TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
QUEIXA-CRIME Nº 342444-8, DO FORO REGIONAL DE FAZENDA RIO
GRANDE DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA.
QUERELANTE: ALISSON ANTHONY WANDSCHEER. QUERELADO:
GERALDO CARTÁRIO RIBEIRO. RELATOR: DES. JESUS SARRÃO.
1. PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. LEI DE IMPRENSA. CRIMES DE
DIFAMAÇÃO E INJÚRIA IMPUTADOS A DEPUTADO ESTADUAL.
REPORTAGEM TRANSMITIDA PELA RÁDIO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA
DA NOTIFICAÇÃO PREVISTA NO ART. 57 DA LEI Nº 5250/67.
IRRELEVÂNCIA. QUEIXA-CRIME QUE VEIO ACOMPANHADA DE
GRAVAÇÃO, EM CD, DO PROGRAMA DE RÁDIO, O QUAL FOI
DEGRAVADO
PELA
POLÍCIA
CIENTÍFICA.
- A queixa-crime relativa a infração penal prevista na Lei de Imprensa e que tiver sido
praticada através da radiodifusão, prescinde da notificação prevista nos arts. 43 e 57 da
Lei nº 5250/67 quando vier acompanhada de gravação do programa radiofônico, o qual
foi encaminhado à polícia científica e degravado, contendo o teor das afirmações feitas
pelo querelado, sendo que este, em nenhum momento, impugnou a veracidade do teor
da
gravação
apresentada
com
a
inicial.
2. IMUNIDADE MATERIAL PARLAMENTAR. ART. 53 E § 1º DA CF/88. NÃOINCIDÊNCIA. DECLARAÇÕES SUPOSTAMENTE OFENSIVAS QUE NÃO
GUARDAM
RELAÇÃO
COM
O
EXERCÍCIO
DO
MANDATO
PARLAMENTAR.
- Conforme orientação jurisprudencial do egrégio Supremo Tribunal Federal, malgrado
a inviolabilidade do artigo 53 da Constituição Federal alcance hoje "quaisquer opiniões,
palavras e votos" dos deputados e senadores, ainda quando proferidas fora do exercício
formal do mandato, ela não cobre as ofensas que, por seu conteúdo e o contexto em que
foram perpetradas, sejam de todo alheias à condição do agente (STF, Inq. 1905/DF, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence). Para o reconhecimento da imunidade material dos
parlamentares há de existir, entre a atividade parlamentar e as declarações do
congressista,
nexo
de
causalidade.
3. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
EM RELAÇÃO AO CRIME DE INJÚRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DOS
DELITOS DE DIFAMAÇÃO, INDICADO NA QUEIXA-CRIME E DE
CALÚNIA, ESTE ÚLTIMO REFERIDO PELA DOUTA PROCURADORIAGERAL DE JUSTIÇA. QUEIXA-CRIME RECEBIDA EM PARTE.
- Os fatos narrados na queixa-crime configuram, em tese, o crime de injúria, sendo que
a existência de prova mínima da autoria e materialidade do delito autoriza o
recebimento
da
queixa-crime.
- Para a configuração da hipótese de crime de difamação é necessário que "o fato seja
determinado e que essa determinação seja objetiva, pois uma imputação vaga,
imprecisa, mais se enquadra na injúria, ofensa à dignidade ou decoro" (STF, AP 239,
RTJ
89/366).
4. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA, PELO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL (ADPF Nº 130), ENTRE OUTROS, DO ART. 22 DA LEI DE
IMPRENSA. RECEBIMENTO DA QUEIXA-CRIME COM BASE NA
IMPUTAÇÃO FÁTICA QUE SE AJUSTA AO TIPO DESCRITO NO ART. 140
DO CÓDIGO PENAL. POSSIBILIDADE DE 'EMENDATIO LIBELLI', NA
FASE PORCESSUAL PRÓPRIA, PARA AJUSTAR A CLASSIFICAÇÃO
JURÍDICA, AGORA PELO CÓDIGO PENAL, À IMPUTAÇÃO FÁTICA
CONTIDA
NA
QUEIXA-CRIME.
- O crime de injúria descrito no Código Penal (art. 140) e na Lei nº 5250/67 (art. 22)
contém idêntica tipificação, sendo mais rigorosa a sanção penal cominada para o crime
de injúria definido na Lei de Imprensa. Assim, no momento oportuno, far-se-á, se for o
caso, a correção da classificação jurídica mediante emendatio libelli para ajustá-la à
situação fática descrita na queixa-crime, nos termos do art. 383 do Código de Processo
Penal, não constituindo óbice, assim, ao prosseguimento do processo, a medida liminar
deferida pelo colendo Supremo Tribunal Federal na Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 130, em sessão Plenária de 27 de fevereiro de 2008.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Queixa-Crime, nº 342444-8, do Foro
Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em
que é querelante Alisson Anthony Wandscheer e querelado Geraldo Cartário Ribeiro.
Alisson Anthony Wandscheer apresentou, a este colendo Tribunal de Justiça, queixacrime contra o Deputado Estadual Geraldo Cartário Ribeiro, por matéria veiculada no
programa Balanço Geral, levada ao ar no dia 10 de março de 2006, pela CR
Radiodifusão Ltda, com pedido de processamento previsto em lei com vistas à
condenação do querelado "nas penas dos arts. 21 e 22 da Lei nº 5.250/67" (f. 05), em
concurso material, pelo cometimento dos crimes de difamação e injúria, estando a
imputação
deduzida
nos
seguintes
termos,
verbis:
"... I. Em 10/03/2006 foi transmitida pela rádio CR RADIODIFUSÃO, reportagem
mentirosa em que o deputado e dublê de radialista ofendeu a moral e a honra do
requerente, imputando-lhe fatos que ofenderam sua reputação e dignidade. Saliente-se
que todas as ofensas foram de cunho pessoal, ou seja, perpetradas fora do âmbito da
Assembléia Legislativa e sem qualquer relação com o exercício do mandato.
II. O requerido, de forma irresponsável e criminosa, atacou a figura do querelante, o fez
proferindo inverdades e impropérios, atitudes que, vale salientar, acontecem de forma
reiterada e criminosa por via das ondas da rádio de propriedade do requerido.
III. Dentre as inúmeras inverdades e acusações pérfidas proferidas pelo requerido,
destacam-se
as
seguintes:
Rádio Nacional - programa Balanço Geral transmitido em 10/13/2006
"(...)
