Relato de Pesquisa/Research Reports ISSN 2176-9095 Science in Health 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 PODER INFORMAL NAS ORGANIZAÇÕES: relações de poder na busca de ascensão profissional INFORMAL POWER IN THE ORGANIZATIONS: power relations in the search for professional ascension Marco Antonio Sampaio de Jesus* Graziela Cristina Vital** Resumo Abstract A investigação das relações de poder nas organizações vem sendo desenvolvida há muito tempo por diferentes abordagens. Este estudo procura descrever as principais teorias sobre o tema, bem como sintetizá-las em sua aplicação no ensaio escrito por Rosa Maria Fisher em “O Círculo do Poder – As Práticas Invisíveis de Sujeição nas Organizações Complexas”. Caracterizado como pesquisa exploratória de natureza bibliográfica, o estudo sistematizou conhecimentos empíricos sobre as possibilidades de ascensão profissional decorrente das relações de poder nas organizações. Evidenciou-se a existência de uma tipologia dos jogos de poder praticados com relativa frequência pelos chamados “atores desprovidos de recursos”. The topic “power relations in the organizations” has been explored in a great number of researches and in different perspectives. The present article intends to describe the most influential theories and concepts that explain the theme, as well as offer a synthesis of the essay written by Rosa Maria Fisher entitled Circle of Power – The Invisible Subjection Practices in Complex Organizations. Characterized as an exploratory research based on bibliographical review, this article organizes empirical data about the possibilities of professional ascension through power relations in the organizations. It also shows the existence of a typology of the struggle for power commonly practiced by those who lack resources or are at the bottom of the chain of command. Palavras-Chaves: Poder • Jogos de Poder • Ascensão Pro- Key-Words: Power • Power Relations • Professional Ascen- fissional sion ** Doutorando em Administração, Mestre em Gestão de Negócios Internacionais (Universidade Católica de Santos, Brasil), Professor do curso de Administração da UNICID, [email protected]; ** Mestre em Political Science (University of Waterloo, Canadá), Professora do curso de Administração da UNICID, [email protected]. 103 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 OBJETIVO O Objetivo deste estudo é organizar ideias e conceitos que auxiliem na identificação das relações de poder (formal e informal) que estão incorporadas à estrutura e ao funcionamento das organizações e como essas relações podem ser utilizadas na busca de ascensão profissional. Como metodologia, optou-se pela pesquisa exploratória, quanto aos seus objetivos, e bibliográfica, quanto aos procedimentos técnicos, utilizando-se de dados secundários obtidos de publicações científicas pertinentes ao assunto. ISSN 2176-9095 cional” (expressão nossa) é muito bem abordada, ficando claras as dificuldades desse processo. As técnicas de investigação que procuravam identificar o clima organizacional com “termômetros” que avaliavam as satisfações e as insatisfações das pessoas num dado momento e em relação a determinados aspectos, mostraram-se insuficientes e obsoletas em relação a novas propostas conceituais apresentadas por estudiosos do assunto como Schein (1983, apud Fischer, 1996), ao propor uma perspectiva clínica na abordagem dos fenômenos culturais em que amplia as raízes antropológicas dos métodos de observação adotados nos estudos organizacionais e redefine o valor do papel do consultor no refinamento da percepção da dinâmica dos processos que originam tais fenômenos, e Pagès 1985, apud Fischer1 (1996), que adota uma abordagem assumidamente psicanalítica, evidenciada pela análise de conteúdo a que submete o material obtido nas entrevistas com os agentes organizacionais. As esferas da cultura e do poder organizacional apresentam padrões inter-relacionados, que se influenciam mutuamente e guardam entre si práticas pouco conhecidas, mas que são significativamente importantes para definir o perfil de uma organização, penetrar em seu complexo universo e compreender as causas de fenômenos aparentemente inexplicáveis. Fleury (in Fischer, 1996 p.135) sistematiza as propostas teóricas e metodológicas dos principais autores que vêm estudando os sistemas culturais das organizações, avançando nesse sentido