A FORMAÇÃO CONTINUADA NA EDUCAÇÃO INFANTIL Adriane Ferronatto Cídia Maria da Silveira Margareth Azevedo Zeni Mariza Bertoldo SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA DE CANOAS1 Compreendendo o educador como responsável pelo ato de formar-se, a formação continuada é uma necessidade inerente a sua profissão e deve fazer parte de um processo de permanente desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional. A formação não ocorre pelo acúmulo de recursos, palestras e técnicas, mas através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e (re) construção contínua de uma identidade pessoal. O caminho não é fácil, entretanto, faz-se necessário ressignificar a identidade do professor. Ser professor requer saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos, educacionais, sensibilidade, intuição, indagações, teoria e criatividade para encarar situações ambíguas e incertas. Segundo Freire Weffort (1996, p.40), “aproximando-se do que faz e pensa, o educador, sujeito pensante, começa a praticar autoria de sua reflexão, assumindo (...) a condução do seu processo”. E esse tem sido nosso compromisso como formadoras de educadoras2 que atuam na rede municipal de Educação Infantil de Canoas, onde atuamos na formação continuada das docentes deste nível de ensino. Nesse processo de reflexão muitos são as interlocutoras e educadoras, com as quais tivemos e temos a oportunidade de trabalhar, que nos permitiram, em nossas formações pessoais e profissionais, compreender o professor como sujeito de sua própria aprendizagem. Nesse sentido, Oliveira (2002, p 13) comenta que: ao confrontar suas ações cotidianas com as produções teóricas, é necessário rever as práticas e as teorias que as informam, pesquisar a prática e reproduzir novos conhecimentos para a teoria e a prática de ensinar. Assim, as transformações das práticas docentes só se efetuarão se o professor ampliar sua consciência sobre a própria prática, a da sala de aula e a da escola como um todo, o que pressupõe os conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade. Nesse movimento, é preciso que a interação entre o campo específico da ação e estudo sobre a Educação Infantil as discussões educacionais mais amplas propiciem a atualização de todos os envolvidos nesse processo. Qualificar os profissionais implica instigá-los a se conhecerem e se aprofundarem num movimento permanente e sistemático de construção do conhecimento. As envolvidas nesse processo, pela própria condição de trabalho, não se percebem, muitas vezes, como profissionais. Quando chamadas educadoras, muitas se surpreendem e não conseguem entender no seu cotidiano as implicações e a importância da sua ação na formação das crianças. A tarefa de ensinante/aprendente e do aprendente/ensinante exige seriedade, preparo científico. Para Paulo Freire (1997, p 37), ensinar exige respeito aos saberes dos educandos, criticidade, pesquisa, estética e ética, risco, aceitação do novo, rejeição a qualquer discriminação, reflexão sobre a prática, reconhecimento e ascensão à identidade cultural, segurança, competência profissional, generosidade, comprometimento, autoridade, tomada consciente de decisão, disponibilidade para o diálogo, curiosidade, alegria, esperança, convicção que a mudança é possível e, entre outras coisas, querer bem aos alunos”. Freire (1995 p 92) aponta também a necessidade de respeitar a identidade cultural das educadoras, o que implica o reconhecimento da sua identidade de educador: Quem sou eu nesse processo? Qual meu papel? Onde deposito minhas esperanças? Que paixões me movem? E aqui entra as nossas questões enquanto formadoras, entre elas: Como romper com a visão de formação tão somente racional e técnica? Como lidar com a desesperança, o desalento, tão presentes entre as educadoras as nossa rede? Como pensar em uma formação pautada na reflexão sobre a prática? Como “incentivar” essas educadoras a buscarem, através da leitura, a prática que muitos teóricos falam em seus livros? E por que apesar de tantos investimentos na formação a prática pedagógica com as crianças está tão distante do discurso de seus educadores? Por que quanto mais se estuda sobre a infância e as crianças mais se afastam