A HOMOAFETIVIDADE COMO ASSUNTO DA ESCOLA:
UMA ABORDAGEM A PARTIR DO PRINCÍPIO DO DIREITO
Maricélia A. Nurmberg
Rosane T. Zen1
Vanderlize S. Dalgalo
RESUMO: As conquistas alcançadas pelos Movimentos de luta pelo reconhecimento das diferentes
opções sexuais trazem para o espaço da escola o desafio de garanti-los e assegurar o seu respeito. O
marco legal deste conjunto de direitos tem na Promulgação da Constituição Federal de 1988 a sua
efetivação, na qual se garante, entre outros, o direito de igualdade perante a lei, e dispõem sobre
preservação da vida, da liberdade, da vida privada e da intimidade como direitos invioláveis. No
campo educacional, garantir o respeito a esses direitos é desafiador tendo em vista que a sociedade
ainda considera algumas relações “normais” e outras “diferentes”, como é o caso da
heteronormatividade e o da homoafetividade. A grande dificuldade encontrada pelos educadores está
relacionada a como fazer essa abordagem. A necessidade de abordar o tema se coloca latente tendo em
vista o desrespeito, por parte de alunos, pais e até mesmo de professores, dos direitos assegurados no
artigo 5º da nossa Constituição. A escola deveria ser o espaço onde se façam valer a lei e os direitos
humanos, mas se caracteriza também pelo limite de reproduzir os preconceitos que se fazem
socialmente impregnados.
PALAVRAS-CHAVE: Homoafetividade; Direitos Humanos; Ações Educativas.
INTRODUÇÃO
A escola é um espaço que no Brasil tem enfrentado a dificuldade de incorporar no seu trabalho
cotidiano a abordagem acerca da homoafetividade. São inúmeras as situações nas quais essa
abordagem se faz necessária: quando o conceito de família é explorado, privilegia-se certa constituição
familiar em detrimento de outras possibilidades? Às vésperas de Dia das Mães ou do Dia dos Pais,
como as devidas homenagens são encaminhadas? Meninos brincam de carrinho e meninas brincam de
boneca? Como são organizadas as filas: meninos e meninas devem estar separados?
O fato é que o trato da questão gera uma série de dúvidas entre profissionais de educação que
receiam, por um lado, não atender às expectativas da sociedade (preconceituosas, por vezes) e de
outro, fazer cumprir no espaço escolar as determinações que são legalmente constituídas.
A universalização do acesso aos bancos escolares constituiu um avanço inquestionável para o
desenvolvimento social brasileiro. Mas trouxe consigo a contradição de incorporar no espaço escolar
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Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOSTE. <[email protected]>
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todo o tipo de realidade – inclusive em se tratando de famílias a quem foram historicamente negados
este aspecto – e por outro lado trouxe como desafio a necessidade de evitar a evasão escolar.
O desrespeito à orientação sexual de alunos, ou de seus pais ou responsáveis, ou a qualquer
um dos membros da família do aluno, pode gerar como consequência o fracasso escolar e evasão se o
estudante sentir-se humilhado, ou que sua intimidade e privacidade estejam sendo depreciadas. Zelar
por condições de aprendizagem que favoreçam o sucesso do aluno e que evitem a evasão escolar é
uma das atribuições dos profissionais da educação; em virtude do quê explorar o tema da
homoafetividade de forma adequada torna-se também dos campos do conhecimento a serem exercidos
por docentes e demais profissionais da escola.
OBJETIVOS
- Discutir o tema da homoafetividade no espaço escolar a partir dos aspectos legais que permeiam a
questão;
- Situar a homoafetividade no espaço escolar a partir do preceito do respeito à dignidade da pessoa,
compreendida a partir das suas múltiplas determinações.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente trabalho foi produzido a partir de consulta a instrumentos legais nos quais se
buscou assentar o direito pelo respeito ao comportamento afetivo que antagoniza com a
heteronormatividade, manifestado em espaço escolar ou fora dele. Além da base legal, outras
referências também foram consultadas, visando compreender com maior acuidade a necessidade de
superação do preconceito e da discriminação em relação às pessoas que optam por uma orientação
sexual diferente da heterossexual.
