XXVI ENEGEP - Fortaleza, CE, Brasil, 9 a 11 de Outubro de 2006
Relacionamento na Cadeia de Suprimentos: Relações de Cooperação
ou Dominação?
Renata Albergaria de Mello Bandeira (UFRGS) [email protected]
Luiz Carlos Brasil de Brito Mello (UFF) [email protected]
Antonio Carlos Gastaud Maçada (UFRGS) [email protected]
Resumo
O poder, como um construto de relações interfirmas, tem recebido um tratamento irregular e
conflitante por parte dos analistas. O escopo deste trabalho consiste, então, em promover
uma discussão sobre os relacionamentos na cadeia de suprimentos, tentando identificá-los
como relações de dominação ou cooperação. Apresenta-se, ainda, uma análise sucinta sobre
as relações de suprimentos entre uma empresa líder de mercado e outra de menor porte.
Palavras-chave: Cadeia de Suprimentos, Aliança Estratégica, Relacionamento.
1. Introdução
As empresas verticalizadas, que predominaram até a primeira parte do século XX,
executavam internamente todas as operações necessárias para o fornecimento de produtos.
Atualmente, com maior competição entre as empresas, grandes avanços tecnológicos e maior
complexidade dos produtos, estruturas empresariais verticalmente integradas são menos
freqüentes. Nesse ambiente, as firmas passam a executar apenas suas competências centrais,
terceirizando atividades de apoio. Estas empresas envolvem-se, então, em arranjos
empresariais. Dentre estes arranjos, destacam-se as alianças logísticas.
O canal de distribuição é um conjunto de empresas interdependentes envolvidas no processo
de disponibilização de produtos ou serviços para uso ou consumo. Bowersox e Closs (2001)
definem o canal como um campo de batalha onde é determinado o sucesso ou o fracasso de
uma empresa, de modo que uma melhor estrutura do canal pode resultar em real vantagem
competitiva. Assim, é crescente o número de empresas que combinam suas competências para
criar a estrutura de um canal. O princípio básico do gerenciamento da cadeia de suprimento
está fundamentado na convicção de que a eficiência pode ser aprimorada por meio do
compartilhamento da informação e do planejamento conjunto. O relacionamento nas cadeias
de suprimento é, então, um tópico estratégico para o sucesso das empresas.
O objetivo deste trabalho é promover uma discussão a respeito da importância dos
relacionamentos na cadeia de suprimentos, tentando identificá-las como relações de
dominação ou cooperação. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica, procurando-se
levantar as principais relações desenvolvidas entre os membros do canal. Constatou-se que a
literatura tradicional de logística costuma considerar que o relacionamento da cadeia ocorre
apenas com base na cooperação e na confiança. Contudo, estudos recentes apontam a
relevância do poder e da dominação como construtos nas relações em cadeias de suprimento.
Para que os profissionais de logística saibam como as cadeias de suprimento devem ser
gerenciadas, torna-se fundamental a compreensão das estruturas dos relacionamentos
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existentes. De fato, o relacionamento entre os membros de um canal de distribuição se
desenvolve através de complexas relações de dependência, poder, dominação e cooperação.
Entretanto as relações variam de acordo com a estrutura e características da cadeia. A
diversidade das relações do canal dificulta a generalização dos desafios encontrados pelos
executivos no desenvolvimento de estratégias abrangentes para o canal.
A primeira deste paper apresenta a abordagem conceitual de alianças estratégicas em
distribuição. Em seguida, são definidos os conceitos de cooperação, poder e dominação para,
então, analisar suas influências no relacionamento entre os membros da cadeia de
suprimentos. Realiza-se uma análise sucinta sobre as relações de suprimentos entre uma
empresa líder de mercado e outra de menor porte. Enfim, são apresentadas as conclusões e
sugestões para novos trabalhos
2. Alianças Estratégicas em distribuição
A palavra aliança tornou-se tão popular que, muitas vezes, tem sido empregada de forma
equivocada. Para Coughlan et al. (2002), aliança é uma associação efetuada entre duas ou
mais firmas com o objetivo de promover o interesse comum dos membros, sendo estratégica
quando as conexões que ligam as empresas são duradouras e substanciais, passando por vários
aspectos de cada firma.
