Descentralização, Financiamento e Desempenho Escolar :Avaliação do FUNDEF à Luz do Desempenho no SAEB Autoria: Fatima Elisabete Pereira Thimoteo e Eduardo Granha Magalhães Gomes Resumo O artigo procura avaliar os efeitos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, o FUNDEF, por meio de um cruzamento com os dados fornecidos pelo SAEB (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), entre 1997 e 1999. O enfoque privilegia os efeitos da nova política de financiamento quanto ao desempenho dos alunos nas provas. Observa-se uma baixa correlação entre a variação das notas entre 1997 e 1999 e o aporte de recursos do FUNDEF. Por outro lado, constata-se um significativo aumento da homogeneidade tanto na aplicação dos recursos, quanto no desempenho, entre as 27 unidades da federação, apesar deste aumento de homogeneidade convergir a patamares de desempenho inferiores aos obtidos em 1997 no SAEB. Finalmente, introduzimos outras variáveis que consideramos importantes para a explicação da evolução do desempenho, como a distribuição da rede escolar entre estado, municípios e rede particular, as formas de organização pedagógicas predominantes, a evolução da municipalização nos estados, bem como a sua configuração geopolítica. Variáveis estas que representam desigualdades inerentes ao sistema descentralizado de educação, as quais o FUNDEF desconsidera. Introdução As profundas e históricas desigualdades sociais geradas pelo processo de desenvolvimento brasileiro explicam, em grande medida, o atraso educacional de décadas e a baixa escolaridade média da população. Constata-se uma relação de causalidade muito forte entre baixa escolaridade e pobreza, sendo que o descaso com a educação alimentou o círculo vicioso da exclusão social, refletindo e acentuando as desigualdades sociais e regionais. As relações entre as esferas de governo no que se refere à educação brasileira foram historicamente marcadas pela centralização dos recursos e das decisões normativas e pela descentralização do atendimento; em geral sob responsabilidade dos estados, nas áreas mais desenvolvidas, e dos municípios, nas áreas menos desenvolvidas. Outra característica importante no modelo brasileiro era a indefinição quanto às responsabilidades específicas de cada nível de governo em relação à oferta dos diversos níveis e modalidades de ensino, o que exemplifica o descaso mencionado. As novas regras institucionais, estabelecidas na Constituição de 1988 e particularmente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996, refletem o debate sobre a descentralização do Estado, o que implica na redefinição dos papéis desempenhados por todas as esferas governamentais, uma vez que a prestação direta dos serviços educacionais deve ser percebida como responsabilidade igualmente compartilhada entre as esferas de governos subnacionais, e deve contar com a participação ativa da sociedade.(CASTRO,1999) Objetivando a universalização do ensino fundamental, a maior eqüidade do acesso, a melhoria da qualidade do ensino e a eficácia e eficiência na prestação de serviços educacionais, um novo desenho de política educacional pautado na descentralização federativa e na desconcentração do poder decisório é implementado a partir da metade dos anos 90. 1 Na área do financiamento do ensino fundamental este novo desenho se materializa com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) em 1998. Buscando analisar a relação entre financiamento da educação e melhoria do desempenho escolar, procedemos à análise dos resultados obtidos pelos estudantes brasileiros no Sistema de Avaliação da Educação Básica nos anos de 1997 e 1999, com os seguintes questionamentos: 1. Qual o impacto do FUNDEF na melhoria do desempenho escolar, entendido como qualidade? 2. Qual a contribuição do FUNDEF para diminuição da heterogeneidade regional? 3. Qual a contribuição do FUNDEF para a descentralização, ou mais precisamente, para a municipalização do ensino fundamental? 4. Há outros impactos observáveis? 5. Quais as lições que podem ser extraídas da análise do seu impacto nos dois anos? Descentralização: fatores-chave Segundo Arretche (1998) o processo de descentralização no Brasil, mais especificamente seu sucesso, estaria condicionado ou fortemente influenciado por uma série de fatores e variáveis que são classificados em 03 categorias: estrutural, institucional e política. As variáveis de ordem estrutural estariam relacionadas às características das unidades de governo para as quais se pretende transferir a gestão das políticas, o que envolve fatores de ordem econômico-fiscal e fatores de natureza técnico-administrativa. Os primeiros relacionando-se à capacidade das unidades assumirem os custos financeiros da gestão das funções agora sob sua responsabilidade; os seguintes, à capacidade técnica localmente instalada para desempenho das funções descentralizadas. Por sua vez, os fatores institucionais estariam relacionados: à natureza ou ao tipo de política social, considerando assim o seu grau de complexidade e a decorrente engenharia operacional necessária à sua descentralização e gestão; ao legado das políticas anteriores ou seja, a forma como escolhas institucionais anteriores conformam as políticas subsequentes; às regras constitucionais ou às imposições normativas legais que determinam as políticas e as condições de oferta dos serviços públicos. Finalmente, os fatores ligados à ação política referem-se às relações entre os níveis de governo, particularmente aquelas relacionadas às estratégias de indução dos governos interessados na transferência de funções; e às relações entre Estado e sociedade, mais precisamente a participação, capacidade e efetividade de pressão da sociedade civil organizada sobre os governos locais, quanto à prestação dos serviços públicos. Com base nesta perspectiva teórica, passamos à descrição dos elementos estruturais, institucionais