POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: ABORDAGENS TEÓRICAS PARA A COMPREENSÃO DA RELAÇÃO ESTADO/SOCIEDADE CIVIL NA PERSPECTIVA DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Vera Lúcia Martins1 Resumo: O trabalho apresenta, sinteticamente, a linha de raciocínio desenvolvida no período de 2000 a 2004, na disciplina de Política Social e Serviço Social I para se pensar a relação Estado/sociedade civil. Parte da compreensão da origem, papel e natureza do Estado moderno, sob a perspectiva de análise dos pensadores Hobbes, Locke, Rousseau, num primeiro momento. Num segundo momento, tem-se a discussão dessa relação a partir da compreensão de Marx e Gramsci. O objetivo, no presente trabalho, é indicar a fundamentação teórica que permite compreender, a partir da leitura desses autores, o surgimento do Estado moderno e a idéia do Estado mediador/civilizador em Hobbes, Locke e Rousseau. Essa compreensão visa também subsidiar a disciplina de Núcleo Temático Seguridade e a Política Social da Saúde, ministrada em 2005, como ponto de partida para a discussão da política social da saúde. O Estado possui uma natureza interventiva e a classe dominante (política e/ou economicamente) nunca prescindiu dessa intervenção. O que está em jogo é o grau de interferência do Estado a depender da conjuntura econômica, política e social do momento. As medidas de proteção social, generalizadas no pós Segunda Guerra Mundial, nos países avançados, sofrem retrocesso com a nova crise do capitalismo e com o fim da chamada guerra fria e a queda do muro de Berlim. Tem-se, portanto, do ponto de vista político e econômico, o terreno fértil para o reflorescimento das idéias liberais com o chamado neoliberalismo, recaindo, portanto, a crítica no chamado Estado mediador/interventor. Palavras-chave: Estado, sociedade civil, proteção social, formação profissional. INTRODUÇÃO 1 Assistente Social. Mestre em Serviço Social. Docente do Colegiado de Serviço Social da Unioeste/Campus de Toledo. Contato: (45) 3379-7051/99160681. E-mail: [email protected] A complexidade das relações sociais nas sociedades modernas, por vezes, dá a impressão de um distanciamento cada vez maior na relação Estado/sociedade civil como se o Estado se constituísse em um ente à parte da sociedade e como se as relações sociais não tivessem determinações mais amplas e estruturais. Assim, a compreensão das questões mais relevantes do pensamento político moderno, na relação Estado/sociedade civil, permite, com maior clareza, perceber que essa relação, na realidade, é entrelaçada. Essa clareza é fundamental para a formação profissional e para o exercício da cidadania numa sociedade cada vez complexificada. O ponto de partida para entender essa relação entrelaçada, dentro dos limites do presente trabalho, passa pela compreensão da natureza do Estado (moderno), seu papel e características. Nessa linha de raciocínio pode-se perceber que, mesmo para os defensores mais liberais do Estado, esse imbricamento entre Estado/sociedade civil sempre esteve presente. A questão é o quanto o Estado deve interferir na relação com a sociedade, sobretudo, na relação Estado/mercado. A forma para entender um pouco essa discussão caminha pela leitura de alguns pensadores clássicos (e liberais) do Estado moderno (Hobbes, Locke e Rousseau), procurando indicar não só o papel desse Estado, numa compreensão recortada, qual seja, sua natureza de Estado, mas também a idéia de um Estado mediador/interventor na sociedade. OBJETIVOS - Indicar a fundamentação teórica que permite compreender o surgimento do Estado moderno e a idéia do Estado mediador/civilizador em Hobbes, Locke e Rousseau. - Subsidiar a disciplina de Núcleo Temático Seguridade e a Política Social da Saúde, ministrada em 2005, como ponto de partida para a discussão da política social da saúde. METODOLOGIA A construção desse trabalho foi possível a partir da discussão realizada na disciplina Política Social e Serviço Social I, do atual Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social da Unioeste, ministrada no período de 2000 a 2004. No ano de 2005, a compreensão da relação Estado/sociedade civil subsidiou a construção do plano de ensino da disciplina Núcleo Temático Seguridade e a Política Social da Saúde, com ênfase na natureza interventiva do Estado, através de medidas de proteção social. Entender a ação do Estado pressupõe, primeiramente, conhecer essa instituição política, ou seja, o que é Estado (moderno)? Como surge? RESULTADOS A palavra Estado, indica, modernamente ... a maior organização política que a humanidade conhece; ela se refere quer ao complexo