ROBERTO MAGNO PIANA DE MIRANDA DS-BH-Tel:(31)32186435 [email protected] EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO E CRIMES DE NATUREZA TRIBUTÁRIA Tópico III ou IV do CONAF/2008. Belo Horizonte Setembro de 2008 1. SUMÁRIO Realizaremos através do presente estudo uma breve análise a respeito dos procedimentos passíveis de serem adotados pelo Fisco em caso de ocorrência de crime de natureza tributária ou de embaraço à atuação de seus servidores. 2 2. INTRODUÇÃO Haja vista a crescente discussão em torno do Código de Defesa do Contribuinte, procuraremos estabelecer alguns parâmetros que hão que ser considerados quando da delimitação das prerrogativas conferidas ao Fisco, mormente no que tange aos procedimentos a serem adotados pelos seus agentes, levando-se em conta as diferentes circunstâncias com as quais tais servidores fazendários poderão se defrontar no transcorrer de uma ação fiscal, incluindo-se aí o embaraço à fiscalização e a constatação da ocorrência de crime tributário. 3 3. MEDIDAS APLICÁVEIS EM CASO DE EMABARAÇO À FISCALIZAÇÃO O parágrafo 1°, art. 145 da CR/88, ao dispor que devem ser “respeitados os direitos individuais e nos termos da lei”, nos fornece o primeiro sinal de que, não obstante as prerrogativas concedidas aos servidores fazendários, os direitos individuais dos contribuintes também não podem ser simplesmente relevados. Há que ser considerado, ao realizarmos a ponderação entre os poderes fiscalizatórios e os direitos individuais dos contribuintes, que o crédito tributário, a despeito de enquadrar-se na categoria de direito indisponível1, também é reconhecido como direito patrimonial2, condição que gera a possibilidade de que qualquer impedimento à sua precisa constituição possa ser compensado através de exigência de quantia equivalente àquela que seria auferida através do lançamento de ofício obstado pelo contribuinte, concomitantemente à aplicação de penalidade administrativa (pecuniária ou não) suficiente para coibir a conduta omissiva ou comissiva caracterizadora do embaraço à fiscalização. 3.1) CONVOCAÇÃO DE FORÇA POLICIAL (ART. 200 DO CTN, ART. 7° DA LEI N° 2.354/54 E ART. 95, 2°, DA LEI 4.502/65). Os artigos 200 do CTN, 7° da Lei n° 2.354/54 e 95, 2°, da Lei n° 4.502/65 facultam às autoridades fiscais a requisição de auxílio da força pública, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção. O art. 919, parágrafo único, do RIR/99 define o embaraço à fiscalização como qualquer recusa não justificada da exibição de livros auxiliares de escrituração, tais como o Razão, o Livro Caixa, o Livro Registro de Inventário, o Contas1 (..) 1. Sendo o crédito tributário caracterizado como direito indisponível, sobretudo diante do preceito inscrito no art. 97 e inciso do CTN, afigura-se inviável aplicar à Fazenda Pública, em sede de ação declaratória de inexistência de débito, os efeitos da revelia (...) (STJ, 2ª T., REsp 96691 / PR, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 13.12.2004) (g.n). 2 (...) 1. Em se tratando de direito patrimonial, o nosso ordenamento jurídico não ampara a decretação da prescrição de ofício, pelo juiz.(...) (STJ. 1ª T., REsp. n.º 513.348/ES, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 17.11.2003) (g.n.). 4 Correntes e outros registros específicos pertinentes ao ramo de negócio da empresa. Desta forma, nos termos do citado dispositivo, a simples omissão do contribuinte em disponibilizar os documentos fiscais caracterizaria embaraço passível de convocação imediata da força policial para a solução do problema. Em primeiro lugar, discorramos a respeito de qualquer postura não colaborativa adotada pelo contribuinte cujo intuito seja não produzir prova de natureza penal contra si mesmo, originada do descumprimento de alguma obrigação tributária. Nesse caso é essencial que se estenda à relação jurídico-tributária todos os direitos e garantias fundamentais assegurados aos acusados de crimes em geral, dentre eles o direito ao silêncio, nos termos dos artigos 5°, LXIII3, da CR/88 e 186 do CPP4. De acordo com Alexandre de Moraes, a expressão "preso", encontrada no art. 5°, LXIII, da CR/88, não foi empregada em seu sentido técnico, pois o direito ao silêncio alcança todos os acusados ou futuros acusados, que possam eventualmente ser processados ou punidos em virtude de suas próprias declarações. Conforme entendimento de nossa Suprema Corte, o direito ao silêncio e a não se auto-incriminar é assegurado a todos aqueles que estejam numa situação jurídica passível de ser considerada uma ilicitude penal, sendo exercido perante quaisquer órgãos do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário5. 