Competências em Ação de Gestores Escolares: um Estudo na SEEC da Paraíba Autoria: Verônica Bezerra de Araújo Galvão, Emmanuelle Arnaud Almeida Cavalcanti Resumo O presente artigo tem como principal objetivo verificar até que ponto as competências mobilizadas em ação por gestores de escolas públicas estaduais acompanham as competências sugeridas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, no Regimento Escolar e nas Orientações de Funcionamento das Unidades Escolares publicadas pela Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Paraíba. O fio condutor da análise partiu da investigação da literatura sobre o conceito de competência, passando à exploração do vínculo entre competências exigidas e mobilizadas através da realização de um estudo de caso que subsidiasse, inclusive, a possível identificação de competências que extrapolassem o escopo inicial. O estudo foi realizado em sete escolas, destacando-se por realizarem processo democrático de escolha de seus gestores e estarem vivenciando o momento em que a educação brasileira colocou a gestão como um dos quatro eixos prioritários de investimento, por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Compromisso Todos Pela Educação. Os resultados apontam que, além das competências exigidas para o exercício da função, os gestores escolares mobilizam outras competências técnicas, sociais/contextuais e comportamentais no contexto da ação profissional. Palavras-chave: Gestão escolar. Educação pública. Competências. 1 Introdução Estudos da UNESCO (2007) registram que na América Latina, e de modo especial no Brasil, um conjunto de esforços vem sendo empreendido visando ao aumento da educação obrigatória, à melhoria da infraestrutura, ao desenho de currículos significativos, além da formação inicial e continuada de professores. Nessa perspectiva, o Decreto Presidencial nº 6.094 de 24 de abril de 2007 anuncia uma nova regra para a educação brasileira, privilegiando o compromisso com resultados. A orientação que desponta traz um indicador máster nacional, o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que firma a relação entre o fluxo escolar e o desempenho do aluno. Por essa lógica, os sistemas de educação passam a incorporar dois fundamentos: a performance dos alunos em avaliações nacionais e o tempo consumido pela escola para gerar essa condição. O decreto operacionaliza a chamada nacional intitulada “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação” e propõe que a ação educativa seja articulada em regime de colaboração pela União, Estados e Municípios. Subsidiariamente, esse esforço também compreende a fundamental participação das famílias e da comunidade. O Ministério da Educação, em 2007, intensificou o estímulo à constituição de arranjos educativos envolvendo, inclusive, as universidades públicas. Essas composições buscam potencializar diferentes atores e suas contribuições para elevação da qualidade do trabalho escolar. Hoje, esforços pedagógicos, administrativos e econômicos combinam-se para conferir um novo sentido ao direito de aprender. Espera-se que a escola desenvolva competências em cada aluno para que possa participar ativamente do seu mundo e construir projetos de vida digna em relação aos outros. Como garantir essa articulação? O que faz a escola funcionar melhor? O cotidiano escolar é rico nas pistas que oferece. No interior dos processos, é possível observar como a responsabilidade direta de cada ator impacta a questão educativa. Em outras palavras, as políticas públicas são traduzidas em rotinas conduzidas por todos que geram movimento no interior da escola. Nesse sentido, a sociedade exige, cada vez mais, a competência dos gestores escolares. Como alerta Xavier (1996), sabe-se hoje que a escola faz diferença, sim, no desempenho dos alunos, e que sua adequada gestão é indiscutível para chegar aos objetivos. Há provas contundentes de que a gestão é uma componente decisiva da eficácia escolar. Inúmeros estudos, no Brasil e no exterior, vêm comprovando que escolas bem dirigidas e organizadas promovem resultados relevantes. A ideia de gestão eficiente, nesse caso, envolve um sentido de competência que se traduz em sucesso da organização. Mas por trás dos resultados queremos verificar como se dá a contribuição direta de um protagonista em especial: o diretor da escola. Cada vez mais, espera-se que os diretores escolares demonstrem competência para planejar, controlar, avaliar, coordenar, delegar atribuições, motivar de equipes etc. Contudo, ainda que tais competências sintetizem o perfil exigido do gestor, será que o dia-a-dia confirma tais prescrições? Há outras competências mobilizadas pelos gestores? O objetivo do presente estudo é investigar a correspondência existente entre as competências exigidas do gestor escolar e aquelas que efetivamente são postas em ação em um grupo de escolas do sistema de educação estadual paraibano. Entender a atuação desses gestores apresenta-se, portanto, como uma questão de grande relevância para os estudos acadêmicos e as práticas organizacionais. 