A American Marketing Association (BOWERSOX E CLOSS, 2001) define um canal de
distribuição como “a estrutura de unidades dentro da empresa, e os agentes e firmas
comerciais fora dela, atacadistas e varejistas, por meio dos quais produtos ou serviços são
comercializados.” Tradicionalmente, um canal é formado por várias empresas, cada uma
buscando satisfazer seu próprio interesse através de barganha e confrontação. Assim, os
membros do canal muitas vezes deixam de cooperar, chegando até a trabalhar por objetivos
opostos. De modo a minimizar este problema, é crescente a formação de alianças estratégicas
em distribuição. Através de sinergia e da cooperação, as empresas esperam que as alianças
propiciem maior nível de desempenho conjunto, eliminando trabalho duplicado e aumentando
a eficiência no compartilhamento de informações na cadeia.
De acordo com Coughlan et al. (2002), as bases da aliança são o compromisso genuíno, a
confiança na honestidade da outra parte e em seu interesse no bem-estar alheio. Segundo os
autores, seus membros devem estar dispostos a “sacrificar-se para manter o relacionamento e
para fazê-lo crescer”, sendo que, muitas vezes, “esses sacrifícios podem tomar a forma de
renúncia, em curto prazo, aos lucros ou a não buscar outras oportunidades, preferindo destinar
os recursos disponíveis à aliança.” Contudo, Cox (1999) afirma que o sucesso das empresas
depende de sua habilidade em apropriar valores de relações com empregados, clientes e
fornecedores. Para o autor, as empresas aliam-se com intuito de alcançar maior valor. Porém,
caso isto não seja possível, os membros da cadeia irão apropriar maior valor para si. Segundo
a abordagem de Coughlan et al. (2002), uma situação como esta não é uma verdadeira aliança.
Coughlan et al. (2002) afirmam que muitas das chamadas alianças estratégicas, na realidade,
são apenas “acordos táticos de conveniência, ou são simplesmente relacionamentos
comerciais normais que acontecem com pouco conflito.” Os autores reforçam que o termo
aliança tem sido empregado de forma equivocada para designar relacionamentos de poder,
onde as firmas mais fortes exercem controle sobre as demais. De fato, os relacionamentos em
um canal de distribuição são relações de risco, poder, liderança e cooperação. Entretanto, Cox
(1999) relata haver pouca discussão sobre a questão do poder no relacionamento das cadeias
de suprimento. Recentemente, nota-se que o tema passa a ter maior relevância na academia.
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3. Conceitualização de Poder, Dominação e Cooperação
A princípio, serão abordados os conceitos de cooperação, poder e dominação para, a seguir,
analisar suas influências no relacionamento entre os membros da cadeia de suprimentos.
3.1. Cooperação e Confiança
O conceito de cooperação abordado neste trabalho se baseia na Teoria da Cooperação
proposta por Axelrod (1983), que se fundamenta na investigação de como indivíduos, que
visam satisfazer seus próprios interesses, podem cooperar entre si, sem ajuda de uma
autoridade central que os forcem a isto. Segundo Mallman (2000), o dilema do prisioneiro é o
modelo mais utilizado para verificação do comportamento de agentes engajados em relações
de dependências mútuas. Considerado a matriz básica da teoria da cooperação, o Dilema do
Prisioneiro apresenta uma estrutura simples que, a rigor, não requer que os participantes sejam
racionais ou tenham consciência das escolhas feitas. Assim, no âmbito mais amplo, a teoria da
cooperação pode envolver pessoas, firmas ou até nações.
Segundo a teoria, a cooperação pode ser obtida das seguintes formas (AXELROD, 1983): (i)
criação da “sombra do futuro”, ou seja, do estabelecimento de condições na quais os
participantes que não colaborem possam estar sujeitos à retaliação em interações posteriores;
(ii) ensinando os participantes a terem preocupações mútuas; (iii) ensinando e deixando claro
aos participantes que haverá reciprocidade nas defecções; e (iv) aumentando a punição por
atitudes não cooperativas. Heide e Miner (1992, apud MALLMAN, 2000) apresentam que o
acréscimo no número de negociações e na freqüência de contatos entre os participantes
envolvidos no dilema do prisioneiro implica no aumento da tendência à colaboração. Com a
repetição da interação entre os agentes, a confiança entre as partes tende a aumentar. Porém,
este comportamento se interrompe quando o final do jogo se aproxima.
