TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ QUEIXA-CRIME Nº 342444-8, DO FORO REGIONAL DE FAZENDA RIO GRANDE DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. QUERELANTE: ALISSON ANTHONY WANDSCHEER. QUERELADO: GERALDO CARTÁRIO RIBEIRO. RELATOR: DES. JESUS SARRÃO. 1. PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. LEI DE IMPRENSA. CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA IMPUTADOS A DEPUTADO ESTADUAL. REPORTAGEM TRANSMITIDA PELA RÁDIO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DA NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ART. 57 DA LEI Nº 5250/67. IRRELEVÂNCIA. QUEIXA-CRIME QUE VEIO ACOMPANHADA DE GRAVAÇÃO, EM CD, DO PROGRAMA DE RÁDIO, O QUAL FOI DEGRAVADO PELA POLÍCIA CIENTÍFICA. - A queixa-crime relativa a infração penal prevista na Lei de Imprensa e que tiver sido praticada através da radiodifusão, prescinde da notificação prevista nos arts. 43 e 57 da Lei nº 5250/67 quando vier acompanhada de gravação do programa radiofônico, o qual foi encaminhado à polícia científica e degravado, contendo o teor das afirmações feitas pelo querelado, sendo que este, em nenhum momento, impugnou a veracidade do teor da gravação apresentada com a inicial. 2. IMUNIDADE MATERIAL PARLAMENTAR. ART. 53 E § 1º DA CF/88. NÃOINCIDÊNCIA. DECLARAÇÕES SUPOSTAMENTE OFENSIVAS QUE NÃO GUARDAM RELAÇÃO COM O EXERCÍCIO DO MANDATO PARLAMENTAR. - Conforme orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, malgrado a inviolabilidade do artigo 53 da Constituição Federal alcance hoje "quaisquer opiniões, palavras e votos" dos deputados e senadores, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, ela não cobre as ofensas que, por seu conteúdo e o contexto em que foram perpetradas, sejam de todo alheias à condição do agente (STF, Inq. 1905/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Para o reconhecimento da imunidade material dos parlamentares há de existir, entre a atividade parlamentar e as declarações do congressista, nexo de causalidade. 3. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE EM RELAÇÃO AO CRIME DE INJÚRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DOS DELITOS DE DIFAMAÇÃO, INDICADO NA QUEIXA-CRIME E DE CALÚNIA, ESTE ÚLTIMO REFERIDO PELA DOUTA PROCURADORIAGERAL DE JUSTIÇA. QUEIXA-CRIME RECEBIDA EM PARTE. - Os fatos narrados na queixa-crime configuram, em tese, o crime de injúria, sendo que a existência de prova mínima da autoria e materialidade do delito autoriza o recebimento da queixa-crime. - Para a configuração da hipótese de crime de difamação é necessário que "o fato seja determinado e que essa determinação seja objetiva, pois uma imputação vaga, imprecisa, mais se enquadra na injúria, ofensa à dignidade ou decoro" (STF, AP 239, RTJ 89/366). 4. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA, PELO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADPF Nº 130), ENTRE OUTROS, DO ART. 22 DA LEI DE IMPRENSA. RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME COM BASE NA IMPUTAÇÃO FÁTICA QUE SE AJUSTA AO TIPO DESCRITO NO ART. 140 DO CÓDIGO PENAL. POSSIBILIDADE DE 'EMENDATIO LIBELLI', NA FASE PORCESSUAL PRÓPRIA, PARA AJUSTAR A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA, AGORA PELO CÓDIGO PENAL, À IMPUTAÇÃO FÁTICA CONTIDA NA QUEIXA-CRIME. - O crime de injúria descrito no Código Penal (art. 140) e na Lei nº 5250/67 (art. 22) contém idêntica tipificação, sendo mais rigorosa a sanção penal cominada para o crime de injúria definido na Lei de Imprensa. Assim, no momento oportuno, far-se-á, se for o caso, a correção da classificação jurídica mediante emendatio libelli para ajustá-la à situação fática descrita na queixa-crime, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal, não constituindo óbice, assim, ao prosseguimento do processo, a medida liminar deferida pelo colendo Supremo Tribunal Federal na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, em sessão Plenária de 27 de fevereiro de 2008. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Queixa-Crime, nº 342444-8, do Foro Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é querelante Alisson Anthony Wandscheer e querelado Geraldo Cartário Ribeiro. Alisson Anthony Wandscheer apresentou, a este colendo Tribunal de Justiça, queixacrime contra o Deputado Estadual Geraldo Cartário Ribeiro, por matéria veiculada no programa Balanço Geral, levada ao ar no dia 10 de março de 2006, pela CR Radiodifusão Ltda, com pedido de processamento previsto em lei com vistas à condenação do querelado "nas penas dos arts. 21 e 22 da Lei nº 5.250/67" (f. 05), em concurso material, pelo cometimento dos crimes de difamação e injúria, estando a imputação deduzida nos seguintes termos, verbis: "... I. Em 10/03/2006 foi transmitida pela rádio CR RADIODIFUSÃO, reportagem mentirosa em que o deputado e dublê de radialista ofendeu a moral e a honra do requerente, imputando-lhe fatos que ofenderam sua reputação e dignidade. Saliente-se que todas as ofensas foram de cunho pessoal, ou seja, perpetradas fora do âmbito da Assembléia Legislativa e sem qualquer relação com o exercício do mandato. II. O requerido, de forma irresponsável e criminosa, atacou a figura do querelante, o fez proferindo inverdades e impropérios, atitudes que, vale salientar, acontecem de forma reiterada e criminosa por via das ondas da rádio de propriedade do requerido. III. Dentre as inúmeras inverdades e acusações pérfidas proferidas pelo requerido, destacam-se as seguintes: Rádio Nacional - programa Balanço Geral transmitido em 10/13/2006 "(...) Deputado Geraldo Cartário: (...) ora, um prefeito que coloca o cunhado dele à frente de 3 secretarias municipais, primeiro ele brinca e coloca um filho dele que é um zero à esquerda. (...) Zero à esquerda em tudo. Até para sorrir ele não consegue, porque ele é tudo à esquerda. É um apagado. Um sujeito que não teve tempero. Taí todo belo e formoso, mas se chegar perto você sente que