UM ESTUDO SOBRE A CONSTRUÇÃO SOCIAL DAS FAMÍLIAS
HOMOAFETIVAS: PRECONCEITOS E ESTIGMAS1
Daniela Castamann
Luciene Paula Vieira
INTRODUÇÃO
Definir a família, enquanto modelo único, hoje, constitui-se em uma tarefa
muito complexa, já que ela sofre modificações devido às transformações sociais,
culturais, políticas e econômicas, as quais a sociedade capitalista vem enfrentando nos
últimos anos. Segundo Mello (1999), a família deve ser compreendida enquanto um
fenômeno histórico e sociocultural que se manifesta de acordo com o espaço e tempo.
No final das últimas décadas, a família vem se estruturando de maneira distinta, ao
modelo de família nuclear, caracterizando pela disfunção entre as responsabilidades
conjugais e parentais, principalmente por assuntos referentes à autonomia das esferas da
conjugalidade e da sexualidade relativas à reprodução. A família vem se transformando
conforme os impactos das mudanças na sociedade, gerando modelos familiares diversos
ao modelo familiar tradicional. Portanto, acredita-se que atualmente, é necessário de
certa forma esquecer a família burguesa enquanto verdade única.
Devemos deixar de lado, o conceito de estrutura nuclear, que se define segundo
Szymanki (2003) família composta por pai, mãe e filhos, cujas suas relações tem com
base a hierarquia e subordinação, com a figura masculina no topo e relações entre
1
O presente artigo refere-se ao Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Departamento de
Serviço Social, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, orientado pela Professora Ms.
Daniela Castamann, sob o título: “Um Estudo sobre a Construção Social das Famílias Homoafetivas,” da
Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (FECEA).Apucarana, 2008.
Mestre em Serviço Social e Política Social. Docente do Curso de Serviço Social, da Faculdade
Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (FECEA), Orientadora do Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC). Rua Ponta Grossa, 1154, Aptº 01, Centro, Apucarana - PR. CEP:86800-030. E-mail:
[email protected]. Fone: (43) 9126-6500
* Graduada em Serviço Social pela FECEA, Assistente social da Associação de Pais e Amigos de
Excepcionais (APAE) de Sarandi – PR. E-mail: [email protected].
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desiguais. É preciso ter em mente, que cada família constitui um universo específico e
possui um próprio sistema de relações, portanto a constituição de uma família torna-se
diferente uma da outra.
Mas quais foram as mudanças que geraram esse redimensionamento na
estrutura familiar? As metamorfoses na vida social começaram a acontecer na segunda
metade do século XX e se deram através de vários fatores: as duas Grandes Guerras
Mundiais; a recessão econômica da última década do século XX; o crescimento da
urbanização e a migração da população rural para a cidade (RIBEIRO, 2004); o advento
do neoliberalismo, juntamente com a ênfase a individualidade, o surgimento de um
mercado de trabalho excludente (ALENCAR, 2004) e a inserção da mulher no mercado
de trabalho (HOBSBAWM apud GUEIROS, 2002); aumento da monoparentalidade, da
taxa de divórcios e re-casamentos (CARVALHO apud CARVALHO, 2003); aumento
da violência (SZYMANSKI, 2002); perda de tradição e influência da mídia e da
televisão (SARTI, 2003); etc.
Diante dessas transformações autores apontam a família como uma instituição
falida (MELLO, 2001) ou para a teoria funcionalista e marxiana, segundo Bilac
(2003) a família está em crise, em virtude desta estar perdendo sua função social, ou
seja, seu papel está sendo minimizado.
Contrapondo tais idéias Mello (2003) expõe que a família não está em crise,
nem falida e desorganizada, mas sim, há um poliformismo familiar, ou seja, ela está
organizada de maneiras diferentes, pois vem se estruturando de acordo com as
mudanças que lhes são peculiares.
É muito difícil aceitar uma nova concepção de família, pois devemos
reconhecer que existe um modelo moral padronizado no imaginário social. Quando a
família foge aos moldes naturais é vista como “desestruturada”, sendo julgadas como
incapazes de cuidar de seus membros. Neste sentido, pode-se afirmar que ainda há
grades que aprisionam a percepção social e que impedem legitimar o crescimento da
pluralidade das organizações familiares.