É comum encontrar na literatura o conceito de confiança associado ao conceito de
cooperação. Neste trabalho será adotada a visão da economia sobre o tema. Para os
economistas, a confiança implica a propensão a cooperar (LA PORTA et al., 1997). Embora a
confiança não seja suficiente para assegurar a cooperação, ela altera significativamente a
probabilidade de um comportamento cooperativo.
3.2. Poder e Dominação
O conceito de poder é compreendido a partir de diferentes denotações, de modo que, ao
solicitar a um grupo de pessoas que ofereça definições sobre poder, nota-se que muitos as
oferecem de maneira consciente, porém com idéias controversas. Outros não têm certeza
sobre como defini-lo, mas se dizem capazes de reconhecê-lo (COUGHLAN ET AL., 2002).
Faria (2004) ressalta a relevância do tema nos estudos sobre organizações e reforça que o
conceito de poder deve ter seu próprio espaço teórico e epistemológico. Contudo, esta não é
uma prática freqüente no âmbito da teoria das organizações, na qual o conceito de poder
costuma ser utilizado como equivalente aos de liderança, influência, autoridade ou coerção. O
autor (FARIA, 2004) apresenta uma análise conceitual sobre o conceito de poder, abordando
os principais enfoques que estruturam teórica e epistemologicamente a análise das
organizações: (i) enfoque sistêmico-funcionalista; (ii) weberiano; (iii) do comportamento
humano; (iv) organizacional; (v) marxista; e (vi) da psicossociologia.
Para Weber (1997), poder significa a “probabilidade de impor a própria vontade, dentro de
uma relação social, ainda que haja resistência.” Por sua vez, dominação é “a probabilidade de
encontrar obediência dentro de um grupo determinado para mandatos específicos”, sendo que
a dominação deve ser legitimada. A autoridade é, então, a probabilidade empírica de que um
determinado grupo de indivíduos irá comandar e de que outro obedecerá. Ao contrário do
poder, a autoridade exige convencimento para se ter o direito de exercê-la. Entende-se por
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disciplina a obediência cega de determinado grupo. De acordo com Faria (2004), estudar a
sociologia do poder em Weber implica em “estudar os conceitos de dominação, obediência e
disciplina, além de compreender as noções de autoridade, coerção e legitimidade.” Habermas
(1980, apud FARIA, 2004) critica o enfoque weberiano por considerar que os conflitos só
podem ser resolvidos através da coerção.
Há varias correntes que tratam o poder sobre o ponto de vista do comportamento humano.
Sob o enfoque behaviorista, Dahl (1968, apud FARIA, 2004) refere-se a poder como sendo “a
capacidade de A em levar B a fazer uma coisa que não faria de outro modo”, considerando
assim o exercício unilateral do poder, sem resistências ou interesses. French e Raven (1959,
apud FARIA, 2004) aprofundam a formulação de Dahl ao acrescentar as cinco bases que
permitem medir a amplitude e o grau de dependência entre A e B: (i) poder de recompensa;
(ii) poder coercitivo; (iii) poder legítimo; (iv) poder referente; e (v) poder de especialização.
Neste trabalho, não será apresentado o conceito de poder sobre todos os enfoques propostos
por Faria (2004). Limitou-se o foco aos autores que são citados na literatura que analisa o
relacionamento nas cadeias de suprimentos. Ressalta-se que, apesar de serem tratados por
diferentes enfoques, os conceitos de poder, em linhas gerais, referem-se à “condição de
realização de uma ação que, sem que lhe seja emprestada qualquer direção, não se
viabilizaria. Esta condição pode ser obtida pela coerção, autoridade, influência, dependência
ou pelo domínio psicológico, com ou sem resistência, baseada em um sistema de regras ou
contratos, em negociação ou imposição (FARIA, 2004).” Assim, as maiores diferenças são
nas constituições teórico-metodológicas e epistemológicas e não nas observações sobre este
fenômeno. Observa-se que a literatura de logística, em sua grande maioria, adota o conceito
geral de poder. Este será o critério seguido neste trabalho.