ele não tem tempero nenhum. Ele coloca o cunhado dele ocupando 3 funções. Ele coloca todos os familiares dele dentro da prefeitura. Pagando altos salários como esta professora acabou de falar. (...) a bandeira está colocada numa prefeitura construída pelo prefeito Cartário Jr, numa praça que ela se encontra, construída pelo Pref. Cartário Jr, as avenidas ali, as ruas asfaltadas e iluminação pelo Pref. Cartário Jr, não tem nada de Wandscheer, não tem nada de Foz do Iguaçu nessa brincadeira, eles estão ali de atrevidos, e tem muita gente ocupando cargos atrevidos, (...) patriotismo que eles acham que faltou a este movimento, que eles acham que eles têm. Agora o patriotismo hoje declarado por eles, é apenas o patriotismo do dinheiro. Eles não querem saber de município, nem de estado, nem de país, de coisa nenhuma, o patriotismo hoje de todos os especuladores, é uma doença que se chama dinheiro. Quanto mais eles têm, mais eles querem. (...) quem não sabe quanto valeu e rendeu para o prefeito de Fazenda Rio Grande o fato de ele ser prefeito. Quantos e quantos milhões ele faturou em cima? Há poucos dias atrás, as Casas Bahia chegaram lá e tiveram que falar com o prefeito. O prefeito falou: aqui só sai a obra se comprar o terreno da minha firma. Foram lá e pagaram o que ele quis. Agora, poucos dias atrás me deram outra informação, que outra empresa comprou 3 lotinhos pequenos pela importância de 700 mil reais. Ele compra um terreno de 800 mil reais e vende para a CEF por 1 milhão e 200, então o patriotismo, este prefeito não tem moral, não tem moral nenhuma. Ele até é muito ousado, em querer criticar funcionários públicos que se reúnem em frente a prefeitura, para se posicionar e mandar um recado para a população da porcaria do mandato que este camarada está fazendo, de oportunismo e ele não tem o direito de dizer que eles não tem patriotismo, (...) desde que a CEF dê dinheiro para ele, o Banco do Brasil, tomando o terreno de pessoas que pagaram a vida toda (...) o patriotismo desse raivoso é dinheiro. (...) ele falou numa rádio dele? Ele comprou uma rádio? (...)". IV. Nenhuma das malsinadas alegações E INSINUAÇÕES condizem com a realidade. Abre-se um breve parêntesis elucidativo acerca da forma de cometimento dos delitos em apuração. É que foi utilizada a linguagem falada na conduta típica do querelado (programa de rádio). Pois bem, o adjetivo "zero à esquerda em tudo" utilizado metaforicamente pelo querelado, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa representa "um indivíduo destituído de qualquer valor, sem competência, capacidade ou préstimo; nada, nulidade, zero". Pois bem, o crime de imprensa na modalidade de difamação é um delito comum quanto ao sujeito, doloso, formal, comissivo e instantâneo. Já o na modalidade de injúria é um delito comum quanto ao sujeito, doloso, formal, de forma livre, quase sempre comissivo, instantâneo. Em suma, o querelado é plenamente imputável por todos os delitos contidos na sua conduta. Portanto, da análise da conduta do querelado, percebe-se que estão preenchidos todos os requisitos e elementares do tipo penal descrito no artigo (difamação), quais sejam: 1) a imputação da prática de determinado fato (afirmar que o querelante é um zero à esquerda em tudo, apagado sem tempero); e 2) a característica de ser esse fato desonroso, porém não criminoso (é objetiva e extremamente desonroso promover o ódio, materializando-o através de expressões que minimizam a pessoas do querelante, fazendo com que o mesmo possa parecer uma pessoa despreparada); 3) a imputação ser feita por intermédio dos meios de comunicação; é indubitável que a reportagem produzida pelo querelado atinge toda a região em que o querelante atua politicamente). Bem assim, estão presentes os requisitos elementares do crime de imprensa capitulados na Lei de Imprensa (injúria) contra o querelante, quais sejam: 1) emissão de juízo de valor depreciativo em relação à vítima; 2) veiculação da ofensa nos meios de comunicação; é indiscutível a presença desse pressuposto. Quanto ao caráter ofensivo às honras objetiva e subjetiva do querelante, contidas na reportagem apócrifa do querelado, este se mostra cristalina e óbvia, diante de sua respectiva demonstração nesta peça. V. Trata-se, indubitavelmente, de matéria eleitoreira com o condão de colocar a população contra o requerente, o qual está bem cotado para ser candidato a deputado estadual no próximo pleito e favorecer a candidatura do requerido, acobertado pela imunidade parlamentar à ele conferida, e utilizada para o mal. VI. Por assim agir, tendo atuado com manifesto "animus injuriandi vel difamandi", incidiu o querelado, portanto, nas penas dos artigos 21 e 22 da Lei nº 5.250/67 ..." (fls. 02/05). Foi determinada a intimação do querelado para se manifestar sobre a possibilidade de aplicação do disposto no art. 72 da Lei nº 9.099/95 (audiência preliminar para possibilitar a composição dos danos e a aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade) (f. 23). O querelado informou nos autos, através de advogado constituído (f. 34), não ter interesse na designação de data para aplicação do referido dispositivo legal, sob o argumento de que a "instrução a ser realizada no presente feito comprovará a inveracidade das alegações pelo Querelante" (f. 33). Diante da referida manifestação, foi determinada a notificação do querelado para, na forma do art. 4º da Lei nº 8038/90, apresentar resposta, no prazo de quinze dias (f. 36). Em sua resposta, o querelado pede, preliminarmente, a rejeição da queixa-crime por dois argumentos: a) falta de juntada da notificação prevista no art. 57 da Lei nº 5250/67, indispensável por se tratar de crimes praticados por meio de radiodifusão; b) por ter agido na qualidade de parlamentar, defendendo interesse da coletividade local e, assim, amparado pela imunidade material por suas opiniões, palavras e votos, nos termos do art. 53 da Constituição