Revista Foco VERTENTES DO PODER E AMBIENTES ORGANIZACIONAIS Elisa Uliana Davila* Ingrid de Souza* Mariane Oliveira Lima* Nilcéia da Silva* Cristiano das Neves Bodart# RESUMO O presente artigo possui um duplo e correlato objetivo. Introduzir uma discussão em torno do conceito de poder em suas três principais vertentes de análise no campo da Sociologia da Administração (Simbólica; Radical-crítica e Econômico-política) e discutir de que forma esse poder se manifesta no ambiente organizacional. Busca-se uma melhor compreensão da complexidade que envolve o tema, e de sua importância no campo dos estudos das Ciências Sociais aplicada à Administração. Palavras-Chave: Poder; Ambiente Organizacional; Sociologia; Administração. 1 INTRODUÇÃO Ao abordar a estrutura organizacional, faze-se comumente referência aos aspectos relacionados à distribuição, dentro do ambiente da organização, da autoridade e a sua capacidade de tomada de decisão, bem como quais critérios são utilizados para a realização de uma adequada divisão do trabalho e/ou quais mecanismos são incorporados na coordenação dos colaboradores em suas funções/tarefas. De acordo com Dias (2001, p. 189), grosso modo, podendo identificar duas estruturas organizacionais orgânicas opostas. Por um lado, “uma estrutura rígida, hierárquica, com definições precisas de tarefas e responsabilidades e um fluxo de comunicação verticalizado de cima para baixo” e por outro, “uma estrutura flexível – com pouca ênfase na hierarquia, responsabilidades flexíveis continuamente em redefinição”. A esses dois modelos de Dias (2001) acrescentamos a estrutura * # Alunas do curso Superior em Administração da Faculdade Novo Milênio/ES. Doutorando em Sociologia/USP. Professor de Sociologia da Administração da Faculdade Novo Milênio/ES. Revista Foco. 5º edição. Abril de 2012. ISSN 1981-223X 1 organizacional híbrida, composta por características das duas estruturas anteriores, o que é mais comum ser identificado entre as empresas brasileiras. Para compreender a estrutura organizacional de uma empresa torna-se necessário a compreensão do conceito de burocratização. Definimos burocratização como o processo gradual de normatização das organizações - mediante o qual as relações se formalizam – e a constituição da hierarquia institucionalizada. Por meio da burocratização a imprevisão diminui, o trabalho de cada um se especializa, são criadas normas, geralmente escritas, procedimentos e rotinas que procuram submeter todos os membros da organização às mesmas regras e regulamentos (DIAS, 2001, p. 190). Estruturas rígidas e hierárquicas focadas nas tarefas tendem a ser mais burocratizada, quando comparadas às estruturas menos rígidas e focadas nas pessoas. Para o estabelecimento de uma burocracia utiliza-se o poder. É por meio deste que a estrutura organizacional se mantém, ou seja, o poder é um elemento que torna possível a manutenção da estrutura organizacional e sem ele a administração tornase impossível. É importante destacar que existem diversos tipos de poder, os quais são estudados em diversas vertentes pela Sociologia. Neste artigo serão apresentadas as seguintes vertentes: Simbólica; Radical-crítica e Econômico-política. O presente trabalho está dividido em quatro (04) seções ou partes. A primeira seção é a presente introdução. Na segunda parte são apresentadas algumas colaborações em torno do conceito de poder. A terceira parte é destinada a apresentação das vertentes do poder que serão aqui apresentadas e como estas se manifestas no cotidiano do ambiente organizacional. A quarta seção é destinada as considerações finais. 