e políticos consubstanciados no desenho da política educacional brasileira com enfoque na política de financiamento adotada pelo Governo Federal. Política Educacional Na educação, assim como nas demais políticas e programas sociais, o modelo adotado durante o regime militar de expansão quantitativa desordenada e não pautada na “educação geral para todos” acabou por comprometer sua qualidade. O modelo implantado se caracterizava por extrema centralização política e financeira no nível federal; por acentuada fragmentação organizacional; pela quase nula participação social; pela predominância dos 2 conteúdos corporativos nas decisões e condução dos programas e pelo uso clientelístico dos recursos e distribuição de benefícios. Com a crise do Estado, no final da década de 70, as teses neoliberais ganham posição hegemônica e atribuem à essência do Estado a responsabilidade pela sua própria crise e pela crise econômica: ineficiência, ineficácia, práticas corporativas da burocracia e baixa qualidade de produtos e serviços são, nesta visão, características da ação estatal que originaram a crise. Uma corrente progressista, que postula a necessidade da diminuição da pobreza, desigualdade e injustiça social, embora não compartilhando da visão neoliberal sobre a raiz da crise do Estado, compartilha de algumas de suas críticas, apontando, entre outros problemas, a centralização e burocratização, a apropriação do aparelho estatal por interesses privados e corporativos e a má qualidade dos serviços. Desta forma, também os progressistas assumem a modernização da gestão, “passando a preocupação com a eficácia e com a eficiência na utilização de recursos a se articular à busca da eqüidade e da democratização da política educacional,” sendo a democratização da gestão considerada como pressuposto da eqüidade e envolvendo as dimensões gerenciais e políticas. (FARAH, 1994) É sob esta perspectiva de relativo “consenso” que se pode analisar os condicionantes do modelo de política vigente, que vêm se desenhando ao longo da história, e que se expressam através de princípios como a igualdade de condições para o acesso e a permanência, o pluralismo de idéias, a gestão democrática do ensino público e a garantia de padrão de qualidade, princípios estes que estão claramente estabelecidos nas normas institucionais, que passamos a descrever. Arcabouço Institucional-Legal A Constituição Federal de 1988 elevou os municípios à condição de entes federativos, aumentou sua autonomia financeira e estabeleceu o regime de colaboração como princípio de relacionamento entre as esferas de governo na organização dos sistemas e serviços educacionais. Assim, a educação é um direito de todos e dever do Estado, através de todos os níveis da Federação. Entretanto, a Constituição estabeleceu apenas em termos gerais as competências dos níveis de governo em relação à participação na provisão do ensino, o que acabou gerando forte sobreposição de competências entre os entes federativos. É pela a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 9394 de 1996, que se estabelecem as formas de organização da educação nacional, criando-se os Sistemas de Ensino nos níveis Federal, Estadual e Municipal e definindo-se as incumbências de cada nível da Administração (União, Estados e Municípios) em relação às prioridades de atendimento, à organização do seu sistema e à articulação e integração às políticas e planos educacionais das demais esferas. Mesmo tendo a LDB especificado as prioridades de atendimento, atribuindo a oferta de ensino fundamental à responsabilidade dos municípios, e do ensino médio, aos Estados, continua havendo confusão e, sobretudo, “irresponsabilização” das instâncias. O modelo se baseia no princípio constitucional de competências concorrentes, o que já gerou entendimentos equivocados sobre o significado de regime de colaboração entre esferas de governo. A LDB atribui ainda forte poder regulatório à União, a qual cabe a coordenação da política nacional, articulando os diferentes níveis e sistemas, exercendo função normativa, redistributiva e supletiva. As duas últimas funções objetivam garantir a equalização de oportunidades educacionais e um padrão mínimo de qualidade de ensino, mediante assistência técnica e financeira aos entes federativos. (CF/1988, art 211) Compete também à União a coleta, análise e a disseminação de informações sobre a educação, assim como é sua responsabilidade assegurar o processo nacional de avaliação do 3 rendimento em todos os níveis, em colaboração com os sistemas, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino. De acordo com as disposições legais, às esferas estaduais e municipais cabe a regulamentação complementar dos seus sistemas de ensino a partir dos preceitos federais, o que faz com que, ainda que submetidos à legislação nacional, os sistemas educacionais se caracterizem pela heterogeneidade em organização, conteúdo e desempenho. Assim, por se constituir em um sistema descentralizado, a elaboração e disseminação das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), para todos os níveis e modalidades da educação básica, cumprem a norma legal que determina que cabe à União, em colaboração como os demais entes federados, estabelecer as diretrizes que norteiem os currículos e seus conteúdos mínimos, a fim de assegurar a formação básica comum. As Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos da Educação Básica, e, portanto, são mandatórias. Definido o paradigma curricular que integra a Base Nacional Comum, a escola compartilha do princípio de responsabilidade, uma vez que cabe a ela a definição de seu projeto pedagógico e de seu regimento, em consonância com as diretrizes nacionais e com as normas determinadas pelo sistema ao qual está vinculada. Os Parâmetros Curriculares servem como subsídios à elaboração das propostas pedagógicas das escolas. Avaliação e