FACULDADES DEL REY
A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS POR MEIO DO INSTITUTO DA
AUTORIZAÇÃO
Iúlian Miranda1
Gustavo Rocha Uchiyama2
Belo Horizonte
2012
1
Mestrando em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
advogado.
2
Advogado.
2
1. DESCENTRALIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
A Administração Pública pode desenvolver suas atividades diretamente, por meio de seus
próprios órgãos (centralização administrativa), ou indiretamente, por meio da transferência de
atribuições a outras pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas (descentralização
administrativa). Para José dos Santos Carvalho Filho a descentralização é:
O fato administrativo que traduz a transferência da execução de atividade estatal a
determinada pessoa, integrante ou não da Administração. Dentre essas atividades
inserem-se os serviços públicos. Desse modo podem-se considerar dois tipos de serviços
quanto à figura de quem os presta – os serviços centralizados (os prestados em
execução direta pelo Estado) e os serviços descentralizados (prestados por outras
pessoas). A descentralização admite duas modalidades. A descentralização territorial
encerra a transferência de funções de uma pessoa federativa a outra, ou também do
poder central a coletividades locais. Já a descentralização institucional representa a
transferência do serviço do poder central; a uma pessoa jurídica própria, de caráter
administrativo, nunca de punho político.3
Segundo o autor, as formas pelas quais o Estado processa a descentralização se dão por
meio de lei (delegação legal), pautada no art. 37, XIX, da CR/88, ou por meio de negócio
jurídico de direito público (delegação negocial).4
Assim, na descentralização administrativa institucional a forma básica de se transferir o
serviço público aos entes da Administração Pública é a lei, já na descentralização por
colaboração, transfere-se serviços públicos aos particulares por meio de negócios jurídicos
(contratos administrativos) – concessão e permissão.
No entanto, esse não é o posicionamento doutrinário majoritário. Para Maria Sylvia
Zanella Di Pietro a ―descentralização por colaboração é a que se verifica quando, por meio de
acordo de vontades ou ato administrativo unilateral se transfere a execução de determinado
serviço público a pessoa jurídica de direito privado, previamente existente, conservando o pode
público a titularidade do serviço.‖5
3
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009, p. 328.
4
CARVALHO FILHO, op.cit. p. 328-329.
5
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008. No mesmo sentido: ―Ocorre a
descentralização por colaboração quando a União, os Estados ou os Municípios transferem – por delegação – a
3
Em qualquer das formas de descentralização, há transferência de atribuições de um ente
político (União, Estados, Distrito Federal ou Município) para outra pessoa jurídica ou física que
possuirá capacidade de auto-organização, mas nunca a capacidade legiferante, típica das
entidades políticas descentralizadas que gozam de autonomia.
A transferência de atribuições na descentralização administrativa restringe-se às
atividades próprias da Administração Pública, especificamente os serviços públicos. Nas
hipóteses em que o Estado exerce atividades que não lhes são próprias, não há que se cogitar em
descentralização, pois não se transfere aquilo que não lhe é próprio.6
Por isso na descentralização administrativa transfere-se apenas os serviços públicos
próprios do Estado. Segundo o texto constitucional, há determinados serviços sobre os quais o
Estado não detêm titularidade exclusiva, como os serviços de saúde, educação, de previdência
social e de assistência social. Estes serviços serão públicos quando prestados pelo Estado, mas
como o texto constitucional não pretendeu deter exclusividade estatal sobre sua prestação, são
livres a iniciativa privada e, sendo assim, não são, conceitualmente, serviços públicos, apesar da
relevância social em sua prestação.
