GESTRA - Gestão de Trabalhos para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Volume 2, 2012.
ISSN 2176-8994
A escrita enquanto instrumento de leitura - Luciene Feitosa da Silva Goveia , Wilton James Bernardo-Santos
A escrita enquanto instrumento de leitura
Luciene Feitosa da Silva Goveia1
Wilton James Bernardo-Santos2
Resumo
Preocupado com a formação docente e com a realidade do ensino no tocante à produção do conhecimento, de modo sucinto, o trabalho questiona o que está oficialmente
proposto para o ensino da língua materna em termos de estudos de linguagens e outros
códigos não verbais. A partir do Modelo Clássico de Exposição de Estudos (MCEE), da
categoria região-território e da noção de autoria, procura privilegiar as especificidades
da escrita enquanto bases clássicas indispensáveis para a produção do conhecimento.
É resultado de reflexões preliminares no âmbito da Iniciação à Docência (Pibid 2011).
Palavras-chave: Escrita. ensino. formação docente.
Introdução
O trabalho vem das práticas docentes do Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência/PIBID 2011-2013, no projeto do Departamento de Letras Vernáculas: Escrita e Autoria: o jornal em sala de aula, que tem como propósito articular uma
teoria da escrita a categorias teórico-metodológicas específicas para a mobilização do
tratamento adequado de materiais para as aulas de leitura/escrita. O ponto de partida
é a inserção de variados textos de não ficção do jornalismo impresso e digital em tais
aulas. O trabalho está articulado à Iniciação Cientifica abrigado em um projeto mais
amplo: A escrita acadêmica na produção do conhecimento científico: laboratório de
materiais para o ensino.
Com um percurso teórico próprio, envolvendo língua, linguagem, enunciação e
discurso, o princípio básico do trabalho é domínio do texto pela espacialidade já que nos
colocamos diante de um artefato tecnológico visual, a escrita (AUROUX, 1992; 1998).
Dessa forma, consideramos que o domínio territorial abre caminho para a constituição
da autoria a partir da leitura instrumentalizada pela escrita. Além disso, consideramos
a documentação como método de trabalho (SEVERINO, 2000), o Modelo Clássico de
1
Graduanda – UFS
2
Prof. Dr. – UFS
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Exposição de Estudos, a categoria região/território e a noção de autoria (BERNARDOSANTOS, 2008; 2011) que contemplam os procedimentos para as práticas de leitura/
escritura desenvolvidas laboratorialmente nas reuniões regulares do projeto.
O trabalho segue os preceitos da pesquisa-ação. Ou seja, o objeto da análise são
os processos próprios das práticas de leitura e escrita. Nessa perspectiva, detectamos
problemas, refletimos para apontar soluções e esboçamos intervenções. Inicialmente,
a pesquisa não tem a pretensão de modificar contextos mais gerais. Antes, priorizamos
instâncias singulares, situações específicas observadas, procurando articulá-las às
propostas oficiais de ensino: Lei de Diretrizes e Bases (1996), Parâmetros Curriculares
Nacionais (1998), PCNEM (2000).
É exatamente nessa abordagem das formas da pesquisa-ação que se concentra
o perfil profissional para o docente-iniciante, contemplando as relações que envolvem
teoria e prática. Essa abordagem tem possibilitado ao docente-iniciante desempenhar
um papel ativo enquanto pesquisador, preocupado não somente em esclarecer os problemas da situação observada, mas, principalmente em tentar equacioná-los.
Essa breve apresentação quer então promover uma reflexão preliminar sobre
instrumentalização adequada à constituição do sujeito leitor/escritor durante a formação na Educação Básica.
1. Dos documentos oficiais à sala de aula
A de Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB, Lei n 9394/96, que rege o
sistema educacional brasileiro ao elencar as finalidades do Ensino Médio, como é sabido, nos diz do “desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” do
educando, e do “conhecimento das formas contemporâneas de linguagem”.
Os objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa
(1998) nos dizem da necessidade de se integrar ao processo pedagógico a tripartição
do ensino de Língua Portuguesa: leitura, análise linguística e produção textual. Assim,
apontam para a formação de leitores “competentes” e escritores capazes de produzir
textos adequados a variados eventos comunicativos orais e escritos. Em resumo:
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de
construção de significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo que se sabe sobre a
língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita etc.
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O texto, nesse caso, é posto como unidade/objeto de ensino e a linguagem é
instrumento de transformação do indivíduo e, por conseguinte, de transformação social. Por outro lado, os PCN também dão ênfase ao fato de que os maiores desafios da
escola dizem respeito ao descompasso existente entre desenvolvimento das práticas
sociais e as escolares, uma vez que, “atualmente, exigem-se níveis de leitura e de
escrita diferentes dos que satisfazem as demandas sociais até bem pouco tempo — e
tudo indica essa exigência tende a ser crescente” (p. 23).