2 Competências Profissionais A noção de competência surgiu nos últimos anos como forma de repensar as interações entre duas categorias: de um lado as pessoas, com seus saberes e capacidades e de outro as organizações e suas demandas no campo dos processos de trabalho essenciais e processos relacionais – relações com clientes, fornecedores e os próprios trabalhadores (RUAS, 2001). De forma geral, a competência pode ser vista sob dois prismas, um que enfatiza as características que o indivíduo possui, ou seja, os inputs das pessoas, como conhecimento, habilidades e atitudes requeridas para a prática profissional, o qual surgiu a partir de estudos norte-americanos. Em uma perspectiva pragmática, a competência pode ser entendida como uma característica profunda do indivíduo que resulta em uma performance superior em uma tarefa (BOYATZIS, 1982; SPENCER; SPENCER, 1993 apud GOMES et al., 2008). O outro prisma evidencia a competência sob a perspectiva da entrega do indivíduo, considerando-a um output na medida em que o indivíduo mobiliza-se para a realização do trabalho. Neste sentido, de acordo com pesquisadores franceses, como Le Boterf (2003), a competência é saber agir de forma responsável e reconhecida, implicando, assim, saber mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades em um determinado contexto profissional. Na tentativa de integrar as duas visões, Fleury e Fleury (2000) conceitua a competência como um saber agir responsável e reconhecido, implicando mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo. Le Boterf (2003) define a competência como sendo o resultado do cruzamento de três eixos: a formação da pessoa – sua biografia e socialização –, sua formação educacional e sua experiência profissional. Ruas (2000) acrescenta que a questão da competência se coloca em um espaço de interação entre as pessoas e seus saberes, capacidades e demandas das 2 organizações no campo dos processos de trabalho essenciais e relacionais. Nesta perspectiva, Zarifian (2001) apresenta três dimensões para a competência: tomar iniciativa e assumir responsabilidade em situações profissionais; utilizar a inteligência prática nas situações apoiada em conhecimentos adquiridos; e ter a capacidade de mobilizar pessoas e compartilhar desafios. A fim de melhor elucidar estas questões, o Quadro 1 apresenta algumas das diversas noções de competências presentes na literatura. Autor Noção de Competência BOYATZIS (1982), SPENCER; SPENCER (1993) Característica profunda do indivíduo que resulta em uma performance superior em uma tarefa. Capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, PERRENOUD (1997) apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. Saberes que compreendem um conhecimento capaz de produzir BARATO (1998) determinados desempenhos e de assimilar e produzir informações. Saber agir responsável e reconhecido, implicando mobilizar, integrar, FLEURY E FLEURY (2000) transferir conhecimentos, recursos e habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo. Tomar iniciativa e assumir responsabilidade diante de situações ZARIFIAN (2001) profissionais com as quais se depara. A competência só se manifesta na atividade prática. Capacidade de mobilizar, integrar e colocar em ação conhecimentos, RUAS (2002) habilidades e atributos, a fim de atingir/superar desempenhos configurados nas atribuições. Saber agir de forma responsável e reconhecida, implicando, assim, saber LE BOTERF (2003) mobilizar, integrar e transferir conhecimentos, recursos e habilidades em um determinado contexto profissional. Não é um modismo. Saber ser e saber mobilizar o repertório individual DUTRA (2004) em diferentes contextos. Quadro 1 – Noções do conceito de competência Fonte: elaboração própria com base em pesquisa bibliográfica. Como se pode ver através do Quadro 1, inicialmente o conceito de competência era associado ao desempenho superior que o indivíduo poderia alcançar em sua tarefa. Em um segundo momento houve um descolamento do foco inicial, que passou a centrar-se no comportamento do indivíduo e em suas atitudes que o tornam capaz de saber agir. Paulatinamente essas duas vertentes foram se integrando e o conceito de competência passou a contemplar tanto a perspectiva do desempenho, através da atividade prática, quanto das atitudes, através da mobilização de diversos recursos cognitivos em sinergia. Para Dutra (2004), o conceito de competência não é um modismo; ao contrário, tem-se mostrado muito adequado para explicar a realidade vivida pelas empresas na gestão de pessoas. Zarifian (2001) define três principais mutações ocorridas no mundo do trabalho, as quais justificam o modelo de competência para a gestão das organizações: • a noção de evento – aquilo que ocorre de maneira imprevista, não programada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de produção, ultrapassando a capacidade rotineira de assegurar sua autoregulação; • comunicação – comunicar implica compreender o outro e a si mesmo; significa entrar em acordo sobre objetivos organizacionais, partilhar normas comuns para sua gestão; e • a noção de serviço, de atender a um cliente externo ou interno da organização, precisa ser central e estar presente em todas as atividades; para tanto, a comunicação é fundamental. 3 Pode-se verificar que, ao contrário dos modelos pragmáticos, a noção de evento implica que a competência não pode estar contida apenas nas predefinições da tarefa, pois o indivíduo precisa estar sempre mobilizando recursos para resolver as novas situações de trabalho. Neste âmbito, a noção de competência surge como uma forma renovada de pensar o papel e o desempenho do trabalho nas organizações (RUAS, 2001). Le Boterf (2003) aponta que a economia das competências não se reduz à economia dos saberes. E vai além. Sugere que as competências reais dos profissionais não podem ser objeto senão de antecipações probabilísticas, pois não há uma maneira única de ser competente em relação a um problema. Conclui então que a competência não é um estado de formação educacional ou profissional, nem tampouco um conjunto de conhecimentos adquiridos, não se reduz ao saber, nem ao saber-fazer, mas a sua capacidade de mobilizar e aplicar esses conhecimentos e capacidades em uma condição particular, em que se colocam recursos e restrições próprias à situação. Neste sentido, percebe-se que o conceito de competência constitui-se na própria ação e não existe antes dela, ou seja, para que haja competência é preciso colocar em ação um repertório de recursos como conhecimentos, capacidades cognitivas, integrativas e relacionais (RUAS, 2001). 