Nesse ponto vale transcrever algumas definições de serviço público. Para Celso Antônio
Bandeira de Mello:
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material
destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos
administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si
mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto,
pessoas jurídicas de direito privado apenas a execução de determinados serviços públicos stricto sensu ou de
determinadas atividades de interesse público (ou serviço governamental). Nesse tipo de descentralização, regra
geral, a titularidade do serviço ou atividade continua sendo do Estado, que pode fiscalizá-lo, nele intervir e mesmo
retomá-lo, nos termos da lei. A delegação de serviços e atividades, ou a descentralização por colaboração, se
concretiza por meio de atos bilaterais (assim os institutos da ―concessão‖ e o da ―permissão bilateral‖ do art. 175 da
CF) – e por meio de atos unilaterais (permissão ―permissão condicionada‖) e autorização.‖ ROLIM, Luiz Antônio. A
Administração Indireta, as concessionárias e permissionárias em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p.
31-32.
6
―Quando o Estado exerce atividade que não é definida legalmente como serviço público, não se cogita de
descentralização propriamente dita. É o que ocorre quando ele assume uma atividade econômica com base no art.
173 da Constituição Federal; ao criar uma empresa estatal para desempenhar essa atividade, o Estado não está
transferindo uma atividade sua (pois ninguém transfere mais poderes do que tem) mas saindo de sua órbita própria
de ação para atuar no âmbito da atividade privada, a título de intervenção no domínio econômico.‖ DI PIETRO,
Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria
público-privada e outras formas. 6 ed. São Paulo: Atlas, p. 44.
4
consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em
favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. 7
Para o autor, a noção de serviço público compõe-se necessariamente de dois elementos:
1) o substrato material, que se trata da prestação de utilidade ou comodidade fruível
singularmente pelos administrados, consistente em atividades imprescindíveis, necessárias ou
apenas correspondentes a conveniências básicas; 2) substrato formal, consistente no regime
jurídico de Direto Público aplicável, trata-se de traço indispensável, sob pena de se considerar
que determinadas atividades desempenhadas pelo Estado, cujo regime jurídico não é público,
como sendo serviços públicos, como a intervenção do Estado na economia. 8
Maria Sylvia Zanella Di Pietro define serviço público como: ―toda atividade material que
a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o
objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou
parcialmente público.‖9
A autora também aponta elementos que compõem a definição de serviço público. Além
dos elementos materiais (a atividade cujo fim é a satisfação de necessidades coletivas) e formais
(regime jurídico de direito público, derrogatório e exorbitante do direito comum), há também o
elemento subjetivo: consistente na pessoa, comumente jurídica, prestadora do serviço público.
Como a titularidade do serviço público é do Estado ele é quem presta, podendo, todavia, como é
de praxe, ser delegada a prestação do serviço ao particular. 10
José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, sustenta que a definição de serviço público
deve conter critérios relativos à atividade pública, razão pela qual o autor, define serviço público
como ―toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de
direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da
coletividade.‖11
7
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 25 ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p.
659.
8
BANDEIRA DE MELLO, op. cit. p. 662-683.
9
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 90.
10
DI PIETRO, op. cit. p. 90.
11
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2009, p. 309.
5
Hely Lopes Meirelles define serviço público como ―todo aquele prestado pela
Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer
necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.‖12
Constata-se, dessa forma, que há pequenas variações quanto à definição de serviço
público. Independentemente do posicionamento doutrinário acerca dos elementos do serviço
público, há que se entender que se trata de atividade prestada tanto pelo Estado, seja diretamente,
seja por meio das pessoas jurídicas integrantes da Administração Indireta, quanto por
particulares, por meio da descentralização administrativa por colaboração.
Não há unanimidade na doutrina acerca dos meios pelos quais a Administração Pública
delega aos particulares a prestação de serviços públicos.
O artigo 175 da Constituição da República menciona apenas a concessão e a permissão
como meios de prestação de serviços públicos pelos particulares. Ocorre que o art. 21, XI e XII,
da C.R./88, cm redação dada pela Emenda Constitucional n. 08/95, arrola os serviços que a
União pode executar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
Art. 21 Compete à União:
[...]