3 O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. 4 Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. 5 O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário. O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. (...) Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da nãoculpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. (STF - Pleno - HC nº 79.812-8/SP - Rel. Min. Celso de Mello - Diário da Justiça, Seção 1, 16 fev. 2001, p. 91). 5 Desta forma, considerando-se que o direito a não auto-incriminação traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que deva prestar esclarecimentos ou informações perante quaisquer órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário, não pode prevalecer o dever de colaboração do contribuinte para com o fisco (artigo 200 do CTN) nas situações em que tal obrigação implicar-lhe conseqüências na esfera penal. Nesta hipótese, o dever de colaboração do contribuinte cede ao seu direito fundamental de não produzir provas contra si mesmo (art. 5º, inciso LXIII, da CR/88). O exercício do direito de permanecer em silêncio e de não disponibilizar documentos fiscais que incriminem o contribuinte não autoriza os órgãos estatais a lhe dispensar qualquer tratamento coercitivo que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. O sujeito passivo que se recusa a permitir a entrada do Fisco em seu estabelecimento ou a entregar documentos fiscais que possam acarretar sua responsabilização criminal não pode ser compelido, constrangido ou obrigado sub vara a informar a localização das provas materiais de seu crime. Tampouco uma devassa a esmo em todas suas dependências, com o conseqüente arrombamento de portas ou armários poderá ser qualificada como procedimento defensável. Neste caso, um mandado judicial de busca e apreensão far-se-á necessário, asseguradas ao contribuinte todas as formalidades previstas nos artigos 240 a 250 do CPP. Por outro lado, parece-nos paradoxal que, caracterizada a inconstitucionalidade dos artigos 200 do CTN, 7° da Lei n° 2.354/54 e 95, 2°, da Lei n° 4.502/65, em caso de fiscalização realizada em domicílio de contribuinte que tenha praticado crime de natureza fiscal, seja cabível a convocação da força policial para possibilitar o acesso do Fisco ao domicílio daquela pessoa jurídica cujo ilícito restringe-se ao âmbito tributário. Repise-se que o caráter patrimonial e a fungibilidade do crédito tributário propiciam que os valores pecuniários cuja apuração seja obstada em razão do embaraço à fiscalização possam ser repostos ao Erário, acompanhados de multa pelo descumprimento de obrigação acessória, sem que seja necessário recorrer à truculência de que se revestiria ato de compelir o contribuinte a conduzir sub vara, sem determinação 6 judicial, as autoridades fiscais até o local em que estivessem depositados os documentos por elas requeridos. Situação diferente, ainda que também suscetível a alguma polêmica6, seria aquela em que, devido a uma epidemia ou ao relato da existência de condições precárias de higiene, houvesse a necessidade de uma atuação mais ágil dos agentes sanitários, de saúde ou do controle de zoonoses. Neste caso, a necessidade de erradicação do foco de alguma doença em determinada região de uma cidade ofereceria um respaldo jurídico muito mais consistente para que agentes de saúde adentrassem nas residências suspeitas, independentemente do consentimento do morador. A integridade física dos habitantes do município (principalmente dos vizinhos), direito da personalidade que transcende o âmbito meramente patrimonial do crédito tributário, admitiria uma ampliação dos meios passíveis de serem utilizados, haja vista a amplitude do interesse público a ser afiançado neste caso. Até mesmo um mandado judicial genérico, que autorizasse a busca de focos de doença em todos os domicílios da região, durante o dia, independentemente da anuência do morador, seria concedido com mais facilidade e seria objeto de menos questionamentos. Desta forma, não obstante entendermos que a proteção à casa oferecida pelo inciso XI, art. 5°, da CR/88 não alcança o