3 Competências em ação Observa-se que as competências não são apenas conhecimentos ou habilidades, são conhecimentos e habilidades em ação. Segundo Le Boterf (2003), a ação tem uma significação para o sujeito. Assim, a competência é uma ação ou um conjunto de ações articulado sobre uma utilidade, sobre uma finalidade que tem um sentido para o profissional. De acordo com Dutra (2004), pode-se falar de competência apenas quando há competência em ação, traduzida como saber ser e saber mobilizar o repertório individual em diferentes contextos. Neste sentido, por seu caráter finalizado, contextual e contingente, a competência só é compreensível, e suscetível de ser produzida, na ação (ANTONELLO; RUAS, 2005). Assim, verifica-se que a competência geralmente não é desenvolvida de forma descontextualizada do contexto da ação profissional. Perrenoud (1999) observa que a competência ultrapassa a erudição e sugere que mesmo para um sujeito que tenha se apropriado de numerosos conhecimentos não há garantia de que vá mobilizá-los em certas situações. A competência parece estar além dos conhecimentos e envolve uma construção que é inseparável da formação de esquemas de mobilização. Outro conceito presente na obra de Perrenoud é o de habitus, evocado de Bourdieu (1972, p.178-179), definido como sendo sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, apreciações e ações e torna possível a execução de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma. Portanto, graças a esse conjunto de esquemas constituído em um dado momento da vida é possível gerar várias práticas adaptadas a situações renovadas, sem que se cristalizem princípios explícitos. Para Zarifian (2001, p. 43), como a competência só se manifesta na atividade prática, “existe uma parcela indispensável de iniciativa que provém do próprio indivíduo, que não pode provir de prescritores nem da estrutura organizacional”. O agir profissional supõe, então, certa vontade. Entre a atividade requerida e a atividade real instala-se a atividade redefinida, ou seja, a definição que o indivíduo estabelece para si no que tange à atividade a efetuar. A 4 intervenção humana, saber agir e reagir, permanece essencial para encarar as eventualidades e as falhas (LE BOTERF, 2003). Para ilustrar este processo, Retour (2005) apresenta um modelo de tipologia de competências, o qual contém quatro níveis, conforme retrata a Figura 1. competências potenciais do indivíduo Competências requeridas pelo emprego competências mobilizadas pelo indivíduo competências requeridas mas não detidas pelo empregado competências detidas pelo indivíduo competências mobilizadas e valorizadas pela empresa Figura 1 – Tipologia de Competências Fonte: Retour (2005) As competências requeridas por um emprego remetem a algumas características: procedimentos inseparáveis da noção de operação; caráter prescritivo; e estabilidade, simbolizada na figura através do retângulo (RETOUR, 2005). O segundo campo é constituído pelas competências mobilizadas pelo empregado no exercício da sua função. Segundo o autor, outras investigações, nomeadamente em ergonomia, demonstram que muitas pessoas, no exercício da sua função, exercem competências que, geralmente, ultrapassam o campo das competências requeridas por um emprego. A zona seguinte refere-se ao conjunto das competências detidas por um empregado em um momento dado. Na maior parte das situações, esta terceira zona é mais larga que a segunda. Para ilustrar esta tipologia, o autor exemplifica que um empregado que domine o alemão, mas que não tenha oportunidade na sua empresa de exercer esta competência lingüística, detém esta competência, mas não a mobiliza. Por fim, o quarto campo refere-se às competências potenciais de um indivíduo. Este é normalmente o domínio da gestão dos potenciais de progresso na carreira. Para Antonello (2006), é necessário também compreender como as competências são desenvolvidas, considerando os seguintes aspectos: • ligação existente entre a competência e a ação: a competência permite o agir e é ela que adapta este agir. Ela não existe por si, independentemente da atividade, do problema a resolver, do uso que dela é feito. • contextualidade: a competência está vinculada a uma dada situação profissional e corresponde, portanto, a um contexto. • valor agregado: a competência adiciona valor às atividades da organização (desempenho) e valor social ao indivíduo (auto-realização, sentimento ou experiência 5 pessoal de ser competente). Neste sentido, o indivíduo também é responsável pelo desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de suas competências. • interação e rede do trabalho: as competências se desenvolvem por interação entre as pessoas, no ambiente de trabalho, formal ou informalmente. • práticas de trabalho: enriquecimento de experiências e vivências e apropriação do saber em ações no trabalho (saber agir). O conhecimento é construído e, ao mesmo tempo, incorporado às atitudes, manifestando-se por meio de ações e práticas no trabalho. De acordo com Zarifian (2001) um aspecto sensível neste processo é que a mobilização das competências de um indivíduo não pode ser imposta ou