2 CONCEITUANDO O PODER O poder é um objeto de estudo que abrangem várias áreas do conhecimento. Grosso modo, entre os cientistas sociais, o poder é entendido com a capacidade de afetar o DAVILA; SOUZA; Et al.VERTENTES DO PODER E AMBIENTES ORGANIZACIONAIS Revista Foco comportamento dos outros a partir de sua vontade (DIAS, 2001, p. 191). Pode ser considerado como um elemento persuasivo que o grupo ou indivíduo tem para fazer com outros indivíduos ou grupos façam a ação desejada, ou aceitem uma determinada idéia. Para Max Weber (1999, p. 33) “O poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. O poder está diretamente relacionado a outro conceito importante na compreensão de qualquer organização que é o conceito de dominação1, a qual está ligada diretamente à administração. Para Weber, onde há administração existe a coexistência de poder e dominação, mesmo que esta não seja notada por meio de uma observação desatenta e inicial. Assim, “toda administração precisa, de alguma forma, da dominação, pois, para dirigi-la, é mister que certos poderes de mando se encontrem nas mãos de alguém” (WEBER, 1999, p. 193). O poder pode ser unilateral ou bilateral. Podendo ser classificado, de acordo com Weber (1999), como legítimo ou ilegítimo. Legítimo seria o poder exercido em conformidade com o dominado/subordinado. Ilegítimo seria, na perspectiva weberiana, o poder exercido sem o reconhecimento e/ou aceitação da dominação. Foucault (2008), foi um dos diversos autores que conceituou o poder, relacionando-o como um fenômeno social que funciona em conjunto, tendo como resultado a dinâmica social, impondo o poder e sofrendo as ações e seus efeitos. Incluindo nesse pensamento da conceituação do poder, o autor Abraham Kaplan, define o mesmo como uma habilidade de um indivíduo influenciar o comportamento de uma pessoa ou grupo, ou seja, mudar o pensamento de maneira a convencer a mudança de comportamentos específicos (FERREIRA; VILAMAIOR; GOMES, [s/d], p. 2-3). Esse perspectiva de poder é muito comum ao líder, o qual possui habilidades de persuasão e controle. 1 Para maior aprofundamento do conceito de dominação, na visão weberiana, ver Weber (2004). Revista Foco. 5º edição. Abril de 2012. ISSN 1981-223X 3 3 VERTENTES DO PODER A análise do poder nas organizações, envolvendo grupos humanos que interagem politicamente na busca da satisfação dos seus interesses, é feita de variadas formas. Assim, para permitir uma melhor compreensão, pode-se classificar os diversos tipos de poder em quatro vertentes básicas: simbólica, psicológica, radical-crítica e econômico-política (DIAS, 2001). Essa classificação, entretanto, não tem a pretensão de ser plenamente abrangente ou definitiva, estando limitada à uma rápida pesquisa bibliográfica aqui apresentada. 3.1 Poder Simbólico Os sistemas simbólicos (arte, religião, língua, etc.), são instrumentos de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, como formas simbólicas, atribuindo-lhe um significado comum, ou seja, são estruturas estruturantes (SANTOS FILHO, 2002, p. 06). Para que seja estruturantes, os sistemas simbólicos precisa-se de uma estrutura, ou seja, são estruturados. Um exemplo dessa estrutura é a língua a qual possuir uma estrutura óbvia que permita o entendimento e a comunicação das ideias entre emissor e receptor (SANTOS FILHO, 2002, p. 07). Um bom exemplo em uma empresa seria as normas padrões de comportamento da empresa – sua cultura organizacional - onde o poder seria o resultado da estrutura normativa e ao mesmo tempo capaz de reorganizar, ou reestruturar esta estrutura, bem como atuar em sua manutenção, uma vez que os detentores do poder desejarão manter sua relação de dominação. Desta forma, o poder simbólico atua principalmente, mas não exclusivamente, no nível da legitimação quando comparado a produção de resultados substantivos. E esse poder, ao ser capturado por um determinado grupo social para manter sua dominação sobre outro, assume uma função política, o que caracteriza o poder simbólico. Para Bourdieu (2001) o poder simbólico possibilita as classes dominantes exercerem dominação. Isso ocorre por serem detentores de um capital simbólico, disseminado e DAVILA; SOUZA; Et al.VERTENTES DO PODER E AMBIENTES ORGANIZACIONAIS Revista Foco reproduzido por meio de instituições e práticas sociais, que lhes possibilita exercer o poder. Por meio do controle dos símbolos, os quais são instrumentos por excelência da integração social, torna-se possível criar um consenso de seu interesse e que contribuirá para a reprodução da ordem social dominante. O poder simbólico consiste, então, “...