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No 311
3 maio 2004
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00311
NESTA EDIÇÃO
■
POLICIAIS DO RIO E DE SÃO PAULO MATAM QUATRO VEZES MAIS
QUE OS AMERICANOS (QUE PRENDEM 16 VEZES MAIS BANDIDOS)
■
O NÚMERO DE MORTOS PELOS AGENTES DA LEI, NO BRASIL,
É EQUIVALENTE AO DE VÍTIMAS DA GUERRILHA COLOMBIANA
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VIOLÊNCIA
Mortos pelos h
TRUCULÊNCIA FLUMINENSE
Os números de civis mortos pela polícia
no Rio aumentam a cada ano
1.195
900
592
355
1998
441
289
1999
2000
2001
2002
2003
94
JJ Leisten/AE
Fonte: Secretaria Estadual da Segurança Pública do Rio de Janeiro
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homens da lei
A polícia brasileira nunca matou tanto. Para piorar, os índices de
criminalidade não diminuem – e morrem cada vez mais inocentes
PALOMA COTES E SOLANGE AZEVEDO
E
LENTIDÃO
Aluízio esperou
16 anos pelo
julgamento dos
PMs que
assassinaram
Júnior. Como
eles foram
absolvidos, o pai
recorreu
íli
de fam
Álbum
a
m nome da guerra contra o
crime, os policiais brasileiros matam cada vez mais.
Apesar do banho de sangue, a criminalidade não
cede, e o cidadão não se sente mais
seguro. Ao contrário, crescem com freqüência assustadora relatos de abusos
policiais, de pessoas inocentes mortas
por engano e mesmo de execuções.
No ano passado, a PM paulista matou
868 pessoas, o recorde desde 1992, ano
que ficou marcado pelo massacre de
111 presos no Carandiru. A mortandade baixou no primeiro trimestre deste ano, mas permanece três vezes
maior do que era há oito anos. No
Rio de Janeiro, o quadro é ainda
mais preocupante. Em 1997, a
polícia do Rio já era responsável por um em cada dez homicídios dolosos no Estado. E, no ano
passado, matou um civil a cada oito horas. Foram 1.195 óbitos, quatro vezes mais que em 1999. ä
“No tribunal disseram que, se
meu filho estivesse vivo, seria
um traficante, um matador.
Mentira. Ele era um ótimo
”
Maurilo Clareto/ÉPOCA
menino. Cuidava da mãe
ALUÍZIO CAVALCANTI,
cujo filho foi assassinado pela PM paulista
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Luiz Paulo/Folha Imagem
VIOLÊNCIA
Maurilo Clareto/ÉPOCA
ABORDAGEM A imagem da blitz em São
Paulo foi premiada em 1990
“Não se pode achar normal uma
mortalidade dessas provocada por uma
força que existe para defender a população”, diz José Vicente da Silva Filho,
secretário Nacional de Segurança Pública na gestão FHC. Estimativas revelam que, em todo o país, a polícia
deixa um saldo de pelo menos 3 mil
mortos por ano. É o mesmo número de
vítimas da guerrilha colombiana no ano
passado. O número real de brasileiros mortos deve ser ainda maior, já que
boa parte dos Estados não registra os
números corretamente. “Há corporações que nem sequer contabilizam o
número de pessoas que matam”, diz
Ignacio Cano, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Em São Paulo, a escalada da violência policial motivou o pedido de uma
CPI na Assembléia Legislativa, no início do ano. “O governo estadual anda
“Morri um pouco naquele dia.
Foram oito tiros. Uma das balas
ainda está na minha cabeça.