4. Relacionamento na Cadeia de Suprimento
Em geral, os canais de suprimento são formados por participantes que dependem uns dos
outros. Segundo Coughlan et al. (2002), “essa interdependência tem que ser controlada, e o
poder é a maneira de fazer isto.” Os autores analisam o poder no canal de suprimento sob a
corrente behaviorista do enfoque do comportamento humano, descrevendo-o como o
potencial para influenciar e o tratam como um termo sem conotações. Esta abordagem é
contrária a de Faria (2004), que não considera a influência como uma das bases do poder e
define que o conceito de poder é compreendido a partir de diferentes conotações. Ainda sob o
enfoque do comportamento humano, Coughlan et al. (2002) fazem referência a French e
Raven (1959, apud FARIA, 2004) que acrescentam as cinco bases que permitem medir o grau
de dependência entre A e B. No entanto, os autores ressaltam que, no canal de distribuição,
essas cinco fontes podem ser utilizadas em combinação de modo a criar sinergia.
Coughlan et al. (2002) também relacionam o conceito de poder com o de dependência. Os
autores reforçam que os resultados do canal dependem do equilíbrio de poder em um
determinado relacionamento e que a dependência nunca acontece apenas em uma direção. Na
realidade, ocorre a interdependência. A dependência mútua entre os membros da cadeia ajuda
a criar e manter alianças estratégicas, incentivando a cooperação. Os canais com dependência
baixa tendem a funcionar com as linhas clássicas de relacionamento econômico. Nos casos de
relacionamento assimétricos em cadeias de suprimento, a parte mais fraca e mais dependente
assume maior risco. Para evitar esta situação, estes membros da cadeia procuram reduzir sua
dependência através de alternativas de negócios, organizando coalizões contra a parte mais
forte ou abandonando a cadeia. Porém, o mais comum é que a parte mais dependente aceite a
situação, não tendo nenhuma reação. Na realidade, muitos relacionamentos de dependência
desequilibrada funcionam bem, principalmente em ambientes estáveis.
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São diversas as formas através das quais empresas mais fortes podem exercer dominação
sobre os demais membros da cadeia. Munson et al. (1999) afirmam que as empresas podem
exercer o controle da cadeia através de cinco áreas: (i) controle de preços; (ii) controle da
estrutura do canal; (iii) controle de operação; (iv) controle da informação; e (v) controle de
inventário. É notório que empresas como o Wal-Mart, devido ao seu tamanho e papel central
na cadeia, exercem o controle de preços, exigindo descontos de seus fornecedores. Porém,
firmas de menor porte também podem se aliar para ampliar seu poder de barganha. Devido ao
controle sobre a estrutura do canal exercido pela Wal-Mart, esta empresa conseguiu eliminar
representantes e intermediários de suas negociações, exigindo contato direto com indústrias
manufatureiras. Com relação ao controle da operação, as firmas têm imposto cada vez mais
requerimentos sobre a qualidade dos produtos adquiridos. Em pesquisa desenvolvida por
Emshwiller (1992, apud MUNSON et al., 1999) em 126 firmas de médio porte, verificou-se
que 76% das entrevistadas haviam eliminado fornecedores que se recusaram a elevar o padrão
de qualidade de seus produtos.
Segundo Cox (1999), as práticas de gerenciamento da cadeia de suprimentos têm se limitado a
replicar o modelo japonês do pensamento enxuto, no qual a Toyota foi a precursora. Este
modelo se baseia no desenvolvimento de uma cadeia colaborativa cujos processos logísticos
são enxutos. Há um número reduzido de membros, com os quais são desenvolvidas relações
ganha-ganha. As relações de fornecimento no Japão costumam se estruturar através de
keiretsus, que são cadeias de valor nas quais os fornecedores são previamente definidos e há
uma troca constante de tecnologia entre os membros. Sob a ótica da teoria dos jogos, nos
keiretsus, o dilema do prisioneiro é solucionado pela elevação da matriz de pagamentos, ou
seja, pela elevação dos prêmios para colaboração (MALLMAN, 2000).
