DILEMAS ENVOLVIDOS NO ACESSO MASCULINO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE SOB A PESPECTIVA DE GÊNERO OLIVEIRA, A. A.(UFCG)1 ARRUDA, S. F. A.(UFCG)1 OBJETIVOS: Expor a temática relacionada à resistência masculina frente aos serviços de saúde, os valores sociais que influenciam os comportamentos dos homens nesse sentido e a dificuldade dos serviços de saúde frente a essa problemática. MÉTODOS: Revisão sistemática de artigos disponíveis nos bancos de dados eletrônicos, sendo encontrados temas referentes à sexualidade masculina, produção do conhecimento à saúde, masculinidade e poder. RESULTADOS: Quando analisadas, a procura dos serviços e a autopercepção da saúde, os homens são considerados como desatentos e pouco vigilantes. As dificuldades são encontradas tanto pela resistência do homem a buscar a assistência de saúde, como também, em relação às formas como os serviços lidam com as demandas específicas destes. A resistência masculina está relacionada à estrutura de identidade de gênero, representados pela questão de masculinidade, padrões tradicionais da identidade masculina, tendo-se assim como resultando a obstinação ao uso dos serviços. É notada à aversão do homem ao uso dos serviços de atenção à saúde e a necessidade de serem desenvolvidas discussões acerca de uma atenção integral a esse indivíduo no campo da saúde como também a instrumentalização das práticas e dos profissionais da saúde. Descritores: homem, atenção básica, gênero INTRODUÇÃO A temática relacionada à saúde masculina tem sido pouco abordada e discutida em contraposição à saúde da mulher, objetivo de políticas públicas e de variadas investigações. O conceito de gênero, embora tenha adquirido força e destaque enquanto instrumento de análise das condições das mulheres ele não deve ser utilizado como sinônimo de “mulher”. 1 Universidade Federal de Campina Grande. Email: [email protected] 1 Universidade Federal de Campina Grande. Email: [email protected] 2 Essa definição é usada tanto para distinguir e descrever as categorias mulher e homem, como para examinar as relações estabelecidas entre elas e eles (CARLOTO). É a partir da própria dimensão de gênero que se advoga uma abordagem também do masculino, uma vez que tanto homens quanto mulheres necessitam ser vistos em sua singularidade e em sua diversidade no âmbito das relações que estabelecem (GOMES, 2003). A questão relacionada a homem aparentemente não consta da pauta de prioridades das políticas de saúde em nosso país. Isso se dá não por quer o homem apresenta menos doenças, mais pela resistência deste a procura dos serviços de saúde. Embora as mulheres estejam inclusas em níveis maiores de morbidades e adoecimentos, os homens detém os maiores índices de mortalidade (BRAZ, 2005). Entretanto, em tempos mais recentes, vários estudos vêm discutindo a questão da saúde masculina, buscando compreender as diferentes motivações para os altos perfis de morbimortalidade dos homens (FIQUEIREDO e SCHRAIBER, 2011). Se os estudos epidemiológicos informam características importantes no processo de adoecimento dos homens, não problematizam, contudo, as relações desses adoecimentos como seus comportamentos sociais (FIQUEIREDO, 2008). Há uma coexistência de uma diversidade de modelos, comportamentos e significados relacionados às masculinidades, articulando os exercícios de masculinidades com esferas dimensionadas cotidianamente na vida social. Nessa articulação, seus modelos de masculinidades podem trazer repercussões para as práticas de cuidado com a saúde da população masculina (FIGUEIREDO, 2011). As necessidades de saúde, sua apresentação por homens aos serviços e como são tomadas pelos profissionais constituem questões das relações entre o exercício das masculinidades e as práticas de cuidado em saúde (SCHRAIBER et al, 2010). Se desejarmos caminhar no enfrentamento de impasses que configuram a partir da dimensão simbólica, torna-se necessário que descubramos as imagens e os significados atribuídos pelos sujeitos, a partir de permanências culturais que se estruturam em torno da sexualidade masculina (GOMES, 