Deputado Geraldo Cartário: (...) ora, um prefeito que coloca o cunhado dele à frente de
3 secretarias municipais, primeiro ele brinca e coloca um filho dele que é um zero à
esquerda. (...) Zero à esquerda em tudo. Até para sorrir ele não consegue, porque ele é
tudo à esquerda. É um apagado. Um sujeito que não teve tempero. Taí todo belo e
formoso, mas se chegar perto você sente que ele não tem tempero nenhum. Ele coloca o
cunhado dele ocupando 3 funções. Ele coloca todos os familiares dele dentro da
prefeitura. Pagando altos salários como esta professora acabou de falar. (...) a bandeira
está colocada numa prefeitura construída pelo prefeito Cartário Jr, numa praça que ela
se encontra, construída pelo Pref. Cartário Jr, as avenidas ali, as ruas asfaltadas e
iluminação pelo Pref. Cartário Jr, não tem nada de Wandscheer, não tem nada de Foz do
Iguaçu nessa brincadeira, eles estão ali de atrevidos, e tem muita gente ocupando cargos
atrevidos, (...) patriotismo que eles acham que faltou a este movimento, que eles acham
que eles têm. Agora o patriotismo hoje declarado por eles, é apenas o patriotismo do
dinheiro. Eles não querem saber de município, nem de estado, nem de país, de coisa
nenhuma, o patriotismo hoje de todos os especuladores, é uma doença que se chama
dinheiro. Quanto mais eles têm, mais eles querem. (...) quem não sabe quanto valeu e
rendeu para o prefeito de Fazenda Rio Grande o fato de ele ser prefeito. Quantos e
quantos milhões ele faturou em cima? Há poucos dias atrás, as Casas Bahia chegaram lá
e tiveram que falar com o prefeito. O prefeito falou: aqui só sai a obra se comprar o
terreno da minha firma. Foram lá e pagaram o que ele quis. Agora, poucos dias atrás me
deram outra informação, que outra empresa comprou 3 lotinhos pequenos pela
importância de 700 mil reais. Ele compra um terreno de 800 mil reais e vende para a
CEF por 1 milhão e 200, então o patriotismo, este prefeito não tem moral, não tem
moral nenhuma. Ele até é muito ousado, em querer criticar funcionários públicos que se
reúnem em frente a prefeitura, para se posicionar e mandar um recado para a população
da porcaria do mandato que este camarada está fazendo, de oportunismo e ele não tem o
direito de dizer que eles não tem patriotismo, (...) desde que a CEF dê dinheiro para ele,
o Banco do Brasil, tomando o terreno de pessoas que pagaram a vida toda (...) o
patriotismo desse raivoso é dinheiro. (...) ele falou numa rádio dele? Ele comprou uma
rádio?
(...)".
IV. Nenhuma das malsinadas alegações E INSINUAÇÕES condizem com a realidade.
Abre-se um breve parêntesis elucidativo acerca da forma de cometimento dos delitos em
apuração. É que foi utilizada a linguagem falada na conduta típica do querelado
(programa
de
rádio).
Pois bem, o adjetivo "zero à esquerda em tudo" utilizado metaforicamente pelo
querelado, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa representa "um indivíduo
destituído de qualquer valor, sem competência, capacidade ou préstimo; nada, nulidade,
zero".
Pois bem, o crime de imprensa na modalidade de difamação é um delito comum quanto
ao sujeito, doloso, formal, comissivo e instantâneo. Já o na modalidade de injúria é um
delito comum quanto ao sujeito, doloso, formal, de forma livre, quase sempre
comissivo, instantâneo. Em suma, o querelado é plenamente imputável por todos os
delitos
contidos
na
sua
conduta.
Portanto, da análise da conduta do querelado, percebe-se que estão preenchidos todos os
requisitos e elementares do tipo penal descrito no artigo (difamação), quais sejam: 1) a
imputação da prática de determinado fato (afirmar que o querelante é um zero à
esquerda em tudo, apagado sem tempero); e 2) a característica de ser esse fato
desonroso, porém não criminoso (é objetiva e extremamente desonroso promover o
ódio, materializando-o através de expressões que minimizam a pessoas do querelante,
fazendo com que o mesmo possa parecer uma pessoa despreparada); 3) a imputação ser
feita por intermédio dos meios de comunicação; é indubitável que a reportagem
produzida pelo querelado atinge toda a região em que o querelante atua politicamente).
Bem assim, estão presentes os requisitos elementares do crime de imprensa capitulados
na Lei de Imprensa (injúria) contra o querelante, quais sejam: 1) emissão de juízo de
valor depreciativo em relação à vítima; 2) veiculação da ofensa nos meios de
comunicação;
é
indiscutível
a
presença
desse
pressuposto.
Quanto ao caráter ofensivo às honras objetiva e subjetiva do querelante, contidas na
reportagem apócrifa do querelado, este se mostra cristalina e óbvia, diante de sua
respectiva
demonstração
nesta
peça.
V. Trata-se, indubitavelmente, de matéria eleitoreira com o condão de colocar a
população contra o requerente, o qual está bem cotado para ser candidato a deputado
estadual no próximo pleito e favorecer a candidatura do requerido, acobertado pela
imunidade parlamentar à ele conferida, e utilizada para o mal.
VI. Por assim agir, tendo atuado com manifesto "animus injuriandi vel difamandi",
incidiu o querelado, portanto, nas penas dos artigos 21 e 22 da Lei nº 5.250/67 ..." (fls.
02/05).
Foi determinada a intimação do querelado para se manifestar sobre a possibilidade de
aplicação do disposto no art. 72 da Lei nº 9.099/95 (audiência preliminar para
possibilitar a composição dos danos e a aceitação da proposta de aplicação imediata de
pena
não
privativa
de
liberdade)
(f.
23).
O querelado informou nos autos, através de advogado constituído (f. 34), não ter
interesse na designação de data para aplicação do referido dispositivo legal, sob o
argumento de que a "instrução a ser realizada no presente feito comprovará a
inveracidade
das
alegações
pelo
Querelante"
(f.
33).
Diante da referida manifestação, foi determinada a notificação do querelado para, na
forma do art. 4º da Lei nº 8038/90, apresentar resposta, no prazo de quinze dias (f. 36).