Bem, nada disso parece de fácil alcance. Temos 15 anos dessa proposta curricular e as avaliações trazem resultados pouco animadores. De forma que esse percurso
nos leva a uma reflexão a respeito do que realmente é “básico”, é “fundamental” para
uma formação adequada ao ingresso no mundo acadêmico universitário. E, por outro
lado, nos mesmos termos, também nos leva a recolocar a reflexão sobre o que é decisivo para a formação na licenciatura em Letras/língua materna.
Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio/PCNEM
(2000) nos dizem que:
A utilização dos códigos que dão suporte às linguagens não visa apenas
ao domínio técnico, mas principalmente à competência de desempenho,
ao saber usar as linguagens em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os interlocutores ou públicos (p. 105).
Esse não “não apenas..., mas” que muito aparece nesses documentos tem um
efeito discursivo próprio da posição política que aí se constitui. Nesse sentido, o que
significa então o domínio técnico dos “códigos que dão suporte às linguagens”? Essa
“competência de desempenho”, esse “saber usar a linguagem” não abre caminho para
a constituição do sujeito do ensino no âmbito da representação no sentido do “artificialismo cênico”? Parece-nos providencial darmos um passo atrás, posto que, a nosso ver,
a famigerada “competência” deve ser antes analítico-instrumental. O sujeito acadêmico
deve ser para a produção de conhecimento, não para uma representação dessa ordem
que assim não se configura enquanto autoral.3
Na Matriz de Referência para o ensino da Língua Portuguesa proposta pelo MEC,
no “Tópico II — Implicações do suporte, do gênero e/ ou enunciador na compreensão
do texto”, os sentidos deslizam para os chamados códigos não verbais. O tópico:
Requer dos alunos duas competências básicas, a saber: a interpretação
de textos que conjugam duas linguagens – a verbal e a não verbal – e
o reconhecimento da finalidade do texto por meio da identificação dos
Estamos preparando um estudo acerca desse problema. O ponto de vista são as condições sócio-históricas de
produção.
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diferentes gêneros textuais.4
A nosso ver, a questão decisiva relativamente à leitura e à escrita para o ingresso
no mundo acadêmico universitário reside no fato desse deslizamento para outros códigos. Ora, em que medida a formação para as licenciaturas em Letras municia o professor para lidar com variadas linguagens? Isso só seria possível a partir da inserção de
diferentes semióticas em nossos currículos.
A partir desse sumário percurso, parece haver uma lacuna entre a formação teórica à prática em sala de aula a partir das propostas apresentadas pelos documentos
oficiais, ou ainda pior, que os objetivos e as proposições apresentadas não são levados
em consideração na Educação Básica. Dessa forma, é evidente que os resultados obtidos pela instituição escolar nos testes promovidos pelo Sistema Nacional de Educação
Básica (SAEB) refletem um processo de ensino-aprendizagem “deficitário”, em todas as
séries do Ensino Básico que chega ao Ensino Superior.
Diante de tantas contradições, não é razoável considerarmos que a produção
do conhecimento na universidade se dá em bases tradicionais, preponderantemente a
escrita. Nesse sentido, o “básico” da educação, o “fundamental” é a clássica interface
oralidade/escrita. Não é razoável então investirmos no que temos de produtivo em suas
diferenças já que:
O problema da leitura e da escrita não é de ordem linguístico-normativa
[...] o problema decorre da falta de compreensão das especificidades da
escrita. A capacidade de aprender, a autonomia intelectual e o pensamento crítico só são possíveis se, somente se, houver compreensão das
especificidades da escrita enquanto instrumento para construir leituras e
escrituras (BERNARDO-SANTOS, 2011, p. 3).
Nessa direção, faz-se necessário viabilizar práticas de leitura e escritura que
afetem o Ensino Básico e assim atendam às demandas técnicas indispensáveis na
formação acadêmica geral. A questão é mobilizarmos reflexões teórico-metodológicas
específicas para tais práticas nas licenciaturas, destacando a relevância prática do
conhecimento histórico pela reflexão sobre língua e linguagem; enunciação e discurso. Um percurso capaz de conduzir o leitor/escritor a “autonomia intelectual”, a autoria
enquanto domínio de um dado espaço-gráfico e domínio de articulações com outros
espaços.
4
Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/saeb/matrizes/topicos_descritores_port.htm>.