2003). MÉTODOS 3 O presente estudo consta de uma revisão da literatura, que conforme Marconi e Lakatos (2007), pode ser considerada como um estudo formal que utiliza pensamentos reflexivos sobre a temática abordada em textos adquiridos através de livros e artigos, e solicita uma análise científica, constituindo tanto em um caminho para se conhecer a realidade, como na busca por respostas para as questões propostas. Para construção desta análise foi realizada busca em livros e em fontes de dados de artigos publicados em periódicos indexados nas bases de dados informatizados, tais como SCIELO e Revistas Eletrônicas de Enfermagem e Saúde utilizando como descritores: homem, gênero, atenção básica. Foram realizados estudos das relações entre masculinidades e saúde para compreender como são articuladas a noção de cuidado de saúde com a identidade masculina (ser homem). A análise das informações foi realizada mediante a descrição das categorias definidas, por meio de leitura do texto que permitiu fazer a seleção de conteúdos. Iniciou-se o processo de exploração do material, organizando e reunindo dados. RESULTADOS E DISCURÇÕES Os referenciais de gênero podem contribuir para melhor entender os processos de adoecimento e morte dessa população (SCHRAIBER, GOMES e COUTO, 2005). Até há pouco, considerava-se que as discussões sobre gênero referiam-se exclusivamente a assuntos relacionados com as mulheres, ou seja, ao questionamento das definições fixas e restritivas da feminilidade. Não houve, entretanto, um desenvolvimento paralelo entre os homens. Um muro de silêncio e invisibilidade impediu que se enxergassem as conseqüências da masculinidade tradicional e se notasse a existência de incômodo e consternação nos homens, inclusive os que implicam na sua saúde (KORIN, 2001). De acordo com COUTO et al, 2010: Mais recentemente, as relações entre masculinidade e cuidado em saúde têm sido analisadas com base na perspectiva de gênero, focalizando as dificuldades dos homens na busca por assistência de saúde e as formas como os serviços lidam com as demandas específicas dos homens, o que pode ampliar as dificuldades. Aspectos relacionados à percepção ou não da crise da masculinidade, específico, e aos sentidos atribuídos à sexualidade masculina, em geral, produzem reflexos no campo da 4 saúde, revelam dificuldades, principalmente, no que se refere à promoção de medidas preventivas (GOMES, 2003). O conflito e a dicotomia entre as necessidades psicológicas básicas de todo o ser humano e o papel masculino estereotipado podem resultar em riscos ao potencial de saúde dos homens e aumentar sua vulnerabilidade às doenças (HARRISON Apud KORIN, 2001). Estudos demonstram por meio de diferentes indicadores que a população masculina apresenta condições de saúde desfavoráveis quando comparada aos índices alcançados pelas mulheres (FIGUEIREDO, 2008). KORIN, 2001, relata que: Além de constituir uma barreira maior, que bloqueia o acesso dos homens aos serviços de saúde, estes riscos (masculinidade, gênero e fatores biológicos) e eventos coadjuvantes se refletem em: maior taxa de mortalidade para os homens em áreas como: doenças cardiovasculares e respiratórias, mortes violentas (inclusive acidentes, homicídios e suicídios), doenças hepáticas e câncer; vulnerabilidade crescente a certas enfermidades; respostas disfuncionais às doenças; deterioração da capacidade de recuperação das doenças. Diante do obtidos por SCHRAIBER et al, 2010, é destacado que os estudos sobre as necessidades não abordam usualmente as masculinidades. Já aqueles sobre masculinidades e saúde tendem a recortes particulares (sexualidade e reprodução) ou a adoecimentos e acesso aos serviços, sem examiná-los na ótica das necessidades. O conhecimento das singularidades pode possibilitar uma melhor aproximação da forma imediatamente relacional do par masculino-feminino, assegurando uma maior densidade de conhecimento das especificidades de cada pólo em interação, possibilitando ganhos tanto para a saúde masculina, como para a discussão de temas da saúde feminina que só avançam na medida em que se consegue a participação masculina em seu enfretamento (GOMES, 2011). Para VILLELA, 2005: Tem como pressuposto a dimensão social do processo saúde-doença, que considera o modo como os sujeitos circulam na sociedade fator determinante dos agravos à sua saúde, e a maneira que os sentidos e significados que o adoecimento adquire para cada um; os recursos disponíveis para o enfrentamento desse processo também estão relacionados aos contextos nos quais os sujeitos se situam. 