A crise Européia, o Brasil e la nave va
Francisco Prisco Neto*
Não sei se a idade nós dá uma visão diferente das coisas ou se realmente
estamos vivendo tempos estranhos! O caminho que está sendo trilhado não
é novo e, apenas os que já o vivenciaram, podem atestar se é o mesmo!
Alguns vão dizer que é tudo reflexo da crise européia, que é resultado da
crise do subprime, gerado pela “bolha imobiliária” norte-americana e assim
vai. Entretanto as crises são cíclicas e até Marx1 concordava com isso pois
para ele o Capitalismo seria um sistema econômico autodestrutivo.
Sempre que o lucro for investido nos meios de produção,
sem que haja um excedente suficiente para garantir a
continuidade da produção a preços competitivos, o dono da
fábrica terá de baixar salários a fim de poder comprar
matérias-primas para a produção. Quando isso ocorre em
grande escala, os trabalhadores empobrecem tanto que não
podem comprar mercadorias. Com a queda do poder de
compra, o colapso do sistema se torna iminente.
Ocorre que, com a economia de escala e introdução de tecnologia, a
produção vai se tornando mais eficiente e as fábricas vão diminuindo a
quantidade de trabalhadores, o que resulta em mais e mais desempregados,
aumentando os problemas sociais, ajustes são realizados, concessões, o
mercado retorna ao equilíbrio e o ciclo se encerra.
O braço de ferro da segunda grande guerra deu mais responsabilidade ao
capitalismo em relação ao fascismo sendo que em meados da década de 60
eclodiram pelo mundo movimentos grevistas,
movimento contra a Guerra do Vietnã.
revoltas estudantis e
Todos esses movimentos
resultaram em avanços em relação aos problemas sociais, devido à
ascensão de diversas tendências socialistas em muitos paises e, em
1
MIKLOS, Jorge. Marxismo. Disponible em: http://www.slideshare.net/jorgemiklos/6socialismocientfico-marx-2008 Acesso em: 03 Dez. 2012.
conseqüência, a classe trabalhadora conquistou aumentos salariais,
programas generosos de seguro desemprego, previdência social e
assistência social entre outros direitos consideráveis. Entretanto, e
considerando o desejo de atender as massas de forma a se perpetuar no
poder, tais concessões que necessitam base financeira nem sempre
respeitaram os princípios das finanças públicas, além de que cálculos
atuariais foram deixados de lado em muitas situações. Os jovens
trabalhadores deveriam bancar as aposentadorias dos mais velhos,
entretanto a população está envelhecendo e assim, o Estado tem que arcar
com esse custo. Países como Eslovênia, Polônia, França entre outros têm
idade média para aposentadoria2 menor do que 60 anos, enquanto no Reino
Unido e Suécia a idade média é de 64 anos. Dizia Hoorens3, “se as taxas de
natalidade continuarem muito baixas, e nenhuma medida for tomada, o
setor público poderá eventualmente ir à bancarrota”
Parece que o pesquisador tem razão pois a maioria dos paises europeus está
endividada (o endividamento da União Européia é cerca de 80% de seu
PIB), entretanto em comparação com outros países isso não seria motivo
para a crise, pois os Estados Unidos tem endividamento de 100% de seu
PIB e o Japão, 220%. A questão é a capacidade de pagar ou refinanciar
essas dívidas e alguns países europeus demonstraram que não têm garantias
para refinanciá-las, pois seus déficits públicos estão constantes e sem
medidas drásticas, não reverterão.
Paira ai outra controvérsia que
demonstra ser silenciosa a moléstia das economias que optaram por gastos
excessivos no passado para manutenção de benefícios e concessões, uma
2
Entenda como funcionam os diferentes sistemas de aposentadoria na Europa. Disponível em:
http://noticias.bol.uol.com.br/infograficos/2010/06/18/entenda-como-funcionam-os-diferentes-sistemasde-aposentadoria-na-europa.jhtm Acesso em: 03 Dez. 2012.
