I Workshop sobre diversificação produtiva da cana-de-açúcar: Novos processos, produtos e negócios UFScar- CNI - IEL – SEBRAE Produtos tradicionais da cana-de-açúcar Cláudio Hartkopf Lopes Maria Teresa Mendes Ribeiro Borges Luiz Marcio Poiani Os principais derivados tradicionais da cana • Açúcar mascavo Granulado (purgado) Batido ou amorfo • Rapadura ou raspadura • Garapa de cana • Aguardente de cana ou cachaça • Melado Mascavo batido • Obtido pela evaporação de garapa de cana madura e fresca, preferencialmente colhida manualmente sem o processo de queima. • O caldo na maioria das vezes tem seu pH corrigido para próximo a 7, pela adição de cal ou de bicarbonato. • A evaporação se dá até atingir o “ponto”, quando a massa é fortemente batida até a formação dos cristais. Mascavo granulado (purgado) • Produto obtido pela concentração do caldo de cana tratado até uma concentração de 80 a 85%, quando deixado em repouso para esfriar lentamente possibilitando o surgimento dos cristais e seu crescimento. É necessário uma centrífuga para separar os cristais do mel. • Este processo tem um rendimento menor, por produzir também um mel. Melado de cana ou mel de engenho • Produzido pela concentração do caldo de cana purificado até 76 a 84% de sólidos. • Para evitar que cristalize o melado deve ser invertido pela adição de ácidos ou enzimas, até um teor de açúcares redutores superior a 25%. • A inversão natural da cana deve ser evitada por causar sabor desagradável. Rapadura • Produzido a partir do caldo de cana tratado e concentrado, 88 a 90o Brix, quando é batido para resfriar a 90o C (nesta fase pode ser adicionado outro material como abóbora, amendoim, etc) e vertido em formas de madeira para resfriar e solidificar. • Os tabletes sólidos são retirados da forma, e colocados em prateleiras para secarem e resfriarem antes de serem embalados. Aguardente de cana ou cachaça • Bebida alcoólica fermento-destilada resultante da fermentação alcoólica do caldo de cana e da destilação em alambique ou coluna, do vinho alcoólico produzido. • A destilação mais tradicional da bebida é realizada em alambiques, onde as impurezas voláteis e o óleo fúsel são separados. Garapa de cana • Bebida constituída pela garapa da cana extraída de colmos limpos, maduros e sadios, que não sofreram o processo de queima. • Para melhorar o aspecto da bebida sua casca pode ser raspada e o caldo coado para eliminar impurezas que podem causar turbidez. • Pode receber sumo de limão para adquirir o sabor deste cítrico, que também atua como estabilizante e alvejante. Variedade de cana e qualidade • • • • Rica em sacarose Baixo teor de fibra Baixo teor de cinzas Baixo teor de componentes nitrogenados • Pouco florescimento e brotação • Resistência a doenças e pragas Cana, solo e qualidade • Solo arenoso favorece a maturação • Solo argiloso produz cana com baixo teor de sacarose • Solo com muita matéria-orgânica atrasam a maturação (menor teor de açúcar) • Característica ideais da cana Brix >18% Pol >15o S AR <1,0% Cana para garapa • Deve apresentar um caldo claro sem a presença de turbidez. • Algumas variedades são ricas em polifenóis e enzimas polifenoloxidase que se oxidam em contato com o ar formando substancias coloridas e devem ser evitadas. O ácido cítrico do limão pode atuar como estabilizante nesses casos. • A presença de ferro pode escurecer o caldo, sendo então recomendado moenda de aço-inox. • Teor de sacarose muito elevado no caldo pode tornar a bebida enjoativa. Mascavo – purificação do caldo • A maioria dos produtores de mascavo somente retiram as impurezas que flotam durante a evaporação do caldo, pelo uso de uma escumadeira. • Desta forma são retirados o bagacinho, as ceras, as proteínas desnaturadas pelo calor e também impurezas grosseiras como gravetos e pedaços de folhas. • As impurezas densas como areia e partículas de terra devem ser removidas por decantação. Mascavo – calagem • Consiste na adição de cal ou leite de cal ao caldo, visando uma melhoria da qualidade do açúcar a ser produzido. • A calagem para a produção de mascavo, é uma técnica importante para a obtenção de um açúcar com qualidade. • O objetivo é neutralizar a acidez do caldo cujo pH de 5,2 a 5,6 é elevado para 6,5 a 7,0. Função da calagem 1 Neutralização da acidez que dificulta a transformação da sacarose em açúcares que dificilmente cristalizam (glicose e frutose). Esses açúcares tem a propriedade de reter água (higroscopicidade), dificultando