O DESENVOLVIMENTO HUMANO NO CONTEXTO ESCOLAR Mário Sérgio Vasconcelos* As conseqüências da ausência das virtudes e valo- o sofrimento de milhares de pessoas. As mudanças são velozes e res se fazem sentir em todas as esferas sociais, por tantas, nos mais variados setores, que podemos dizer que hoje vi- isso resgatar as coisas simples e verdadeiras, que vemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época. estão cheia de virtudes e valores, é um caminho viável e seguro, uma bússola a orientar nossa conduta num mundo cheio de descobertas. (Guimarães Rosa) Esse contexto, também configurado na sociedade brasileira, faz com que muitas pessoas sintam-se inseguras quanto ao futuro, não sabendo em quem e no quê acreditar. No âmbito escolar, a dúvida e a insegurança também compõem parte do cotidiano. A escola é uma instituição criada no âmbito da sociedade e, Quero iniciar esse ensaio, reiterando minha posição em defe- conseqüentemente, é influenciada pelas mudanças sociais. Por sa de uma escola formadora que invista no desenvolvimento hu- isso, mesmo que lentamente, se modifica com as mudanças mano e na construção de valores. Com essa perspectiva, busco históricas, políticas, econômicas e tecnológicas. Desse modo, é promover uma reflexão, no sentido de superar o modelo clássico preciso pensá-la no contexto da contemporaneidade, marcada de escola voltada apenas para a instrução. Dois argumentos sus- por profundas transformações institucionais e que se refletem tentam essa proposta. O primeiro está relacionado à na subjetividade humana. contemporaneidade e ao papel da escola na atualidade. O segun- Dentro dessa realidade, uma primeira constatação se faz do liga-se à necessidade atual de se compreender a escola como inevitável: no conjunto das instituições modernas tradicionais, espaço de construção de valores e como instituição constituinte muitas delas estão em franco declínio ou desprestigiadas, po- do desenvolvimento da criança e do adolescente. Vejamos as im- rém a escola continua sendo, ao contrário, extremamente valo- plicações desses argumentos. rizada e preservada (Justo, 2005). Ela resiste aos ventos dos novos tempos, mais do que até mesmo a família. É vista como Tempos modernos Quando, em 1968, o artista plástico Andy Warhol pronunciou a frase a fama dura apenas quinze minutos, ele anunciava um tempo de transformações que muitos não visualizavam. Hoje, porém, é fácil perceber que a sociedade passa por um momento onde as mudanças são muitas e muito rápidas. No campo da ciência, pesquisadores passaram a buscar novos paradigmas para fazer a leitura da complexidade do real. A cada dia, surgem novidades tecnológicas que influenciam nosso ritmo de vida e alteram as relações entre as pessoas. No plano ideológico, instaurou-se uma crise sem precedentes e um sentimento de incapacidade rege as ações dirigidas às políticas regionais e mundiais. No âmbito das instâncias tradicionais, a família sofreu transformações irreversíveis, principalmente com a inserção da mulher no mercado de trabalho. Com isso, cada vez mais, diferentes instituições educacionais são criadas para atender ou cuidar das crianças. Enfim, estamos no terceiro milênio, globalizados e numa sociedade de mercado que freneticamente prega a modernização, mesmo que ela signifique imprescindível para o atendimento das demandas de formação intelectual e transmissão formal dos saberes da cultura. Continua sendo o grande sustentáculo da sociedade e considerada como elemento chave de formação do sujeito, da construção da cidadania e da expansão da economia. Por isso, a situação da criança fora da escola é vista como mais grave do que a da criança fora da família. Afinal, por figura de lei, lugar de criança é na escola. Como nunca, a escola está atrelada à ciência e à racionalidade técnica e é solicitada a absorver as mais diferentes funções em substituição às instituições que estão em declínio. Por isso mesma, expande-se para melhor acolher as crianças em idades mais tenras e assume, além da tarefa tradicional de educar, também a tarefa de cuidar. Sobre ela recai a responsabilidade de formação integral, ou seja, é encarregada de zelar pelo desenvolvimento da criança e do adolescente, no plano cognitivo, emocional, afetivo, social, político e tantos outros, tidos como necessários para a formação do sujeito de nosso tempo. O fato é que a escola atual faz parte desse lugar contem- bre a criança e o adolescente afeta a formulação de seus objetivos porâneo e detém um papel ousado na história. Não é por acaso educacionais. Se quisermos que as crianças se tornem adultos que, atualmente, um aluno, mesmo sem freqüentar a universi- seguros de suas convicções e não pessoas conformistas e passi- dade, pode permanecer três anos na pré-escola, nove anos no vas, devemos criar um contexto que leve em consideração o pro- ensino fundamental e três anos no ensino médio. São, no