As outras marcas estão pelo
”
corpo todo. Tenho pavor da PM
JOSÉ APARECIDO BENEDITO,
sobrevivente do matador Cabo Bruno
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Fotos: Arq. Ag. O Globo
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EXECUÇÃO AO VIVO O país se chocou quando a TV exibiu, em 1995, como um bandido foi dominado, arrastado para
trás de um carro e fuzilado com três tiros pela polícia carioca, ao lado do shopping Rio Sul
confundindo eficiência com truculên- mais gente que toda a força policial dos O Estado do Rio tem 14 milhões de hacia”, diz o deputado Renato Simões Estados Unidos, considerada extrema- bitantes. A Grande Buenos Aires tem
(PT), autor do pedido. A polêmica pro- mente enérgica. Em 2002, dado mais 11 milhões. Apesar da população semete esquentar, já que o secretário da recente disponível, os agentes dos 50 melhante, os agentes fluminenses
Segurança Pública, Saulo de Castro Estados americanos, somados, mata- põem na cadeia o mesmo número de
Abreu Filho, é pré-candidato à prefei- ram 564 pessoas. É pouco mais que o bandidos que os portenhos. Só que
tura paulistana pelo PSDB. No coman- número de pessoas mortas pela polí- matam cinco vezes mais. “É por isso
do da maior força policial do país, o cia paulista no mesmo ano. Em 2003, que as pessoas têm medo de cruzar
secretário explica a alta letalidade. “Há porém, os agentes de São Paulo – que com um policial na rua”, diz a socióquase 130 mil policiais no Estado”, diz. tem um séti“Se 1% errar, são 1.300 erros todos mo da poos dias. Se cada um deles matasse, ha- pulação dos
veria 1.300 mortes”, argumenta. Abreu Estados Uniconsidera que as mortes aumentaram dos – fizeram
porque a polícia paulista fez mais blit- 35% mais vítimas. Mesmo que se ten- loga e ex-ouvidora das polícias do Rio
ze, apreendeu mais drogas e fez mais te explicar o fenômeno pelo aumen- de Janeiro Julita Lemgruber.
prisões. O raciocínio, porém, não con- to de “ocorrências”, os números não
O que sustenta a matança no Bravence os especialistas. “Nunca vi nin- se justificam. Proporcionalmente, os sil é a impunidade. “Esses policiais
guém comparar mortes com prisões. americanos fazem 16 vezes mais pri- agem assim porque a margem de
Encarceramento deve ser confrontado sões e levam 16 vezes mais bandidos êxito é enorme, já que a vítima escom quantidade de crimes. O núme- a condenações na Justiça do que os tá morta e a única versão que vale
ro de mortos, com o de feridos”, afir- paulistas. Já a polícia do Rio, que ma- é a deles”, afirma o assessor de Dima Guaracy Mingardi, pesquisador do ta o dobro da americana, ultrapassa reitos Humanos da Procuradoria-GeInstituto Latino-Americano das Na- até outras forças terceiro-mundistas. ral de Justiça de São Paulo, Carlos
ções Unidas para Prevenção
Cardoso. Mesmo na Argendo Delito e Tratamento do Detina as investigações vão
linqüente (Ilanud).
mais longe. Um estudo reaUm terço das denúncias registradas na Ouvidoria paulista
Mesmo se a comparação valizado pelo americano Daem 2003 é de agressão ou morte causada por policiais
lesse, a eficácia da polícia braniel Brinks, da Universidasileira seria baixa. Países onde Notre Dame, revela que,
Homicídio
Outros
cometido
de a polícia age de forma mais
entre 1996 e 1998, 24% dos
60%
por policial
efetiva não vêem nada parepoliciais matadores em Buecido com essa taxa oficial de
nos Aires terminaram conassassinatos. Na Inglaterra,
denados. Em São Paulo, fo11%
23%
6%
num intervalo de dois anos,
ram apenas 10%.
a Scotland Yard matou apenas
O aposentado Aluízio CaAbuso de
Agressões
autoridade
físicas
cinco pessoas. As polícias do
valcanti sabe bem disso. Ele
Rio e de São Paulo matam
passou 16 dos 67 anos de ä
Fonte: Ouvidoria das Polícias de São Paulo
Polícias do Rio e de São Paulo matam
mais que a dos Estados Unidos
A MAIOR QUEIXA
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VIOLÊNCIA
Nélio Rodrigues/Ag. 1º Plano
sua vida esperando pelo julgamento
de três dos sete PMs que assassinaram
seu filho, o estudante Aluízio Cavalcanti Júnior. Em junho passado, eles
foram inocentados. “Se continuar nesse ritmo, não vou viver para ver nenhuma condenação”, diz Cavalcanti, que recorreu da decisão. O crime
aconteceu em 1987, na zona leste de
São Paulo. Júnior e um amigo, Cláudio Aparecido de Moraes, foram confundidos com os homens que teriam
assassinado o filho de um policial. Júnior levou dois tiros na cabeça. Cláudio sobreviveu e denunciou o caso.