ao afirmar que REVISÃO DA LITERATURA 1 O Poder nas Organizações Colocado num eixo de tempo, num primeiro momento, a procura de conhecimento científico acerca das organizações procurou entender e definir as práticas administrativas (estrutura e funções básicas e concretas das organizações) ideais ao seu crescimento. Posteriormente, esse conhecimento também penetrou no universo das relações e dos sentimentos das pessoas que interagem com as organizações (colaboradores ou não), buscando-se, com isso, alcançar uma melhor compreensão dos fenômenos organizacionais. A busca desse conhecimento científico é penosa, pois se depara com as dificuldades existentes, seja na captação da essência de certos fenômenos seja na percepção que se tem deles. Conhecer as implicações dessas relações interpessoais e procurar controlá-las é importante, sobretudo se considerarmos que as práticas de poder influenciam diretamente no comportamento organizacional. É necessário politizar a questão da cultura [...] ela é concebida como um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos que em sua capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação. [...] O poder organizacional não deve ser ingenuamente atribuído a determinadas pessoas ou grupos, tampouco localizado em algum ponto específico da estrutura organizacional. Por não constituir uma entidade que possa ser possuída, o poder difunde-se através do corpo da organização, manifestando-se por meio de práticas e relações cuja eficácia baseia-se na capacidade de ocultar as contradições existentes, mediante o exercício da mediação como forma de prever e evitar a emergência de conflitos oriundos da existência dessas contradições estruturais. (Pagès 1985, apud Fischer, 1996). Essa politização do conceito implica uma releitura da realidade, na qual cultura e poder passam pelo filtro das diversas abordagens oriundas de diferentes áreas do conhecimento: a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e outras. No ensaio elaborado por Fischer (1996), essa questão do “scanning do comportamento organiza- 1.1 Conceito de Organização Como o objetivo deste estudo é o de estudar as 104 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 relações de poder existentes nas organizações e a ascensão profissional, é necessário que se faça uma aproximação conceitual do que seja uma organização. Considerando-se a evolução teórica sobre os estudos organizacionais, partindo de uma visão mecanicista (organizações como estruturas rígidas) para uma visão sistêmica (organismos vivos que se desenvolvem e se adaptam aos input´s do seu meio envolvente), para os propósitos deste estudo será adotada a definição de Srour (1998), para o qual as organizações são “[...] agentes coletivos, à semelhança das classes sociais, das categorias sociais e dos públicos [...] planejadas de forma deliberada para realizar um determinado objetivo”. ISSN 2176-9095 1.3 Poder versus Autoridade Nas organizações, poder e autoridade não caminham, necessariamente, juntos. Simeray (1980) define autoridade como “o direito de comandar, isto é, o direito de decidir, de dar ordens e de controlar a execução dessas ordens [...] é conservada pela direção geral da empresa e transmitida aos comandos [...] via delegações parciais e sucessivas”. A autoridade é inerente a determinada função ou cargo e, portanto, é uma atribuição formal e impessoal que decorre de uma delegação legítima, seja por meio de estatuto, resoluções internas das organizações, leis, dentre outros fatores. Já o poder, cuja conceituação foi abordada no item 1.2 deste estudo, está diretamente ligado à pessoa, pois abrange as capacidades individuais de cada um, sendo, portanto, uma relação social. Segundo Srour2 (1998), o poder decorrente dessas relações sociais explica, em muitos aspectos, o surgimento de lideranças em função da “sintonia ‘espontânea’ e informal estabelecida entre líderes e seguidores”. Percebe-se, portanto, que a importância das organizações formais na sociedade moderna faz com que muitos cientistas tenham se dedicado e ainda se dediquem a estudá-las. Um desses cientistas foi Max Weber. Para Weber (in Maximiano, 2002), as organizações formais baseiam-se em leis que são aceitas pelas pessoas por acreditarem que sejam racionais e impessoais, aceitando também a autoridade daqueles que são designados para representar e zelar pelo cumprimento dessas