Em sua resposta, o querelado pede, preliminarmente, a rejeição da queixa-crime por
dois argumentos: a) falta de juntada da notificação prevista no art. 57 da Lei nº 5250/67,
indispensável por se tratar de crimes praticados por meio de radiodifusão; b) por ter
agido na qualidade de parlamentar, defendendo interesse da coletividade local e, assim,
amparado pela imunidade material por suas opiniões, palavras e votos, nos termos do
art. 53 da Constituição Federal, até porque pediu a adoção de providências por parte da
Assembléia Legislativa do Paraná para apurar os fatos denunciados (documento de f.
60/TJ). Caso assim não se entenda, requereu a improcedência da queixa-crime,
sustentando que o conteúdo da matéria veiculada não ofende a honra do querelante por
se tratar de livre manifestação de opinião a respeito da administração realizada pelo
mesmo no Município de Fazenda Rio Grande, cujo exercício não é objeto de repressão,
conforme disposto no art. 220 e § 1º da Constituição Federal. Ao final, requereu a
produção de prova testemunhal e pericial no CD que instruiu a petição inicial (fls.
41/57).
Juntou
os
documentos
de
fls.
58/60.
Intimado para se manifestar sobre o documento juntado à f. 60 (f. 65), consubstanciado
em correspondência enviada pelo querelado ao Presidente da Assembléia Legislativa do
Estado do Paraná em 25/05/2000 relatando haver denúncias de prática de nepotismo na
Prefeitura Municipal de Fazenda Rio Grande e pedindo a adoção de providências para
apuração e resolução dos fatos, o querelante, através de sua advogada, informou "que
não há prática de nepotismo na Prefeitura Municipal de Fazenda Rio Grande, sendo
inverídica
a
acusação
feita
pelo
querelado"
(f.
71).
Com vista dos autos para fins do art. 5º, parágrafo único da Lei nº 8038/90, a douta
Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às fls. 78/81, requerendo a realização de
diligência para que se proceda, junto ao Instituto de Criminalística do Estado do Paraná,
a
degravação
do
CD
anexado
à
inicial.
A perícia solicitada foi realizada conforme o laudo de análise e conteúdo fonográfico
(CD-R)
de
fls.
89/103.
Com a manifestação do querelante e do querelado (fls. 108 e 118), foi dada nova vista
dos autos à douta Procuradoria-Geral de Justiça que se manifestou pela rejeição das
preliminares argüidas pelo querelado e pelo recebimento da queixa-crime, ressaltando,
quanto aos fatos descritos na peça inicial e a correspondente capitulação legal, que das
afirmações feitas pelo querelado durante o programa radiofônico observa-se narrativas
que se amoldam aos crimes de injúria e calúnia (arts. 22 e 20 da Lei nº 5250/67) (fls.
133/137).
O querelado obteve vista dos autos e apresentou a petição de fls. 145/151, requerendo
que a peça seja anexada aos autos "como parte integrante da defesa preliminar
anteriormente apresentada", em homenagem aos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa (f. 145). Na referida peça, aduziu o seguinte: a) não
caracterização de abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de
informação quando manifestada por homem público, radialista, e inspirada no interesse
público (art. 27, VIII da Lei nº 5250/67), como no caso, a favor da coletividade, no
interesse público em combater o nepotismo e irregularidades que acha impróprias para
uma Prefeitura; b) o querelado teceu suas manifestações no exercício do direito de
crítica e informação assegurados pelo art. 5º, IX da Constituição Federal; c) a revogação
dos crimes contra a honra previstos no Código Penal e na Lei de Imprensa, na medida
em que a Constituição Federal permitiu apenas uma sanção pecuniária de natureza civil
para a ofensa a honra, vedando, implicitamente, a sanção penal.
É
o
relatório.
Voto.
1. Da preliminar de ausência de juntada da notificação prevista no art. 57 da Lei nº
5.250/67.
O querelado, em seu defesa e em sede preliminar, argüi que os supostos crimes
relatados na queixa-crime foram praticados por meio de radiodifusão e, assim, a inicial
deveria ter vindo instruída com a notificação do art. 57 da Lei nº 5.250/67, sob pena de
rejeição.
O artigo 43 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), ao se referir à denúncia ou queixa na
hipótese dos crimes previstos na referida legislação, traz ressalva no sentido de que, se
"a infração penal tiver sido praticada através da radiodifusão, a denúncia ou queixa será
instruída com a notificação de que trata o art. 57", o qual trata da petição inicial da ação
para haver reparação de dano moral, que deverá ser instruída "com o exemplar do jornal
ou periódico que tiver publicado o escrito ou notícia, ou com a notificação feita, nos
termos
do
art.
53,
§
3º,
à
empresa
de
radiodifusão".
Entretanto, no caso em que o querelante traz, na inicial, meio comprobatório da suposta
ofensa, como ocorre na hipótese em exame, a jurisprudência de nossos Tribunais tem se
manifestado no sentido de dispensar a notificação do art. 57 da Lei nº 5250/67, a qual,
conforme observado pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa, no voto proferido como
Relator do Inquérito nº 2134/PA, julgado pelo Pleno do egrégio Supremo Tribunal
Federal, "visa evitar a destruição de provas eventualmente úteis à elucidação dos fatos",
de forma que, tal previsão, "não invalida, contudo, outros meios de prova que podem ser
utilizados pelo querelante" (STF, Tribunal Pleno, DJU de 02/02/2007).
Neste sentido as decisões de nossos Tribunais Superiores, verbis:
"CRIME CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. LEI DE IMPRENSA.
Legitimidade do MP para o oferecimento da denúncia, quando a ofensa é dirigida contra
parlamentar no exercício de suas funções (Lei 5.250/67, art. 40, I, b). Desnecessidade da
notificação prevista no art. 57, quando a suposta ofensa pode ser aferida mediante
degravação de fita cassete. 'Animus difamandi' não caracterizado. A sugestão feita em
entrevista radiofônica, de que um certo fato, noticiado por outrem, supostamente
difamatório, deve ser objeto de apuração, não caracteriza crime de difamação. Denúncia
rejeitada" (STF, Tribunal Pleno, Inq 2040/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU de
18/06/2004).
"DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE IMPRENSA:
DIFAMAÇÃO E INJÚRIA (ARTIGOS 21 e 22 DA LEI DE IMPRENSA - Nº 5.250,
DE 9.2.1967). AÇÃO PENAL: LEGITIMIDADE ATIVA. QUEIXA-CRIME.
ARTIGOS 145, PARÁGRAFO ÚNICO, 141, II, DO CÓDIGO PENAL, 40, I, "B", E
23, II, DA LEI DE IMPRENSA E 24, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
NOTIFICAÇÃO (ARTIGOS 43, 57 E 58, § 3º, DA LEI DE IMPRENSA). "HABEAS
CORPUS".