Para Kaslow (apud Szymanski, 2002), a família contemporânea se constitui
através de grupos plurais e se expressam a partir de nove composições. São elas: 1)
família nuclear; 2) família extensa; 3) família adotiva temporária ou acolhedoras; 4)
família monoparental; 5) casal; 6) família reconstituída; 7) várias pessoas vivendo
2
juntas; 8) família adotiva e 9) casal homossexual2 ou homoafetivo1, o qual receberá
maior atenção neste trabalho.
Não há família errada, como afirma Hite (apud MELLO, 1999) toda família é
normal, independente se existam pai ou mãe, ou ambos, se existem ou não crianças.
Uma família pode ser constituída por qualquer número ou combinação de pessoas,
heterossexuais ou homoafetivos, que partilham suas vidas de modo íntimo.
Diante disso, é necessário dizer que não há um modelo único, correto ou
normativo de família. Não importa o modo como ela esteja como organizada ou
estruturada, se há uma hierarquia ou não, se existe uma relação de autoridade ou não,
toda família é normal independente da forma ou do arranjo como ela se apresente.
No que se refere a escolha do tema investigado no presente trabalho, cujo
problema caracteriza-se em estudar o processo de construção das famílias homoafetivas,
assim como a percepção das mesmas enquanto modalidade familiar e sua
estigmatização frente a coletividade social, este deu-se principalmente pelo fato de
homoafetivos estarem assumindo para si e publicamente a sua verdadeira identidade e
suas parcerias amorosas e dando mostras de uma redefinição daquilo que se chama
“família.”
Outros fatores que tiveram influência na construção deste trabalho, é a questão
da polêmica em torno da qual a temática da homoafetividade e a efetivação de suas
uniões é abordada na sociedade e pelo fato de que as famílias homoafetivas embora
existam para alguns setores da sociedade estas ainda são consideradas invisíveis, ou
sendo alvo de preconceito.
Segundo Mello (2006), ainda não há um reconhecimento jurídico e social no
tocante aos direitos conjugais e parentais de casais formados por idênticos biológicos,
isso acaba por expressar a negação de condição de cidadãos. No Brasil a vivência destes
casais, ainda é, de modo geral, em âmbito legal e social, uma questão heterocêntrica,
pautada na injustiça erótica e de repressão sexual que atinge os homossexuais.
2
Na atualidade o termo homossexual passou a ser substituído por homoafetivo. A expressão
homoafetividade, vem da junção do termo homo, que quer dizer “semelhante ou igual” e de affectu, que
significada “afeiçoado”. A palavra homoafetividade ainda não é encontrada nos dicionários da língua
portuguesa, porém, consiste em uma expressão que está sendo incorporada pelo judiciário do país. Sendo
assim, neste trabalho sempre se referirá a: homoafetivos, casais homoafetivos, uniões homoafetivas e
famílias homoafetivas (LOPES, 2008, grifo nosso).
3
Considerando ainda que as lutas, reivindicações sobre a vivência homoafetiva
tem colocado em xeque valores e estruturas milenares a partir das quais a sociedades
humanas foram construídas, como a repressão sexual e a heterogeneidade compulsória
(MELLO, 2006); que o tema tem sido abordado pela mídia (reportagens, jornais,
novelas e seriados) e em outras instâncias sociais, ganhando mais visibilidade no Brasil
e no mundo; que os novos arranjos tem sido discutidos inclusive através de
organizações e de movimentos sociais que defendem a ampliação dos direitos sociais;
considerando a falta de políticas que amparem os homoafetivos e por haver uma série de
movimentações sócio-político-culturais em favor do reconhecimento da diversidade
sexual, e pela promoção dos interesses dos homoafetivos diante da sociedade, como por
exemplo, “A Parada do Orgulho Gay”, cuja manifestação é realizada em várias partes
do mundo, estes elementos que justificam a pesquisa sobre o tema.