leis. Um dos críticos de Weber é o cientista social Amitai Etzioni (in Maximiano, 2002) para quem: 1.2 Conceito de Poder Na visão de Morgan (1996) e Dahl (1957), o exercício do poder representa um meio para se resolver interesses conflitantes. Para tal, os múltiplos aspectos envolvidos nas relações de interesse, muitas vezes “carregados” de subjetividade, devem ser claramente identificados para que os conflitos sejam solucionados. Considerando as relações entre indivíduos, Dahl (1957) aborda o poder como sendo uma relação de obediência de uma parte (B) a outra parte (A). Na medida em que A muda o comportamento de B levando-o a fazer algo que não faria espontaneamente, A está exercendo poder sobre B. Russel (1979) define poder como a habilidade em se produzir os efeitos e os resultados desejados independentemente da forma utilizada. Para Mintzberg (1983), poder é a capacidade de se realizar ou afetar os resultados organizacionais. Em seu trabalho, Ouimet (2003) adota um conceito que caracteriza como global, definindo poder como “a capacidade que um indivíduo possui de influenciar o pensamento e os comportamentos de uma pessoa”. Na análise dessa literatura e de outros autores, entre eles Bowditch e Buono (1997), Galbraith (1983), e Motta (1986), observa-se que a conceituação de poder não é uniforme entre os autores, apresentando diversos enfoques, porém o entendimento direciona a um mesmo sentido: a influência. Esse sentido será considerado no desenvolvimento deste estudo. As organizações são unidades sociais, que têm objetivos específicos, e por isso não se encaixam num modelo universal [...] cada tipo de organização é definido pelo tipo de poder exercido sobre as pessoas. Cada tipo de poder dá origem a um tipo de obediência. A obediência é a relação em que uma pessoa comportase de acordo com a orientação que é dada por outra. 1.4 Relações de Poder nas Organizações Em 1924, quando o cientista George Elton Mayo realizou experimentos na fábrica da Western Eletric Company, em Hawthorne, Chicago, objetivando avaliar os efeitos da iluminação sobre a eficiência dos 105 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 operários, estendendo esses experimentos à fadiga, aos acidentes no trabalho e à rotatividade do pessoal, surgiram fatos novos que provocaram, em certos aspectos, o redirecionamento dos estudos das organizações. Esses experimentos (denominados classicamente como “Experiência de Hawthorne”) foram os precursores da Teoria Humanística ou Escola das Relações Humanas. Elton Mayo constatou a existência de oportunidades de relações humanas nas organizações, devido ao grande contingente de pessoas que nelas trabalhavam e, muitas delas, com interesses comuns (expectativas ISSN 2176-9095 grupais). Segundo suas conclusões, esses relacionamentos criavam aspectos informais às organizações, influenciando, inclusive, sobre o comportamento dos trabalhadores. Essas influências não tinham relação direta com os níveis de autoridade formal constituídos, caracterizando a existência daquilo que se chamou de “grupos informais”. Este breve resgate da “Experiência de Hawthorne” e da influência dos grupos informais sobre o comportamento dos trabalhadores visa sustentar a afirmação anterior de que o poder nas organizações muitas vezes independe da vontade (autoridade formal) das organizações, já que Tabela 1. Bases de Poder Existentes nas Organizações e suas Principais Características Bases de Poder Tipo de Poder Principais Características Formal • Vinculado à estrutura organizacional (autoridade formal), é deliberado pela própria organização e vinculado aos respectivos cargos/funções (impessoal). • Pode ser exercido tanto “de cima para baixo” (cargos de direção/chefia sobre seus subordinados) quanto “de baixo para cima” (cargos ligados à segurança – por exemplo: portaria e seguranças). Formal • Vinculado ao exercício do poder legítimo através de punições. • Os motivos das punições devem ser transparentes e estar embasados nas políticas da organização ou nas doutrinas legais vigentes. • Não garante o desenvolvimento profissional das pessoas. • Não deve servir de mecanismo de satisfação pessoal de quem o aplica, pois pode desencadear sentimentos de injustiça. • Pode ser classificado como um lado negativo do poder de recompensa. • Poder de Recompensa Formal • Também vinculado ao exercício do poder legítimo, porém com raciocínio