1. Sendo o ofendido Assessor de Imprensa da Prefeitura Municipal, mas sem vínculo
empregatício ou funcional com o Município, e havendo sido atingido em sua honra
pessoal, tinha legitimidade ativa para a ação penal, por crimes de difamação e injúria,
cometidos em programa radiofônico, podendo, pois, para tal fim, ajuizar Queixa-Crime
contra o ofensor, não se lhe podendo exigir a representação de que tratam os artigos 40,
I,
"b",
e
23,
II,
da
Lei
de
Imprensa.
2. Tendo sido providenciada, ao ensejo da apresentação da Queixa-Crime, a degravação
da fita radiofônica, na qual se achavam gravadas as palavras ofensivas, não havia,
também, no caso, necessidade de apresentação da notificação prevista nos artigos 43, 57
e
58,
§
3º,
da
mesma
Lei.
3. "H.C." indeferido." (STF, 1ª Turma, HC 73733-1, Rel. Min. Sydney Sanches, DJU de
13/09/2006).
"RECURSO DE HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA PRATICADO
ATRAVÉS DE RADIODIFUSÃO. DENUNCIA RECEBIDA, SEM A PRÉVIA
NOTIFICAÇÃO DE QUE TRATA O ART. 43 DA LEI DE IMPRENSA. NÃO E
ESSENCIAL A NOTIFICAÇÃO PREVIA SE A PRÓPRIA GRAVAÇÃO FOI JUNTA
AOS AUTOS, SEM IMPUGNAÇÃO OU RECUSA DO ACUSADO, NÃO SE
CONSTITUINDO A FALTA EM NULIDADE ABSOLUTA. AUSÊNCIA DE
PREJUÍZO. RECURSO DE HABEAS CORPUS IMPROVIDO" (STF, 1ª T., RHC
66107/RS,
Rel.
Min.
Oscar
Correa,
DJU
de
12/05/88).
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE IMPRENSA.
CALÚNIA.
FALTA DE RECONHECIMENTO DA FIRMA DOS REPRESENTANTES NA
PROCURAÇÃO.
MERA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO SUPRIDA PELA
JUNTADA DO CD E DA DEGRAVAÇÃO. DECADÊNCIA NÃO OCORRIDA.
IMPOSSIBILIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NEGADO
PROVIMENTO.
1- A falta de reconhecimento da firma dos representantes na procuração é mera
irregularidade, que não invalida a representação, que não contém forma prescrita em
Lei.
2- A ausência da notificação prevista nos artigos 43, 47 e 58, § 3º, da Lei de Imprensa,
fica suprida pela juntada do respectivo CD e de sua degravação.
3- A decadência não se opera, se a representação é apresentada ao Ministério Público
dentro
dos
três
meses
após
a
transmissão
do
ato
caluniador.
4- Só é possível o trancamento da ação penal quando presente causa extintiva da
punibilidade, facilmente verificável ou matéria fática, constatada de plano.
5- Negado provimento ao recurso." (STJ, 5ª T., RHC 20.681/MG, Rel. Des. Conv. Jane
Silva,
DJU
de
01.10.2007).
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE IMPRENSA. QUEIXA
ACOMPANHADA DA FITA MAGNÉTICA CONTENDO A GRAVAÇÃO DO
PROGRAMA
NO
QUAL,
EM
TESE,
OCORREU
A
OFENSA.
PRESCINDIBILIDADE
DA
NOTIFICAÇÃO.
PREVISTA
NO
ART.
57
DA
LEI
Nº
5.250/67.
Se o querelado não impugnou a juntada nos autos, com a queixa, da fita magnética
contendo a gravação do programa em que, em tese, teria ocorrido a suposta ofensa,
desnecessária se torna a notificação prévia contida no art. 57 da Lei nº 5.250/67, como
condição
da
ação
penal.
Recurso desprovido" (STJ, 5ª T., REsp 755.512/RN, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJU
de
27.03.2006).
Desse modo, como a queixa-crime veio acompanhada de CD contendo a gravação do
programa radiofônico (f. 07), o qual foi encaminhado à polícia científica e degravado
(fls. 88/103), contendo a respectiva degravação o teor das afirmações feitas pelo
querelado, e, considerando-se que este, em nenhum momento impugnou a veracidade do
teor da gravação contida no CD apresentado com a inicial, restou suprida a falta de
notificação prevista na Lei de Imprensa e, conseqüentemente, rejeita-se a preliminar
argüida.
2. Da alegação de imunidade parlamentar - art. 53 da Constituição Federal.
Alega o querelado, em sua defesa, que agiu amparado pela imunidade parlamentar
prevista no artigo 53 da Constituição Federal, segundo o qual os Deputados e Senadores
"são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".
Segundo a argumentação apresentada em sua peça de defesa, o querelado, no programa
de radiodifusão, dirigiu-se à pessoa do querelante na qualidade de Parlamentar,
defendendo interesse da coletividade local, tendo, inclusive, encaminhado missiva ao
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná narrando que lhe foi
denunciada a prática de nepotismo na Prefeitura Municipal de Fazenda Rio Grande.
A imunidade material prevista no artigo 53 da Constituição Federal não se reveste de
caráter absoluto, estando sujeita a certas limitações, conforme a doutrina de Alexandre
de
Moraes,
verbis:
"... A imunidade material exige relação entre as condutas praticadas pelo parlamentar e
o exercício do mandato. Assim, haverá integral aplicabilidade dessa inviolabilidade,
desde que as palavras, votos e opiniões decorram do desempenho das funções
parlamentares, e não necessariamente exige-se que sejam praticadas nas comissões ou
no plenário do Congresso Nacional ..." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação
Constitucional,
Atlas,
2ª
ed.,
2003).
No caso em exame, o querelado, embora exerça mandato de deputado estadual,
apresenta um programa de rádio denominado Balanço Geral, onde proferiu as supostas
ofensas que deram ensejo à presente queixa-crime. Conforme se observa da degravação
realizada pela polícia científica, uma ouvinte que se intitulou como cidadã e servidora
municipal de Fazenda Rio Grande, demonstrou sua indignação com relação ao Prefeito
daquela localidade, tendo, inclusive, realizado afirmações sugerindo a prática de
nepotismo naquela municipalidade, sobrevindo, na seqüência, as afirmações feitas pelo
ora querelado e que foram transcritas na queixa-crime de fls. 02/05.