3
Stijn Hoorens é pesquisador da Rand Europe, grupo independente de pesquisa política em Cambridge,
na Inglaterra. Disponível em: http://coremasnet.com.br/noticias/4/notcia5.php Acesso em: 03 Dez. 2012.
vez que antes da crise a Espanha não tinha déficit, pelo contrário, tinha um
superávit em relação ao PIB maior que o da Alemanha. Em 2007, o
superávit da Espanha era 1,9% do PIB, seis vezes superior ao superávit
alemão, 0,3% do PIB. O silencio da moléstia é demonstrado também pelo
que ocorria com a dívida pública: representava na Espanha cerca de 27% do
PIB, quase metade da dívida pública alemã, 50% do PIB. O problema é que
os banqueiros concederam créditos aos países em situação de caixa difícil
como ocorreu com a Espanha, que se socorreu pedindo financiamento para
o Banco Alemão, mas com o alto de grau de endividamento de outros
países as cobranças começaram e a crise acabou eclodindo e a fragilidade
do sistema ficou evidente4. A grande maioria dos países envolvidos gastou
mais dinheiro do que conseguia arrecadar por meio de impostos e assim,
para se financiar esses países passaram a acumular dívidas que superaram a
casa dos 60% do PIB (relação do endividamento sobre o PIB), patamar
estabelecido no Tratado de Maastricht, de 1992, indicador que deixou os
investidores inseguros e assim, gerando dificuldades para os países
refinanciarem suas dívidas.
Mas qual é preocupação com o Brasil?
Retornando ao início do artigo, os fatos que estão sendo mostrados
diariamente no Brasil pela mídia são prontamente desmentidos por batalhão
de defensores do “status quo”, ninguém sabe, ninguém viu, e os recursos
colocados no ralo abaixo, a população assimila rapidamente e
passivamente, a notícia vai para a página 10 do jornal, todos brincam e
curtem no Facebook e a banda passa e o tempo também.
4
Artigo publicado no jornal “Público” de Espanha. Disponível em: www.vnavarro.org. Tradução de
Carlos Santos para esquerda.net Disponível em: http://www.esquerda.net/artigo/espanha-causa-real-dacrise-financeira/22928 Acesso em: 03 Dez. 2012.
Toda essa reflexão sobre a crise européia, leva a concluir que:
- seus habitantes nunca pagaram integralmente a intervenção pública havida e
que beneficiou alguns por algum tempo;
- tal situação não poderia mudar senão os lideres seriam punidos eleitoralmente;
- o problema estava sendo empurrado para gerações futuras;
- crise da social democracia européia;
- enriquecimento dos bancos;
e é um pano de fundo para apresentar a situação brasileira.
O chamado “custo Brasil” tem garroteado o empresário brasileiro de uma
forma impiedosa, o que tem desviado
alguns investidores de nossa nação. Tal
situação não foi diferente da observada na
Europa. Assim como faliram as economias
planejadas dos países comunistas, os
capitais e empresas puderam se deslocar
com mais agilidade para economias menos
pressionadas pela intervenção do Estado5.
A social democracia europeia está se esgotando, na sua
visão? Desde a queda do muro de Berlim, em 1989, que se
vislumbra uma crise das sociais-democracias europeias.
Assim como faliu a economia planejada dos países
“comunistas”, o problema da ineficiência crônica das
decisões políticas centralizadas integra a vida dos “Estados
sociais” fortemente burocratizados. A globalização ampliou
essa crise a partir do momento em que capitais e empresas
puderam se deslocar com mais agilidade para economias
menos pressionadas pela intervenção do Estado. Enfim, da
crise atual vimos cada vez mais o trailer – e agora estamos
no filme. Os mecanismos de redistribuição da riqueza
5
Disponível em: http://www.amanha.com.br/home-internas/3459-entenda-a-crise-europeia-e-suaslicoes-para-o-brasil Acesso em: 03 Dez. 2012.
influem na sua produção. Isto é: a desestimulam. Hoje, os
países europeus são tão pesados que colocam em risco a sua
própria capacidade de criar riqueza. Para completar, as
tendências demográficas comprometeram a sustentabilidade
do crescimento europeu. Em algum momento, os
investidores internacionais acabariam percebendo isso – e
agora perceberam.
Como está a dívida pública Brasileira em relação ao PIB e
comparativamente aos países envolvidos na crise?
QUADRO I6 (ano de 2011)
Country Name Dívida pública (% PIB)
Grécia
162
Islândia
128
Itália
120
Portugal
113
Irlanda
105
Bélgica
100
Reino Unido
86
França
85
Alemanha
82
Hungria
81
Áustria
74
Malta
70
Espanha
68
Países Baixos
65
Albânia
60
Noruega
58
Polónia
57
Suíça
52
Finlândia
49
Bielorrússia
45
Sérvia
45
Montenegro
45
Letónia
45
Dinamarca
44
Croácia
44
Bósnia e Herzegovina
43
Eslováquia
43
Eslovénia
42
República Checa
41
Turquia
40
Ucrânia
39
Roménia
39
Suécia
38
Lituânia
36
Moldávia
29
Macedónia
28
Bulgária
18
Luxemburgo
17
Estónia
6
6
Disponível em: http://www.indexmundi.com/map/?v=143&r=eu&l=pt Acesso em: 03 Dez. 2012.