prescrita. A competência se realiza na ação, não preexiste a ela. A competência não se exprime pela ação, mas se realiza na ação; ela emerge mais do que precede (ANTONELLO; RUAS, 2005; LE BOTERF, 2003). O que a empresa pode fazer é requerer competências, criar condições propícias para seu desenvolvimento e validá-las. No entanto, as mesmas só serão utilizadas e se desenvolverão como consequência de uma automobilização do indivíduo (ZARIFIAN, 2001). A competência profissional, sob esta perspectiva, não reside nos recursos (conhecimentos, capacidades, etc.) a mobilizar, mas na própria mobilização desses recursos, a qual não é uma simples aplicação e sim uma construção, sendo o profissional um produtor de competências (LE BOTERF, 2003). Dessa forma, as competências mobilizadas pelo indivíduo vão além do que é formalmente requerido pela organização, uma vez que o próprio indivíduo já traz consigo uma bagagem que reúne suas experiências e competências prévias. Após apresentar o aporte teórico acerca das competências profissionais e em ação que ancoram esta pesquisa, torna-se oportuno tecer, na subseção que segue, algumas considerações sobre o contexto da ação profissional que envolve os gestores de escolas. 4 Competências gerenciais dos gestores de escolas públicas A noção de gestão foi, durante certo tempo, conotada nos corredores dos cursos de pedagogia como sendo sinônima das teorias de Taylor e Fayol. Mas essa concepção vem sendo alterada, como publicou o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED, 1997, p.14): A gestão pública escolar assume, mais uma vez, um significado que transcende o da administração em sentido restrito. Exige-se, atualmente, dos gestores sociais em geral e dos escolares, em particular, competências que são tanto técnicas quanto políticas no bom sentido. Por um lado, é cobrada deles a responsabilidade social pelos resultados da tarefa educativa, como também é cobrada de sua unidade, qualidade dos serviços prestados. Por outro lado, estes gestores lidam fundamentalmente com o humano, sendo gestores de pessoas (professores, funcionários etc) tendo a missão de coordenar os esforços delas para o alcance dos objetivos das unidades sob sua direção, e, conseqüentemente, do sistema educacional como um todo. Estudos sobre a gestão democrática na escola discutem temas como transparência, responsabilidade educacional, divisão de tarefas, formulação de projetos, participação dos conselhos, mobilização das famílias, construção de parcerias, prestação de contas etc. Forças e contingências atravessam o contexto escolar impactando diretamente no perfil do gestor que é demandado para corresponder a tais exigências. Paro (1993) reforça os limites do universo escolar em que a relação educativa só pode dar-se mediante o processo pedagógico, necessariamente dialógico, não dominador, que garanta a condição de sujeito tanto do educador quanto do educando. Por sua imprescindibilidade para a realização históricohumana, a educação deve ser direito de todos os indivíduos enquanto viabilizadora de sua 6 condição de seres humanos. Isso tudo acarreta características especiais e importância sem limites à escola pública enquanto instância da divisão social do trabalho, incumbida da universalização do saber. Esse é o chão do gestor escolar. A abordagem sobre competências gerenciais ganha então um contorno específico quando remetida ao contexto escolar, ainda mais quando essa escola faz parte do sistema público. A educação pública brasileira, com a conferência de Dakari, intensificou a atenção dedicada a problemática da gestão escolar construindo programas específicos em sua agenda prioritária. Nessa perspectiva, assenta seus fundamentos sobre o desafio de mobilizar o elemento humano, alavancando suas competências como pedra angular na construção da qualidade da educação. Os desafios emergentes, sejam eles de ordem pedagógica (parâmetros e referencias curriculares nacionais), econômica (globalização da economia, competitividade e novas demandas do mercado de trabalho), política (regime de colaboração, planos de ações articuladas, programas de descentralização da gestão educacional, inclusive financeira), metodológica operacional (consolidação do IDEB, novas tecnologias, monitoramento) exigem que os gestores educacionais mobilizem competências para promover a educação de qualidade. Tal mobilização segue a lógica assinalada por Le Boterf (2003) quando compara a competência a um ato de enunciação que não pode ser compreendido sem que se façam referências ao sujeito que o emite ou ao contexto onde está inserido. Dos gestores escolares é esperado, portanto, que mobilizem saberes, habilidades e recursos materiais compondo a equação dinâmica capaz de colocá-los em ato, movimento, ação. Para efeito de estudo, alguns autores constroem a classificação das competências, embora tal abordagem implique em dificuldades semelhantes às encontradas quando se tenta definir o que é competência. Mitchell (2004) elabora a síntese apresentada no Quadro 2. Autor Tipos de Competência RABAGLIO Técnicas e Comportamentais BENJAMINS Específicas (Hard) e Sociais (Soft) MARCKET Técnicas e Comunicativas ZARIFIAN De processo, Técnico-Formativas, De Serviço e Sociais GRAMIGNA Diferenciais, Essenciais, Básicas e Terceirizáveis FONSECA Gerenciais, Técnicas e Sociais Quadro 2 – Tipos de competência Fonte: baseado em Mitchell (2004). O presente estudo adotou como referencial a tipologia técnicas, comportamentais e sociais por entender que envolvem o universo gerencial dos diretores escolares. Em geral, as competências técnicas são alcançadas