Tais palavras, especialmente no que diz respeito as afirmações supostamente ofensivas
feitas diretamente ao querelante Alisson Anthony Wandscheer, narradas na queixacrime, não podem ser consideradas, de plano, como decorrentes do mandato
parlamentar de deputado estadual que o querelado exercia ao tempo dos fatos, e ainda
exerce, até mesmo porque o próprio querelante não é o Prefeito de Fazenda Rio Grande,
Antonio
Wandscheer,
mas
seu
filho.
As afirmações feitas pelo querelado Geraldo Cartário Ribeiro contra o querelante
Alisson Anthony Wandscheer, constantes da queixa-crime e do laudo de fls. 89/103,
não podem ser consideradas situadas dentro de um limite de simples opinião a respeito
do querelante, ou que guardem uma relação com o exercício do mandato de deputado
estadual, para poderem ser consideradas protegidas pela imunidade material suscitada.
Não há como se confundir a atuação parlamentar com a atividade típica de comentarista
ou condutor de programa de rádio (ou televisão), mesmo quando se está discorrendo
sobre assuntos de interesse da coletividade, evitando-se, com isto, que a imunidade
material prevista na Constituição Federal sirva para acobertar comentários que excedam
uma
simples
crítica
política.
Na esteira da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, malgrado a
inviolabilidade do artigo 53 da Constituição Federal alcance hoje "quaisquer opiniões,
palavras e votos" dos deputados e senadores, ainda quando proferidas fora do exercício
formal do mandato, ela não cobre as ofensas que, por seu conteúdo e o contexto em que
foram perpetradas, sejam de todo alheias à condição do agente (cfme. STF, Inquérito
1905/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 21/05/2004). Para o reconhecimento
da imunidade material dos parlamentares há de existir, entre a atividade parlamentar e
as
declarações
do
congressista,
um
nexo
de
causalidade.
A propósito do tema, vejam-se as seguintes decisões do Tribunal Pleno do egrégio
Supremo
Tribunal
Federal,
verbis:
"QUEIXA-CRIME AJUIZADA POR PREFEITO CONTRA PARLAMENTAR, POR
INFRAÇÃO AOS ARTS 20, 21 E 22 DA LEI DE IMPRENSA. DELITOS QUE
TERIAM SIDO PRATICADOS POR MEIO DE DECLARAÇÕES FEITAS EM
PROGRAMA
DE
TELEVISÃO
APRESENTADO
PELO
ACUSADO.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INVIOLABILIDADE E SUA CUMULAÇÃO
COM AS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS. PRELIMINARES DE
ILEGITIMIDADE DO QUERELANTE, DEFICIÊNCIA NA PROCURAÇÃO E
FALTA DE JUSTA CAUSA POR INEXISTÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO
VOLTADO A ATINGIR A HONRA DA VÍTIMA. SUBSUNÇÃO DOS FATOS À
CONDUTA
TÍPICA
DESCRITA
NA
INICIAL
ACUSATÓRIA.
A inviolabilidade (imunidade material) não se restringe ao âmbito espacial da Casa a
que pertence o parlamentar, acompanhando-o muro a fora ou externa corporis, mas com
uma ressalva: sua atuação tem que se enquadrar nos marcos de um comportamento que
se constitua em expressão do múnus parlamentar, ou num prolongamento natural desse
mister. Assim, não pode ser um predicamento 'intuitu personae', mas rigorosamente
'intuitu funcionae', alojando-se no campo mais estreito, determinável e formal das
relações institucionais públicas, seja diretamente, seja por natural desdobramento; e
nunca nas inumeráveis e abertas e coloquiais interações que permeiam o dia-a-dia da
sociedade civil. No caso, ficou evidenciado que o acusado agiu exclusivamente na
condição de jornalista -- como produtor e apresentador do programa de televisão --, sem
que de suas declarações pudesse se extrair qualquer relação com o seu mandato
parlamentar ..." (STF, Tribunal Pleno, Inquérito 2036/PA, Rel. Min. Carlos Britto, DJU
de
22/10/2004).
"QUEIXA-CRIME EM QUE SE IMPUTA A DEPUTADO FEDERAL CRIMES
PREVISTOS NOS ARTIGOS. 20, 21 E 22 DA LEI 5.250/1967. DELITOS QUE
TERIAM SE CONSUMADO ATRAVÉS DE DECLARAÇÕES EM PROGRAMA
TELEVISIVO DO QUAL O QUERELADO É APRESENTADOR. PRELIMINARES
DE ILEGITIMIDADE ATIVA, INÉPCIA E IRREGULARIDADE DO
INSTRUMENTO DE MANDATO AFASTADAS. NÃO-INCIDÊNCIA DA
IMUNIDADE MATERIAL PARLAMENTAR, QUANDO AS DECLARAÇÕES
SUPOSTAMENTE OFENSIVAS NÃO GUARDAM RELAÇÃO COM O
EXERCÍCIO DO MANDATO PARLAMENTAR. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS
MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE EM RELAÇÃO AOS CRIMES DE
INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE CALÚNIA:
AUSÊNCIA DE PARTICULARIZAÇÃO DA CONDUTA CRIMINOSA.
...
A imunidade material prevista no art. 53, caput, da Constituição não é absoluta, pois
somente se verifica nos casos em que a conduta possa ter alguma relação com o
exercício do mandato parlamentar. Embora a atividade jornalística exercida pelo
querelado não seja incompatível com atividade política, há indícios suficientemente
robustos de que as declarações do querelado, além de exorbitarem o limite da simples
opinião, foram por ele proferidas na condição exclusiva de jornalista. Precedente. ..."
(STF, Tribunal Pleno, Inquérito 2134/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU de
02/02/2007).
Sobre o tema e, em caso semelhante envolvendo outra reportagem feita pelo mesmo
querelado,
este
Órgão
Especial
já
decidiu
recentemente,
verbis:
"... (7) Imunidade parlamentar - Escudo protetor do mandato e não da pessoa física que
ocupa o cargo - Causa excludente da tipicidade da conduta se configurada no caso
concreto
Inocorrência.
A imunidade material é uma forma de exclusão da tipicidade da conduta e funciona
como uma proteção inerente à função legislativa, para que esta seja exercida com
independência. No entanto, a imunidade não pode se prestar a proteger a pessoa física
do parlamentar, sob pena de criar privilégio indevido e corromper a proteção atribuída
ao
mandato.
Queixa recebida ..." (TJPR, OE, Queixa-Crime nº 342451-3, Rel. Des. Oto Luiz
Sponholz,
j.
em
21/09/2007).