inverso do poder coercitivo, procura influenciar pessoas através de recompensas, que podem ser: a) Materiais → melhorias salariais, promoção, prêmios, etc. b) Reconhecimento → sentir-se valorizado. • Seus motivos também devem ser transparentes e estar embasados nas políticas da organização ou nas doutrinas legais vigentes. • Poder de Especialização Informal • Não está necessariamente vinculado ao poder legítimo. • Resulta do talento, dos conhecimentos específicos e especiais e das habilidades individuais, gerando respeito. • Poder de Referência Informal • Deriva das características individuais de uma pessoa (carisma, caráter, comportamento, estilo, etc.), criando “seguidores” que se identificam com essas características e que também procuram obter esse poder através da associação com aqueles que o detêm. Informal • Não necessita estar relacionado aos níveis hierárquicos, mas sim à “posse” de informações a) necessárias à organização ou b) que possam comprometê-la. • Pode ser extremamente prejudicial às organizações na medida em que as pessoas que o detenham passem a agir como “filtros” e, assim, controlarem a difusão de conhecimento nas organizações. • Poder legítimo • Poder Coercitivo • Poder de Informação Fonte: Montana (1998); Stoner (1985); Morgan (1996) e Daft (1999). 106 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 existe a possibilidade de relacionamentos e alianças entre as pessoas. Nesse contexto, Cappelle et al.13 (2004) constatam que “essas relações (de poder) se darão, também, em função da possibilidade de coligação com outros agentes, da mobilização de solidariedade e da capacidade de se beneficiar desses elementos, além da aptidão para construir e estabelecer relações, comunicar, formar e reverter alianças e, principalmente, para suportar tensões”. Com base nos estudos de Montana (1998), Stoner (1985), Morgan (1996) e Daft (1999), identificam-se as bases de poder existentes nas organizações bem como suas principais características. Os resultados dessa identificação estão sintetizados na Tabela 1. ISSN 2176-9095 A expressão “exploração sistemática das margens de ação” retrata essencialmente a noção de jogo de poder, ou seja, a adoção de um modo de comportamentos e/ ou atitudes condicionado pela situação na qual o ator se situa. De fato, o ator organizacional recorre a uma estratégia política quando explora uma oportunidade informal (grifo nosso) não prevista pela empresa. A exploração de tudo aquilo que não é prescrito formalmente pela empresa permite ao ator jogar para aumentar sua capacidade de influenciar os outros bem como o curso dos eventos (Ouimet, 2003). Dessa forma, o autor procura estabelecer uma relação de adequação entre o tipo de jogo de poder e a natureza das situações nas quais se localizam os atores com menor grau de autoridade. Ouimet (2003) sugere dois tipos de natureza das situações (também chamadas por ele de estratégias políticas) em que esses atores desprovidos de recursos atuam, identificadas pela análise de entrevistas semiabertas feitas com gestores de alto escalão, a saber: 1.4.1 Ascensão Profissional e Jogos de Poder Encontrou-se no artigo de (Ouimet, 2003) uma adequada exploração das tipologias de jogos de poder praticados pelas pessoas que dispõem de um fraco potencial de autoridade devido à sua posição hierárquica não muito elevada, ou, como define o autor, “atores desprovidos de recursos”. Existe um elevado volume de pesquisas científicas que analisam o poder sob a ótica da liderança organizacional, ou seja, a visão de que somente dirigentes aptos a mobilizar todos os empregados em torno de um projeto comum (líderes) podem resolver os problemas de performance e de adaptação das empresas às novas estruturações de mercado. Mas, e os “atores desprovidos de recursos”? O que fazem para evoluir e progredir na estrutura hierárquica das empresas? Existem jogos de poder próprios a eles? Ouimet (2003) constata que “esse conhecimento é limitado, em termos de exploração sistemática das margens de ação desse tipo de empregado” • Estratégia de Consolidação É utilizada em um contexto de trabalho favorável, devido a diversas razões, tais como: patrão atencioso, colegas de trabalho honestos e bem-intencionados, relações de trabalho harmoniosas entre os empregados, entre outros. Sua utilização permite aos atores aumentar a importância de seus recursos e, consequentemente, ampliar