Levando em conta também haver um escasso conhecimento acerca da
homoafetividade e de suas uniões amorosas estáveis enquanto modalidade familiar, por
não haver uma reflexão e uma tradição teórica, bem como pelos poucos estudos
particularmente da realidade brasileira, voltados à constituição de tais famílias, pelas
discussões sobre a legitimidade de tais uniões que estão se tornando mais freqüentes e
por estar encontrando aliados nos partidos políticos, estes fatores influenciaram o
desenvolvimento desta pesquisa.
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é analisar a construção social das famílias
homoafetivas, a percepção destas enquanto família e sua estigmatização na sociedade. E
como objetivos específicos destacam-se: conhecer a trajetória histórica da
homoafetividade, assim como a construção das famílias formadas por casais
homoafetivos na sociedade; identificar as normativas legais que amparam os direitos
dos casais; descrever as manifestações de preconceitos e estigmas mais comuns sofridos
pelas famílias de idênticos biológicos e identificar qual é a concepção que estes casais
possuem sobre família.
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METODOLOGIA
Em relação aos procedimentos metodológicos utilizados para se cumprir os
objetivos propostos, inicialmente foi utilizado a pesquisa bibliográfica, com base em
autores para uma construção teórica e consistente da temática a ser tratada. Logo após,
apropriou-se da pesquisa de campo, para efetuar a coleta de dados, sendo realizada pela
entrevista semi-estruturada, pois esta permite ao pesquisador estar elaborando outras
questões não contempladas no roteiro, conforme o diálogo estabelecido com os sujeitos
pesquisados.
E por se referir a uma realidade que não pode ser quantificada trata-se de estar
realizando a pesquisa qualitativa. Conforme Minayo (1994) a pesquisa qualitativa se
preocupa com uma realidade que não pode ser quantificada, e responde a questões
muitos particulares. Ela tem como foco o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, os quais serão essenciais para a compreensão dos fenômenos
estudados neste trabalho.
Para realização da entrevista, utilizou-se o instrumento história oral, a qual
consiste em um instrumento para identificar e analisar determinada circunstância e
realidade, vivida pelos próprios sujeitos (ALBERTI apud GONÇALVES; LISBOA, 2007, p.
85).
Como será abordado apenas um determinado período vivenciado pelos atores,
será utilizado uma das vertentes da história oral, o relato de vida, pois de acordo com
Cassab (2003) apesar de o narrador relatar suas experiências de forma abrangente, o
entrevistador solicita ao entrevistado nortear suas narrações a determinados assuntos.
A escolha dos sujeitos da pesquisa aconteceu de maneira aleatória, também não
foram escolhidos parentes e amigos, para se evitar o constrangimento destes ao falar de
suas vidas. Para a seleção foram utilizados alguns critérios essenciais: faixa etária, optase por idade de trinta a quarenta anos; sexo, opta-se por uma pessoa do sexo masculino
e outra pessoa do sexo feminino; e pelo tempo de convivência do casal, sendo de cinco
a quinze anos, para que se possa dar maior riqueza ao trabalho.
A priori tinha-se o intuito de realizar quatro entrevistas, uma com um casal do
sexo masculino e outra com um casal do sexo feminino. Entretanto, um dos
companheiros do primeiro casal, decidiu não participar por questões profissionais.
5
Deste modo, foram feitas três entrevistas, sendo uma para teste e duas que foram
utilizadas neste trabalho, sendo efetuadas no mês de outubro do ano de 2008. As
entrevistas tiveram em média uma duração de meia hora cada, no qual os entrevistados
narraram suas experiências desde a descoberta do ser homoafetivo até a convivência
com o companheiro(a) atual. Os nomes dos entrevistados são fictícios, optando-se por
João e Ana.
Para as entrevistas foi utilizado um roteiro com questões previamente
elaboradas (ver Apêndice A), com intuito de direcionar as narrativas. Além disso,
utilizou-se o gravador para que não houvesse perda de qualquer fala, fez-se também o
uso do diário de campo, pois com este pode-se retratar os sentimentos, emoções e
reações que não podem ser absorvidas através das narrações. O uso destes instrumentos
ocorreu mediante autorização verbal dos participantes.
No entanto, para expor a proposta deste trabalho, evidenciar a relevância da
participação dos indivíduos e para assegurar o sigilo dos mesmos, foi elaborado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ver Apêndice B), o qual foi assinado pela
orientadora, entrevistadora e entrevistados.