a secagem do produto, conferindo uma consistência de puxa-puxa. Função da calagem 2 • A cal aumenta a precipitação dos compostos fosfóricos principalmente os fosfatos de cálcio que é um adsorvente de impurezas coloridas. • O resultado é um açúcar com um aspecto visual mais atraente, mais seco e com uma granulometria mais solta. Quantia de cal utilizado • Cal em excesso pode ser tão prejudicial quanto a sua não aplicação. Um pH acima de 7 pode causar a destruição de açúcares além de escurecer o produto. • Recomenda-se que a cal seja aplicada sob a forma de leite (Solução de 10g por litro de água). • Este leite deve ser aplicado na quantia de 6 a 12 mL por litro de caldo. Qualidade da cal • A cal virgem utilizada deve ser em grau alimentício, com alto teor de CaO (óxido de cálcio) disponível (não carbonatado). • Deve-se conhecer a origem da cal e também observar se na queima do calcário não foi utilizado material não recomendável, como combustível. • Recomenda-se utilizar a mesma cal que as usinas de açúcar adquirem. Evaporação do caldo • Esta operação eleva a concentração do caldo dos 18oBrix para a concentração desejada. • Nesta fase ocorre a formação da nata que contém as impurezas flotadas e devem ser removidas. • Ocorre também a formação muito intensa de espuma até que a concentração atinja de 65 a 70º Brix, quando elas acabam desaparecendo. Pode-se utilizar óleo de mamona para eliminar a espuma, mas esse produto pode prejudicar o sabor do açúcar, sendo aconselhável que se diminua a intensidade da ebulição (do fogo ou do vapor). Evaporação • A evaporação é realizada por fogo direto nos engenhos menores e por vapor nos de maior nível tecnológico. • O vapor deve ter uma temperatura de 160 a 170o C e recomenda-se que a serpentina de aquecimento tenha de 8 a 10 m2 de superfície de troca térmica por 1000kg de caldo. Operação final da evaporação • Esta é uma das etapas mais importantes da fabricação tanto do açúcar, rapadura como do melado. • A partir de 110o C, que corresponde a concentração de 80o Brix, a temperatura se eleva com bastante rapidez, devendo-se tomar o máximo cuidado para não errar o final do cozimento, o denominado “ponto”. O ponto final do cozimento • O ponto final do cozimento depende da pureza do caldo e do grau de amadurecimento da cana. • A pessoa experiente consegue identificar o “ponto” pelo formato das bolhas, pelo som que uma amostra da massa previamente endurecida faz ao bater no costado do tacho, pelo comprimento do fio que a massa apresenta ao ser esticada, etc. • Esses processos são denominados empíricos e variam de região para região. Método térmico para se identificar o ponto • Como a temperatura de ebulição do xarope sobe em função de sua concentração, pode-se utilizar essa temperatura como forma determinante do ponto de cozimento. • Ensaios de produção realizados na UFSCar, demonstraram que mesmo uma pessoa leiga no assunto pode identificar o ponto pelo simples acompanhamento da temperatura do xarope em ebulição. Temperaturas que correspondem ao ponto para diversos produtos Temperatura oC 122 a 125 Concentração o Brix 90 a 92 Mascavo cristalizado 110 a 114 84 a 88 Rapadura 116 a 122 88 a 90 Melado 106 a 110 75 a 80 Mascavo batido Caramelização • Acima de 125o C começa ocorrer uma intensa caramelização. Caso o xarope apresente um alto teor de açúcares redutores (cana não madura p. ex.) a massa adquire uma consistência de puxapuxa não cristalizando. • O caramelo é identificado pelo escurecimento do produto e pelo sabor característico. Agitação e resfriamento • Atingido o ponto, o xarope é submetido a uma forte agitação, manual ou por equipamento apropriado, até que ocorra a formação dos cristais e a água seja evaporada em sua quase totalidade. • A secagem final pode ser feita expondo o produto ao sol ou a uma atmosfera ventilada, caso a umidade do ar seja baixa. • Existem equipamentos apropriados para secar o produto utilizando ar quente (secadores). Açúcar cristalizado • Ao se atingir o ponto (85oBrix), a massa é posta para resfriar lenta e naturalmente, de forma que os cristais possam crescer. • A massa é então centrifugada e os cristais devem ser bem secos (em secador) para não empedrar. • Este tipo de açúcar não tem tanta procura como o mascavo amorfo, mas gera um sub-produto que é o mel pobre, que pode ser utilizado para a produção de aguardente. Cor do mascavo • Cal em excesso resulta em pH maior que 7, provocando a destruição dos açúcares