Desse modo, como o querelado não conseguiu evidenciar a existência de um nexo
causal entre as suas declarações e a sua atividade parlamentar, de forma que os fatos a
ele atribuídos fossem resultado de expressão da atividade parlamentar que exerce, não
há como se reconhecer que tenha ele agido amparado pela imunidade material prevista
no
art.
53
da
Constituição
Federal.
Rejeita-se,
assim,
a
alegação
de
imunidade
material.
3.
Alegação
de
inexistência
de
ofensa
à
honra
do
querelante.
O querelado alega, em sua defesa, que o conteúdo da matéria veiculada não ofende a
honra do querelante por se tratar de livre manifestação de opinião a respeito da
administração realizada pelo mesmo no Município de Fazenda Rio Grande, cujo
exercício não é objeto de repressão, conforme disposto no art. 220 e § 1º da
Constituição
Federal,
verbis:
"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob
qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o
disposto
nesta
Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o
disposto
no
art.
5º,
IV,
V,
X,
XIII
e
XIV."
Neste momento é necessário fazer uma prévia observação quanto às partes envolvidas
nesta
queixa-crime.
Lendo-se atentamente os fatos narrados na queixa-crime, especialmente as transcrições
do programa radiofônico do querelado Geraldo Cartário Ribeiro, verifica-se que a
pessoa que foi denominada como "zero à esquerda", o ora querelante Alisson Anthony
Wandscheer é filho do Prefeito eleito do Município de Fazenda Rio Grande, Antonio
Wandscheer (cfme. resultado das eleições municipais de 2004, obtido no sítio do
Tribunal
Superior
Eleitoral).
Desse modo, como a presente queixa-crime foi oferecida exclusivamente pelo
querelante Alisson Anthony Wandscheer, somente podem ser avaliadas as afirmações
tidas como ofensivas que foram proferidas contra a sua pessoa, especificamente aquelas
que
o
qualificam
como
"um
zero
à
esquerda".
Quanto às afirmações contidas em outro trecho do programa, ressaltadas na inicial e
também pela douta Procuradoria-Geral de Justiça e que se subsumiriam ao crime de
calúnia em razão da descrição de eventual crime de concussão, por se fazer referência a
proveito na venda de terreno pertencente ao próprio Prefeito do Município de Fazenda
Rio Grande (f. 134), como não dizem respeito ao querelante Alisson Anthony
Wandscheer,
escapam
do
âmbito
desta
queixa-crime.
Ademais, vale destacar, a título de argumentação, que o Prefeito Municipal de Fazenda
Rio Grande, Antonio Wandscheer, ofereceu queixa-crime contra o mesmo querelado,
com relação ao mesmo programa radiofônico transmitido no dia 10 de março de 2006
pela CR Radiodifusão Ltda, a qual já foi recebida por decisão deste Órgão Especial, de
05/10/2007, sendo feita expressa referência no teor do respectivo acórdão quanto a esta
específica situação fática, capaz de ensejar o reconhecimento do crime de calúnia
previsto no art. 20 da Lei nº 5250/67 (Queixa-Crime nº 336.431-4, acórdão nº 8197).
Pois bem, restringindo-se a presente queixa-crime às expressões de "zero à esquerda"
imputadas ao ora querelante, deve se perquirir acerca dos crimes que são expressamente
imputados
ao
querelado
na
inicial:
difamação
e
injúria.
Na fala do querelante, as expressões do querelado ofensivas a sua honra objetiva e
subjetiva
são
as
seguintes:
"... Ora, um prefeito que coloca o cunhado dele à frente de três secretarias municipais,
primeiro ele brinca e coloca um filho dele que é um zero à esquerda. É ..., não vô falá
mais nada, não sei, zero à esquerda em tudo. Até ... até pra sorri ele não consegue.
Porque ele é tudo à esquerda. É ... é ... é um apagado. É um sujeito que não teve
tempero. Taí todo belo e formoso, mas se chegá perto você sente que ele não tem ... não
tem
tempero
nenhum.
...
"
(fls.
92/93,
grifei).
Dessas afirmações feitas pelo querelado contra a pessoa do querelante não há como
deixar de admitir estarem presentes os elementos mínimos de autoria e materialidade
para o recebimento da queixa-crime pelo crime de injúria, definido, tanto na Lei de
Imprensa (art. 22), como no Código Penal (art. 140) como: "Injuriar alguém,
ofendendo-lhe
a
dignidade
ou
decoro".
Certamente, o fato de intitular certa pessoa de "zero à esquerda", aliás, "zero à esquerda
em
tudo",
pode,
em
tese,
ofender
a
dignidade.
No crime de injúria, ao contrário da calúnia e da difamação, não há imputação de fatos,
mas emissão de conceitos negativos sobre a vítima, que atingem os atributos pessoais de
estima própria, de juízo positivo que cada um tem de si mesmo.
Dignidade é o sentimento da própria honorabilidade ou valor social, que pode ser lesada
com determinadas expressões. Decoro é o sentimento, a consciência da própria
respeitabilidade pessoal, a decência, respeitabilidade que a pessoa merece e que é ferida
quando, por exemplo, se chama alguém de algum adjetivo pejorativo.
Para efeito de recebimento da queixa-crime, devem ser analisados os requisitos dos arts.
41
do
Código
de
Processo
Penal,
verbis:
"Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as
suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas."
Dessa forma, verifica-se que a queixa-crime cumpriu os pressupostos do art. 41, uma
vez que contém a completa exposição do suposto fato criminoso (crime de injúria), a
qualificação do acusado, a classificação do delito e o rol de testemunhas, e não se
encontram presentes as hipóteses de rejeição do art. 43 do mesmo Código.
A propósito, vale destacar que não se consumou, até o momento, o lapso prescricional
de dois (2) anos, a contar da data da transmissão incriminada (10/03/2006), previsto
para a prescrição da ação penal nos crimes definidos na Lei nº 5250/67 (art. 41), nem
tampouco o prazo decadencial de três (3) meses previsto no § 1º do art. 41 da Lei de
Imprensa, pois a reportagem foi transmitida no dia 10 de março de 2006 e a queixacrime
foi
protocolada
em
10
de
abril
de
2006
(f.
05).
Já com relação ao crime de difamação, não há como se concluir acerca da existência de
prova mínima da autoria e materialidade, pois, como já antes enfatizado, das afirmações
feitas pelo querelado contra o ora querelante que são objeto desta queixa-crime não se
consegue extrair qualquer imputação de fatos que possam, em tese, configurar o referido
delito.