Federal, até porque pediu a adoção de providências por parte da Assembléia Legislativa do Paraná para apurar os fatos denunciados (documento de f. 60/TJ). Caso assim não se entenda, requereu a improcedência da queixa-crime, sustentando que o conteúdo da matéria veiculada não ofende a honra do querelante por se tratar de livre manifestação de opinião a respeito da administração realizada pelo mesmo no Município de Fazenda Rio Grande, cujo exercício não é objeto de repressão, conforme disposto no art. 220 e § 1º da Constituição Federal. Ao final, requereu a produção de prova testemunhal e pericial no CD que instruiu a petição inicial (fls. 41/57). Juntou os documentos de fls. 58/60. Intimado para se manifestar sobre o documento juntado à f. 60 (f. 65), consubstanciado em correspondência enviada pelo querelado ao Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná em 25/05/2000 relatando haver denúncias de prática de nepotismo na Prefeitura Municipal de Fazenda Rio Grande e pedindo a adoção de providências para apuração e resolução dos fatos, o querelante, através de sua advogada, informou "que não há prática de nepotismo na Prefeitura Municipal de Fazenda Rio Grande, sendo inverídica a acusação feita pelo querelado" (f. 71). Com vista dos autos para fins do art. 5º, parágrafo único da Lei nº 8038/90, a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às fls. 78/81, requerendo a realização de diligência para que se proceda, junto ao Instituto de Criminalística do Estado do Paraná, a degravação do CD anexado à inicial. A perícia solicitada foi realizada conforme o laudo de análise e conteúdo fonográfico (CD-R) de fls. 89/103. Com a manifestação do querelante e do querelado (fls. 108 e 118), foi dada nova vista dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça que se manifestou pela rejeição das preliminares argüidas pelo querelado e pelo recebimento da queixa-crime, ressaltando, quanto aos fatos descritos na peça inicial e a correspondente capitulação legal, que das afirmações feitas pelo querelado durante o programa radiofônico observa-se narrativas que se amoldam aos crimes de injúria e calúnia (arts. 22 e 20 da Lei nº 5250/67) (fls. 133/137). O querelado obteve vista dos autos e apresentou a petição de fls. 145/151, requerendo que a peça seja anexada aos autos "como parte integrante da defesa preliminar anteriormente apresentada", em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (f. 145). Na referida peça, aduziu o seguinte: a) não caracterização de abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação quando manifestada por homem público, radialista, e inspirada no interesse público (art. 27, VIII da Lei nº 5250/67), como no caso, a favor da coletividade, no interesse público em combater o nepotismo e irregularidades que acha impróprias para uma Prefeitura; b) o querelado teceu suas manifestações no exercício do direito de crítica e informação assegurados pelo art. 5º, IX da Constituição Federal; c) a revogação dos crimes contra a honra previstos no Código Penal e na Lei de Imprensa, na medida em que a Constituição Federal permitiu apenas uma sanção pecuniária de natureza civil para a ofensa a honra, vedando, implicitamente, a sanção penal. É o relatório. Voto. 1. Da preliminar de ausência de juntada da notificação prevista no art. 57 da Lei nº 5.250/67. O querelado, em seu defesa e em sede preliminar, argüi que os supostos crimes relatados na queixa-crime foram praticados por meio de radiodifusão e, assim, a inicial deveria ter vindo instruída com a notificação do art. 57 da Lei nº 5.250/67, sob pena de rejeição. O artigo 43 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), ao se referir à denúncia ou queixa na hipótese dos crimes previstos na referida legislação, traz ressalva no sentido de que, se "a infração penal tiver sido praticada através da radiodifusão, a denúncia ou queixa será instruída com a notificação de que trata o art. 57", o qual trata da petição inicial da ação para haver reparação de dano moral, que deverá ser instruída "com o exemplar do jornal ou periódico que tiver publicado o escrito ou notícia, ou com a notificação feita, nos termos do art. 53, § 3º, à empresa de radiodifusão". Entretanto, no caso em que o querelante traz, na inicial, meio comprobatório da suposta ofensa, como ocorre na hipótese em exame, a jurisprudência de nossos Tribunais tem se manifestado no sentido de dispensar a notificação do art. 57 da Lei nº 5250/67, a qual, conforme observado pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa, no voto proferido como Relator do Inquérito nº 2134/PA, julgado pelo Pleno do egrégio Supremo Tribunal Federal, "visa evitar a destruição de provas eventualmente úteis à elucidação dos fatos", de forma que, tal previsão, "não invalida, contudo, outros meios de prova que podem ser utilizados pelo querelante" (STF, Tribunal Pleno, DJU de 02/02/2007). Neste sentido as decisões de nossos Tribunais Superiores, verbis: "CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. LEI DE IMPRENSA. Legitimidade do MP para o oferecimento da denúncia, quando a ofensa é dirigida contra parlamentar no exercício de suas funções (Lei 5.250/67, art. 40, I, b). Desnecessidade da notificação prevista no art. 57, quando a suposta ofensa pode ser aferida mediante degravação de fita cassete. 'Animus difamandi' não caracterizado. A sugestão feita em entrevista radiofônica, de que um certo fato, noticiado por outrem, supostamente difamatório, deve ser objeto de apuração, não caracteriza crime de difamação. Denúncia rejeitada" (STF, Tribunal Pleno, Inq 2040/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU de 18/06/2004). "DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE IMPRENSA: DIFAMAÇÃO E INJÚRIA (ARTIGOS 21 e 22 DA LEI DE IMPRENSA - Nº 5.250, DE 9.2.1967). AÇÃO PENAL: LEGITIMIDADE ATIVA. QUEIXA-CRIME. ARTIGOS 145, PARÁGRAFO ÚNICO, 141, II, DO CÓDIGO PENAL, 40, I, "B", E 23, II, DA LEI DE IMPRENSA E 24, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NOTIFICAÇÃO (ARTIGOS 43, 57 E 58, § 3º, DA LEI DE IMPRENSA). "HABEAS CORPUS". 