através da educação formal, inicial e continuada, treinamentos e experiência profissional e têm relação com a capacidade de aplicar, transferir e generalizar o conhecimento, bem como de reconhecer e definir problemas, propondo soluções para os mesmos. Há de se considerar também o esforço residente nas experiências em que mestres e aprendizes compartilham saberes modelados por relações distintas daquelas que se dão no âmbito formal. Já as competências comportamentais remontam às características de personalidade do indivíduo. São importantes para demonstrar espírito empreendedor, capacidade para a inovação, iniciativa, criatividade, liderança, vontade de aprender, abertura às mudanças, capacidade para gerir conflitos, consciência das implicações éticas do seu trabalho etc. 7 Quanto às competências sociais, estas comumente envolvem atitudes que auxiliam o estabelecimento da interface entre o particular e o coletivo, promovendo articulações que agreguem valor ao ambiente escolar e ampliem as possibilidades educativas. Nesse grupo estão os relacionamentos interpessoais de professores, gestores, alunos, pais; a capacidade de construir alianças e parcerias com outras instituições, a conquista da família para participar conjuntamente da educação escolar etc. 5 Metodologia A abordagem metodológica selecionada para esta investigação baseou-se em uma perspectiva qualitativa, na qual o pesquisador procura compreender as ações individuais, grupais ou organizacionais em seu ambiente e contexto social. Em termos de caracterização geral do estudo, esta pesquisa é exploratória, a qual, segundo Gil (1994), envolve o levantamento do estado da arte, pela revisão bibliográfica e pelo estudo dos atores relacionados com o processo pesquisado, para que a vivência com o problema possa estimular e facilitar a compreensão do fato. Este tipo de pesquisa busca basicamente desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias para a formulação de novas abordagens a posteriori. A estratégia de coleta de dados está centrada na realização de entrevistas semiestruturadas com questões abertas que buscam extrair do pesquisado sua percepção acerca das competências exigidas, as quais foram categorizadas em três grupos: técnicas, sociais/contextuais e comportamentais. As entrevistas também buscaram verificar quais dessas competências estão postas em ação e ainda se, na prática, esse conjunto de competências inclui outras para além das inicialmente elencadas. Neste sentido, Roesch (1999) afirma que, as entrevistas semi-estruturadas permitem ao pesquisador entender e captar a perspectivas dos participantes da pesquisa, sem predeterminar sua expectativa através de uma seleção prévia de categorias de questões. Sobre o campo de pesquisa, foi composto por sete Escolas Estaduais de Ensino Fundamental e Médio localizadas em João Pessoa, com sujeitos de investigação definidos com base nos seguintes critérios: escolas cujos gestores tenham sido escolhidos através de processo de eleições diretas; escolas com matrícula em 1000 e 2000 alunos; escolas que prestam serviço em, no mínimo, dois turnos; escolas que tenham professores efetivos e pro-tempore em seu quadro funcional; escolas de ensino fundamental e/ou ensino médio; escolas cujos gestores tenham aceito participar da pesquisa por meio de adesão, disponibilizando acesso e tempo; grupo de gestores contemplando homens e mulheres. Em termos de sistematização, o processo de tratamento dos dados coletados a partir da pesquisa de campo constituiu-se na categorização dos assuntos abordados durante a entrevista, descrição das categorias encontradas e elaboração de quadros comparativos entre os perfis de competência dos gestores. Para não haver individualização dos dados de pesquisa, a identidade dos participantes foi preservada, contudo, para permitir certa direção em relação às escolas investigadas, após a identificação dos discursos dos pesquisados será indicada a numeração correspondente à entrevista realizada. A pesquisa foi realizada no mês de fevereiro de 2009. 6 Apresentação e Discussão dos Resultados A apresentação dos resultados foi dividida em duas partes: a primeira discute as dez competências formais dos gestores escolares, exigidas em sua prática gerencial; e a segunda apresenta as competências em ação identificadas na pesquisa. 8 6.1 Competências exigidas Os diretores foram inicialmente entrevistados acerca das competências técnicas que os mesmos devem possuir, quais sejam, coordenar a elaboração do Projeto Político Pedagógico, buscar e compartilhar informações, acompanhar criticamente os indicadores de aprendizagem e delegar competências e atribuições a seus subordinados. A investigação sobre a construção do PPP - Projeto Político Pedagógico mostrou que todos os investigados revelaram ter envolvimento com essa etapa do planejamento escolar. Apareceram referências ao POPE – Plano de Organização Pedagógica da Escola que é a versão estadualizada do planejamento estratégico. Sendo POPE ou PPP foi possível ainda perceber certa “terceirização” da competência pedagógica, considerando-a atribuição de coordenadores pedagógicos, supervisores ou técnicos. Com bastante freqüência, os gestores apontam o PDE - Escola, Plano de Desenvolvimento da Escola, como instrumento relevante de organização, sobretudo por incluir um suporte financeiro, o PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola, constituído por recursos federais e estaduais, que dão concretude aos projetos de cada unidade escolar. Quando questionados sobre a busca e o compartilhamento de informações, todos os entrevistados