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GÊNERO, MASCULINIDADES, VIOLÊNCIAS 1
Vanessa Flores dos Santos 2
Resumo: este artigo tem por objetivo uma breve contribuição ao debate acerca das
articulações possíveis entre gênero e violência, especificamente as múltiplas construções de
masculinidade e as distintas relações com o fenômeno da violência contemporânea.
Palavras-chave: violência; gênero; masculinidades
Neste artigo, buscar-se-á uma breve explanação acerca das construções sociais de
gênero, as múltiplas masculinidades e o fenômeno da violência contemporânea em suas
variadas caracterizações. Primeiramente, se introduzirá a reflexão sobre a relevância de se
teorizar acerca das masculinidades e o conceito de gênero enquanto categoria relacional. Em
seguida, a reflexão se pautará sobre o entendimento da violência como processo de
sociabilidade masculina e a separação entre esfera pública e privada, e sua crítica. A partir
disso, as velhas e novas formas de articulação entre valores da tradição ocidental e da alta
modernidade.
Por que pensar as masculinidades?
Autores como Medrado e Lyra (2008) apontam o quão recente é o debate acerca das
masculinidades no campo dos estudos de gênero. Pelo caráter engajado da produção
intelectual feminista, algumas autoras3 inicialmente travam esse debate em termos de
1
Trabalho de conclusão da disciplina de Estudos de gênero, ministrada pela professora Drª Fátima Cristina
Vieira Perurena.
2
Acadêmica do curso de Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail:
[email protected]
3
Cecília MacDowell Santos e Wânia Pasinato Izumino no artigo “Violência contra as mulheres e violência de
gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil” identificam três correntes teóricas acerca dos estudos sobre
violência contra mulheres e violência de gênero que exemplificam perspectivas onde os papéis de gênero são
vistos de maneira dualista e fixa.
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dominadores e vítimas, em um sentido dicotômico e que não dá conta do caráter relacional
das construções sociais de gênero.
As masculinidades são construções culturais, sujeitas a contradições internas, e daí a
importância de se pensar múltiplas masculinidades. Mas diversos autores acreditam que isso
não impeça o reconhecimento de um modelo de masculinidade hegemônica, legitimado pelas
relações de poder e apresentado como modelo a seguir (WELZER-LANG, 2001; CONNELL
e MESSERSCHMIDT, 2005). As críticas a este conceito de masculinidade hegemônica
baseiam-se na problematização do conceito de hegemonia, de matriz gramsciana:
O adjetivo “hegemônico”, derivado de Gramsci, surge como um sério problema
teórico, uma vez que o termo implica constante luta pela posição de preponderância.
Se é fato que ainda existe uma forma hegemônica de masculinidade, trata-se de
refletirmos a respeito da questão: formas distintas de masculinidade, ao se
contraporem à predominante, buscam ocupar tal posição hegemônica ou, será que o
que pretendem é, sobretudo, reconhecimento como uma forma também legítima e
possível de experienciar a masculinidade? Pretendemos, ao recuperar o sentido
original de hegemonia, refletir de forma crítica sobre as implicações de tal
apropriação teórica aos estudos sobre masculinidades (FIALHO, 2005).
Joan Scott (1995), em conhecido artigo, conceitua gênero a partir de duas proposições:
o gênero como elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos, e gênero como uma forma primária de dar significado às relações de poder. A
partir desta primeira definição, podemos pensar o gênero enquanto conceito relacional,
construído e reconstruído constantemente por e através das relações sociais, entre homens e
mulheres. Mas como é colocado por Medrado e Lyra (2008), relacional não implica
complementaridade, mas assimetria de poder. Por isso, a importância de uma matriz feminista
para os estudos sobre homens e masculinidades.
Machado (2001) destaca a categoria relacional da “honra” como fundante da
construção simbólica dos gêneros no Brasil. Para ser um homem respeitado, deve-se ter o
controle de “suas” mulheres e viver a constante ameaça de conflito com outros homens, em
nome dessa honra.
Em Violência e estilos de masculinidade, Cecchetto (2004) analisa a pluralidade de
construções de masculinidades entre homens jovens no Rio de Janeiro. Para isso, enfoca em
três grupos que considera representativos: os grupos charmeiros de jovens do subúrbio
carioca, os lutadores de jiu-jitsu da zona sul e a galera do baile funk da periferia. Sua
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conclusão é da impossibilidade de uma ligação direta e não problematizada entre violência,
pobreza e etnia: “Foram estudados diferentes etos masculinos vinculados ao lazer, na mesma
camada social, para demonstrar a complexidade da correlação entre pobreza, masculinidade e
violência”. (p. 208)
Esfera pública, privada e as violências de gênero
Para Welzer-Lang (2001), a violência pode ser entendida como processo de
sociabilidade masculina. Há um certo rito de passagem, quando meninos aprendem as regras e
“aprendem a ser um homem”. Essa aprendizagem se faz no sofrimento. Pelos abusos físicos e
psicológicos e a agressividade que se espera de um homem. Os espaços que se configuram
como os da construção dessas masculinidades, e principalmente de imposição do modelo de
masculinidade hegemônica, são chamados de “casa-dos-homens”. Mas a casa-dos-homens
não é somente onde se vivencia essa aprendizagem do que é ser homem através do
sofrimento. É também onde se constrói a solidariedade masculina, o lugar de transmissão de
valores positivos e o sentimento de pertencimento. Por isso, a dificuldade em se relativizar
esse modelo legitimado.