[n]esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2001a, p. 7-8). O poder simbólico estaria marcado pela relação de dominação do patrão sobre o funcionário. Muitas vezes, sem tomar ciência de sua dominação, sobretudo por meio de um conjunto de normas e regras criadas sem sua participação, as quais, na perspectiva de Bourdieu, teriam sido criadas a fim de manter o status quo. A partir dessa concepção de poder o ambiente organizacional é marcado por uma estrutura que objetiva manter as relações de dominação do trabalhador, no jargão marxista: o poder do burguês sobre o proletariado. 3.2 Poder Econômico-Política É importante destacar que a microfísica do poder – fazendo menção de que o poder está em toda a parte e diluído na sociedade, manifestando-se quando se faz necessário - pode se manifestar de forma positiva, como no controle em prol de produtividade, evitando inconvenientes da insurreição. (DIAS, 2003). O nível econômico tem como referência às relações de produção, principalmente as relações que envolvem apropriação, valorização e trabalho. Trata da dupla natureza das relações de trabalho, ao mesmo tempo processo de produção e valorização (MARX, 1983). Weber, apesar de entender o poder como derivado do domínio sobre a propriedade e os meios de produção, supera a perspectiva maniqueísta de Marx considerando as relações de produção e as relações na produção. É dele a definição de poder que Revista Foco. 5º edição. Abril de 2012. ISSN 1981-223X 5 mais atende ao senso comum: “o poder significa a possibilidade de fazer triunfar no seio de uma relação social a sua própria vontade mesmo contra resistências, qualquer que seja a base em que se baseia ta possibilidade” (WEBER, apud. BOUDON, 1970, p. 430). Quanto à resistência à dominação, é também de Weber a tipologia da legitimidade, que pode ser entendida como aceitação, e, portanto validação, do exercício do poder pelos agentes e ele submetido, pois que é dado como certo e adequado. A tipologia criada por Weber classifica a legitimidade em três diferentes tipos, conforme sua base fundamental: (1) legitimidade tradicional; fundamenta-se nas crenças consuetudinárias, na tradição. Predominam as características patriarcais e patrimonialistas, onde o poder é exercido por aqueles que tradicionalmente são escolhidos para tal; (2) legitimidade racional-legal; também denominada burocrática, Racional porque presume o uso adequado dos meios apenas para o alcance dos fins desejados, Legal porque o poder está regulado por normas escritas, o que lhe impõe limite, impedindo a arbitrariedade; (3) legitimidade carismática: baseia-se em características pessoais exibidas por uma pessoa ou grupo, capazes de gerar nos demais a certeza de que o poder será exercido de um objetivo coletivo. Para Galbraith (1999 apud SANTOS FILHO. 2002, p. 4), há três instrumentos ou formas de utilização do poder, são elas: (1) poder condigno: obtém a sujeição da outra parte pela potencial capacidade de lhe impor uma conseqüência consideravelmente desagradável ou dolorosa pela não sujeição. É o poder gerado pela recompensa negativa advinda do ato não conforme ao esperado; (2) poder compensatório: ao contrário do anterior, obtém a sujeição a partir de uma recompensa positiva ao ato conforme. A recompensa pecuniária nas organizações é a forma mais comum de expressão desse poder; DAVILA; SOUZA; Et al.VERTENTES DO PODER E AMBIENTES ORGANIZACIONAIS Revista Foco (3) poder condicionado: é exercido quando, através da persuasão, educação ou compromisso voluntário, consegue-se submeter o indivíduo ou grupo à vontade alheio. O importante a destacar é que o grau de coesão interna é que determina o poder da organização para alcançar os seus objetivos e de submeter, para a conquista destes, outros grupos externos a ela. Galbraith denominou isso de simetria bimodal: “só obtém submissão externa aos seus propósitos quando conquista submissão interna” (GALBRAITH,1999 apud SANTOS FILHO, 2002 p.04) 3.3 Radical – Crítica “Os estudos de Michel Foucault (1979) acerca do poder divergem do que escrevem outros