delas? Como romper com uma cultura ”escolar tradicional” na educação infantil? Enfim, o que é ser formadoras de educadoras? Nesse espaço, pudemos rever uma série de conceitos e preconceitos em relação ao trabalho decente e, principalmente, refletir sobre nosso próprio percurso, assumindo posicionamentos frente à escola e à educação. Freire (1997, p 35) nos faz compreender que não há educação sem engajamento político, sem compromisso ético, sem rebeldia, sem respeito às diferenças, sem amor pelos educandos, e é a partir dessa perspectiva, que temos conduzido a prática de formação continuada, desenvolvida com as educadoras da rede municipal, desafiando-nos a estudá-la, no sentido de compreendê-la. Além disso, buscamos, junto com estas, alternativas para o trabalho na construção de uma escola, que prime pela autonomia do seu corpo docente, das crianças e de suas famílias, da equipe de apoio, ou seja, uma escola para todos. Esse é um grande desafio, pois ao olhar para a prática de nossas educadoras temos que olhar para o nosso próprio fazer, uma vez que atuamos diretamente na sua formação, e somos portanto, produto e produtoras delas. Concordamos com Freire (1996, p.95) que sem a curiosidade não aprendo nem ensino e que exercer a curiosidade é um direito que todos temos. Nesse sentido acreditamos que os espaços de formação possam constituir-se em momentos onde os docentes sejam instigados em sua curiosidade, experimentando e saboreando o mundo, estabelecendo com o conhecimento uma outra relação não mais como algo exterior a si próprio, como mercadorias, e sim como algo que os atravessa, os transforma, algo conectado assim como a própria vida. Nas últimas décadas, o campo de estudos sobre a Educação Infantil vem delineando seus objetivos educacionais, ressignificando dessa forma seu compromisso social. De uma visão estritamente assistencialista, voltada apenas para as dimensões dos cuidados ou preparatória para o ensino fundamental, passa a assumir-se como instituição educacional, buscando integrar aqui o cuidar e o educar. Tais mudanças asseguradas inclusive na forma da lei LDBEN, nº 9394/963, trazem a necessidade de rever o perfil do profissional que atende crianças de 0 a 5 anos e, conseqüentemente a formação que deve ser oferecida ao mesmo. Assim, investimentos tanto na formação inicial dos educadores quanto na sua formação continuada tem sido realizados nas instâncias federal, estadual e municipal. Contudo, o que representa para as próprias educadoras tal investimento? Quais as repercussões na prática pedagógica? Em nossas experiências como formadoras de educadoras temos observado o abismo existente entre o discurso pedagógico e a prática. No caso da Educação Infantil, parece-nos que quanto mais se sabe sobre a criança e suas infâncias, mais distantes os adultos ficam dela. O mundo é pensado pelo adulto, para o adulto, ficando, portanto, as crianças submetidas a este “adultocentrismo”. “Com isto é negado a estas, aquilo que lhes é específico:” seu poder de imaginação, fantasia, criação” (Kramer 2000, p39), bem como o tempo necessário para atender suas necessidades, segue-se a lógica temporal do adulto: os espaços para brincar vão se tornando cada vez mais escassos; o currículo oferecido é descontextualizado da própria realidade, marcando um caráter pragmático, que estabelece uma relação com o conhecimento de forma fragmentada e utilitária. Nesse contexto, a Assessoria da Educação Infantil tem como objetivo principal oportunizar às educadoras das escolas infantis, a reflexão, a discussão e o desenvolvimento de estratégias que possibilitem conhecer e compreender o conceito de infância e de identidades sociais, bem como articular ações inseridas num currículo que conceba o conhecimento como uma construção dinâmica, a partir de novos suportes teóricos. De acordo com Dornelles (2005, p11), os estudos que viemos fazendo ao longo dos tempos em nosso país, acerca da infância e sua história, têm sido marcados pelo signo de uma infância muitas vezes atemporal, ingênua e dependente. Muitas destas significações de infância estão de forma tão naturalizada em todos nós, educadores e educadoras, pais, mães, de crianças pequenas, que somos impedidos de pensar problematizando os discursos que a produzem deste modo . Discursos que nos impõem uma generalização a tudo aquilo que significa ser infantil e nos impede de pensar nas muitas infâncias, nos muitos brasis-infantis que vêm sendo produzidos ao longo dos séculos. É desta forma que, antes de qualquer temática a ser desafiada as educadoras da rede, problematizamos o eixo central de todo nosso trabalho:a infância. Que infância é esta? Que representações temos dela? Nesse sentido, a proposta partiu dos estudos referentes à história da infância, desde a antigüidade até o século XXI, trazendo as contribuições de Áries (1981), mostrando que a visão que se tem da infância como fase distinta da idade adulta é uma construção social e histórica. Os momentos em que a criança aparecia, quando aparecia, se reservavam apenas a ser representada como um adulto em miniatura,. Segundo Áries, a criança não era diferenciada do adulto, participado de várias manifestações sociais da cultura deste. A relação com a comunidade, os espaços em que se encontrava manifestavam-se numa simetria entre adultos e crianças. Mais tarde surge o sentimento de paparicação, que mostra práticas que vem tornar as crianças dependentes dos adultos, preservando os primeiros anos de vida. Dornelles (2005), esclarece que no Brasil, este sentimento de paparicação mostra-se através do afeto dado às crianças pelas mães e amas negras. Simultaneamente os eclesiásticos, homens da lei e moralistas do século XVII não consideravam a criança como brinquedos encantadores, mas sim como frágeis criaturas de Deus e que, portanto, precisavam ser disciplinados. Aos poucos, a criança passa a ser capturada pelas instituições, surgindo o aparecimento de uma pedagogia centrada na vida e que respeita o desenvolvimento infantil. Com isso, Toda forma de atendimento às crianças, e não só à criança nobre,todo o controle e vigilância sobre elas,ou seja,todas as formas de governo dos infantis que se produziram a partir daí,se constituem em condições de possibilidade para institucionalização e escolarização massiva da infância no século XIX, transformando-a em uma criança razão.(DORNELLES, 2005 p. 33) A partir desse momento, a escola passa a ser o local de direito à educação e da aprendizagem das crianças, local apropriado para às práticas de educação. Nesse espaço são depositadas todas as tarefas: ensinar a ler, a escrever, preparálas para a vida, formar sua conduta e sua moral. Será que a escola está “olhando” as crianças para dar conta dessas tarefas? Ou melhor, essa tarefa é apenas da escola? Como este novo sentimento de infância foi influenciando a pedagogia? Surge assim, a proposta de, juntamente com os estudos, as educadoras da nossa rede trazerem para as discussões a concepção de criança contida na Proposta Político Pedagógica da sua escola, pois esta construção mostra como a mesma contempla ou não estas imagens encontradas no dia -a -dia . A concepção de infância nos traz uma visão de mundo, de homem, de educação e de sociedade. São preceitos que norteiam a proposta Político Pedagógica das instituições infantis, que se configura como um instrumento de apoio à organização da efetiva ação na escola. Nesse sentido, a escola é o lugar de concepção, realização e avaliação de seu projeto educativo, uma vez que necessita organizar seu trabalho pedagógico com base em seus alunos. Nesta perspectiva, é fundamental que ela assuma suas responsabilidades, sem esperar que as esferas administrativas superiores tomem essa iniciativa, mas que lhe dêem as condições necessárias para levá-la adiante. (VEIGA, 1998, p.11) Assim, diferentes concepções sobre infâncias foram sendo construídas ao longo da história. Concepções que tem influenciado nosso olhar sobre o ser criança. Concepções que coexistem ainda hoje nas diversas práticas educativas, revelando, em muitos momentos, atitudes contraditórias em relação às primeiras. Observando as representações trazidas pelas educadoras, suas falas, suas formas de agir, sua cultura, e respeitando principalmente a sua diversidade, buscamos abordar as múltiplas linguagens que constituem o universo infantil dentre as quais destacamos a ludicidade. O brincar é uma ótima forma de aprender, pois brincando ela