Sakai (1990) apresenta os keiretsus por uma perspectiva distinta da forma tradicionalmente
encontrada na literatura. Ele compara as relações de suprimento no Japão com relações de
escravidão, pois uma empresa ingressa no keiretsu é impossibilitada de sair. Atitudes não
cooperativas são retaliadas, de modo que, pelo enfoque weberiano, estas são relações de
poder. Cox (1999) também critica a estrutura de keiretsu e a posição da Toyota com relação
aos seus fornecedores. Para o autor, a Toyota pôde criar um modelo de produção enxuta
devido ao poder exercido sobre seus fornecedores. Cox (1999) reforça que este é um
relacionamento desequilibrado, onde os fornecedores são as partes mais fracas e dependentes.
O autor ressalta que só foi possível estabelecer esta estrutura de poder devido às
características da indústria automobilística, na qual há padronização e regularidade na
demanda. Assim, a adoção destas práticas em cadeias que não apresentam as mesmas
características pode não apresentar os resultados esperados.
Convém salientar que cadeias colaborativas, baseadas em relações ganha-ganha, nem sempre
são a melhor opção para a maximização do lucro para todos os membros. Cox (1999) afirma
que, em casos como este, os membros do canal não terão razões para colaborar e buscarão,
então, outras formas de estrutura. Em artigo mais recente, Cox e Chicksand (2005)
apresentam uma matriz com as possíveis relações de dominação na cadeia de suprimentos. A
classificação está ilustrada na figura 1. Observa-se que as relações variam de acordo com a
estrutura e características da cadeia, de modo que as práticas adotadas em determinada cadeia
nem sempre poderão ser replicadas com sucesso em outras configurações. Portanto, os
profissionais de logística devem atentar que não há uma única forma correta de gerenciamento
da cadeia. Para cada caso, devem ser adotadas diferentes práticas.
Sob a perspectiva da matriz de relações, tem-se que a melhor posição para uma empresa
individual na cadeia de suprimentos é aquela na qual se consegue exercer dominação sobre os
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compradores e fornecedores, atingindo, então, o maior lucro possível. Para Hingley (2005), o
comprador costuma ser a parte favorecida em canais com relacionamento assimétrico. No
entanto, isto não impede que o membro mais fraco do canal também se beneficie desta
relação. Deve-se salientar que relações assimétricas ocorrem mais freqüentemente que aquelas
baseadas em cooperação e confiança. Em geral, os membros mais fracos do canal costumam
tolerar esta situação em virtude das vantagens que ela lhes proporciona. Assim, relações
assimétricas são legitimadas e também podem ser estáveis e duradouras. A seguir são
analisadas as relações de suprimentos entre uma empresa líder de mercado e um fornecedor
de pequeno porte, buscando-se compreender o relacionamento no canal de distribuição.
ALTA
Dominação exercida pelo Comprador
Interdependência
•Poucos compradores/muitos fornecedores
•Poucos compradores/poucos fornecedores
•Dependência do fornecedor
•Dependência do fornecedor
•Produtos comercializados são commodities
•Produtos comercializados não são commodities,
tendo poucas opções de fornecimento
Autoridade do Comprador
•Relações com comprador representa alta
porcentagem das transações do fornecedor
•Custos de troca do fornecedor são baixos
•Relações com comprador representa alta
porcentagem das transações do fornecedor
•Custos de troca do fornecedor são altos
BAIXA
Independência
Dominação exercida pelo Fornecedor
•Muitos compradores/muitos fornecedores
•Muitos compradores/poucos fornecedores
•Produtos comercializados são commodities
•Não há dependência do fornecedor
•Relações com comprador não representa
alta porcentagem das transações do
fornecedor
•Produtos comercializados não são commodities,
tendo poucas opções de fornecimento
•Custos de troca de fornecedor são baixos
•Relações com comprador representa baixa
porcentagem das transações do fornecedor
•Custos de troca do fornecedor são altos
BAIXA
Figura 1 –
Autoridade do Fornecedor
ALTA
Matriz de Relações de Dominação na Cadeia de Suprimentos
Fonte: Adaptado de Cox e Chicksand., 2005
5. Estudo de caso
A empresa multinacional Z é uma das maiores empresas de gases industriais do país, com
faturamento anual de aproximadamente US$ 650.000.000,00. Atende, preferencialmente,
clientes industriais e hospitalares. O produto, gases industriais, é estocado em tanques
estacionários que ficam localizados nos clientes. Estes tanques utilizam os periféricos que são
fabricados pela metalúrgica X. A metalúrgica X é uma pequena empresa de capital nacional,
fundada em 1992 por ex-funcionários da multinacional Z. Atualmente possui 35 funcionários
e fatura cerca de R$ 9.500.000,00 por ano. Sua linha de produtos compreende equipamentos
periféricos para empresas de gases industriais. São equipamentos de baixa tecnologia e que
podem ser facilmente copiados.