autores, estabelecendo uma vertente inusitada, com óticas nem sempre aceitas sem controvérsia” (SANTOS FILHO, 2002). Ao contrário da perspectiva de Bourdieu, para que o poder é centralizado, Foucault (2008) trabalha a ideia de uma manifestação do poder de forma plural, possuindo múltiplas dominações que se atravessam, reforçam ou fragilizam sob a forma de um poder menos centralizado, diluído nas relações sociais e não unilateralmente como na concepção bourdieuana. Assim, não só o patrão seria detentor de poder, como também os funcionários, os quais se relacionam entre si impondo ou sofrendo diversos tipos de imposição, podendo utilizar-se de vários elementos que lhes dariam poder sobre o outro, como a informação privilegiada, a idade, o tempo que está na empresa, etc. De acordo com Santos Filho (2002) Foucault enxerga o poder não como um objeto natural, não existe para ele uma natureza, uma essência definida por certas características. Antes, entende o poder como resultado das históricas práticas sociais. Sendo assim, fruto de relações sociais. Revista Foco. 5º edição. Abril de 2012. ISSN 1981-223X 7 Questões como “quem tem poder?” ou ainda “onde reside o poder?”, qual a sua processualística? Isso leva o autor a desvincular o estudo do poder do entendimento da estrutura do estado, visto como detentor máximo do poder. Para Foucault, o poder não esta concentrado em apenas um ponto da estrutura social, mas, sim, diluído entre os pontos dessa estrutura, da qual nada escapa, e manifestando-se nos momentos em que se faz necessário. Existe, portanto, associação implícita entre poder e conflito (SANTOS FILHO, 2002, p. 10). Para Foucault o conhecimento é neutro e isento de tendenciosidade. O exercício do poder em si mesmo cria e faz emergir novos objetos do conhecimento e acumula novos corpos de informação (...) o exercício do poder perpetuamente cria conhecimento e, por outro lado, o conhecimento constantemente induz efeitos do poder (...) não é possível para o poder ser exercido sem conhecimento, é impossível ao conhecimento deixar de gerar poder (Foucault, 2008, p.52). Assim, o poder é inerente ao conhecimento, estando ele diluído na sociedade, ou seja, em todo o lugar em forma de símbolos socialmente construídos. No ambiente organizacional o poder estaria presente em todas as formas e tipos de relações sociais existente. 4 CONCLUSÃO Nota-se que o poder pode ser compreendido a partir de diversas abordagens ou perspectivas. Passando de um poder ligado as relações econômicas até as relações subjetivas. Um poder que pode ser entendido como centralizado e exercido unilateralmente até um poder plural e multilateral. Tais formas de percepção do poder são facilmente observadas empiricamente no ambiente organizacional. Podendo ele se manifestar das diversas formas tratadas neste artigo. Certamente o artigo não dá conta de toda a multiplicidade de DAVILA; SOUZA; Et al.VERTENTES DO PODER E AMBIENTES ORGANIZACIONAIS Revista Foco abordagens da temática “poder”, mas aponta alguns importantes elementos compreensivos para a área da Administração. Foram apresentado três dimensões interpretativa do poder (Simbólica; Radical-crítica e Econômico-política) e discutido a maneira pela qual o poder se manifesta no ambiente organizacional. Reconhecemos a complexidade do tema, que aqui não se esgota, e a importância desse conceito no campo dos estudos das Ciências Sociais aplicada à Administração. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOURDIEU, P. O poder simbólico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. DIAS, Reinaldo. Sociologia & Administração. 2º Ed.Editora Alínea: Campinas/SP, 2003. GOMES DOS SANTOS FILHO, Nelson. O Poder nas Organizações: Vertentes de Análise 2002. Disponível em: < http://www.gerenciamento.ufba.br/MBA%20Disciplinas%20Arquivos/Lideranca/O%20 poder%20nas%20organiza%C3%A7%C3%B5es%20%20vertentes%20de%20an%C3%A1lise.pdf > Acessado em 18 de Nov. de 2011. FERREIRA, Júlio C. B.; VILAMAIOR, Adriana G; GOMES, Bruno Martins A. O Poder nas Organizações. [s/d]. 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