1. Sendo o ofendido Assessor de Imprensa da Prefeitura Municipal, mas sem vínculo empregatício ou funcional com o Município, e havendo sido atingido em sua honra pessoal, tinha legitimidade ativa para a ação penal, por crimes de difamação e injúria, cometidos em programa radiofônico, podendo, pois, para tal fim, ajuizar Queixa-Crime contra o ofensor, não se lhe podendo exigir a representação de que tratam os artigos 40, I, "b", e 23, II, da Lei de Imprensa. 2. Tendo sido providenciada, ao ensejo da apresentação da Queixa-Crime, a degravação da fita radiofônica, na qual se achavam gravadas as palavras ofensivas, não havia, também, no caso, necessidade de apresentação da notificação prevista nos artigos 43, 57 e 58, § 3º, da mesma Lei. 3. "H.C." indeferido." (STF, 1ª Turma, HC 73733-1, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU de 13/09/2006). "RECURSO DE HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA PRATICADO ATRAVÉS DE RADIODIFUSÃO. DENUNCIA RECEBIDA, SEM A PRÉVIA NOTIFICAÇÃO DE QUE TRATA O ART. 43 DA LEI DE IMPRENSA. NÃO E ESSENCIAL A NOTIFICAÇÃO PREVIA SE A PRÓPRIA GRAVAÇÃO FOI JUNTA AOS AUTOS, SEM IMPUGNAÇÃO OU RECUSA DO ACUSADO, NÃO SE CONSTITUINDO A FALTA EM NULIDADE ABSOLUTA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. RECURSO DE HABEAS CORPUS IMPROVIDO" (STF, 1ª T., RHC 66107/RS, Rel. Min. Oscar Correa, DJU de 12/05/88). "RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA. CALÚNIA. FALTA DE RECONHECIMENTO DA FIRMA DOS REPRESENTANTES NA PROCURAÇÃO. MERA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO SUPRIDA PELA JUNTADA DO CD E DA DEGRAVAÇÃO. DECADÊNCIA NÃO OCORRIDA. IMPOSSIBILIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NEGADO PROVIMENTO. 1- A falta de reconhecimento da firma dos representantes na procuração é mera irregularidade, que não invalida a representação, que não contém forma prescrita em Lei. 2- A ausência da notificação prevista nos artigos 43, 47 e 58, § 3º, da Lei de Imprensa, fica suprida pela juntada do respectivo CD e de sua degravação. 3- A decadência não se opera, se a representação é apresentada ao Ministério Público dentro dos três meses após a transmissão do ato caluniador. 4- Só é possível o trancamento da ação penal quando presente causa extintiva da punibilidade, facilmente verificável ou matéria fática, constatada de plano. 5- Negado provimento ao recurso." (STJ, 5ª T., RHC 20.681/MG, Rel. Des. Conv. Jane Silva, DJU de 01.10.2007). "PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE IMPRENSA. QUEIXA ACOMPANHADA DA FITA MAGNÉTICA CONTENDO A GRAVAÇÃO DO PROGRAMA NO QUAL, EM TESE, OCORREU A OFENSA. PRESCINDIBILIDADE DA NOTIFICAÇÃO. PREVISTA NO ART. 57 DA LEI Nº 5.250/67. Se o querelado não impugnou a juntada nos autos, com a queixa, da fita magnética contendo a gravação do programa em que, em tese, teria ocorrido a suposta ofensa, desnecessária se torna a notificação prévia contida no art. 57 da Lei nº 5.250/67, como condição da ação penal. Recurso desprovido" (STJ, 5ª T., REsp 755.512/RN, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJU de 27.03.2006). Desse modo, como a queixa-crime veio acompanhada de CD contendo a gravação do programa radiofônico (f. 07), o qual foi encaminhado à polícia científica e degravado (fls. 88/103), contendo a respectiva degravação o teor das afirmações feitas pelo querelado, e, considerando-se que este, em nenhum momento impugnou a veracidade do teor da gravação contida no CD apresentado com a inicial, restou suprida a falta de notificação prevista na Lei de Imprensa e, conseqüentemente, rejeita-se a preliminar argüida. 2. Da alegação de imunidade parlamentar - art. 53 da Constituição Federal. Alega o querelado, em sua defesa, que agiu amparado pela imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição Federal, segundo o qual os Deputados e Senadores "são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos". Segundo a argumentação apresentada em sua peça de defesa, o querelado, no programa de radiodifusão, dirigiu-se à pessoa do querelante na qualidade de Parlamentar, defendendo interesse da coletividade local, tendo, inclusive, encaminhado missiva ao Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná narrando que lhe foi denunciada a prática de nepotismo na Prefeitura Municipal de Fazenda Rio Grande. A imunidade material prevista no artigo 53 da Constituição Federal não se reveste de caráter absoluto, estando sujeita a certas limitações, conforme a doutrina de Alexandre de Moraes, verbis: "... A imunidade material exige relação entre as condutas praticadas pelo parlamentar e o exercício do mandato. Assim, haverá integral aplicabilidade dessa inviolabilidade, desde que as palavras, votos e opiniões decorram do desempenho das funções parlamentares, e não necessariamente exige-se que sejam praticadas nas comissões ou no plenário do Congresso Nacional ..." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Atlas, 2ª ed., 2003). No caso em exame, o querelado, embora exerça mandato de deputado estadual, apresenta um programa de rádio denominado Balanço Geral, onde proferiu as supostas ofensas que deram ensejo à presente queixa-crime. Conforme se observa da degravação realizada pela polícia científica, uma ouvinte que se intitulou como cidadã e servidora municipal de Fazenda Rio Grande, demonstrou sua indignação com relação ao Prefeito daquela localidade, tendo, inclusive, realizado afirmações sugerindo a prática de nepotismo naquela municipalidade, sobrevindo, na seqüência, as afirmações feitas pelo ora querelado e que foram transcritas na queixa-crime de fls. 02/05. Tais palavras, especialmente no que diz respeito as afirmações supostamente ofensivas feitas diretamente ao querelante Alisson Anthony Wandscheer, narradas na queixacrime, não