Financiamento Em termos de política educacional para o ensino fundamental, pode-se identificar quatro conjuntos de medidas adotadas pelo governo federal a partir de 1995, que refletem o processo de reforma experimentado pelo sistema público. (DRAIBE, 1999) São eles: a definição de um quadro referencial para os conteúdos do ensino, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais; na dimensão dos recursos e gastos, a alteração da lei do financiamento educacional (FUNDEF), mediante um novo sistema de transferências intergovernamentais fortemente indutor da municipalização; no plano das ações federais de regulação e supervisão do ensino, a montagem do sistema de estatísticas e de avaliações educacionais, entre elas o SAEB e o Censo Escolar; a radicalização da política de descentralização dos programas federais de apoio ao ensino fundamental, especialmente o de reforço financeiro das escolas, o da merenda escolar e o de capacitação docente, mediante o ensino à distância. A vinculação entre reforma e avaliação não foi casual. Sob o enfoque de um compromisso ideológico global com a desregulamentação e a redução do tamanho do governo central, as reformas enfatizaram processos (deslocamento de funções e serviços aos níveis mais baixos de governo, descentralização da gerência, privatização), cujos aspectos dependiam, para credibilidade e “accountability”, da medição de resultados e da avaliação dos programas. (CAIDEN, 1998). SAEB O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), criado em 1990, adquiriu um papel estratégico a partir de 1995, com a reestruturação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). O SAEB é aplicado de dois em dois anos, para medir o desempenho dos sistemas de ensino. Trata-se de uma avaliação em larga escala, realizada com alunos do 4º e 8º anos do Ensino Fundamental e da 3º ano do Ensino Médio, cujos resultados “fornecem um diagnóstico fiel da educação básica, oferecendo informações 4 técnicas e gerenciais que permitem monitorar a qualidade, a eqüidade e a efetividade dos sistemas de ensino” (CASTRO, 2000). A produção de informações educacionais relaciona-se ao desenvolvimento de indicadores que permitam identificar os fatores que influenciam a aprendizagem dos alunos e os principais problemas do sistema educacional brasileiro. A constatação destes fatores pode e deve facilitar a ação mais efetiva de todos os que trabalham com educação no desenvolvimento de políticas de melhoria da qualidade do ensino, reforçando o alinhamento entre currículo desejado e implementado. (WOLFF, 1997) Em que pese os argumentos desfavoráveis à realização de uma avaliação externa nos moldes da adotada pelo governo, em um país de tantas diferenças culturais e regionais e para o qual não há um currículo nacional definido e onde a legislação prevê autonomia da escola na elaboração de seu projeto pedagógico, assumimos que o mecanismo atende a norma institucional estabelecida, cabendo ao governo federal a sua execução. Desta forma a avaliação poderá ser considerada um instrumento útil à adequação financeira, ao progresso substantivo dos programas, à competência profissional e à responsabilidade pública. FUNDEF Com gastos públicos com educação equivalentes à proporção média de gasto dos países desenvolvidos, os gastos do Brasil já se aproximavam de cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) quando a Constituição estabeleceu a compulsoriedade de um nível mínimo de gastos de 25% das receitas dos estados e municípios e de 18% das receitas da União. Salienta-se que, no entanto, pela regra estabelecida, a capacidade de investimentos dos estados e municípios no ensino fundamental dependia de sua capacidade de arrecadação, o que provocou o aumento das desigualdades e distorções. Como afirma Castro, “com algumas exceções, a capacidade de investimento de estados e municípios era inversamente proporcional às responsabilidades de cada um na manutenção das redes de ensino fundamental”. (CASTRO,1999) Buscando corrigir a acentuada desigualdade e as graves distorções geradas, o governo federal criou, por meio da Emenda Constitucional n.º 14, da Lei n.º 9.424/96 e do Decreto n.º 2.264/97, o FUNDEF: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. Para o governo federal o FUNDEF é “um exemplo inovador de instrumento de política social que articula os três níveis de governo e incentiva e promove a participação da sociedade na promoção da justiça social; de uma política nacional de eqüidade no acesso de recursos destinados à educação fundamental; da efetiva descentralização e da melhoria da qualidade da educação e valorização do magistério.” Instituído no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o FUNDEF se caracteriza como um fundo de natureza contábil, com contas únicas e específicas dos Governos Estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, vinculadas a ele. Há uma automaticidade de repasses de recursos, calculados com base na quantidade de alunos informada nos dados do Censo Escolar, feito anualmente pelo MEC. Há vinculação a impostos, ao ensino fundamental público, à remuneração do magistério e habilitação de professores leigos nos primeiros cinco anos de vigência do fundo. A fiscalização e controle são encargos dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF, criados por leis estaduais e municipais específicas. Basicamente, as novas regras institucionais de financiamento do ensino fundamental estabelecem que: 5 os Estados e Municípios devem aplicar, no mínimo, 15% das suas receitas, inclusive as provenientes de transferências intergovernamentais, exclusivamente na manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental pelo prazo de 10 anos; os recursos que compõem o FUNDEF devem ser redistribuídos entre o Estado e seus Municípios de acordo com o número de alunos matriculados nas respectivas escolas estaduais e municipais do Ensino