territorial e demográfico sobre o qual se exerce uma dominação (isto é, o poder político), quer à relação de coexistência e de coesão das leis e dos órgãos que dominam sobre esse complexo (GRUPPI apud Enciclopédia Treccani, 1980, p. 7). Portanto, uma “descrição externa do Estado ” envolve poder político, povo e território. Entende-se também por Estado “... o poder político organizado no interior da sociedade civil” (FERREIRA, 1993, p. 124). O Estado moderno é um Estado dotado de poder próprio, como afirma Gruppi. Sua autonomia não depende de nenhum outro poder, como por exemplo, o da igreja, na Idade Média. Esse Estado começa a nascer na “... segunda metade do século XV na França, Inglaterra e Espanha; posteriormente alastra-se por outros países europeus, entre o quais, muito mais tarde, a Itália” (GRUPPI, 1980, p.8). As características desse Estado (moderno) são: 1ª) a sua autonomia, ou seja, a sua plena soberania que não permite que sua autoridade dependa de nenhuma outra autoridade; 2ª) a distinção entre Estado e sociedade civil que vai evidenciar-se no século XVII na Inglaterra (sobretudo), com a ascensão da burguesia. O Estado passa a ser uma organização/instituição distinta da sociedade civil, mas também é expressão desta. 3ª) Na Idade Média, “O Estado medieval é propriedade do senhor, é um Estado patrimonial; é patrimônio do monarca, do marquês, do conde, do barão, etc.. O senhor é dono do território, bem como de tudo que nele se encontra (homens e bens); pode vendê-lo, dá-lo de presente, cedê-lo em qualquer momento, como se fosse uma área de caça reservada (GRUPPI, 1980, p. 9). No Estado moderno, ao contrário do Estado do período medieval, há uma clara identificação entre o Estado e o monarca, o qual representa a soberania estatal. O exemplo maior foi Luís XIV ao afirmar “o Estado sou eu”, significando a concentração absoluta do poder, mas também que ele próprio se identificava completamente no Estado. O entendimento da relação Estado/sociedade civil, construído ao longo da disciplina, como mencionado anteriormente, toma por base, num primeiro momento, os contratualistas2 Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), JeanJacques Rousseau (1712-1778), cujas teorias vão influenciar formas posteriores de Estado (absolutista, liberal, e de Bem-Estar Social), bem como dá base para se visualizar, na relação Estado/sociedade civil, a idéia de um Estado mediador/civilizador. Num segundo momento, na disciplina, o contraponto à compreensão de um Estado que surge a partir de um contrato, ou seja, à idéia de que os indivíduos num dado momento da história passam a viver em sociedade através de um acordo/contrato é feito através da análise crítica de Marx. O pensamento marxista sobre o surgimento do Estado e sua relação com a sociedade civil influenciará outras formas de Estado moderno como o socialista, numa visão de Estado como instrumento (Marx e Engels) e ampliado (Gramsci). Em Hobbes tem-se a compreensão e a defesa do chamado Estado absolutista. O Estado hobbesiano traria a realização máxima de uma sociedade civilizada e racional. O Estado, na pessoa do monarca, era entendido como um poder que deveria se colocar acima das individualidades para que pudesse garantir a segurança de todos. Logo, quanto mais soberano fosse o Estado mais humanos, portanto, racionais seriam os homens vivendo em sociedade. Com o Estado absolutista começa-se a operar a distinção entre o público e o privado, distanciandose essa forma de Estado das características feudais, mas que ainda resistiam no absolutismo. A noção de povo começa a fazer certo sentido. “O povo, é verdade, estava onde sempre esteve, bem longe do poder político. Mas, a partir do absolutismo, as políticas nacionais não poderiam mais ignorá-lo totalmente (FERREIRA, 1993, p. 130). O Estado liberal de Locke cria as condições favoráveis para o surgimento da sociedade burguesa e a implantação do mercado livre. A sociedade civil passa a ser sinônimo desse Estado, mas ainda há a necessidade de contornos mais nítidos entre o público e o privado para o desenvolvimento da sociedade burguesa. O Estado liberal 2 apresenta-se, então, como o desdobramento lógico da separação Contratualismo – “Em sentido muito amplo o Contratualismo compreende todas aquelas teorias políticas que vêem a origem da sociedade e o fundamento do poder político (chamado, quando em quando, potestas imperium, Governo, soberania, Estado) num contrato, isto é, um acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político” (DICIONÁRIO DE POLÍTICA, 2000, p. 272). público/privado, podendo ser, simultaneamente, representante do público e guardião