Discurso do ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha, na conferência
"Portugal em Exame"
Aproxima-se a hora da verdade para a consolidação das nossas finanças
públicas.
Dentro de mais alguns dias, a Comissão Constâncio revelará a dimensão do
problema, apresentando o valor do défice implícito no Orçamento do Estado
para 2005.
Dias depois, será a vez do Governo apresentar ao País as medidas concretas,
primeiro no Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2009 e
depois no Orçamento Rectificativo.
A poucas semanas desse momento decisivo para os portugueses, para os
investidores internacionais e para os nossos parceiros da União Europeia, a
minha presença hoje aqui tem um objectivo: desmistificar três perigosas
falácias que poderão estar enraizadas nalguma opinião pública e
relacionadas com as finanças do Estado.
A primeira falácia é que o Pacto de Estabilidade e Crescimento morreu.
Desde que os Estados da União Europeia aprovaram as novas regras de
aplicação do PEC, muitos comentadores nacionais e estrangeiros se
prontificaram a enterrá-lo.
Ora na actual conjuntura, nada é mais falso e perigoso do que a ilusão da morte
do PEC.
A morte do PEC é falsa, porque não corresponde ao que foi aprovado, ou seja,
comentou-se sem estudar o que de facto foi acordado.
A ilusão da morte do Pacto é perigosa porque cria nos portugueses uma ideia de
facilidade, quando se mantém intacta a absoluta necessidade de sanear as
contas públicas.
A ilusão da morte do Pacto é perigosa porque as agências de rating sentem uma
obrigação acrescida, quiçá um excesso de zelo, na vigilância de países como
Portugal.
A ilusão da morte do PEC é também perigosa pelo impacto que pode ter no
ambiente económico e nos mercados financeiros, prejudicando o País, as
famílias e as empresas.
Para que fique claro, não descontando qualquer categoria de despesa pública, o
novo Pacto mantém obviamente intactos os valores de referência de 3% do
PIB e só mostra alguma compreensão para com défices marginalmente
acima desse valor.
Como no OE de 2005 o défice estará certamente muito para além dos 3%, não
se prevê grande margem adicional por parte do novo PEC.
Para o nosso caso, a única alteração relevante do Pacto é tempo. Temos mais
tempo para reduzir o défice, sem recurso a expedientes contabilísticos que
só minam a credibilidade do país e agravam o próprio problema orçamental
nos anos seguintes.
Mais tempo significa apenas que, se começarmos já a trabalhar nesse sentido,
poderemos evitar o recurso a medidas cegas e não sustentáveis a prazo.
O programa do Governo é claro quanto a este ponto: até ao final da legislatura,
cumpriremos o Pacto sem recurso a receitas extraordinárias.
Enquanto aguardamos pelos resultados da Comissão Constâncio, deixo-vos
uma ideia da dimensão do desafio.
Chegar ao final de 2008, com um défice abaixo dos 3% do PIB equivale a
preparar o sector público para viver com menos quatro mil milhões de euros.
É reduzir o défice sensivelmente em mais de 1% do Produto por ano!
A segunda falácia é que a consolidação das finanças públicas prejudica a
economia.
Desde 2001 que a economia estagnou e a confiança afundou-se, o desemprego
quase duplicou, o défice manteve-se insustentável e a dívida pública não
parou de subir.
Nos últimos quatro anos a taxa média de crescimento anual da nossa economia
ficou abaixo de 0,5% e a divergir da União Europeia.
E o mais grave é que isto sucede num quadro internacional e de políticas pouco
ou nada restritivas. Senão vejamos:
Não há crise internacional. A economia mundial em 2004 cresceu a 5% e o
comércio internacional a 10%. A economia europeia não acompanhou a
economia mundial, mas está longe da estagnação;
A política orçamental não tem sido restritiva quando os sucessivos défices ficam
acima dos 5% do PIB; mesmo se medida pelo défice estrutural a sua
restrictividade tem sido apenas marginal;
A política monetária do Banco Central Europeu é claramente expansionista.
Portugal goza hoje de excelentes condições de crédito e de taxas de juro
historicamente baixíssimas.
Ora isto é exactamente o oposto do que sucedeu em períodos recessivos
anteriores.
Nas recessões de 83-84 e de 93-94, as políticas monetária e orçamental foram
claramente contraccionistas e portanto pró-ciclicas. Apesar disso a retoma
fez-se através das exportações, seguida do investimento e só depois do
consumo privado.
Hoje, e com a consolidação orçamental por fazer, a economia portuguesa teima
em não descolar. A retoma iniciou-se pelo consumo privado, e não pelas
exportações, o que põe em causa, desde logo, a sua sustentabilidade.
Países como a Suécia ou a Irlanda tiveram processos duríssimos de
consolidação orçamental, mas poucos anos depois apresentavam-se como
algumas das economias mais competitivas.
