Editorial Adeus, Papa Bento XVI Bispo emérito de Roma O empobrecimento não é só económico e social. É também humano e espiritual "Emergência educativa" De Papa a Peregrino Fernando Pinho S air de cena em bicos de pés, sem fazer estrondo, sem bater com a porta. E, contudo, um ato revolucionário! Bento XVI calculou meticulosamente o alcance da decisão que ia tomar, em consciência. Ponderou bem as consequências e o significado de abdicar do pontificado face à diminuição das forças físicas e à necessidade de realizar com urgência reformas no governo central da Igreja (Cúria Romana) e de dar à Igreja Católica uma liderança forte numa época de mudanças profundas em todos os âmbitos da vida social. Março de 2013 Comunicou com gravidade, em latim (que é ainda a língua oficial da Igreja), no dia 11 de fevereiro, a decisão que amadurecera em prolongada reflexão interior, na oração, tendo em vista «o bem da Igreja». Calculou com rigor o momento mais oportuno para fazer «digerir» as consequências imediatas do acontecimento: o período da Quaresma, antes da semana dedicada anualmente ao retiro espiritual na Casa Pontifícia, o tempo de preparação para a Páscoa, antevendo que o anúncio da ressurreição de Cristo em 2013 seria possivelmente precedido pelo «nuntio vobis gaudium magnum», dirigido urbi et orbe – Habemus Papam! A Igreja Católica teria não um, mas dois Papas – um reinante, e outro «emérito», retirado no silêncio da oração e da reflexão sobre os grandes problemas da humanidade neste novo tempo, «obediente e reverente» ao novo sucessor de Pedro, como fez questão de afirmar publicamente, antes de se «esconder» e abdicar da visibilidade mediática. 3 Quem haveria de dizer que seria este Papa «conservador» quem iria proceder a uma mudança revolucionária na tradição histórica da Igreja, pois os casos de Celestino V e de outros Papas que abdicaram ou foram obrigados a renunciar ao pontificado há mais de 600 anos foram casos completamente diferentes! Mas talvez esta decisão já estivesse traçada quando, em 1968, o en- tão teólogo Ratzinger escreveu: "Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se for necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica. O que faz falta na Igreja não são panegiristas da ordem estabelecida, mas homens que amem a Igreja mais do que a comodidade da sua própria carreira." Correram em fevereiro Tibres e Tejos inteiros de tinta sobre aquele que «aceitou o papado como "humilde servidor da vinha do Senhor". Num dos textos publicados em Portugal em meados desse mês (Público, 18.23.2013), Anselmo Borges propôs esta espécie de «epitáfio» sobre o pontificado de Bento XVI – comum à maioria dos comentários publicados na imprensa europeia: «Deixa uma marca num tema que lhe é caro: a exigência do diálogo entre a fé e a razão; acabou por ser duro e inequívoco contra a pedofilia na Igreja; prosseguiu, embora timidamente, o diálogo com as confissões cristãs e as diferentes religiões, em ordem à paz; condenou sistematicamente a ditadura financeira sem regulação. Percebeu que não controlava a Cúria, mergulhada em escândalos de corrupção e intrigas, até ao Vatileaks. Foi admoestando cardeais para renunciarem ao estilo mundano de poder e glória […]. Fragilizado, sentindo-se sem forças no corpo e no espírito [a resignação foi] um gesto de inteligência, honestidade e humildade, que fica para a História, pois quebra um tabu e mostra que o Papa é tão-só um servidor da Igreja e do mundo, continuando humano, também com as suas debilidades.» A o terminar o II período deste ano letivo, vivemos dias de grande significado e emoção que não podemos deixar de recordar e vivenciar: continuamos mergulhados na enorme crise que nos vai desgastando. Começámos o tempo da Quaresma que nos convida a uma conversão pessoal e profunda. Somos confrontados com o gesto ímpar do Papa que renuncia… Não podemos passar indiferentes a todos estes acontecimentos, mas é imprescindível que nos deixemos interpelar. Conhecemos a nossa responsabilidade em preparar o futuro, com cuidado, trabalho, carinho, competência. Na verdade, a chave do futuro está na vida do dia a dia, o que supõe o cuidado e a atenção com que devemos aproveitar todas as oportunidades que vão aparecendo. Viver o hoje é construir o amanhã, pois a vida atual é uma corrida. Tudo passa tão rapidamente que vamos adiando e perdendo o desejo de realizar os nossos proje- Pe. Rodrigo dos Santos Carvalho, Diretor e Representante da Entidade titular do CEF tos, esquecendo-nos completamente das ações que, uma após outra, deveriam abrir o caminho para o objetivo final. Desejamos um amanhã feliz, mais próspero, mais saudável, mas esquecemo-nos de viver e aproveitar o