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2. O sujeito leitor/escritor nos domínios da espacialidade
Precisamos então levar em consideração práticas de leitura que priorizem as
especificidades da escrita, tais como: espacialidade, bidimensionalidade (AUROUX,
1992; 1998). O leitor que não considera as especificidades da escrita se distancia de
aspectos decisivos para a compreensão do que é proposto pelo autor e, mais ainda,
desconsidera fatos que correm à revelia das vontades autorais, ou seja, é um leitor que
não tem nem a ilusão do domínio racionalizado do texto.
Para AUROUX (1992), o surgimento da escrita é considerado como uma das
maiores revoluções tecno-linguísticas. Foi a “alavanca impulsionadora” para o surgimento de várias reflexões sobre a linguagem, proporcionando o conhecimento de outras línguas, outras culturas etc. O saber metalinguístico de natureza prática se bifurca
em três domínios: o domínio da enunciação, o domínio das línguas e domínio da escrita.
De forma que “os domínios dão lugar à constituição de técnicas, isto é, de práticas codificadas que permitem obter, a cada momento (existência de regras), ou, mais frequentemente, um resultado desejado” (p. 18).
Assim, os domínios mencionados, remetem ao domínio de espaço/território e estão atrelados ao jugo da constituição de técnicas e regras com o propósito da obtenção
de resultados. É nessa direção que operamos com a categoria região/território como
dispositivo metodológico nas práticas de leitura/escritura; propomos levar em consideração o quadro do Modelo Clássico de Exposição de Estudos/MCEE (BERNARDOSANTOS, 2008; 2011).
Ordem Gráfica5 (Modelo Clássico de Exposição de Estudos)
┌----------------- Regiões de peças periféricas ----------------┐
↓
↓
↓
Regiões de peças centrais
↓
A
B
C
D
Capa, apresentações,
Introdução,
Descrições do objeto,
Anexos, posfácios,
Prefácios, notas, etc.
Capítulos teóricos.
Capítulos analíticos.
Índices, bibliografias.
Embora o modelo acima retrate a hierarquização de espaços fronteiriços de um
livro, textos menores e menos formalmente marcados também se apresentam de diferentes modos por essa mesma disposição estruturante. Diante dessa ordenação gráfi Dada sua relevância prática, temos divulgado o modelo em diversos artigos que com diferentes interesses
tocam a escrita em sua especificidade.
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ca, dizemos, por exemplo, que “a região introdutória não é o texto”. Ela conduz o leitor à
região central que é o lócus regulado que traz a análise direta; é o contato frontal com
objeto do estudo. Quanto à região conclusiva, é o espaço gráfico que prepara o leitor
para a saída. Na verdade, o modelo traz apenas um efeito de unidade.
Sendo assim, tal como o objeto da análise é decomposto em um trabalho anterior à textualização, a relação com a materialidade empírica ocorre no processo de
decomposição do objeto/texto global. Inicialmente, apropriamo-nos de grandes regiões,
ou melhor, demarcamos e apreendemos os sentidos em circulação entre as regiões:
introdutória, central e conclusiva, para que em seguida possamos articular a particularidades locais e, assim, abrir caminho para a compreensão das dimensões da língua
(gem), enunciação e discurso. Nesse caso, ler torna-se um constante movimento de ir
e vir, em que o leitor recorre inúmeras vezes à composição inicial, re-configurando-se
em uma posição deslocada.
Esses percursos trazem compreensões mais consistentes, voltadas para o efeito
de racionalização próprio do espaço gráfico-enunciativo.
Empiricamente, a análise é o conjunto de aspectos gerais, observações
particulares e exames específicos das regiões, microrregiões, zonas e
áreas do volume. Esse processo, nessa dispersão já nos coloca nos
caminhos da autoria da leitura. Isso porque o estudo da configuração
global, tendo em vista o exame de cada localidade, coloca-nos em condições de re-configurar a espacialidade. E é precisamente nesse ponto de
reconfiguração que a autoria da leitura já se coloca em outra condição:
autoria e escritura (BERNARDO-SANTOS, 2011, p. 12).
Como lugar onde o sujeito é marcado enquanto função-autor, a escrita deve ser
então compreendida nas práticas efetivas de leitura/escritura bem alicerçadas. O propósito é fazer com que os alunos compreendam que o processo é sempre próprio da
constituição da autoria. Por exemplo, o lugar em que acontece uma mudança de posição relativamente aos outros lugares daquela escrita. O que uma posição diz da outra.
Um leitor instrumentalizado tende a compreender como se processa essa ordenação gráfica, trafegando em diferentes regiões, sem perder de vista a relação de
sentidos que se estabelece entre elas. “Diante de um texto, seja qual for sua dimensão,
devemos reconhecer em sua materialidade relações de sentidos deslizando entre regiões e em cada uma delas temos posições específicas.” BERNARDO-SANTOS (2011, p.