Fundamental presencial de 1ª a 8ª série; no mínimo 60% desses recursos devem ser utilizados exclusivamente no pagamento da remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício docente, sendo que parte dessa parcela poderia ser usada até 2001 para habilitação de professores leigos; anualmente será fixado um valor mínimo nacional por aluno, levando-se em conta a previsão de receita total para o Fundo e a matrícula total do Ensino Fundamental, sendo responsabilidade do Governo Federal complementar os recursos do Fundo sempre que, no âmbito de cada Estado, o valor anual por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Os recursos que compõem o FUNDEF são provenientes de 15% das seguintes fontes principais de receitas dos Estados e Municípios: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS; Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios (FPE e FPM); Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações IPIexp.; e ressarcimento pela desoneração de exportações de que trata a Lei Complementar n.º 87/96 (Lei Kandir). Destaca-se que, além dos recursos redistribuídos pelo FUNDEF, a Emenda Constitucional 14/96 também destina ao ensino público fundamental os recursos provenientes do salário-educação e de parcela dos impostos próprios dos Estados e Municípios, para os quais estabelece a subvinculação de 15% para este nível de ensino. Uma avaliação positiva do mecanismo de financiamento pode ser apontada por disciplinar o uso de recursos para o ensino fundamental, alocando recursos em relação ao número de alunos na rede e minimizando assim as disputas pelo domínio das redes, ao permitir que a discussão sobre financiamento não se vincule à discussão sobre gestão. Em um país marcado por grandes desigualdades regionais, é extremamente importante o fato de se estabelecer uma garantia mínima de financiamento ao obrigar o governo federal a complementar recursos federais orçamentários sempre que Estados e municípios estiverem abaixo de um determinado valor. Outro aspecto a ser ressaltado na medida refere-se à carreira do professor, pela exigência da elaboração dos Planos de Carreira, e à política salarial das redes, com proposição de um salário médio mensal para os professores de ensino fundamental com 20 horas-aula semanais equivalente ao custo médio de um aluno por ano. O Balanço do FUNDEF 1998 –2000, divulgado pelo MEC, após realização de pesquisa pela FIPE/USP, indica alguns resultados obtidos após a implantação obrigatória do mesmo em 1º de Janeiro de 1998, em nível nacional. Dentre estes resultados, destacamos a seguir aqueles que interessam ao foco deste trabalho: estímulo à municipalização da matrícula, com maior equilíbrio entre as redes estaduais e municipais, estas últimas responsáveis pelo atendimento a 49,3% da matrícula do ensino fundamental em 1999, contra uma participação de 40,7% em 1997. O número de municípios com atendimento à modalidade passou de 5206 em 1997 para 5339 em 1999; a redistribuição de recursos aumentou de R$13,3 bilhões em 98 para R$ 17,0 bilhões em 2000, segundo estimativas. O aumento da redistribuição aos municípios confirma a tendência indutora à municipalização do atendimento nesta modalidade. Assim, os municípios que receberam 38% dos recursos, passarão a 44% em 2000; 6 diminuição da assimetria no que se refere à disponibilidade de recursos para o financiamento do ensino fundamental, entre as diferentes unidades da federação, e no âmbito de cada uma delas em razão do estabelecimento de valor único nacional por aluno; melhoria dos valores por aluno alcançada nas regiões mais carentes, apesar do aumento em seu atendimento; melhoria na titulação dos professores da rede pública, evidenciado por exemplo pela queda na proporção de professores leigos no corpo docente da rede pública (de 6,3% em 1997 para 3,1% em junho de 2000). Enfocando proposta expressa do governo federal de uma política nacional de eqüidade no acesso de recursos destinados à educação fundamental, da efetiva descentralização e da melhoria da qualidade da educação, passamos à análise dos resultados observados na pesquisa realizada. Metodologia A metodologia usada visando o cruzamento dos repasses do FUNDEF com o desempenho escolar medido pelo SAEB comparou os dados de 1997 e 1999. Como já colocado, o FUNDEF teve início obrigatório em 1998. Assim, os estudantes submetidos ao SAEB/99 tiveram por dois anos os recursos do fundo. Caso o FUNDEF fosse o único determinante do desempenho, encontraríamos uma forte relação de causalidade entre os recursos investidos e a melhoria na qualidade dos alunos, medida pelo SAEB. No entanto, as notas obtidas pelo SAEB em 1999 são, em geral, inferiores àquelas obtidas em 1997. Há algumas tentativas de explicação para essa queda, como a expansão acelerada no número de alunos na educação fundamental (aumentando em 5,4% entre 1997 e 1999), levando a taxa de escolarização líquida para 96,1% das crianças ente 7 e 14 anos, quando em 1996 era 90,8%. Esta expansão teria promovido a incorporação de alunos anteriormente excluídos do sistema educacional, com provável desempenho inferior. Explicação que será questionada a partir da análise dos dados. Outra explicação para a queda no desempenho é atribuída à diferenciação no nível das provas de 97 e 99, o que precarizaria a comparação. De toda forma, para contornar esta possibilidade, procedemos a uma análise comparativa da evolução percentual das notas dos estados entre 1997 e 1999. Assim, eliminamos a interferência de uma eventual “prova mais difícil” na análise. Estas evoluções foram então cruzadas com os recursos de FUNDEF: se houvesse um forte relação de causalidade, aqueles estados que tiveram mais recursos teriam uma evolução melhor. Procedemos também uma análise da homogeneidade dos recursos e do desempenho no SAEB, por meio de comparações do coeficiente de variação relativo aos recursos do FUNDEF e às notas do SAEB, nos dois anos. O coeficiente de variação (CV) refere-se à relação percentual entre o desvio padrão e a média da amostra, e é um bom indicador de homogeneidade. Ou seja, caso todos os estados tirassem a mesma nota no SAEB em 1997, por exemplo, o CV seria igual a zero (0), uma vez que não haveria variabilidade. A partir dos índices de evolução no desempenho (evolução percentual da nota no SAEB em 1997 e 1999), estabelecemos um “ranking” de desempenho e selecionamos os 4 melhores e os 4 piores estados, para uma análise mais detalhada. Uma vez que a relação “recursos do FUNDEF e desempenho no SAEB” se mostrou frágil, procuramos outras explicações para o desempenho, analisando as variáveis: evolução das matrículas, forma de organização predominante, e distribuição da rede escolar entre estabelecimentos municipais e estaduais. 