Para a configuração do crime de difamação é necessário que "o fato seja determinado e
que essa determinação seja objetiva, pois uma imputação vaga, imprecisa, mais se
enquadra na injúria, ofensa à dignidade ou decoro" (STF, AP 239, RTJ 89/366), o que
não
se
verifica
na
hipótese
em
exame.
As assertivas do querelado, em relação à pessoa do querelante, são genéricas, não se
referem a fatos específicos e determinados, requisitos esses do crime de difamação (e
também
de
calúnia,
quando
tais
fatos
configurem
crime).
Nos casos em que não há a indicação de uma situação concreta a justificar a difamação
(ou a calúnia), mas simples afirmações vagas e imprecisas, sem que o querelado tenha
se pautado em hipótese individualizável ou determinável, o egrégio Supremo Tribunal
Federal tem entendido que, em tese, somente poderia estar configurada a injúria.
A
propósito
do
tema,
vejam-se
os
seguintes
julgados,
verbis:
"... Os crimes de calúnia e difamação exigem afirmativa específica acerca de fato
determinado. Configura-se como injúria, por outro lado, as assertivas genéricas que não
consideram fatos específicos, mas simplesmente se referem a afirmações vagas e
imprecisas feitas à pessoa do querelante ..." (STF, Tribunal Pleno, Inq. 1937/DF, Rel.
Min.
Joaquim
Barbosa,
DJU
de
27/02/2004).
"INQUÉRITO. CRIME CONTRA A HONRA. DELITO DE IMPRENSA. SUJEITO
PASSIVO: DEPUTADO FEDERAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA.
AUSÊNCIA
DE
FATO
DETERMINADO.
INJÚRIA.
1. Denúncia de prática de crime por parte de Senador da República contra a honra de
Deputado Federal. Competência do Supremo Tribunal Federal. Ação penal pública
condicionada à representação, dado que as ofensas foram dirigidas a servidor público
'lato sensu' e guardam estreita relação com o exercício da função (Lei 5250/67, artigo
40,
I,
b).
2. Para a caracterização dos crimes de calúnia e difamação requer-se que a imputação
verse sobre fato determinado. Embora desnecessário maiores detalhes, essencial é que o
fato seja individualizável, tenha existência história e possa, assim, ser identificado no
tempo e no espaço. Se for criminoso, poderá haver calúnia e, em caso contrário,
difamação. Ausente a determinação, configura-se apenas o delito de injúria.
3. Situação concreta em que o denunciado atribuiu qualidades negativas ao ofendido,
relacionadas a fatos vagos e imprecisos, o que afasta a possibilidade de enquadramento
da conduta como difamação, restando a viabilidade de qualificar a hipótese como crime
de
injúria.
4. Cabível, em tese, a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da lei
9099/95, o momento para sua proposição coincide com o oferecimento da denúncia.
Sua ausência, porém, não impede que o Tribunal exerça o juízo de admissibilidade da
'persecutio criminis' e, em caso positivo, provoque o Ministério Público acerca da
questão. Denúncia recebida em parte, apenas quanto ao delito previsto no artigo 22 da
Lei de Imprensa." (STF, Tribunal Pleno, Inq. 1938/BA, Rel. Min. Mauricio Corrêa,
DJU
de
01/08/2003).
"CRIME CONTRA A HONRA - INJÚRIA 'VERSUS' DIFAMAÇÃO. Diversas são as
figuras. Enquanto a injúria fica configurada com frase genérica, a difamação pressupõe
a atribuição, a outrem, de algo determinado. Inexistente a imputação de um certo ato,
descabe cogitar da figura mais gravosa." (STF, HC 71826/RJ, 2º Turma, Rel. Min.
Carlos
Velloso,
DJU
de
29/09/95).
Desse modo, não estando presente o pressuposto do fato concreto, na medida em que as
declarações do querelado, com relação ao querelante, tiveram caráter de generalidade,
imputando-se-lhe qualidades negativas, infere-se a presença de circunstâncias
suficientes apenas para a caracterização, em tese, do delito de injúria, observados os
limites
impostos
a
esta
fase
processual.
Quanto às alegações do querelado no sentido de que o conteúdo da matéria veiculada
não ofende a honra do querelante, por se tratar de fato verídico, relacionado à sua
administração no Município de Fazenda Rio Grande, não servem para autorizar a
rejeição
da
queixa-crime.
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a decisão de recebimento da denúncia ou da
queixa trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo que nesta fase
processual, de formulação de um simples juízo de delibação, é vedada a incursão mais
aprofundada nos elementos existentes no processo, admitindo-se apenas a verificação se
determinado
fato
apresenta,
ou
não,
adequação
típica.
Por essas razões, é de ser recebida a queixa-crime apenas quanto ao crime de injúria.
Com relação às alegações novas formuladas pelo querelado na peça de fls. 145/151,
apresentadas após o pedido de vista, e que não fizeram parte da defesa prévia oferecida
regularmente às fls. 41/57, encontram óbice na ocorrência da preclusão consumativa,
instituto processual plenamente aplicável com vistas a conferir ordem ao andamento do
feito conforme observado pelo eminente Ministro Joaquim Barbosa no voto proferido
como
relator
do
habeas
corpus
nº
87563-7/SP.
Sobre a preclusão consumativa, enfatizou o eminente Ministro Joaquim Barbosa no
referido
julgado,
verbis:
"(...) Ainda que determinado ato processual seja praticado dentro do prazo estabelecido
pela lei, tendo sido esse ato já executado, encerra-se nesse instante a fase a ele
correspondente, operando-se a preclusão desse direito, pois consumado o ato.
O que justifica o instituto da preclusão é justamente a ordenação do feito de modo a
evitar que atos processuais sejam praticados em momentos inoportunos (...)" (STF, 2ª
T.,
HC
87563-7/SP,
DJU
de
13/04/2007).
Por se tratar de procedimento de crime previsto na lei de imprensa (Lei nº 5250/67), se
for caso de recebimento da queixa-crime, o réu ainda terá a oportunidade de se
manifestar em sede de alegações escritas (art. 45, IV da Lei nº 5250/67).
Por derradeiro, é de rigor que seja observada a possibilidade de aplicação da suspensão
condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9099/95), cabível, em tese, em face da pena
mínima cominada ao crime de injúria, prevista quer no Código Penal (art. 140), quer na
Lei
de
Imprensa
(art.