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos
serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos
de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;
c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;
12
Vale transcrever as observações do autor acerca dessa definição: ―O conceito de serviço público não é uniforme
na doutrina, que ora nos oferece uma noção orgânica, só considerando como tal o que é prestado por órgãos
públicos; ora nos apresenta uma conceituação formal, tendente a identificá-lo por características extrínsecas; ora nos
expõe um conceito material, visando a defini-lo por seu objeto. Realmente, o conceito de serviço público é variável
e flutua ao sabor das necessidades e contingências políticas, econômicas, sociais e culturais de cada comunidade, em
cada momento histórico, como acentuam os modernos publicistas. [...] Fora dessa generalidade [da definição posta
pelo autor] não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço público, porque variam segundo
as exigências de cada povo e de cada época. Nem se pode dizer que são as atividades coletivas vitais que
caracterizam os serviços públicos, porque ao lado destas existem outras, sabidamente dispensáveis pela comunidade,
que são realizadas pelo Estado como serviço público. Também não é a atividade em si que significa o serviço
público, visto que algumas tanto podem ser exercidas pelo Estado quanto pelos cidadãos, como objeto da iniciativa
privada, independentemente de delegação estatal, a exemplo do ensino, que, ao lado do oficial, existe o particular,
sendo aquele um serviço público e este, não. O que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço
como público ou de utilidade pública, para sua prestação direta ou indireta, pois serviços há que, por natureza, são
privativos do Poder Público e só por seus órgãos devem ser executados, e outros são comuns ao Estado e aos
particulares, podendo ser realizados por aqueles e estes. Daí essa gama infindável de serviços que ora estão
exclusivamente com o Estado, ora com o Estado e particulares e ora unicamente com particulares.‖ MEIRELLES,
Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 320.
6
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;
f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;
Em razão do disposto no art. 21, XI e XII da Constituição, questiona-se a possibilidade de
se delegar ao particular a prestação de serviço público por meio do instituto da autorização.
7
2. A AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
O instituto da autorização não possui um único significado. A autorização pode ser
entendida como ato praticado no exercício do poder de polícia designando ―ato unilateral e
discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade
material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos.‖13
Outra acepção do termo é a autorização como ―ato unilateral e discricionário pelo qual o
Poder Público faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário. Trata-se de
autorização de uso.‖14
Por fim, parte da doutrina sustenta que há a autorização de serviço público que consiste
em ―ato administrativo unilateral e discricionário pelo qual o Poder Público delega ao particular
a exploração de serviço público, a título precário‖15
Ora, a autorização como meio de se transferir serviços públicos ao particular não
encontra-se prevista no art. 175 da CR/88, tampouco na lei n. 8.987/95. No entanto, como o
legislador não emprega palavras inúteis ou redundantes, há que se conceder o instituto da
autorização de serviço público, segundo previsão do art. 21, XI e XII da Constituição.
Assim, compete a doutrina e jurisprudência esclarecer o referido termo.
Para Hely Lopes Meirelles:
Serviços autorizados são aqueles que o Poder Público, por ato unilateral, precário e
discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses
coletivos instáveis ou emergência transitória. Fora destes casos, para não fraudar o
princípio constitucional da licitação, a delegação deve ser feita mediante permissão ou
concessão. São serviços delegados e controlados pela Administração autorizante,
normalmente sem regulamentação específica, e sujeitos, por índole, a constantes
modificações do modo de sua prestação ao público e a supressão a qualquer momento, o
que agrava sua precariedade.16
13
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6 ed. São Paulo: Atlas, p. 134-135.
14
DI PIETRO, op. cit. p. 135.
15
DI PIETRO, op. cit. p. 135.
16
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 384.