Para fazer a análise das entrevistas, utilizou-se da técnica de análise temática.
As respostas foram classificadas em sete categorias. Conforme Gomes (1994) através de
categorias agrupa-se idéias em torno de um conceito, o qual é capaz de abranger a tudo
isso. As categorias consistem: na descoberta do ser homoafetivo; o assumir-se, o
aceitar-se e a revelação para a família e os amigos; preconceitos e estigmas; a percepção
da homoafetividade a partir dos homoafetivos e a visão da sociedade; a construção da
família homoafetiva; direitos civis e percepção da família e dos amigos para com a
família homoafetiva.
O QUE É HOMOAFETIVIDADE, TAVESTISMO, TRANSEXUALIDADE E
BISSEXUALIDADE?
A homoafetividade consiste na contraposição da heterossexualidade, é a
prática, desejo ou atração sexual entre biológicos idênticos (PRADO, MACHADO,
2008); quanto ao travestismo, travestis se sentem “mulher em corpo de homem”,
apresentam uma feminilidade excessiva e consideram as relações sexuais com homens
6
como heterossexuais e não se preocupam com seu corpo físico masculino
(CORNWALL apud ZAMBRANO, 2006); já a transexualidade, é o indivíduo que não
se identifica com o sexo biológico e deseja mudar para o sexo psicológico, essa
mudança de sexo é realizada por processo cirúrgico, sendo de homem-mulher, chamada
vaginoplastia (conversão do pênis em uma genitália feminina artificial) e de mulherhomem, denomina-se faloplastia (conversão da vulva em genitália masculina externa
artificial) (CARDOSO, 2005) e a bissexualidade, consiste na identidade cujo indivíduo
tem atração entre pessoas do mesmo sexo que o seu e de sexos diferentes.
Para
cada
ser
homo,
hetero
ou
bissexual,
a
homoafetividade,
a
heterossexualidade, a bissexualidade seriam, as formas como seus desejos se
manifestam (MELLO, 1999). Cada indivíduo tem sua orientação sexual3, e são livres
para expressá-la como lhe for conveniente.
BREVE HISTÓRICO DA HOMOAFETIVIDADE
Sabe-se que a homoafetividade é bem antiga, como diz Spencer (apud
FLEURY, 2006), em grande parte das sociedades antigas esta prática era considerada
normal, pois era muito comum pessoas manterem relações com outras do mesmo sexo.
Segundo Oliveira (2002) existem muitos relatos sobre a existência de relações
entre idênticos biológicos nas civilizações antigas. Na Grécia, por exemplo, essas
relações eram vistas com naturalidade e eram valorizadas, pois representavam aspectos
religiosos e militares, e ainda atribuíam à homoafetividade características como a
intelectualidade, estética e outros.
Com o advento das religiões a homoafetividade tornou-se estigmatizada e as
pessoas eram vistas como pecadoras, e eram condenadas. A prática se torna perversão
sexual ou prática anti-natural, enquanto a heterossexualidade, uma norma que orientará
a vida social.
3
O termo orientação sexual é utilizado para escapar de termos como opção sexual, já que a orientação
sexual não se refere a um ato racional. Orientação sexual significa direcionamento da atração física e
emocional para pessoas do mesmo sexo (homoafetiva), do sexo oposto (heterossexual) ou de ambos
(bissexual) (PRADO; MACHADO, 2008, p. 142).
7
Segundo Chauí (apud PEREIRA, 2004) no século XX, a sexualidade deixou de
ser um tema somente voltado a religiosidade, mas também, como problema clínico e de
saúde.
Para Fleury (2006) a sociedade exigia uma maior higienização dos atos,
consequentemente havia uma maior preocupação em explicar a reprovação destes, o que
muitas vezes se dava pela categorização de alguns comportamentos como patológicos.
Então, o termo “homossexualismo4” foi vinculado a doença, que deveria ser curada.
Os indivíduos passaram a ser definidos, como doentes, ou seja, portadores do
“homossexualismo”. Somente em 1995, que a Organização Mundial da Saúde (OMS)
excluiu a expressão “homossexualismo” da lista de doenças, colocando-se contra
qualquer tipo de discriminação e violência (FLEURY, 2006).