7 Resultados A avaliação do FUNDEF à luz do desempenho dos estados no SAEB foi feita verificando a existência de relações estatísticas entre os recursos repassados aos estados e o desempenho evolutivo dos mesmos entre 1997 e 1999 no SAEB, o que poderia indicar uma causalidade. Os dados utilizados consolidados constam da tabela abaixo: Tabela 1 Nota Nota Variação Recursos Estado Nota Nota Variação Recursos média média 99/97 do média média 99/97 do 97 99 (%) FUNDEF 97 99 (%) FUNDEF RR 197,8 200,2 1,2 1828 MA 200,6 191,1 -4,7 630 ES 210,4 212,5 1,0 1005 PA 208,3 198,4 -4,8 630 AP 204,2 201,0 -1,6 1398 RO 209,5 198,1 -5,5 816 RJ 222,2 218,4 -1,7 1254 GO 223,5 211,3 -5,5 668 MG 206,4 202,0 -2,1 934 TO 203,2 191,4 -5,8 805 AL 199,7 194,8 -2,5 651 RN 207,2 193,9 -6,4 724 RS 221,9 216,3 -2,5 1167 MS 223,6 208,5 -6,7 847 AM 207,2 201,7 -2,7 847 CE 213,6 198,8 -6,9 630 AC 196,8 190,9 -3,0 1243 PI 213,5 198,3 -7,1 630 SE 207,6 199,8 -3,8 808 BA 214,4 199,0 -7,2 630 SP 221,0 211,8 -4,2 1436 PE 208,0 192,7 -7,3 630 SC 230,3 220,7 -4,2 1016 PR 229,6 212,1 -7,6 898 PB 210,0 201,0 -4,3 640 MG 234,1 214,4 -8,4 744 DF 224,4 214,6 -4,7 *Recursos do FUNDEF: R$/matrícula em 1998 e 1999 ** Nota média corresponde a média das notas de Matemática e Português, tanto para a 4a como para a 8a série. Estado A análise da tabela e a plotagem dos pontos em um gráfico de dispersão sugerem a existência de uma correlação entre as duas variáveis: quanto maiores os recursos do FUNDEF, melhor (ou menos ruim) a variação das notas entre 1997 e 1999. Roraima, por exemplo, que teve a melhor evolução (1,2%), teve os maiores recursos aplicados (R$1828), enquanto Minas, o pior desempenho, aplicou apenas R$744. No entanto, um modelo de regressão linear simples aplicado aos dados revelou baixa correlação (0,67) entre as duas variáveis, pequena capacidade de explicação do modelo e ainda indicou que os dados de Roraima forçam a correlação. Quando retiramos Roraima da análise, para verificação, a correlação diminui abruptamente. Não é possível relacionar portanto bom desempenho no SAEB ao FUNDEF, sem acrescentar outras variáveis de explicação. Por outro lado é possível verificar que houve um avanço na homogeneidade do ensino fundamental entre os estados, de 1997 e 1999, tanto no repasse de recursos quanto no desempenho no SAEB, conforme se verifica nas tabelas abaixo: Tabela 2: Recursos aplicados na rede municipal por matrícula (26 unidades da federação - sem o DF) Sem o FUNDEF* Com o FUNDEF Média (R$/matrícula em 98 e 99) 848,0 904,2 Desvio padrão (R$/matrícula em 98 e 99) 1.060,9 312,6 Coeficiente de Varição (%) 125,1 34,6 * Sem o FUNDEF: recursos que seriam aplicados segundo estimativa do MEC se não houvesse o FUNDEF Segundo os dados do MEC a aplicação de recursos no ensino fundamental, por matrícula, apresentava imensas variações, de um mínimo de R$200/matrícula em 98 e 99 no Maranhão a um máximo de R$5706 em Roraima. Com o FUNDEF o mínimo passou a ser de R$630 e o máximo de R$1828 em Roraima, o que leva à diminuição do coeficiente de 8 variação e conseqüente melhora da homogeneidade, o que é apontado na tabela 2. Pode-se afirmar, portanto, que o FUNDEF faz avançar em relação à equidade na destinação de recursos, o que não significa dizer que os valores são satisfatórios. Tabela 3: Coeficiente de Variação* das notas do SAEB – Todas as unidades da federação - (%) Prova 1995 1997 1999 Matemática 4a série 5,6 6,0 5,2 Português 8a série 6,0 5,8 6,0 Matemática 4a série 6,0 5,0 4,5 Português 8a série 6,7 4,3 3,6 * Coeficiente de variação, definido como a relação percentual entre o desvio padrão e a média da amostra ** Fonte: Notas do SAEB 95 a 99 (MEC) Lembrando da questão da diferenciação cultural e regional e da inexistência de um currículo único, os dados da tabela 3 indicam que o nível de desempenho dos alunos de todo o país nas disciplinas avaliadas está se homogeneizando. Em português da 8a série, por exemplo, a variabilidade (desvio padrão) entre os estados caiu de 6,7% para 3,6% da média. Esta conquista no entanto é relativizada, na medida em que a variabilidade já havia apresentado uma melhora de 95 para 97, quando não havia FUNDEF, e que o desempenho dos alunos de forma geral não apresenta melhoria; mas sim, queda. Assim, a homogeneidade obtida de 97 para 99, se deveu, em geral, à queda mais acentuada na nota média dos estados com melhor desempenho e menos acentuada nos estados com pior desempenho. Na tabela 4, abaixo, estão os coeficientes de variação entre os 4 melhores e os 4 piores estados em desempenho, mostrando quedas consideráveis do CV entre 97 e 99, o que confirma esta homogeneização, porém em níveis mais baixos. Tabela 4: Coeficiente de Variação das notas do SAEB – RR, ES, AP, RJ, BA, PE, PR, MG - (%) Prova 1995 1997 1999 Matemática 4a série 6,4 7,9 5,8 Português 8a série 6,1 8,1 6,0 Matemática 4a série 5,8 5,2 3,9 Português 8a série 6,2 4,1 3,4 Enfim, as conclusões obtidas são: 1. Não é possível estabelecer uma relação estatística robusta entre os recursos do FUNDEF e o