as chances de subir nos escalões hierárquicos (obtenção de poder). • Estratégia de Proteção de Posição É utilizada em contextos de trabalho desfavoráveis, tais como: patrão de personalidade difícil, colegas de trabalho agressivos e interessados no sucesso pessoal, uma cultura organizacional patogênica, estresse organizacional intenso e não controlado, uma morosidade econômica no setor de atividade da empresa, etc. 107 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 Estratégias Políticas Estratégia de Consolidação Estratégia de Proteção de Posição ISSN 2176-9095 Tipos de Jogos de Poder Características Básicas Jogo do Tamborim • Consiste na propagação das realizações pessoais à empresa como um todo, sempre de forma indireta, utilizando-se para tal a figura de um intermediário com capacidade/influências sobre o destinatário desejado (por exemplo: secretárias, jornal da empresa). • É eficaz em culturas organizacionais mecanicistas uma vez que, de certa forma, as burocracias mecanicistas apresentam fortes características de burocracias profissionais funcionais (normas impessoais). • Consiste na formulação polida e atenciosa de queixas repetitivas, motivadas pela frustração de não poder responder convenientemente Jogo das Leves Queixas aos objetivos da empresa pela falta de recursos adequados. • Não devem jamais ser cargas virulentas contra a empresa, nem tampouco críticas que firam certas pessoas. • É preferível ser diplomaticamente tenaz durante um longo período de tempo a ser espontaneamente intransigente. Jogo do Mentor • È praticado em situações onde se disponha de poucos ascendentes e se trabalhe com indivíduos bem-intencionados, visando aperfeiçoar a compreensão da dinâmica das redes sociais informais da organização. • Consiste em ações deliberadas com o objetivo de tornar-se pupilo de um mentor. O mentor deve ser respeitado e conhecedor da cultura organizacional da empresa para que seus conselhos possam aperfeiçoar rituais específicos da vida simbólica da empresa (missão, mitos de sua fundação, história dos fundadores, crenças e atitudes, tabus, etc). • O deciframento desses rituais concede ao pupilo considerável vantagem sobre colegas ignorantes dessa questão simbólica. Jogo do Pato Cambaleante • É eficaz em culturas organizacionais orgânicas ou quando se é confrontado com uma pessoa narcisista. • Consiste em demonstrar uma personalidade terna e insípida, ou seja, escolher um perfil discreto para projetar ao outro uma imagem que não seja ameaçadora e sim de alguém que precisa lutar muito para alcançar seus objetivos. Seu efeito é ainda mais forte caso se aparente pequenino ou insignificante aos olhos de pessoas narcisistas já que essas pessoas raramente atacam alguém que julguem menos talentosa do que ela própria. Jogo da Neblina • Aconselhado em situações de clima de trabalho desfavorável e o poder se revela tênue. • Consiste em restringir seus comentários às questões de ordem profissional, evitando falar o mínimo sobre si e, com isso, não revelar aos outros (adversários) seus pontos fracos que podem ser percebidos pelas suas marcas pessoais. Jogo da Conformidade às Regras • É eficaz quando se atua em um contexto desfavorável e em ambientes cartesianos, ou seja, organizações com cultura mecanicista ou pessoas com personalidade analítica. • Consiste em respeitar escrupulosamente as diretivas e os procedimentos, utilizando-os como um escudo protetor legitimando suas ações defensivas. Fonte: Ouimet (2003) Ouimet (2002) 108 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 Ao contrário da estratégia de consolidação, sua utilização não permite o aumento de poder, mas objetiva limitar os estragos e preservar a posição organizacional atual. O autor também examina os jogos de poder próprios a cada uma das estratégias políticas. Desse exame, extraíram-se os principais jogos e suas características básicas, que estão adaptados e sintetizados no quadro a seguir: ISSN 2176-9095 2.1 A Questão Penitenciária Segundo a autora, a enorme carência de conhecimento que se tem acerca das especificidades das prisões enquanto realidades organizacionais é fruto de uma das mais importantes características do sistema, a qual é ciosamente resguardada pelos padrões culturais vigentes: sua impenetrabilidade em relação aos agentes externos, mantida pela sutil invisibilidade das práticas que constituem seu cotidiano, as