5 Em relação à busca por assistência à saúde e às representações masculinas de saúde-adoecimento e cuidado, alguns estudos qualitativos identificam barreiras para a presença masculina nos serviços de saúde (COUTO, et al 2010). Os homens são apresentados como vítimas de sua própria masculinidade, ou seja, das crenças e valores que constituiriam as "barreiras socioculturais" que se antepõem à medicalização (CARRARAS, RUSSO e FARO, 2009). Os referenciais de gênero podem contribuir para melhor entender os processos de adoecimento e morte dessa população (SCHRAIBER, GOMES e COUTO, 2005). De acordo com SCHRAIBER et al, 2010, mesmo inseridos em contextos sociais diversos, a percepção dos usuários sobre a saúde se aproxima: embora não neguem que os homens têm necessidades de saúde, destacam várias dificuldades em procurar os serviços. Afirmam que os homens preferem retardar ao máximo a busca por assistência e só o fazem quando não conseguem mais lidar sozinhos com seus sintomas. Processos sociais relacionados ao gênero produzem diferenças no padrão de morbi-mortalidade de homens e mulheres, bem como nos comportamentos de proteção à saúde (SCHRAIBER, GOMES e COUTO, 2005). Determinadas marcas identitárias da masculinidade identificadas a partir da relação dialética entre os sentidos dos sujeitos atribuídos à masculinidade e a produção/reprodução de modelos culturalmente construídos, podem gerar agravos à saúde dos homens jovens (NASCIMENTO e GOMES, 2008). Recentes investigações acerca das percepções dos homens sobre os serviços de Atenção Primária a Saúde, apontam que estes se destinam às pessoas idosas, às mulheres e às crianças, sendo considerados pelos homens como um espaço feminilizado, o que lhes provocaria a sensação de não pertencimento àquele espaço (FIGUEIREDO, GOMES Apud COUTO, et al 2010). De acordo com COUTO, 2010: Quando comparamos a presença de homens e mulheres e o uso que fazem dos serviços, percebemos como elas representam melhor do que eles a clientela, tanto em termos de frequência, quanto de familiaridade com o espaço e a lógica de organização. A presença dos homens aumenta em determinadas atividades, especialmente nas consultas médicas, atendimentos em odontologia e atividades disponibilizadas em alguns dos serviços, como: a fisioterapia, o Programa de Tuberculose e Hanseníase, e a saúde mental do. 6 Considerando-se a organização e rotina dos serviços, estudos salientam que as instituições de saúde têm uma influência importante na (re)produção do imaginário social de gênero que, por sua vez, tem repercussões na atenção oferecida à população (COUTO, 2010). As dificuldades com o funcionamento e acesso aos serviços, pouco resolutiva, formando filas de espera, contribuem para a evasão dos usuários do sistema (GOMES et al, 2011). O acesso pode ainda ser dificultado pelo trabalho, onde os homens encontram muitas circunstâncias e fatores que podem afetar o uso dos serviços de saúde: inconveniência de ter que faltar ao trabalho; potencial perda de rendimentos relacionados a ausências decorrentes de doenças; custo potencial em perdas de promoção e manutenção no emprego (KORIN, 2001). Na caracterização dos serviços, chamou atenção como os ambientes não favorecem a presença e permanência dos homens, já que todos se apresentam como espaços demarcadamente femininos (COUTO, 2010). A pouca procura masculina também aparece associada à ausência de acolhimento ou o acolhimento pouco atrativo, que pode estar relacionado à frágil qualificação profissional para lidar com o segmento masculino (GOMES et al, 2011). Os serviços de saúde destinam menos tempo de seus profissionais aos