domicílio tributário, o impedimento à entrada das autoridades fiscais não poderá ensejar a convocação da força pública para compelir o responsável pelo estabelecimento a disponibilizar os documentos fiscais e/ou mercadorias requeridos, caso não reste caracterizado qualquer flagrante delito. Havendo indícios de ocorrência de crimes não permanentes, torna-se recomendável a obtenção de mandado judicial. Por outro lado, não cabe ao sujeito passivo invocar a inviolabilidade do tributário domicílio para se furtar da obrigação acessória de viabilizar a atividade fiscalizatória. Caso decida fazê-lo, sujeitar-se-á à imputação das sanções administrativas ou penais legalmente previstas. É bastante improvável que o contribuinte, invocando seu direito a não se auto-incriminar, venha a confessar a prática de infração penal simplesmente para se eximir da obrigação tributária acessória de disponibilizar ao Fisco as informações por ele requeridas. Contudo, sendo a infração penal constatada após o inicio da ação fiscal, não 6 Até mesmo a condução sub vara para reconhecimento de paternidade a partir do exame de DNA (direito da personalidade absolutamente indisponível e infungível) tem sido objeto de intensa batalha doutrinária e jurisprudencial. 7 deve subsistir a multa de embaraço à fiscalização porventura aplicada, caso seja efetivada impugnação sob este fundamento constitucional. Passemos a detalhar, pois, as medidas que, em tese, podem ser tomadas pelo Fisco, em caso de embaraço à fiscalização, visando à recomposição do montante dos tributos não arrecadados e a prevenir a adoção sistemática pelos contribuintes de expedientes que culminem por inviabilizar a atuação das autoridades fiscais. 3.2) DO ARBITRAMENTO DE TRIBUTOS (ART. 148 DO CTN). Não cabendo à autoridade fiscal adotar em relação ao contribuinte que se recuse a exibir os livros fiscais medida não patrimonial que implique restrição à sua esfera jurídica, há que ser possibilitado aos agentes públicos a tomada de providências visando a garantir ao Erário recursos iguais ou superiores aos que lhe seriam carreados através de um procedimento fiscal em que qualquer óbice não fosse imposto pelo contribuinte. Ademais, a exigência pelo Fisco de uma compensação financeira pelos transtornos causados e a imputação ao contribuinte de uma sanção por sua conduta cumprirão papel punitivo, bem como de prevenção de comportamentos de resistência semelhantes. O contribuinte que se recusa a apresentar seus documentos fiscais deve arcar com um ônus equivalente, mas não superior, àquele a que tem que se submeter o sujeito passivo cuja documentação fiscal tenha se extraviado ou sido fraudada/destruída. Caso lhe impuséssemos um encargo superior, estaríamos partindo da indefensável premissa de que qualquer resistência momentânea à fiscalização haveria que ser considerada procedimento de maior gravidade do que a fraude e a destruição intencional de documentos fiscais. Tal escala de valores restaria distorcida. O art. 148 do CTN prevê o arbitramento do tributo caso as informações prestadas não sejam merecedoras de fé ou tenham sido omitidas. Outras normas do RIR/99 prevêem o arbitramento, merecendo menção o art. 60, § 2º (falta de escrituração do livro caixa nas atividades rurais); art. 240 (operações de exportações realizadas com pessoas vinculadas); art. 259, § 2º (manutenção do livro razão das pessoas 8 jurídicas tributadas pelo lucro real); art. 284 e 285 (indícios de omissão); art. 394, § 10 (lucros auferidos no exterior); art. 535 (lucro arbitrado quando não conhecida a recita bruta); (bases para o lançamento de ofício nos casos de declaração não entregue, inexata ou insatisfatória) e artigos 846 e 847 (sinais exteriores de riqueza). Verificada a omissão de receita ou a necessidade de arbitramento, o art. 91 do Regulamento do PIS/COFINS/02 prevê a aplicação do RIR/99, enquanto o art. 84 do Regulamento Aduaneiro/02 disciplina os casos de fraude sonegação ou conluio na importação. Citemos ainda o art. 538 do RIR/99, que prevê a concomitância entre o procedimento de arbitramento do lucro e a adoção de outras penalidades, tema sobre o qual discorreremos nos tópicos seguintes. 3.3) A IMPOSIÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. Iniciemos pelas penalidades administrativas de caráter não patrimonial, cuja aplicação há que ser bastante criteriosa, conforme já mencionado. A primeira medida cabível seria a lacração de objetos, nos termos dos artigos 916 do RIR/99 e 433 do RIPI/02. Outra possibilidade seria a de exclusão do contribuinte do SIMPLES (regime tributário das microempresas e empresas de pequeno porte). Neste caso, inevitável é o entendimento de que o contribuinte que nega ao Fisco o direito de verificar os documentos fiscais que poderiam comprovar o atendimento às condições de continuidade no SIMPLES, previstas na Lei 9.317/96, há que arcar com ônus da impossibilidade da confirmação de que remanesce seu direito ao tratamento diferenciado, simplificado e favorecido conferido às micros e pequenas empresas, não se apresentando em tais circunstâncias qualquer desproporcionalidade entre a sanção e a obrigação acessória descumprida. Tampouco, resta caracterizada a adoção de meio coercitivo para cobrança de tributo. Em se tratando da instituição de “Regime Especial de Fiscalização”, previsto nos artigos 922 do RIR/99 e 464 do RIPI/02, o deslinde da questão é um pouco mais complexo. A jurisprudência do STJ é permeada de idas e vindas. Há decisão do STF 9 que não vê inconstitucionalidade em tal procedimento7. Contudo, em nenhum dos julgados aqui colacionados, a instituição do “Regime Especial de Fiscalização” decorreu de embaraço ou resistência à atuação do Fisco. Tampouco o aludido regime foi instituído na forma de uma maior presença fiscal no estabelecimento empresarial do sujeito passivo. Algumas das medidas passíveis de serem adotadas no “Regime Especial de Fiscalização”, em relação ao contribuinte que dá ensejo ao embaraço ou à resistência, encontram-se exemplificadas no parágrafo 2°, art. 922, do RIR/998. Parece-nos que, dentre as alternativas ali elencadas, aquelas que impliquem um controle ainda mais rigoroso das operações comerciais/industriais executadas pelo contribuinte podem acabar conduzindo Fisco e sujeito passivo a um impasse indissolúvel. Se a sanção administrativa decorre da resistência em não se submeter à obrigação acessória de disponibilizar o acesso a todas as informações fiscais necessárias, não se afigura coerente que a pena seja justamente exigir a colaboração de forma ainda mais severa, com sinais de reafirmação administrativa de onipotência. Incorreríamos novamente no direito a não se autoincriminar ou no indispensável exame da proporcionalidade entre os meios e fins, haja vista o caráter meramente patrimonial do crédito tributário. Assim, a aplicação, por exemplo, do inciso I, parágrafo 2°, art. 922, do RIR/99 (manutenção de fiscalização ininterrupta no estabelecimento do sujeito passivo) apresenta-se despropositada. Por outro lado, a redução dos prazos de recolhimentos dos tributos ou qualquer medida que onere o contribuinte apenas patrimonialmente não só seria possível como também recomendável, haja vista o interesse público em não disseminar a existência de estabelecimentos ou informações tributárias inacessíveis ao Fisco. Caso as sanções financeiras não surtam efeito, há que se pensar na hipótese de obter um mandado judicial que permita a verificação da razão pela qual tais instalações comerciais/industriais têm sua 7 EMENTA: 1. (...). 2. ICMS: regime especial de fiscalização: ausência de ofensa ao princípio da isonomia (CF, art. 5º, II) e à garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF, art. 5º, XIII): não incidência, no caso, das Súmulas 70, 323 e 547, que versam sobre a proibição de restrições à atividade econômica como meio coercitivo de pagamento de tributos. (STF, 1ªT, RE-AgR 474241 / MG , DJ 08.09.2006). 8 § 2º O regime especial pode consistir, inclusive, em: I - manutenção de fiscalização ininterrupta no estabelecimento do sujeito passivo; II - redução, à metade, dos períodos de apuração e dos prazos de recolhimento dos tributos; III - utilização compulsória de controle eletrônico das operações realizadas e recolhimento diário dos respectivos tributos; IV - exigência de comprovação sistemática do cumprimento das obrigações tributárias; V - controle especial da impressão e emissão de documentos comerciais e fiscais e da movimentação financeira. 10 inexpugnabilidade defendida de forma tão veemente, a ponto de o responsável pela pessoa jurídica não se importar com as sucessivas multas a ela impostas. 