POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO HOMEM:
CONCEITOS E REFLEXÕES RELEVANTES PARA A SUA EFETIVAÇÃO1
SILVA, Silvana de Oliveira2; BUDÓ, Maria de Lourdes Denardin3; SILVA,
Marciele Moreira da4; EBLING, Sandra Beatris Diniz5
RESUMO
Este trabalho faz uma reflexão sobre os principais conceitos relacionados à saúde do
homem e suas implicações na efetivação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
do Homem nos serviços de saúde. A discussão ocorre a partir dos conceitos homem,
masculinidade, masculinidades, gênero e saúde dos homens. Observa-se que as ações de
divulgação e implantação da política expressam apenas questões ligadas a uma abordagem
biologicista. Contudo, a saúde do homem precisa ir além de condições masculinas
específicas dos órgãos reprodutores e ser entendida dentro de um determinado contexto
social e econômico. Essa compreensão ampliada de saúde do homem é necessária para
desenvolver uma política nacional compreensiva.
Descritores: Saúde do Homem, Atenção à Saúde, Políticas Públicas.
ABSTRACT
This study is a reflection about the main concepts related to the man’s health and its
implications in the realization of the Men Health Comprehensive Attention National Policy in
the health services. The discussion occurs with basis in the concepts of man, manhood,
1
Trabalho de Reflexão. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI),
Santiago/RS.
2
Apresentadora. Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Coordenadora do Curso de Enfermagem URI,
Santiago, RS, Brasil. E-mail: [email protected].
3
Enfermeira. Doutora. Professora associada do Departamento de Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM) e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem
(PPGEnf/UFSM), Santa Maria, RS, Brasil.
4
Enfermeira. Mestranda em Enfermagem do PPGEnf/UFSM. Membro do Grupo de Pesquisa
Cuidado, Saúde e Enfermagem da UFSM. Docente do Curso de Enfermagem URI, Santiago, RS,
Brasil.
5
Enfermeira. Mestre em Educação. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade URI,
Santiago, RS, Brasil
masculinity, gender and man’s health. It is observed that the actions of dissemination and
implementation of the policy express only questions related to a biological approach.
However the man health needs to go beyond male conditions specific of the reproductive
organs and be understood within of a specific social context and economic. This insight of
the man’s health is necessary to develop a comprehensive national policy.
Descriptors: Men's Health, Health Care (Public Health); Public Policies.
1. INTRODUÇÃO
Discussões nacionais e internacionais vêm sendo desenvolvidas para a promoção da
atenção básica em saúde voltada para as especificidades da população masculina.1 Nessas
discussões, duas temáticas se configuram como desafios para o sistema público de saúde:
ações para que segmentos masculinos procurem os serviços de atenção básica em saúde e
adequação dos serviços de saúde às demandas dos homens que procuram esses serviços.2
Neste contexto, em 2009, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem
(PNAISH) surge com o objetivo de “promover ações de saúde que contribuam
significativamente para a compreensão da realidade singular masculina nos seus diversos
contextos socioculturais e político-econômicos, valorizando os diferentes níveis de
desenvolvimento e organização dos sistemas locais de saúde e tipos de gestão,
possibilitando o aumento da expectativa de vida e a redução dos índices de
morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis nessa população”.3:3
Contudo, os homens não são captados pelos serviços de atenção primária (como
ocorre com as mulheres). Sua entrada no sistema de saúde se daria principalmente pela
atenção ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidades, configurando um perfil que
favorece o agravo da morbidade pela busca tardia ao atendimento.4
Neste sentido, faz-se necessário entender acerca do modo como a política está sendo
implantada, buscando refletir sobre os principais conceitos relacionados à saúde do homem
e suas implicações na efetivação da PNAISH nos serviços de saúde.
2. UMA POLÍTICA DE SAÚDE PARA O HOMEM: uma reflexão a partir de conceitos
Inicialmente, para abordar a temática saúde do homem e refletir acerca da PNAISH é
necessário explorar alguns conceitos sobre homem, masculinidade, masculinidades, gênero
e saúde dos homens.
Ao questionar o que é ser homem, é possível que a resposta se refira ao “caráter
biológico, ao papel masculino e à construção social do homem. Outros dirão que ser homem
é ser forte, viril, trabalhador, chefe de família, agressivo, competitivo e de uma sexualidade
incontrolável”.5:11 Vários estudos apontam para essa construção social do que é ser homem,
sendo esta traduzida como masculinidade hegemônica ou tradicional. 6,7
A masculinidade hegemônica pode ser definida como: “branca, heterossexual e
dominante - um modelo cultural ideal, não sendo, portanto, atingível por praticamente
nenhum homem”.
8:64
No entanto, é aceito como padrão, exercendo um efeito controlador,
assim, essa concepção exclui qualquer variação de comportamento masculino que não seja
adequado às suas normas.9
Por outro lado, estudos indicam um momento de transição entre a masculinidade
tradicional e uma nova concepção de homem acarretado uma crise de identidade, o que
gera as chamadas, novas masculinidades.10,11,12 Essas expressam o homem que brinca, que
convive com a mulher independente, que erra, que cuida dos filhos e dos filhos das
companheiras, que chora, que não é o único provedor da família e que fala sobre seus
sentimentos.5
Aliado a essa discussão, quanto ao conceito de gênero entende-se que este é
construído socilamente e se configura “nas diferenças e inter-relações entre os sexos, que
vão além do biológico.13:565 Dessa forma, ser homem ou mulher sugere incorporar as
características e as funções como forma de se conceber, de valorizar-se e de atuar em uma
determinada cultura.