do privado (FERREIRA, 1993). Há que se ressaltar o papel revolucionário da burguesia que, transformando a sociedade feudal da Europa, exigiu uma nova forma de Estado capaz de manter e ampliar as suas conquistas e a liberdade nas atividades econômicas o que significava restringir, mas não tirar por completo o poder político do Estado. O fundamento da burguesia para implantar o liberalismo econômico encontrava-se na teoria da mão invisível da obra As riquezas das nações de Adam Smith (1723-1790). Nesta obra, Adam Smith afirma existir “... uma lógica interna, uma razão própria, na produção das mercadorias” (FERREIRA, 1993, p. 131), pressupondo uma lógica natural no funcionamento das atividades econômicas. Qualquer intervenção externa (Estado) seria dispensável porque ao Estado liberal caberia zelar pela segurança de todos (interna e externa), protegendo os indivíduos contra medidas e atos que pudessem subverter seus direitos inalienáveis (direitos naturais): liberdade, igualdade, vida e propriedade (FERREIRA, 1993). Rousseau, considerado como sendo o último jusnaturalista3, influencia grandemente a Revolução Francesa firmada nos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, bem como no desenvolvimento do Estado liberal-democrático. Seu pensamento segue na direção de desenvolver uma teoria democrática (mas burguesa) de Estado no sentido de que a soberania pertence ao povo, à sociedade que nunca poderiam perdê-la. Para Rousseau, um povo/sociedade, não pode criar um Estado separado/distinto de si mesmo. A soberania está na assembléia e esta há que se constituir num órgão soberano, embora possa confiar a algumas pessoas, tarefas relativas à administração do Estado, mas podendo revogá-las a qualquer tempo. Para Rousseau a civilização destruiu a condição natural dos homens, pois entende que os indivíduos nascem livres e iguais. Segundo Gruppi, esse é um dos equívocos no pensamento de Rousseau porque ... os homens não nascem nem livres e nem iguais, só se tornam assim através de um processo político. Assim, Rousseau também acaba atribuindo a uma suposta condição natural aquilo que, pelo contrário, é uma conquista da história social, da ideologia (GRUPPI, 1980, p. 18). O elemento comum entre os contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau que merece destaque é a idéia de um Estado mediador/civilizador (BEHRING, apud 3 Teoria dos direitos naturais ou jusnaturalismo: o poder do Estado tem um limite externo: há o direito da vontade do príncipe (direito positivo), mas também há o direito que não é “proposto por vontade alguma, pertence ao indivíduo, a todos os indivíduos, chamado de direitos naturais que, preexistitndo ao Estado, dele não dependem, e, não dependendo do Estado, o Estado tem o dever de reconhecê-los e garanti-los integralmente” (BOBBIO, 1969, p. 15-16). Carnoy, 2000) na relação estado de natureza/estado civil. Ou seja, entre a escolha de se viver num estado de natureza com suas paixões, seus desejos materiais insaciáveis ou ainda ou a renúncia à liberdade e à igualdade, da condição natural, é preferível colocar-se seja na liberdade do Estado (Locke); ou sob o jugo/servidão no Estado (Hobbes); ou na liberdade no Estado (Rousseau) (BOBBIO, 1969). Em Marx e Gramsci tem-se a compreensão do Estado como instrumento (Marx) e ampliado (Gramsci) que pressupõe uma visão crítica da concepção burguesa de Estado, da democracia burguesa ou do liberalismo. Esta crítica, conforme Gruppi (1980), deve ser buscada já a partir do final da Revolução Francesa com a crítica do comunismo utópico: a liberdade e a igualdade pregadas pela revolução não eram, de fato, universais, mas só para o setor economicamente dominante - a burguesia -. Marx percebe a verdadeira relação entre a sociedade civil - o conjunto das relações econômicas - e a sociedade política - o Estado – e evidencia a relação de entrelaçamento entre estas sociedades, contrariamente do que pensavam os liberais, mostrando que uma é expressão da outra. O Estado é a expressão da sociedade civil, ou seja, das relações de produção instaladas dentro dessa sociedade. Para Marx, o ponto de divergência está na compreensão de que ... não é o Estado que funda a sociedade civil, que absorve em si a sociedade civil, como afirmava Hegel; pelo contrário, é a sociedade civil, entendida como o conjunto das relações econômicas (essa relações econômicas são justamente a anatomia da sociedade civil), que explica o surgimento do Estado, seu caráter, a natureza de suas leis, e assim por diante (GRUPPI, 1980, p. 27). Em Marx, a extinção do Estado e a liberdade do homem estão no entendimento de que, no comunismo, o