desenvolve três pilares fundamentais: o psíquico, o motor e o cognitivo, que lhes garantirá um crescimento sadio. Utilizar o brincar como elemento pedagógico é de suma importância para os educadores, pois a criança se exterioriza e, nestas situações, ela estabelece uma relação significativa com os objetos dos quais dispõe e com as outras crianças. Wallon, psicólogo contemporâneo, nos diz que a criança, no ato de brincar, reproduz aquilo que vê, que sente ou que ouve em determinado tempo ou lugar. Reconhecemos que o ato de brincar está relacionado a prazeres e desprazeres, e que a criança, quando brinca, também explicita seus conflitos. Para Negrine (2002), a essência do simbolismo é a capacidade que o ser humano desenvolve para representar e imaginar, que é uma das poucas liberdades que efetivamente o ser humano tem. Brougére (2002), afirma que a brincadeira implica tomar decisões, mesmo simples, como a risada de um bebê sinalizando sua aprovação em relação à brincadeira da mãe. Decidir brincar é aceitar uma proposta, seja ela vinda de um parceiro, de uma brincadeira ou de um jogo com regras préestabelecidas. O mesmo nos diz Vygotsky (1991), quando o autor afirma que a brincadeira fornece ampla estrutura básica para mudanças das necessidades e da consciência, pois na brincadeira o educador, e as crianças ressignificam o que vivem e sentem. Não basta oferecer espaços físicos e materiais para que as crianças realizem seus jogos, é fundamental definir as pautas de intervenções pedagógicas para ajudar a criança a evoluir a partir da atividade lúdica. O trabalho sustentado na ação do brincar permite inferir, com base nas observações seletivas que são realizadas, que a capacidade de imitar sinaliza, de certa forma, os avanços da capacidade perceptiva e do desenvolvimento do pensamento, fundamentalmente das transformações dos processos mais elementares em processos superiores. Observar a criança brincar sem bases teóricas significa deixar escapar a essência do ato. Quando falta fundamento teórico, fica difícil para o educador compreender o que ocorre quando a criança brinca. Da mesma forma, podemos concluir que a observação descritiva vai legitimar todo o processo. Para Negrine (1998), a criança joga sempre, independente do local onde esteja. Segundo o autor, a criança quando joga segue uma trajetória e representa diferentes situações motrizes, explorando o universo simbólico que é construído a partir do seu meio sócio-cultural. Por acreditarmos que o brincar é a principal atividade da infância, desde 2005 a SMEC – CANOAS vem investindo na psicomotricidade como elemento determinante da ação pedagógica. Para nos situarmos melhor, falaremos um pouco sobre esta atividade que faz com que a criança conheça e compreenda seu corpo para controlar melhor seus movimentos, que é o meio pelo qual o indivíduo comunica-se e transforma o mundo que o rodeia. A Psicomotricidade Relacional usa como parâmetros o prazer do movimento e a comunicação como aspectos determinantes da ação pedagógica, onde as atividades lúdicas são elementos fundamentais nesta prática. Nas sessões que acontecem semanalmente e estão dentro das rotinas de sala de aula, as educadoras, objetivando a espontaneidade do gesto motor, oportunizam às crianças que se agrupem de forma aleatória, organizando o tempo para que elas verbalizem suas produções e falem de si mesmas, sendo estimuladora de toda a tentativa de superação de dificuldades por menor que possam ser, destacando as atividades simbólicas como forma de avançar nos processos de desenvolvimento e aprendizagem. O enfoque relacional desta prática psicomotriz educativa, concebe e realiza um espaço de liberdade e não de julgamentos, em que tensões psíquicas possam expressar-se e modificar-se na ação corporal. A psicomotricidade relacional é antes de tudo uma implicação pessoal, não é uma técnica limitada a aplicações específicas. Ela abre um vasto campo de experiências para tudo que concerne às relações humanas, às carências, às perturbações e dificuldades destas relações, às projeções inconscientes daí influentes na vida da criança e suas repercussões no equilíbrio da personalidade e na vida social. Para Negrine, Lapierre e Aucouturier, a prática