Anos depois, foi misteriosamente assassinado. “Essa lentidão da Justiça
também é responsável pela violência
policial”, diz o advogado Itagiba Cra-
vo, que auxiliava Aluízio no caso antes de assumir a Ouvidoria das polícias paulistas.
Inconformada com a morosidade, a
carioca Márcia Oliveira Jacintho, de 42
anos, fundou o movimento Mães do Rio,
que reúne 200 mulheres que perderam
filhos para a
polícia. Sua
luta começou
em novembro
de 2002, quando o caçula, Hanry Siqueira, de 16 anos,
foi alvejado no coração por um tiro de
fuzil à queima-roupa. O menino, que
estava no ensino médio, nunca repetira de ano e freqüentava a igreja evangélica dos pais. Mas, na delegacia, os
PMs registraram que Hanry teria mor-
rido ao trocar tiros com a polícia. A versão da mãe é outra. “Só posso concluir
que mataram meu filho porque não tinha droga nem dinheiro para dar a
eles”, desabafa.
Os brasileiros passaram a prestar
mais atenção ao lado assassino da po-
Buenos Aires condena mais policiais
matadores que São Paulo
lícia com o caso do dentista Flávio
Sant’Anna, morto em fevereiro em São
Paulo. Ele saiu para levar a namorada ao aeroporto e teria sido confundido com um ladrão. Ao perceber o engano, os PMs botaram na mão de Flávio uma arma com numeração raspada e uma carteira, da suposta vítima,
em seu bolso. Seu pai, Jonas
Sant’Anna, um PM aposentado de 50
anos, se transformou em uma espécie de símbolo na luta contra a violência policial em São Paulo. O telefone
de sua casa não pára de tocar. “Não
imaginava que o problema tivesse essa dimensão. Liga gente do Maranhão,
de Goiás”, conta. Agora, os seis PMs
estão presos. Se condenados, podem
passar 30 anos atrás das grades. O secretário Abreu Filho diz que está fazendo o máximo para evitar casos como esse. “Os presídios da polícia estão lotados e já demiti 910 homens em
2003, o que é um recorde”, explica.
O argumento mais comum para justificar as mortes é que as vítimas foram assassinadas durante tiroteios com
as forças da lei. O problema é que,
num tiroteio, costuma haver mortos
e feridos de ambos os lados – e os policiais brasileiros parecem ter uma sor-
“Não aceito que minha filha
tenha sido executada sumariamente.
Sei que posso ser morto amanhã,
”
mas não vou sossegar
JOSÉ ADILSON,
pai de Ana Paula, morta pela PM mineira
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Álbum de família
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Eduardo Monteiro/ÉPOCA
EXEMPLAR
Hanry Siqueira
nunca repetiu de
ano e freqüentava
a igreja evangélica
“No local onde mataram
meu filho só ficaram a
chave de casa e os chinelos
te muito maior que a dos estrangeiros,
embora sejam pior treinados e pior
equipados. Nos EUA, onde os bandidos são extremamente bem armados,
o saldo é de um policial morto para cada dez do “outro lado”. No Rio de Janeiro, a proporção aumenta – um
agente morto para cada 32 civis. Já em
São Paulo, para cada policial caído, ficam 45 paisanos no chão. A julgar pelo resultado, são os agentes da SWAT
– a força de elite da polícia americana
– que deveriam se candidatar a estágios no Brasil, e não o inverso, como
costuma acontecer.