podem ser consideradas, de plano, como decorrentes do mandato parlamentar de deputado estadual que o querelado exercia ao tempo dos fatos, e ainda exerce, até mesmo porque o próprio querelante não é o Prefeito de Fazenda Rio Grande, Antonio Wandscheer, mas seu filho. As afirmações feitas pelo querelado Geraldo Cartário Ribeiro contra o querelante Alisson Anthony Wandscheer, constantes da queixa-crime e do laudo de fls. 89/103, não podem ser consideradas situadas dentro de um limite de simples opinião a respeito do querelante, ou que guardem uma relação com o exercício do mandato de deputado estadual, para poderem ser consideradas protegidas pela imunidade material suscitada. Não há como se confundir a atuação parlamentar com a atividade típica de comentarista ou condutor de programa de rádio (ou televisão), mesmo quando se está discorrendo sobre assuntos de interesse da coletividade, evitando-se, com isto, que a imunidade material prevista na Constituição Federal sirva para acobertar comentários que excedam uma simples crítica política. Na esteira da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, malgrado a inviolabilidade do artigo 53 da Constituição Federal alcance hoje "quaisquer opiniões, palavras e votos" dos deputados e senadores, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, ela não cobre as ofensas que, por seu conteúdo e o contexto em que foram perpetradas, sejam de todo alheias à condição do agente (cfme. STF, Inquérito 1905/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 21/05/2004). Para o reconhecimento da imunidade material dos parlamentares há de existir, entre a atividade parlamentar e as declarações do congressista, um nexo de causalidade. A propósito do tema, vejam-se as seguintes decisões do Tribunal Pleno do egrégio Supremo Tribunal Federal, verbis: "QUEIXA-CRIME AJUIZADA POR PREFEITO CONTRA PARLAMENTAR, POR INFRAÇÃO AOS ARTS 20, 21 E 22 DA LEI DE IMPRENSA. DELITOS QUE TERIAM SIDO PRATICADOS POR MEIO DE DECLARAÇÕES FEITAS EM PROGRAMA DE TELEVISÃO APRESENTADO PELO ACUSADO. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INVIOLABILIDADE E SUA CUMULAÇÃO COM AS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE DO QUERELANTE, DEFICIÊNCIA NA PROCURAÇÃO E FALTA DE JUSTA CAUSA POR INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO VOLTADO A ATINGIR A HONRA DA VÍTIMA. SUBSUNÇÃO DOS FATOS À CONDUTA TÍPICA DESCRITA NA INICIAL ACUSATÓRIA. A inviolabilidade (imunidade material) não se restringe ao âmbito espacial da Casa a que pertence o parlamentar, acompanhando-o muro a fora ou externa corporis, mas com uma ressalva: sua atuação tem que se enquadrar nos marcos de um comportamento que se constitua em expressão do múnus parlamentar, ou num prolongamento natural desse mister. Assim, não pode ser um predicamento 'intuitu personae', mas rigorosamente 'intuitu funcionae', alojando-se no campo mais estreito, determinável e formal das relações institucionais públicas, seja diretamente, seja por natural desdobramento; e nunca nas inumeráveis e abertas e coloquiais interações que permeiam o dia-a-dia da sociedade civil. No caso, ficou evidenciado que o acusado agiu exclusivamente na condição de jornalista -- como produtor e apresentador do programa de televisão --, sem que de suas declarações pudesse se extrair qualquer relação com o seu mandato parlamentar ..." (STF, Tribunal Pleno, Inquérito 2036/PA, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 22/10/2004). "QUEIXA-CRIME EM QUE SE IMPUTA A DEPUTADO FEDERAL CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS. 20, 21 E 22 DA LEI 5.250/1967. DELITOS QUE TERIAM SE CONSUMADO ATRAVÉS DE DECLARAÇÕES EM PROGRAMA TELEVISIVO DO QUAL O QUERELADO É APRESENTADOR. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, INÉPCIA E IRREGULARIDADE DO INSTRUMENTO DE MANDATO AFASTADAS. NÃO-INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE MATERIAL PARLAMENTAR, QUANDO AS DECLARAÇÕES SUPOSTAMENTE OFENSIVAS NÃO GUARDAM RELAÇÃO COM O EXERCÍCIO DO MANDATO PARLAMENTAR. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE EM RELAÇÃO AOS CRIMES DE INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE CALÚNIA: AUSÊNCIA DE PARTICULARIZAÇÃO DA CONDUTA CRIMINOSA. ... A imunidade material prevista no art. 53, caput, da Constituição não é absoluta, pois somente se verifica nos casos em que a conduta possa ter alguma relação com o exercício do mandato parlamentar. Embora a atividade jornalística exercida pelo querelado não seja incompatível com atividade política, há indícios suficientemente robustos de que as declarações do querelado, além de exorbitarem o limite da simples opinião, foram por ele proferidas na condição exclusiva de jornalista. Precedente. ..." (STF, Tribunal Pleno, Inquérito 2134/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de 02/02/2007). Sobre o tema e, em caso semelhante envolvendo outra reportagem feita pelo mesmo querelado, este Órgão Especial já decidiu recentemente, verbis: "... (7) Imunidade parlamentar - Escudo protetor do mandato e não da pessoa física que ocupa o cargo - Causa excludente da tipicidade da conduta se configurada no caso concreto Inocorrência. A imunidade material é uma forma de exclusão da tipicidade da conduta e funciona como uma proteção inerente à função legislativa, para que esta seja exercida com independência. No entanto, a imunidade não pode se prestar a proteger a pessoa física do parlamentar, sob pena de criar privilégio indevido e corromper a proteção atribuída ao mandato. Queixa recebida ..." (TJPR, OE, Queixa-Crime nº 342451-3, Rel. Des. Oto Luiz Sponholz, j. em 21/09/2007). Desse modo, como o querelado não conseguiu evidenciar a existência de um nexo causal entre as suas declarações e a sua atividade parlamentar, de forma que os fatos a ele atribuídos fossem resultado de expressão da atividade parlamentar que exerce, não há como se reconhecer que tenha ele agido amparado pela imunidade material prevista no art. 53 da Constituição Federal. Rejeita-se, assim, a alegação de imunidade material. 