psicomotriz segue uma linha relacional, onde o jogo é sempre a base utilizada como elemento pedagógico, o que difere muito, da vertente funcional, em que se prioriza a “família de exercícios” ou seja, o dualismo: o diagnóstico e o tratamento. Sendo assim, com a priorização do jogo nas vivências de psicomotricidade relacional, a criança terá a oportunidade de se exteriorizar através da ação, do jogo livre, trazendo consigo todos os tipos de sensação. Cabe salientar que a prática psicomotriz, na vertente relacional, exigirá sempre do educador muita dedicação e, segundo Lapierre a intervenção do psicomotricista é essencial, pois está convencido que só o contato físico do adulto com a criança não é o suficiente, e sim o que importa é a qualidade desse contato, seja para criar vínculos, seja para provocar a exteriorização ou para reafirmar regras. Aprender com as histórias infantis, aprender com as crianças, aprender sobre a infância: eis o nosso desafio enquanto educadoras. Outra linguagem que se destaca em nosso trabalho é a arte. A criança, desde cedo, sofre influência da cultura, seja por meio de materiais e suportes com que faz seus trabalhos, seja pelas imagens que observa na televisão e outros meios de comunicação. Por esses motivos pensamos que a imagem artística é imprescindível no ambiente escolar, especialmente na Educação Infantil porque a arte das crianças de dois a oito anos realmente parece ser espontânea, florescendo de fontes interiores de criatividade e contendo símbolos universais. Portanto, é compreensível que maior parte da nossa atenção deva centrar-se nesses estágios de desenvolvimento. (WILSON, WILSON, 2001, p.60), Kramer (2003), também defende que a formação dos educadores contemple sua formação cultural, onde haja momentos em que estes possam não só apreciar, mas também socializar suas experiências com a literatura, teatro, música, pintura etc, sendo essa formação parte do processo de tomada de consciência de si e de sua prática educativa. A arte de um modo geral, tem sido negligenciada nos nossos espaços escolares, pois para muitas educadoras ela nada produz, além do prazer que nos proporciona. Passando pelas nossas escolas, é possível observar, através do próprio espaço físico, a ausência dessa linguagem. Sendo assim, percebemos poucas ou nenhuma produção de artistas ou das próprias crianças nesses espaços. É comum a presença de desenhos mimeografados para que as crianças pintem, recortem, decorem, não permitindo a estas construírem suas próprias produções. O mundo atual caracteriza-se por uma utilização da visualidade em quantidades jamais vistas na história. A arte tem papel fundamental na educação, especialmente quando tratada como área de conhecimento essencial ao desenvolvimento do indivíduo. O contato e a integração que a criança tiver com obras de arte, imagens e mediações que fizer com o patrimônio artístico-cultural, tornarão seu olhar cada vez mais sensível para perceber a arte presente nas ruas, praças, na natureza, abrindo o caminho para a experiência estética, provocando novas formas de sentir, pensar, compreender, dizer e fazer, promovendo o encontro dos sujeitos com diferentes formas de expressão e de compreensão da vida, proporcionando um diálogo entre sua produção e a produção da humanidade. A arte é importante na sala de aula, principalmente pela sua relevância também fora dela, pelo fato de ser construída pelo homem através dos tempos. Pela linguagem da arte podemos vivenciar a emoção, a sensibilidade, o pensamento e a criação. As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem. Interessadas em brinquedos e bonecas, atraídas por contos de fadas, mitos e lendas, elas se aproximam mais do artista e do mágico. Elas atuam sobre os objetos diferentemente do adulto, libertando-os de sua obrigação de ser úteis. Nessas ações, vai se expressando uma experiência cultural na qual ela atribui significados diversos às coisas e aos fatos. A necessidade de entender e organizar o mundo é uma característica essencialmente humana, construída a partir de relações estabelecidas entre realidades internas e externas. O universo da arte caracteriza um tipo particular de conhecimento que o ser humano produz a partir de