desempenho no SAEB; 2. Há uma clara melhoria da homogeneidade na aplicação de recursos entre os estados e municípios, e também do desempenho no SAEB, sendo que este último já ia assim se configurando antes do FUNDEF (95 para 97) e, em 99, caracterizou-se por uma tendência ao nivelamento em patamares inferiores aos que se encontravam os melhores desempenhos em 97. Diante disto, procuramos determinar outras variáveis que poderiam influenciar o desempenho no SAEB. Para isso, selecionamos os 4 melhores (Roraima, Espírito Santo, Amapá e Rio de Janeiro) e os 4 piores (Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Bahia) estados em desempenho (evolução percentual da nota média do SAEB entre 95 e 97) e os analisamos mais profundamente, quanto a: Recursos do FUNDEF; Crescimento das matrículas; Distribuição da rede escolar entre municípios, estado e particulares; Distribuição das formas de organização das escolas (ciclos e seriados); 9 Número de municípios do estado. A evolução destes estados quanto ao desempenho no SAEB apresenta-se da seguinte forma: Tabela 5 – Evolução Percentual da Nota Média no SAEB entre 1997 e 1999 (%) Provas 4 melhores 4 piores RR ES AP RJ BA PE Matemática 4 1,7 2,0 -1,1 -0,2 -9,2 -6,8 Português 4 2,9 1,7 -2,1 -0,4 -12,6 -10,7 Matemática 8 3,6 4,1 0,4 0,1 -2,2 -3,1 Português 8 -2,7 -0,8 -3,5 -5,5 -6,8 -9,4 Todas as provas 1,2 1,0 -1,6 -1,7 -7,2 -7,3 Recursos do 1828 1005 1398 1254 630 630 FUNDEF* * Recursos do FUNDEF: R$/matrícula em 1998 e 1999 PR -6,3 -7,2 -6,6 -10,0 -7,6 898 MG -10,7 -14,1 -3,9 -6,6 -8,4 744 Na tabela 5, assim como na tabela 1, podemos constatar que Roraima e Espírito Santo foram os únicos estados que evoluíram, tiveram suas notas médias aumentadas, entre 1997 e 1999. Mesmo assim, houve queda na prova de Português da 8a série. Os demais estados apresentaram queda de desempenho. No entanto, como estamos fazendo uma análise comparativa, iremos considerar também o Amapá e o Rio de Janeiro como estados que obtiveram bom desempenho. A análise que se seguirá procurará explicar as diferenças entre estes dois grupos de desempenho. FUNDEF Como verificado na tabela 5, nos estados analisados constata-se que aqueles que receberam os maiores valores por matrícula tiveram a melhor evolução no desempenho: Roraima (R$1828), Espírito Santo (R$1005); Amapá (R$1328), Rio de Janeiro (R$1254). Já os estados com pior evolução foram os que receberam os menores valores: Bahia e Pernambuco, com o piso mínimo de R$630, Paraná com R$898 e Minas Gerais com R$744. Na média, os 4 estados melhores receberam 89% a mais de recursos que os demais. No entanto, como verificado na análise com todas as unidades federativas, não é possível estabelecer uma correlação robusta entre os recursos e o desempenho. Crescimento da matrícula Uma explicação para a queda de desempenho, e que foi bastante aventada ao se divulgar os resultados do SAEB de 1999, era que o crescimento da matrícula, fruto do esforço de universalizar o atendimento, estaria relacionado à inclusão no sistema educacional de alunos anteriormente excluídos e, portanto, com provável desempenho inferior, o que levaria as médias para baixo. A tabela abaixo consolida este crescimento para os 8 estados: Tabela 6: Evolução das matrículas no ensino fundamental Estado Total de matrículas Estado 97 99 Evol. (%) RR 64293 79277 23.3 PE ES 614265 614779 0.1 BA AP 114466 127140 11.1 PR RJ 2250296 2474649 10.0 MG Total de matrículas 97 99 1754828 1817763 3076801 3702727 1792685 1732395 3672407 3773247 Evol. (%) 3.6 20.3 -3.4 2.7 A análise dos dados revela que a Bahia foi o único caso de crescimento de matrícula com baixo desempenho. Os Estados do Amapá e Rio de Janeiro com crescimento de 11,1% e 10 10% apresentam, comparativamente, melhor desempenho. Se não bastasse, destaca-se a situação de Roraima que, apresentando o maior índice de aumento de matrículas (23,3%), obteve a melhor evolução nas provas. Da mesma forma, MinasGerais, Paraná e Pernambuco, que praticamente não alteraram suas matrículas, pioraram suas notas. Apenas o Espírito Santo, isoladamente, confirmaria aquela hipótese, já que não houve crescimento de matrícula e seu desempenho foi o segundo melhor. Enfim, a incorporação de novos alunos não é a causa do baixo desempenho, como demonstram Roraima, Rio de Janeiro e Amapá. Distribuição da rede de ensino fundamental entre estado, municípios e rede particular Na tabela 6, temos a distribuição das matrículas por rede, e a evolução das matrículas de 97 para 99, o que revela a taxa de municipalização ocorrida, um dos objetivos do FUNDEF: Tabela 7: Número de matrículas no ensino fundamental nas redes estadual, municipal e particular (mil) Estado Rede estadual Rede Municipal Particular 1997 1999 Evol. Part 97 Part 99 1997 1999 Evol. Part 97 Part 99 Evol Part (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) 97 RR 59,8 73,1 22.2 93.0 92.2 2,6 4,9 93.0 4.0 6.3 23,9 1,5 ES 372,5 310,4 -16.7 60.6 50.5 161,5 234,7 45.3 26.3 38.2 -12,8 13,0 AP 91,5 94,1 2.8 79.9 74.0 16,9 25,9 53.4 14.8 20.4 17,3 5,3 RJ 607,1 676,9 11.5 27.0 27.4 1121,9 1303,2 16.2 49.9 52.7 -5,5 22,7 BA 723,6 668,9 -7.5 41.2 36.8 787,9 925,8 17.5 44.9 50.9 -8,4 13,8 PE 1347,2 1291,4 -4.1 43.8 34.9 1475,6 2209,3 49.7 48.0 59.7 -20,4 8,2 PR 870,4 813,6 -6.5 48.6 47.0 781,0 786,4 0.7 43.6 45.4 -5,6 7,8 MG 2556,4 2062,7 -19.3 69.6 54.7 912,4 1505,7 65.0 24.8 39.9 0,5 5,5 * Não estão incluídas as matrículas da rede federal, que não são relevantes Part 99 1,5 11,3 5,6 19,5 12,2 5,4 7,6 5,3 Apesar dos dados do MEC indicarem que a queda das médias da rede particular também ocorreu, buscamos precisar a participação da rede particular no desempenho dos estados, objetivando verificar a existência de alguma relação. O Rio de Janeiro, quarto estado com melhor desempenho, tem a maior participação da rede particular (19,5%), seguido por Pernambuco, que está entre os Estados com