Mesmo que a homoafetividade tenha deixado de ser classificada como doença,
as noções de “homossexual-homossexualismo” ainda estão marcadas pela patologia,
sendo vista como uma anormalidade a idéia de masculinidade da burguesia (COSTA
apud MELLO, 1999).
Conforme o autor, mesmo a homoafetividade não sendo mais compreendida
enquanto uma patologia, ainda existem médicos, psicólogos e segmentos da sociedade
que acreditam ser a homoafetividade uma doença e, portanto, esta pode ser curada, mas
como também existem e não são poucos, parcelas as quais defendem a prática
homoafetiva enquanto uma perversão, contrária ao desenvolvimento da natureza do ser
humano e contrário aos planos de Deus.
Na atualidade não há consenso entre sociólogos, médicos, biólogos, psicólogos
e psicanalistas sobre as origens e as causas das três formas da sexualidade humana se
expressar (homoafetividade, heterossexualidade e bissexualidade), embora sempre ter
existido pesquisas destinadas a tentar por fim a este enigma, especialmente na
homoafetividade, seja para justificar o preconceito ou para amenizar a intolerância
contra tais identidades, muitas teorias já foram afirmadas sobre as supostas causas e
origens da homoafetividade, as quais se referem a fatores endocrinológicos, genéticos e
ambientais (MELLO, 1999).
Por exemplo, onde há “pai ausente e mãe intrusiva = filho potencialmente
gay”. A homoafetividade pode até fazer que o menino se distancie do pai e se aproxime
4
Embora, o termo correto seja homoafetividade, nesta época utilizava-se homossexualismo.
8
da mãe, porém, não significa ele venha a ser homoafetivo (SULLIVAN apud MELLO,
1999, p. 69). Ou também, no caso de mulheres que foram abusadas sexualmente, dizem
que isto pode gerar a homoafetividade, entretanto, há um número expressivo de pessoas
que vivenciaram esta situação, porém continuam sendo heterossexuais (BOM, D’ARC
apud MELLO, 1999).
Frente a estas incertezas, há uma tendência que reconhece a orientação sexual
de um ser sendo resultado de uma combinação de genética, com fatores ambientais,
hormonais e pré-natais, pois não há algo específico que explique com consistência as
causas. Os motivos porque uma pessoa é homoafetivo, heterossexual ou bissexual,
continuam sendo mistérios, assim como os motivos por este ser destro, canhoto ou
ambidestro (MELLO, 1999).
Segundo Mello (1999) antes de buscar descobrir as causas da homoafetividade,
o essencial é compreender porque as pessoas têm tanta dificuldade de viver com a
diferença, principalmente quando se trata de sexualidade. Talvez o desafio maior não
consiste em refletir as causas da diferença sexual ou outra qualquer, mas sim, a sua
importância em um contexto de construção de sociedades justas, solidárias e
democráticas.
Cientificamente não há consensos
na sociedade sobre as causas da
homoafetividade, assim como de outra orientação sexual. Entretanto, é mister, embora
seja vista como anormal, a homoafetividade, heterossexualidade e bissexualidade,
consistem apenas em formas de manifestação da sexualidade humana.
A
LUTA
PELO
RECONHECIMENTO
JURÍDICO
DAS
UNIÕES
HOMOAFETIVAS
Sabemos que em comparação a outros países como Espanha, Estados Unidos,
Austrália, o Brasil ainda é consideravelmente atrasado no que se refere à questão dos
direitos civis dos homoafetivos, principalmente do reconhecimento de suas uniões, já
que não há nenhuma legislação que ampare esta demanda no país.
No Brasil apenas existe um Projeto de Lei nº 1151/95 em tramitação há treze
anos, que tem como objetivo regulamentar as uniões entre idênticos biológicos. O
Projeto foi apresentado em 1995, pela ex-Deputada Marta Suplicy, do Partido dos
9
Trabalhadores de São Paulo (PT – SP). Neste período o fato gerou polêmica, debates
nos meios de comunicação, manifestações de diversos setores da sociedade, pressões
políticas de segmentos conservadores para evitar a aprovação que foi necessário criar
uma comissão especial para tratar do Projeto. “Foram realizadas onze reuniões, sendo
nove abertas ao público, ao movimento homossexual, representantes de comissões de
direitos humanos, juristas, psiquiatras, psicólogos e religiosos”. A partir destas reuniões
o Projeto original foi alterado dando origem a um substitutivo tendo como relator o exDeputado Roberto Jéferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB – RJ) (UZIEL, 1999
apud UZIEL et al, 2006, p. 06).