Partindo dessa abordagem que a partir dos anos 90, a temática saúde do homem
passou a ser entendida sob uma perspectiva mais ampla, enfocando as questões de gênero,
as quais passaram a refletir, dentre outros aspectos, a singularidade do ser saudável e do ser
doente entre segmentos masculinos.14 Nessa direção, destaca-se que a Organização Mundial
de Saúde (WHO) volta-se para as especificidades da saúde masculina, recomendando que o
homem seja considerado em uma perspectiva relacional de gênero.15
Desse modo, encontram-se vários pesquisadores que estudam a relação de gênero
com os indicadores de mortalidade e morbidade masculina. O Ministério da Saúde reitera tal
afirmação quando diz que “os estereótipos de gênero, enraizados há séculos em nossa
cultura patriarcal, potencializam práticas baseadas em crenças e valores do que é ser
masculino”.3:6
Nesse sentido, percebe-se a importância de se visualizar a saúde dos homens em
termos de gênero; contudo, somente esse enfoque não fornece todos os subsídios
necessários para satisfazer às necessidades de saúde do homem, sendo necessário abordar
essas questões na perspectiva de determinantes sociais que, certamente contribuirão para
desmistificar a visão negativa sobre os homens.16
A respeito disso, surge a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem,
instituída pela Portaria Nº 1.944 de 27 de agosto de 2009. Sob esse aspecto, aponta para a
importância da mudança do foco programático, ou seja, de não conceber a política como uma
adesão ao programa de assistência à saúde, mas numa perspectiva mais ampla que privilegie
um novo paradigma fundamentado na atenção integral, que valorize, principalmente, a
promoção, a prevenção, a proteção da saúde e qualidade de vida, assim como a educação
como estratégia para promover mudanças comportamentais indispensáveis à consolidação
das ações propostas.3
Embora esse objetivo exprima o anseio da parcela da população que busca o
fortalecimento e o engajamento de diversos atores na consolidação do Sistema Único de
Saúde (SUS), na análise das diretrizes e princípios norteadores para a implantação da
referida política nos Estados e municípios brasileiros, percebe-se alguns aspectos que
merecem reflexão.
O primeiro, é que o documento reconhece a importância de se abordar as questões
de saúde do homem na perspectiva de gênero, reitera a necessidade de considerar a
heterogeneidade das possibilidades de ser homem, dizendo que as “masculinidades são
construídas historicamente e sócio-culturalmente, sendo a significação da masculinidade um
processo em permanente construção e transformação”. Também, considera fundamental,
para a promoção da equidade na atenção a essa população, o reconhecimento das
diferenças por idade, condição sócio-econômica, condição étnico-racial, por local de
moradia urbano ou rural, pela situação carcerária, pela deficiência física e/ou intelectual e
pelas orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas.3:6
Em segundo plano, numa outra perspectiva, aponta para uma concepção limitada de
saúde do homem quando descreve que “muitos agravos poderiam ser evitados caso os
homens realizassem, com regularidade, as medidas de prevenção primária, tendo em vista
que a resistência masculina à atenção primária aumenta não somente a sobrecarga
financeira da sociedade, mas também, e, sobretudo, o sofrimento físico e emocional do
paciente e de sua família, na luta pela conservação da saúde e da qualidade de vida dessas
pessoas”.3:5
Acredita-se que todas essas proposições da política são relevantes e necessárias,
no entanto, reafirmam uma concepção de saúde dos homens limitada uma vez que as
primeiras ações de divulgação e implantação expressam apenas questões ligadas aos
órgãos genitais, prevenção de câncer de próstata e de pênis, e estímulo a procura por
consulta médica, exames de próstata, colesterol, glicemia entre outros.
3. CONCLUSÃO
É possível perceber que a política de saúde do homem, que está sendo implantada pelo
MS, espelha-se no Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, no qual as ações
estavam sempre direcionadas para a gravidez, câncer de mama, de útero e anticoncepção.
Todavia, muito ainda tem de se discutir quanto às implicações dessa implantação
nos serviços de saúde, tendo em vista que a formação dos profissionais que estão inseridos
no sistema de saúde sofreu influências do modelo biomédico gerando concepções de saúde
como ausência de doença, por conseguinte, estes vem atuando ainda sob concepções
biologicistas, sem levar em conta a totalidade do indivíduo em seu contexto.
Com base nisso, acredita-se que é necessário que se dê mais atenção à saúde dos
homens, considerando-os em sua totalidade, a partir da compreensão de suas
necessidades de saúde, tanto nas suas relações com o outro, como em sua especificidade,
ou seja, não em comparação com a forma como as mulheres são identificadas.
Partindo-se desse pressuposto e, para que haja uma maior aproximação com os
princípios e com as diretrizes do SUS, torna-se necessário uma transformação da abordagem
biologicistas, para além de condições masculinas específicas dos órgãos reprodutores e ser
entendida dentro de um determinado contexto social e econômico. Essa compreensão
ampliada de saúde do homem é necessária para desenvolver uma política nacional
compreensiva.
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