A redução do défice público, seja pela receita seja pela despesa, não deixará de
ter um impacto imediato negativo de tipo keynesiano no crescimento. No
entanto, o aumento da confiança dos agentes e da credibilidade do país
certamente que terão um efeito positivo no ambiente dos investimentos e um
efeito expansionista para a economia. Sendo que a prazo este último efeito
positivo acabará por dominar.
É crucial que entendamos de forma definitiva que precisamos de reduzir o défice
para:
continuarmos a usufruir de baixas taxas de juro;
voltarmos a convergir com a União Europeia;
termos mais e melhor emprego.
Precisamos de reduzir o défice para garantirmos o Estado Social que os
Portugueses ambicionam e merecem.
A consolidação orçamental, num quadro de políticas económicas adequadas, é
condição necessária para a competitividade da economia, gerando confiança
e induzindo o crescimento.
A terceira falácia é que as soluções são apenas mais sacrifícios
A base da estratégia plurianual de consolidação orçamental desta legislatura é o
Programa de Estabilidade e Crescimento para 2005-2009.
O documento será apresentado à Assembleia da República e à Comissão
Europeia até ao final deste mês e é crucial para garantir a credibilidade de
Portugal junto dos investidores, dos mercados internacionais e dos nossos
parceiros da União Europeia.
Por esta razão as medidas exactas nele contidas serão apresentadas em
primeira mão noutro momento e na Assembleia da República.
De qualquer modo, face à grave situação de partida, a aceitação internacional
do Programa é crucial.
Neste contexto, o Programa de Estabilidade deverá ter três características.
1. A primeira, o Programa deve consistir num pacote integrado de medidas,
com uma calendarização de implementação concreta, articulada e
quantificada.
Assim se dará conta de forma transparente do plano de acção com vista à
prossecução de objectivos quantificados.
Como verdadeiro plano plurianual de política orçamental, terá diversos tipos de
medidas.
Medidas de efeito imediato;
Medidas aprovadas desde já, para ter em conta no Orçamento do Estado
para 2006;
Medidas mais estruturais ou com processos legislativos mais demorados,
que necessariamente levarão mais algum tempo a ter efeitos, mas que
imediatamente devem fazer parte do compromisso público e internacional.
2. A segunda característica é que o Programa deve ser “front-loaded”, ou seja,
concentrar o esforço em 2005 e 2006.
É essencial não adiar o esforço para o final da legislatura. A opinião pública,
os mercados e Bruxelas estão à espera que assim seja. As medidas
necessárias e que garantem a credibilidade e o compromisso de todo o
programa, terão que ser assumidas desde já, até porque muitas delas não
provocam efeitos imediatos.
3. A terceira característica do Programa é assentar na contenção da despesa
pública, com particular atenção à evolução dos custos de pessoal e
salvaguardando a sustentabilidade da segurança social.
No horizonte desta legislatura, como já referi na Assembleia da República,
não é realista pensar que se pode reduzir o défice sem um significativo
aumento da receita fiscal. Mas uma consolidação orçamental duradoura e
sustentável tem de se basear essencialmente na redução da despesa.
Note-se que há rubricas da despesa, que pela sua dimensão ou natureza são
menos relevantes neste processo: o consumo intermédio está abaixo dos
4% do PIB, os juros não atingem os 3% e o investimento rondará os 4,5%
do Produto.
As grandes rubricas da despesa são as despesas com pessoal, com 15% do
PIB, e as transferências correntes, nomeadamente a saúde e a segurança
social, com 22% do Produto.
À consolidação orçamental não pode escapar estas duas rubricas que
representam três quartos da despesa pública portuguesa.
Do lado da despesa, o Programa tem acima de tudo de:
- garantir a sustentabilidade de longo prazo da segurança social;
- reduzir a dimensão estrutural da administração pública, reformar a gestão
dos recursos humanos, promover a flexibilidade e premiar adequadamente
o mérito;
- criar incentivos para a melhoria da qualidade da despesa pública,
nomeadamente na saúde, no ensino ou no investimento.
Em conclusão, este programa de Estabilidade não é do ministro das
Finanças ou mesmo do Governo.
Deve ser de todos os portugueses para, definitivamente resolvermos a
situação orçamental de forma realista e determinada.
Enganem-se pois aqueles que pensam que as soluções são apenas mais
sacrifícios. Pelo contrário. Estas são as medidas necessárias para
manter a sustentabilidade das finanças públicas e garantir o
crescimento da economia. Só essa sustentabilidade e esse crescimento
podem garantir um Estado forte. E só um Estado forte pode garantir a
segurança e a protecção dos mais fracos.
Estou consciente das dificuldades e dos desafios, mas estou também
convicto de que este é o rumo certo com vista a uma participação plena
de Portugal no contexto de uma União Europeia alargada e mais
competitiva.
Luís Campos e Cunha
Ministro de Estado e das Finanças
11 de Maio de 2005
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Discurso do ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha