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Requisição da força pública pela fiscalização tributária.
Interesse público x razoabilidade
Remy Deiab Junior*
A prerrogativa de requisição da força pública por parte das autoridades fiscais como forma
de garantir o desempenho de suas atribuições legais ou de medida prevista na legislação
tributária encontra-se vazada no artigo 200, da Lei nº 5.172, de 25/10/1966 (CTN) [01]:
Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força
pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou
desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida
prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como
crime ou contravenção.
Com o intuito de buscar o real alcance da prerrogativa em comento sob a égide da
Constituição Federal de 1988, em especial à luz dos princípios constitucionais do interesse
público e da razoabilidade, apoiar-se-á na doutrina e na jurisprudência pátria.
Analisando o alcance do artigo em tela Paulo de Barros CARVALHO ressalta que, não
raro, a atividade fiscalizatória pode encontrar óbices para sua execução, logo, a prerrogativa
teria o condão de dar efetividade às providencias necessárias para a condução da ação fiscal
(CARVALHO, 2007, p. 555-556).
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EDUARDO DE MORAES SABBAG externa posicionamento semelhante, porém, assevera
que na utilização desta prerrogativa deve imperar a máxima parcimônia, evitando-se
excessos e ilegalidades (SABBAG, 2008, p. 354-355).
No entender de HUGO DE BRITO MACHADO, as autoridades fiscais, baseadas no
comando do CTN, de fato detêm tal prerrogativa, contudo, a sua utilização administrativa,
deve ser restrita as situações nas quais seus pressupostos de validade estejam presentes
[02], pois, de outra forma, dependerá de autorização judicial, haja vista que diversas
garantias constitucionais asseguradas aos contribuintes [03] impõem limitações ao alcance
do art. 200 do CTN, que há de ser interpretado de conformidade com a Carta Magna, cujo
descumprimento pode acarretar na invalidade das provas coligidas e na caracterização de
diversos crimes, como por exemplo, excesso de exação (MACHADO, 2003, p.223-224).
De remate, calha registrar o entendimento mais extremado de SACHA CALMON
NAVARRO COELHO, no sentido de que tal prerrogativa é de utilização muito delicada e
dá azo para que a autoridade fiscal, sem fazer a prova necessária, requisite a força policial e
cometa arbitrariedades (COÊLHO, 2008, p. 885-886).
Com esteio no escólio dos doutrinadores supra, infere-se que o poder de requisição da força
pública por parte das autoridades fiscais é válido e vigente, porém encontra relevantes
restrições de alcance impostas pelas garantias e direitos individuais, demais normas e
princípios insculpidos na Constituição Federal de 1988 [04].
Inobstante, a prerrogativa em tela veio no sentido de dar condições aos agentes fazendários
de efetivamente fiscalizar o cumprimento da legislação tributária, atendendo, em última
análise, ao próprio interesse público [05], ou seja, ao interesse maior de toda a sociedade de
que todos os contribuintes-cidadãos cumpram com suas obrigações tributárias, recolhendo
os tributos devidos, gerando receita para que o Estado tenha condições de cumprir com suas
responsabilidades constitucionais, num cristalino viés de retorno para o próprio corpo
social, com efeito, a imposição de óbices que impossibilitem ou dificultem a condução da
fiscalização em alguns casos pode configurar afronta ao interesse público.
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Porém, compactua-se com a ressalva de ROQUE ANTONIO CARRAZZA, para quem o
"interesse fazendário" (arrecadatório) não se confunde nem muito menos sobrepaira o
"interesse público", antes se subordina a este, de modo que somente poderá prevalecer
quando em perfeita sintonia com ele, logo, o mero interesse arrecadatório não pode fazer
tábua rasa dos direitos constitucionais dos contribuintes (CARRAZZA, 2006, p.463).
Todavia, por uma questão de razoabilidade [06], ao mesmo tempo em que ao particular é
recomendado que colabore com a fiscalização, aos agentes do Fisco, compete pautar suas
ações pela prudência, racionalidade e sensatez, de modo que a utilização da força pública
somente deve ser manejada em última hipótese, em situações nas quais realmente seja
necessária e com estrita observância das normas constitucionais, evitando condutas
desarrazoadas, incoerentes e desproporcionais que colidam com o princípio da
razoabilidade.
