DA INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DA COTA DE MENOR APRENDIZ POR PARTE DAS DELEGACIAS REGIONAIS DO TRABALHO E MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. *Por Ronaldo Silva Dias Junior O presente artigo trata da interpretação realizada pelas Delegacias Regionais do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego a respeito da cota de menor aprendiz. Conforme definição pelo próprio Ministério do Trabalho e Emprego, a aprendizagem profissional consiste em formação técnico-profissional metódica que permite ao jovem aprender uma profissão e obter sua primeira experiência como trabalhador. A questão relacionada à Cota de Aprendizagem mínima que o empregador deverá manter, exigência postula em lei, sob pena de autuação pelos Auditores Fiscais do Trabalho. Percebemos que o memorial de cálculo demonstrativo imposto ao Empregador, definido pela DRT, em negociação com a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), aonde se chega ao número de cotas para contração de menor aprendiz é estipulada arbitrariamente, não sendo realizado antecipadamente qualquer tipo de chamamento do Empregador para poderem discutir sobre a cotização imposta, não concedendo oportunidade para verificar caso a caso quais funções que demandam ou não formação profissional dentro das empresas. Sobre esta sistemática, percebemos o equivoco na interpretação literal do art. 429 da CLT, em relação à cotização estabelecida, onde: “Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)” (Grifo nosso) Assim, tal interpretação que na base de cálculo devem entrar todos os empregados, excluindo apenas aquelas funções que exijam habilitação profissional de nível técnico ou superior, conclui-se que, equivocadamente, todas as demais funções demandam formação profissional, em inegável ofensa ao disposto no art. 429 da CLT. Do ponto de vista eminentemente jurídico, tal interpretação não procede. Ao contrário, constitui ofensa à ordem jurídica em vigor, na medida em que nega vigência ao artigo 429 da CLT. O art. 429 da CLT, na redação dada pela Lei nº 10.097/00, é claro ao estabelecer que o número de quotistas tenha como base de cálculo “as funções que demandem formação profissional”. Importa enfatizar que a Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, através da Instrução Normativa SIT nº 75, de 8 de Maio de 2009 enumerou, no § 2º do artigo 2º, as funções que não compõem a base de cálculo da alíquota, in verbis: “§ 2º - O cálculo do número de aprendizes a serem contratados terá por base o total de trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de 18 (dezoito) anos, excluindo-se: I – as funções que, em virtude de lei, exijam formação profissional de nível técnico ou superior; II – as funções caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II do art. 62 e§ 2 º do art. 224, ambos da CLT; III – os trabalhadores contratados sob o regime de trabalho temporário instituído pela Lei nº 6.019, de 03 de janeiro de 1973; e IV – os aprendizes já contratados”. (Grifo nosso) Portanto, na conjugação do artigo 429 da CLT com o disposto no § 2 º do art. 2º da Instrução Normativa, não integram a base de cálculo para aplicação das alíquotas legais: a) as funções que não demandem formação profissional; b) as funções que, em virtude de lei, exijam formação profissional de nível técnico; c) as funções de nível superior; d) as funções caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança (CLT, art. 62, II, e § 2º do art. 224); e) os contratados sob regime de trabalho temporário, e f) os aprendizes já contatados. Logo, com base em tais critérios, acrescidos do bom-senso de raciocínio lógico, é crível que se obtenha junto ao corpo funcional aquelas funções que, efetivamente, demandem formação profissional. Ora, de acordo com a hermenêutica jurídica, não se presumem, na lei ou nas normas em geral, palavras inúteis. Quer dizer, deve-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia. Concordemente, não é sem sentido a locução contida no art. 429 da CLT, ou seja, “funções que demandem formação profissional”. O legislador quis dizer, então, que há funções que não demandam formação profissional. O verdadeiro sentido da norma conduz à conclusão, inatacável, de que o número de quotistas deverá tomar por base as funções que demandem formação profissional, e não todos os empregados do estabelecimento, a exemplo daquelas funções para cujo exercício é suficiente uma fase singela de treinamento. Interpretar diferentemente, a exemplo do caso em tela, como se todos os empregados demandassem formação profissional, torna inócuo o disposto na legislação de regência. Nesta mesma linha de raciocínio, diz o art. 10 do Decreto nº 5.598, de 1º de dezembro de 2005, que para “definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e