redutores escurecendo o mascavo e alterando o sabor do produto de forma negativa. • Canas ricas em polifenóis e aminoácidos tendem a produzir açúcar mais escuro. • O ferro tende a escurecer os caldos e o açúcar. Assim equipamentos construídos em aço inox tendem a produzir açúcar mais claro. Clarificantes naturais do caldo • Na Colômbia utiliza-se o bálsamo como clarificante de mascavo e rapadura. • No Ceará é utilizado o mutambe, vegetal que pelo calor libera uma mucilagem, que atua como um forte adsorvente de impurezas. • Alguns produtores utilizam o óleo de mamona ou mesmo talos de quiabo como clarificantes. Clarificantes químicos Para um açúcar ser classificado como “orgânico”, o uso de produtos químicos está proibido. No entanto, os seguintes produtos podem ser utilizados para os produtos não orgânicos: A) Ácido fosfórico como agente clarificante (50 a 100 mg por litro de caldo). B) Utilização de polieletrólitos para melhorar a decantação. C) Utilização de BRANKIT (hidrosulfito de sódio), como branqueador. Rapadura • As técnicas e cuidados para a produção da rapadura são similares ao do açúcar mascavo batido, exceto quanto ao ‘ponto’, que é alguns graus Celsius mais baixo. • A rapadura também é submetida a “bateção” para que seu esfriamento ocorra de forma homogênea até 90 a 100o C, quando a massa deve ser vertida em formas até o resfriamento. Rapadura mista • São rapaduras que receberam adição de amendoim, abóbora, mamão, côco, leite, etc, em geral na fase final de concentração. O amendoim entretanto, deve ser previamente torrado. • Na Colômbia se adiciona suco de limão, laranja, canela ou anis. Embalagem da rapadura • O grande problema da qualidade da rapadura está em sua embalagem que deve ser hermética para proteger o produto, principalmente da ação de fungos. Utilizam-se vários tipos de embalagens entre elas: saco plástico, filme de PVC, papel comum, palha de milho, etc. • Para evitar o desenvolvimento de fungos, alguns produtores adicionam sorbato de potássio na razão de 0,02%. • O ideal é não expor o produto a uma atmosfera com Umidade Relativa maior que 70%. Melado de cana • Consiste num xarope com 75 a 82% de sólidos dissolvidos, que teve sua sacarose previamente invertida, como p. ex., pela adição de ácido cítrico na razão de 0,5 a 1,0g por litro de caldo. • O “ponto” do melado é quando as bolhas começam a crescer (entre 105 a 110o C) Cachaça ou aguardente de cana • Deve-se ter o cuidado para que a fermentação transcorra sem a presença de outros microorganismos e que a destilação do vinho se realize logo após o final da fermentação. • Na destilação em alambique, deve-se ter o cuidado de separar as primeiras frações (maus gostos de cabeça) e as últimas frações (maus gostos de cauda). Cachaça ou aguardente de cana • O alambique deve conter algumas peças de cobre para evitar os odores e sabores desagradáveis, mas sem excesso para que a bebida não contenha resíduo desse metal superior a 2ppm, como especifica a legislação. • O envelhecimento é fundamental para uma melhora da qualidade da bebida. Qualidade • O termo qualidade sofreu uma grande evolução nos últimos anos, mudando o seu enfoque, que originalmente era centrado no produto, passou a ser centrado no cliente. • Um produto de qualidade não é aquele que atende as normas e especificações governamentais, mas aquele que também atende as expectativas do consumidor. • A qualidade não é um privilégio das grandes empresas e deve ser a meta de qualquer produtor de derivados tradicionais da cana. • Nunca deve ser esquecido que uma indústria de mascavo ou rapadura é uma fábrica de alimentos e deve seguir todos os preceitos desse tipo de processo industrial. Qualidade e derivados artesanais da cana • 1. A matéria-prima deve estar madura, fresca e colhida sem contato com o solo. • 2. O processamento deve ocorrer em condições de higiene total. • 3. O produto deve apresentar baixa umidade, ser peneirado e armazenado em local apropriado protegido de umidade, insetos, pássaros e roedores. • 4. O produto deve ser estandardizado, sendo entregue ao comprador dentro de suas especificações. Controle de qualidade • O controle de qualidade do produto da matériaprima, do processo tecnológico e do produto final, não é uma atividade cujo custo seja exorbitante e inacessível para as pequenas indústrias. • Uma política de qualidade é possível numa pequena indústria, principalmente por ser possível uma supervisão maior de todo o processo.