3.4) DA IMPOSIÇÃO DE MULTAS. A imposição de penalidades pecuniárias desponta como a medida mais pertinente nos casos de resistência ou embaraço à fiscalização. Dentre as situações elencadas na legislação tributária que tratam desta modalidade de sanção, despontam com mais vigor o art. 56 do RIOF/02 e os artigos 502 e 503 do RIPI/02. 3.5) DAS SANÇÕES PENAIS. Corroboramos o entendimento de Hugo de Brito Machado9 de que “as informações, cuja prestação constitui dever do contribuinte, e em alguns casos até de terceiros, e cuja omissão ou falsidade configuram crime, (...), são apenas as necessárias ao lançamento regular dos tributos. Não quaisquer outras informações necessárias ao exercício da fiscalização tributária. Tal compreensão concilia o dever de informar ao Fisco com o direito ao silêncio, assegurado constitucionalmente a todos os acusados. O dever de informar precede a configuração do crime contra a ordem tributária. Cometido este, seu autor não tem o dever de prestar informação alguma, útil para a comprovação deste cometimento, que configuraria auto-incriminação”. Todos os dispositivos da Lei 8.137/90 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária) que impõem ao contribuinte o dever de prestar informações dizem respeito à disponibilização (para o Fisco) dos elementos necessários para a verificação da correição do crédito tributário a ser lançado. Paralelamente ao direito constitucional de não se auto-incriminar, resultaria em verdadeiro bis in idem enquadrar o contribuinte que dê ensejo ao embaraço e/ou resistência no mesmo tipo penal no qual este se subsume ao fornecer ao Fisco informações caracterizadoras de sonegação. Desta forma, o 9 MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de Direito Penal Tributário, p.176 11 embaraço/resistência à fiscalização não pode ser tipificado em qualquer dos artigos da Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária. Por outro lado, art. 919 do RIR/99 (semelhante ao art. 7° da Lei n° 2.354/54) dispõe que aqueles que impedirem a fiscalização serão punidos na forma do Código Penal. Contudo, a descrição do tipo contida no CP para a resistência10 exige a ocorrência de violência ou ameaça ao funcionário, ao passo que a consumação do desacato11 é totalmente independente dos elementos e circunstâncias descritos no art. 919 do RIR/99. Desta forma, parece cabível a associação do art. 919 do RIR/99 apenas com o art. 33012 do CP. A resistência e o desacato terão aplicação autônoma. No que concerne à utilização do termo “recusa não justificada” no parágrafo único do art. 919 do RIR/99, deve-se entender que o direito a não se auto-incriminar enquadra-se nesta hipótese de exclusão de ilicitude. 10 Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. 11 Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. 12 Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa. 12 4. CONCLUSÃO Encerrada esta breve exposição acerca de tema tão amplo, cujo detalhamento mais apurado demandaria um estudo mais profundo que foge da nossa pretensão, enumeremos as principais conclusões extraíveis deste trabalho. Firmamos o entendimento de que a convocação da força policial para obrigar o contribuinte a permitir a entrada em seu domicílio tributário e a fornecer as informações necessárias ao prosseguimento da ação fiscal – é desarrazoada e desproporcional, haja vista a condição de mero direito patrimonial de que se reveste o crédito tributário. Ou seja, caracterizado o embaraço à fiscalização, poder-se-ia contrapor a tal impedimento qualquer medida que possibilite a apuração de valor pecuniário equivalente, acompanhada de penalidade que previna ocorrências adicionais de resistência à fiscalização. A convocação de força pública seria possível apenas em caso de crimes permanentes, nos quais o estado de flagrância se protrai no tempo, configurando-se pois exceção prevista no próprio inciso XI, art. 5°, da CR/88. Todavia a entrada no domicílio tributário há que se prestar apenas a dar voz de prisão em flagrante ao contribuinte infrator, não se podendo obrigá-lo a entregar as provas materiais de seu crime. Nos casos de crimes de natureza fiscal (permanentes ou não), o direito constitucional a não se auto-incriminar vem reforçar o impedimento à convocação de força pública para compelir o infrator a permitir a entrada em suas dependências e/ou disponibilizar as informações fiscais requeridas. Constatada a infração penal, não deve subsistir a multa de embaraço à fiscalização porventura aplicada. 13