pior evolução, que apresenta 12,2% de participação, superior aos 11,3% constatados no Espírito Santo. Roraima, o melhor em evolução de desempenho, é o que tem a menor participação da rede particular. Quanto a rede estadual, a participação em Roraima é de 92%, seguida do Amapá com 74%, Minas Gerais com 54,7% e Espírito Santo com 50,5%. Assim, dos quatro casos com melhor evolução, três apresentam taxas de participação da rede estadual superior a 50%. No que se refere à evolução das matrículas na rede estadual, é importante salientar que Roraima (22%), Amapá (2,8%) e Rio de Janeiro (11,5%), apresentaram taxas positivas de variação da matrícula na rede estadual, resultado em desacordo com os objetivos do FUNDEF. Ao mesmo tempo, todos os estados com pior evolução de desempenho na nota média do SAEB e o Espírito Santo apresentaram taxas negativas para a rede estadual. Em 4 estados, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Paraná a participação da rede municipal já era significativa em 1997. No Rio de Janeiro constatamos a participação em torno de 50% da rede municipal desde 1997 e o aumento de 11,5% da rede estadual nos dados de 1999, o que revela uma tendência contrária à induzida pela política federal, ou seja, de municipalização. O outro caso de aumento significativo de rede estadual é o de Roraima, que pode ser justificado pelas suas características próprias. Apesar de alto, o aumento de 93% da rede municipal representa pouco neste Estado, ou seja, apenas 6,3% de participação. A análise dos dados revela ainda que saltos significativos da municipalização, entendida como o aumento da participação relativa da rede municipal na rede total, ocorreram 11 em MG (24,8→39,9%), BA (48→59,7), ES (26,3→38,2) e AP (14,8→20,4). Todos os estados apresentaram índices positivos de municipalização, embora no Paraná a taxa seja pouco relevante (0,7%), o que é coerente com a situação mais geral do estado que foi o único a apresentar taxa de crescimento negativa na matrícula. Os dados indicados aqui, embora não expliquem a diferença de desempenho no SAEB, revelam que o FUNDEF induz à municipalização. Uma comparação par a par chama atenção na análise de Minas Gerais e Espírito Santo, que têm participações percentuais semelhantes das redes estadual e municipal, e tiveram altas taxas de municipalização, mas obtiveram resultados opostos no SAEB. A municipalização mineira foi feita com menos recursos do FUNDEF (R$744/matrícula em 98 e 99) que a do Espírito Santo (R$1005/matrícula em 98 e 99). A mesma coisa pode ser dita ao comparar a Bahia com o Amapá que, enquanto o primeiro se limitou ao piso (R$630), o segundo recebeu R$1398/matrícula nos dois anos. Número de municípios A municipalização da educação implica na criação da respectiva estrutura do sistema de ensino, o que engloba a rede física e os recursos materiais, a estrutura administrativa e técnica, bem como os recursos humanos necessários para a execução da atividade-fim. Tal estrutura consome uma grande quantidade de recursos e é exatamente na perspectiva dos custos na formação e manutenção de sistemas municipais que ressaltamos uma outra característica dos estados analisados. Todos os estados com melhor evolução de desempenho no SAEB tem menos que 100 municípios, sendo: Roraima 15, Amapá 16, Espírito Santo 78 e Rio de Janeiro 92, segundo dados de agosto de 2000. Entre os estados com pior evolução de desempenho, por outro lado, há o maior número de municípios: Pernambuco 185, Paraná 399, Bahia 417 e Minas Gerais com um total de 853. Voltando à análise comparativa entre Minas Gerais e Espírito Santo, a municipalização e a implementação de políticas no ensino fundamental tem que ser executadas com menos recursos do FUNDEF e por meio de negociações envolvendo um número muito maior de governos municipais. Formas de organização No aspecto pedagógico, com relação à organização do ensino pode-se constatar mais uma diferença entre os estados, conforme tabela 8: Tabela 8: Formas de organização das escolas Participação relativa das matrículas por formas de organização em 1999 (%) Estado Seriado Ciclos Mais de uma forma de organização RR 100 0 0 ES 33 0,2 66,8 AP 51,7 1,6 46,7 RJ 38,3 5,1 56,6 PE 98,8 0 0 BA 67,9 1 31,1 PR 77 6,8 16,2 MG 27,9 69,5 2,6 Nesta tabela, observa-se que Minas Gerais se destaca por ser o único a adotar, de forma predominante, a estruturação em ciclos. Mais uma vez voltando a comparação entre Minas e Espírito Santo, verifica-se grande diferença na forma predominante de organização. À exceção de Roraima, os estados com melhor desempenho concentram-se nesta forma de organização híbrida, sendo que o ES apresenta quase 70% das matrículas em “mais de uma forma de organização”. 12 O debate educacional tem sido travado em torno da idéia de seriação ou ciclos, mas uma análise mais aprofundada poderia revelar que a organização em ciclos é mais adequada em etapas como a alfabetização e menos profícua nas séries finais do ensino fundamental, que em geral se caracterizam pela formação de turmas com um professor especialista por disciplina. A organização em ciclos tem como suposto uma maior integração do trabalho docente, tanto no nível do planejamento como na avaliação. Assim, esta é uma variável que poderia justificar o desempenho oposto, independentemente da municipalização. CONCLUSÃO A primeira conclusão que se pode tirar da análise realizada é que o FUNDEF, apesar de ter propiciado um aumento de recursos por matrícula em praticamente todos os estados, quando comparado com a estimativa do MEC, não produziu os efeitos qualitativos esperados, ao mínimo, de forma homogênea. A indução à municipalização talvez seja seu efeito mais forte. Mas a municipalização “per si” apresentou resultados divergentes ao longo dos estados, inclusive tendo em Roraima um resultado emblemático, ou seja, foi o estado que teve o melhor desempenho no SAEB, com um