Formado em mecânica pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai), o carioca Thiago da Costa Correia da Silva, de 19 anos, morador do
Borel, passava os dias trabalhando.
Uma tarde, saiu de casa para cortar o
cabelo. “Foi a última vez que o vi vivo”,
diz a mãe, a desempregada Maria Dalva da Silva, de 50 anos. No caminho,
Thiago cruzou-se com um grupo de
PMs e um tiroteio. Resultado: cinco
mortos, inclusive ele. O caso foi registrado como “resistência à prisão”, e
os policiais apresentaram armas e drogas. Quem viu a cena conta outra história. Atingido na
perna, o rapaz teria gritado que era
trabalhador e pedido
socorro.
“Meu filho foi assassinado”, acusa Maria. A perícia mostrou que o rapaz levou cinco tiros. Numa das pernas, tinha
a chamada “tatuagem de pólvora”, que
aparece quando a arma é disparada encostada ao corpo da vítima. Testemunhas acusam os policiais no morro, mas
temem fazê-lo no tribunal. Ainda assim, o Ministério Público pediu a prisão preventiva dos acusados.
A polícia do Rio mata cinco vezes
mais que a de Buenos Aires
A explicação para esses números pode estar num levantamento feito pela
Ouvidoria de São Paulo. No ano passado, 17% das vítimas da polícia tinham
tiros nas costas e 25% na cabeça – dois
indícios geralmente associados a execuções sumárias. Mais da metade dos
mortos não tinha antecedentes criminais. De 607 casos analisados, quase
30% tinham profissão declarada.
ÉPOCA 3 DE MAIO, 2004
dele. Ele nunca teve uma
arma. O que mais me revolta
”
é vê-lo tachado de bandido
MÁRCIA OLIVEIRA JACINTHO,
fundadora do Mães do Rio
Jovem, negro e pobre. Esse é o perfil de quem geralmente morre nas mãos
da polícia. O racismo é um componente fundamental para explicar parte da
violência. Uma pesquisa da Fundação
Perseu Abramo mostrou que 51% dos
negros entrevistados já sofreram algum
tipo de discriminação da polícia. Mais
de 4% disseram já ter sido forçados a
assumir delitos que não tinham cometido. Rubens Rodrigues de Lima, morador da favela Parque Novo Mundo,
periferia de São Paulo, sentiu na pele
o preconceito. Em 2001, ao ver o filho
adolescente apanhar durante uma batida policial, Lima questionou os métodos de abordagem. Tomou como resposta um tiro na perna e passou 11 ä
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Maurilo Clareto/ÉPOCA
VIOLÊNCIA
RETRANCA
dias internado. A polícia continua perseguindo o comerciante, que não tem
antecedentes criminais. “Já vieram diversas vezes aqui para averiguar denúncias anônimas de roubo e seqüestro. Fico revoltado, mas acredito que um
dia haverá justiça”, diz Lima. O PM
Marcio Bagarolli, que atirou nele, foi
condenado a uma pena alternativa, já
que a lesão foi considerada “leve” (pelos critérios legais, a lesão é interpretada como grave apenas quando incapacita a vítima por, no mínimo, 30 dias).
A truculência policial é antiga conhecida dos moradores de São Paulo e do
Rio. Único sobrevivente das centenas
de chacinas cometidas pelo Cabo Bruno, o desempregado José Aparecido
Benedito guarda no corpo as marcas da
violência. Foram dois tiros na cabeça
– uma das balas permanece alojada no
cérebro – e outros seis nas costas. Aos
46 anos, há oito ele não consegue emprego, por conta das cicatrizes. “Na hora do exame médico, tenho de contar a
verdade. Aí perco as oportunidades”,
diz. A vida do ex-metalúrgico começou
a ruir em janeiro de 1982, quando ele
saiu para comprar um pacote de queijo. Na volta do mercado, ele e um amigo foram rendidos pelo Cabo Bruno.