Emprego”. O aludido decreto, que não poderá disciplinar além do que diz o artigo 429 da CLT, está, na realidade, inovando, para legitimar a CBO como elemento caracterizador das funções que demandam formação profissional, sem qualquer critério técnico ou jurídico. Ora, a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, instituída por portaria ministerial nº 397, de 9 de outubro de 2002, tem por finalidade a identificação das ocupações no mercado de trabalho, para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. Os efeitos de uniformização pretendida pela Classificação Brasileira de Ocupação são de ordem administrativa e não se estendem às relações de trabalho. Significa dizer que a CBO pode, sem, ser usada como um dos elementos informadores das funções que demandem formação profissional, como mero subsídio ou variável, porém em conjunto com outras ordens de critério. O Ministério do Trabalho e Emprego não pode, irregularmente e na calada da noite, inserir em cada uma das ocupações ali organizadas, um elemento a ela estranho, ou seja, que dita ocupação, independente do seu grau de complexidade, demanda formação profissional, como se tal assertiva viesse a integrar a CBO. Essa inserção constitui a deturpação jurídica da Classificação Brasileira de Ocupações, que não tem por escopo alistar, arbitrária e aleatoriamente, dita ocupação como demandando formação profissional. Essa adulteração deve ser ignorada. Aliás, essa inusitada alteração se deu de forma arbitrária e unilateral, totalmente diversa da forma como a CBO foi construída, a saber, envolvendo a formação de comitês de profissionais que atuavam diretamente no exercício das ocupações, que compunham cada família ocupacional, coordenadas por pesquisadores do SENAI, da UNICAMP, UFMG e FIPE/USP, a partir de metodologia absorvida em cooperação com instituição canadense. Essas entidades foram ignoradas nessa unilateral modificação, que não teve outro objetivo senão dar eventual sustentação, em que pese sem consistência jurídica, ao entendimento dos auditores fiscais do Ministério do trabalho e Emprego. Como dito, essa modificação à CBO deve ser ignorada, portanto à margem da lei. Assim, as condições de aprendizagem vedadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não foram observados na utilização do CBO, pois deveria ser feita em função do objetivo educacional e não do ensino pura e simples de uma profissão, para as quais sequer se exige qualificação técnica e científica. Como foi mencionado acima e da maior importância, não podemos deixar de analisar também pela ótica do Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, sendo que não é mais possível a contratação de menores apenas para iniciá-los no mercado de trabalho. Esse tipo de prestação de serviços somente poderá ocorrer na forma e nos limites do contrato de aprendizagem, visando à formação educacional do aprendiz e não ao lucro da empresa. Por isso, as funções que não demandam qualificação técnica não entram na cota de contratação de aprendizes. A regulamentação maior a respeito do trabalho de profissionalização e aprendizagem decorre da Lei n 8.069/90, que, em seu art. 62, admite como parâmetro para a aprendizagem a formação técnico-profissional, que é ministrada segundo a diretrizes e bases da legislação de educação em vigor, como se segue: “Art. 62. Considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.” Por sua vez, o art. 68, § único da mesma lei retro citada, dispõe que “entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo.” Conclui-se, portanto, que o trabalho da criança e do adolescente na condição de aprendiz deve ter caráter educativo, com o fito de consolidar o conhecimento que a criança obtém nas matérias que cursa no ensino fundamental. Entendimento adotado pela maioria da 6ª Turma do TRT-MG, ao manter a decisão de 1º Grau que excluiu as funções que não requerem maiores formações profissionais e sim um singelo treinamento, processo nº 0000674-90.2010.5.03.0107 RO, fonte TRT 3ª Região. Assim, aprendizagem industrial, in casu, que compreende “formação técnico-profissional metódica, caracterizada por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva”, na conjugação dos parágrafos contidos no art. 428 da CLT, daí por que a identificação das funções que demandam formação profissional exige elevado nível de bom senso, associado aos princípios do raciocínio lógico, com abandono das generalizações empíricas, como querem fazer crer alguns. _________________________ *Ronaldo Silva Dias Junior Advogado em Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito (EPD/SP). Membro da Comissão de Assuntos Previdenciários da 23ª Subseção da OAB/MG. Sócio do Escritório “PAIVA FERNANDES & DIAS – ADVOGADOS (www.pfdadvogados.com.br)”.