Completa o autor que: ―A modalidade de serviços autorizados é adequada para todos aqueles que não exigem
execução pela própria Administração, nem pedem especialização na sua prestação ao público, como ocorre com os
serviços de táxi, de despachantes, de pavimentação de ruas por conta dos moradores, de guarda particular de
estabelecimentos ou residências, os quais, embora não sendo uma atividade pública típica, convém que o Poder
Público conheça e credencie seus executores e sobre eles exerça o necessário controle no seu relacionamento com o
público e com os órgãos administrativos a que se vinculam para o trabalho. Os serviços autorizados não se
8
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a expressão autorização, que aparece no art. 21,
XI e XII, possui duas espécies de situações:
a) uma, que corresponde a hipóteses em que efetivamente há serviço de
telecomunicação, como o de radioamador ou de interligação de empresas por cabos de
fibras óticas, mas não propriamente serviço público, mas serviço de interesse privado
delas próprias [...] Aí, então, a palavra ―autorização‖ foi usada nos sentido corrente em
Direito Administrativo para exprimir o ato de ―polícia administrativa‖, que libera
alguma conduta privada propriamente dita, mas cujo exercício depende de manifestação
administrativa aquiscente para verificação se com ela não haverá gravames ao interesse
público;
b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta um serviço público,
mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a adoção dos
convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão e concessão. Por
isto mesmo, a palavra ―autorização‖está utilizada também no art. 223 da Constituição.17
O Superior Tribunal de Justiça, sem enfrentar o regime jurídico atinente às autorizações
de serviço público, já teve oportunidade de apreciar o tema.
Na hipótese, tratava-se da sobreposição de uma autorização sob a concessão de serviço
público de transportes intermunicipais. Isso porque o concessionário, para o Poder Público, não
estava executando o serviço de maneira adequada, não satisfazendo a necessidade existente entre
os usuários do sistema de transporte público coletivo.
Entendeu o STJ ser ilegal o ato administrativo de autorização, por ofensa aos princípios
da moralidade e da legalidade administrativa.
Além da inobservância das formalidades legais acerca da suposta ―extensão‖ na prestação
dos serviços públicos, entendeu o Superior Tribunal que a autorização é ato precário, ao
contrário da concessão, que guarda certa estabilidade, além de assegurar ao concessionário o
direito de exclusividade sobre a exploração do objeto concedido.
beneficiam das prerrogativas das atividades públicas, só auferindo as vantagens que lhes forem expressamente
deferidas no ato de autorização, e sempre sujeitas a modificações ou supressão sumária, dada a precariedade ínsita
desse ato. Seus executores não são agentes públicos, nem praticam atos administrativos; prestam, apenas, um serviço
de interesse da comunidade, por isso mesmo controlado pela Administração e sujeito à sua autorização. A
contratação desses serviços com o usuário é sempre uma relação de Direito Privado, sem participação ou
responsabilidade do Poder Público. Qualquer irregularidade deve ser comunicada à Administração autorizante, mas
unicamente para que ela conheça a falta do autorizatário e, se for o caso, lhe aplique a sanção cabível, inclusive a
cassação da autorização.‖ MEIRELLES, op. cit. p. 385.
17
BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p. 679.
9
Ademais, a medida ofenderia o disposto no art. 37, inciso XXI da Constituição Federal,
porquanto a prestação de serviço público por meio de ―ato de autorização‖ equivaleria à
concessão, no entanto, sem prévio procedimento licitatório.
Esse foi o entendimento esposado no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.
6.918 / TO, senão vejamos:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.
CONVERSÃO DE AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE
COLETIVO DE PASSAGEIROS EM CONTRATO DE CONCESSÃO.
INCONSTITUCIONALIDADE. I – Ofende o art. 37, inciso XXI da Constituição
Federal de 1988 a concessão de serviço público sem prévio procedimento licitatório,
ainda que a contratada já prestasse atividade delegada pelo Poder Público sob a forma
de autorização.18
José dos Santos Carvalho Filho sustenta que não há autorização para a prestação de
serviços públicos, que é objeto da concessão e permissão. Para o autor a autorização é: ―ato
administrativo discricionário e precário pelo qual a Administração consente que o indivíduo
desempenhe atividade de seu exclusivo ou predominante interesse, não se caracterizando a
atividade como serviço público.‖19
18
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 6918. 2ª Turma. Relator Ministro Nancy Andrighi. Publicado em:
15.05.2000. Nesse ponto cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal não distingue permissão da concessão.
Apesar do esforço da doutrina diferenciar ambos os institutos, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no
sentido de inexistir diferença entre ambos. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1491, por exemplo, ao
apreciar a medida liminar para suspensão do art. 4º e parágrafo único da Lei n. 9.295/96 (dispõe sobre os serviços de
telecomunicações e sua organização), entendeu o Tribunal que em decorrência da norma contida no art. 175,
parágrafo único, inciso I ("A lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de
serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade,
fiscalização e rescisão da concessão ou permissão."), as permissões devem ser consideradas como verdadeiras
concessões, de forma que suas diferenças se extinguem em razão da Constituição atribuir a ambas a natureza
contratual. Divergindo do posicionamento prevalente, os Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence, Néri da
Silveira, Moreira Alves e Celso de Mello entenderam que os termos não são sinônimos e que a expressão ―caráter
especial de seu contrato‖ constitui uma impropriedade, e não uma equiparação. Vide: BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. ADI nº 1491. Relator Ministro Carlos Velloso, atualmente, aguardando julgamento pelo Tribunal Pleno,
desde 14/04/2011. Disponível em: www.stf.jus.br.
19
CARVALHO FILHO, op. cit. p. 423. Ainda segundo o autor: ―Não nos parece possível conceber dois tipos
diversos de atos para o mesmo objeto. Também não nos convence que a diferença se situe na natureza do serviço
público, vale dizer, se é estável ou instável, ou se é emergencial ou não emergencial como parece pretender aquele
grande mestre [Hely Lopes Meirelles]. Se o serviço se caracteriza como público deve ser consentido por permissão.
Alguns autores exemplificam a autorização invocando a atividade de portar arma ou a de derivar água de rio
público. Ora, com a devida vênia, tais atividades são realmente autorizadas, mas estão longe de considerar-se
serviço público; cuida-se, isto sim, de atividades de interesse privado, que precisam de consentimento estatal pela
necessidade de ser exercido, pela Administração, o seu poder de polícia. Por isso é que o Poder Público, nesses
casos, confere autorização.‖ CARVALHO FILHO, op. cit. p. 424.
10
Inclusive o autor sustenta que a remissão ao art. 21, XII, não justifica o entendimento de
que a autorização é meio de se conceber a prestação de serviço público, pois algumas atividades
arroladas no texto são exercidas pelos particulares no próprio interesse destes, sem que haja
qualquer benefício para a coletividade. Assim conclui o autor que a única interpretação possível
quanto à inclusão do instituto da autorização ao lado da permissão e concessão é que estas são:
os institutos próprios para a prestação de serviços públicos, e a autorização o adequado
para o desempenho da atividade do próprio interesse do autorizatário. [...] Ainda que
rotulada de autorização, o ato será de permissão se alvejar o desempenho de serviço
público; ou, ao contrário, se rotulado de permissão, será de autorização se o
consentimento se destinar à atividade de interesse do particular. Além disso, há o
argumento que consideramos definitivo: a Constituição Federal, ao referir-se à prestação
indireta dos serviços públicos, só fez menção à concessão e à permissão (art. 175).
Parece-nos, pois, que hoje a questão está definitivamente resolvida, no sentido de que o
ato de autorização não pode consentir o desempenho de serviços públicos. 20
Posicionamento diverso é de Maria Sylvia Zanella Di Pietro que, seguindo os
ensinamentos de Miguel Reale, sustenta que a autorização de serviço público (assim como a
autorização de uso de bem público) deve ser entendida como delegação, cujo exercício da
atividade é usufruída pelo particular exclusivamente, e não por terceiros. Ou seja, a autorização
de serviço praticamente perderia a qualidade de serviço público por faltar-lhe essa característica
essencial, que é a generalidade de seu usufruto.21
Completa a autora:
Precisamente por ser a autorização dada no interesse exclusivo do particular, não há
necessidade de que lhe sejam delegadas prerrogativas públicas. O poder público titular
do serviço dá a autorização com base no poder de polícia do Estado e, com base nesse
mesmo poder, estabelece as condições em que a atividade será exercida e fiscaliza o
exercício da atividade. Totalmente diferente é o que ocorre na permissão e na
concessão, em que o Poder Público delega ao particular uma atividade que vai atender a
necessidades coletivas, definida pela lei como serviço público e, por isso mesmo, deve
ser prestada sob regime jurídico parcialmente público, à medida que o concessionário e
o permissionário estarão sujeitos aos princípio inerentes à prestação de serviços
públicos (continuidade, mutabilidade, igualdade entre os usuários) e exercerão as
prerrogativas públicas que lhe forem conferidas pela lei e pelo contrato, ao contrário do
que ocorre na autorização, à qual não se aplicam nem os princípios referidos nem as
prerrogativas públicas. Sendo a autorização, por definição, um ato precário, a rigor deve
ser outorgada sem prazo, de tal forma que o Poder Público pode revogá-la, a qualquer
20
CARVALHO FILHO, op. cit. p. 424.