quais são desconhecidas da sociedade abrangente e se mantêm opacas, até mesmo nas relações mantidas com outros órgãos públicos que lhe são afins. Os aspectos culturais de cada unidade do sistema penitenciário são determinantes dos padrões de comportamento, relacionamento, comunicação e distribuição de poder observados, porque foram formulados no âmbito da própria organização e para atender suas necessidades de manter-se autônoma em relação ao sistema e independente em relação ao conjunto do aparato do Estado e à influência da sociedade abrangente. Um forte processo de continuidade administrativa garantiu que um escudo de resistência interna impedisse as raras tentativas de intervenção na estrutura e no funcionamento dessas organizações. Essa continuidade não é percebida nas normas e procedimentos que explicitam o funcionamento do sistema, mas é evidenciada quando se observa que os critérios utilizados para ocupar os cargos de direção e chefia seguem padrões patrimonialistas, nos quais a legitimidade do exercício da função baseia-se no apoio de grupos informais, que distribuem entre si a influência sobre áreas estratégicas de cada estabelecimento. Esses grupos são compostos por relações diversas: funcionais, hierárquicas, pessoais; assumem diferentes formatações conforme as circunstâncias e os objetivos, e extrapolam o famoso limite entre uma elite dirigente e uma massa de cativos. A predominância desses grupos é evidenciada porque a ação institucional nunca pode ser explicada exclusivamente pelos procedimentos formais. Há um livre trânsito entre padrões formais e informais que obscurece a compreensão da dinâmica organizacional ao observador externo. Confiantes na descontinuidade própria da administração pública, os funcionários do sistema eram conscientes de que os governos e secretários mu- 2 Síntese do Ensaio “O Círculo do Poder – As Práticas Invisíveis de Sujeição nas Organizações Complexas” Este capítulo sintetiza os principais aspectos do ensaio elaborado por Rosa Maria Fischer com base na pesquisa “A Análise do Sistema Penitenciário Paulista”, conforme já foi abordado no resumo deste estudo. Referindo-se a vários escritos de Schein em livros, artigos e papers que discorrem sobre a necessidade de se refinar o conceito de cultura organizacional e evitar suas aplicações incorretas e superficiais, afirmando que é preciso concentrar esforços em descrever situações e padrões diagnosticados visando o desenvolvimento de conceitos teóricos e instrumentos adequados, a autora estabelece uma abrangência peculiar para seu estudo: a consideração de que os estabelecimentos penitenciários podem ser considerados como verdadeiros laboratórios para o mapeamento dos padrões culturais e das redes através das quais distribuem-se interesses, influências, informações e decisões. Sendo uma instituição total que isola a organização do ambiente externo, criando um sistema peculiar de vida interna nos limites do mesmo espaço físico, nela se configuram as condições propícias para a formação e manutenção de padrões culturais específicos dessas organizações e relativamente isentos da influência das transformações que ocorrem no sistema social em que se inserem. A prisão enfatiza os procedimentos para obrigar uma “reorganização do eu”, para maximizar o valor das normas e regulamentos criando um “código de ética” próprio, e para demarcar exaustivamente, através de ritos e símbolos, as diferenças que separam seus dois mundos: o grande grupo controlado e a equipe dirigente. 109 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 dam, enquanto eles permaneceriam nos seus cargos. Habituaram-se a esperar que no início de cada gestão sejam realizados diagnósticos e propostos planos de ação, os quais serão gradativamente esquecidos diante dos obstáculos para implementação. Por isso, as resistências às propostas de mudanças não precisam manifestar-se explicitamente. Basta fazer com que “não peguem”, isto é, omitir-se de opinar e de participar, colocar-se à margem dos levantamentos, análises e planejamento que geralmente são elaborados por assessores/técnicos do Estado e, com isso, esvaziar as possibilidades de implementação dos projetos. Essa atitude emergia de modo quase espontâneo, insuflada por comentários irônicos e conversas informais, nas quais os funcionários e dirigentes dos estabelecimentos compartilham suas opiniões acerca