GESTRA - Gestão de Trabalhos para o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias. Volume 1, 2009.
ISSN 2176-8994
Toponímia em Sergipe: Concepção de textos para o ensino da língua portuguesa - Vitória Eugênia Oliveira Pereira, Wilton James BernardoSantos
Toponímia em Sergipe:
Concepção de textos para o ensino da língua portuguesa
Vitória Eugênia Oliveira Pereira1
Wilton James Bernardo-Santos2
Resumo
Da comparação entre as propostas dos PCN (1997) e a realidade prática dos materiais
didáticos, esse trabalho tem como objetivo tratar diferentes materiais para o ensino de
língua portuguesa em Sergipe. Através do estudo da toponímia, pretendemos investigar
a possibilidade de trabalhar as relações de linguagem e escrita da/na cidade como texto
e, portanto, como instrumento de ensino.
Palavras-chave: texto. ensino. toponímia.
1 - Introdução
O processo de redemocratização no Brasil (1980/90) é um marco na história do
país. No tocante ao ensino da língua portuguesa, provocou um intenso debate acadêmico cujas questões centrais discutiam uma proposta de mudança de objeto e de referência. A Linguística propunha, assim, uma ruptura com as gramáticas normativas e,
em seu lugar, a entrada das gramáticas descritivas, possibilitando a inclusão de outras
variantes linguísticas como objeto de ensino. Assim, também a referência deixaria de
ser a literatura canônica clássica e passaria para produções contemporâneas, sobretudo para a imprensa, os jornais.
Todo esse processo é validado legalmente através da Lei de Diretrizes e Bases
(1996) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), ambos definem finalidades e
objetivos do ensino. Objetivos esses voltados para o alcance da autonomia intelectual e
para o desenvolvimento do pensamento crítico e do controle sobre a própria produção
linguística. Metas somente possíveis de alcançar através de duplo deslocamento: do
estudo da frase para a produção de textos; e de um estruturalismo para concepções
teóricas capazes de incluir em seus objetos a sociedade, o sujeito, a história.
1
Estudante/Bolsista Voluntária PIBIC.
2
Coordenador do projeto.
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Os professores, entretanto, não acompanharam a construção teórica de tal ruptura, sendo necessária, inclusive, uma versão simplificada dos documentos (“PCNs
em Ação”), provocando uma verdadeira crise na noção de texto. Verifica-se, ainda,
um hiato entre o currículo oficial e os resultados de exames que revelam “deficiências
dos alunos”. O conteúdo não está sendo adequadamente proposto em sala de aula?
O currículo oficial formula expectativas inalcançáveis? Tais questionamentos apontam
a necessidade de se investigar como estão sendo contempladas as propostas dos documentos. É esse o trabalho desenvolvido no PAIRD/2009, também coordenado pelo
Prof. Dr. Wilton James Bernardo-Santos. E como um desdobramento dessa pesquisa
anterior, surge o atual projeto: “Concepção de texto no Ensino da Língua Portuguesa
em Sergipe: um estudo de materiais didáticos”.
Esses trabalhos compartilham os objetivos de suscitar debate local sobre a importância da sistematização dessas questões; construir um arquivo constando os materiais mais utilizados no ensino médio em Sergipe; além de possibilitar ao pesquisador
iniciante identificar e filiar as correntes teóricas discutidas. Mas agora temos como
objetivo específico tratar materiais didáticos para o ensino. O projeto, pois, realiza-se
em três pilotos. Piloto A - Texto de ficção: toponímia em Sergipe na ficção de autores
sergipanos; Piloto B - Texto de não ficção: toponímia em Sergipe; Piloto C - Texto jornalístico: topografia textual. Embora bastante distintos, é a articulação entre os três que
demarca a unidade de nosso objeto: o texto enquanto território gráfico.
Mas como o texto é significado no ensino? É o questionamento que mobiliza as
discussões iniciais. Discussões suscitadas em reuniões e que nortearam nossas primeiras leituras.
Através de um percurso histórico entendemos como os materiais didáticos se
tornaram nosso objeto de estudo. Mas, então, o que significa estudar os materiais didáticos? É o conceito de gramatização de Auroux (1992) que vai ajudar a avançar nessa
discussão.
Para o autor (op. cit. p. 65), “Por gramatização deve-se entender o processo que
conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas tecnologias que são
ainda hoje pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o dicionário”.
O saber metalinguístico, portanto, não é apenas uma descrição imparcial da linguagem, mas constitui instrumentos linguísticos. E, como instrumentos, eles modificam
as práticas linguísticas, a ecologia da comunicação.