3. Alegação de inexistência de ofensa à honra do querelante. O querelado alega, em sua defesa, que o conteúdo da matéria veiculada não ofende a honra do querelante por se tratar de livre manifestação de opinião a respeito da administração realizada pelo mesmo no Município de Fazenda Rio Grande, cujo exercício não é objeto de repressão, conforme disposto no art. 220 e § 1º da Constituição Federal, verbis: "Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV." Neste momento é necessário fazer uma prévia observação quanto às partes envolvidas nesta queixa-crime. Lendo-se atentamente os fatos narrados na queixa-crime, especialmente as transcrições do programa radiofônico do querelado Geraldo Cartário Ribeiro, verifica-se que a pessoa que foi denominada como "zero à esquerda", o ora querelante Alisson Anthony Wandscheer é filho do Prefeito eleito do Município de Fazenda Rio Grande, Antonio Wandscheer (cfme. resultado das eleições municipais de 2004, obtido no sítio do Tribunal Superior Eleitoral). Desse modo, como a presente queixa-crime foi oferecida exclusivamente pelo querelante Alisson Anthony Wandscheer, somente podem ser avaliadas as afirmações tidas como ofensivas que foram proferidas contra a sua pessoa, especificamente aquelas que o qualificam como "um zero à esquerda". Quanto às afirmações contidas em outro trecho do programa, ressaltadas na inicial e também pela douta Procuradoria-Geral de Justiça e que se subsumiriam ao crime de calúnia em razão da descrição de eventual crime de concussão, por se fazer referência a proveito na venda de terreno pertencente ao próprio Prefeito do Município de Fazenda Rio Grande (f. 134), como não dizem respeito ao querelante Alisson Anthony Wandscheer, escapam do âmbito desta queixa-crime. Ademais, vale destacar, a título de argumentação, que o Prefeito Municipal de Fazenda Rio Grande, Antonio Wandscheer, ofereceu queixa-crime contra o mesmo querelado, com relação ao mesmo programa radiofônico transmitido no dia 10 de março de 2006 pela CR Radiodifusão Ltda, a qual já foi recebida por decisão deste Órgão Especial, de 05/10/2007, sendo feita expressa referência no teor do respectivo acórdão quanto a esta específica situação fática, capaz de ensejar o reconhecimento do crime de calúnia previsto no art. 20 da Lei nº 5250/67 (Queixa-Crime nº 336.431-4, acórdão nº 8197). Pois bem, restringindo-se a presente queixa-crime às expressões de "zero à esquerda" imputadas ao ora querelante, deve se perquirir acerca dos crimes que são expressamente imputados ao querelado na inicial: difamação e injúria. Na fala do querelante, as expressões do querelado ofensivas a sua honra objetiva e subjetiva são as seguintes: "... Ora, um prefeito que coloca o cunhado dele à frente de três secretarias municipais, primeiro ele brinca e coloca um filho dele que é um zero à esquerda. É ..., não vô falá mais nada, não sei, zero à esquerda em tudo. Até ... até pra sorri ele não consegue. Porque ele é tudo à esquerda. É ... é ... é um apagado. É um sujeito que não teve tempero. Taí todo belo e formoso, mas se chegá perto você sente que ele não tem ... não tem tempero nenhum. ... " (fls. 92/93, grifei). Dessas afirmações feitas pelo querelado contra a pessoa do querelante não há como deixar de admitir estarem presentes os elementos mínimos de autoria e materialidade para o recebimento da queixa-crime pelo crime de injúria, definido, tanto na Lei de Imprensa (art. 22), como no Código Penal (art. 140) como: "Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro". Certamente, o fato de intitular certa pessoa de "zero à esquerda", aliás, "zero à esquerda em tudo", pode, em tese, ofender a dignidade. No crime de injúria, ao contrário da calúnia e da difamação, não há imputação de fatos, mas emissão de conceitos negativos sobre a vítima, que atingem os atributos pessoais de estima própria, de juízo positivo que cada um tem de si mesmo. Dignidade é o sentimento da própria honorabilidade ou valor social, que pode ser lesada com determinadas expressões. Decoro é o sentimento, a consciência da própria respeitabilidade pessoal, a decência, respeitabilidade que a pessoa merece e que é ferida quando, por exemplo, se chama alguém de algum adjetivo pejorativo. Para efeito de recebimento da queixa-crime, devem ser analisados os requisitos dos arts. 41 do Código de Processo Penal, verbis: "Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas." Dessa forma, verifica-se que a queixa-crime cumpriu os pressupostos do art. 41, uma vez que contém a completa exposição do suposto fato criminoso (crime de injúria), a qualificação do acusado, a classificação do delito e o rol de testemunhas, e não se encontram presentes as hipóteses de rejeição do art. 43 do mesmo Código. A propósito, vale destacar que não se consumou, até o momento, o lapso prescricional de dois (2) anos, a contar da data da transmissão incriminada (10/03/2006), previsto para a prescrição da ação penal nos crimes definidos na Lei nº 5250/67 (art. 41), nem tampouco o prazo decadencial de três (3) meses previsto no § 1º do art. 41 da Lei de Imprensa, pois a reportagem foi transmitida no dia 10 de março de 2006 e a queixacrime foi protocolada em 10 de abril de 2006 (f. 05). Já com relação ao crime de difamação, não há como se concluir acerca da existência de prova mínima da autoria e materialidade, pois, como já antes enfatizado, das afirmações feitas pelo querelado contra o ora querelante que são objeto desta queixa-crime não se consegue extrair qualquer imputação de fatos que possam, em tese, configurar o referido delito. Para a configuração do crime de difamação é necessário que "o fato seja determinado e que essa determinação seja objetiva, pois uma imputação vaga, imprecisa, mais se enquadra na injúria, ofensa à dignidade ou decoro" (STF, AP 239, RTJ 89/366), o que