RESULTADOS
As ações escolares que atualmente convergem para o encaminhamento adequado das questões
que envolvem a orientação sexual e de como tais opções são socialmente interpretadas não são frutos
de nenhuma benesse. Movimentos Sociais tem sido organizados no Brasil por pessoas identificadas
com as causas de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transgêneros, Transsexuais e outras opções sexuais
desde o final da década de 1970 (FERRARI, 2004).
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Na década de 1980 tais movimentos sofreram um retrocesso, em virtude do grande número de
pessoas contagiadas pelo vírus da AIDS, naquela época erroneamente identificada como doença de
homossexuais (BELLO; LUZZI, 2009). Posteriormente a compreensão aprofundada do fenômeno
permitiu a superação desta interpretação equivocada, e os movimentos sociais ligados à causa
tomaram um novo fôlego. Consequentemente, pessoas que sofriam dificuldade em assumir sua opção
sexual agora se sentem um pouco mais confortáveis em fazê-lo agora, em função do esclarecimento,
da conquista do direito pelo respeito da privacidade, e da aceitação social que tem se tornado mais
comum.
O espaço escolar não tem escapado a essa tendência comportamental. Meninos e meninas em
idade escolar apresentam, de acordo com a respectiva orientação, a opção sexual com a qual se
identifica, a qual nem sempre está ligada à heterossexualidade. As famílias dos alunos nem sempre são
constituídas da tradicional composição pai-mãe-filhos, podendo se encontrar também constituições
feitas de pai-pai-filhos ou mãe-mãe-filhos. Às vezes não se trata da opção sexual do aluno, ou de seus
pais, pode ser a de um irmão, de um primo, ou outro familiar.
Rumores pejorativos no ambiente escolar, nos quais tais referências são tratadas com
desrespeito acabam se tornando frequentes em função, de um lado, do desconhecimento do tema, e de
outro, do desrespeito aos direitos humanos que resguardam a liberdade de cada um, acabam por
provocar situações vexatórias entre membros da comunidade escolar.
Aos profissionais da educação, no que concerne a este tema, cabe conhecer os instrumentos
legais e fazer uso de todas as ferramentas possíveis para que os preceitos legais sejam respeitados. A
seguir mencionamos quatro instrumentos legais que garantem esse resguardo:
a)
A Constituição federal de 1988 assegura no Artigo 5º, décimo inciso que: “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988);
b)
O Estatuto da Criança e do Adolescente predica pela proteção integral à criança ao
adolescente, à dignidade da pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeitos
de direitos civis e sociais (BRASIL, 1990);
c)
A Constituição do Estado do Paraná, acatando ao disposto na Constituição Federal de
1988, reforça o direito à educação (Artigo 177) e complementarmente indica no Artigo 178 os
princípios sobre os quais o acesso deve ser ofertado, garantindo entre outras questões, no
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inciso I: a “igualdade de condição para acesso e permanência na escola, vedada qualquer
forma de discriminação e segregação” (PARANÁ, 1989);
d)
A LDB no Artigo 32, inciso III garante “o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de
atitudes e valores”; e no inciso IV “o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de
solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social” (BRASIL,
1996).
Reconhecendo a necessidade de resguardo destes dispositivos, as escolas paranaenses
podem se amparar no Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual, situado no Departamento de
Diversidade. Este Departamento da Secretaria Estadual de Educação – SEED, já assumia a
responsabilidade pela discussão, elaboração de ações afirmativas e a garantia de direitos
específicos dos sujeitos que vivenciam realidades sociais diferentes da hegemonia urbana:
sujeitos que vivem no campo, ribeirinhos, quilombolas, sujeitos de origens étnicas diferentes
(Afrodescendentes; indígenas, entre outros). Desde 2009, com a criação do Núcleo de Gênero
e Diversidade Sexual, tem-se um lugar específico para tratar deste assunto, e para inserir a
discussão crítica dessas temáticas na escola, lugar institucional para o direcionamento da
política educacional em gênero e diversidade sexual, assumindo o compromisso com os
sujeitos das relações entre os gêneros e das diversas identidades sexuais que têm se
organizado historicamente como movimentos sociais em busca de igualdade de direitos.