da ignorância que os técnicos e assessores têm da questão penitenciária, do sistema, dos riscos e dificuldades inerentes ao trabalho que executam. Nesse discurso ficava evidente o desprezo aos que não pertenciam ao universo penitenciário e a concepção de que, para compreendê-lo, é preciso vivenciar, por longo tempo, sua realidade cotidiana e estabelecer uma relação de identidade afetiva e cultural com a organização e seu modo de ser. Verifica-se, assim, que certas características de estruturação e funcionamento das organizações penitenciárias que poderiam ser modificadas com bons projetos, tendiam a permanecer na prática institucional, apesar de serem formalmente transformadas, porque os grupos informais articulam-se na constituição de um invisível círculo de ferro que tem a capacidade de impedir mudanças. Estudos sobre a Casa de Detenção de São Paulo descrevem o funcionamento desses grupos, suas disputas pelo controle da vida institucional e as relações que estabelecem com funcionários e dirigentes. A utilização de comissões de sentenciados não chegava a ser uma novidade quando foi proposta, pelos próprios detentos, ao Diretor Geral da Penitenciária do Estado de São Paulo. Formada durante o 2º semestre de 1983, era hostilizada pelos funcionários e por alguns sentenciados, que se sentiam alijados do processo participativo e denunciaram que os participantes dessa comissão eram “os piores elementos da Casa, ‘faqueiros’, ‘passadores’ de drogas e exploradores dos próprios companheiros”. Insatisfeitos com a postura do Diretor Geral, aglu- ISSN 2176-9095 tinaram-se em torno do chefe do setor de Disciplina e Vigilância, que era um antigo funcionário do estabelecimento e exercia suas funções sem ater-se à subordinação devida à Diretoria. Desse modo, o conflito estrutural existente agravou-se, encaminhando-se para o clima que os próprios agentes organizacionais denominam “panela de pressão”. No final de 1983, esse clima eclodiu em rebelião, associada a um nunca comprovado plano de fuga em massa. Aplacado o motim com a costumeira violência, 30 sentenciados foram transferidos para outros estabelecimentos, desestruturando o incipiente grupo que pretendia instalar a comissão. Um segundo grupo de detentos se articula e solicita a intervenção direta do Secretário de Segurança do Estado para dar continuidade à implantação do sistema participativo desejado. É designado um assessor da Secretaria para acompanhar o desenvolvimento desse projeto e ampliá-lo, para que os funcionários também participem com seus próprios grupos, de modo a atender tanto às expectativas e necessidades dos detentos quanto dos funcionários da organização. Enquanto os sentenciados desenvolviam com entusiasmo o projeto, os funcionários não sentiam a menor atração pela proposta da assessoria do Secretário e não formaram suas comissões. Alegavam não acreditar que esse fosse o meio mais eficaz para verem atendidas suas necessidades visto que já existiam duas associações formais de servidores públicos que não obtinham o atendimento de suas reivindicações. E, principalmente, não sentiam justa essa similaridade de tratamento que, na prática, eliminava a diferença, que faziam questão de demarcar, entre eles enquanto cidadãos trabalhadores e os delinquentes que deveriam vigiar. Quando as primeiras propostas da comissão de detentos começaram a materializar-se, aumentou o desconforto e a insatisfação dos funcionários, generalizando o ressentimento contra a postura do Secretário. Diferentes interesses começaram a agregar-se numa rede invisível de oposição às medidas da Secretaria da Justiça, para a qual a proposta de ampliação participativa do sentenciado funcionava como pavio de pólvora. Novamente é instaurado o clima de “golpismo” que dia a dia assume formas concretas, sucedendose revistas gerais inesperadas, punições arbitrárias e 110 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 ISSN 2176-9095 remoção de sentenciados. Um episódio constrangedor e marcante foi provocado pelo responsável pela Vara de Execuções Criminais que, sintonizado com as pressões suscitadas no interior do estabelecimento, denuncia ao público a existência de uma “gang”– as Serpentes Negras – organizada por sentenciados com a conivência da Secretaria da Justiça, com o objetivo de tomar o poder do sistema através de massacres violentos e provocar a queda do Secretário, que ocorreu pouco tempo depois desse episódio. e definem os sistemas de poder e de comunicação vigentes”. 