Souza (2005) apresenta pesquisa com dados impressionantes acerca das mortes por
causas externas no Brasil. A maioria esmagadora das vítimas são homens. “Dos 15 aos 19
anos, os homens morrem 6.3 vezes mais que as mulheres; dos 20 aos 24 anos suas taxas são
10.1 vezes maior que a das mulheres” (2005, p. 62). Esse padrão se confirma em causas como
suicídio, homicídio, acidente de transporte, queda, lesões, ferimento com arma de fogo. A
partir desses dados, pode-se legitimar discursos que associem homens à esfera pública e
mulheres à esfera doméstica, refletindo-se nas diferentes caracterizações do fenômeno da
violência. Mas como nos lembra Rosaldo (1995), “quando nos voltamos para casos concretos,
o modelo baseado na oposição destas duas esferas pressupõe – lá onde deveria antes ajudar a
iluminar e explicar – demais sobre como as relações de gênero realmente funcionam”.
Velhas e novas formas de articulação
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Machado (2001), em pesquisa onde realiza entrevistas com apenados por crimes de
estupro, homens agressores de suas companheiras e jovens infratores, problematiza “a
construção social de violências em contexto urbano contemporâneo”. A já citada categoria
relacional da honra diz respeito a valores de longa duração, da sociedade ocidental, em que
tradicionalmente homens controlam “suas” mulheres e as disputam e defendem de outros
homens. A honra do homem depende do cumprimento de sua obrigação enquanto pai e
marido, de “não deixar faltar nada” e de ter uma “mulher respeitada”. Machado também
discorre acerca de novas formas de sociabilidade, valores da “alta modernidade”, citando
Giddens, Debord, Harvey, relacionando ao fenômeno da violência:
estes jovens revelam a sua total adesão a um novo conceito de “tempo social”. Seus
projetos se inserem num tempo curto, que lhes abra imediatamente a porta para o
sucesso, o hedonismo das sensações, daí, o fascínio pelas drogas, e o
reconhecimento instantâneo do seu “poder”. A agressividade física, o exibicionismo
do desafio corporal, o poder sobre a vontade dos outros e a indiferença em relação às
vítimas, que servem apenas para “contar vantagens”, são valores fortemente
conectados com “não ser bundão”, isto é, com a concepção de masculinidade. (2001,
p. 22)
Às questões da violência e novas subjetividades, a autora correlaciona aspectos que
dizem respeito ao mal-estar das sociedades contemporâneas4 e assim também estão inscritos
nos processos de produção dessas novas subjetividades, tais como: expansão do
individualismo e consumismo, enfraquecimento das utopias e dos sentimentos de
solidariedade. Giddens (1993), apesar de considerar como positiva a crescente autonomia
individual dessa sociedade pós-tradicional, nos alerta para o perigo da crescente generalização
de comportamentos viciados ou compulsivos.
Machado (2001) aponta que essa reinvenção do masculino, essas novas configurações
de subjetividades e sociabilidades machistas e o entendimento do masculino como puro poder
arbitrário podem ser entendidos justamente como uma contraposição à crescente
desconstrução e questionamento da masculinidade hegemônica.
Em diálogo com a produção de Machado, Minayo (2005) aponta dois instrumentos
servindo a esse “machismo pós-moderno”: o carro, enquanto símbolo de mobilidade,
potência, velocidade e liberdade, que é significativo para se analisar os jovens de classe média
e a virilidade associada à figura do carro. Um homem precisa ser tão potente quanto seu carro;
4
Ver Debord (1997), Dumont (1985), Harvey (1990), Giddens (1993).
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e segundo, a arma de fogo, como representação dos jovens de periferia muitas vezes
envolvidos com gangues e tráfico de drogas, como o símbolo do poder arbitrário, do tempo
curto e da performance exibicionista.
Desta forma, evidencia-se a relevância de se teorizar acerca das múltiplas
masculinidades e múltiplas violências, que dêem conta das diferentes formas de estar no
mundo, viver e representar o que é ser homem, o que é violência e a possibilidade de
relacionar esses conceitos, levando em conta a persistência de velhas formas de construção
simbólica dos gêneros e também a emergência de novas configurações, com valores da “alta
modernidade”.
Referências
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Fundação Getúlio Vargas, 2004.
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Alegre: v 20, n 2, p 185-206, 1995.
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FIALHO, Fabrício Mendes. Uma crítica ao conceito de masculinidade hegemônica. Working
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<http://www.ics.ul.pt/publicacoes/workingpapers/wp2006/wp2006_9.pdf>. Acesso em: 18
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GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade. São Paulo: Editora UNESP, 1993.
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