elencaram uma série de canais de comunicação utilizados por eles para divulgar notícias, eventos e outras informações consideradas importantes. O meio mais utilizado é a reunião, seja de planejamento, avaliação ou mesmo extraordinária. Também foram citadas diversas outras formas de comunicação: sistema de rádio, quadros de avisos, carro de som, cartazes, ofícios, ligação telefônica, comunicado ao presidente de turma e aos professores. Os gestores divergiram bastante quanto ao acompanhamento sistemático do IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Apesar da nova política educacional brasileira assumir o IDEB como indicador máster nacional, não apareceram indícios de que os gestores estejam fazendo a ponte entre a avaliação e o re-planejamento da prática docente. Apenas dois gestores estimulam o acompanhamento, sendo que um deles, o gestor 4, potencializa a iniciativa a partir de outra ação, conforme salienta: “Aproveitamos os profissionais que têm a metodologia da Correção de Fluxo”. Cinco entrevistados não priorizam o acompanhamento, destacando-se o gestor 7 que demonstrou desconhecimento do significado do IDEB. No que se refere à delegação de competências e atribuições aos subordinados, a maioria dos diretores das escolas afirmou que as tarefas e competências são atribuídas de forma participativa, primando pelo diálogo e pela alocação das pessoas com base na aptidão existente em cada um, conforme se percebe na fala de um dos entrevistados: há diversidade de cada um enquanto grupo, as aptidões são visíveis, notáveis, então a gente tem aproveitado cada profissional aqui naquilo que mais ele se sente bem em fazer e em que ele, de certa maneira, por sentir-se bem e fazer com prazer, ele, realmente, termina dando um resultado satisfatório, excelente (gestor 2). O segundo grupo de competências investigado, o social/contextual, é composto por três competências, a saber: promover a integração da família na escola, buscar alianças e parcerias e promover a inovação e a mudança. Todos os diretores apontaram atividades em que procuram promover a participação familiar, tais como gincanas, festivais de arte, projetos de preservação ambiental, caminhadas, além de festividades em datas comemorativas e reuniões bimestrais de avaliação da aprendizagem. Para um dos diretores, “uma escola aberta traz a comunidade até a escola (...). Nós podemos, com um contato maior com esse aluno, trabalhar valores, trabalhar a cidadania, a construção dessa cidadania do alunado” (gestor 2). No entanto, percebeu-se, durante a entrevista, que os entrevistados não têm domínio sobre 9 a efetividade destas ações, uma vez que não sabem o real grau de integração das famílias e não conseguem acompanhar a continuidade da participação. Em relação à busca por alianças e parcerias com outras instituições, os achados de campo mostram que todas as escolas entrevistadas já possuem algum tipo de parceria com organizações públicas ou privadas, conforme demonstra o Quadro 3. Porém, o interesse por buscar mais parcerias e ampliar a capacidade da escola não é o mesmo para todos, já que alguns se mostraram mais atuantes que outros. Ação Cursos de qualificação profissional Instituição parceira SENAC, Instituto Federal de Educação Tecnológica Dinamização de laboratórios (química, biologia, Universidade Federal da Paraíba matemática, física) Educação por meio do esporte Fundação Alpargatas Educação Ambiental (reflorestamento) Fundação Bradesco Educação em tempo integral (projetos Institutos Arcor, C&A e Vitta envolvendo leitura e arte) Oferecimento de estágios Centro de Integração Empresa-Escola Prevenção à saúde Postos de Saúde da Família Quadro 3 – Parcerias estabelecidas entre as escolas e outras instituições Fonte: pesquisa de campo (2009) Para Le Boterf (2003, p. 40), “é mais o saber inovar do que o saber que se tornou rotina que caracteriza o profissional”, o qual deve tomar iniciativas em tempo oportuno para antecipar e resolver disfunções. No quesito incentivo à inovação e à mudança, os gestores atuam de forma diferente em sua gestão. Três deles promoveram mudanças significativas, como a expansão da escola de ensino fundamental para médio, a criação de laboratórios, bibliotecas e outros espaços funcionais de aprendizagem para o aluno e a defesa da escola pública na tentativa de valorizar o que é público, conforme coloca uma das diretoras: “tudo quanto é mudança eu aceito e procuro trabalhar” (gestor 4). Os demais se portaram de forma mais passiva em sua atuação, apenas afirmando que a inovação e mudança são importantes, mas sem identificar algo de concreto que tenham incentivado. O terceiro e último grupo reúne as competências comportamentais dos gestores escolares: trabalhar em cooperação com professores, assumir riscos em situações em que tem que gerenciar conflitos e liderar professores. Em relação à primeira competência comportamental, o trabalho em cooperação, cinco dos sete diretores afirmaram que os professores participam das atividades, realizando além do que está formalmente prescrito. Os entrevistados afirmaram ainda que os professores desenvolvem atividades extra-classe, debatem assuntos de interesse coletivo e auxiliam na execução das tarefas, como se percebe neste depoimento: “aqui, muitas atividades acontecem com a cooperação, com a participação dos professores. Nós programamos em cada período atividades para fugir dessa aula que é tida como a normal do dia a dia” (gestor 2). Os outros diretores encontram dificuldades quando buscam a cooperação dos professores, pois, em suas escolas, apenas alguns querem ajudar, conforme observa a