não se verifica na hipótese em exame. As assertivas do querelado, em relação à pessoa do querelante, são genéricas, não se referem a fatos específicos e determinados, requisitos esses do crime de difamação (e também de calúnia, quando tais fatos configurem crime). Nos casos em que não há a indicação de uma situação concreta a justificar a difamação (ou a calúnia), mas simples afirmações vagas e imprecisas, sem que o querelado tenha se pautado em hipótese individualizável ou determinável, o egrégio Supremo Tribunal Federal tem entendido que, em tese, somente poderia estar configurada a injúria. A propósito do tema, vejam-se os seguintes julgados, verbis: "... Os crimes de calúnia e difamação exigem afirmativa específica acerca de fato determinado. Configura-se como injúria, por outro lado, as assertivas genéricas que não consideram fatos específicos, mas simplesmente se referem a afirmações vagas e imprecisas feitas à pessoa do querelante ..." (STF, Tribunal Pleno, Inq. 1937/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de 27/02/2004). "INQUÉRITO. CRIME CONTRA A HONRA. DELITO DE IMPRENSA. SUJEITO PASSIVO: DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. AUSÊNCIA DE FATO DETERMINADO. INJÚRIA. 1. Denúncia de prática de crime por parte de Senador da República contra a honra de Deputado Federal. Competência do Supremo Tribunal Federal. Ação penal pública condicionada à representação, dado que as ofensas foram dirigidas a servidor público 'lato sensu' e guardam estreita relação com o exercício da função (Lei 5250/67, artigo 40, I, b). 2. Para a caracterização dos crimes de calúnia e difamação requer-se que a imputação verse sobre fato determinado. Embora desnecessário maiores detalhes, essencial é que o fato seja individualizável, tenha existência história e possa, assim, ser identificado no tempo e no espaço. Se for criminoso, poderá haver calúnia e, em caso contrário, difamação. Ausente a determinação, configura-se apenas o delito de injúria. 3. Situação concreta em que o denunciado atribuiu qualidades negativas ao ofendido, relacionadas a fatos vagos e imprecisos, o que afasta a possibilidade de enquadramento da conduta como difamação, restando a viabilidade de qualificar a hipótese como crime de injúria. 4. Cabível, em tese, a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da lei 9099/95, o momento para sua proposição coincide com o oferecimento da denúncia. Sua ausência, porém, não impede que o Tribunal exerça o juízo de admissibilidade da 'persecutio criminis' e, em caso positivo, provoque o Ministério Público acerca da questão. Denúncia recebida em parte, apenas quanto ao delito previsto no artigo 22 da Lei de Imprensa." (STF, Tribunal Pleno, Inq. 1938/BA, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJU de 01/08/2003). "CRIME CONTRA A HONRA - INJÚRIA 'VERSUS' DIFAMAÇÃO. Diversas são as figuras. Enquanto a injúria fica configurada com frase genérica, a difamação pressupõe a atribuição, a outrem, de algo determinado. Inexistente a imputação de um certo ato, descabe cogitar da figura mais gravosa." (STF, HC 71826/RJ, 2º Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 29/09/95). Desse modo, não estando presente o pressuposto do fato concreto, na medida em que as declarações do querelado, com relação ao querelante, tiveram caráter de generalidade, imputando-se-lhe qualidades negativas, infere-se a presença de circunstâncias suficientes apenas para a caracterização, em tese, do delito de injúria, observados os limites impostos a esta fase processual. Quanto às alegações do querelado no sentido de que o conteúdo da matéria veiculada não ofende a honra do querelante, por se tratar de fato verídico, relacionado à sua administração no Município de Fazenda Rio Grande, não servem para autorizar a rejeição da queixa-crime. Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a decisão de recebimento da denúncia ou da queixa trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo que nesta fase processual, de formulação de um simples juízo de delibação, é vedada a incursão mais aprofundada nos elementos existentes no processo, admitindo-se apenas a verificação se determinado fato apresenta, ou não, adequação típica. Por essas razões, é de ser recebida a queixa-crime apenas quanto ao crime de injúria. Com relação às alegações novas formuladas pelo querelado na peça de fls. 145/151, apresentadas após o pedido de vista, e que não fizeram parte da defesa prévia oferecida regularmente às fls. 41/57, encontram óbice na ocorrência da preclusão consumativa, instituto processual plenamente aplicável com vistas a conferir ordem ao andamento do feito conforme observado pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa no voto proferido como relator do habeas corpus nº 87563-7/SP. Sobre a preclusão consumativa, enfatizou o eminente Ministro Joaquim Barbosa no referido julgado, verbis: "(...) Ainda que determinado ato processual seja praticado dentro do prazo estabelecido pela lei, tendo sido esse ato já executado, encerra-se nesse instante a fase a ele correspondente, operando-se a preclusão desse direito, pois consumado o ato. O que justifica o instituto da preclusão é justamente a ordenação do feito de modo a evitar que atos processuais sejam praticados em momentos inoportunos (...)" (STF, 2ª T., HC 87563-7/SP, DJU de 13/04/2007). Por se tratar de procedimento de crime previsto na lei de imprensa (Lei nº 5250/67), se for caso de recebimento da queixa-crime, o réu ainda terá a oportunidade de se manifestar em sede de alegações escritas (art. 45, IV da Lei nº 5250/67). Por derradeiro, é de rigor que seja observada a possibilidade de aplicação da suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9099/95), cabível, em tese, em face da pena mínima cominada ao crime de injúria, prevista quer no Código Penal (art. 140), quer na Lei de Imprensa (art. 22), ser inferior a um ano. Quanto à legitimidade para eventual oferecimento de proposta da suspensão condicional do processo, a Corte Especial do egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de ser cabível o benefício do art. 89 da Lei 9.099/95 em crimes de ação penal privada, sendo necessário que o magistrado, ao receber a queixa-crime, abra vista dos autos para que o querelante, órgão acusador da ação penal, possa se manifestar quanto à proposta do sursis processual. A emenda do precedente referido, na parte que interessa, tem o seguinte teor, verbis: "(...) II - A Lei nº 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada, sendo que a legitimidade para o oferecimento da proposta é do querelante. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso). Queixa recebida em relação ao crime previsto no art. 139 c/c art. 141, inciso III, do Código Penal, determinando-se a abertura de vista ao querelante a fim de que se manifeste a respeito da suspensão condicional do processo, em observância ao art. 89 da Lei nº 9.099/95 (...)" (STJ, Corte Especial, Apn 390/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 06.03.2006, DJU de 10.04.2006, p. 106). Não se pode de ofício decidir sobre eventual suspensão condicional do processo. Recebida a queixa-crime, deve ser dada vista dos autos ao querelante para se manifestar sobre a proposta de suspensão condicional do processo a que se refere o art. 89 da Lei nº 9.099/95. Por derradeiro, cumpre também observar que a decisão do Plenário do colendo Supremo Tribunal Federal, tomada no dia 27 de fevereiro do corrente ano, referendando a medida liminar deferida pelo eminente Ministro Carlos Ayres Brito na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF nº 130, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), e, assim, mantendo suspensos vários dispositivos da Lei de Imprensa, dentre eles os artigos 20, 21, 22 e 23, referentes aos crimes de calúnia, difamação e injúria, não acarreta a suspensão do presente feito. A propósito, colhe-se o seguinte teor do Informativo nº 496 do STF, verbis: "O Tribunal, por maioria, referendou liminar deferida em argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para o efeito de suspender a vigência da expressão "a espetáculos de diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem", contida na parte inicial do § 2º do art. 1º; do § 2º do art. 2º; da íntegra dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 65; da expressão "e sob pena de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou transmissão que lhe der causa", constante da parte final do art. 56; dos §§ 3º e 6º do art. 57; dos §§ 1º e 2º do art. 60; da íntegra dos artigos 61, 62, 63 e 64; dos artigos 20, 21, 22 e 23; e dos artigos 51 e 52, todos da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa). Preliminarmente, tendo em conta o princípio da subsidiariedade, o Tribunal, também por maioria, conheceu da ação. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que não a conhecia por reputar inadequada a argüição. No mérito, entendeu-se configurada a plausibilidade jurídica do pedido, haja vista que o diploma normativo impugnado não pareceria serviente do padrão de democracia e de imprensa vigente na Constituição de 1988 (CF, artigos 1º; 5º, IV, V, IX e XXXIII e 220, caput e § 1º). Considerou-se, ademais, presente o perigo na demora da prestação jurisdicional, afirmando-se não ser possível perder oportunidade de evitar que eventual incidência da referida lei, de nítido viés autoritário, colidisse com aqueles valores constitucionais da democracia e da liberdade de imprensa. Vencidos, em parte, os Ministros Menezes Direito, Eros Grau e Celso de Mello, que, desde logo, suspendiam a vigência de toda a Lei 5.250/67, autorizando a aplicação da legislação ordinária de direito civil e de direito penal, e o Min. Marco Aurélio, que negava referendo à liminar. O Tribunal, empregando por analogia o art. 21 da Lei 9.868/99, estabeleceu o prazo de 180 dias, a contar da data da sessão, para retorno do feito para o julgamento de mérito. ADPF 130 MC/DF, rel. Min. Carlos Britto, 27.2.2008. (ADPF-130)". Conforme a decisão tomada pelo Plenário do colendo Supremo Tribunal Federal, e foi veiculado nas notícias do STF, no dia 27 de fevereiro de 2008, no sítio do Supremo Tribunal Federal, os juízes de todo o país estão autorizados a utilizar, quando cabível, regras dos Códigos Penal e Civil para julgar os processos que versem sobre os dispositivos que estão sem eficácia, sendo que somente no caso da impossibilidade de utilização das leis ordinárias para solucionar determinado litígio é que o processo deve permanecer paralisado, ficando com seu prazo prescricional suspenso. Na hipótese, infere-se que o crime de injúria descrito no Código Penal (art. 140) e na Lei nº 5250/67 (art. 22) contém idêntica tipificação, sendo mais rigorosa a sanção penal cominada para o crime de injúria definido na Lei de Imprensa. Assim, no momento oportuno, far-se-á, se for o caso, a correção da classificação jurídica mediante emendatio libelli para ajustá-la à situação fática descrita na queixa-crime, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal. Diante do exposto ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em receber parcialmente a queixa-crime quanto ao crime de injúria e determinar abertura de vista ao querelante para que se pronuncie quanto à suspensão condicional do processo, a teor do art. 89 da Lei nº 9099/95. Presidiu a sessão o senhor Desembargador Antonio Lopes de Noronha (sem voto) e dela participaram, votando com o relator, os senhores Desembargadores Wanderlei Resende, Ruy Fernando de Oliveira, Ivan Bortoleto, Idevan Lopes, José Augusto Gomes Aniceto, Lauro Augusto Fabrício de Melo, Costa Barros, Luiz Mateus de Lima, Rogério Coelho, Miguel Pessoa, José Maurício Pinto de Almeida, Marcos de Luca Fanchin, Oto Luiz Sponholz, Carlos Hoffman, Telmo Cherem e Ângelo Zattar. Curitiba, 07 de março de 2008 Des. Relator Jesus Sarrão