míni- cesso ativo como objetivo pedagógico. Assim, estaremos contri- mo, quinze anos de escolarização. Como conseqüência, com buindo para formar indivíduos reflexivos e autônomos, conscien- todo esse tempo que o aluno passa na escola, aspectos tes da complexidade do mundo em que vivemos. organizadores da subjetividade do sujeito/aluno são produzidos no próprio contexto escolar. Contudo, é importante salientar que objetivos como este não tem que estar apenas no papel, mas na cabeça do professor, para que esse possa atuar criativamente no cotidiano, voltado O desenvolvimento humano na escola Dado esse posição de destaque na atualidade, como a escola para o conhecimento integral de seus alunos. Isso implica em uma ação integrada que leve em consideração: poderá dar conta de tantos afazeres? Nesse contexto, como agir a interação como princípio; para não deixar sucumbir seu projeto de formar sujeitos críticos e o reconhecimento do sujeito/aluno (ativo); competentes para o exercício da cidadania? o conhecimento como construção; a qualidade das relações interpessoais; a cultura onde a escola está inserida; o significado dos conteúdos escolares; a metodologia das aulas; o conhecimento e ao auto conhecimento; a auto-estima; a gestão escolar; os valores da comunidade escolar. Penso que é inevitável conceber a escola como uma representante de seu tempo. Por isso, é inevitável reorientar seu caminho para uma escola formadora e não apenas instrucional (responsável pela transmissão dos conteúdos clássicos). Nessa travessia, torna-se fundamental pensar o seu papel na constituição do desenvolvimento humano. Sabemos que o desenvolvimento cognitivo, emocional e afetivo do ser humano não é apenas uma tarefa da família, mas de todas as instituições envolvidas no processo interativo de socialização pelo qual passa o ser humano. Hoje, mais do que nunca, isso São princípios dessa natureza que estamos interessados em inclui a escola: a instituição escolar e os agentes que compõem tal debater com os colegas educadores. Talvez, com essas reflexões, contexto. possamos contribuir para a construção de uma educação voltada Todas as escolas protagonizam a formação de um indivíduo crítico, que pode exercer sua cidadania e estar atento à complexidade do mundo contemporâneo. Tal projeto, necessariamente, implica uma orientação de valores e uma concepção de sujeito. Na verdade, a escola, inevitavelmente, lida com valores e traz para a criança e os jovens, transformadores. Afinal, como salientou Piaget (1972), o principal objetivo da educação é criar pessoas com espírito crítico, capazes de fazer coisas novas, e não repetir simplesmente o que as outras gerações fizeram, muitas vezes promovendo a injustiça social. implícitas concepções de sujeito/aluno: os alunos têm valores, professores têm valores, a instituição escola pressupõe valores. Desse modo, a reflexão não deve ser se a escola deve ou não Referências Bibliográficas trabalhar com valores, mas, sim sobre quais valores e como trabalhá-los. Do mesmo modo, toda escola têm concepções de sujeito, os professores tem concepções de sujeito, mas quais concepções vão ao encontro do desenvolvimento da criança e do adolescente? Há anos, a ciência do desenvolvimento humano comprovou que o ser humano é ativo no processo de construção do conhecimento (Piaget, 1964; Wallon, 1989, Vygotsky, 1989). Qual instituição investe numa concepção ativa de sujeito/aluno? Como promover projetos que favoreçam a verdadeira atividade do sujeito em busca do conhecimento? Trabalhar numa vertente ativa e democrática, pressupõe, no mínimo, uma visão interacionista de sujeito. Nossas observações indicam que essa perspectiva, ainda muito distante de nossas escolas, pode fazer com que o educador aproveite muito mais o tempo, favorecendo o desenvolvimento da criança, promovendo o conhecimento e dando um significado coerente para o seu trabalho. É inegável que a compreensão que o professor forma so- JUSTO, J. S. e outros. Indisciplina e Disciplina: ética, moral e ação do professor. Porto Alegre: Mediação, 2005. PIAGET, J.P. Où va lÉducation? Paris: Denoel-Gonthier, 1972. VASCONCELOS, M. S. As crianças e o conhecimento. Assis: Unesp, 2002. VASCONCELOS, M. S. (Org.) Criatividade: psicologia, educação e conhecimento do novo. São Paulo: Moderna, 2001. VERÍSSIMO, L F. e outros. O desafio ético. Rio de Janeiro: Garamond, 2000. VYGOTSKY, L. S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. WALLON, H. Origens do pensamento da criança. São Paulo: Manole, 1989. * Professor de Psicologia do Desenvolvimento da Unesp/Assis; Mestre em Psicologia Social (PUC/SP); Doutor em Psicologia Escolar (USP); Pós-doutor em Processos Cognitivos (Universidade de Barcelona) e autor de vários livros, entre eles, A difusão das idéias de Piaget no Brasil (Casa do Psicólogo) e Criatividade: psicologia, educação e conhecimento do novo (Moderna).