5. Dessa forma, não se pode tratar a resistência à mudança como uma questão genérica, um empecilho a mais nos projetos de desenvolvimento organizacional. As pessoas reagirão para evitar as transformações que interpretarem como sendo uma ruptura da profunda identidade que têm com a organização e/ou uma negação dos valores estabelecidos que lhes transmitissem o sentimento de segurança e coesão. 2.2 Comentários 1. A análise das duas situações de fracasso de projetos de mudanças organizacionais em sistemas penitenciários conduz à conclusão de que a alta resistência da maior parte do corpo funcional e da direção está na concepção que as pessoas têm da missão das organizações penitenciárias. Sendo assim, o questionamento desses valores e dos padrões culturais que eles determinam seria a forma indicada para se obter sucesso na implementação de projetos que venham a melhorar o sistema como um todo. 2. A implementação de medidas drásticas de reestruturação organizacional e de formulação de políticas de gestão como forma de transformar as práticas e procedimentos vigentes, somente poderá ocorrer após o mapeamento prévio das possibilidades de articulação dos grupos informais existentes. 3. Além disso, a legitimidade dessas propostas só será obtida se seus pontos de apoio forem internos ao próprio sistema, o que implica a clara definição sobre as linhas de subordinação e a formalização dos papéis e atribuições dos órgãos e estabelecimentos que constituem o sistema. 4. Em seu ensaio, Rosa Maria Fischer cita um paper elaborado por Schein em que se discute como os padrões culturais podem constituir obstáculo à implantação de estratégias empresariais transformadoras. Schein explica que a essência “da cultura organizacional reside nas ´premissas subjacentes´ onde se originam tanto os valores quanto os comportamentos, as quais referendam as autoridades consideradas legítimas pelos grupos, mantêm os mitos e símbolos que fortalecem a coesão 3 CONCLUSÕES Frequentemente, consultores e administradores responsáveis pela implementação de mudanças organizacionais, assim como pesquisadores que investigam os fatores determinantes do desenvolvimento das organizações, enfrentam o desafio não só de identificar e compreender os padrões culturais, mas também de agir sobre os sistemas de comunicação, de relações sociais e poder, que estão profundamente imbricados com a cultura da organização. A eficiência dos instrumentos tradicionais de diagnóstico do clima organizacional desaparece quando é preciso acompanhar a dinâmica das relações interpessoais e grupais que formam intrincadas redes, por onde são intercambiadas influências, decisões, opiniões e informações decisivas. Nas organizações, a busca pelo poder assume formas que, em muitos casos, colocam os objetivos organizacionais em planos inferiores aos objetivos pessoais dos integrantes. Essa priorização dos objetivos pessoais pode fazer com que projetos necessários ao desenvolvimento, ao crescimento, ao aprimoramento e à própria sustentabilidade dessas organizações sejam alvo de fortes “ataques”. O poder organizacional, formal ou informal, precisa ser conhecido, previsto e tratado enquanto tal, uma vez que pode ser utilizado para se atingirem interesses pessoais, como por exemplo, a ascensão profissional. Omitir o poder informal existente nas organizações sob o rótulo de “resistências” significa correr o risco de minimizar a capacidade que detêm essas relações baseadas em traços culturais predominantes (grupos informais), de impedirem a implementação de mudanças orga- 111 Relato de Pesquisa/Research Reports Jesus MAS, Vital GC. Poder informal nas organizações: relações de poder na busca de ascensão profissional São Paulo • Science in Health • 2011 mai-ago; 2(2): 103-12 nizacionais. As restrições a mudanças decorrentes das práticas de poder devem ser minimizadas mediante a implementação de planos de ação que, necessariamente, entendam e considerem a difu- ISSN 2176-9095 são do poder em toda a estrutura organizacional para, a partir daí, criarem uma cultura organizacional na qual as mudanças sejam aceitas como sendo um processo de melhoria e de evolução contínuos. REFERÊNCIAS owditch, J. L. and A. F. Buono. Elementos de comportamento organizacional. 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