“Só ouvi o ‘mãos ao alto’. Percebi que
tinha tomado o primeiro tiro quando
o sangue começou a correr pelo pescoço.” Benedito se fingiu de morto. No
hospital, disse que tinha sido vítima de
um assalto. “Muita gente morreu na zona sul de São Paulo pelas mãos do Cabo Bruno e de outros grupos de extermínio da polícia”, diz. “Alguém tinha
de sobreviver para contar essa história.
Porque quem é negro, pobre e da periferia não tem chance”, acredita. Ca-
“Só Deus para dar jeito nessa
violência policial. A gente chegou
a fazer rodízio para sair de casa,
de tanto terror que eles
”
tocavam no bairro
RUBENS RODRIGUES DE LIMA,
comerciante e vítima da truculência policial
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“Entendo quem tem medo. Também
tenho. Aqui, a polícia humilha,
tortura, mata, bate na nossa cara.
”
E não podemos falar nada
M A R I A D A LV A D A S I LV A ,
bo Bruno foi condenado a 118 anos de
prisão e cumpre pena em Tremembé,
no interior paulista. Uma punição
exemplar, embora rara.
A matança policial também é sintoma do despreparo da corporação para combater o crime. “Os policiais precisariam passar por processos de reciclagem, fazer cursos de tiro e de defesa”, afirma Robson Tuma, deputado federal (PFL-SP). Por falta de treinamento, o policial brasileiro acaba
se expondo mais do que deveria, indica um estudo do sociólogo Túlio
Kahn, especialista em violência urbana. “A troca de tiros, de que tanto fala a polícia, ocorre em muitas situações em que não se justificaria recorrer às armas. Mas as corporações
O Estado brasileiro dá pouca impor- ruas de policiais envolvidos com moracabam sendo tolerantes e incentivam
esse tipo de comportamento”, diz o tância ao policial que mata. A maio- tes, seguindo modelo semelhante ao da
especialista Silva Filho. Uma diretriz ria dos Estados não faz acompanha- polícia americana. Ele foi modificado
da ONU mostra que um policial deve mento dos agentes que apertam o ga- na gestão Alckmin, seguindo sugestões
atirar somente em caso de ameaça tilho, para checar possíveis abusos. Em do Instituto de Psicologia da USP, mas
iminente à vida, e jamais em situações São Paulo, o governo Mario Covas im- deixou de prever o afastamento autoque causem risco a pessoas inocentes. plantou o Programa de Acompanha- mático. Se ele ainda existisse, os poliJá a PM mineira fez o contrário. Ale- mento a Policiais Militares Envolvidos ciais que assassinaram o dentista Flágando a necessidade de parar ladrões em Ocorrências de Alto Risco (Proar), vio dificilmente estariam nas ruas. Eles
em fuga, os policiais montaram um que previa o afastamento imediato das já tinham vitimado outros civis, contibloqueio na estrada que
nuaram trabalhando e foferiu dois motoristas inoram, inclusive, promovicentes, disparou contra
dos. Depois da morte de
868
um ex-superintendente
um jovem de 22 anos, com
No ano passado, a polícia paulista
matou quase 900 pessoas
da Cemig e matou a requatro tiros nas costas, um
presentante comercial
deles, o cabo Carlos AlAna Paula Nápoles Silva,
berto de Souza, passou a
541
524
de 27 anos, com uma batenente. “Como ele, exisla na cabeça e outra no
tem milhares de policiais
385
371
pescoço. A partir desse
com até 20 mortes no cur299
253
caso, a Assembléia Lerículo e que estão nas
239
gislativa passou a se
ruas”, diz Silva Filho, que
preocupar com a letalié coronel aposentado da
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
ä
dade policial.
PM de São Paulo.
TRUCULÊNCIA EM SÃO PAULO
Fonte: Secretaria Estadual da Segurança Pública de São Paulo
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Patrícia Santos/ÉPOCA
desempregada, teve um filho
assassinado pela polícia
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VIOLÊNCIA
“O que mais dói é pensar
que nunca conseguiremos
descobrir a verdade sobre
o assassinato do Flávio.