Como a metalúrgica foi fundada por ex-funcionários da multinacional, houve de início
facilidades para que fabricasse a maior parte das encomendas da multinacional. De fato, foi
assinado, em termos de parceira, um acordo entre as empresas no qual a metalúrgica X se
comprometia a não fornecer seus produtos a empresas concorrentes a Z, que lhe daria
preferência no suprimento. Com base no relacionamento de amizade entre as partes,
procurou-se estabelecer uma cadeia colaborativa baseada em relações ganha-ganha. Hoje,
cerca de noventa por cento da produção da metalúrgica X é destinada para a empresa Z.
Porém, não se observa mais o antigo relacionamento de amizade entre as partes. Segundo a
classificação de Cox e Chicksand (2005), existe uma dominação exercida pelo comprador
onde há alta autoridade do comprador e baixa autoridade do fornecedor. O mercado de gases
industriais é dominado por poucas empresas, havendo poucos compradores, e a metalúrgica X
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tem alta percentagem de transações com o comprador.
O fracasso da tentativa de estabelecimento de uma aliança entre as empresas estudadas pode
ser explicado devido à discrepância no tamanho das firmas. A empresa Z utiliza seu porte e
volume de compras em relação ao fornecedor X para conseguir inúmeras vantagens tais
como: (i) preços menores; (ii) maiores prazos de pagamento; (iii) cancelamento de pedidos
sem avisos; (iv) interferências nos programas de produção; (v) exigência de exclusividade de
fornecimento de certos produtos; (vi) requerimentos sobre a qualidade dos produtos e
certificações de qualidade; e (vii) transferência de estoque. Trata-se de um relacionamento
assimétrico, no qual a parte mais fraca e dependente assume maior risco. A metalúrgica X
entende perfeitamente a situação, porém é obrigada a aceitá-la. A firma Z é seu maior cliente
e, devido ao contrato assinado, não pode fornecer certos produtos aos concorrentes de Z.
Ainda, seu produto pode ser fornecido por outros fornecedores rapidamente, uma vez que os
custos de troca são baixos.
A formação de aliança estratégica também é dificultada pelas características do setor. A
indústria de gás industrial opera em um mercado darwiniano, no qual os princípios da seleção
natural levam à sobrevivência apenas das empresas mais ajustadas às necessidades do cliente.
É crescente o aumento da concorrência neste setor. Assim, as empresas buscam, cada vez
mais, apropriar valor de suas relações. Ao contrário do que pregam Coughlan et al.(2002),
estas empresas não estão dispostas a “sacrificar-se para manter o relacionamento e para fazêlo crescer”, devido à hipercompetição. Nota-se que, no caso estudado, a empresa X exerce os
cinco tipos de controle apresentados por Munson et at. (1999).
Em entrevistas realizadas com o diretor da metalúrgica pode ser notado o amargor deste
relacionamento, onde existe por parte da multinacional uma relação de dominação e
autoridade. A alta administração da empresa X sabe que precisa diversificar sua linha de
produtos e de clientes, buscando desenvolver produtos de maior tecnologia. Porém, no
momento não tem capital para investir em uma nova linha de produtos e desenvolvimento de
novos clientes. Têm conhecimento de ferramentas como DFQ e engenharia simultânea que
podem ajudar no desenvolvimento de novos produtos. No entanto, a maior necessidade no
momento é conseguir capital para financiar estes desenvolvimentos. Para tanto, buscam
contato com fontes de financiamento. A metalúrgica X reconhece que há uma grande
dependência dos pedidos da multinacional e esta situação os coloca em posição de risco. Por
isto, busca alternativas de negócios. Entretanto, X não quer abandonar a relação com a
empresa Z, pois reconhece que, apesar de assimétrica, esta também lhe traz vantagens.