primeira entrevistada: “é difícil colocar um projeto para funcionar quando a gente tem dentro do ambiente, por exemplo, nessa escola, 105 professores, mas num evento 30 participam” (gestor 1). Com relação à disposição para assumir riscos, três gestores relacionaram “risco” ao cenário de violência do mundo atual que também é reproduzido na escola. Nesse sentido, os gestores buscam parceria com a família, polícia, conselho tutelar e ministério público para o enfrentamento da questão. O gestor 6 respondeu de modo evasivo, ainda assim positivamente. Os participantes 4, 5 e 7 foram enfáticos quanto à importância que tem o gestor de fazer a gestão dos conflitos que sempre estão presentes no dia a dia , assumindo os “riscos” 10 decorrentes de suas escolhas e orientações. Como ressalta o gestor 4, “Se não tiver risco, não tem vida”. Todos os entrevistados sinalizaram afirmativamente quanto ao quesito liderança. Como fatores essenciais para o exercício dessa competência foram apontados o trabalho de conquista, a prática dialógica, a busca da transparência, o clima de liberdade e respeito. Em 100% dos casos foi pelo crivo das eleições diretas que os participantes tornaram-se gestores, sendo esse um sinal de liderança que reforça o jogo democrático. 6.2 Competências em ação Segundo Le Boterf (2003), o profissional competente sabe tomar iniciativas e decisões, negociar e arbitrar, fazer escolhas, assumir riscos, reagir a contingências, inovar no dia-a-dia e assumir responsabilidades. No contexto escolar não é diferente. É do encontro do cotidiano dos gestores com as expectativas anunciadas na Lei de Diretrizes e Bases da educação, regimento escolar e demais orientações que as competências ganham uma nova dimensão. O relato dos entrevistados, enriquecido pelas contingências próprias de um ambiente tão dinâmico, extrapola o escopo inicial da investigação. Sendo assim, a seguir serão apresentadas, através do Quadro 4, as competências exigidas e as mobilizadas pelos gestores escolares. Competências Técnicas Sociais/ Contextuais Comportamentai s Exigidas • Coordenar a elaboração do Projeto Político Pedagógico. • Buscar e compartilhar informações. • Acompanhar criticamente os indicadores de aprendizagem. • Delegar competências e atribuições a seus subordinados. • Promover a integração da família na escola. • Buscar alianças e parcerias com outras instituições públicas ou privadas. • Promover a inovação e a mudança na gestão escolar. • Trabalhar em cooperação com professores. • Assumir riscos em situações em que tem que gerenciar conflitos. • Liderar professores. Em ação • • • • • • Administrar finanças. Dominar aspectos legais. Delegar competências. Aprender continuamente. Organizar a escola. Potencializar os recursos existentes na escola. • • • • Buscar alianças e parcerias. Valorizar a escola pública. Construir estratégias. Resolver questões políticas. • • • • • • • • Liderar professores. Utilizar bem o tempo. Assumir compromisso. Saber relacionar-se. Trabalhar com amor. Disciplinar a equipe e os alunos. Respeitar as pessoas. Resolver conflitos. Quadro 4 – Competências em ação dos gestores escolares Fonte: pesquisa de campo (2009) As quatro competências técnicas exigidas confirmaram-se em diferentes gradações, mas outras pronunciaram-se como é o caso da administração das finanças, o domínio de aspectos legais, a predisposição para aprender continuamente, a capacidade de potencializar os recursos existentes na escola além da abrangente organização da escola. No eixo social/contextual ganhou relevo a competência de lidar com o conceito de coisa pública e sua relação direta com a valorização da escola pública. Nesse domínio aparece a importância de estimular a construção de estratégias, demanda que sugere a aproximação de 11 aspectos técnicos e contextuais/sociais. A competência para resolver questões políticas também aparece, embora haja sinais de que o processo de eleições diretas para gestores escolares, instituído desde 2004, esteja alterando a relação entre os agentes políticos e os diretores de escola. Uma nova cultura vai-se estabelecendo com base nesse modelo de relação em que o gestor é “autorizado” pela comunidade a que pertence, fortalecendo sua a autonomia e capacidade de escolha. Na intervenção do gestor 5: “sou eleito, não sou colocado por político, é eleição (...). Se pedir, eu só atendo se tiver condição; se não tiver, explico o motivo”. A relação de subordinação hierárquica à Secretaria da Educação também aparece segundo a perspectiva de jogo democrático com a abertura de fóruns, seminários, audiências públicas e espaços de debate e interação dos atores. Das competências comportamentais emerge uma preocupação explícita com a construção de relacionamentos entre gestores e equipes primando pela clareza e transparência, em consonância com o que afirma Ruas (2000) acerca do contexto relacional em que a competência se desenvolve, qual seja, um espaço de interação entre as pessoas e seus saberes, capacidades e demandas das organizações. Ao longo do tempo, a própria alteração do arranjo escola-família pronunciou no contexto escolar novas fronteiras para temas como disciplina, responsabilidades compartilhadas, violência, combate ao uso de drogas, sexualidade etc. Cabendo aos gestores, como constatado nas entrevistas, articular espaço e tempo para a gestão de conflitos. Como faz referência o gestor 5, “o essencial é cuidar do relacionamento. Manter o clima de liberdade e transparência”. 