proletariado ao se constituir em classe dominante destrói as relações de produção burguesa, a propriedade privada, que é a condição para a existência da divisão de classes e socializa os meios de produção. Destruindo as condições de existência da sociedade dividida em classes, e de seus antagonismos, chega-se à sociedade sem classes e, portanto, sem Estado. Na sociedade sem classes, até mesmo o poder da classe operária será eliminado, pois não será mais necessário. Toda a sociedade será um conjunto de trabalhadores, logo, não haverá nem mesmo a classe operária porque todos serão livres e iguais. Essa igualdade social, no entanto, só pode ser efetivada quando houver a igualdade econômico-social, ao contrário, será apenas uma igualdade jurídica. A igualdade social é a condição para a existência da ampla liberdade do homem. No pensamento de Gramsci tem-se uma reflexão sobre o Estado burguês italiano e não sobre o Estado de modo geral. Gramsci trabalha com a concepção da existência de um Estado enquanto instrumento de classe, tal como em Marx, mas ao analisar as sociedades capitalistas de sua época, entende que nas sociedades mais desenvolvidas é possível, na relação Estado/sociedade civil, democratizar as estruturas do Estado, isto é, absorver o Estado, torná-lo mais amplo/democrático através da participação da sociedade civil. ... se a noção de Estado aparece no pensamento de Marx a partir de uma abordagem mais restrita, isso não minimiza a importância de sua teorização, uma vez que residem nesta, as raízes que fundamentam o debate sobre a compreensão do Estado na perspectiva marxista. A abordagem de Marx está relacionada tanto ao desenvolvimento do modo de produção, quanto à formação econômico-social capitalista do período em que viveu. A dinâmica do desenvolvimento histórico-ontológico e a introdução de novas determinações na esfera do social (e, em particular, na esfera do político) tornaram necessárias, contudo, a superação dialética de uma concepção restrita de Estado e a formulação de novos conceitos que dessem conta das exigências evidenciadas no movimento do real (SIMIONATTO apud Coutinho, 1999, p. 63). Ainda, as análises de Marx tomam por base um período de “reduzidas possibilidades de participação política do proletariado nascente” (SIMINONATTO, 1999, p. 63), pós-Revolução Francesa. A compreensão do Estado restrito correspondia à existência do real porque o Estado moderno “não explicitara plenamente suas múltiplas determinações” (SIMIONATTO apud Coutinho, 1999, p. 64). No Ocidente de Gramsci, a situação era outra, haja vista a existência dos grandes partidos de massa e dos grandes sindicatos. No período histórico vivido por Gramsci, contrariamente ao de Marx e Engels, estava em cena ... novas relações sociais que deixam entrever uma crescente socialização da política e, conseqüentemente, permitem visualizar a ampliação do fenômeno estatal. Gramsci percebe que, na sociedade capitalista moderna, o Estado se ampliou e os problemas relativos ao poder se complexificaram na trama da sociedade, fazendo emergir uma nova esfera social que é a “sociedade civil”. Ou seja, “a esfera política ‘restrita’ (...) cede progressivamente lugar a uma nova esfera pública ‘ampliada’, caracterizada pelo protagonismo político de amplas e crescentes organizações de massa (SIMIONATTO, apud Coutinho, 1999, p. 64-65). Portanto, a partir da compreensão de Gramsci da “crescente socialização da política” é que surge a teoria marxista do Estado ampliado. “Se Marx preocupou-se em apontar o caráter de classe do Estado, Gramsci buscou desvendar as mediações que esclarecem essa dominação” (SIMIONATTO, 1999, p. 71). O desdobramento lógico da compreensão marxista de Estado resultaria na forma comunista de Estado que, para Marx, o fim último seria a extinção do Estado e a liberdade do homem, portanto, uma sociedade sem classes. No que concerne ao entendimento da idéia do Estado mediador/civilizador na relação com a sociedade civil ... Se, para os pensadores do período de fundação do Estado moderno, este era o mediador civilizador - idéia resgatada pelas perspectivas que preconizaram, no século XX, um Estado intervencionista -, para o pensamento liberal emergente, era um mal necessário (BEHRING apud BOBBIO, 2000, p. 23). Mas que cenário fazia parte do final do século XIX e início do século XX? Que acontecimentos políticos e econômicos colocaram em evidência o enfraquecimento das bases do liberalismo clássico? De um lado, nos ... primórdios do liberalismo no século XIX, existia um claro componente transformador nessa maneira de pensar a economia e a sociedade: tratavase de romper