Acho que não voltaremos
”
mais a sorrir
JONAS SANT’ANNA,
policial militar aposentado que teve
o filho, Flávio, assassinado pela PM
Maurilo Clareto/ÉPOCA
A cultura repressiva faz parte da história da polícia. No Brasil colonial, somente brancos compunham as forças
da lei, utilizadas pelos proprietários de
terras. “A polícia foi criada para defender a elite, e não os cidadãos em geral.
Nas últimas décadas, foi treinada para reprimir os movimentos sociais, e
não para prevenir o crime”, afirma Frederico dos Santos, do Centro Santo Dias
de Direitos Humanos. Segundo ele, esse legado gerou uma corporação ineficiente e autoritária, que não sabe investigar crimes, coletar provas sólidas nem garantir a condenação dos criminosos na Justiça.
A truculência policial, por outro lado, só resiste porque se apóia em uma
espécie de clamor popular. Assustada, parte da sociedade acredita na
reação violenta como forma de enfrentar o problema da criminalidade.
Pesquisa Datafolha feita neste ano
mostrou que um quarto dos paulistanos aceita a prática da tortura para
obter confissões de suspeitos. “Muitas vezes, a população quer linchar o
bandido e faz uma pressão enorme
sob o policial”, diz Tulio Kahn. A sociedade acuada, que espera reações
cinematográficas de combate aos delitos, termina criando outro foco de
corrupção – a sensação de poder leva maus policiais a extorquir bandi102
dos e aceitar trabalhar como pistoleiros e matadores de aluguel. Em 1993,
no Rio de Janeiro, um grupo de quatro policiais foi tirar dinheiro dos traficantes pela terceira vez numa semana. Enfurecidos, os bandidos os executaram. Os colegas dos policiais, encapuzados, invadiram a favela e mataram 21 pessoas num bar, incluindo
vários inocentes. “Parte da classe média apóia as mortes porque elas não
acontecem nas ruas de seus bairros,
e sim na periferia”, diz o sociólogo Ignacio Cano.
A pressão também sai
dos gabinetes. Algumas
autoridades preferem a
resposta imediata e
pouco eficaz ao investimento em políticas públicas de segurança. Quando os governantes endurecem as palavras, mandam um recado direto para a tropa. “Quanto maior
o uso político da retórica de repressão
sem limites, maior é a letalidade. É
a autorização para passar fogo”, diz
Silva Filho. “Se as mortes estão aumentando, é necessário que os comandos das polícias se questionem”, diz
o psiquiatra Marcus André Vieira. É
nesse campo minado que está pisando a sociedade brasileira.
Mais de dois meses depois da tragédia em Minas Gerais, o pai de Ana
Paula, o empresário José Adilson da Silva, de 57 anos, falou
pela primeira vez a ÉPOCA.
“Nossa vida tem sido só choro e
tristeza”, emociona-se. O filho
da vítima vive com acompanhamento
de dois psicólogos e só dorme na cama que era da mãe. “Desde que ficou
sabendo o que aconteceu, entra em
colapso toda vez que vê um policial
fardado”, conta o avô. “Esses assassinos puderam matar minha filha e continuar soltos”, protesta. Os 13 policiais
envolvidos estão soltos e nenhum sequer prestou depoimento à Justiça.
A polícia anunciou que não era possível identificar de onde veio a bala, porque estava muito danificada. “Será
que a cabeça da minha filha era du-
Um quarto das vítimas dos
policiais levou tiros na cabeça
ra demais?”, ironiza o pai. O empresário não consegue apagar a imagem
da filha quando chegou ao local do incidente. “Eles a deixaram num lamaçal junto com fezes humanas e tocos
de cigarros. Depois a jogaram num rabecão como se fosse um porco. Ela estava ali, com as roupas rasgadas, sangrando pelo nariz, pela boca e pelos
ouvidos. Tinha um olho aberto, também sangrando, como se dissesse assustada: ‘Pai, me mataram’.”
n
COM
NELITO FERNANDES, ELISA
MARTINS E ROGER LIBÓRIO
ÉPOCA 3 DE MAIO, 2004
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