questionamentos fundamentais que desde sempre se faz com relação ao seu lugar no mundo. A manifestação artística tem em comum com o conhecimento científico, técnico ou filosófico o seu caráter de criação e inovação. O ato criador em qualquer dessas formas de conhecimento, estrutura e organiza o mundo respondendo aos seus desafios. Cassirer (apud PILLAR, 1996, p. 32) afirma que a arte se pode descrever como conhecimento, mas a arte é conhecimento de gênero peculiar e específico. A arte nos possibilita ir além do previsível, das respostas que já são esperadas, está sempre aberta a novas leituras, novos significados. Permite fruir, criar, construir nosso próprio jeito de olhar para as coisas do mundo. Nessa perspectiva, acreditamos que seja uma boa aliada em nossas buscas do significado de infância, no nosso (re) encontro com esta, com a poesia, com a nossa capacidade de sermos tocados, inquietados pelas coisas do mundo, encantando-nos com suas belezas, nos indignando com sua fealdade, injustiça, miséria, exclusão, desigualdade e exploração. Portanto, arte e ciência são produtos da imaginação criadora, compreendidas em suas distintas culturas, que se relacionam e se constroem ao longo da caminhada humana. A visão contemporânea do ensino de arte, relacionando esta, como objeto do saber, baseia-se na construção, na cognição, na elaboração, busca acrescentar à dimensão do fazer e da experimentação, a possibilidade de acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Manifesta-se, atualmente, uma necessidade de formular novos paradigmas que evitem a oposição entre arte e ciência, na compreensão da dimensão integral do ser humano. Para a compreensão desse conhecimento, é preciso desenvolver ações educativas em arte, que envolvam a produção, apreciação de formas artísticas, fruto da experiência humana, que caracterizam épocas, conquistas, quebra de paradigmas, oferecendo tempo e espaço adequados para experiências de reflexão sobre a arte como objeto a conhecer, situando o fazer artístico como fato presente, produzido pelo homem, ser racional e sensível que, ao mesmo tempo em que constrói seu percurso, constrói a si mesmo. Poderíamos dizer que a arte é uma possibilidade de exercitarmos nosso olhar, de construir um olhar sensível e pensante, que envolva a atenção, sintonia consigo mesmo e com os outros. Desse modo, não poderia a formação continuada constituir-se em um espaço para apurarmos o nosso olhar e ampliar nossas experiências estéticas? Qual a forma “de olhar” que temos construído nos diferentes espaços de formação? Como Madalena Freire (2003), defendemos que também as educadoras necessitam de um “outro”, um interlocutor que instigue o seu olhar, que atento aos seus movimentos, suas hipóteses, provoque-as em suas certezas, problematize sua pratica, e que, sem exigir imitação, ou intimidar, favoreça o encontro destes consigo e com sua maneira de ser, que possibilite a eles abrirem-se ao mundo, aventuraremse. Ao finalizar este artigo podemos dizer que, através do processo de educação continuada ampliamos as discussões a respeito das concepções de infância que circulam em nossa rede de ensino. Contudo precisamos vislumbrar que escola queremos para essas infâncias narradas através de nossos discursos. Citações: 1 – Coordenadoras da Assessoria da Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de Canoas – RS 2 – Utilizamos o termo no feminino, pois a maior parte do quadro docente é composto por mulheres. 3 – Aliás, podemos dizer que essas mudanças se deram muito mais no discurso que na prática. BIBLIOGRAFIA ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Guanabara RJ, 1981. ARROYO, Miguel G. Experiências de inovação educativa: o currículo na pratica da escola. In MOREIRA, Antonio F. (org). Currículo políticas e praticas. Papirus,1999. ____________.Ofício de mestre: imagens e auto-imagens.. 3 ed. Petrópolis , Vozes 2000. BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação Iochpe.1991. ____________. Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2001. BRASIL. Lei de Diretrizes a Bases da educação Nacional. Lei 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. BUORO, Anamelia Bueno. 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