Mesmo com as alterações, que se referem como, por exemplo: no Projeto
Original constava-se como ao disciplinamento da união civil entre pessoas do mesmo
sexo e no Substitutivo, passou-se a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo; no
segundo também tem-se a proibição a adoção, tutela ou guarda de crianças pelos casais,
enquanto o primeiro não autorizava, entretanto não proibia; dentre outras alterações
(MELLO, 1999).
Embora, foram feitas alterações no Projeto, essas não foram suficientes para
que fosse aprovada uma lei que regulamentasse as uniões homoafetivas, o que evidencia
uma ausência de interesse pelo legislativo, uma permanência incessante do preconceito,
estigmatismo e de ideologias moralistas que julgam o indivíduo simplesmente por ser
“homoafetivo” e não um ser social dotado de potencialidades e qualidades.
FAMÍLIAS
HOMOAFETIVAS:
(IN)VISIBILIDADE,
PRECONCEITOS
E
ESTIGMAS
A família homoafetiva refere-se a uma das modalidades familiares
contemporâneas que passa a ter visibilidade social no Brasil a partir dos anos de 1990,
seguindo uma tendência do mundo ocidental. Conforme Salomé, Espósito e Moraes
(2007, p. 05) os idênticos biológicos se estabelecem enquanto unidade familiar e isso
faz-nos reconhecer uma condição nova na sociedade. A constituição destas famílias tem
como base “seu mundo vivido, onde o respeito, o carinho, o afeto, o zelo, a sinceridade,
a confiança, o amor, a humildade, a compreensão e o cuidar um do outro”. A
10
convivência como em toda família terá momentos de sofrimento, de alegria, de
conquista e de perda, construindo assim uma vida a dois.
A construção de tais famílias vive acompanhada de preconceitos e estigmas,
pois muitos acreditam em concepções moralistas de origem religiosa. Sendo assim, há
uma revelação de resistência ao discurso da homoconjugalidade, que fogem ao padrão
heterocêntrico.
O preconceito é percebido como um tipo de rejeição que mais afeta os
homoafetivos. Para Allport (apud FLEURY, 2006), consiste em uma antipatia com base
da inflexíbilidade. Ela pode ser sentida ou pode ser abertamente expressa e, também,
pode ser dirigida a um grupo específico ou a um indivíduo por ser membro desse grupo.
Significa julgar um indivíduo pela aparência, pelo grupo ao qual pertence, pela cor, pela
raça ou por qualquer outra atribuição.
Prado e Machado (2008) afirmam que esse preconceito tem como base o
discurso hegemônico, já que é capaz de gerar práticas que transformam uma experiência
particular em universal (como é o caso da heterossexualidade burguesa) e colocando na
inferioridade qualquer outro tipo que venha se diferenciar desta primeira. Sendo assim,
as práticas sociais com base na heteronormatividade se tornaram, ao longo da história,
processos capazes de subordinar outras práticas sexuais e sociais, o que significa dizer:
os homoafetivos não estão excluídos da sociedade, mas, sim, se mantêm subalternos no
interior da norma hegemônica.
O preconceito pode assumir várias formas: ignorar ou referir-se a homoafetivos
que possuem um relacionamento estável como solteiros; não retratar os casais de forma
positiva na mídia; violência; violações de direitos; agressividade trata-se de formas
concretas de preconceito ou ignorar, que consiste em uma forma insidiosa OSWALD,
KUSNNER apud NUNAN, 2007).
Além dos preconceitos, esta demanda ainda tem de suportar os estigmas, que é
conceituado como: marca que classifica para um grupo a relação entre atributos e
estereótipos de uma pessoa, comunicando aos demais que este não deve ser aceita de
forma plena. Possuir um estigma é ter uma característica não previsível para a sociedade
(GOFFMAN, 2008).