Cabe considerar que não se espera da escola que ela assuma a responsabilidade de por
fim à homofobia. Mas a criação do mencionado Núcleo se consolida pela exploração de um
espaço possível, e à assunção por parte da escola de um espaço indispensável no esforço pela
superação da discriminação e do preconceito presentes na sociedade.
CONCLUSÕES
As reflexões contidas no percurso destas breves páginas nos permitem inferir que ainda há
muito o quê ser feito em termos de garantir a todos um direito é já é consolidado. Talvez uma das
primeiras constatações a serem feitas é que o respeito à livre manifestação de afetividade e opção
sexual não se constitui na preservação do direito de um minoria, mas que se constitui no direito de
TODOS (BELLO; LUZZI, 2009). Dentro deste “TODOS” estão incluídos tanto os que se identificam
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com a heteroafetividade, tanto os que se identificam com a homoafetividade.
Os alunos convivem com a homoafetividade das mais diferentes formas, não necessariamente
por apresentarem comportamento homoafetivo (pensemos nas crianças que frequentam a Educação
Infantil, por exemplo), mas podem conviver com essa realidade seja por que alguém na família
assumiu essa opção, ou por outro lado, seja por que convive com quem explicita todo o seu
preconceito em relação às pessoas homoafetivas.
As dúvidas compartilhadas entre os professores que atuam no contato direto com esses alunos
dizem respeito a como conduzir essa questão da forma correta, sem por um lado fazer a apologia à
homoafetividade (e não se deseja também o seu oposto: a apologia à heteronormatividade) e também
buscando superar a postura de quem se isenta, omite ou silencia diante das situações trazidas para a
escola.
É preciso que fique claro pra os educadores que assumem as diferentes funções dentro da
escola, que assumir a opção sexual, seja ela qual for, é um DIREITO da pessoa. Desrespeitar esse
direito implica em punição. Se os educadores são capazes de colocar esse preceito em prática, nas suas
próprias ações educativas, já estarão no caminho certo. Em segundo lugar, que a conivência de
educadores com atos discriminatórios é passível de punição, conforme o Art. 245 do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Sendo assim, zelar pelo bem estar dos estudantes resguardando, dentre
outras coisas, o respeito à sua opção sexual ou a de quem quer que seja, é mais do que uma questão de
bom senso, é um dever dos educadores. E por fim, é preciso que se tenha claro que os preconceitos da
sociedade evidentemente acabam por serem internalizados por cada um de nós, em maior ou menos
medida. Mas a discriminação, incorporada em ato, palavra ou outra manifestação, essa é inaceitável,
em se tratando de ambiente escolar ou em outro qualquer.
REFERÊNCIAS
BELLO, M. C.; LUZZI, J. Gênero e Diversidade Sexual na Escola: da exclusão social à afirmação
de direitos. A Experiência do Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual da Secretaria de Estado da
Educação do Paraná. Artigo apresentado no IX Congresso de Educação – EDUCERE e III Encontro
Sul Brasileiro de Psicopedagogia – PUC-PR. Disponível em: <www.pucpr.br/eventos/educere/educere
2009/anais/pdf/2415_1724.pdf> Acesso em 21/04/2014.
BRASIL. Constituição Federal. Proclamada em 05 de Outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10/05/2014.
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_____Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069 de 13 de julho de 1990. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 22/04/2014.
_____ Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 25/05/2014.
FERRARI, Anderson. Revisando o passado e construindo o presente: o movimento gay como
espaço educativo. Revista Brasileira de Educação, Nº25, Jan/Fev/Mar/Abr, 2004. Disponível em
www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a09.pdf/. Acessado em 16 de Julho de 2012.
PARANÁ. Constituição do Estado do Paraná. Publicado no Diário Oficial nº 3116 de 5 de Outubro
de 1989. Disponível em:
<http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=iniciarProcesso&tipoAto=10&o
rgaoUnidade=1200&retiraLista=true&site=1> Acesso em 22/05/2014.
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