Ante ao exposto, registra-se que sempre haverá um conflito entre o interesse público e a
razoabilidade entrelaçado ao desenvolvimento das atividades fiscais, sendo que, de acordo
com o caso concreto, tais aspectos deverão ser sopesados para nortear a utilização da
prerrogativa em apreço, pois, ambos os princípios deitam raízes no princípio maior da
segurança jurídica, uma das vigas-mestras do Estado de Direito.
Tais reflexões são corroboradas por vários julgados do STJ [07] e do STF, dentre eles insta
reproduzir o acórdão exarado no HC nº 82.788/RJ, de 12/04/2005 (DJ 02/06/2006):
"Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da
administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de
fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e
prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral.
Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites
intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. A administração
tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é
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somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145,
§ 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas
decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia – que
prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários – restringe-lhes o alcance do poder
de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos
cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional
e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em
nome do Estado. [...]"
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRAZZA, Roque A. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed. SP, Malheiros,
2006.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 18ª ed. São Paulo, Saraiva,
2007.
COÊLHO, Sacha C. N. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. RJ, Forense, 2008.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 20ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 22ª ed. São Paulo, Malheiros,
2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo, Malheiros,
2008.
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SABBAG, Eduardo de Moraes. Elementos do Direito Tributário. 9ª ed. SP, Premier
Máxima, 2008.
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Notas
Não obstante, por meio do §2º, do artigo 95 da Lei nº 4.502, de 30/11/1964, o legislador
ordinário já havia dotado as autoridades fiscais de prerrogativa semelhante, verbis: "§ 2º
Quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando seja
necessário à efetivação de medidas acauteladoras do interêsse [sic] do fisco, ainda que não
se configure fato definido em lei como crime ou contravenção, os agentes fiscalizadores,
diretamente ou através das repartições a que pertencerem, poderão requisitar o auxílio da
fôrça [sic] pública federal, estadual ou municipal."
Quando a autoridade fiscal for vítima de embaraço ou desacato no exercício de suas
funções, ou também ser o auxílio necessário para a realização de medida prevista na
legislação tributária.
V.g., inviolabilidade de domicílio (CF de 1988, art. 5º, XI), o sigilo da correspondência e
das comunicações telegráficas e de dados e das comunicações telefônicas (CF de 1988, art.
5º, XII).
Tanto o §2º, do art. 96, da Lei nº 4.502, de 30/11/1964, que positivou originalmente a
prerrogativa em comento como o art. 200, da Lei nº 5.172, de 25/10/1966, que o repisou,
vieram a lume em uma conjuntura político-jurídica totalmente peculiar, logo, atualmente
para terem validade devem respeitar os contornos impostos pela Constituição Cidadã de
1988, em especial, as garantias individuais.
DIOGENES GASPARINI entende que interesse público refere-se a toda a sociedade, é o
interesse da comunidade considerada por inteiro (GASPARINI, 2007, p.15). Nesse sentido
é a lição de DE PLÁCIDO E SILVA: "Ao contrário do particular, é o que se assenta em
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fato ou direito de proveito coletivo ou geral. Está adstrito a todos os fatos ou a todas as
coisas que se entendam de benefício comum ou para proveito geral. (SILVA, 2002, p. 498).
A regra vertida no inciso VI, do parágrafo único, do art. 2º da Lei nº 9.784/99, que exige
que nos processos administrativos seja respeitada a adequação entre meios e fins, vedada a
imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente
necessárias ao atendimento do interesse público, reflete um dos principais aspectos do
princípio da razoabilidade.
Vide REsp 1010920/RS de 20/05/08 (DJ 23/06/08), HC 18612/RJ de 17/12/02 (DJ
17/03/03) e RHC 11934/SC de 27/11/01 (DJ 25/02/02).
* Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil. Chefe da Equipe de Fiscalização Aduaneira
na Delegacia da Receita Federal do Brasil em Foz do Iguaçu (PR). Bacharel em Economia.
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12467
Acesso em: 24 mar.2009.
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