O estigma consiste em uma marca ou rótulo que a pessoa adquire por não ser
considerada “normal” frente à sociedade, ou seja, ela recebe atributos pejorativos os
11
quais têm a intenção de explicar sua inferiorização e subalternização (GOFFMAN,
2008).
Os homoafetivos em nossa sociedade são estigmatizados recebendo rotulações
como: “todo homossexual é depravado” ou “Aids é doença de gay”, ou também
recebem metáforas de “bicha, afeminado, barbie, mulherzinha, viado, fresco” etc. Esses
estigmas são barreiras que impõem ao indivíduo, a se manter em condição de
subalternidade.
As pessoas que sentem atração por outras do mesmo sexo, são estigmatizadas e
vistas com preconceito, pois a sociedade ainda concebe a homoafetividade como estilo
de vida errado, falta de caráter, respeito e moral, enquanto a heterossexualidade é
considerada como normal.
Entretanto, meio a preconceitos, estigmas, ao não reconhecimento jurídico
como é o caso do Brasil, homens e mulheres homoafetivos vivem como casais e
famílias em relacionamentos duradouros, os quais têm como base o compromisso, a
responsabilidade na doença, o cuidado, a confiança mútua, em vez da lei (GIDDENS,
2005, p. 166), mostrando assim, mesmo que contra parcelas conservadoras da
sociedade, estão dando uma nova definição de família, cuja convivência e os vínculos
afetivos podem ser tão duradouros quanto uma família nuclear.
RESULTADOS
-
A
CONSTRUÇÃO
DA
FAMÍLIA
HOMOAFETIVA:
ACEITAÇÃO X CONSOLIDAÇÃO
Para análise foi utilizado o método de análise temática, pois as respostas foram
classificadas por categorias de acordo com o roteiro elaborado.
Foram abordados os seguintes temas: a descoberta, o assumir-se, o aceitar-se e
a revelação da homoafetividade para a família, estes primeiros momentos da vida de
um homoafetivo são complexos já que eles ainda não possuem uma formação completa
de sua identidade. Para os sujeitos desde a infância se sentiam diferentes de outras
crianças, o que evidencia que a sua descoberta acontece precocemente; na fase da
adolescência a sua percepção se intensifica, como aconteceu com um dos entrevistados
que tentou até o suicídio, para fugir de sua realidade, ele acreditava que a
12
homoafetividade era uma doença, isso para justificar a sua não aceitação e o repúdio de
si.
Sobre o assumir-se, evidencia-se que cada indivíduo tem o seu momento de
decisão, ou seja, isso pode acontecer em uma fase precoce ou tardia, na adolescência ou
já adulto. Em relação a aceitação, o aceitar-se homoafetivo frente a uma sociedade
conservadora é um processo complexo, conforme Prado e Machado (2008) a nãoheterossexualidade ainda é condenada pelos valores, pelos discursos religiosos e
médicos que regem a sociedade, os quais geram discriminação e punição moral àqueles
comportamentos que fogem da heterossexualidade. Esse momento é difícil, pois, o
homoafetivo tem de superar toda uma cultura com base na heteronormatividade, seus
princípios e os ideais de sua família, que nunca espera viver esta situação.
Quanto a revelação para família, percebe-se que as reações podem variar, por
exemplo: uma família pode ser que no início se decepcione e tenha vergonha, mas
depois aceite e incentive o membro; e em outra, a família pode ignorar a
homoafetividade do ente querido, ou seja, se tornam indiferentes, o que demonstra um
sentimento de negação; ou também, pode acontecer situações bastante dolorosas e
dramáticas, como expulsar o membro da casa, recusando não só a identidade sexual,
mas sim a pessoa.
A próxima abordagem se refere aos preconceitos e estigmas, expressos em
atitudes, negações, rejeições, violência verbal e física, ou mesmo em um olhar. Os
preconceitos e estigmas podem ser justificados, por ser uma prática que rompe com a
heteronormatividade, que rompe com os do cristianismo e os valores enraizados na
cultura ocidental. Os homoafetivos são julgados devido a sua orientação sexual, há a
necessidade de superar e enxergar além da aparência, e percebê-los enquanto pessoas
inseridas em um mesmo contexto social que os heterossexuais, e que podem ser tão ou
mais capazes do que esses.