O Orçamento Brasileiro para 2013 é de R$ 2,14 trilhões , dos quais R$ 900
bilhões para pagamento de juros e amortização da dívida, ou seja, 42 % do
PIB é referente dívida pública, portanto, não há qualquer inovação uma vez
que há décadas se concede prioridade ao pagamento dos juros e
amortizações da dívida pública (interna e externa).
Então quer dizer que nosso endividamento está bem abaixo dos países
envolvidos na crise européia?
Negativa é a resposta e principal motivo para o presente escrito. O Brasil
adota o conceito de dívida líquida, ou seja, desconta os créditos a receber,
mas não considera as demais obrigações a pagar, sem essa “maquiagem” o
endividamento público em relação ao PIB estaria perto dos 80%, segundo
informa Maria Lucia Fattorelli7, que considera essa definição “esdrúxula”.
Além do problema conceitual sobre dívida líquida ou bruta, há também o
conceito de “amortização” da dívida, pois parte do que é contabilizado
como pagamento da dívida nada mais é do que a rolagem de títulos, isto é,
títulos novos são emitidos para pagamentos de títulos velhos, logo a dívida
está sendo rolada e jogada para o futuro. O orçamento de 2013 contempla
R$ 900 bilhões para pagamento da dívida, entretanto cerca de R$ 600
bilhões refere-se a “rolagem”, portanto, não é pagamento efetivo com caixa
e sim, emissão de novos títulos. Mais grave ainda é que parte dos R$ 600
bilhões está composto por juros, que são despesas correntes e estas,
segundo a Constituição, não podem ser pagas com emissão de dívida.
Mas há tantos outros conceitos indevidamente adotados que nem vale a
pena descrevê-los, basta lembrar os casos do faturamento da Petrobrás, que
7
Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da
Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública – CAIC no Equador em 20072008. Participou ativamente nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada
no Brasil. É autora de Auditoria Da Divida Externa. Questão De Soberania (Contraponto Editora, 2003) e
concedeu entrevista ao Portal Brasil de Fato. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/10613
Acesso em: 03 Dez. 2012.
é inserido entre as receitas da União e o processo sobre o assunto tramita
desde 2008 em segredo de justiça8; e a informação dada pela Presidente
sobre redução nas contas de energia, como se fosse produto da boa gestão,
quando deveria ter divulgado que apenas está cumprindo o que o Tribunal
de Contas da União considerou irregular, pois a ANEEL (Agência Nacional
de Energia Elétrica) vinha permitindo reajustes maiores que os devidos
desde 2002.
Quanto há mais por se descobrir?
As conclusões descritas no presente trabalho sobre a crise européia têm
relação com informações da economia brasileira: os lucros dos bancos
nunca foram tão altos, parte da população não arca com alguns custos,
graves problemas (como o previdenciário) estão sendo lançados para
gerações futuras, a situação não pode ser alterada para não prejudicar
líderes nas eleições...
...a máxima do “panis et circus” é válida e cada dia mais atual, pois a
massa preocupa-se com pequenos detalhes como os estádios para a copa do
mundo, mas os desvios e acusações são tranqüilamente “abafados”, a
sociedade a tudo vê, sem nada poder fazer; quem vai cair para a série “b” e
devido a isso, lojas são incendiadas e nada acontece; quem vai à Tókio, e
devido a isso, aeroportos são depredados e todos curtem nas redes sociais
achando normal. Essa é a verdadeira crise: a ética, família, bons costumes
entre outros valores estão cada vez mais fora de moda, enquanto números e
informações são ‘maquiadas”, apenas os que podem compreender
balançam a cabeça e assim “la nave va”, como diria Federico Fellini, uma
viagem da vida.
8
Disponível em: http://www.edisonsiqueira.com.br/informe/release8pt.html Acesso em: 03 Dez. 2012.
* Economista, Pós Graduado em Finanças e Mestrado em Administração de Empresas, Conselheiro do
Conselho Regional de Economia.
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