hoje, passando o tempo a planear, idealizar e sonhar. É no aqui e agora que devemos cultivar bons e precisos pensamentos e ações, pois só assim um amanhã tão esperado poderá vir a acontecer. A Igreja, como mestra e mãe experiente, aponta o meio para entrar dentro desta dinâmica: aproveitar o presente e projetar o futuro. A Quaresma é o "tempo favorável” para a redescoberta e o aprofundamento do autêntico discípulo de Cristo. É espaço para um novo nascimento. Neste tempo somos chamados a assumir a penitência como método de conversão e unificação interior, como caminho pessoal e comunitário de libertação pascal. É necessário fazer da Quaresma um momento singular de avaliação interna e externa dos nossos atos, aprofundando as dimensões éticas da fé, abrindo-nos ao outro e realizando ações concretas de solidariedade. A conversão significa estar voltado para uma meta fazendo com que todo o nosso pensar, o nosso agir, o nosso viver, o nosso ser, se concentrem no caminho para o reino de Deus. Bento XVI manifestou muitas vezes a sua preocupação pelo que podemos chamar "emergência educativa”, agravada pelas dificuldades crescentes no campo de trabalho. O empobrecimento, não só económico e social mas também humano e espiritual, aponta para um futuro do mundo e da humanidade muito difícil. O Santo Padre alerta para as consequências deste fenómeno, pois se os jovens perdem a esperança, se não continuam a progredir, se deixam de se inserir na sociedade com a sua energia, a sua vitalidade, as suas habilidades para preparar o futuro, cairemos numa humanidade voltada para si mesma, sem confiança e sem perspetiva. Mas o Santo Padre louva a sincera e profunda experiência de fé de tantos jovens que alegremente dão testemunho da sua participação nos esforços da Igreja para construir, em muitas partes do mundo, sociedades capazes de respeitar a liberdade e a dignidade de todos, começando com os mais pequenos e indefesos. Francisco... de Assis Centro de Estudos de Fátima congratula-se com eleição pontifícia de Papa Francesco INFORMAÇÃO Jorge Mário Bergoglio, Papa Francisco 20 horas após a eleição do novo Papa [só no site www.ecclesia.pt] A listagem parcial dos títulos disponíveis na agência ecclesia 20 horas após o «fumo branco» saído da Capela Sistina dá uma ideia do teor dos comentários e das análises publicados imediatamente após a eleição do Papa Francisco, presentes também, no mesmo dia, nos meios de comunicação mundiais de referência. Portugal: Bispo de Beja diz que Francisco traz consigo a «energia» das Igrejas emergentes. Vaticano: Papa «pagou fatura» do hotel onde esteve hospedado. Porta-voz da Santa Sé deu a conhecer aos jornalistas gestos «surpreendentes» que marcaram o início do pontificado de Francisco. Vaticano: Cardeal-patriarca de Lisboa diz que Conclave foi descontraído e espiritualmente intenso. – D. José Policarpo questiona «muralha de segredos e de juramentos» e afirma que houve «influência mínima da pressão mediática». Vaticano: Primeira saudação do novo Papa apela à presença da Igreja «em todos os mundos», considera arcebispo de Braga. – Jorge Mário Bergoglio é uma pessoa «inteligente, lúcida, serena, objetiva e realista», diz D. Jorge Ortiga. Portugal: Bispo de Bragança-Miranda considera Papa argentino uma «surpresa agradável». D. José Cordeiro destaca legado de Bento XVI e espera que Francisco consiga dar «o seu próprio cunho» à missão da Igreja. Portugal: Reitor do Santuário de Fátima conta com o novo Papa para celebrações de 2017 – Centenário das aparições é data previsível para o convite a Francisco. Vaticano: Bispo do Porto surpreendido pela escolha do novo Papa – D. Manuel Clemente saúda valorização do hemisfério sul. Vaticano: Cardeal-patriarca convidou novo Papa a visitar Portugal. – D. José Policarpo sublinha escolha do nome que evoca Francisco de Assis. Brasil: Bispos dizem que o Papa Francisco «traz a experiência evangelizadora da Igreja latino-americana e caribenha». – Bispos do Brasil asseguram ao sucessor de Bento XVI «a obediência, o respeito e as orações das comunidades» católicas do país. JMJ2013: Juventude portuguesa quer dizer ao Papa que pode contar com ela. – Encontro mundial no Rio de Janeiro, em julho, pode ser primeira viagem pontifícia de Francisco. Vaticano: «Restaurar a Igreja» é o apelo «mais forte» que São Francisco lança aos católicos, diz D. António Montes. – «É pela interioridade e pela oração que começam as reformas», vinca bispo franciscano português. Taizé: Prior da comunidade ecuménica diz que o novo Papa traz a «esperança de uma renovação da Igreja». – Irmão Alois acompanhou primeiras palavras de Francisco na Praça de São Pedro. Portugal: Cáritas acredita que Papa Francisco