6. Considerações Finais
Este ensaio se propõe a servir como um exercício de pensamento sobre a relevância dos
relacionamentos na cadeia de suprimentos, tentando identificá-los como relações de
dominação ou cooperação. Desta forma, procurou-se identificar uma fundamentação teórica
para entender os principais fatores que influenciam os relacionamentos entre os membros do
canal de distribuição, analisando as opiniões conflitantes de pesquisadores da área. Observase que o poder, como um construto de relações interfirmas, tem recebido um tratamento
irregular e conflitante por parte dos analistas. De forma geral, os autores consideram poder
como o oposto da cooperação. Naudé e Buttle (2000) o tratam como uma influência negativa
e não construtiva no estabelecimento de relações de qualidade. No entanto, esta abordagem
não é universal. A revisão da literatura aponta que algumas pesquisas têm considerado a
relevância da relação de poder na cadeia de suprimento (COX, 1999; COX E CHICKSAND
2005). Entretanto, nota-se que estes ainda são minoria. Hingley (2005) afirma que há uma
lacuna na literatura sobre o papel do poder e da dominação nas relações interfirmas.
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Conclui-se, então, que a visão da colaboração em cadeias de suprimento, conforme
encontrada na maior parte da literatura de logística, é de certa forma genérica e romantizada.
Trata-se de uma ideologia gerencial de como as organizações deveriam interagir, sem
necessariamente descrever a maneira que estas relações de fato ocorrem. Earp et al. (1999,
apud HINGLEY, 2005) alertam sobre o risco de considerar que o relacionamento da cadeia
ocorre apenas com base na cooperação e na confiança, uma vez que esta abordagem ignora
relações existentes que são muito apropriadas em certos contextos. Entre os autores que
consideram a questão do poder no relacionamento das cadeias de suprimento, observa-se que
estes costumam adotar o conceito de poder sob a corrente behaviorista do enfoque do
comportamento humano (COUGHLAN et al., 2002).
Em suma, fica clara a importância do poder como um construto presente nas relações entre os
membros dos canais de distribuição em alianças logísticas. O relacionamento nas cadeias de
suprimento se desenvolve através de complexas relações de dependência, poder, dominação e
cooperação. Entretanto, estas relações variam de acordo com a estrutura e características da
cadeia. Não é possível generalizar os relacionamentos na cadeia de suprimentos simplesmente
como relações de dominação ou de cooperação. Deve-se analisar a estrutura de cada cadeia
específica para compreender como suas relações se constituem. Contudo, nota-se que a
predominância das relações de dominação ou de poder. A diversidade das relações na cadeia
de suprimentos dificulta a generalização dos desafios encontrados pelos executivos no
desenvolvimento de estratégias abrangentes para o canal. Desta forma, nem sempre as
práticas adotadas em determinada cadeia poderão ser replicadas com sucesso em outras
configurações. Por isto, as empresas ocidentais devem atentar ao implementar práticas
enxutas de gerenciamento de cadeias.
Enfim, defende-se que o estudo do relacionamento nos canais de distribuição é essencial para
a compreensão das fronteiras organizacionais e para a formação de alianças estratégicas em
logística. Para que os profissionais de logística saibam como as cadeias de suprimento devem
ser gerenciadas operacional e estrategicamente, torna-se fundamental a compreensão das
estruturas de poder e dos relacionamentos existentes. Assim, a discussão sobre estes tópicos
deve ser ampliada. Apenas através da compreensão da estrutura de poder entre fornecedores e
compradores na busca de apropriação de valor em cadeias de suprimento é que se pode
entender o verdadeiro ambiente operacional e estratégico das cadeias.
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Relações de Cooperação ou Dominação?