11), Assim, ao transitarmos por entre as regiões do escrito, levamos em consideração
a construção da posição autoral, os propósitos comunicativos daquele que escreve e,
também, o que não é proposto, mas significa o sujeito.
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Ao compreendermos o texto enquanto espacialidade que se apresenta dividida
por regiões, microrregiões e zonas, o docente está abrindo a possibilidade do aluno/
leitor transitar por um espaço gráfico-visual. Ao trafegar por entre as regiões, ele considera as relações de sentidos deslizando entre enunciados, parágrafos etc. Nessa
perspectiva, o aluno/leitor se esforça para a compreensão do processamento da textualidade de forma racional, consciente, seguindo o que é proposto pela linearidade
gráfica para dela deslocado, compreendê-la na condição de objeto da análise.
*
0.Para finalizar essa breve apresentação, trazemos dois exemplos para significar
o peso da escrita enquanto instrumento decisivo na formação do sujeito leitor/
escritor. No âmbito do projeto Escrita e autoria: o jornal em sala de aula, o próprio
artefato impresso, o jornal é objeto privilegiado para mobilização dessas práticas.
O objetivo da primeira etapa de trabalho é a produção de resumos enquanto um
escrito que documenta a leitura; documenta o domínio do texto enquanto tal, evitando assumir sobre ele uma posição crítica, avaliativa etc. As questões são o
como e o que traz o texto?
1.Para que se chegue a esse ponto, é importante que recompreendamos a clássica
preparação do texto para análise. Assim, o primeiro passo a ser considerado são
as demarcações gráficas do texto: a numeração das páginas, das linhas e alfabetação dos parágrafos. Esse procedimento inicial tem como propósito não apenas
a identificação e acessibilidade rápida durante o manuseio/análise do texto, mas
para que fique marcado no sujeito/aluno o fato de que todo o processo de “leitura
interessada” tem a escrita como instrumento de trabalho que dá acesso à compreensão das relações de sentido.
2.Outro exemplo. Pouco se explora a função do título. Muitas vezes, na própria
universidade, nos deparamos com o esforço do aluno para a compreensão do
que é central no texto. Em um modelo clássico, os títulos estão ali exercendo
essa função instrumental, ou seja, colocando em funcionamento um processo
de reescrituração, “procedimentos pelos quais a enunciação de um texto rediz
insistentemente o que já foi dito” (GUIMARÃES, 2005, p. 28).
Considerações finais
A atividade de escrita “constitui-se, na maioria das vezes, em escrita-cópia,
escrita-norma e, por isso configura-se também como escrita-castigo” (RODRIGUES,
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2011, p. 15). A escrita reconhecida do ponto de vista da escola é para a “obtenção de
nota”, não para a produção de conhecimento. Quando a escrita ocorre dessa forma, o
sujeito não consegue vislumbrar suas dimensões sociais e históricas. Assim, a produção escrita exterior à escola não é reconhecida enquanto tal.
Dessa forma, há um empobrecimento do real significativo das práticas de leitura/escrita na escola. Suas atividades não reflexivas e desconectadas da vida prática
impossibilitam o desenvolvimento autônomo da produção. Somente quando levarmos
em consideração a escrita enquanto artefato tecnológico é que proporcionaremos aos
discentes a capacidade de transformar realidades.
Desse modo, o aluno precisa ser informado sobre as especificidades da escrita. Uma vez de posse dessas informações, precisa ser responsabilizado pelo que diz/
escreve. Mas antes de delegar essa tarefa, a escola precisa desenvolver ou permitir o
reconhecimento do protagonismo do sujeito da leitura/escritura.
Bibliografia
AROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução: Eni Puccinelli Orlandi.2 ed. – Campinas, 2009.
. FILOSOFIA DA LINGUAGEM. Tradução: José Horta Nunes. Ed.da Unicamp. –
Campinas, 1998.
BERNARDOS-SANTOS, W. J. “Poética de Interfaces (I): A escrita em notas práticas
para uma reflexão sobre autoria no ensino.” In mimeo: São Cristóvão, SE, Ed. UFS,
2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais (1ª a 4 série): Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2000.
. Ministério da Educação. Secretaria de Educação do Ensino Médio.
Parâmetros Curriculares Nacionais (5 a 8 série): Língua Portuguesa. Brasília MEC,
1998.
GUIMARÃES, E. Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo da designação.
Campinas, SP: Pontes, 2ª edição, 2005.
RODRIGUES, A. Escrita e autoria: entre histórias, memórias e descobertas. Campinas,
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SP: Mercado das Letras, 2011.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 21ª ed. rev. e ampl. São Paulo, SP,
2000.
L9394. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 30
set. 2012.
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