homens e oferecem poucas e breves explicações sobre mudanças de fatores de risco para doenças aos homens quando comparado com as mulheres. Essas ações reforçam os padrões sociais de masculinidade e feminilidade associados às noções de cuidado em saúde (COURTENAY Apud COUTO, 2010). É comum os profissionais defenderem que os homens, além de menos presentes e assíduos, oferecem mais resistência aos convites para irem ao serviço, faltam mais às consultas marcadas e não seguem o tratamento como esperado. Não sendo reconhecida a baixa inclusão dos mesmos nas propostas assistenciais (SCHRAIBER 2005). Encontram-se no discurso de profissionais e, até mesmo, de usuários e usuárias diversas representações e estereótipos relacionados aos gêneros, tais como: "homens são mais fortes"; "o corpo feminino tem particularidades que demandam mais cuidados”; "mulheres são naturalmente cuidadoras" etc (COUTO, 2010). 7 Quando não reconhecem os homens como potenciais sujeitos de cuidado, deixam de estimulá-los às práticas de promoção e prevenção da saúde ou não reconhecem casos em que eles demonstram tais comportamentos (COUTO, 2010). Para tanto, uma ação educativa bem feita "modernizaria" os homens brasileiros, dissipando o pensamento mágico que os (des)orienta e que os torna presas de seus próprios preconceitos (CARRARAS, RUSSO e FARO, 2009). CONSIDERAÇÕES FINAIS Se desejarmos caminhar no enfrentamento de impasses relacionados ao acesso masculino a saúde, torna-se necessário que descubramos os significados atribuídos pelos sujeitos, a partir de permanências culturais que se estruturam em torno da sexualidade masculina. Necessitando neste caso de estudo envolvendo diversos homens em diferentes culturas, de diferentes estratos sociais, juntamente com as medidas e as praticas de saúde voltadas a essa problemática, permitindo, assim, ampliar o campo de percepção das relações entre gênero e saúde. Verificou-se que o homem vem se consolidando como objeto de investigações de cunho predominantemente epidemiológicas. Entretanto, cabe observar que essa abordagem não vem focalizando o ser masculino ao perfil de morbimortalidade. É observado que já existem discussões acerca das especificidades do adoecer masculino em relação às identidades masculinas. No entanto ainda é precário estudos no sentido de focalizar a masculinidade dentro dos estudos de gênero e saúde. Concluiu-se que ainda são necessárias investigações sobre as masculinidades relacionadas a gênero. REFERÊNCIAS SANTOS, W.; SCHRAIBER, F. L. B. Concepções de gênero de homens usuários e profissionais de saúde de serviços de atenção primária e os possíveis impactos na saúde da população masculina. São Paulo, Brasil; Ciência & Saúde Coletiva, 16(Supl. 1):935944, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16s1/a25v16s1.pdf. COUTO, M. T. et al. O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in)visibilidade a partir da perspectiva de gênero. vol.14 no.33 Botucatu Apr./June 2010 disponível em: Botucatu, Interface 8 SCHRAIBER, L. B. et al. Necessidades de saúde e masculinidades: atenção primária no cuidado aos homens. Rio de Janeiro, Cad. Saúde Pública, 26(5):961-970, mai, 2010; Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v26n5/18.pdf. ABREU, D. M. X.; CÉSAR, C. C.; FRANÇA, E. B. Diferenciais entre homens e mulheres na mortalidade evitável no Brasil (1983-2005). Rio de Janeiro, http://www.scielosp.org/pdf/csp/v25n12/14.pdf. Cad. Saúde Pública, 25(12):2672-2682, dez, 2009. Disponível em: GOMES, R. Sexualidade masculina e saúde do homem: proposta para uma discussão; Ciência & Saúde Coletiva, 8 (3):825-829, 2003; Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/csc/v8n3/17463.pdf. SCHRAIBER, L. B.; GOMES, R.; COUTO, M. T. Homens e saúde na pauta da Saúde Coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):7-17, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v10n1/a02v10n1.pdf. GOMES, R.; NASCIMENTO, E. F. A produção do conhecimento da saúde pública sobre a relação homem-saúde: uma revisão bibliográfica. Rio de Janeiro, Cad. 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