Sobre a construção da união homoafetiva, os homoafetivos se reconhecem
enquanto casal e família, já que eles vivem em uma relação harmônica, dividem
problemas, porque se amam e convivem como “família”. A convivência é equiparável a
qualquer outro casal, é considerada normal, ambos dividem as tarefas domésticas,
cumprem as obrigações diárias e trabalham para se sustentarem. Entretanto, percebemos
que os casais homoafetivos, não costumam ter atitudes românticas em locais públicos
13
por medo de serem vítimas de preconceito, ou seja, preferem preservar a identidade,
para não viverem situações que muitas vezes, podem ser constrangedoras.
Quando se fala em família, é mister mencionar “filhos”. Os homoafetivos, são
incapacitados biologicamente de gerarem filhos e também a legislação brasileira impede
este tipo de adoção. Para driblar estas dificuldades, tais identidades encontram quatro
alternativas para homoparentalidade: o uso de tecnologias de reprodução, o método
mais utilizado entre mulheres é a inseminação artificial (doação de esperma feito por
um amigo ou desconhecido para fertilização), para os homens, estes fazem o uso da
“barriga de aluguel”, neste caso a mãe abre mão dos direitos da criança (procedimento
ilegal); método de coparentalidade; a partir de uma relação heterossexual e a quarta e
última através da “adoção a brasileira”, que consiste em registrar como sendo seu filho
biológico o filho de outra pessoa (ZAMBRANO, 2006). Percebemos, que pela ausência
de uma jurisdição que ampare os homoafetivos, estes procuram saídas perigosas,
ilegais, e clandestinas para se legitimarem como família.
Em relação ao reconhecimento dos direitos civis, como foi mencionado, no
país não há uma lei que legitime as uniões. Para isso, os casais tentam alternativas,
como procurações, para assegurar bens, caso venha acontecer algo com um dos
cônjuges. Infelizmente, os homoafetivos tomam essas providências, pois seus direitos
são totalmente descumpridos, o que é concedido aos heterossexuais simplesmente não
existem para os homoafetivos. Com essa ausência, os casais ficam a mercê da
compreensão jurídica, ou seja, vivem em situações contraditórias, ora em momentos
seus direitos afirmados e outros são negados, não é uma lei que assegura, mas sim, um
juiz que decide se deve ou não atender as exigências do requerente. Sendo assim, com
muita indignação dizemos que há um vazio jurídico, já que nem a sociedade e nem a
justiça aceitam essas famílias como dignas de reconhecimento.
Através das entrevistas e das reflexões realizadas, percebe-se que as famílias
homoafetivas estão se intensificando em todo o mundo, porém, ainda falta muito para
estas serem aceitas de forma plena na sociedade. É necessário acabar com o preconceito
sem fundamento, é preciso ter mais respeito com a diversidade, a liberdade e a
dignidade humana, e para as famílias homoafetivas, estas precisam lutar mais para
fazerem com que seus direitos sejam reconhecidos, pois, não basta somente dizer que a
sociedade precisa mudar seus princípios, estas também devem se posicionar enquanto
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casais e enquanto famílias, não devem ficar ocultas e invisíveis, para que a sociedade
perceba realmente a sua existência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir destas exposições concluímos que na atualidade há uma crescente
construção das famílias homoafetivas, porém, tais estão acompanhadas pelos
preconceitos, pela (in)visibilidade, pela falta de um reconhecimento jurídico e social e
pela falta de liberdade de expressão e a individualidade. Para reverter tal quadro é
mister repensar valores, princípios e ideologias e entender que todos são “iguais”,
portanto, todos têm direito a formar uma “família” e também, é necessário, um
movimento de classe político forte para reivindicar e exigir garantia de direitos e que as
famílias homoafetivas apareçam mais, ao invés de manterem de ficarem escondidas,
mantendo a discrição, devem se expor e se posicionarem
para serem vistas e
reconhecidas na cena pública.
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um estudo sobre a construção social das família