7 Considerações Finais O sentido atribuído como propósito maior do estudo foi investigar a correspondência existente entre as competências exigidas do gestor escolar e aquelas que efetivamente são postas em ação em um grupo de escolas do sistema de educação estadual paraibano. Uma primeira aproximação permitiu identificar que as competências exigidas ganharam esse estatuto a partir de documentos e orientações formais legalmente constituídas. Mesmo assim, o processo de escolha dos gestores por meio de eleições não explicita tais exigências nem as transforma em condição sine qua non para a formação das chapas. Pôde-se perceber que nem todos os gestores detêm as competências requeridas pelo cargo, uma vez que alguns demonstraram dificuldade de coordenar ou mesmo acompanhar projetos, indicadores, intervenções pedagógicas, fato que corrobora com a lacuna existente entre as competências requeridas e as detidas pelo indivíduo, apresentada no modelo de Retour (2005). Colhe-se explicitamente no discurso dos gestores o reconhecimento dos limites individuais e a busca por formação que amplie sua capacidade de mobilização. Sinais que remontam à competência enquanto resultante que entrelaça não só um saber agir, mas um querer e um poder agir. “O saber agir pode ser desenvolvido pela formação, pelo treinamento que consolidará a faculdade de mobilizar, combinar e transpor” (LE BOTERF, 2003, p. 159). Apesar das dificuldades, os resultados mostram que, em maior ou menor grau, os diretores têm atuado em favor da escola, esforçando-se para que a aprendizagem dos alunos seja sempre aprimorada. Em geral, constatou-se que as competências requeridas fazem parte do cotidiano da escola e dos diretores. Através dos achados de campo também foi possível identificar uma série de competências técnicas, sociais/contextuais e comportamentais que estão em ação no ambiente escolar. O estudo de caso favoreceu aberturas agregando densidade ao exercício da reflexão, sobretudo pelos elementos que situaram o ofício de diretor no eixo contínuo de mudanças regido pela a cultura escolar e políticas públicas determinantes das competências postas em ação. 12 No grupo das competências técnicas constam com maior frequência: administrar finanças; dominar aspectos legais; aprender continuamente; organizar a escola e potencializar recursos existentes na escola. Percebe-se que o dia a dia dos diretores é em grande parte preenchido por necessidades que envolvem saberes operatórios, “esses saberes operatórios descrevem procedimentos, métodos, modos operatórios. [...] São conjuntos de instruções a serem realizadas em uma ordem estabelecida” (LE BOTERF, 2003, p.99). Questões administrativas freqüentemente emergem com força no contexto escolar e tendem a consumir a maior parte do tempo dos diretores, muitas vezes engessando-os para ações que privilegiem aspectos pedagógicos. Entre as competências sociais/contextuais mobilizadas foi posta em destaque a capacidade de valorizar a escola pública. A própria restauração dos conceitos de coisa pública e de serviço público, guardam uma relação direta com a performance do diretor. Se a escola está sob seu comando, ele tem responsabilidade direta na formação desse conceito. As competências sociais/contextuais têm esse apelo de colocar o gestor na vitrine, pois implicam em contato direto com seu público alvo, professores, alunos, família, exigindo equilíbrio para a construção de relações pessoais. Entre outras observações dessa área, mais duas competências se associam para reforçar a idéia de contexto: estimular a construção de estratégias e resolver questões políticas. As competências comportamentais guardando certa proximidade com as sociais reservam lugar especial para mobilizações como: utilizar bem o tempo; assumir compromisso; saber relacionar-se; trabalhar com amor; respeitar as pessoas. Destaque quase unânime para a competência referida ao disciplinamento da equipe e dos alunos. Em pesquisa apoiada pela UNESCO, Abramovay (2002) identifica um vínculo entre indisciplina e violência considerando o registro crescente dessa temática no dia a dia de gestores que têm o dever imperativo de desenvolver alternativas e estratégias para enfrentar fenômenos urgentes que marcam a crônica escolar como nos casos de bullying. Por fim, é possível concluir que as escolas constituem-se fartamente de desafios e oportunidades que se lançam para além das competências formalmente exigidas, provocando os diretores no rumo da mobilização de outras diversas competências em favor de meninos e meninas que têm seu futuro colocado entre o desafio de se fazer escola e a disposição de cada gestor em viabilizar competentemente esse futuro. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M.; RUA, M. das G. (Coords). Violências nas escolas, Brasília: UNESCO, 2002. ANTONELLO, C. S. Aprendizagem na ação revisitada e sua relação com a noção de competência. Comportamento Organizacional e Gestão. São Paulo, v. 12, n. 2, p. 199-220, 2006. ANTONELLO, C. S.; RUAS, R. Formação Gerencial: pós-graduação Lato Sensu e o papel das comunidades de prática. RAC. São Paulo, v. 9, n. 2, p. 35-58, abr./jun. 2005. BOURDIEU, P. Esquisse d’une théorie de la pratique. Genebra: Droz, 1972. BOYATZIS, R. E. The competent manager: a model for effective performance. 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O Fórum teve o objetivo de apresentar as ações realizadas durante a década de 1990 dentro da iniciativa “Educação para Todos”, bem como de organizar um novo documento contendo metas e prazos. Governos, Sociedade Civil e Comunidades de 181 países adotaram estratégia de ação comprometendo-se a conseguir uma educação básica de qualidade para todos, com ênfase na educação de meninas. 15