[...] do mesmo modo que um martelo prolonga o gesto da mão, transformando-o, uma gramática prolonga a fala natural e dá acesso a um
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corpo de regras e de formas que não figuram junto na competência de
um mesmo locutor. Isto é ainda mais verdadeiro acerca dos dicionários:
qualquer que seja minha competência lingüística, não domino certamente a grande quantidadede palavras que figuram nos grandes dicionários
monolíngües. (ibidem, p. 69)
Os materiais didáticos, nosso objeto de trabalho, são, portanto, instâncias da
gramatização e funcionam como “observatório da constituição dos sujeitos, da sociedade e da história” (ORLANDI, 2001, p. 9). Ou seja, contribuem para a configuração das
formas da sociedade (idem, 2001).
Diante dessas questões próprias do aporte teórico, impossível desvinculá-las
das questões sobre o fazer da pesquisa. Questões metodológicas, mas que envolvendo
a produção e a análise de textos, colocam-nos como parte de nosso próprio objeto.
A ação de investigar os materiais não mais significa identificar qualquer coisa
sobre o tema, mas entender como eles constroem o sujeito. Caso contrário, ainda estaríamos tomados pela posição de objeto e não de pesquisadores. É preciso, pois, compreender a formulação de sentidos que ultrapassa o conteúdo presente nas palavras do
texto.
As palavras não significam em si. Elas significam porque têm textualidade, ou seja, porque sua interpretação deriva de um discurso que as
sustenta, que as provê de realidade significativa. E sua disposição em
texto faz parte dessa sua realidade. É assim que na compreensão do que
é texto podemos entender a relação com a exterioridade (o interdiscurso), a relação com os sentidos. O texto é um objeto lingüístico-histórico.
(ORLANDI, 2001, p. 86)
Desse modo, a linguagem não pode ser aqui trabalhada como um simples instrumento de comunicação. Ela tem sua materialidade e funciona articulando o sujeito, a
história e a língua; pensando a ideologia e os gestos de interpretação (op. cit., 2001).
Já sabendo considerar as especificidades de nosso objeto, pudemos ultrapassar um dado momento inicial da discussão e avançar para os três planos em que se
executa a pesquisa. Como dissemos, os pilotos, embora trabalhem temas diferentes,
compõem uma unidade: o texto enquanto território gráfico. Ou seja, a espacialidade significando o próprio texto. Como se sabe, a toponímia é a designação dos lugares pelos
seus nomes. Trabalhá-la é, pois, ler a cidade, tomar o lugar como texto. Estudamos os
mapas, nomes de ruas, de edifícios, logradouros.
Após a documentação das principais concepções teóricas sobre a noção de texto, da listagem (arquivo) de materiais dedicados à questão do texto, da descrição dos
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materiais considerando suas especificidades, pudemos estabelecer o recorte de nosso
objeto: Bairro Jardins e, mais especificamente, a região localizada entre as avenidas
Beira Mar, Deputado Sílvio Teixeira, Pedro Valadares e Hermes Fontes (ver recortes
anexos)
O objeto torna-se ainda mais claro quando confrontamos os mapas coletados
com a realidade presente no ensaio fotográfico que estamos realizando in loco. Confronto importante quando pensada a proposta do projeto que é tratar materiais para o
ensino pois é preciso trazer para o ensino a realidade do aluno. É preciso mostrar que
a educação não é algo distante, que não é restrita artificialmente à escola; que ela está
ali, por exemplo, na rua onde se mora.
Mas de nada adiantaria trabalhar a toponímia se somente (e novamente) a usássemos como pretexto para o estudo da gramática normativa, para a identificação de
regras. É preciso ir além. É preciso compreender as significações formuladas na designação. E para isso não basta tomá-la como nomeação, referência, ou nos restringiríamos ao campo da denotação. A designação é a significação de um nome tomado pela
história (Guimarães, 1996).
Nesse sentido, para Guimarães (op. cit.), a enunciação é a língua em funcionamento e o sujeito é afetado pela ordem do simbólico e, por isso, não é centralizado e
também não há temporalidade cronológica. A enunciação é pensada então como acontecimento de linguagem.
Considero que algo é acontecimento enquanto diferença na sua própria
ordem. E o que caracteriza a diferença é que o acontecimento não é um
fato no tempo. Ou seja, não é um fato novo enquanto distinto de qualquer
outro ocorrido antes no tempo. O que o caracteriza como diferença é que
o acontecimento temporaliza. Ele não está num presente de um antes e
de um depois no tempo. O acontecimento instala sua própria temporalidade: essa sua diferença. (op. cit, p.11-12)
É acontecimento, então, aquilo que temporaliza: que recorta um passado como
memorável ao mesmo tempo em que instala uma latência de futuro. E é pelo acontecimento que o sujeito é tomado.