DI PIETRO, op. cit. p. 136. A autora justifica suas alegações mencionando o art. 7. da Lei n. 9.074: ―I – a
implementação de usina termelétricas, de potência superior a 5.000 Kw, destinada a uso exclusivo do autoprodutor;
II – o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 Kw e igual ou inferior a 10.000 kW,
destinados a uso exclusivo do autoprodutor.‖
21
11
momento, sem direito à indenização; a fixação de prazo poderá investir o beneficiário
em direito subjetivo oponível à Administração, consistente e perdas e danos, em caso de
revogação extemporânea.22
Ora, se o instituto da autorização de serviço público ocorre a fim de satisfazer interesse
exclusivo do particular, não havendo, consequentemente, delegação de prerrogativas públicas, e
ocorrendo por meio de ato precário, por meio de outorga sem prazo, podendo o Poder Público
revogá-la, a qualquer momento, sem direito à indenização, cumpre fazer as devidas ressalvas
quanto à autorização sob a ótica da autora.
A transferência de serviços públicos pelo Estado só pode ser devidamente entendida se, e
somente se, o serviço for, de fato, público. Ou seja, não é possível conceber a descentralização
de atividade econômica, livre a iniciativa privada.
Em se tratando de descentralização de serviço público por colaboração, entende-se que só
é possível mediante contrato. Filiando-se as anotações de Gustavo Alexandre Magalhães,
entende-se que a permissão de serviço público ocorre por meio de contrato administrativo.
Apesar da Lei n° 8.987/95 caracterizar a permissão como instituto precário e revogável, o que
criou certa confusão em torno da permissão de serviço público, sustenta-se que a permissão é
contrato. Vale transcrever na íntegra todo o raciocínio desenvolvido pelo autor:
É que, na verdade, o que torna um contrato precário é a possibilidade de uma das partes
rescindir o vínculo unilateralmente a qualquer tempo, sem que a ruptura acarrete para a
outra parte direito à indenização. A precariedade, assim, deixa de existir com a fixação
de um termo final no contrato, pois as partes contratantes passam a ter direito à
continuidade do vínculo até o prazo final. Qualquer rompimento antecipado acarretará
direito de indenização para compensar os prejuízos sofridos pela parte que não lhe deu
causa. Dessa forma, discute-se no âmbito da permissão sobre a conciliação da natureza
contratual com as qualificações da precariedade e da revogabilidade, previstas
expressamente pelo art. 40 da Lei nº 8.987/95. Pela interpretação literal da Lei, parte da
doutrina entende que se trata de contrato administrativo instituído por prazo
indeterminado, de modo que fica mantida a precariedade do instituto. [...] Ocorre que o
regime jurídico-administrativo consagrado pela Constituição de 1988 não admitiria, em
hipótese alguma, que a Administração Pública publicasse edital de licitação no intuito
de convocar interessados na celebração de contratos administrativos que demandam
investimentos, para celebrar vínculo por prazo indeterminado. Atenta à impropriedade
técnica do legislador quanto à utilização do termo revogabilidade para se referir a
contrato administrativo, Cristiana Fortini [FORTINI. Cristiana. Contratos
Administrativos - Franquia, Concessão, Permissão e PPP. 2. ed. São Paulo, Atlas,
2009, p. 37.] interpreta como possibilidade de rescisão do contrato administrativo:
Ainda que a revogabilidade, forma de extinção de atos discricionários, também esteja
inserida no art. 40, preferimos admitir que se trata de impropriedade técnica, sendo
possível entender que, ao assim disciplinar, o legislador pretenda falar em rescisão
22
DI PIETRO, op. cit. p. 136.