22),
ser
inferior
a
um
ano.
Quanto à legitimidade para eventual oferecimento de proposta da suspensão condicional
do processo, a Corte Especial do egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou
entendimento no sentido de ser cabível o benefício do art. 89 da Lei 9.099/95 em crimes
de ação penal privada, sendo necessário que o magistrado, ao receber a queixa-crime,
abra vista dos autos para que o querelante, órgão acusador da ação penal, possa se
manifestar
quanto
à
proposta
do
sursis
processual.
A emenda do precedente referido, na parte que interessa, tem o seguinte teor, verbis:
"(...) II - A Lei nº 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a
suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa
exclusivamente privada, sendo que a legitimidade para o oferecimento da proposta é do
querelante.
(Precedentes
desta
Corte
e
do
Pretório
Excelso).
Queixa recebida em relação ao crime previsto no art. 139 c/c art. 141, inciso III, do
Código Penal, determinando-se a abertura de vista ao querelante a fim de que se
manifeste a respeito da suspensão condicional do processo, em observância ao art. 89 da
Lei nº 9.099/95 (...)" (STJ, Corte Especial, Apn 390/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. em
06.03.2006,
DJU
de
10.04.2006,
p.
106).
Não se pode de ofício decidir sobre eventual suspensão condicional do processo.
Recebida a queixa-crime, deve ser dada vista dos autos ao querelante para se manifestar
sobre a proposta de suspensão condicional do processo a que se refere o art. 89 da Lei nº
9.099/95.
Por derradeiro, cumpre também observar que a decisão do Plenário do colendo Supremo
Tribunal Federal, tomada no dia 27 de fevereiro do corrente ano, referendando a medida
liminar deferida pelo eminente Ministro Carlos Ayres Brito na Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF nº 130, ajuizada pelo Partido
Democrático Trabalhista (PDT), e, assim, mantendo suspensos vários dispositivos da
Lei de Imprensa, dentre eles os artigos 20, 21, 22 e 23, referentes aos crimes de calúnia,
difamação e injúria, não acarreta a suspensão do presente feito.
A propósito, colhe-se o seguinte teor do Informativo nº 496 do STF, verbis:
"O Tribunal, por maioria, referendou liminar deferida em argüição de descumprimento
de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT para o
efeito de suspender a vigência da expressão "a espetáculos de diversões públicas, que
ficarão sujeitos à censura, na forma da lei, nem", contida na parte inicial do § 2º do art.
1º; do § 2º do art. 2º; da íntegra dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 65; da expressão "e sob pena
de decadência deverá ser proposta dentro de 3 meses da data da publicação ou
transmissão que lhe der causa", constante da parte final do art. 56; dos §§ 3º e 6º do art.
57; dos §§ 1º e 2º do art. 60; da íntegra dos artigos 61, 62, 63 e 64; dos artigos 20, 21,
22 e 23; e dos artigos 51 e 52, todos da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).
Preliminarmente, tendo em conta o princípio da subsidiariedade, o Tribunal, também
por maioria, conheceu da ação. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que não a
conhecia por reputar inadequada a argüição. No mérito, entendeu-se configurada a
plausibilidade jurídica do pedido, haja vista que o diploma normativo impugnado não
pareceria serviente do padrão de democracia e de imprensa vigente na Constituição de
1988 (CF, artigos 1º; 5º, IV, V, IX e XXXIII e 220, caput e § 1º). Considerou-se,
ademais, presente o perigo na demora da prestação jurisdicional, afirmando-se não ser
possível perder oportunidade de evitar que eventual incidência da referida lei, de nítido
viés autoritário, colidisse com aqueles valores constitucionais da democracia e da
liberdade de imprensa. Vencidos, em parte, os Ministros Menezes Direito, Eros Grau e
Celso de Mello, que, desde logo, suspendiam a vigência de toda a Lei 5.250/67,
autorizando a aplicação da legislação ordinária de direito civil e de direito penal, e o
Min. Marco Aurélio, que negava referendo à liminar. O Tribunal, empregando por
analogia o art. 21 da Lei 9.868/99, estabeleceu o prazo de 180 dias, a contar da data da
sessão, para retorno do feito para o julgamento de mérito. ADPF 130 MC/DF, rel. Min.
Carlos
Britto,
27.2.2008.
(ADPF-130)".
Conforme a decisão tomada pelo Plenário do colendo Supremo Tribunal Federal, e foi
veiculado nas notícias do STF, no dia 27 de fevereiro de 2008, no sítio do Supremo
Tribunal Federal, os juízes de todo o país estão autorizados a utilizar, quando cabível,
regras dos Códigos Penal e Civil para julgar os processos que versem sobre os
dispositivos que estão sem eficácia, sendo que somente no caso da impossibilidade de
utilização das leis ordinárias para solucionar determinado litígio é que o processo deve
permanecer paralisado, ficando com seu prazo prescricional suspenso.
Na hipótese, infere-se que o crime de injúria descrito no Código Penal (art. 140) e na
Lei nº 5250/67 (art. 22) contém idêntica tipificação, sendo mais rigorosa a sanção penal
cominada para o crime de injúria definido na Lei de Imprensa. Assim, no momento
oportuno, far-se-á, se for o caso, a correção da classificação jurídica mediante
emendatio libelli para ajustá-la à situação fática descrita na queixa-crime, nos termos do
art.
383
do
Código
de
Processo
Penal.
Diante do exposto ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em receber
parcialmente a queixa-crime quanto ao crime de injúria e determinar abertura de vista
ao querelante para que se pronuncie quanto à suspensão condicional do processo, a teor
do
art.
89
da
Lei
nº
9099/95.
Presidiu a sessão o senhor Desembargador Antonio Lopes de Noronha (sem voto) e dela
participaram, votando com o relator, os senhores Desembargadores Wanderlei Resende,
Ruy Fernando de Oliveira, Ivan Bortoleto, Idevan Lopes, José Augusto Gomes Aniceto,
Lauro Augusto Fabrício de Melo, Costa Barros, Luiz Mateus de Lima, Rogério Coelho,
Miguel Pessoa, José Maurício Pinto de Almeida, Marcos de Luca Fanchin, Oto Luiz
Sponholz,
Carlos
Hoffman,
Telmo
Cherem
e
Ângelo
Zattar.
Curitiba,
07
de
março
de
2008
Des.
Relator
Jesus
Sarrão
Download

queixa-crime nº 342444-8, do foro regional de fazenda rio grande