vai «fazer dos mais pobres e frágeis os seus privilegiados». – Eugénio Fonseca espera um pontificado que ajude a Igreja a assumir o seu papel de guia da «humanidade rumo à civilização do amor». Vaticano: Representatividade da África na Igreja Católica é um dos desafios do novo Papa, diz jornalista angolano. – «Não podemos continuar com a Igreja Católica africana a depender sempre das ajudas de Roma», sublinha Francisco Pacavira. Cúria Romana: Bento XVI deixou marca no governo central da Igreja – Sucessor vai encontrar estrutura com forte presença europeia, particularmente italiana. Vaticano: Novo Papa falou telefonicamente com Bento XVI – Encontro entre ambos pode acontecer nos próximos dias, diz porta-voz Padre Federico Lombardi. Portugal: Governo felicita Papa Francisco – Mensagem deixa votos de um «pontificado de esperança e de paz». Vaticano: Festa argentina na Praça de São Pedro. [... a lista de títulos poderia continuar] Bons motivos de esperança Guilherme d’Oliveira Martins, Centro Nacional de Cultura In: Ecclesia, Semanário, 14.03.2013, p.24-25 (Opinião) Q uando o novo Papa Francisco se dirigiu a todos quantos se aglomeraram na Praça de São Pedro e nos meios de comunicação social, numa divulgação sem paralelo, fez questão de se dirigir a todos os homens e mulheres de boa vontade numa abrangente palavra de renovação e de esperança. Foi uma eleição relativamente rápida, o que é sinal positivo, do mesmo modo que é importante que tenha sido eleito um Sumo Pontífice vindo da América do Sul. Para a Igreja Universal a questão da nacionalidade não é o mais relevante. A personalidade do Cardeal Jorge Bergoglio é cativante e a escolha da invocação do nome de Francisco é significativa. Num tempo de imediatismo e de indiferença, de crise de valores e de perplexidade, não pode passar despercebido o facto de escolher um Santo de proximidade, de pobreza e de amor. E não esqueçamos ainda o Santo missionário S. Francisco Xavier. Estes são sinais de grande relevância num tempo em que o gesto de renúncia de Bento XVI obriga a um esforço redobrado de exigência e de renovação, de exame de consciência e de compromisso, de colegialidade e de partilha. Devo salientar que o testemunho de fé e de razão do anterior Papa pode ser prosseguido e aprofundado. A simplicidade de que o novo Sumo Pontífice deu prova na primeira aparição pública é também um sinal. Não nos esqueçamos ainda que no Conclave de 2005 o novo Papa terá já sido um forte candidato o que atesta em prol do seu prestígio que pôde preservar junto dos restantes cardeais ao longo dos últimos anos. Mais do que todas as surpresas, o que importa neste momento é responder aos desafios muito fortes e intensos perante os quais a Igreja Universal se encontra. Há bons motivos de esperança. [...] Missão especialmente significativa. Alguns desafios: o novo Papa tem de ser... Nuno Santos, Diocese de Coimbra, Doutorando de Teologia Dogmática em Roma In: Ecclesia, Semanário, 14.03.2013, p.26-27 (Opinião) ...feliz e simples. Da felicidade que vem de Deus, de quem experimenta o sabor e a alegria de uma vocação. Essa felicidade interior e essa plenitude de vida deve ser evidente quando partilha com as ‘multidões’ o entusiasmo de ser ‘cristão’. ...um homem coerente e exigente com as consequências do evangelho, num esforço de tornar o cristianismo mais credível nas próprias estruturas. Onde seja claro o caminho conquistado no Vaticano II. Sem grandes ruturas, nem dramatismos… procurar clarificar procedimentos, sem se acomodar aos interesses instalados. ...um homem com a geografia do mundo, que não pense só na Europa e muito menos que não ‘confunda’ o mundo com Roma. Alguém que perceba que o cristianismo está a crescer, que a vitalidade é hoje ‘noutras geografias’. O facto de ser argentino certamente será uma boa ajuda neste aspeto. ...um homem que seja dialogante num mundo plural, capaz de comunicar e acolher. Alguém que se descubra irmão de tantos outros Bispos no mundo e que com eles divida a missão e responsabilize na unidade e na comunhão com o essencial. ... um homem consciente das suas limitações, de que é apenas ‘mais um’ no ministério petrino, herdeiro de uma história e com a missão de dar continuidade na novidade que os tempos diferentes e as geografias novas exigem. Um Papa assim talvez fosse um ‘superpapa’… e isso não existe. Talvez por isso, o próximo Papa deva ser simplesmente uma pessoa que deixe o Espírito Santo atuar, através das suas qualidades e das suas limitações – afinal Pedro não negou o Senhor três vezes?! [...] Inforcef – n. 68 D. António Vitalino destaca o facto de o Papa argentino ter trabalhado numa região onde o catolicismo ganha cada vez mais força. 4