aumento global de 23,3% nas matrículas, sendo um aumento de 22% na rede estadual e caracterizando-se por uma participação ainda inexpressiva da rede municipal. Minas Gerais também ilustra bem a questão em pauta, uma vez que apresentou a maior taxa de municipalização entre os estados cuja rede municipal é relevante, e teve a pior evolução da nota do SAEB entre 97 e 99. Acreditamos que a discussão que aqui cabe deve ser remetida à categorização que Arretche (1998) faz a respeito da descentralização e dos fatores de sucesso da mesma. A política de financiamento representada pelo FUNDEF atende a alguns fatores, mas não trata de outros. Quanto aos aspectos políticos, por exemplo, que se referem às estratégias de indução dos governos interessados na descentralização, o FUNDEF mostrou-se poderoso, como visto pelas altas taxas de municipalização ocorridas entre 1997 e 1999, como em Minas, Espírito Santo, Pernambuco e Amapá, por exemplo. Um outro aspecto político, mas que não foi analisado aqui quanto a sua efetividade, refere-se à participação e controle da sociedade sobre a prestação dos serviços públicos. Como já foi colocado, a lei do FUNDEF prevê a formação de Conselhos de Acompanhamento e Controle Social e, segundo o Balanço do FUNDEF 1998-2000, 98% dos municípios já tinham formado tal conselho. Não se discute aqui sua efetividade, mas o fato de que o FUNDEF atende a este fator prevenido pela autora. Quanto aos aspectos estruturais, relacionados a fatores econômico-fiscais e técnicoadministrativos, destaca-se que é intrínseca ao FUNDEF, como política de financiamento, a pretensão de solucionar as disparidades econômicas-fiscais e prover recursos suficientes para a universalização do ensino fundamental e a homogeneização e melhoria da qualidade. No entanto, a efetividade ou a produtividade dos recursos, ao menos quanto ao desempenho escolar, não é equânime nos estados. A baixa correlação entre recursos e evolução da nota sugere que outras variáveis devem ser consideradas. Associado a isso, o estabelecimento de um piso mínimo nacional anual, feito arbitrariamente pelo Presidente da República, como determina a Lei do FUNDEF, desconsidera toda e qualquer desigualdade de custos entre as instâncias prestadoras. Os efeitos negativos disto são sugeridos pela homogeneização, por baixo, do desempenho no SAEB, como constatado na análise. Não há razões para supor que os R$310/matrícula terão a mesma efetividade de alavancar o desempenho dos alunos em estados e municípios com realidades tão díspares. Em relação aos aspectos técnico-administrativos, o que convém destacar é que a 13 indução à municipalização demanda a criação de estruturas técnico-burocráticas nos municípios, o que se transforma numa intensa proliferação em estados como Minas Gerais ou Bahia, onde há muitos municípios. É significativo que os 4 estados com melhor desempenho tem muito menos municípios que os 4 piores. Afinal, estas novas estruturas diminuem os recursos líquidos disponíveis para o efetivo estímulo à qualidade do serviço prestado, por meio de uma espécie de “deseconomia de escopo”, como menciona Prud´homme (1995). Em relação aos aspectos institucionais, destaca-se aqui a flexibilidade da lei que prevê apenas o estabelecimento de diretrizes curriculares. A descentralização chega ao nível da escola, responsável pela elaboração de sua proposta pedagógica e de seu regimento. Assim o princípio da autonomia da escola é garantido na medida em que toda a ação da escola e as normas são definidas no seu próprio âmbito, a partir dos princípios da educação nacional, das diretrizes curriculares e das regras complementares de cada sistema (estadual ou municipal). Destaca-se, por exemplo, a predominância da modalidade de ciclos em Minas Gerais, onde houve o pior desempenho no SAEB. Esta forma de organização demanda uma engenharia operacional muito mais complexa que o a tradicional organização em séries. Além disso, traz normalmente consigo uma certa resistência da burocracia e das próprias famílias, associada a falta de controle sobre o alunado, uma vez que o entendimento de progressão continuada é confundido com a não reprovação. Destaca-se, em oposição, o Espírito Santo, onde predomina uma forma mista de organização. Finalmente, devemos sugerir que a política de financiamento do FUNDEF, apesar de ter diminuído a desigualdade de recursos, ter inovado ao criar um repasse atrelado ao número de matrículas e reservar uma parte considerável para a remuneração e valorização dos docentes, falha ao não considerar justamente desigualdades regionais, em aspectos econômicos, técnicos, geopolíticos e organizacionais, o que certamente dificulta o avanço geral. No conjunto da política educacional, o FUNDEF representa um instrumento importante, mas, apenas, o primeiro passo no âmbito da reforma necessária e dos muitos desafios mostrados anteriormente. Busca-se que, por meio das políticas públicas na área educacional, especialmente do financiamento dos sistemas, se alcance a almejada qualidade da educação, o que traduziria a maior efetividade da política na construção de um país com maior eqüidade e justiça social. 14 ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. O Processo de Descentralização das Políticas Sociais no Brasil e seus Determinantes. Tese de Doutorado: Departamento de Ciência Política – UNICAMP. Junho/1998. CAIDEN, Gerald E. e CAIDEN, Naomi J. Enfoques y lineamentos para el seguimiento, la medición y la evaluación del desempeño en programas del sector público. Revista del CLAD Reforma y Democracia, 12, out. 1998. CASTRO, Maria Helena Guimarães. Um painel da avaliação educacional no Brasil. Pátio Revista Pedagógica, Porto Alegre, Artes Médicas, 12: 27-9, fev.2000 CASTRO, Maria Helena Guimarães. O impacto da implementação do FUNDEF nos Estados e municípios: primeiras observações. 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