Os nomes dos lugares, presentes nos mapas, estão ali como enunciados dispersos e, portanto, estão sujeitos a interpretação. Estão como indicação de acessos ao
mundo. Isto é, não apenas descrevem os lugares, mas se põem como lugar de formulação de sentidos ao revelar a história e suas contradições.
Dessa forma, chegamos ao ponto em que as questões levantadas no processo
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de pesquisa começam a ser respondidas e apontam direções para a coleta de materiais
em andamento, assim como a coleta aponta direções para as nossas leituras.
E não é tranquila essa circulação do analista pelas materialidades, assinalando “pontos críticos”. Ao contrário, há um esforço que acontece,
se não pela reflexão interessada, por uma conflagração particularizada
em gestos específicos. Tal esforço é para trazer uma compreensão do
processo histórico, apreciando o funcionamento dos sentidos no jogo político-enunciativo. Pode-se então falar da relação inseparável do metodológico com o teórico. (BERNARDO-SANTOS, 2008, p. 2)
É pela impossibilidade de separar a metodologia da teoria que em nenhum momento deixamos de pensar nossa própria prática na pesquisa como elemento teórico.
Pudemos, assim, falar em apresentação de resultados, mesmo estando em um estágio
inicial do projeto, desenvolvendo reflexões sobre a escrita, o território gráfico.
Conclusão
Inserir-se em uma atividade de pesquisa é aprender a recorrer ao passado para
delinear seu objeto e fazer do futuro o que dá sentido a seu trabalho; é falar em termos
de projeto, de projeção.
Assim, fomos ao processo de Redemocratização, à mudança de paradigma político-social, para entender quais lacunas na história nos levam a mobilizar um estudo
sobre o tema aqui posto. Recortamos, com o auxilio da teoria, sem impedir, entretanto,
que a prática que se desenrola altere a própria teoria. E, com a pesquisa ainda em andamento, cuidamos para que a conclusão seja o começo de algo que se projeta.
É por isso a pesquisa se executa em pilotos. Em três planos que articulados
pretendem esboçar a viabilidade de um trabalho maior com o texto. Um trabalho que
explore a linguagem em sua natureza simbólica e que, portanto, alie a análise de estruturas morfossintáticas, o funcionamento semântico-enunciativo e a configuração da
temporalidade do acontecimento.
Um trabalho que tome o mapa, por exemplo, não como mero vetor de localização,
porque é texto! E se é texto, é linguagem; e se é linguagem, ultrapassa a superficialidade da denotação, produz sentidos, presentifica a memória, materializa nas designações
as relações econômicas, de pertencimento, de trabalho, de poder.
E assim fica clara a necessidade de projeção, de expansão do trabalho sobre a
noção de texto escrito. Porque essa noção, na verdade, implica na compreensão das
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representações do mundo, constituído graficamente.
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ALVES, F. J. Toponímia, textos teóricos e estudos empíricos: uma compilação.
Aracaju, 2008.
AUROUX, S. A Revolução tecnológica da Gramatização. Trad. Eni Orlandi. Campinas,
SP: Editora da Unicamp, 1992.
. Filosofia da linguagem. Trad. José Horta Nunes. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 1998.
BERNARDO-SANTOS. Intervenção da escrita: um estudo do político enunciativo na
institucionalização da Lingüística Moderna no Brasil. Tese (doutorado). Orient. Prof.
Dr. Eduardo Guimarães. Campinas, SP: IEL/UNICAMP, 2008.
GUIMARÃES, E. Língua e Cidadania. Campinas, Pontes, 1996.
. Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo da designação.
Campinas, SP, pontes, 2002.
ORLANDI, E. “O estatuto do texto na história da reflexão sobre a linguagem”. In:
Discurso e texto, Campinas, São Paulo, Pontes, 2001.
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Anexo 1
*Recorte do objeto de análise: Região localizada entre as avenidas Beira Mar, Deputado Sílvio
Teixeira, Pedro Valadares e Hermes Fontes. Bairro Jardins (Mapa Municipal Oficial de Aracaju, 2004).
Anexo 2
*Recorte do objeto de análise: Região localizada entre as avenidas Beira Mar, Deputado Sílvio
Teixeira, Pedro Valadares e Hermes Fontes. Bairro Jardins
(Nova Planta da Cidade de Aracaju, Ed. Trieste, não datado).
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