12
unilateral. Há de se esclarecer que não se pretende ignorar a presença da expressão
―revogabilidade unilateral‖. Defende-se, apenas, que seja feita a adequação
terminológica, visando a respeitar o que mesmo o art. 40 estabelece, consignando que a
permissão será instrumentalizada como contrato de adesão. Dependendo de quem fosse
o vencedor da licitação, poderia o agente político beneficiá-lo ou prejudicá-lo. Assim,
seria possível rescindir (ou ―revogar‖) o contrato dois meses após o início de sua
execução, sem que fosse devida ao contratado qualquer indenização. Mas se o vencedor
fosse licitante apadrinhado dos governantes, poderia ter um contrato com a duração até
o final do mandato eletivo. Exatamente por esta razão é que se deve analisar
atentamente o art. 175 da Constituição, que consagra a natureza contratual da permissão
e ainda menciona a instituição de um prazo final. Como se vê, ao determinar que o
legislador estabeleça critérios para a ―prorrogação dos contratos‖ de permissão e de
concessão, o Constituinte reconheceu que tais acordos devem ser celebrados por tempo
determinado. Não se prorroga um contrato que não tenha um prazo final expirado.495
Ademais, a própria Lei nº 8.987/95 esvaziou o conteúdo da dita ―precariedade‖, ao
estabelecer no parágrafo único do mesmo art. 40 que se aplica à permissão ―o disposto
nesta lei‖. Basta, pois, a leitura atenta do texto da lei para perceber que há vários
dispositivos incompatíveis com a celebração de contratos por prazo indeterminado e,
portanto, com a alegada precariedade. Nesse sentido o art. 9º, § 4o que estabelece o
direito do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro instituído no momento da
celebração da avença, o que inclui o lucro auferido pelo prazo de execução do contrato.
Observe-se, aliás, que tal garantia já é prevista no art. 37, XXI, da Constituição de 1988.
Merece igual atenção o art. 15, I, que prevê como critério de julgamento das propostas o
menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado. É evidente que qualquer licitante
só tem condições de calcular o valor da tarifa pela prestação do serviço se tiver
condições de prever a amortização do investimento por um prazo certo e determinado.
Por fim, registre-se que o art. 18 determina que o edital de licitação estabeleça o objeto,
as metas e o prazo do contrato (inciso I). E não se argumente que o inciso I seria
aplicável exclusivamente à concessão, haja vista que o comando geral 495 ―Art. 175.
Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo
único. A lei disporá sobre: I - regime das empresas concessionárias e permissionárias de
serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as
condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão‖. 229 do
art. 40, parágrafo único (que determina a aplicação das disposições da lei ao instituto da
permissão) foi excepcionado expressamente nas situações em que a Lei n° 8.987/95 não
se aplicaria à permissão. Nesse sentido vale citar o inciso XIV do mesmo art. 18, ao
tratar da previsão no edital da minuta do contrato de concessão: ―XIV – nos casos de
concessão, [o edital conterá] a minuta do respectivo contrato, que conterá as cláusulas
essenciais referidas no art. 23 desta Lei, quando aplicáveis‖. Não há dúvidas, portanto,
que a precariedade do contrato de permissão prevista no art. 40, caput, da Lei Federal n°
8.987/95, deve ser entendida como possibilidade de alteração e rescisão unilateral do
vínculo, sem prejuízo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e,
consequentemente, da obrigatoriedade de inserção de termo final (normalmente a
instituição de prazo no contrato). Trata-se de interpretação, conforme a Constituição, do
art. 40 da referida Lei, haja vista a previsão constitucional acerca da ―prorrogação dos
contratos‖ e, consequentemente, a imposição constitucional de que os contratos sejam
celebrados a termo. Em sentido contrário, Cristiana Fortini defende o reconhecimento
da precariedade do instituto da permissão como forma de distingui-la da concessão de
serviço público: ―do contrário, estaríamos igualando os institutos, raciocínio que, como
entendemos, deve ser condenado‖. [FORTINI, Cristiana. Contratos Administrativos:
Franquia, Concessão, Permissão e PPP, p. 27.] Ocorre que as interpretações que visam a
garantir a distinção entre a concessão e a permissão não podem abrir mão da
observância ao regime jurídico administrativo, em especial o respeito à impessoalidade
e à isonomia, que só podem ser observados se o edital de licitação assegurar a todos os
interessados as informações sobre a duração do vínculo. Poderia o legislador ordinário
13
— e seria até melhor que o fizesse — estabelecer distinções entre a permissão e a
concessão de serviço público, haja vista o comando constitucional nesse sentido. Seria
admissível, por exemplo, que a permissão pudesse ser utilizada para contratos de menor
vulto e com prazos mais curtos, ao passo que a concessão seria utilizada para contratos
que tivessem objetos mais caros e prazos mais estendidos. Mas em hipótese alguma
poderia o legislador permitir que a Administração Pública controle, livremente, a
duração do contrato, visto que se trata de aspecto essencial para a determinação na
competitividade do certame licitatório. Diante do exposto, a permissão de serviço
público, prevista no art. 40 da Lei nº 8.987/95, deve ser interpretada como um contrato
administrativo a ser celebrado com termo certo, ou seja, por prazo determinado,
concebendo-se a precariedade como a mera possibilidade de a Administração rescindir
unilateralmente o vínculo, desde que assegure o pagamento de indenização ao
contratado na hipótese de comprovação de prejuízos.23
Conclui-se, portanto, que só há descentralização por colaboração por meio de contrato
administrativo (concessão ou permissão). Não se admitindo que seja delegada a prestação de
serviço público através de autorização, seja porque se trata de ato unilateral precário, seja porque
algumas atividades arroladas no art. 21, XII, 24 são exercidas pelos particulares no próprio
interesse destes, sem que haja qualquer benefício para a coletividade, tratando-se de atividades
privadas.
23
MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios administrativos: uma proposta de releitura do seu regime jurídico
à luz de sua natureza contratual. 2011. 430 f. Tese de doutoramento. Faculdade de Direito. Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011, p. 226-230.
24
Em consonância com os ensinamentos da professora Cristiana Fortini, entende-se que a lei nº 9.472/97, a que faz
referência ao art. 21, inciso XII, disciplina os serviços de telecomunicações, dividindo-os em duas espécies,
conforme o regime jurídico que se sujeitam: ―Os serviços prestados em regime jurídico público seriam concebidos
ou permitidos (art. 63, parágrafo único). Os serviços prestados em regime privado seriam autorizados (art. 131)‖.
FORTINI, op. cit. p. 31.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Malheiros, 2008.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1491. Relator Ministro Carlos Velloso, atualmente,
aguardando julgamento pelo Tribunal Pleno, desde 14/04/2011. Disponível em: www.stf.jus.br.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 6918. 2ª Turma. Relator Ministro Nancy
Andrighi. Publicado em: 15.05.2000.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas,
2007.
___________. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
FORTINI, Cristiana. Contratos administrativos: franquia, concessão, permissão e PPP. 2. ed. São
Paulo: Atlas 2009.
MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios administrativos: uma proposta de releitura do
seu regime jurídico à luz de sua natureza contratual. 2011. 430 f. Tese de doutoramento.
Faculdade de Direito. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros,
2003.
ROLIM, Luiz Antônio. A Administração Indireta, as concessionárias e permissionárias em
juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
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