existissem estímulos, receptores, trajetos
nervosos específicos, eles não poderiam explicar por si mesmos a adaptação do reflexo ao
estímulo.” (MERLEAU-PONTY, 1975, p.55)
O fator que deve ser considerado com maior rigor é a reação, porque no
comportamento a reação é o ato explicitador do fenômeno, se do fenômeno fosse retirada a
reação, não seria possível considerar o acontecimento. Contudo já foi dado por certo que a
reação não depende de uma ação exterior, a reação então é fruto de uma ação de decisão
interior do próprio organismo agente, de forma tão complexa a impedir a qualificação
específica de determinação externa para reações exteriorizadas, a reação tem muito mais
relações com a necessidade prática do que com a resposta ao estímulo.
A atividade instintiva, e mesmo a maior parte da atividade reflexa
aparece como altamente adaptada, o animal executa as ações que
são úteis para ele em seu meio, mas, do ponto de vista desta teoria,
a adaptação não é uma propriedade desses próprios atos, não e
senão uma impressão que eles dão ao espectador. (MERLEAUPONTY, 1975, p.61).
A reação no reino animal, seja racional ou irracional, não pode ser se não
equivocadamente, comparada com a ação de uma máquina. Um equipamento ao ser
acionado através de uma determinada chave, botão ou alavanca, desencadeia uma ação,
devido à ligação do determinado aparato de disparo, “botão”, com o aparato de ação que é
distinguido pelo circuito particular correspondente.
A reação deve ser sempre concebida levando em consideração uma certa
ambiguidade necessária, de certa forma apresenta-se com grande justeza de determinação,
para que movimentos vitais e de controle sejam possíveis e preservados, doutra forma e
para os mesmos fins, é necessário uma notável e grande flexibilidade, porque a reação
necessita de ser corrigida pela experiência, afim de que ela contribua sempre para os
objetivos do organismo.
Não é conveniente ao bem da justa ponderação introduzir normas humanas nos
fenômenos, e conceber, portanto, processos orientados ou ordenados, determinadores de
respostas adaptadas ao estímulo, introduzindo a idéia de uma seqüência de movimentos
coerentes. A relação de ordem que pode existir entre estimulo e reação é próprio da
capacidade humana de abstrair fatos, e no campo do senso comum, gerar uma organização
para fins “pedagógicos”.
É bastante evidente que falamos de uma resposta “adaptada” ao
estímulo ou de uma seqüência de movimentos “coerentes”,
exprimimos relações concebidas por nosso espírito, uma
comparação que ele faz entre o “sentido” do estímulo e o “sentido”
da reação, entre o “sentido total” da resposta e os movimentos
parciais que o compõem. Essas relações de sentido pelas quais
definimos a ordem resultam justamente de nossa própria
organização. (MERLEAU-PONTY, 1975, p.76).
Merleau-Ponty considera o comportamento como fruto da decisão do indivíduo,
algo que é externado a partir da complexidade da escolha frente a todas as questões internas
e externas que se lhe apresenta. Essa capacidade de interpretação seletiva dos estímulos de
acordo com o tempo, experiência e necessidade, torna o determinismo da concepção
clássica de estimulo-reação, como uma acepção demasiadamente recortada para exprimir
toda a verdade acerca do comportamento. (MERLEAU-PONTY, 1975, p.78).
Considerando a Teoria Cognitiva de Piaget que revela uma graduação no
desenvolvimento cognitivo da criança e consequentemente uma construção da
aprendizagem, pode-se então, considerar certa relação com a Teoria Comportamental de
Merleau-Ponty que assevera que o indivíduo, corpo integral, se lança ao mundo, polo
mundano, dando sentido ao mesmo, e elegendo aquilo que lhe será por estímulo
interferindo diretamente na sua compreensão e aprendizado.
Conclui-se então, ao considerar estas duas teorias que se intercalam que o pedagogo
tem como missão, dentre outras, discernir a fase que a criança e ou o indivíduo se encontra
cognitivamente, conforme Piaget descreveu, para que o conteúdo ministrado seja relevante
e “aprendível”, contudo, torna-se um erro desconsiderar a autonomia que esta criança e ou
indivíduo tem, e que é através de si mesmo que este da ou não sentido aos estímulos,
conforme Merleau-Ponty determinou.
Nesta acepção amplia-se e muito a atuação do
pedagogo, que não somente deverá entender o período em que a criança se encontra e lhe
oferecer adequadamente o conteúdo, mas, além disso, esse profissional terá como missão
estimular seu aluno, na condição agora de assistente, a abrir-se comportamentalmente para
o esforço de aprendizagem, despertando nele o desejo de se entregar cognitivamente ao
conteúdo e ao método proposto.
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