Clipping Veículo: Data: Editoria: Jornal Estado de São Paulo 21/06/2010 Opinião Código Florestal Denis Lerrer Rosenfield - O Estado de S. Paulo Se você não leu, recomendo a leitura da apresentação do parecer do deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP) ao Projeto de Lei n.º 1.876/99, relativo ao Código Florestal. Além de um texto muito bem escrito, você poderá ficar vacinado contra as hipocrisias que têm sido ditas a propósito dele. O deputado insere-se na melhor tradição brasileira de defesa da soberania nacional. O parecer não é favorável ao "desmatamento", como tem sido veiculado, mas a favor do desenvolvimento sustentável baseado numa agricultura pujante, seja ela de assentados, agricultores familiares, pequenos, médios e grandes. Hoje, é como se as palavras agricultura e pecuária estivessem ganhando sentido pejorativo. Faltaria somente explicar como os brasileiros ? e os habitantes do planeta ? vão comer, salvo se a opção for destinar à miséria os cidadãos do País. O Código Florestal de 1965, elaborado durante o regime militar, obedeceu a um ritual próprio da democracia, por meio de um projeto de lei e de discussões no Congresso Nacional. Desde então, no entanto, ele foi objeto, no dizer do deputado, de "absurdas alterações" que o desfiguraram completamente: "É paradoxal que em plena democracia ele tenha sido completamente alterado por decretos, portarias, resoluções, instruções normativas e até por uma medida provisória que virou lei sem nunca ter sido votada." Em regime autoritário, procedimentos democráticos, legislativos, foram observados, enquanto em regime democrático se aprofundou a tendência, de cunho autoritário, de impor regulamentações por atos administrativos emanados do Poder Executivo. A pauta ambientalista avançou por atos administrativos graças a uma legislação infralegal que deformou a lei existente. Nesta perspectiva, os modernos ambientalistas preferem não seguir os ritos democráticos, advogando por legislar via atos administrativos, à revelia do Poder Legislativo. Por causa dessas medidas, a "legislação põe na ilegalidade mais de 90% do universo de 5,2 milhões de propriedades rurais no país". A situação é tanto mais grave do ponto de vista constitucional em razão de esses atos administrativos terem efeito retroativo. Nunca é demais lembrar que só no nazismo as leis tiveram efeito retroativo. Quem plantou, no passado, de acordo com legislação vigente, legalmente, portanto, torna-se, por um ato administrativo, ilegal! Potencialmente, se não efetivamente, um "criminoso". "Homens do campo, cumpridores da lei, que nunca haviam frequentado os tribunais ou as delegacias de polícia, viram-se, de repente, arrastados em processos, acusações e delitos que não sabiam ter praticado. Houve casos de suicídio, de abandono das propriedades por aqueles que não suportaram a situação em que foram colhidos." O País tem sido objeto de espetáculos midiáticos globais, protagonizados por diretores de cinema, atores e atrizes, que tornam a natureza brasileira, em especial a Amazônia, objeto de seu maior apreço. Cabe aqui a pergunta, suscitada pelo deputado, citando o padre Antônio Vieira: "Estão aqui em busca do nosso bem ou dos nossos bens?" Se fossem minimamente coerentes, deveriam lutar pela recomposição das florestas nativas em seus respectivos países. O diagnóstico do parecer é preciso. Os EUA destruíram "quase completamente" as suas florestas nativas, enquanto na Europa a destruição foi completa. O Brasil, por sua vez, responde por quase 30% do que restou de toda a cobertura vegetal original do planeta. Logo, os ambientalistas deveriam lutar pela recomposição das florestas nativas nos EUA, no Reino Unido, na Holanda, na França, na Alemanha, na Itália. Por que não o fazem? Será porque os interesses da agricultura desses países seriam contrariados? Poderiam retirar os subsídios agrícolas da pecuária europeia e americana e, portanto, diminuir a produção de gases produzidos pelos rebanhos. Por que se imiscuem na pecuária brasileira, deixando a europeia e a americana intactas? Poderiam não produzir mais tanta uva, com incentivos para a produção de vinhos. Diminuiriam o problema das encostas e poderiam ver florescer florestas nativas, com sua flora e sua fauna originárias. Não deveria valer a criação de "florestas" que são verdadeiros bosques e parques para os cidadãos fazerem piqueniques nos fins de semana! Vamos tomar a sério a reconstituição das florestas nativas! O resto é mero exercício de hipocrisia. Ademais, no Brasil, vieram a ser de uso corrente conceitos como os de "reserva legal" ? (áreas que deveriam ser preservadas, nas propriedades, para a conservação da natureza, de 20% no Sul e Sudeste, 35% no Centro-Oeste e 80% na Amazônia ? e áreas de preservação permanente (APPs), como encostas de morros e margens de rios. A norma da "reserva legal" não existe em nenhum outro país, muito menos nos desenvolvidos, que financiam, "paradoxalmente", as ONGs internacionais. A legislação das APPs deles é muito menos rigorosa do que a nossa. Cabe novamente a pergunta: por que essas ONGs que tanto dizem prezar a natureza não fazem os mesmos movimentos nos EUA e nos países europeus, lutando pela criação da reserva legal e por uma aplicação muito mais ampla e rigorosa das APPs? Vale aqui e não vale lá? A que interesses respondem? No Brasil, se toda a legislação atual for aplicada, como querem essas ONGs nacionais e internacionais, várias áreas de cultivo, como as de banana e café no Sudeste, arroz, uva e tabaco no Sul, a pecuária no Pantanal e na Amazônia Legal, soja no cerrado, as florestas plantadas e a cana-de-açúcar, entre outras, ficarão inviabilizadas. Áreas já consolidadas há décadas, se não séculos, deverão ser desativadas, com reflexos evidentes na mesa dos brasileiros e na economia nacional. A comida ficará mais cara e o País, de exportador, tornar-se-á importador de alimentos e produtos agrícolas. Os países patrocinadores dessas ONGs ficarão muito agradecidos. E os "ambientalistas" gritarão vitória. Vitória de quem? PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: [email protected] * Reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade do veículo.