com as amarras parasitárias da aristocracia e do clero, do Estado absoluto, com seu poder discricionário. O cenário de uma burguesia já hegemônica do ponto de vista econômico, mas não consolidada como classe politicamente dominante, propicia o anti-estatismo radical presente no pensamento de um Adam Smith e sua ode ao mercado como mecanismo natural de regulação das relações sociais, cinicamente recuperados pelos neoliberais de hoje, num contexto muito diferente (BEHRING, 2000, p. 23). Por outro lado, os acontecimentos do início do século XX evidenciaram os limites do mercado se deixado à sua mercê: do ponto de vista econômico a crise do capitalismo de 1929, que desagregou mundialmente todos os níveis de produção; do ponto de vista político, a ameaça do avanço do comunismo a partir da Revolução Russa de 1917. Para além desses acontecimentos, as duas grandes guerras mundiais também deixaram claro que a “... concorrência intercapitalista feroz entre grandes empresas de base nacional ultrapassou as fronteiras e se transformou em confronto aberto e bárbaro...” (BEHRING, 2000, p. 25). Assim, tem-se o cenário propício para o retorno à idéia do Estado mediador/civilizador que levou John Maynard Keynes (1983) a afirmar que, ... diante do animal spirit dos empresários, com sua visão de curtíssimo prazo, o Estado tem legitimidade para intervir por meio de um conjunto de medidas econômicas e sociais, tendo em vista gerar demanda efetiva, ou seja, disponibilizar meios de pagamento e dar garantias ao investimento, inclusive contraindo déficit público, tendo em vista controlar as flutuações da economia. Nessa intervenção global, cabe também o incremento das políticas sociais (BEHRING, 2000, p. 26). Esses, conforme Behring, foram os pilares para o desenvolvimento do capitalismo depois da Segunda Guerra Mundial que, na lógica do keynisianismo e do pacto fordista, criou-se a “possibilidade político-econômica e histórica do welfare state. Tratava-se do retorno do mediador civilizador” (2000, p.26). CONCLUSÃO A incursão por esses teóricos para se pensar a origem, o papel e a natureza do Estado moderno e a sua relação com a sociedade civil permite levantar as seguintes considerações, que não são finais posto que se tratam apenas de um recorte na leitura da questão: - a origem do Estado, seja qualquer tipo de Estado, numa compreensão crítica, não está num contrato/pacto, uma vez que toda sociedade, historicamente, expressa determinadas formas de desigualdades sociais, dependendo da forma como se apropria do poder político e econômico. Portanto, o Estado surge das relações sociais estabelecidas no interior da cada sociedade. - O Estado garante a manutenção de determinados interesses (de classe) que, dependendo do fortalecimento das instituições políticas de cada sociedade/povo, será mais ou menos democrático. - O Estado possui uma natureza interventiva e a classe dominante (política e/ou economicamente) nunca prescindiu dessa intervenção. O que está em jogo é o grau de interferência do Estado a depender da conjuntura econômica, política e social do momento. - As medidas de proteção social, generalizadas no pós Segunda Guerra Mundial, nos países avançados, já no final da década de 70 do século XX, sofrem retrocesso com a nova crise do capitalismo (crise do petróleo em 1979) e com o fim da chamada guerra fria e a queda do muro de Berlim. Tem-se, portanto, do ponto de vista político e econômico, o terreno fértil para o reflorescimento das idéias liberais com o chamado neoliberalismo. Esses são alguns apontamentos que permitem, no limite das discussões estabelecidas em sala de aula, entender a relação Estado/sociedade civil. BIBLIOGRAFIA BEHRING, E. R. Principais abordagens teóricas da política social e da cidadania. In: Capacitação em serviço social e política social, módulo 3. Brasília: UnB, Centro de Educação Aberta, Continuada a Distância, 2000. BOBBIO, N. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Brasília: UnB, 1969. DICIONÁRIO DE POLÍTICA. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Brasília: UnB: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, vol. 1, 2000. FERREIRA, P. R. Política e sociedade: as formas de Estado. In: TOMAZI, N. D. (org.). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 1993. GRUPPI, L. Tudo começou com Maquiavel: as concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci, Rio Grande do Sul: Ed. Porto Alegre, 1980. SIMIONATTO, I. GRAMSCI: sua teoria, incidência no Brasil, influência no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1999. WEFFORT, F. C. (org.). Os clássicos da política, v. 1. São Paulo: Atual, 2002.